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Figura 8: Foto de mestre-sala e porta-bandeira Benicio e Vilma, 1979
from Design e cultura nas escolas de samba: processo de criação de adereços de cabeças para os casais de
sua parceira amplia os limites do corpo, com hastes de fibra de carbono, pompons e fitas. Para finalizar o adereço do guardião da bandeira com maior verticalização, também, há a presença de plumas de avestruz e pompons que deram volume aos adereços de cabeças do casal.
Ao observar os casais nos anos de 1940 e 1950, notamos que não existia um compromisso com os adereços de cabeças e trajes frente aos enredos proporcionados na época. As adereçarias das cabeças femininas se detinham a um belo penteado e, às vezes, com uma coroa e ou tiara, quanto ao mestre-sala, existia uma preocupação em adereçar a cabeça, embora não apresentasse uma relação com a temática abordada no enredo, todavia existia um tratamento dispensado as adereçagens das cabeças dos casais, isso é inegável. As porta-bandeiras Dodô e Irene, nesse período, não faziam uso de perucas, bem como o mestre-sala Adão par de Dodô, em,1953, que fez uso do chapéu, já o mestre-sala Delegado em 1957 veio de peruca acompanhada de chapéu como adorno de cabeça.
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Entre 1960 e 1970 as indumentárias e os adereços de cabeças do casal já apresentam contextualização com os enredos, o que mostra uma preocupação maior com o referido adereço desse casal no ambiente do desfile de carnaval. Nesse período há uma contextualização entre enredos, indumentárias e adereços de cabeças, o que antes era feito por pessoas próximas da comunidade da escola de samba, que de forma simples, sem compromisso com os enredos, retirados de referencias em imagens de fantasias de carnaval aleatórias, de acordo com o gosto e a expertise de quem modelava e costurava, e que passou a ser idealizado pelo Carnavalesco que tem suas origens que vem de antes das escolas de samba.
O Carnavalesco14 dentro do quadro profissional da indústria do carnaval pode ser autodidata, técnico ou ter formação acadêmica em áreas como história, artes ou design, entre outras. Ele é quem idealiza, realiza e organiza o desfile de carnaval para uma escola de samba. Atua na escolha do enredo, nas pesquisas e nos textos, na investigação imagética, geração de desenhos de figurinos e projetos cenográficos para as alegorias e
14 Utilizo aqui o substantivo Carnavalesco em maiúsculo com a intenção de focar no indivíduo que é o responsável artístico pela produção do enredo e do desfile de uma escola de samba, para que não haja conflito com as outras definições da palavra. Esse profissional “ultrapassa os limites das escolas de samba” de acordo com Guimarães (1992, p. 76). Ele pode ser autodidata, técnico ou acadêmico, com formações em áreas como história, artes ou design.
adereços. Sua atuação tem origens que antecedem às escolas de samba e eram conhecidos como “Técnicos”, como aduz Guimarães (1992):
No processo histórico do Carnaval Carioca, o Carnavalesco tem raízes que ultrapassam os limites das escolas de samba, contexto ao qual atualmente é relacionado. Antônio Francisco Soares é o profissional mais antigos por nós encontrado, levando-se em consideração que idealizou e realizou um solene cortejo em homenagem ao casamento de Dom João com a infanta de Espanha, D. Carlota Joaquina de Bourbon, cortejo este que não era carnavalesco, mas que continha as mesmas características: carros alegóricos, efeito de fogos de artifício e o caráter festivo e comemorativo. Sua realização aconteceu na data de 02 de fevereiro de 1786, por tanto a 205 anos (idem, 1992, p. 76-77).
Ao longo das primeiras décadas dos desfiles, mais especificamente, no ano de 1959 e inicio dos anos de 1960, com a entrada de profissionais (Carnavalescos), da, então, Escola Nacional de Belas Artes, atualmente, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EBA-UFJR) e do Teatro Municipal do Rio de Janeiro que estabeleceram um eixo histórico-temporal melhor delineado e inserem uma preocupação diacrônica com datas e as passagens narradas nos desfiles. Esses compromissos, nos primórdios dos desfiles das escolas de samba não existiam, todavia o casal sempre foi idealizado como os nobres, que guardavam e conduziam o pavilhão ou estandarte das agremiações como especifica Bastos:
No fim dos anos de 1950, as escolas começaram a contar com profissionais advindos da Escola Nacional de Belas Artes (...) O casal Dirceu e Marie Louise Nery (...) no ano seguinte além do casal as escolas contam com outros membros da Escola de Belas Artes: Fernando Pamplona, Nilton Sá e Arlindo Rodrigues. O ano de 1959 funcionou como um ensaio para a grande revolução que viria em 1960. (BASTOS 2010, p. 62).
Nas escolas de samba, pesquisadores citam de forma recorrente, a Escola de Belas Artes e sua grande influência positiva, nas diversas fases de criação dos desfiles ao longo dos últimos 60 anos, devido à vinda de profissionais oriundos da referida academia. O lugar do “Carnavalesco” edificou-se como o maior posto artístico, respeitado e admirado.
Para melhor ilustrar, dois grandes exemplos disso, de forma breve o primeiro foi o desfile de 1959 do Acadêmicos do Salgueiro em que o casal de carnavalescos Marie
Louise15 e Dirceu Nery inovou com fantasias e alegorias mais bem-acabadas, o que fez com que o então julgador, cenógrafo do Teatro Municipal e professor, da Escola de Belas Artes, Fernando Pamplona, nosso segundo exemplo, se apaixonasse pelos desfiles e se tornasse Carnavalesco dos cortejos. Segundo Bastos, o Salgueiro foi aclamado pelo público, embora tenha ficado com o vice-campeonato:
Marie Louise também se envolveu com o nosso carnaval outra paixão declarada – inicialmente, em 1958, ao participar da comissão julgadora dos desfiles. No ano seguinte, Nelson de Andrade “fez o convite para que Nery e Marie Louise fossem carnavalescos do Salgueiro” (COSTA, 2003: 42). (...) Depois de alguns anos consecutivos sem sair do quarto lugar, no carnaval de 1959, a escola conquistou o segundo, demonstrando dessa forma a aceitação, por parte dos jurados, da estética da nova carnavalesca. Em 1960, Fernando Pamplona, convidado por Nelson de Andrade, desenvolveria o enredo que contava a história do Quilombo dos Palmares. Inovando os desfiles de enredos, até então, patrióticos e nacionalistas, coloriu a avenida de vermelho e branco, nos traços, volumes e formas da África, ao narrar a história da escravidão do negro africano. Um grande teatro, ao ar livre, onde uma espetacular performance profissional apresentou a origem da nossa cultura (SETTE, 2011. p. 03).
Enfim, seja em épocas que as costuras eram feitas pelas costureiras da comunidade, idealizados por brincantes apaixonados, ou por profissionais autodidatas, técnicos ou por acadêmicos em ateliês especializados, o que observamos em todos os períodos foi uma preocupação com as indumentárias e os adereços de cabeças dos casais de mestressalas e porta-bandeiras no carnaval carioca.
1.2 Os adereços de cabeças dos casais de mestres-salas e porta-bandeiras: observações em dados históricos, formas e volumes
Na atualidade, há uma sofisticação na elaboração das fantasias e adereços dos casais, na medida em que elas definem em seus elementos constitutivos o período histórico, ou abstraem formas, silhuetas e linhas de um eixo temporal pré-determinado pelo enredo. Segundo GUIMARÃES, 1992, p. 76-71, “Os desenhos dos figurinos são ajustados ao
15 Marie Louise nasceu em Berna, na Suíça, em 1924. Estudou na Escola Técnica de Ofícios (Gewerbeschule) e na Escola de Artes Utilitárias (Kunstgewerbeschule). Casou-se com Dirceu da Câmara Nery, cenógrafo e aderecista pernambucano, com quem formou uma dupla de reconhecido talento. Em 1957 veio para o Brasil, e logo começou a participar ativamente da vida artística e cultural do Rio de Janeiro. Em 1959, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro deu início a uma das primeiras revoluções estéticas do carnaval carioca.
enredo, devendo seguir as representações dos setores que serão transformados em alas, e aqueles elementos individualizados”.
No que se referem aos setores, esses expõem designs específicos, parte do enredo, e nessa conjuntura o casal de mestre-sala e porta-bandeira através de suas indumentárias se encontram inseridos plasticamente em determinado espaço do desfile. Os adereços de cabeças acompanham o setor de forma a contemplar parte do enredo.
As adereçarias das cabeças dos figurinos de carnaval das escolas de samba, de um modo geral, recebem em sua confecção tratamentos diversos e vários materiais são aplicados a elas como por exemplo, o design de superfície para as estamparias exclusivas para maior fidelidade ao enredo. Além dos arames e vimes para as armações que verticalizam as fantasias, também é comum a construção de adereços para dar movimentos às fantasias como, abre e fecha e giratórios “que aparece como recursos de impacto criativo perante o público e jurados”, relatam Almeida e Oliveira (2019).
Em um contexto que compreende os anos de 1980 ao novo milênio observaremos as mudanças de paradigmas por parte dos designs no que se refere à inclusão do adereço de cabeça na temática a ser apresentada, em consonância com a indumentária que complementa a leitura do setor em que se encontra o casal. O que não quer dizer que a clássica peruca da nobreza tenha sido abolida, mas até ela recebeu novos tratamentos para melhor adequação aos enredos das agremiações, referenciadas por tempo histórico e dinastias, volumes, fios de cabelos em cores mais naturais e penteados, quando pertinentes.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira na sua progressão histórica ganhou notoriedade nos desfiles de carnaval, e se torna um dos quesitos mais aguardados pelo público que espera assistir ao bailado e as mesuras dos portadores da bandeira.
A nobreza dos casais que guardam as bandeiras das escolas de samba está provada na escolha dos pares de enamorados, que, mesmo com toda excelência atribuída no desenvolvimento da função são pessoas que detêm o manejo corporal para a dança. Logo, não são escolhidas, para isso, pessoas famosas, nem corpos esculturais como são comuns em alguns cargos devido à exposição midiática que o espetáculo carioca
promove.
Apesar da importância atribuída a esse papel, não são escolhidas, para desempenhá-lo, pessoas famosas ou celebridades, diferenciando-se, por exemplo, das rainhas de bateria, lugar ocupado por jovens e belas atrizes ou modelos. Também não são exigidos necessariamente corpos esbeltos. Distinguindo-se dos outros integrantes da escola a quem o corpo à mostra é permitido e valorizado, o mestre-sala e a portabandeira vestem roupas comportadas e luxuosas. A mulher usa uma fantasia recatada, saias longas e rodadas, e o homem usa luvas, meias e sapatos forrados (GONÇALVES, 2010, p. 21).
Diferente de outros componentes dos desfiles das agremiações o casal de mestre-sala e porta-bandeira, desenvolve seu bailado, nome da dança no meio carnavalesco, corporalmente de forma oposta ao ato de sambar. Para eles o samba no pé é coibido, sendo até penalizado com a perda de décimos, que compromete a acirrada disputa pelo título de campeã almejado pelas Escolas nos dias de festejos de Momo (GONÇALVES 2010).
Em entrevista, o mestre-sala Delegado da Mangueira (GONÇALVES 2010 p.89) descreve sua narrativa:
A dança do par é, portanto, a representação de uma complementaridade de funções desempenhadas pela porta-bandeira e pelo mestre-sala. Na relação do casal é importante que haja um cortejo do homem em relação à mulher. É preciso que se apresentem como um casal “enamorado”. Aprende-se que para que se desempenhe na dança uma representação do amor romântico, a mulher não deve expressar passividade, e nem um interesse óbvio e imediato pelo parceiro. Deve ser sutil, discreta, porém altiva. Nessa dança, portanto, uma postura tida como tradicional é desempenhada por meio de movimentos mais suaves e sóbrios ligados à representação dos gestos nobres e à apropriação expressiva da delicada dança de um minueto.
A tendência de um olhar mais tradicional frente ao casal não se aplica a outros quesitos, nos quais as inovações e criatividades deixam as escolas de samba mais próximas da nota máxima. Ao contrario de outros setores, o casal guardião da bandeira, ao exibir ousadias no figurino, efeitos aplicados as fantasias, ou ainda interações com outros quesitos, como comissão de frente ou alas, não são bem avaliados pela maioria dos julgadores do tradicional casal das escolas de samba, assim descreve Gonçalves (2010).
O olhar tradicional, ainda, não admite grandes inovações na composição do adereço de cabeça, suas vestes e na dança do casal, pois muitos jurados justificam suas notas abaixo da máxima, em virtude do figurino carnavalesco em desfile e seu adereço de cabeça que por vezes se mostram fora dos padrões habituais. Na atualidade, os casais
estão posicionados no início do desfile, logo após a comissão de frente como estratégia de desfile16 o que se tornou uma prática a partir do ano de 2003 aproximadamente. Outro fato importante, para a dança do casal é como esse adereço cabeça é pensado para melhorar o conforto e ajuste correto de fixação na cabeça, de modo que não atrapalhe o bailado com desenvoltura, elegância e leveza, fatores que influenciam na apresentação do mestre-sala e porta-bandeira.
Com o tempo os adereços de cabeças em algumas ocasiões mantiveram seus designs originais, recebiam algumas alterações e em determinados casos como vimos nos anos de 1940 e 1950, apenas detalhes, para adornar a própria cabeça, eram usados pelos casais, nos anos de 1960 e 1970 toda adereçaria que arranjam os figurinos de carnaval e os adereços de cabeças do casal passou a ser pensada como parte do enredo. Contudo, à cabeça como parte do corpo, para o casal de mestre-sala e porta-bandeira sempre foi adornada, e quando não, bem penteada no caso da figura feminina. Ao fazer as análises dos adereços, a partir dos anos de 1980, até na atualidade se observou traços do passado.
Figura 09. Mestre-sala e porta-bandeira Roxinho e Soninha, 1985. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:CARNAVAIS_Dantas_Emo%C3%A7%C3%B5es__Roxinho_e_Soninha.jpg. Acesso em: 17/12/2020.
16 Os casais de mestre-sala e porta-bandeira, de um modo geral, vem posicionado na frente da escola, logo após a comissão de frente, como estratégia de andamento de desfile. Assim as escolas fazem três paradas para o julgamento da comissão de frente e do casal em seguida, nas três cabines, sendo primeira no setor 3 das arquibancadas com cabines duplas, uma simples no setor 6 e duas cabines duplas no setor 10. Após as três paradas dos dois quesitos em seguida a escola tem um cortejo fluido, sem paradas e sem quebra de harmonia.