se é para nos calar, esquece. Ricardo Da Fonseca e Hilton Abi-Rihan
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ão há dúvida de que vivemos dias perigosos, que ameaçam o estágio de democracia que alcançamos em nosso país. Não é de hoje que a sociedade brasileira vem sendo agredida por movimentos silenciosos que, sob disfarces, defendem interesses muito distintos dos interesses do cidadão brasileiro. Como se não bastasse uma histórica e absurda carga tributária, um alto grau de insegurança pública, uma frágil rede pública de saúde e uma política de educação pública ineficaz, o brasileiro agora tem que enfrentar, também, a ousadia dos que buscam controlar as manifestações culturais do seu povo. Cultura não é apenas um mero instrumento de entretenimento e lazer. É expressão e manifestação dos povos. É a forma como eles se relacionam com seu meio ambiente, com suas crises, com suas conquistas, com seus amores, com seus sonhos, com seus medos e suas derrotas. É a forma como eles - os povos - se relacionam com as suas comunidades e com os seus antepassados. Cultura não é brinquedo nem produto cultural. Mais que isso, cultura e suas livres manifestações são, quando assim se colocam, instrumentos de reação e resistência, de confronto e luta. A cultura livre é instrumento legítimo de reivindicação, que desde tempos remotos buscam ser silenciados, controlados e isolados pelos que se sentem incomodados.
Em uma sociedade que constrói uma democracia — que deve ser consolidada através do pacífico confronto intelectual e da negociação equilibrada de interesses —, a cultura é a ponte que une cidadãos, comunidades e Estado para a construção dessa sociedade democrática e solidária. Por isso, o Estado não pode agir no controle do acesso e da distribuição da manifestação cultural, que deve seguir seu fluxo com liberdade e inclusão. E nesse cenário, é fundamental o papel das agremiações de Carnaval e da mensagem que elas, com ousadia e coragem, apresentam ao público. A Beija-Flor de Nilópolis é uma poderosa representante dessas mensagem. E não é de hoje. Já nos enredos “Ratos e urubus, larguem a minha fantasia” e “Saco vazio não para em pé”, a agremiação nilopolitana mostrou que via no desfile de Carnaval um cenário perfeito para reivindicações sociais e políticas. E agora, com o enredo “monstro é aquele que não sabe amar - os filhos abandonados da pátria que os pariu”, a agremiação nilopolitana mostra mais uma vez o papel essencial que o Carnaval exerce na discussão do óbvio necessário. E se os que se locupletam com a desigualdade, com a crendice e a ignorância se sentem ameaçados com as expressões culturais livres e agem para silenciar esse movimento, um recado: Se é para nos calar... esquece.
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carnaval. eu respeito. Anizio A. David
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essa mensagem inicial de Boas Vindas ao Carnaval – que faço em nossa revista desde quando a lançamos há dezesseis anos -, gostaria de falar da minha alegria por mais uma vez estarmos oferecendo ao carioca e aos brasileiros que chegam à Cidade Maravilhosa, essa linda e vibrante festa de Carnaval, que une com muita emoção o poder criativo e artístico do nosso povo através da dança, da música e do teatro. Já perdi a conta dos anos que estou no Carnaval, mas acompanho e participo dessa festa há muitas décadas. E em todo esse tempo convivi com muita gente de coração grande, que com sua criatividade e inteligência sempre trabalhou para oferecer um Carnaval de qualidade para o público presente. Dedicados e dedicadas sambistas, isso sem falar, naturalmente, dos componentes de cada agremiação, que se entregam com amor e disciplina a essa festa. Sambistas de corpo e alma, que nunca economizaram esforços e dedicação para levar para o Carnaval o samba que corre em suas veias. E que corre nas minhas também. A cada início de desfile meu coração bate mais forte, quando ouço o ritmo da bateria ‘soberana’ anunciando a entrada na Marquês de Sapucaí da nossa Beija-Flor de Nilópolis. Bate mais forte meu coração, quando ouço o grito de guerra do Neguinho: ‘Olha a Beija-Flor aí, gente!’ e vejo o brilho do Abre-Alas anunciando na Sapucaí a chegada da nossa escola. A cada desfile me emociono, como se fosse o primeiro de que participei, quando vejo o público feliz, cheio de alegria e animação nos aplaudindo. E nessa hora percebo como tem valido muito a pena os esforços que temos realizado, durante tantos anos, para colocar o Desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro em um lugar de respeito, valorizando as agremiações e os sambistas – os verdadeiros donos da festa.
Quem vê o Carnaval como é hoje, organizado ao extremo, seguro, grandioso, não imagina os obstáculos que tiveram que ser ultrapassados e que, superados, fizeram desse o maior espetáculo popular a céu aberto do planeta, oferecendo aos que aqui chegam entretenimento, lazer, descontração, alegria e cultura. Hoje somos um evento popular respeitado em todo o mundo. Turistas brasileiros chegam à nossa cidade para ver o nosso Carnaval. Estrangeiros saem de seus países em longas viagens somente pensando em ter essa experiência única e participar do Carnaval carioca. Eu me sinto privilegiado por tudo isso. Privilegiado porque faço parte de tudo isso. Faço parte desse grupo de pessoas que respiram samba e Carnaval, e que permanecem dando suas contribuições para fazer desse mundo um lugar melhor para se viver e ser feliz. E não apenas durante o desfile das escolas de samba. Pela contribuição que o mundo do Carnaval tem para a melhoria de vida de muita gente, através da sua inclusão social e econômica. Também me sinto orgulhoso. Nossa fábrica de sonhos oferece oportunidades de empregos para profissionais de todos os tipos: artistas, nutricionistas, aderecistas, ferreiros, dançarinos, marceneiros, designers, cozinheiras, operadores de máquina, seguranças, ritmistas, administradores, historiadores. Sou um privilegiado por Papai-Do-Céu ter me permitido ver tudo isso que vejo e ter me dado saúde para estar aqui com todos vocês, que fazem essa festa mais bonita e animada. Me sinto feliz e privilegiado, porque agora em 2018 minha querida escola de samba Beija-Flor de Nilópolis completa 70 anos de fundação e de serviços prestados a arte, a cultura e a alegria. Obrigado. E um bom Carnaval a todos. Fevereiro Fevereiro 2018 2018
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A revista Beija-Flor de Nilópolis — uma escola de vida, ISSN 1678-3611, é uma publicação oficial do Grêmio Recreativo Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis e produzida pela Widebrasil Comunicação Integrada Ltda. As opiniões emitidas nas entrevistas concedidas e os textos assinados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a posição dos editores ou da agremiação. É permitida a reprodução parcial ou total das matérias, desde que citada a fonte. Fevereiro de 2018 - Tiragem: 60 mil exemplares
Produção
WIDEBRASIL COMUNICAÇÃO INTEGRADA www.widebrasilcomunicacao.com e-mail: widebrasil@widebrasilcomunicacao.com Av. Rio Branco, 18 Rio de Janeiro Telefone: (21) 2283-3954 / (21) 9 9776-2554
Editores Ricardo Da Fonseca Hilton Abi-Rihan Felipe Lucena Jornalista Responsável Ricardo Da Fonseca, MTb RJ23267JR Conselho Editorial Anizio Abrão David Almir Reis Felipe Lucena Hilton Abi-Rihan Ricardo Da Fonseca Ubiratan Guedes Redação Felipe Lucena, Hilton Abi-Rihan, Miro Lopes e Ricardo Da Fonseca. Projeto Gráfico R. Gatto Tratamento de imagens Humberto Souza Recorte de imagens Priscila Cavallo
G.R.E.S. BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS Presidente de Honra: Anizio Abrahão David Diretoria Executiva Presidente Executivo Administrativo – Ricardo Martins David Secretário da Presidência – Raphael da Costa Reis Vice-Presidente de Finanças – Marcos Reis Fernandes Vice-Presidente Administrativo – Almir José dois Reis Vice-Presidente de Patrimônio – Jorge da Cunha Velloso Vice-Presidente de Integração Comunitária – Abraão David Neto Vice-Presidente de Marketing – Leonardo Durão Uchôa Vice-Presidente de Comunicação e Divulgação – Natalia L.S.L. de Almeida Vice-Presidente Cultural e Artístico – Bianca Vaz Behrends Vice Presidente de Carnaval – Luiz Fernando Ribeiro do Carmo Vice-Presidente Social e Recreativo – Nelson Alexandre Sennas David Vice-Presidente Jurídico – Carlos Alberto Diogo de Souza Vice-Presidente de Esportes – Elan Pereira Santiago Diretor Administrativo – José Renato Granado Ferreira Diretor de Finanças – Alexandre da Silva Esposito Diretor de Patrimônio – Lenile Honorio Pessoa Diretor Cultural e Artístico – Hugo Leonardo Ribeiro de Oliveira Diretor Social e Recreativo – Marcelo Luiz Baptista da Rosa Diretor Jurídico – Paulo Roberto Ferreira de Oliveira
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Revisão de Texto Felipe Lucena Atendimento Comercial Rosângela Melo Fotografia Danilo Tavares, Henrique Matos, Humberto Souza, Jocenir Lopes, Leonardo Legey, Luís Leite, Maria Zilda Matos, Mariana Legey e Ricardo Da Fonseca. Agradecimentos Almir Reis, Ricardo Azevedo, Luís Carlos El-Huaik de Medeiros (Cacau Medeiros), Bianca Behrends, Christina Leite, Haroldo Costa, Jorge Castanheira, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni), Laíla, Luiz Antônio Simas, Luiz Carlos Prestes Filho, Marcelo Torquatro, Maria de Lourdes Goulart, Anderson Machado, Roberto da Matta, Tia Glorinha e Victor Andrade de Melo. Esclarecimento A escolha e seleção das fotografias que ilustram a edição 2018 da revista Beija-Flor de Nilópolis - uma escola de vida, seguem critérios estritamente artísticos e jornalísticos (transmissão de uma determinada mensagem), ainda que de modo subjetivo, e não indicam, direta ou indiretamente, preferências específicas do GRES Beija-Flor de Nilópolis (ou de sua diretoria) e/ou da WideBrasil Comunicação Integrada por pessoas ou alas.
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vem aprender o amor na Beija-Flor Ricardo Abrão, presidente administrativo
Enredo que a Beija-Flor de Nilópolis apresenta neste Carnaval de 2018, em meio às muitas mensagens que ele traz, contém mais uma vez a ousadia e a coragem da escola em abordar temas que falam ao coração do povo brasileiro.
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Tenho certeza de que, em memória dos nossos fundadores, que em 1948 acreditaram em um sonho, mostraremos uma bela criação em forma de um desfile perfeito, alegre e repleto de mensagens que celebrem a paz, sob um céu azul e branco.
No momento em que nosso país vive dias turbulentos, fazendo com que a sociedade se agite e questione vários dos seus próprios segmentos, nada tão atual e apropriado como levar para a Avenida um enredo como o que foi concebido pela agremiação: “Monstro é aquele que não sabe amar! Os filhos abandonados da pátria que os pariu”.
E como diz a letra de nosso samba-enredo “(...) você que não soube cuidar, você que negou o amor, vem aprender na Beija-Flor”. Vem.
Não tenho dúvidas que este ano faremos mais um grande e memorável desfile, deixando reflexões importantes para todos nós, fazendo-nos olhar, pelas lentes da alegria do Carnaval, temas como intolerância e necessidade de mais respeito pelo outro... Mais fraternidade, para que se reduza em grandes proporções todo e qualquer tipo de diferenças e desigualdades, principalmente as sociais. Que o nosso cortejo, ao passar pela Sapucaí, deixe em todos os corações não só a reflexão do quanto precisamos mudar para construir um mundo melhor mas, principalmente, que a energia da Beija-Flor de Nilópolis e seus componentes deixem a força da esperança no eterno poder do amor, nos transformando sempre em criaturas admiráveis. E neste ano em que o G. R. E. S. BeijaFlor completa seus 70 anos de fundação, com uma história de glórias e conquistas, é hora de nossa comunidade, consciente da força que carrega dentro de si, mais uma vez mostrar o quanto é guerreira e batalhadora.
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monstro é aquele que não sabe amar os filhos abandonados da pátria que os pariu Miro Lopes jornalista
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desfile das escolas de samba é um grandioso espetáculo de luzes, cores e movimento que, devido ao alto grau de competitividade entre as agremiações, exige de cada uma delas foco, determinação e muita coragem. Coragem, inclusive, para mudar.
E do alto dos seus 60 anos de serviços prestados ao Carnaval carioca, Luiz Fernando ‘Laíla’ Ribeiro do Carmo, diretor de Carnaval da Beija-Flor, já começa a anotar as alterações que entende serem necessárias e começa a alinhar ideias para o próximo desfile-embate na Passarela do Samba. Parte, então, para a já tradicional reunião com o presidente de honra da Beija-Flor, Anizio A. David, para discutir os rumos para o Carnaval 2018. Na reunião Laíla é enfático: “o caminho alegórico da escola chegou ao fim e a escola precisa de uma reformulação. Algumas mudanças precisam ser encaradas e sei como fazê-las. O Anizio entendeu o que eu pretendia e ficou decidido que essas mudanças seriam feitas. A partir daí buscamos colocá-las em prática”, completa. “Foram observados alguns aspectos aos quais se poderia dar maior atenção, com um olhar mais voltado para os pontos que poderiam gerar mais interesse do público, no dinamismo do espetáculo, sobretudo. Todos sabem que há sempre um grande interesse do público em ver a entrada da escola. Tem os belos espetáculos da Comissão de Frente, a representatividade dos grandes casais de
mestre-sala e porta-bandeira, trazendo as flâmulas de cada escola, e a beleza dos abre-alas, enfim logo após essa exposição toda, percebe-se, no entanto, que o interesse em acompanhar o resto do desfile vai diminuindo. Daí, buscamos uma base na qual se pudesse propagar algo interessante, trazendo a narrativa para o que está sendo visto num espetáculo de plasticidade, de cena, e com a finalidade de instigar a que o espectador continue vendo o que vem pela frente – uma coisa que vá puxando interesse até o final do espetáculo, era a questão”, explica o coreógrafo Marcelo Misailis, que esse ano deu uma contribuição ao desfile na questão cênica. Neste ponto, a decisão de reformulação ficara decidida. Mesmo trazendo um conteúdo para valorizar o desfile, as escolas sempre serão julgadas com rigor, como manda o regulamento. É quando reformular com ousadia faz a diferença. Em meados dos anos 30, as escolas começaram a apresentar enredos cívicos que, com o passar do tempo foram substituídos por temas culturais – Ciência, História, Literatura, Artes etc. –, exigindo um visual com alegorias mais sofisticadas e encenações mais elaboradas. Entretanto, fazer Carnaval demanda investimento e exige talento. E em 2017, não bastasse sua importância turística, econômica e principalmente cultural, o Carnaval da cidade do Rio de Janeiro foi ferido pela intolerância: o investimento indispensável às escolas, que são, na verdade, responsáveis Fevereiro 2018
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por um retorno financeiro incalculável, em apenas três dias de festa, teve sua concessão questionada por um ‘monstro de ideias rotas’. “Parecia que estávamos adivinhando o que viria”, relata Laíla. “Lá no início nós tínhamos um projeto, tínhamos os caminhos para o reaproveitamento - já pensando nessa situação que a gente já estava vendo um pouco a frente. E mesmo que não tivesse essa situação, tínhamos a intenção de fazer um Carnaval mais barato, bem popular. Eis, a razão para logo após o Carnaval termos dado uma limpada na Comissão (reduzida à metade)”, acrescentou. Nessa nova fase, mais enxuta, Marcelo Misailidis foi um dos a sugerir um enredo para 2018: “A partir da obra de Mary Schelly ‘Frankenstein, o mo-
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derno Prometheu’ - estamos trazendo toda uma releitura de todas as questões que norteiam a obra - que é a ambição, o abandono e a intolerância, que estão absolutamente presentes nos dias de hoje. Buscamos alguma coisa que fale dos dramas que se vive hoje, porque para se trazer o público jovem é também importante que se pontue aquilo que ele vive hoje”, declara Marcelo. Com a proposta de enredo na mão, Laíla e a Comissão Carnavalescos inicia a fase de ajustes e adequações: “Fizemos alguns acertos que tinham que ser feitos para a ideia do enredo ficar de acordo com o que é o Carnaval da Beija-Flor. Eu e a Comissão de Carnavalescos tínhamos levado, anos atrás, um enredo no qual propunhamos falar da vida do brasileiro nos dias de hoje, com essa opressão, essa corda no pescoço do dia a dia. Seria o “Brasil quero falar de você”. Depois de algumas conversas e ajustes, unimos a ideia da Comissão à do Marcelo, que era sobre falar da história do Frankenstein na Avenida. Começamos a desenvolver o desfile dentro das ideias alegóricas do Marcelo e tentando fazer o chão se aproximar daquilo que o Carnaval da Beija-Flor prometia. Conseguimos fazer um bom chão. Carnaval limpo, tentando mostrar para aqueles que participam, para o povo brasileiro, uma maneira de reivindicar aquilo que se deseja sem as brigas constantes. E eu estou muito satisfeito. Até porque, hoje a Comissão de Carnavalescos tem uma integração direta com projeto alegórico que foi montado e com a sua mão carnavalizando isso”. Um desfile que promete ser inesquecível, segundo Leo Mídia, integrante da Comissão de Carnavalescos da agremiação: “Estou muito confiante no Desfile da Beija-Flor. O tema social é sempre tocante, e o chão da escola está lindo, emocionante. Acho que dá para entender, né? O que vamos mostrar na Avenida é um pouco do que sentimos no nosso dia a dia. Então, mais do que nunca, o desfile de Carnaval será a nossa voz sendo ouvida. E em um desfile que será certinho, ajustadinho. O trabalho que o Laíla faz com nossa comunidade sempre me impressiona. Ele entende muito do que faz. E o que acho muito bacana é que aqui na Comissão de Carnavalescos ele não impõe as coisas - o que poderia fazer pela sua capacidade e experiência. Não. Ele vai conversando, te fazendo perguntas e fazendo você entender o ponto de vista dele. Isso faz uma enorme diferença no meu trabalho, porque vou aprendendo a fazer Carnaval quase que de uma maneira didática”. www.beija-flor.com.br
Rodrigo Pacheco, também da Comissão de Carnavalescos, dá a sua opinião sobre o desafio de realizar mudanças no Carnaval, como as que a Beija-Flor buscará fazer esse ano: “O Carnaval precisa de mudanças - sempre. Não apenas esse ano, nem nada específico ou por uma razão qualquer, mas simplesmente porque Carnaval é expressão artística, e arte está sempre em evolução, ou melhor, em modificação. Faz parte do processo de construção de um Carnaval. A gente sempre acaba querendo fazer algo diferente. Nem sempre as coisas ficam como a gente quer, mas aí, no ano seguinte, a partir dos erros, a gente pega aquela experiência não tão bem sucedida e tenta fazer algo melhor. É nessa hora que muitas vezes surgem as grandes realizações do Carnaval”, declara. De volta à casa na condição de integrante da Comissão de Carnavalescos, o alagoano de Arapiraca Cid Carvalho avalia com segurança as dificuldades, em termos de crise, que a agremiação irá enfrentar com relação ao material para alegorias e fantasias para se adequar à proposta estética atual: “Nós temos dois luxos no Carnaval: o primeiro, é o que o dinheiro compra. Quem tem dinheiro tem acesso a esse luxo. O segundo, é o luxo da criatividade. Esse, só os criativos tem o acesso e a possibilidade. Então, mesmo para uma escola estruturada, organizada, muito bem administrada isto tudo que está acontecendo é lugar comum para a Beija-Flor. Mesmo nessa estrutura toda, nós vamos aliar o Carnaval de qualidade, em termos de material, buscando o visual luxuoso sem necessariamente ser uma coisa cara, e até porque o enredo pede. Porque é um enredo que fala de mazelas, dos abandonados, dos excluídos. Você não pode fazer uma escola bordada, de luxo do começo ao fim. O enredo sugere uma nova linguagem, uma nova proposta estética. O momento aconselha também que a gente siga por esse caminho, e é o que nós estamos fazendo”.
Enredo definido, barracão em standby, é hora de levar aos compositores a sinopse para a criação dos sambas-enredos que disputarão o título de samba enredo mais adequado para a proposta da agremiação. “Eu tenho consciência da força de um samba-enredo na Avenida. Já tivemos desfiles lindíssimos que explodiram no Carnaval porque o samba era maravilhoso e mexia lá dentro do componente. É por isso que ano a ano venho dando uma atenção mais especial à essa questão do samba-enredo. Quem me conhece sabe como dou valor a um bom samba. E é por isso que esse ano resolvi dar mais uma mexida nas coisas. O Carnaval precisa dessas mexidas uma vez ou outra. Mas o cara tem que conhecer de Carnaval para querer mudar. Não adiante se achar intelectual e ter lido três livros de Carnaval para fazer mudanças que funcionem. É por isso que me garanto. Esse tempo todo no Carnaval me deu mais conhecimento, segurança e sensibilidade para perceber quando tem algo errado. Não sabia bem o que era. Fiquei na minha. Calado mas observando. Até que comecei a perceber onde estava o problema e levei meus pensamentos para os meninos da Comissão de Carnavalescos. Discutimos muito e chegamos à conclusão que o problema estava na apresentação da sinopse. Precisávamos fazer uma reformulação. Essa rotina do ‘toma a sinopse e segue isso aqui’ é que estava matando nossos sambas, porque de um tempo para cá os sambistas no corte de samba têm achado que quanto mais próximo seu samba for da sinopse que lhes entregamos, mais chances eles tem de vencer a disputa. Eles estão errados, e acabam fazendo sambas engessados, amarrados. Resolvemos, então, passar a todos os compositores qual era o enredo, mas deixando para eles a liberdade do enfoque. Explicamos que o tema tinha que abranger o Brasil com os fatos e problemas atuais, mas dando a eles a liberdade para que cada um falasse a sua verdade, o seu sentimento e a
"Sonhar com filharada... é o coelhinho Com gente teimosa, na cabeça dá burrinho E com rapaz todo enfeitado O resultado pessoal... É pavão ou é veado" Sonhar com rei dá leão
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sua forma de ver o que propomos, para construir seu samba-enredo. Aí, então, nós iríamos analisar o samba para saber qual seria o caminho cenográfico, no caso as alegorias e as fantasias. E o resultado foi sensacional! Não tivemos nenhum samba feito da mesma maneira. Cada compositor buscou seu samba através do seu entendimento da situação política do país. E por causa disso, chegamos a um samba maravilhoso”, declara orgulhoso Laíla, por mais uma bola dentro da Comissão de Carnavalescos. Com os principais ingredientes iniciais do desfile bem afinados, o que se espera da Beija-Flor e de seus componentes na Avenida, é um desfile impactante e criativo, e do público, uma forte identificação com o enredo, afinal, de acordo com Cid Carvalho, “‘Monstro é aquele que não sabe amar, os filhos abandonados da pátria que os pariu’” é um enredo oportuno, que propõe escancarar as mazelas deste país, que sofre os desmandos de quem o governa, de quem o comanda historicamente. Então, eu acho sinceramente que o enredo da Beija-Flor é acima de tudo, a voz do povo brasileiro. A grande dificuldade que um carnavalesco pode ter com esse enredo é que a cada semana os nossos governantes criam um fato novo, que se enquadra exatamente dentro da nossa proposta de escancarar as mazelas do país. Então, se dependêssemos da ‘criatividade’ de alguns dos nossos políticos, nós não conseguiríamos fechar esse enredo nunca, porque eles são infelizmente um prato de inspiração: a cada semana eles estão nos brindando com uma novidade nesse sentido”, finaliza com ironia o carnavalesco.
A Comissão de Carnavalescos da Beija-Flor de Nilópolis: Leo Mídia, Victor Santos, Rodrigo Pacheco, Cid Carvalho e Bianca Behrends.
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papo reto com Laíla Ricardo Da Fonseca - Muita gente fala que o desfile das escolas de samba deixou de ser uma festa do povo devido à comercialização - de enredos, camarotes, etc - e à busca exagerada de autopromoção realizada por candidatas à “celebridade” que existe, tirando o povo da festa. O que pensa disso? Laíla - Isso é uma tremenda bobagem. Veja bem. São doze escolas que colocam seus componentes na Avenida. Então vamos falar daqui da BeijaFlor: nós temos mais de 3.000 componentes desfilando. Se 10% ou 20% forem de fora da comunidade, como se pode dizer que o Carnaval é elitista? Uma Rainha de Bateria da comunidade. Ritmistas da Comunidade. Musas da Escola que são das comunidades. Velha Guarda de pessoas da comunidade. Que elitismo é esse? O Carnaval é a festa mais democrática de todas. Aqui entra rico, pobre, feio, bonito, gay, jovem, adulto, trans, idoso, sambista de primeira hora e sambista de última hora... Aqui entra até quem não é sambista mas que quer estar aqui. O Carnaval é do povo. E até que me convençam do contrário, povo é todo mundo. Então não tem nada de Carnaval elitista. Qualquer um que se chegar com o coração limpo será bem-vindo. Ricardo Da Fonseca - Mas você não pode negar que desde a época do pessoal da Escola de Belas Artes existem pessoas que não são do universo do samba e do Carnaval e que buscam se apropriar de determinados espaços simplesmente para atender sua vaidade pessoal e ganhar visibilidade através do Carnaval. E hoje isso acontece mais do que nunca, especialmente porque pelo menos durante dois meses os assuntos relacionados ao desfile das escolas de samba ganham um grande espaço em todas as mídias do Brasil. Sem falar da transmissão internacional pela TV e Internet. Não acha que essa presença dá um ar de invasão in-
devida de pessoas que não são do samba e das escolas de samba, se apropriando de espaços do povo? Laíla - Amigo, veja bem. Não é nada disso. A pessoa vir para uma escola de samba para aparecer, para se promover, sempre aconteceu. Mas isso só acontece porque fazemos um espetáculo grandioso e que atrai o interesse de todos. Querer se promover de maneira correta e honesta não é ruim. Isso só prova que o Carnaval é uma festa importante e que as escolas de samba são espaços democráticos e não elitistas. O Carnaval tem que ser para todos. Então se o cara vem para somar, para contribuir com a festa, não há problema. A questão que a gente tem que ficar atento é para que determinados tipos de pessoas não assumam os postos de importância nas escolas. Existem pessoas que não são do mundo do samba e que não entendem nada de samba e não são humildes: querem impor no samba e no Carnaval a sua forma errada de trabalhar. Essas pessoas são perigosas porque chegam com a sua cultura e seu conhecimento de fora e acham que por isso sabem mais que nós, os sambistas. São pessoas que tiveram a chance de estudar em boas escolas, fazer bons cursos, ler bons livros e por isso acham que sabem mais do que nós, povo simples que vem dos morros e das favelas. Isso sim me preocupa. Me preocupa essas pessoas não ouvindo quem é do samba e tentando transformar o desfile em algo que não tem nada a ver com o samba e o Carnaval. Aqui na BeijaFlor temos sido felizes, porque o Anizio não é do morro, mas é do samba e com sua sensibilidade, sempre soube conduzir com humildade e autoridade a nossa escola. Sempre respeitou a origem dos componentes da Beija-Flor, que são pessoas simples e do povo. Ricardo - Sim. Você tem razão. Como em qualquer movimento cultural existem aqueles que ameaçam
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as suas origens pela falta de humildade e arrogância. Pessoas que se relacionam com o Carnaval com um certo ar de superioridade, não é? E isso não é de hoje. Nesses anos de produção da revista circulei por muitos ambientes dentro das escolas de samba e do Carnaval - dos diversos grupos - e conheci pessoas que por sua formação se achavam intelectuais, e mesmo sem experiência no samba e Carnaval, tentavam se impor pelo discurso de aparência intelectual. Mas como você, lida com esse tipo de coisa? Porque o Pamplona, o Arlindo, e a Rosa eram, eu acho, considerados intelectuais. Nessas seis décadas que trabalha no samba, como é o seu convívio com intelectuais? Você se dobra a eles só porque eles se autointitulam “intelectuais”? Laíla - Não sou intelectual. E no Carnaval, a maioria das pessoas que trabalha não é intelectual. Mas são pessoas que realizam suas tarefas sem precisar de títulos, que para mim pouco significado tem. Eu tenho uma escola de samba para dirigir no barracão, nos ensaios e na Avenida. Se meu pessoal de criação é competente e criativo, não precisa de diploma. Se meu pessoal de barracão trabalha corretamente, não precisa apresentar título de intelectual. Se meu pessoal na quadra canta com amor, faz corretamente as coreografias, para que mostrar um título de gênio? O que importa é o coração! Tenho muito tempo de samba e Carnaval, e já vi muito intelectual fazendo bobagem e perdendo Carnaval por vaidade e mau gosto e já vi muita gente do povo, humilde, fazendo belíssimos desfiles, aclamados pelo público. Se prestar atenção vai ver que a maioria dos Carnavais é feito por gente do povo, pessoas sem escolaridade, mas com uma enorme capacidade criativa e coração na boca. Então, essa historinha de intelectual comigo não cola. Eu trabalhei com intelectuais no Carnaval - com a Rosa, o Pamplona, o Arlindo, o João. Todos intelectuais sim. Mas as coisas sempre foram assim: a gente tem que conversar e decidir de igual para igual, com justiça e valorizando o que é melhor para a escola. Não tem essa de me submeter a ninguém só porque se diz intelectual. Aqui na Beija-Flor, eu só me submeto ao meu patrão, que é o Seu Anizio. Mas deixa eu falar um negócio para você: eu não conheci meu pai, eu tive minha mãe e vivia com minha tia no morro. Todo mundo era duro, a gente vivia dificuldades pra cacete. E eu busquei meu caminho. Desde moleque. E nunca me senti inferior ou abaixei minha cabeça para ninguém. Amigo, não é fácil fazer Carnaval. Antigamente, fazia-se Carnaval com 500 pessoas em uma escola. Hoje são cinco mil. Administrar essa gente toda é complicado. Antigamente tínhamos ensaio e só. Não tinha esse monte de evento e nem esse
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monte de diretores para serem gerenciados. Então, malandro, Carnaval não é para amadores. Eu dei muito duro na vida e sei da minha capacidade e da minha competência. Posso afirmar que tem poucos como eu que conhecem tanto de Carnaval. Mas trabalhei duro para hoje poder falar isso. E provar. É só procurarem ver os títulos que com meu trabalho e conhecimento ajudei a conquistar. Por isso nunca baixei minha cabeça para ninguém. E estou aqui, de pé, há mais de 60 anos, enquanto muito “intelectual” já saiu fora. Ricardo Da Fonseca - Nesses 70 anos de Beija-Flor, o que considera a realização mais impactante ou duradoura promovida pela agremiação e que influenciou e influencia até hoje o jeito de elas fazerem Carnaval? Laíla - A Beija-Flor levou muitas inovações para a Avenida. No tamanho dos Carros Alegóricos. Na mudança de localização de componentes importantes, como o Casal de Mestre-sala e Porta-bandeira. Podia passar o dia relembrando algumas das novidades que o João Trinta e Eu trouxemos para a Escola. E outras novidades que outros Carnavalescos trouxeram. Mas eu acho que a mais importante e que deu uma nova definição para o Carnaval foi termos dado à Beija-Flor uma cara de escola de comunidade. Quando voltei para a Beija-Flor, 1995, a escola tinha uma base de 63 alas comerciais. Já imaginou o que é organizar um grupo desses? Todo mundo mandava. Todo mundo era entendido. Isso não ia dar certo. Sabia que ia encontrar uma série de pedreiras. E no ano que preparávamos o Carnaval com o Milton Cunha, em 1995, com o enredo “Bidu Saião e o canto de cristal”, Papai do Céu me iluminou e eu decidi montar uma comunidade. A história começou com a ideia do Milton de colocar quinze pessoas para fazer um cisne que viria puxando um carro. Achei tão bonita a ideia que sugeri que colocasse o cisne em todos os carros. Mas o Milton falou que seria complicado porque não teria gente suficiente para isso. Falei que ia resolver, mas para isso eu precisava de gente da comunidade, porque quem paga por sua fantasia não quer saber de muita coisa, quer ir para a Avenida e fazer sua festa pessoal. Arregimentei o povo nilopolitano, pegando as poucas pessoas que saiam em alas dadas pela escola e fizemos o Carnaval com essas 150 pessoas, que vieram debaixo de um pano só com a cabeça do lado de fora puxando o carro. Vi que era a hora de montar uma comunidade. O Milton deixou a BeijaFlor e chamei o Márcio para me ajudar e, junto com D. Simone que já trabalhavam com Antônio, da Cultura. Juntos começamos a trabalhar para fazer uma comunidade. No primeiro ano foram www.beija-flor.com.br
150, depois 600. Foi crescendo até chegarmos a 4.000 componentes, enquanto fomos reduzindo, com a autorização do Anizio, as alas comerciais. Não tinha - e não tenho - nada contra elas, mas a escola precisava de comunidade. O Carnaval “é” do povo e “para” o povo! Sempre briguei por isso. Há muito tempo. Esse trabalho da Beija-Flor serviu de exemplo, e quando as pessoas começaram a falar “comunidade da Beija-Flor é rolo compressor”, “a comunidade canta demais”, “é a melhor comunidade“... as outras escolas começaram a fazer o mesmo trabalho, e recorreram às suas comunidades. Elas seguiram o nosso caminho, e quem ganhou com isso foram todos: o Carnaval, as escolas de samba e os componentes, que sentindo que eram valorizados pela escola, entregaram seu coração à elas. E hoje, graças às comunidades das escolas de samba, é que conseguimos fazer esse Carnaval fantástico. Ricardo Da Fonseca - Ainda existem pessoas que pensam que os patronos das Escolas de Samba lucram com a subvenção dada pela Prefeitura ao Carnaval. Você está nessa brincadeira há décadas. O que pensa disso? Laíla - Em 1954, quando juntou o Salgueiro, minha escola de origem, o primeiro presidente da vermelho e branco se chamava Pedro Ceciliano Peru. Sabe o que ele era? Bicheiro. Porque nós do Morro, o povo da rua, queríamos fazer nosso Carnaval e não tínhamos dinheiro para isso. O Carnaval era tão discriminado que nós não tínhamos como pegar dinheiro em lugar nenhum. Ninguém queria ajudar crioulo a fazer Carnaval. A gente tinha que pedir para os conhecidos, tínhamos que passar o livro de ouro - que o Anizio com o Nelson assinaram para ajudar o Salgueiro, na época do Osmar Valença. Então, isso que fazem é uma covardia. Foram eles, os banqueiros do jogo, que meteram a mão no bolso e bancaram os desfiles de Carnaval do povo. Tem gente que fala demais. Fala sem saber. Olha, os banqueiros do jogo sempre foram os caras que bancavam os desfiles. Eles que levantaram e salvaram os desfiles, senão ele já teria acabado há muitos anos trás. Quando muitos políticos estavam fazendo seus acertos e deixando o povo de lado, os banqueiros do jogo estavam tirando do próprio dinheiro para bancar as escolas. Bancar a comunidade, comprar fantasia, comprar lanche para o componente. Então tem gente que fala do que não sabe e ainda fica contaminando outras pessoas com essas histórias. Sou de um tempo em que os patronos amavam o samba e o Carnaval, e por isso investiram nele. Alguns ainda permanecem e por isso o Carnaval ainda resiste.
Ricardo Da Fonseca - Resiste, mas o corte da Prefeitura pegou no fígado, não? É uma maneira de tentar enfraquecer e acabar com o Carnaval? Laíla - Meu amigo, ninguém vai tirar o amor do povo pelo Carnaval, nem ameaçar a força do samba. Eu tenho certeza de que o chão da escola vai fazer toda a diferença nesse Carnaval. O corte da Prefeitura foi uma crueldade, mas as escolas de samba e seus componentes mostraram o que eu já sabia: que elas são muito maiores do que a Prefeitura. E o desfile vai mostrar isso: temos sambas maravilhosos esse ano - cada um com as características da escola de cada um, e vamos ter desfiles lindos. Quando falo desfiles lindos, falo da emoção, das pessoas vibrando na Avenida contra essa sacanagem da Prefeitura. Vai faltar dinheiro para fantasias, para carros mais caros, mas não vai faltar samba nem chão nesse desfile. Vocês vão ver. Ricardo Da Fonseca - Você não me respondeu. O corte da Prefeitura é uma maneira de tentar enfraquecer e acabar com o Carnaval? Laíla - Não tenha dúvida que querem acabar com o Carnaval e com o que há de cultura e religião relacionadas à ele. É nítido esse preconceito. Todos do mundo do samba sabiam que isso iria acontecer, mas apostaram que a administração eleita ia cumprir o que prometeu, não mexendo com o Carnaval. Quebramos a cara! Agora, temos que manter posição e mostrar que quem nós apoiamos não pode nos massacrar. Temos que reconquistar nosso espaço. E digo mais: esse ano teremos eleições para governador do Rio de Janeiro. Se o governador que ganhar não gostar de Carnaval, acredito que em três anos vão tentar acabar com ele. O sambista tem que ficar atento para votar em quem defende o interesse do samba e do sambista, porque agora nós estamos vendo a falta que faz a cidade ter um gestor que valoriza a arte, a cultura popular e o samba.
Te digo uma coisa como sambista, e não falo em nome da Beija-Flor porque não tenho essa autorização. Falo como sambista, com mais de 60 anos de Carnaval nas costas: se nas próximas eleições para governador e prefeito tivermos candidatos que quando eleitos no passado, prestigiaram e incentivaram o samba e o Carnaval, eu voto neles. Tivemos governantes que valorizaram nossa cultura e que através de ações concretas nos deram uma chance de termos um lugar digno para trabalhar. Um lugar para o sambista ganhar seu dinheiro e sustentar sua família com dignidade. Quem é sambista ou respeita o samba deve ficar atento. Eu voto neles - em quem respeita o samba e o Carnaval. Fevereiro 2018
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carnaval 2018 monstro é aquele que não sabe amar os filhos abandonados da pátria que os pariu
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SETOR 01 Fantasia: Frankenstein ou o Prometeu Moderno Ala: Comissão de Frente Presidente: Marcelo Misailidis Componentes:15 Fantasia: Cristais de Gelo: Um Bailado de Amor Para Quebrar o Gelo dos Corações Ala: 1º Casal MS e PB Presidente: Claudinho Souza e Selminha Sorriso Componentes: 2 Descrição: O preâmbulo de abertura do livro “Frankenstein ou o Prometeu Moderno” se passa num cenário composto por geleiras e icebergs em meio ao Oceano Ártico, ambiente que congrega perfeitamente a frieza do Dr. Victor Frankenstein, o criador da estranha criatura que inspirou o nosso enredo. Para irromper e derreter os corações gelados, um bailado de amor e um cortejo de respeito. Elemento Alegórico – (Tripé) A Geleira
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Fantasia: Grupo Geleiras Ala: Comunidade Componentes: 12 Descrição: As geleiras situadas nas laterais e imediações traseiras do Tripé são elementos cenográficos, com a finalidade de ligação temática ao Abre-Alas, dada a correlação com a narrativa descrita nas cartas que antecedem os capítulos iniciais da obra “Frankenstein” de Mary Shelley, e complementam o senso estético do quadro de abertura. Sua ação de compactação e desprendimento do Tripé representa os grandes icebergs – que por vezes inviabilizam as navegações nos mares gelados do Ártico; uma tentativa de reproduzir com fidelidade a descrição literária. Alegoria 01 Abre-Alas – A Embarcação
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SETOR 02 Fantasia: Piratas – Pilhagem e Espólio Ala: Comunidade Componentes:70 Descrição: O Brasil é um país explorado, saqueado, roubado desde o início de sua História. Movidos pela ambição, cobiça e por uma imensa vontade de “se dar bem”, os gananciosos piratas agem em prol de poder e benefícios próprios: tanto os obstinados saqueadores estrangeiros, que pilharam as riquezas da terra em diversas regiões da nossa Costa, extraindo ilicitamente bens e mercadorias deveras valorizados, quanto os fabricantes, distribuidores e comerciantes de produtos falsificados, que fazem da pirataria moderna um dos crimes mais praticados no século XXI. Fantasia: Imposto dos Infernos Ala: Comunidade / Ala Energia do Amor Componentes:80 Descrição: No passado, na época do chamado Ciclo do Ouro, era cobrada uma taxa de 20% ou 1/5 sobre todo o ouro e metais extraídos através da mineração, suposto direito exigido pela Coroa de Portugal e que sobrecarregava os mineradores – que apelidaram o imposto de “O Quinto dos Infernos”. Atualmente, os impostos pagos pelos contribuintes continuam atingindo índices exorbitantes, ratificando que a cobrança abusiva de pesada carga tributária é uma ambiciosa herança histórica no Brasil. Fantasia: Santinhas do Pau Oco / Os Descaminhos do Ouro Ala: Baianas Componentes:80 Descrição: Antigamente, as imagens sacras possuíam uma cavidade oca em seu interior, cujo espaço era utilizado para esconder o ouro e outras mercadorias de valor, as quais eram desencaminhadas clandestinamente, driblando a cobrança de impostos com o pretexto de propagação da fé. Tornaram-se um símbolo da ganância e do contrabando, uma vez que funcionavam como um esconderijo aos olhos do fisco, sendo uma das primeiras ações compreendidas como sonegação (ato de negar o imposto); extravio concupiscente que permanece recorrente na atual conjuntura política brasileira. Fantasia: A Corte da Mamata / Quadrilha no Poder Ala: Comunidade Componentes:70
Descrição: Referência à Corte da Mamata vinda de Portugal e já estabelecida no Brasil, composta por membros demasiadamente apegados ao dinheiro, bens materiais, poder e prestígio, ávidos por manter o luxo e os privilégios de outrora. Nobres sedentos de benefícios e vantagens, almejavam tudo de valoroso que fosse possível, e de tão interesseiros, foram associados metaforicamente à abutres e ratazanas, que devoravam tudo o que viam pela frente. O tempo passou e as personagens históricas são outras, mas a elite ainda hoje permanece usufruindo de toda a sorte de regalias. Fantasia: Ali Babá e os Bobos – Nem Tão Nobre Fortuna Fácil Ala: Comercial Presidente: “Néa” Waldinéa Nocciolli e Rogério Coutinho Componentes:70 Descrição: As histórias de uma vida repleta de luxo, ostentação e conforto, da qual desfrutavam os membros da nobreza oriental, são referências da mais absoluta riqueza material, permeando o imaginário popular desde a época em que as especiarias eram demasiadamente valorizadas. São fonte de inspiração para a realização dos desejos presunçosos de representantes públicos e empresários do mais alto escalão, que trabalham irrisoriamente e recebem remunerações altíssimas, gozando de faustosa situação econômico-financeira. Fantasia: Vampiros Sanguessugas Exercem Seus Podres Poderes Ala: Comercial Presidente: Hélio Malveira e Luiz Fernando da Silva (Luizinho Cabulosos) Componentes:80 Descrição: Sátira do retrato de como o povo brasileiro vê seus representantes políticos, cuja imagem foi maculada e denegrida; gradativamente desconstruída através de sucessivos escândalos en-
" Não chore não vovó Não chore não Veja quanta alegria dentro da recordação" Vovó e o rei da saturnália
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volvendo verbas públicas dos mais variados setores e escalas de Governo – aqui representados na gola com a Praça dos Três Poderes. São como morcegos- vampiros, que se alimentam do sangue que sugam do povo brasileiro até a última gota. Fantasia: O Ouro Negro da Corrupção – Um Banho de Ganância Exacerbada Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: A maior empresa estatal do ramo petrolífero, de gás natural, combustíveis fósseis e derivados do país, que durante muitos anos foi símbolo de confiança, credibilidade, grandiosidade e estabilidade, atualmente se vê envolvida em um grande esquema de corrupção, onde a ganância exacerbada mostra-se imperativa nesse mar de lama de desvios e propinas, protagonizando gravíssimas denúncias e escândalos, onde o dinheiro público foi maculado pela sujeira das fraudes milionárias. ATO 01 – Os Roedores dos Cofres Públicos Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: Representação da imagem que a população brasileira tem dos nossos políticos, que agem como se fossem ratos ávidos por seu pedaço de queijo, esquecendo que a coisa pública é coisa nossa. Muitos representantes do povo exercem cargos públicos nas mais diferentes esferas de Governo mas atuam em causa própria, fazendo uso de artimanhas e falcatruas para alimentar sua ambição desvairada; trapaceando, desfalcando e desviando dinheiro público em bolsos, bolsas, malas e afins, legitimando a inversão de valores e a falta de limites. Não é à toa que o rato é o símbolo da cobiça, e muitos administradores são chamados de roedores dos cofres públicos. ATO 02 – Politicagem Lobos em Pele de Cordeiro Ala: Comunidade Componentes:70 Descrição: O Ato é uma síntese do que acontece no Brasil ao logo da História do país, onde, infelizmente, são incontáveis os exemplos de lobos em pele de cordeiros; pessoas ambiciosas e mal intencionadas mascaradas por trás de uma aparência inocente e inofensiva, usando de uma política de falsa bondade, carisma e eloquência, mas focadas apenas em alcançar objetivos egoístas e desonestos. Alegoria 02 A Ambição - “Arquétipos que Espelham o Dr. Frankenstein”
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FABÍOLA DAVID Destaque principal
A Beija-Flor de Nilópolis entra na Avenida com um enredo que surge da união de duas ideias aparentemente inconciliáveis, mas que sob o olhar criativo dos carnavalescos da escola “vai dar samba” e promete sacudir a Marquês de Sapucaí. Brilhando mais uma vez no carro Abre-Alas, a destaque principal da Beija-Flor de Nilópolis, Fabíola David, empresta a sua graça e energia para contagiar e envolver com alegria o público que chega ao Desfile de Carnaval em busca de arte e divertimento. “A cidade do Rio de Janeiro fica mais linda no verão. Não somente em razão da estação, mas porque ela fica colorida de turistas, com suas diferenças e peculiaridades, e que chegam à nossa cidade para fazer parte desse espetáculo único que é o nosso Carnaval”, destaca No desfile de 2018, a destaque principal vem representando a escritora britânica Mary Shelley, autora da famosa história de Frankenstein e que serviu de base para parte do enredo do Carnaval de 2018 da Beija-Flor de Nilópolis. Fabíola apresenta um pouco de sua visão dessa história , esse ano inserida no enredo da agremiação: “A história de Frankenstein é conhecida de praticamente todas as pessoas. E de uma certa forma, levá-la para a Avenida é, também, uma forma de convidarmos as pessoas a questionarem mais uma vez como estão agindo em relação às pessoas à sua volta. Questionarmos como estamos agindo. Especialmente porque cada vez mais nossa sociedade julga as pessoas pela sua aparência, e não pelo que são como pessoas ou pelo que são capazes de fazer em favor dessa mesma sociedade e das pessoas.” Fabíola, que é mãe de Gabriel e Micaela - presenças certa nos desfiles da Beija-Flor de Nilópolis -, conta do privilégio que é ser destaque em uma escola querida como a nilopolitana e em uma festa popular tão importante: “Gosto de ver essas pessoas, das mais variadas origens, unidas, se divertindo na Marquês de Sapucaí - nos camarotes, nas frisas, nas arquibancadas e na pista. E para nós que estamos nos 22
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carros alegóricos é sempre uma enorme emoção quando essas pessoas chegam quase que ao encantamento ao verem pela primeira vez o Desfile de Carnaval, com nossas alegorias coloridas, alegres e suntuosas. E como já disse outras vezes, é muito bom fazer parte disso. A gente passa para as pessoas que chegam no Carnaval uma energia que nos são devolvidas em dobro. Se os preparativos para o Carnaval consomem nossa energia, nos aproximarmos desse público maravilhoso e receber deles essa energia de carinho é, sem dúvida, compensador. É uma energia ótima, que nos envolve e renova qualquer um”, conclui Fabíola. Fevereiro 2018
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SETOR 03 Fantasia: Os Refugiados da Seca - À Procura da Terra Prometida Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: Muitos nordestinos, vivendo sob as mais difíceis condições impostas pela seca, abandonados em meio a impiedoso processo de estiagem e degradação do solo, que resultaram em grave processo de desertificação, migraram em busca da terra prometida, de melhores condições de vida, e se refugiaram em diferentes localidades do país, principalmente na região Sudeste. Fantasia: No Circo Brasil, o Palhaço é o Povo. O Peso dos Impostos Ala: Comunidade Componentes: 50 Descrição: Metáfora do retrato do povo brasileiro, abandonado pelo Poder Público, feito de palhaço, carregando nas costas largas o peso desmesurado e difícil de suportar de impostos esmagadores. Paga-se uma carga tributária exorbitante em troca de uma prestação de serviços públicos indigna, revoltante e vexatória. Fantasia: Eu Não Entendo Tua Fé – A Pobreza dos Pedintes (Frente) e os Templos Luxuosos (Verso) Ala: Comunidade Componentes: 70
Descrição: Cena que lamentavelmente há muito se tornou comum no nosso cotidiano: pedintes maltrapilhos implorando por esmola, “qualquer ajuda que seja”, para combater a extrema pobreza em que vivem. Perambulam pelas ruas e arredores de templos religiosos colossais, de um luxo descomunal (e que por vezes cobram dízimos celestiais). O abandono desses irmãos é a imagem da fé explorada de quem troca de um pedaço de pão por um pedaço de céu. Fantasia: As Crianças e o Sonho de um Futuro Colorido Ala: Passista Mirim Componentes: 20 Descrição: A infância deve ser lúdica, uma fase da vida repleta de amor, encanto, proteção, brincadeiras e gostosuras, a qual meninos e meninas devem guardar na memória com saudade e ternura, alimentando o sonho de poder colorir o futuro com a doçura da imaginação. Mas o abandono calamitoso é um fator preocupante, que pode ocasionar traumas e adversidades, deixando ameaçada a inocência dos nossos bonecos e bonecas. Fantasia: O Bicho Papão da Educação e as Crianças Vendedoras de Balas Ala: Crianças Componentes: 80 Descrição: Lugar de criança é na escola, instituição de ensino e aprendizado. Porém, atualmente o abandono é o grande bicho-papão, o grande vilão da educação, que metaforicamente devora a oportunidade de aprendizado infanto-juvenil. Na tentativa de ajudar a família a arrecadar algum dinheiro, meninos e meninas trocam as salas de aula pelas ruas e semáforos, trabalhando como baleiros, vendendo doces espalhados num tabuleiro. A infância é corrompida pelo descaso para com a educação e pela monstruosa falta de perspectiva dos nossos aprendizes. ATO 03 – Malabaristas da Vida Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: Trupe de artistas que por falta de oportunidade e desvalorização da arte popular e da cultura em geral, ganha a vida se apresentando nas ruas e nos sinais de trânsito da cidade, fazendo malabarismos e diferentes números circenses.
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Fantasia: A Cultura Esfarrapada Ala: 2º Casal de MS e PB Presidente: David Sabiá e Fernanda Love Componentes: 2 Descrição: Nobres maltrapilhos que bailam para driblar as mazelas sociais e as adversidades da vida com alegria e leveza, como se rodopiar fosse uma forma de contornar os problemas ocasionados pelo descaso. Fantasia: Senhoras do Gingado Ala: Destaques de Chão Femininos Presidente: Componentes: 2 Fantasia: A Resistência do Povo das Ruas Ala: Passistas Componentes: 100 Descrição: Quem cuida do povo nas ruas é o povo de rua. Os milhares de brasileiros que vivem em situação de rua, abandonados à própria sorte, dispõem tão e somente da solidariedade, da benfeitoria e da energia zeladora de seres iluminados, que devotam axé na intenção de melhorias na qualidade de vida e na abertura dos caminhos desses irmãos. Fantasia: A Dona das Ruas. Rainha da Pista Ala: Rainha de Bateria Presidente: Raíssa Oliveira Componentes: 1 Fantasia: Somos das Ruas, Somos Malandros Boêmios Ala: Bateria Presidente: Mestre Plínio de Moraes / Mestre Rodney Ferreira Componentes: 280 Descrição: Malandros boêmios que ditam o ritmo do samba na pista, e carregam na alma a alegria que debocha das dificuldades. Sempre elegantemente vestidos, trajando (em retalhos, porções de fazendas, de tecidos) calça social, paletó, gravata e chapéu, são os patronos das ruas, protegendo e salvaguardando os notívagos, pobres, abandonados e excluídos. Fantasia: A Face da Saúde é a Foice da Morte / A Vida Abandonada ao Léu Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: A saúde pública no Brasil talvez seja o retrato mais fiel de como os brasileiros filhos desta pátria estão abandonados ao léu, à mais absoluta inação. Faltam profissionais, aparelhos, leitos,
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medicamentos, atendimento médico. Em busca de tratamento e cura, a notícia de frequentes casos de morte. Essa convivência naturalizada com o descaso e o óbito são o diagnóstico de um Brasil doente, onde está cada vez mais difícil honrar e exercer a medicina, cujo símbolo é o caduceu com a cobra (chamado bordão ou bastão de Esculápio ou Asclépio). Fantasia: A Violência Generalizada. À Procura da Salvação, um Pedido de Paz Ala: Comunidade Componentes: 50 Descrição: A sociedade abandonada pela segurança pública vive em meio a uma guerra urbana, onde a população se vê acuada, obrigada a ter que conviver e naturalizar uma inadmissível violência cruel e generalizada, que corrói a nossa dignidade e nos faz reféns de um medo que devora a alma. À procura da salvação, um clamor aos anjos celestiais por um pedido de paz. Fantasia: Pintou Sujeira! Poluição, a Materialização do Abandono Ala: Comercial Presidente: Terezinha Simões Soares e Terezinha Alves da Costa Componentes: 80 Descrição: Um alerta sobre a nossa responsabilidade no que se refere ao descarte indevido de lixo, restos e detritos que produzimos, abandonados de forma irresponsável no meio ambiente. Excesso de sujeira que retrata a materialização do abandono. ATO 04 - Estenda a Mão Meu Senhor – Pedintes, Vítimas do Abandono e do Descaso Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: Abandonados à própria sorte, mendigos, moradores em situação de rua e catadores sobrevivem implorando por qualquer colaboração, um trocado que seja. São miseráveis excluídos e à mercê da sociedade, vítimas do abandono e do descaso, que dependem da solidariedade, piedade e caridade de alguém que lhes estenda a mão para tentar suportar as avassaladoras mazelas que enfrentam no dia-a-dia e corroem a integridade humana. Alegoria 03 – O Abandono “Arquétipos que Espelham a Criatura”
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SETOR 04 Fantasia: A Fé de Cada um de Nós – Intolerância Ala: Comercial Presidente: Débora Rosa Santos Cruz Costa e Antônio Rodrigues “Tuninho” Componentes: 80 Descrição: A intolerância religiosa é uma realidade cada vez mais gritante na nossa sociedade. A fé, credos e crenças diferentes vêm sendo perseguidos, fato observável com crescente frequência, principalmente no choque religioso entre os praticantes do cristianismo e aqueles que seguem os preceitos de religiões espíritas afrodescendentes. Os dogmas institucionais seguidos são vistos como sagrados, e tudo aquilo que é diferente, é visto como profano (“tudo é coisa do Coisa Ruim”), sendo ainda mais assustador o fato de que no Brasil vivemos em um Estado laico, que teoricamente nos assegura a liberdade de culto. ATO 05 Caldeirão Religioso. Os Caminhos da Fé Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: O Brasil é um país plural, miscigenado, diversificado; de modo que todas as crenças do nosso povo são manifestadas através de diferentes caminhos da fé, compondo um grande caldeirão religioso. Todas as celebrações devem ser respeitadas e asseguradas pelo Estado laico, oficialmente imparcial no que se refere às questões e práticas religiosas e/ou filosóficas. Fantasia: Negativa é a Intolerância, Positivo é Iluminar a Mente! (Presidência) Ala: Amigos do Rei Componentes: 120 Descrição: As pessoas que são denominadas diferentes ou “fora de algum padrão” não devem ser criticadas por isso, não há problema algum, ninguém é igual à ninguém! Não há justificativa para o repúdio gratuito. A intolerância é constituída quando paramos de pensar, e essa alienação vem da fragilidade dos indivíduos, que conseguem identificar apenas aquilo que os separa, não o que os une. O que é considerado positivo ou negativo é muito relativo, pólos opostos unidos têm uma força incrível, colocam a energia em movimento e são capazes de iluminar a mente, gerando novas ideias. Fantasia: Intolerância Sexual Se Expressar Pode! Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: A liberdade da troca de sexo é um tema recorrente no nosso cotidiano. Muitas pessoas 28
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relatam que possuem uma mentalidade que não condiz com o corpo físico no qual nasceram: são mentes femininas em corpos masculinos e mentes masculinas em corpos femininos, daí a vontade de se travestir ou realizar uma cirurgia para trocar de gênero e assim, exercer a liberdade de poder se expressar; sugestão observada através da brincadeira da troca das peças do vestuário, onde homens e mulheres trocam de roupa e vestem trajes dos gêneros opostos. Uma maneira leve,
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"Iererê, ierê, ierê, ô ô ô ô Travam um duelo de amor E surge a vida com seu esplendor" A criação do mundo na tradição Nagô
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suave e bem-humorada para abordar a importante questão da intolerância sexual. Fantasia: Bonecas Beija-Flor / Ala Gay Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: Dentro das embalagens, bonecas no estilo princesas e/ou Barbies: loiras, de olhos azuis, no padrão considerado ideal de beleza e formosura pela sociedade; e fora das caixas, estão as bonecas chamadas de negas malucas. Em determinado momento da apresentação, as bonecas que estão na caixa ganham vida, simulam uma briga com as negas, se engalfinham, e depois, enfim, fazem as pazes, confraternizam, trocam demonstrações de amizade, respeito e carinho, celebrando no Carnaval, as diferenças de estereótipos que encontramos na vida real. Fantasia: Bloco das Piranhas Será que Ele É? Ala: Comunidade Componentes: 50 Descrição: O irreverente Bloco das Piranhas, manifestação carnavalesca popular que já se tornou tradição nos dias de folia, tem como principal característica a descontração de se travestir do sexo oposto, sendo predominante encontrar homens travestidos de mulher para brincar o Carnaval. O bom humor é a marca registrada desses foliões, que são exemplo de respeito à diversidade e referência de tolerância. Fantasia: Intolerância Racial. Discriminação é Crime! Ala: Comunidade Componentes: 50 Descrição: O racismo ocorre quando há preconceito e discriminação com base em percepções baseadas em diferenças biológicas entre os povos. O ancestral sangue africano corre nas veias do povo brasileiro, mas quando a raça e a descendência negra estão estampadas na pele, e se fazem notar na cultura e nas vestimentas, podem despertar a ignorância e o preconceito em pessoas intolerantes e prepotentes, que ao subjugar e menosprezar os negros, além de se mostrarem arrogantes e doentes, ignoram o fato de que racismo é crime. Somos todos da raça HUMANA, e isso deveria bastar.
um país claramente marcado pela diversidade cultural. Agregamos a cultura punk – visualmente mais agressiva, urbana e comportamental, com a cultura nordestina – notadamente artesanal e genuinamente regional. São expressões e estilos distintos que estão em harmonia, retratando o respeito por aquilo que é considerado estranho ou diferente. Fantasia: Intolerância no Esporte – Falta de Espírito Desportivo é Estupidez! Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: A intolerância é uma postura de agressividade irracional e de ódio sistemático com relação à indivíduos de grupos específicos, e isso lamentavelmente se faz notar também no esporte, visto que muitos indivíduos que se declaram torcedores de algum time e/ou clube se comportam como se fossem gladiadores contemporâneos, protagonizando terríveis embates, fazendo dos estádios e das ruas do entorno, locais de campo de batalha, agindo como se fossem inimigos, e não adversários desportivos. ATO 06 – Ganância Veste Terno, Gravata e Cartola Ala: Comunidade Componentes: Descrição: Os chamados Cartolas do futebol, dirigentes e empresários que lucram absurdamente através de negociações e transações ilícitas que envolvem campeonatos, passes de jogadores e destino de ingressos. Alegoria 04 – A Intolerância “Arquétipos que Espelham a Relação entre o Dr. Frankenstein e a Criatura”
Fantasia: Punk Nordestino. Diversidade Cultural Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: A diversidade é reconhecida como “herança comum da humanidade”, e o Brasil é
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SETOR 05 ATO 07 - A Irracional Intolerância das Torcidas – Hostilidade Imbecil Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: Muitos “torcedores” parecem usar o futebol para liberar suas frustrações e seus ressentimentos da maneira mais agressiva e irracional possível, especialmente aqueles que fazem parte das denominadas torcidas organizadas. Provocam brigas e confusões protagonizando episódios que não têm nada a ver com paixão, lazer e entretenimento; é a hostilidade descabida e violência gratuita de gente intolerante e ignorante. Fantasia: A Esperança de Dias Melhores Ala: Comunidade Componentes: 80 Descrição: A figura do inseto chamado Esperança simboliza o sentimento de esperança do povo brasileiro diante dos diversos males que acometem o país, tal qual os filhos da pátria à procura de salvação.
Fantasia: Rei Momo - O Anfitrião da Festa Democrática Ala: Comercial Presidente: Ana Maria Mascarenhas Rebouças e Sérgio Aiub Componentes: 80 Descrição: O Rei Momo, monarca da Corte do Carnaval, que é do povo, convoca a realeza, plebeus e personagens tradicionais da folia para dar um xeque-mate na tristeza e realizar um arrastão de alegria na Sapucaí, desfilando o respeito às diferenças através do samba. Fantasia: O Zé Pereira Carnavalesco Ala: Comunidade Componentes: 80 Descrição: A brincadeira começou no Brasil quando um certo José Nogueira desfilou pelas ruas do Rio de Janeiro, durante os dias de carnaval, batendo um grande bumbo, sendo o nome “Zé Pereira” inspirado pelo tal “José Nogueira”. O divertimento se caracteriza pela batida de tambores, bumbos e tarois, arrastando animados foliões, atraídos pela barulhada e algazarra do grupo de brincantes,
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que se apresenta de forma alegre e irreverente. Tornou-se sinônimo de Carnaval. Fantasia: Os Negros e a Nossa Pequena África Ala: Comunidade Componentes: 80 Descrição: A participação efetiva dos negros na festa carnavalesca é enorme. Trouxeram o colorido de suas roupas, o apreço pelo batuque, o requebro febril, fazendo do Brasil uma Pequena África, onde é possível celebrar a libertação de um povo e sua contribuição para a diversidade presente na nossa identidade cultural. Fantasia: Damas de Casa Senhoras Soberanas Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: A luta diária das donas de casa que renunciam aos seus sonhos e aspirações individuais para dedicarem suas vidas aos filhos, à família e aos afazeres domésticos. São guerreiras batalhadoras, incansáveis em suas missões, que muitas vezes abrem mão da própria vaidade, ainda que raramente tenham seus esforços desmedidos devidamente reconhecidos. Mas o Carnaval, que é uma folia inclusiva, é um momento libertador também para essas damas cuja Corte é o lar. Fantasia: Pierrô e Colombina. A Elite Bal Masque Também Cai no Samba Ala: Comunidade Componentes: 80 Descrição: O pierrô e a colombina são personagens da Commedia dell’Arte, um gênero de teatro popular italiano. O palhaço tristonho que é apaixonado pela irresistível moça faceira e formosa tornaram-se dois clássicos da festa carnavalesca, que é includente e congregadora. Fantasia: Arlequim Também é Bem-Vindo! Ala: Comercial Presidente: Luiz Figueira e Élcio Chaves de Almeida Componentes: 80
"Jogar xadrez, pique-bandeira Pular carniça tudo é brincadeira” O sol da meia-noite
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Descrição: Mais uma personagem da Commedia dell’Arte (cujo o traje é feito de retalhos) oriundo do teatro popular italiano que ganhou o mundo e representações em festejos carnavalescos, famoso por “ir atrás” do amor da colombina. Fantasia: A Redenção do Samba Ala: 3º Casal MS e PB. Mosquito e Emanuelle Martins Componentes: 2 Descrição: O casal de dançarinos que exerce a função de conduzir e apresentar a bandeira da Escola de Samba para o público representa a Redenção do Samba, que ainda hoje permanece excluído e marginalizado por muitos, no alvo da mira do desprezo e da segregação. Fantasia: A Paz em Luto Ala: Baianinhas Componentes: 70 Descrição: Diante de uma realidade tão dura no que diz respeito à nossa pátria, a pomba branca da paz aparece junto à flores negras, um sinal de luto pela paz perdida. Mas o sambista, por mais que tenha sido excluído e marginalizado, mesmo diante das dificuldades, nunca deixou de acreditar na fé pela paz e pelo seu reconhecimento cultural. Fantasia: Celebrando a Paz Ala: Comunidade Componentes: 80 Descrição: A pomba branca, símbolo da paz, clama por harmonia, empatia e amor, para que prevaleça a não-violência e a plenitude; pois só quando de fato houver o respeito às diferenças, a paz enfim triunfará.
Fantasia: A Grande Anfitriã da Celebração da Paz Ala: Destaque de Chão Presidente: Cláudia Raia Componentes:1 ATO 08 – O Bloco dos Sujos Ala: Componentes: 70 Descrição: Os Blocos dos Sujos são manifestações populares típicas do Carnaval de Rua no Brasil, onde um grupo de foliões com fantasias diversas se reúne para desfilar pelas ruas da cidade, cantando e sambando marchinhas carnavalescas e sambas-enredo das Escolas de Samba. ATO 09 – “Passeata Popular: A Voz das Ruas” Ala: Comunidade Componentes: 70 Descrição: Nesse Carnaval, o hino dos sobreviventes é a voz do samba – ainda que estigmatizada por muitos – que dá voz às ruas, exercendo sua cidadania no palco mais democrático da nossa Cultura Popular; unindo irmãos de todos os cantos e bandeiras, ávidos por redenção. Um convite à reflexão e manifestação sobre esse ciclo vicioso e monstruoso que há muito observamos na nossa realidade nacional, fruto de ambição, ganância, intolerância e abandono; uma crítica apropriada ao atual cenário político nacional, com a exibição de faixas e cartazes pelos populares.
Fantasia: Plêiade do Samba Ala: Ala dos compositores Componentes: 50 Descrição: Grupo de poetas que agrega o dom da palavra escrita aos conhecimentos harmônicos e melódicos; são compositores de belas obras que representam o Samba, que faz qualquer dor dentro do peito ir embora. Fantasia: A Sábia Voz da Experiência Clama por Paz Ala: Velha Guarda Componentes: 100 Descrição: Um sábio clamor para que vigore o branco da paz na construção de um mundo mais humano; conselho da voz da experiência, para que haja uma interação pacífica entre as diferenças, com harmonia e tolerância, e sem discriminação nem violência.
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70 anos de samba e carnaval Ricardo Da Fonseca jornalista e produtor cultural Felipe Lucena jornalista e roteirista
Quando a Beija-Flor passou a fazer parte da elite do Carnaval carioca, suas principais concorrentes já tinham uma história consolidada. Contudo, como quem confia na sua força e no seu talento, e entra na briga sabendo aonde quer chegar, a agremiação de Nilópolis se preparou e foi à luta: trabalhou, persistiu, avançou e conquistou por seus méritos o direito de entrar e se manter no rol das gigantes do Carnaval. E nesses anos de Desfiles de Carnaval, a Beija-Flor de Nilópolis fez e contou a sua história, que relembramos aqui, nesse ano em que ela comemora 70 anos de existência nesse palco, agora pequeno para ela, chamado Carnaval. O DESPERTAR Tudo começou em dezembro de 1948 em uma das esquinas da Rua Mirandela, ponto de encontro de sambistas no município de Nilópolis. Negão da Cuíca, Edinho do Ferro-Velho, Helles Ferreira, Walter da Silva, Hamilton Floriano, José Fernandes, entre outros, batucavam quando tiveram a ideia de criar um bloco de carnaval para suprir as ausências dos blocos Irineu Perna-de-Pau e Dos Teixeiras, que eram famosos no município mas que haviam acabado. Nasceu, assim, a Associação Carnavalesca Beija-Flor, novo bloco da Baixada Fluminense. Em volta do marcante nome pairam algumas versões. A maior parte dos relatos apontam que a escolha se deu por influência da mãe de Negão da Cuíca, Dona Eulália. Ela adorava pássaros e em sua varanda haviam muitos bebedouros para beija-flores. Há quem diga que o batismo pode ter vindo por conta da referência a um rancho que existia em Valência, Minas Gerais, ou até mesmo a também um rancho de Mesquita, Rio de Janei-
ro. Outra versão diz que apareceu um beija-flor enquanto os homens discutiam sobre a fundação do bloco. Independentemente do motivo do nome, nasceu a Associação Carnavalesca Beija-Flor. O bloco desfilou pela primeira vez em 1949, em Nilópolis. Sem fantasias e com instrumentos que eram dos blocos que haviam acabado, cerca de 40 pessoas desfilaram pelas ruas do município, agradando os foliões. No ano seguinte, usando as cores azul e branca, o bloco foi para a rua outra vez e teve uma adesão ainda maior por parte do público. As ruas de Nilópolis pararam para ver o Beija-Flor passar. Muita gente queria sair na Associação Carnavalesca Beija-Flor, mas não era tão simples assim: “Só podia desfilar quem era de família conhecida dos fundadores do bloco. Os meninos tinham que ter moral”, contou Lindalva Teixeira, a Caçulinha, atuante na escola desde os primeiros tempos. UMA ESCOLA DE SAMBA SIM SENHOR No ano de 1953, por iniciativa do sambista Cabana, da ala dos compositores do Beija-Flor, o bloco foi inscrito no desfile de escolas de samba da Cidade do Rio de Janeiro no Grupo II, e com o nome Grêmio Recreativo Escola de Samba BeijaFlor se preparou para seu primeiro grande desafio. Mostrando sua vocação para as vitórias, em sua estreia, com o carnaval “Caçador de Esmeraldas”, a agremiação nilopolitana sagrou-se campeã e
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conquistou o direito de desfilar no Grupo I no ano seguinte. Os anos foram passando e a Beija-Flor, em meio as gigantes do Carnaval carioca, foi se mantendo até 1963 no Grupo I. Em 1962 chegou a ser segunda
o vice-campeonato e o passaporte para o Grupo II, no qual permaneceu até 1974, quando levou para a Av. Presidente Antônio Carlos o enredo “Brasil ano 2000”. UM LUGAR DE DIREITO Passados alguns anos do enredo “Brasil ano 2000”, já nos anos 1970, Anizio e seu irmão Nelson, o Nelsinho, assumiram definitivamente a gestão da escola e a Beija-Flor de Nilópolis não saiu mais do convívio das tradicionais agremiações do Carnaval. Mais ainda, a Beija-Flor se tornou uma das grandes agremiações, sem medo de encarar as tradicionais escolas que durante muito tempo se revezavam na conquista do título de campeã do Carnaval.
colocada com o enredo “Dia do Fico”, em desfile na Av. Presidente Vargas. Mas como toda trajetória de sucesso tem seus momentos de baixa, no desfile do ano seguinte (1963), com o enredo “O Guarani”, a agremiação só obteve o 10º lugar e caiu para o Grupo II. Talvez a surpresa com a triste situação tenha abalado a agremiação e seus integrantes. Fato é que no ano seguinte, com o carnaval “Café, Riqueza do Brasil” a Beija-Flor caiu para o Grupo III, onde permaneceu até o Carnaval de 1967. Durante esses complicados anos 60, Anizio Abrão David, atual presidente de honra da Beija-Flor, se aproximou da escola e a presidiu entre 1967 e 1968. “Me lembro bem daqueles tempos. Apesar de ter muita gente boa e querida fazendo parte da Beija-Flor, havia um pessoal que não trabalhava com vontade que deveria para manter a escola nas melhores posições. Viam a Beija-Flor como um clubinho, um espaço para tomar cerveja e jogar conversa fora. Quando assumi a direção da escola em 67 cheguei já avisando que muita coisa tinha que mudar e que quem quisesse ficar sentado tomando cerveja sem trabalhar pela escola devia beber em outro lugar. Estávamos ali para dar um novo ânimo à escola e fazer ela subir”. Esse espírito de liderança foi essencial para a apresentação de um desfile melhor, e com o enredo “A queda da monarquia” a agremiação nilopolitana conquistou 38
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Mas as glórias vêm com os títulos. E o primeiro título de impacto da Beija-Flor não poderia ter sido mais marcante e simbólico. A escola da Baixada Fluminense, considerada à época uma agremiação inexpressiva, pequena, bateu as gigantes do Rio de Janeiro com um enredo que entrou para a história dos desfiles: “Sonhar com rei dá leão”. “Depois do carnaval de 1975, o João Trinta, que tinha sido campeão com o Salgueiro no ano anterior, me disse que queria trabalhar em uma escola menor. Ele já conhecia o trabalho que estávamos desenvolvendo na Beija-Flor e achei que ele poderia dar uma importante ajuda para chegarmos aonde queríamos. Mas eu já tinha um enredo para a escola, falando sobre o Natal da Portela - “O homem de um braço só”. E quando chamei ele para trabalhar conosco, João perguntou se poderia acrescentar algo. Entramos em um acordo e ficou tudo certo. A Beija-Flor levou para o desfile um enredo diferente, com um samba forte escrito por Neguinho e com a criatividade do João Trinta chegamos aonde queríamos: fomos campeões do Carnaval carioca. Daquele dia em diante, marcamos o nome da Beija-Flor de Nilópolis no Carnaval. Quem não se lembra do refrão: ‘Sonhar com filharada é o coelhinho. Com gente teimosa na cabeça, dá burrinho. E com rapaz todo enfeitado o resultado, pessoal, é pavão ou é veado’?”, relembra com orgulho, Anizio. UMA VITRINE DE VALORES O mesmo carnaval de 1976, que consagrou a Beija-Flor como uma grande escola de samba, mostrou ao mundo do Carnaval a voz e o ritmo de Luís Antônio Feliciano Marcondes, o Neguinho www.beija-flor.com.br
da Beija-Flor, que até hoje é a voz da agremiação de Nilópolis. Durante os anos 1970, com Joãosinho Trinta como carnavalesco da escola, a Beija-Flor, com títulos e carnavais históricos e criativos, foi se firmando como uma das grandes escolas de samba do Carnaval. E não é exagero dizer que foi uma década das mais marcantes da história da agremiação. Em 1977, Laíla, hoje o grande comandante do Carnaval da Beija-Flor, chegou à escola e pronto para construir um Carnaval campeão. Assim, o que era sonho em 1976 se tornou uma doce realidade. Não bastasse o feito histórico de vencer um Carnaval, a agremiação de Nilópolis, levando para a Avenida um enredo considerado na opinião de analistas da época improvável para títulos, alcançou o bicampeonato. Anizio, Joãosinho Trinta, Laíla, Neguinho da Beija-Flor e companhia, na raça, levantaram mais um
troféu. O enredo, “Vovó e o rei da Saturnália na corte egipciana”, cita grandes festas passadas e os primórdios do Carnaval no Egito e avança mais um pouco na consolidação do projeto pensado por Anizio e Nelsinho: tornar a Beija-Flor de Nilópolis uma grande escola de samba. E é com muito trabalho, alimentada pela força de um bicampeonato, que a Beija-Flor partiu para a briga de mais um título, que veio em 1978 com “A criação do mundo na tradição Nagô”, com o belo samba escrito por Neguinho da Beija-Flor, Mazinho e Gilson Dr. e que, apesar da lama e dos detritos resultantes da chuva que não dava trégua, levantou o público na Avenida com o refrão “Iererê, ierê, ierê. Ô Ô Ô Ô. Travam um duelo de amor, e surge a vida
com seu esplendor”. No desfile, ainda na Avenida Presidente Vargas, a Beija-Flor também contagiou o público pelo belíssimo carro com negras, uma bateria composta por 3000 componentes e sua sempre animada comunidade, que cantou o samba a plenos pulmões, garantindo pelo terceiro ano seguido o título de campeã do Carnaval. Surpreendendo a todos a Beija-Flor de Nilópolis completava o projeto planejado: havia conquistado o Carnaval do Rio de Janeiro e se tornara uma escola de samba presente em todo o planeta. Uma das maiores. O bicampeonato que logo se tornou tri não só consolidou a força da agremiação nilopolitana no cenário do Carnaval como despertou a atenção de importantes lideranças no âmbito político: “O tricampeonato de 1976/77/78 foi muito importante para a Beija-Flor porque demonstrou que nossas conquistas não foram obra da sorte ou do acaso, mas que éramos merecedores desses títulos pelo trabalho que desenvolvemos dentro e fora da Avenida. Mas ele também foi muito importante para o desenvolvimento do município de Nilópolis, funcionando como uma vitrine de nossa região e da força do nosso povo. Lembro-me que a partir desses anos muitos governos e governantes das esferas estaduais e federais passaram a olhar com mais atenção para a nossa região, o que antes não acontecia. Isso, naturalmente, resultou em melhorias na vida do cidadão nilopolitano e do próprio município”, destaca Farid Abrão David, que além de irmão de Anizio exerceu o cargo de prefeito de Nilópolis por diversas vezes e de deputado estadual.
"Pinah êêê Pinah A Cinderela negra Que ao príncipe encantou no Carnaval com o seu esplendor" A grande constelação das estrelas negras
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MARCA INDELÉVEL NA HISTÓRIA DO CARNAVAL Os anos 1980 chegaram e, com eles, apenas dois títulos com tônicas diferentes e de grande impacto à época. Um primeiro desfile mais lúdico, infantil, motivado pela resposta de uma criança à Joãosinho Trinta, que perguntou o que ela faria se pudesse realizar todos seus sonhos. A resposta? “Faria o sol brilhar à meia-noite”. Trazendo a poesia para um contexto lúdico, a Beija-Flor brincou o Carnaval em 1980 e sagrou-se campeã mais uma vez, com o enredo “O Sol da meia-noite, uma viagem ao país das maravilhas”. O desfile foi aberto com um belíssimo carrossel, que teve um impacto muito grande. Seguiram-se alas e fantasias igualmente encantadoras. O público entrou na festa, o que incendiou ainda mais o desfile da azul e branco. O título, que foi dividido com a Imperatriz e a Portela, não perdeu o brilho nas mãos da agremiação de Nilópolis. Mas como Carnaval é também uma competição, na qual os concorrentes se preparam para uma forte disputa, a Beija-Flor não repetiu o sucesso do tricampeonato de 76/77/78 e só voltou à levantar o caneco em 1983. Foi assim que em grande estilo, e fazendo o que foi sem dúvida “um dos maiores desfiles de Carnaval de todos os tempos”, a Beija-Flor de Nilópolis levou para a Avenida o enredo “A grande constelação das estrelas negras”, um desfile aclamado pela crítica especializada e que emocionou o público presente ao homenagear a força dos negros brasileiros, simbolizados na figura de Pinah Ayoub, Clementina de Jesus e Grande Otelo, ícones da cultura afro-brasileira. Ao som da voz de Neguinho da Beija-Flor, a cultura negra foi elevada ao volume máximo e o publico cantou junto. Ainda canta “Ô Ô Ô Yaôs... Quanto amor, quanto amor. As pretas velhas Yaôs vêm cantando em seu louvor.” Mais um longo período sem títulos até que a agremiação deu um dos mais importantes passos para a consolidação definitiva dessa sua história, marcada pela vanguarda e pela criação de tendências para o Carnaval. Joãosinho Trinta, autor da célebre frase “O povo gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”, em resposta às críticas que lhe eram feitas em relação ao estilo luxuoso que imprimia aos desfiles da agremiação, ousou mais uma vez e, no Carnaval de 1989, em conjunto com Laíla, levou para Avenida um desfile valorizando o lixo - e não o luxo -, com uso recorrente de produtos reciclados e reaproveitados. Segundo Anizio, “Joãosinho pensava as coisas e sempre tinha meu apoio. Quando fizemos o Carnaval ‘Ratos e Uru40
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bus’, toda a diretoria da escola foi contra as ideias que eram lançadas na reunião de apresentação do enredo. Sabia que era um enredo polêmico, mas acreditava nas ideias do João Trinta, do Laíla e do Viriato. E levei o Carnaval no peito”. Foi também nesse Carnaval que a Beija-Flor promoveu uma das maiores polêmicas do Carnaval, ao anunciar que levaria para a Avenida um carro alegórico com a imagens de um Cristo em andrajos - o CristoMendigo. Essa iniciativa despertou a reação da Igreja Católica, que entendendo ser a imagem do Cristo-Mendigo um desrespeito à imagem do Messias, entrou com uma ação na Justiça solicitando a proibição da entrada dessa escultura no desfile. Entre idas e vindas da Justiça, Joãozinho Trinta e Laíla decidiram cobrir a alegoria no desfile sob um manto plástico com uma faixa onde se lia “Mesmo proibido, olhai por nós”. Ainda assim, tanto pela composição do carro alegórico - repleto de mendigos reais, moradores de rua - como pela solução criativa e provocativa que deu à situação, como pelo desfile impactante e cheio de energia, a apresentação da Beija-Flor teve uma enorme repercussão e a agremiação, ao som de “Xepa de lá pra cá xepei Sou na vida um mendigo da folia eu sou rei“, mais uma vez levantou o público presente. Emocionado, um dos mais importantes nomes do Carnaval carioca, Fernando Pamplona, durante os comentários do desfile que fazia ao vivo não se manteve e explodindo em emoção bradou: “Esse é um momento glorioso! Glorioso! Glorioso, gente! O povo aplaude e tem coragem tirando o manto negro de cima de Cristo. Acompanhem pelo amor de Deus. Acompanhem o povo em êxtase!” Toda essa emoção e euforia do carnavalesco, cenógrafo, professor, produtor e maior ícone do Carnaval foi o auge do reconhecimento de um desfile único, que marcou a história do Carnaval. Infelizmente, a agremiação nilopolitana conquistou apenas a 2ª colocação. Apesar do resultado, escreveu, definitivamente, a mais emocionante página da história do Carnaval - não pelo número de títulos, mas pela ousadia, criatividade e coragem de fazer arte livre. Na década de 1990, apesar das glórias de sempre, uma grande perda. Nelson Abrão David, que após alguns anos fora da presidência da escola, voltou em 1991, faleceu no mesmo ano. No ano seguinte, em 1992, após um amargo sétimo lugar, Joãosinho Trinta deixou a escola. Para seu lugar, Maria Augusta Rodrigues seria a convidada. E no sábado das campeãs Anizio faz Fevereiro 2018
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o convite direto à carnavalesca. Maria Augusta recorda que foi criada uma situação curiosa pois após o convite de Anizio, ela respondeu: “Anizio, antes de eu responder a você, preciso ir à BeijaFlor. Mas preciso dizer à você que tenho uma forma própria de criar meus enredos. Eles surgem a partir de sonhos que tenho.” Fato é que Maria Augusta assume o posto e, trazendo novas ideias à agremiação, leva para a Avenida um Carnaval mais lúdico e brincalhão. É o carnaval “Uni-duni-tê. A Beija-Flor escolheu você. “Foi um Carnaval mágico. O Anizio ficou muito satisfeito com o desfile, especialmente porque com a saída do João Trinta a escola estava em busca de uma nova linguagem, para inclusive marcar essa nova fase pós-João. Me lembro que a escolha do enredo se deu em forma de revelação: acordada, sonhei com o enredo de uma forma tão clara e completa como nunca havia acontecido, na qual ouvia e via coisas que fui escrevendo e desenhando. Uma revelação que durou praticamente duas horas e meia. Tinha certeza de que o desfile seria especial e que ajudaria a BeijaFlor a se reencontrar”, confidencia Maria Augusta. Nos quatro anos seguintes quem assume a função de carnavalesco da agremiação é o paraense Milton Cunha, que assina dois importantes enredos - “Margaret Mee - a dama das bromélias” e Bidu Sayão e o canto de cristal” - até a institucionalização da Comissão de Carnavalescos, criada por Laíla em 1997, e que tinha como principal objetivo retirar de cena a figura do carnavalesco único e abrir espaço para as mentes criativas de um grupo multifacetado, sob o seu comando. A iniciativa deu certo, e no dia em que Neguinho da Beija-Flor completou 23 anos de Avenida, a Comissão de carnavalescos da agremiação, formada por Cid Carvalho, Anderson Müller, Amarildo Melo, Victos Santos, Paulo Fuhro, Fran Sérgio, Bira, Nelson Ricardo e João Sorriso, sob a batuta de Laíla, deu à agremiação mais um título de campeã, com o enredo “Pará - o mundo místico dos Caruanas nas águas do Patu Anu”. Com a virada do século, novos ares e a realização de mais desfiles importantes. Utilizando essa nova forma de produzir carnavais - com uma Comissão de Carnavalescos -, a agremiação conquistou mais cinco títulos de campeã e três vice-campeonatos. (2000, 2001 e 2002) e com “O povo conta a sua história: saco vazio não para em pé (2003)”, em mais um enredo histórico, levantou um mais que merecido título. Falando de lutas e superações de problemas sociais, a escola, seguindo sua vocação para carnavais críticos, fez toda a Sapucaí cantar: “Chega de ganhar tão pouco/ Tô no sufoco, vou 42
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desabafar/ Pare com essa ganância, pois a tolerância pode se acabar…”. Embalada por mais um título, a Beija-Flor, mais uma vez, surpreendeu. De acordo com os comentaristas de Carnaval, a agremiação de Nilópolis tinha sem dúvida o melhor samba. Mais uma vez, a disputa foi com a Mangueira, que sagrou-se vicecampeã. Joãosinho Trinta, na Grande Rio, também foi vencido pela Azul e Branco de Nilópolis, e com o enredo “Manoa, Manaus, Amazônia, Terra Santa: Alimenta o corpo, equilibra a alma e transmite a paz” a agremiação azul e branco preparava seu caminho para um novo tricampeonato. Foi assim que em 2005, com o enredo “O vento corta as terras dos Pampas. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani, sete povos na fé e na dor... Sete missões de amor”, tendo a região das Missões como cenário para seu carnaval, a Beija-Flor de Nilópolis levou para a avenida mais um enredo que, apoiado por um samba emocionante e a sempre pulsante comunidade, conquistou mais um título para Nilópolis. Era o segundo tricampeonato da história da escola e a certeza de que para vencer o Carnaval, as demais agremiações deveriam primeiro, vencer a Beija-Flor. Beija-Flor de Nilópolis. E em um Carnaval antológico, dois anos após o tri, a Beija-Flor, com o enredo “Áfricas - Do berço real à corte brasiliana” chama a atenção de todos ao entrar na Avenida com carros moderníssimos, grandiosos e engenhosos, capazes de arrancar aplausos até dos adversários. Apesar de já ter mais de uma década, esse desfile ainda é lembrado com muito carinho pelos amantes dessa festa. www.beija-flor.com.br
Depois de um mergulho nas culturas e tradições africanas, a Beija-Flor de Nilópolis desbravou o Brasil para, com isso, conquistar mais um bicampeonato. Falando sobre Macapá, com “Macapaba: equinócio solar, viagens fantásticas ao meio do mundo” a agremiação fez bonito na Avenida e levantou o título, mostrando mais uma vez o Brasil dos brasileiros.
bateria da Beija-Flor é convidada.”Roberto Carlos se tornou um amigo da Beija-Flor. E todos nós, aqui da bateria, temos o maior carinho pelo Rei, por tudo que ele representa na música brasileira e também como pessoa, que apesar de introvertida, tem um enorme coração e um grande respeito pelas pessoas”, destaca Rodney Ferreira, mestre de bateria com Plínio.
De 2010 até os dias atuais, dois títulos de campeã, um vice, um terceiro lugar e desfiles memoráveis, carimbando uma identidade única de se fazer Carnaval.
Mais uma vez falando de África, em 2015 a agremiação conquistou, com “Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial”, seu décimo terceiro título de campeã. Lançando um olhar mais específico sobre a África, desta vez destacando o verde das florestas africanas e as belezas das riquezas naturais do continente.
Roberto Carlos, um dos maiores nomes da música brasileira, foi tema de Carnaval. E não poderia ter sido em outra escola. O Rei já havia declarado admiração pela agremiação de Nilópolis. Em um desfile cheio de emoções, não poderia ter dado outra coisa: Beija-Flor campeã, “A simplicidade de um Rei”. Um detalhe deste ano é que a partir dele, a base da bateria da Beija-Flor passou a ser composta por meninos oriundos do projeto social que a escola realiza em Nilópolis. Todos os anos, no especial do Roberto Carlos na Globo, a
Atualmente, comemorando 70 anos de fundação, e com um invejável currículo de 13 títulos carimbados e 12 vice-campeonatos, a Beija-Flor de Nilópolis - maior vencedora do sambódromo não tem mais que provar nada a ninguém. Nada mesmo.
A Beija-Flor de Nilópolis José Bonifácio de Oliveira Sobrinho - Boni
A primeira mudança formal no Carnaval surgiu com o Fernando Pamplona, o Joãozinho Trinta e o Arlindo Rodrigues, no Salgueiro. Naquele tempo, o Carnaval não recebia um volume de dinheiro para que pudesse sofisticar sua produção. Até a chegada da Beija-Flor, que revolucionou a questão do Carnaval. E não só com Joãozinho Trinta por seu Carnaval extraordinário, mas porque a Beija-Flor decidiu investir em uma coisa que Joãozinho Trinta acreditava - o luxo nos desfiles de Carnaval. Então a Beija-Flor transformou o Carnaval quando deu um maior valor aos criativos e os trouxe para dentro da escola. Ela revolucionou o Carnaval com investimento. Ela acreditou no espetáculo e em quem o criava. O Carnaval sempre teve esse apelido de maior espetáculo da Terra, mas não era. Se você assistir imagens daquele Sambódromo de madeira que foi passado a limpo pelo Niemeyer em concreto, vai constatar uma estrutura e condições precárias, inclusive na bateria, nos figurinos, nas roupas, nos carros alegóricos. E com a entrada da Beija-Flor você começa a ver um investimento alto em qualidade, em bom gosto e ousadia, que provocava as outras escolas à melhorarem seus padrões de qualidade. Então não tenho dúvida de que toda a grandiosidade do espetáculo de carnaval se deve à Beija-Flor, por ter sido iniciada por ela – e seguida pelas demais agremiações. Tenho muito orgulho de ser amigo do Anizio e muita gratidão à Beija-Flor pelo carinho e consideração. Mas acima de tudo tenho orgulho e gratidão ao Anizio e à Beija-Flor por tudo aquilo que é feito para a comunidade, com essa preocupação em transformar um evento que é anual e um acontecimento diário durante todos os anos. E por mais que eu tenha restrições à minha participação no Carnaval desse ano, vou ficar lá torcendo, porque o enredo desse ano é espetacular. Ele mostra mais uma vez a vanguarda da escola, que não vai mudar sua forma de fazer Carnaval, mas mostrar o que é mais importante: que as agremiações não precisam ter uma linha rígida e podem abordar uma diversidade de temas que vão desde simplesmente a diversão até assuntos de interesse social, como a Beija-Flor está fazendo esse ano. A Beija-Flor é realmente a professora das escolas de samba.
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Beija-Flor – usina de sonhos e de carnaval Haroldo Costa jornalista, autor de “Histórias do Brasil na boca do povo” e membro do Estandarte de ouro.
Não há como fugir do cliché: parece que foi ontem. E é verdade. Em dezembro deste ano a hoje vitoriosa e sempre bela escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, há setenta anos teve sua semente plantada com a fundação do Bloco Associação Beija-Flor, maneira que um grupo de foliões tradicionais do bairro encontrou para suprir a ausência dos pequenos blocos que tinham desaparecido. Um longo e trabalhoso caminho foi percorrido até que a Beija-Flor se tornasse uma das potências do Carnaval carioca, impondo um estilo e uma personalidade admirada por todos.
deixou de estar entre as favoritas, e corre mesmo à boca pequena uma espécie de premonição que algumas vezes tem sido confirmada: quem ganhar, tem que ganhar da Beija-Flor. Para um coração salgueirense é taquicardia na certa.
Umas das fortes características da escola é, sem dúvida, o fator aglutinador que criou em torno do si estimulando o amor e o orgulho do morador de Nilópolis, que ficou conhecida no Brasil e no mundo. Um dos espetáculos mais emocionantes que se pode ter é assistir um ensaio na quadra da escola com quase cem por cento de moradores locais, composto por família inteiras, exibido várias gerações. É bonito. Outro detalhe que faz da Beija-Flor uma escola admirável é o trabalho social que sua diretoria exerce e estimula. É preciso ver para aquilatar o resultado que está sendo obtido depois de alguns anos. Desde o mais conhecido, desejado e concorrido corte-e-costura até os mais sofisticados e bem aparelhados cursos de informática e tecnologia, com muitas turmas ministradas por ex-alunos, "Sou Caruana eu sou está tudo lá sob a vigilância do Anizio incentivando sonhos. É o popular fator de multiplicação, tão Patu-Anu nasceu do girador, obá necessário para o desenvolvimento de uma cidade Eu trago a paz, sabedoria e proteção e, por extensão, de um país. Curar o mundo é minha missão" Eis porque a Beija-Flor pôs Nilópolis no mapa geográfico e no da apuração dos pontos conseguidos no desfile. Desde o ano I da era Joãozinho Trinta (Sonhar com Rei dá Leão) a Beija-Flor nunca
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Para este Carnaval de 2018, algumas escolas de samba adotaram uma postura crítica em relação ao Poder Público. Nos discursos ou nos enredos, as agremiações, entre elas a Beija-Flor de Nilópolis, se posicionam contra as falhas que governos brasileiros, nas mais variadas esferas, permitem ocorrer, deixando a população vulnerável a muitos problemas. Não é de hoje que o Carnaval é uma catapulta para evidenciar ou servir de instrumento para manifestações críticas a governos, governantes e estruturas sociais. Desde os primórdios da festa, bem antes de se tornar o considerado maior show aberto do planeta, o Carnaval já era um instrumento utilizado pelas camadas mais pobres para enfrentar a classe dominante, que, por sua vez, tentava abafar o barulho da festa. “O Carnaval, que surgira nas elites, logo ganharia contornos diferenciados ao ser apreendido pelas camadas populares a partir e nas tradições das festas religiosas de largo (Festa da Glória, Festa da Penha, entre outras), cada vez mais profanas. Obviamente que tal manifestação popular não passou incólume pelas tentativas de ‘saneamento’ e ‘civilização’ da cidade, já que muitas vezes eram relacionada aos costumes das camadas mais populares considerados “desregrados”, bárbaros, grosseiros e ‘atrasados’. Um exemplo claro disso pode ser encontrado no período conhecido como Belle Époque Carioca (anos finais do século XIX e começo do século XX), quando se tentou, a todo custo, regulamentar a prática do Carnaval popular. Não tiveram sucesso. De fato, é fundamental sempre pensar o Carnaval carioca na perspectiva contínua de resistência e contra -resistência”, escreveu Victor Andrade de Melo, no livro “Lazer e minorias sociais”. 46
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As desigualdades socioeconômicas, ainda muito presentes no Brasil, sempre ganharam evidência durante o Carnaval e como afirma o historiador Luiz Antônio Simas, escritor e professor universitário, “É necessário lembrar que o Carnaval, para uma parte dos cariocas, sempre teve a dimensão de ser um tempo de subversão da cidadania roubada. Inventamos na rua a cidade negada nos gabinetes poderosos, sobretudo no contexto de transição entre o trabalho escravo e o trabalho livre, nos últimos anos da Monarquia e nos primeiros da República, quando a festa ganhou contornos populares mais contundentes e uma parte significativa dela passou a ser um canal de expressão de descendentes de escravos. A partir daí a festa confunde-se com a própria história da cidade, como é até os dias atuais. Entrudos, corsos, batalhas de confetes e flores, blocos de arenga, rodas de pernada, ranchos, cordões, grandes sociedades, bailes de mascarados, escolas de samba, onças do Catumbi e caciques de Ramos, simpatias e suvacos balzaquianos, bate-bolas suburbanos e centenárias bolas pretas, dão pistas para se entender como as tensões sociais – disfarçadas ou exacerbadas em festas – bordam as histórias desse terreiro de São Sebastião/Oxossi”, pontua Luiz Antonio Simas, uma das referências no quesito estudo das manifestações populares brasileiras. Simas destaca, ainda, que tentar inibir, contrariar ou controlar o Carnaval dos mais pobres é uma prática antiga de nossos governantes. “O Estado varguista buscava disciplinar as manifestações das camadas populares, com o objetivo de controlá-las. Os negros, por sua vez, buscavam trilhar caminhos de aceitação social. As escolas de samba surgiram como resultados dessa realidade, em que o interesse regulador do Estado vai ao encontro do desejo de aceitação das camadas populares. www.beija-flor.com.br
quatro dias de luta Felipe Lucena jornalista e roteirista
Dessa tensão e dessas intenções as escolas de samba se cristalizam como agremiações típicas do Carnaval carioca”.
Estado e dos políticos brasileiros. As agremiações de Carnaval são formadas pelo povo. Esse povo trabalhador, disciplinado, obediente. Eles estão nas alas de ritmistas, de passistas, nas baianas, na ala São praticamente inumeráveis os carnavais de rua dos compositores, na Velha Guarda e em tantas ou na Avenida, recentes ou passados, que entraram outras alas de comunidade. São esses sambistas na festa brincando, mas falando sério, pulando, que estão, também, trabalhando nos escritórios, porém sendo críticos. A Beija-Flor de Nilópolis, nas empresas, nas lojas por esse Rio de Janeiro, em 1989, com o enredo “Ratos e Urubus, larguem e quando fazem o Carnaval, estão usando a voz minha fantasia” fez uma das críticas sociais mais que tem e pela qual podem ter suas reivindicações marcantes da história dos quatro dias de folia. ouvidas. Eles são um termômetro da sociedade. Com uma abordagem ousada e de confronto, a E o Carnaval tem que representar isso: a voz do agremiação não economizou nas críticas, deixando nosso povo”, finaliza o radialista Hilton Abi-Rihan. claro ao público presente à Sapucaí que estávamos frente a frente com um problema grave que tocava a cada um de nós, cidadãos brasileiros. Na ocasião, a equipe de trabalho da agremiação, liderada por Joãosinho Trinta e Laíla, esclarece em documentos oficial da escola que “A ideia deste enredo não surgiu como inspiração. Ele foi provocado pela percepção da enorme quantidade de sujeira, de lixo que nos cerca e nos está sufocando. É o lixo físico, mental e espiritual deste país. É o lixo da falta de amor, da honestidade e do respeito à vida. Tremendas falhas que vem provocando o aumento do grande povo de rua abandonado, escorraçado e esquecido. Quantidade enorme de mendigos, famintos, desocupados, loucos, pivetes, meretrizes, travestis povoam os espaços do Brasil. É a falta de empregos, de orientação e tantas outras "Chega de ganhar tão pouco carências”. É praticamente consenso que o Carnaval, com a visibilidade que tem, pode ajudar a mudar muitas coisas em nosso país. Algumas agremiações, através de ações sociais diretas ou indiretas, já fazem muito. Contudo, críticas, dentro de um contexto sério e justo, são sempre necessárias, sobretudo se acompanhadas de mudanças. “O Carnaval é o maior show da Terra e merece toda a atenção do
Tô no sufoco vou desabafar Pare com essa ganância, pois a tolerância Pode se acabar..." O povo conta a sua história
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obrigado, Beija-Flor
Entrevista com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Hilton Abi-Rihan radialista e apresentador de TV Ricardo Da Fonseca jornalista e produtor cultural
Hilton Abi-Rihan – Em janeiro de 2017, se deu início a administração do prefeito Marcelo Crivella, que ficará à frente da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro pelos próximos três anos. Uma de suas primeiras iniciativas foi a extinção da Secretaria Municipal de Turismo e a substituição por um Conselho de notáveis cuja missão seria desenvolver as políticas ligadas ao turismo da cidade. E você, Boni, foi um desses notáveis convidados. Como foi essa história? Boni – Quando deu início à sua gestão, o atual prefeito convidou Ricardo Amaral para assumir a Secretaria de Turismo, existente na ocasião. Antes de qualquer resposta, Ricardo fez uma análise do turismo na cidade e concluiu que a Secretaria Municipal de Turismo não tinha uma infraestrutura razoável, com apenas seis funcionários e sem orçamento próprio. Com experiência de mercado, Ricardo foi claro ao afirmar que a Secretaria não tinha razão de existir, especialmente porque nossa cidade, de forte vocação turística, possui outros instrumentos com influência e força, como a Riotur, a Rio Eventos e a Rio Negócios - além de secretarias como as de Cultura e Esportes. Sugeriu, então, a criação do Conselho Superior de Turismo do Rio, que reuniria pessoas com “carioquismo” evidente e atuação histórica na cidade para elaborar uma agenda de eventos para a capital. O prefeito aceitou e algumas pessoas foram convidadas para esse Conselho. Eu fui um deles, ao lado de Roberto Medina, do próprio Ricardo Amaral e do Paulo Protásio. Em um primeiro momento aceitei o convite, especialmente porque amo a cidade do Rio de Janeiro e sei bem o potencial que ela tem. No entanto, tenho que confessar que sofro de deformações profissionais: sou muito objetivo e não sei viver nem de mentiras e nem de promessas. O prefeito nunca falou comigo sobre cortes de verba
e me dizia que o Carnaval seria como eu estava planejando. Se tivesse falado eu teria estudado uma solução com a Liesa. Me desliguei do grupo, não pelo corte mas pela falta de sinceridade. Hilton Abi-Rihan – Então sua saída do Conselho de Turismo teve relação com o Carnaval do Rio? Boni – Só teve. Eu tenho uma paixão muito grande pelos problemas sociais, mas também tenho pelo Carnaval carioca. O Carnaval, com mais investimento, geraria mais recursos para que a Prefeitura pudesse fazer um melhor trabalho na área social. Há uma mentalidade antiga de que a subvenção é uma ajuda ao Carnaval. Não é. É apenas uma parte do pagamento que o órgão público tem que fazer pelo espetáculo contratado. Por outro lado quem paga mais é a iniciativa privada e os recursos dessa fonte já estão exauridos em relação ao desfile das escolas de samba. Se não houvessem os patronos não haveria desfile nenhum. O município é contratante e não doador. Trata-se de pagamento. Como tal não há que se cortar e sim pagar. Se o principal produto turístico é o Carnaval, é óbvio que a prefeitura investindo em um melhor evento teria mais verba, oriunda de uma arrecadação maior. Não só precisamos de leite para todas as crianças como precisamos de outras ações essenciais: educação, saúde e segurança. E não é justo tirar verba do Carnaval para completar verbas de outros eventos que não foram cobertos, na sua totalidade, pela iniciativa privada. O leite das creches está certo. Entendo que a prefeitura estava quebrada, Mas pergunto: Por que e como foram arranjar verbas para pagar parte de um espetáculo de fogos mal sucedidos em Copacabana e para ajudar o desastroso encontro de baterias na Av. Atlântica? Então, uso a expressão que considero mais adequada: demagogia. Fevereiro Fevereiro 2018 2018
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Hilton Abi-Rihan – Você está, então, fora do carnaval Carioca? Boni – Vamos colocar as coisas em termos afetivos: eu estou triste com o que está acontecendo com o Carnaval. Não apenas pelo fato de a Prefeitura cortar parte da subvenção. Mas a questão que está sendo ignorada é que o Carnaval carioca merecia – e precisa – de mais investimentos e não de cortes. Não apenas investimento direto para as escolas de samba mas também para a recuperação e plena manutenção do Sambódromo. É preciso lembrar que ele foi construído há mais de 30 anos. Atualmente, a situação do palco do maior espetáculo da Terra – o Sambódromo – é lamentável. Ele precisa ser modificado para propiciar às Escolas a apresentação de novidades artísticas e tecnológicas. A Liesa já resolveu com a Gabi Sound a questão do som, tornando-o totalmente digital, para que possa ser limpo e perfeito. Mas há muito coisa a mais que precisa ser resolvida. A outra questão primordial é a iluminação. Para o espetáculo se modernizar, é preciso um tipo de luz que favoreça a pista e não as arquibancadas e que possa colocar foco nas escolas e não nos pseudo-diretores que desfilam com camisa de “diretoria” e sujam o desfile. É necessário uma luz que deixe o sambódromo no escuro e venha, gradativamente, na medida que as Escolas venham avançando na passarela. Foco no show e não na plateia. Essa luz que permita que cada agremiação, através do carnavalesco ou do iluminador, possa programar a luz que deseja para os diferentes pontos do desfile. É necessária a instalação de telões em toda a avenida. Além de dar uma visão do desfile para o público de modo diferenciado, os telões podem ser um importante elemento para que sejam eliminadas as paradas contínuas em frente aos jurados para apresentação da agremiação e de determinados componentes. Hoje, o aspecto campeonato em busca de pontuação e do título do Carnaval passou a ser mais importante que o espetáculo. E não pode ser assim. Essas paradas contínuas que as Escolas são obrigadas a fazer para se apresentarem aos jurados, em nome da competição, prejudicam e muito o desenvolvimento do espetáculo. É coisa velha e solucionável com tecnologia. Eu desfilo há muitos anos e percebo o sacrifício que é retomar a empolgação depois de cada parada. Também há soluções para trazer o chamado “segundo recuo de bateria” para o centro do desfile, mais no meio da extensão da pista. Hilton Abi-Rihan – Essa paixão antiga que você tem pelo Carnaval não o deixa inseguro em relação à decisão de não participar do Carnaval de 2018? 50
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Boni – De alguns anos para cá, dá pena assistir o Carnaval. Especialmente pelo esforço não recompensado dos artífices, carnavalescos, sambistas, baianas, passistas e dirigentes. O formato se esgotou e ninguém reage. E isso repercute no desfile e no ânimo do componente, que se supera na Avenida. Não tenho dúvidas de que quatro modificações darão uma nova rajada de vento para arejar o desfile. Enquanto inovações não forem implantadas, vamos ver no Sambódromo um espetáculo muito aquém do que pode ser realizado. E essas mudanças não custam uma montanha de dinheiro. São possíveis. A parte do som já foi resolvida pela Liesa, sem custo. A parte de iluminação, eu trouxe aqui nesta sala onde estamos, o pessoal da Prefeitura, da Globo e da Philips e chegamos a uma equação possível na qual seria trocada toda aquela iluminação da Avenida com um custo mínimo para a Prefeitura. Haveria uma brutal economia de energia. E toda aquela iluminação que está atualmente obsoleta seria útil podendo ser instalada em outras áreas da cidade do Rio de Janeiro que precisam de iluminação visando uma melhor segurança. Ao olhar para o Sambódromo eu o imagino renovado. Enfim, um belíssimo espetáculo renascendo.... Essa é a minha esperança. Ou então, como sugere o Anizio, vamos construir um Sambódromo novo na Barra. Ricardo Da Fonseca – Pelo que está dizendo, Boni, o problema não está apenas na administração municipal atual, mas em todo um conjunto de acomodações dos diversos agentes. É isso? Boni – A Liesa faz um magnífico trabalho, mas é deficitária. Então o negócio é o seguinte: como é que se consegue fazer um espetáculo durante tantos anos sem evoluir na sua base? É uma questão estrutural. Isso reflete no espetáculo dentro da Sapucaí. A escola pode se matar de criatividade que não adianta. Com aquela luz mórbida e aquelas pessoas sentadas de costas para a avenida, ouvindo funk, não há quem consiga contagiar o público. E não vamos dizer que as agremiações é que estão fazendo um desfile regular, ou que o samba enredo não foi capaz de levantar o público. A Escola pode entrar com a garra que quiser e com o samba que tiver. A Sapucaí se tornou um túmulo – o Sarcófago do samba. Ricardo Da Fonseca – Se é uma questão que beneficiará a todos, porque não é feita? Boni - É falta de visão. O Carnaval é um produto poderoso no qual o poder público, eu insisto, devia investir dinheiro. Mas tenho certeza. Do jeito que está não se consegue nem corrigir os www.beija-flor.com.br
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ingressos pelo índice de inflação, que está bem baixa. Isso prova que o interesse pelo espetáculo vem caindo. O que tem que se pensar é que a vocação da cidade é o turismo. Mas não adianta criar um calendário turístico e criar novos atrativos se não conseguirmos salvar e melhorar o que já existe. Então, não é melhorar o Carnaval porque a gente gosta de Carnaval. É melhorar o Carnaval porque ele é uma importante atividade turística e cultural que está abandonada a própria sorte e sujeita a decadência inexorável. O que os gestores ainda não entenderam é que o Carnaval pode ficar infinitamente melhor. Temos um banquete de qualidade mas está sendo servido em um pires. Ricardo Da Fonseca – Você tem experiência em pegar um produto e dar um upgrade nele, como foram diversos casos na Rede Globo e na Rede Vanguarda. Independente das limitações que considera a Liesa ter, há uma questão concreta: a administração municipal atual fez grandes cortes – tanto no Desfile das escolas de samba, como os blocos e até mesmo no “trem do samba”. Fazendo uma análise mais ampla, para “dar leite às crianças” a Prefeitura poderia ter feito cortes em outras áreas que só geram gastos, especialmente se considerarmos que os eventos ligados ao Carnaval além de gerarem impostos geram emprego e renda. Como vê essa questão dos cortes? Boni – Quando um governo corta recursos das Escolas de Samba, inclusive dos grupos de Acesso, B, C e de demais eventos que são culturais, está se praticando um ato de crueldade para com o samba, para com o Carnaval e para com essas pessoas que trabalham nele. Isso porque existem muitas pessoas mais humildes, que não estão integradas no mercado de trabalho tradicional, que encontram no Carnaval e nas agremiações 52
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uma oportunidade não só de sobrevivência, mas também de aprimoramento de suas aptidões e de formação e aprimoramento de mão-de-obra especializada para o futuro. As agremiações de samba hoje são, mais do que qualquer coisa, uma escola de arte, de cultura e de qualificação profissional. Ver todo esse universo ser minimizado por decisões políticas atreladas a conceitos pessoais tacanhos que ignoram o mercado e a sua realidade, inegavelmente, causa perplexidade. Que ninguém tenha dúvida: o Carnaval é mesmo o maior espetáculo da Terra! Na Avenida você coloca em dois dias mais de 70 mil pessoas em suas fantasias desfilando disciplinadamente. É um espetáculo! Uma lição prática de disciplina e respeito a um objetivo comum. O Carnaval não é escapismo. Carnaval não é apenas diversão. É uma poderosa manifestação social. Não me canso de repetir: o governo tem obrigação de participar, mesmo que com prejuízo – o que não acontecerá se seus responsáveis trabalharem direito. Ricardo Da Fonseca – A cidade do Rio de Janeiro não é uma cidade industrial. É uma cidade de pessoas cuja primeira vocação natural é saber receber de braços e corações abertos pessoas das mais variadas origens, crenças e características. Isso torna o Rio de Janeiro um grande caldeirão de culturas. Você acha que esses cortes no Desfile das escolas de samba e nos blocos podem ameaçar essas manifestações culturais que explodem aqui? Seria o esperado tiro de misericórdia do inimigo? Boni – Não acredito que seja um tiro de misericórdia porque ninguém consegue sufocar as manifestações culturais de um povo. Não sufoca, mas é claro que se inibe. Atrasa. Protela. O que podia crescer na realidade fica contido. Então isso aí é uma tristeza. Mas a cultura é sempre mais forte www.beija-flor.com.br
do que as administrações, que sempre passam. Elas podem impor danos, mas eles serão sempre temporários. A força do povo e de sua cultura sempre reage e se levanta. E se renova. Dentro da própria sociedade surgem pessoas e lideranças que fazem resistência em favor da cultura e do povo. E nesse sentido, é importante falar do fabuloso trabalho que muitos dos patronos das escolas de samba fizeram, e ainda fazem, ao longo de décadas. No passado, sem apoio do poder público, essas lideranças botaram dinheiro do próprio bolso para elevar escolas de samba de pouca significância a patamares mundiais, levando para mais de 100 países nossa cultura. Eu vi bem isso: acompanho de perto o Carnaval há mais de 50 anos. E vi com meus próprios olhos o que esses patronos fizeram. Vestiram componentes, criaram carros alegóricos, patrocinaram carnavalescos, pesquisadores e criativos. Se você pensar que esses patronos com tudo isso foram capazes de preservar culturas locais, inclusive manifestações religiosas de toda natureza, através do Carnaval, verá que eles tiveram um importante papel no desenvolvimento da cidade, e que com essa posição de mecenas e defensores desse espetáculo se tornaram elementos de resistência pacífica da nossa cultura ameaçada. A perseguição aos patronos, olhando para o caos em que se encontra o país, é pura hipocrisia. Hilton Abi-Rihan – Boni, você considera, então, que o poder público está desdenhando o desfile das escolas de samba, as agremiações e o Carnaval?
pela Prefeitura com o crescimento do espetáculo em qualidade e número de dias. Hilton Abi-Rihan – Não há dúvida de que o desfile de Carnaval é uma festa popular impactante. Mas sem recursos financeiros as agremiações não são capazes de preparar um desfile à altura, estou certo? E você, Boni, já tinha essa visão anos atrás, quando introduziu o modelo de a emissora de televisão reservar um recurso para pagar as agremiações. Boni – Quando eu comecei a televisionar o Carnaval, em 1963 na TV Rio, a transmissão era gratuita. As emissoras de TV e, mais tarde a TV Globo, não pagavam nada para nenhuma das Escolas de Samba, nem para ninguém. Foi então que, em 1985 – me lembro perfeitamente porque foi no ano que a Mocidade Independente ganhou com o enredo Ziriguidum 2001 – foi feito e assinado o primeiro contrato entre a televisão e as Escolas de Samba para haver uma remuneração. Não era nenhum valor significativo, mas foi o começo. E a partir da criação da Liga Independente das Escolas de Samba a coisa avançou mais e as Escolas de Samba começaram a ser realmente valorizadas. Ricardo Da Fonseca – Você é um empresário bem sucedido com a Rede Vanguarda. Imaginamos que nem sempre as coisas se mostravam favoráveis aos objetivos propostos para a sua Emissora. Nessas horas, imagino, uma atitude proativa sua e de sua equipe foi exigida para encararem os obstáculos e removê-los – inclusive arriscando e tomando decisões mais corajosas. Nesse sentido, estamos acompanhando um corte drástico nos recursos de importantes e tradicionais manifestações culturais da cidade e do samba, como o Trem do Samba, os blocos de carnaval e os desfiles das escolas de samba de todos os Grupos – Especial, Acesso e demais. Há muita reclamação nas redes sociais e fora dela – ou muito “mimimi”, como dizem hoje em dia. Como vê essa questão? Não acha que há pouca ação decisiva por parte dos responsáveis por esses eventos?
Boni – O poder público não tem sensibilidade artística e nem cultural para entender o que é o Carnaval. São políticos por profissão. Burocratas por natureza. Eles não têm a menor ideia de quem sustenta o Carnaval. Às vezes dizem: “temos que recorrer a iniciativa privada”. Mas, na verdade, não há mais de onde tirar. O “merchandising” que está na Avenida já está lá – também não há mais o que inventar. Toda a parte que você pode imaginar de comercialização está utilizada. Já foi, como disse, exaurida. Não adianta falar em buscar mais dinheiro porque todo dinheiro possível dos patrocinadores já está colocado dentro do Carnaval. A TV Globo não faz caridade nenhuma dando "Se Deus me deu vou preservar dinheiro para o Carnaval. Ela recebe do cliente Meus filhos vão se orgulhar anunciante e fica com uma pequena margem e A Amazônia é Brasil, é luz do criador repassa o restante, porque o Carnaval não é das Avante com a tribo Beija-Flor" coisas mais lucrativas para a TV Globo. Mas a emissora entendeu a importância desse evento Manôa, Manaus, Amazônia, terra santa artístico e cultural para ela e para a sociedade. A Globo tem uma história de apoio total ao Carnaval. Hoje novas receitas deverão ser auferiras Fevereiro 2018
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Boni – Eu concordo inteiramente com o que você Ricardo Da Fonseca – Anteriormente você desestá colocando. Talvez os presidentes das Escolas tacou a importância das lideranças. Como vê o de Samba não tenham entendido o poder que as Anizio nessa questão? agremiações têm. Quando ouvi sobre os cortes, Boni - Um líder como é a Beija-Flor estabelece um eu imaginei que haveria uma reação incisiva das padrão para seus competidores. Quando o padrão Escolas de Samba e de seus presidentes. Eu não vi do líder é bom, a concorrência corre atrás. Então essa reação. Penso que eles aceitaram essa decisão, se você tem um líder atento, sensível e ousado a que discordo. Acredito que uma reação contuntendência é a uma evolução e a uma diversificação dente era necessária, inclusive para que ficasse de forma e conteúdo. Nisso, a Beija-Flor sempre claro à todos a importância do Carnaval. Para que correu na frente, graças a liderança do Anizio. Ele ficasse claro a importância deles para a cidade, é o responsável pela transformação do Carnaval. para o comércio, para o turismo. Eu sou muito Podem surgir outras Escolas revolucionárias, mas radical nessas coisas. Vocês querem acabar com a Beija-Flor é sempre um referencial. Eu já fiz a o Carnaval? Então vamos parar com o Carnaval. montagem de alguns vídeos para ver o Carnaval Ou vocês reveem esse corte ou não terá Carnaval. de todas as épocas, antes e depois da Beija-Flor. A Entendo que a Liesa é uma entidade política e Beija-Flor mudou o Carnaval. Todo mundo mudou. não pode – e nem deve – promover confrontos. O A cada ano que a Beija-Flor inovava, ela obrigava Jorginho Castanheira é uma pessoa maravilhosa e as outras Escolas a buscar um novo patamar. E, um político extraordinário. Mas a Liesa é, também, sem prejuízo do estilo Beija-Flor de luxo e riqueza, uma entidade representativa: os presidentes das novos caminhos foram percorridos pelo Joãosinho Escolas de Samba deveriam ter se reunido para Trinta, Laíla e pela Comissão de Carnavalescos. E discutir o que fazer diante de uma situação grave todo mundo vem sempre atrás da Beija-Flor. Isso como essa. E além do corte tem que se considerar provocou saltos do Renato Lage, do Paulo Barros o atraso no pagamento. Eu teria peitado. e de tantos brilhantes criadores. Então em meu Ricardo Da Fonseca – Mas essa atitude não poderia nome e em nome do Carnaval, agradeço: Obrigado gerar outros problemas? E se a prefeitura com- Anizio. Obrigado Beija-Flor. prasse essa briga e mantivesse os cortes? Boni – É importante ficar claro que o Carnaval não é um evento de propriedade de uma Prefeitura. É um evento da cidade, do carioca, do povo e das agremiações. É um evento do Brasil. Interferir no bom desenvolvimento do Carnaval é interferir negativamente na promoção e na reafirmação de nossa cultura – e uma ameaça ao desenvolvimento econômico da cidade. Vamos lembrar quando o Anizio, na presidência da Liesa, enfrentou respeitosamente o prefeito Saturnino Braga para que a Prefeitura da cidade repassasse mais recursos às Escolas de Samba – o que era justo. O prefeito, depois de muita discussão e negociação aceitou um meio termo para esse ajuste. Mas não aceitou porque era bonzinho. Aceitou porque sabia muito bem a importância do Carnaval e das Escolas de Samba para a cidade. Então, mesmo que a Liesa e a atual administração iniciassem um confronto saudável, através das negociações creio que se chegaria a um equilíbrio na questão. Não é possível que um lado imponha e o outro seja obrigado a seguir. É preciso negociar para que haja equilíbrio nas relações. É claro que problemas trabalhistas, prestação de contas e todos os compromissos legais tenham que ser cumpridos pelas Escolas, mas é muito clara a má vontade da atual administração municipal com o Carnaval.
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Beija-Flor: ativo econômico do Brasil
Luiz Carlos Prestes Filho autor do livro “Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval” e diretor do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Federação Nacional das Escolas de Samba (FENASAMBA).
O desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro é um serviço de utilidade pública nas áreas do entretenimento e da cultura. Com a subvenção do governo municipal, desde 1935, grupos sociais excluídos comemoram um ano de atividades em suas quadras onde realizam: - cursos profissionalizantes; - atividades esportivas em vilas olímpicas; - cursos de pré-vestibular; - campanhas de saúde pública; - eventos culturais; - reuniões comunitárias; - festas familiares (casamentos; 15 anos; batizados).
(BNDES). Grande pioneiro de estudos sobre Economia do Carnaval. A “Engenharia Social do Carnaval” potencializa os seguintes produtos industriais: alimentos; bebidas; moda; CD/DVD; brinquedos. Também, cria oportunidades para a prestação dos seguintes serviços na Cidade Maravilhosa: publicidade; shows e espetáculos; carnaval; turismo (transporte, hospedagem e gastronomia). Segmentos sociais, abandonados de políticas públicas, são os principais responsáveis por esta Engenharia Social que movimentou no Rio de Janeiro, em 2017, de acordo com dados da Riotur, um milhão de turistas e R$3 bilhões. Para ninguém é segredo que a Beija-Flor é um dos mais importantes Ativos Econômicos desta plataforma de negócios e de alegria.
O Grêmio Recreativo Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, é mantenedor de creche e de educandário que oferecem educação gratuita para milhares de crianças, há 20 anos em Nilópolis. Nos barracões das agremiações, ao longo do ano acontece a produção e a desmontagem dos carros alegóricos; também, a confecção de fantasias e adereços. São milhares de costureiras, bordadeiras, marceneiros, serralheiros, eletricistas, aramistas, sapateiros, chapeleiros e escultores, entre muitos outros profissionais altamente qualificados. Nas quadras acontecem com regularidade os ensaios fundamentais para o êxito dos desfiles no Sambódromo. Essa é a base da “Engenharia Social do Carnaval”, conceito criado pelo economista Carlos Lessa que foi Magnífico Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
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samba social Felipe Lucena jornalista e roteirista
O Brasil ainda é um país com profundas diferenças socioeconômicas. Embora tenha uma das dez economias mais ricas do mundo, os abismos entre poucos ricos e muitos pobres persistem em nosso caminho como nação. Ações governamentais em todas as esferas e relações humanas em setores da sociedade civil ainda não alcançaram a plena eficácia para reduzir este grave problema. O samba, com seu compasso próprio, nos ajuda nos difíceis passos para dias melhores. O samba e o carnaval são compostos por pessoas. Notas dessa música da vida. E são essas pessoas as responsáveis por ações que colaboram para que a sonoridade dos nossos dias seja cada vez melhor, ainda que com muita dificuldade e trabalho. Anizio A. David, presidente de honra da BeijaFlor e um dos principais patronos do samba e do Carnaval, promove um importante trabalho de bem estar social (retratado em uma das matérias desta edição da revista) através da agremiação de Nilópolis. Ele acredita que ajudar as pessoas, dando-lhes oportunidades e instrumentos para superar as dificuldades, é o caminho: “Diversas razões fazem e fizeram o Brasil ser um país com uma grande desigualdade econômica e social. Uma desigualdade que aumenta cada vez que alguns grupos mais jovens conseguem entrar no mercado de trabalho e outros não conseguem. É por isso que na questão da capacitação e da geração de empregos, as atividades culturais e populares são tão importantes. Elas são meios de inclusão desses jovens excluídos de oportunidades. Me lembro que no passado, a pessoa mais pobre tinha dificuldade de entrar em uma faculdade e fazer um curso superior. Além disso, eram poucas as universidades públicas nas regiões mais pobres do Rio de Janeiro. O resultado disso tudo foi um crescente abismo entre os jovens de classe alta, média e média
alta em relação aos jovens mais pobres. Aqueles, quando saíam das Universidades, formados conseguiam empregos com bons salários, enquanto o jovem de periferia, sem diploma universitário, era obrigado a entrar em empregos que pagavam menos e que exigiam mais deles, especialmente na questão física. Nesse tempo, o Carnaval se tornou uma alternativa para muita gente, inclusive artistas, artesãos e operários, que tinham vocação e habilidade mas não tinham diplomas. Então, é importante lembrar o papel que nós do Carnaval tivemos. Enquanto muita gente virava as costas para essa situação, inclusive os governos e empresários da época, nós do Carnaval estávamos abrindo oportunidades para o trabalhador mais humilde ter uma vida honrada, com seu emprego e seu salário”, afirmou Anizio. Essa realidade, iniciada nos tempos idos do Carnaval, avançou para os dias de hoje, e as agremiações de Carnaval são importantes colaboradoras na geração de emprego e renda, oferecendo através de oportunidades no mercado de trabalho, contribuir para a redução das desigualdades sociais. Chiquinho, grande incentivador do Carnaval e proprietário das lojas Babado da Folia, é um exemplo de superação através do esforço, da dedicação e de uma oportunidade para se agarrar. “Sei como é difícil a ascensão social e econômica para um rapaz mais pobre ou para uma menina que vive em uma comunidade com seus avós, porque não tem pais. As oportunidades são sempre pequenas, e essas pessoas precisam as agarrar com determinação. Trabalhando tantos anos no samba e no Carnaval, essa é a realidade que vejo. Mas vejo, também, muita gente boa e competente encontrando essas oportunidades e trabalhando fundo para fazer delas a sua chance de mudar de vida. É por isso, também, que vejo o Carnaval como um evento
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importantíssimo: no mundo do samba, aquele que quer trabalhar, batalhar e conquistar uma vida melhor não precisa se preocupar com sua cor, se é filho de algum bacana ou se tem ou não diploma universitário. O Carnaval não só abre centenas de oportunidades nas mais variadas áreas como não exige nada do jovem trabalhador, a não ser honestidade e disposição para trabalhar. E isso é uma das coisas que faz o Carnaval do Rio de Janeiro ser tão essencial para a vida dos cariocas e fluminenses”, destacou o empresário. Uma coisa é fato: é preciso que as pessoas tenham mais oportunidades para que as desigualdades do Brasil sejam reduzidas. E essas oportunidades podem surgir de diversas formas. O estudo, a busca e o acesso às informações educacionais e culturais mais sólidas são sem dúvida armas fortes para combater esse mal que assola nosso país. No mundo do samba e do Carnaval, não necessariamente na estrutura central desses universos, existem muitos casos que provam que o conhecimento muda vidas. “Venho de uma comunidade pobre – meu querido Morro do Andaraí – e sei muito bem o que é você ter capacidade, mas não ter oportunidade porque está fora dos critérios aceitos. A questão nunca foi racial, mas de acesso à oportunidades. Quando você, mesmo com diversas habilidades, mora no morro, longe dos canais de oportunidade ou quando não tem um certificado de qualificação profissional, raramente encontra um emprego à altura do que deseja. E não tenho dúvida em afirmar que poucos da minha época conseguiram se formar em uma universidade e atuar em espaços “reservados” para um grupo social mais privilegiado. Apesar de ser uma lamentável realidade, fato é que as pessoas precisam viver e manter suas famílias, e nessa hora, para essas pessoas o Carnaval carioca foi, não tenho nenhuma dúvida, o grande canal de sobrevivência e, depois, de grandes conquistas. Foi graças ao Carnaval que tivemos artistas natos compondo sambas inesquecíveis, ou concebendo enredos fantásticos. É essa mão de obra, hoje especializada e qualificada pela prática, que ajuda ao Carnaval a ser essa festa admirada por todos”, disse o advogado criminalista Ubiratan Guedes, ligado ao samba e ao Carnaval. Um outro caso que representa centenas de milhares de outras histórias que passam anônimas por nós é o caso de Tia Glorinha. Filha e neta de Baianas, Tia Glorinha cresceu e fez sua história no Salgueiro, tendo sido eleita, após 23 anos na Ala das Baianas, presidente do grupo, graças ao apoio da atual presidente da agremiação, Regina Celi, e de suas companheiras, que reconheceram nela as qualidades para tocar essa função tão importante. Mãe do samba, como ficou conhecida, Tia Glorinha destaca a importância do Carnaval para a inserção de amigos e conhecidos do morro do Salgueiro no mercado de trabalho: “Tenho 70 anos de Morro do Salgueiro e desde que deixei de ser criança e comecei a entender melhor as coisas vi que muita gente boa e competente não conseguia emprego lá no asfalto – que é como sempre chamei ‘lá embaixo’. A gente sabia das dificuldades de arrumar um emprego lá embaixo porque se exigiam muitas coisas das pessoas que iam procurar emprego. É assim que os empregadores se comportavam. Queriam que tivesse diploma, que soubesse ler e escrever e tantas outras coisas mais. Acontece que nem todo mundo naquela época teve oportunidade de estudar, pois muitos tinham que fazer “bicos” para ajudar em casa. Nessa situação, o Salgueiro se mostrou não só uma escola de samba querida de muita gente, mas também se mostrou solidária, porque era 60
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aqui na minha escola que muitos encontravam a sua oportunidade de emprego e de trabalho, especialmente porque aqui no Salgueiro, como nas escolas de samba que conheço, não existe preconceito. Tive muitos conhecidos e amigos que começaram a trabalhar aqui no Salgueiro (escola de samba) e foram se firmando até conseguirem novos empregos no asfalto. Empregos que só conseguiram porque trabalharam aqui na escola e se aprimoraram. Eu mesmo tive muitas oportunidades de trabalho e realização aqui no Salgueiro. E isso se dá porque aqui as pessoas que dirigem a agremiação valorizam as pessoas pelo que elas são e fazem, não por causa de sua cor, idade ou diploma. Basta você ver que com 60 anos, enquanto muita gente está encostada, eu fui chamada para ser presidente de uma ala tão importante como a das Baianas. As escolas de samba não são apenas um lugar de cultura, arte e diversão. Aqui é, também, um ponto de fortalecimento social das pessoas”, frisa Tia Glorinha. Como dissemos anteriormente, à história de Tia Glorinha se juntam centenas de outras histórias semelhantes, de brasileiros que buscam suas oportunidades de uma vida melhor através do mundo do samba e do Carnaval, mostrando ao in-
divíduo mais atento que a solução para os problemas da sociedade estão no bojo da própria sociedade - desde que o poder público desempenhe seu papel livre de preconceitos, e “verdades” inquestionáveis. Parabéns à todos aqueles que constroem o samba e o Carnaval na Cidade Maravilhosa e, com isso, ajudam a escrever a história de homens e mulheres de valor.
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breves anotações sobre a poética do samba Ricardo Azevedo escritor e doutor em Letras pela USP autor o livro “Abençoado e danado do samba - um estudo sobre o discurso popular” e vencedor do Prêmio Jabuti 2014, uma das maiores honrarias do mercado editorial brasileiro.
É corriqueiro ouvir artistas e músicos falarem e acreditarem na existência de uma “linha evolutiva” dentro da rica e diversificada música popular brasileira. O mesmo parece se dar com boa parte da mídia e do público em geral. Ser da “vanguarda”, ou seja, ocupar a frente dessa “linha evolutiva”, parece estar entre os paradigmas mais valorizados pela cultura dominante. Entretanto, relacionar arte e evolução pode ser um erro. Talvez seja válido se pensarmos nas ciências biológicas, na química, na física ou nos avanços tecnológicos, que supõem processos e desenvolvimentos lógicos, sequenciais e mecânicos. O problema é que as ciências humanas – e as artes entram aqui – não funcionam dessa forma. Na arte podem existir diferentes modelos construtivos ou adoções não coincidentes de determinados procedimentos e posturas, e nada disso costuma formar um quadro evolutivo. Ao contrário, esses modelos podem coexistir e dialogar. Afirmar no plano da música popular – nosso tema – que Dorival Caymmi, Wilson Batista, Monsueto ou Nelson Cavaquinho são “menos evoluídos” do que qualquer compositor posterior a eles (Tom Jobim, Edu Lobo, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque ou quem quer que seja), corresponde creio a uma redução equivocada e inútil. A razão é simples: esses grandes artistas trabalharam ou trabalham a partir de diferentes padrões 62
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e pressupostos a respeito da linguagem poética e do que seja a música popular. A noção de “evolução” pode ser útil quando aplicada, por exemplo, à análise da obra de um artista específico vista ao longo do tempo ou a procedimentos de determinado grupo de artistas reunidos em torno de tais e tais propostas. Fora isso, ela costuma resultar em visões inadequadas e pretensiosas. De volta à questão dos diferentes padrões culturais, vejamos a letra do samba-choro “Só vendo que beleza”, de Henricão e Rubens Campos: “Eu tenho uma casinha lá na Marambaia / Fica na beira da praia / Só vendo que beleza / Tem uma trepadeira que na primavera fica toda enflorescida de brincos de princesa / Quando chega o verão eu sento na varanda / pego meu violão, começo a tocar / Minha morena, que está sempre bem disposta, senta-se ao meu lado e começa a cantar / Quando vem a tarde um bando de andorinhas / voa em revoada fazendo o verão / E lá na mata o sabiá gorjeia / lindas melodias pra alegrar meu coração / Às seis da tarde o sino da capela / bate as badaladas da ave-maria / A lua nasce por detrás da serra anunciando que acabou o dia.” Se examinarmos essa letra segundo os paradigmas da cultura escrita, do ponto de vista de uma breve análise literária, encontraremos uma série de fórmulas e frases feitas, que, em tese, a www.beija-flor.com.br
empobreceriam e a desqualificariam como texto. “Quando chega a tarde, um bando de andorinhas voa em revoada fazendo o verão” é puro clichê. “E lá na mata o sabiá gorjeia lindas melodias pra alegrar meu coração” é clichê. “Às seis da tarde o sino da capela bate as badaladas da ave-maria”, clichê. “A lua nasce lá detrás da serra anunciando que acabou o dia”, clichê. Segundo os paradigmas da cultura escrita, portanto, essa letra poderia ser considerada banal e medíocre. Acontece que “Só vendo que beleza” é um grande samba, um clássico da nossa música popular. Fica a pergunta: como um discurso que recorre a estereótipos e clichês pode, mesmo assim, paradoxalmente, ser considerado um clássico? Vejamos agora outra letra de música, “Noite de hotel”, de Caetano Veloso: “Noite de hotel / a antena parabólica só capta videoclipes / diluição em água poluída / (e a poluição é química e não orgânica) / do sangue do poeta / cantilena diabólica / mímica pateta / noite de hotel / e a presença satânica é a de um diabo morto / em que não reconheço o anjo torto de Carlos / nem o outro / só fúria e alegria / pra quem titia Jagger pedia simpatia / noite de hotel / ódio a Graham Bell e à telefonia (chamada transatlântica) / não sei o que dizer a essa mulher / potente e iluminada / que sabe me explicar perfeitamente / e não me entende / e não entende nada / noite de hotel / estou a zero / sempre o grande otário / e nunca o ato mero de compor uma canção pra mim foi tão desesperadamente necessário.” Tudo leva a crer que “Só vendo que beleza” e “Noite de hotel” são letras criadas e construídas a partir de paradigmas bastante divergentes e apresentam objetivos poéticos não-coincidentes. Se Henricão ouvisse “Noite de hotel”, talvez dissesse: – Não entendi direito. Achei as frases muito soltas e meio desencontradas!
do que a de “Só vendo que beleza”. Seria, creio, um ledo engano. De um lado, temos o texto de Caetano, que recorre à linguagem fragmentada, a um certo estranhamento, a metáforas e imagens obscuras, a citações e a uma visão de mundo singular, ou seja, tendências, recursos e padrões recorrentes na chamada modernidade. Trata-se ainda, claramente, de um texto para ser lido, analisado e interpretado. É difícil imaginar uma platéia escutando “Noite de hotel” e de primeira logo sair cantando com o intérprete. Enquanto isso, a letra de Henricão foi, ao que tudo indica, construída para ser compreendida imediatamente, memorizada e cantada por todos durante a apresentação. Para atingir a esses objetivos, ela lança mão de fórmulas, imagens e frases feitas, facilmente compreensíveis e memorizáveis, e mais: trata de um tema da vida cotidiana capaz de gerar grande identificação e compartilhamento em pessoas de diferentes classes sociais, graus de instrução ou faixas de idade. O texto parte, em suma, de um modelo construtivo enraizado na cultura oral – gregária por definição – e não na cultura escrita. Se a letra de Caetano descreve, com imagens singulares, uma situação bastante particular de solidão, o texto de Henricão canta, numa linguagem pública, uma cena da vida cotidiana com que todos, ricos, pobres, cultos e analfabetos, podem se identificar com facilidade. É preciso ressaltar a importância e o poder desse tipo de discurso, nem sempre valorizado, que pode ser chamado de “discurso popular” e que costuma ser acessível e gerar identificação na maioria das pessoas independentemente de graus de instrução, classes sociais e faixas etárias.
Entretanto, sabemos que certos modelos construtivos buscam justamente isso: a linguagem nãonarrativa e fragmentada, por vezes, experimental. Henricão ainda poderia perguntar: – Quem é esse tal anjo torto de Carlos? Que Carlos? Como pode alguém dizer que a mulher é potente e iluminada e, ao mesmo tempo, não entende nada? Titia quem? Afinal, sobre o que esse cara está falando? Se está tão sozinho, porque não pega o violão e vai até o bar da esquina tomar um trago e cantar com o pessoal?
"Em nome do pai,do filho A Beija-Flor é guarani Sete povos na fé na dor Sete missões de amor" O Vento corta as Terras dos Pampas
É possível que alguém possa julgar que a letra de “Noite de hotel” seja “superior” ou “mais evoluída” Fevereiro 2018
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Vamos imaginar que alguém necessite transmitir um recado importante. Se o tal recado for dado por escrito, seu autor estará livre e independente da situação face-a-face e de um contexto determinado, temporal e situado. Por essa razão poderá, se quiser, ser original, recorrer a artifícios de linguagem, inventar palavras novas, arriscar-se a certas ambigüidades, experimentar jogos sintáticos, parodiar, estilizar, fazer citações e até optar pela sobreposição dos códigos verbal e visual, uma vez que o texto está escrito. Poderá abordar temas obscuros de seu exclusivo interesse pessoal. Poderá ainda ser, por exemplo, propositadamente agressivo, até porque não há perigo de revide. Ou ser propositalmente incompreensível e hermético. Todas essas atitudes e recursos são possíveis porque, no texto escrito, o leitor poderá ler e reler várias vezes, consultar dicionários, pedir a opinião de outras pessoas, refletir sobre o que leu e, assim, construir sua interpretação. Ora, é preciso compreender que se o mesmo recado for transmitido oralmente, a situação tende a ser bem diferente. Não costuma fazer sentido, numa comunicação face-a-face, falar uma coisa para dizer outra. Também não faz sentido falar de viva voz e entrar em muitos detalhes e descrições, pois isso seria enfadonho. Não faz sentido ainda abordar assuntos através de pontos de vista demasiado singulares. Também não cabe partir para citações e erudições. É melhor evitar falar em outras línguas. É melhor fugir de sintaxes pouco usuais. É arriscado inventar palavras ou recorrer a imagens e metáforas obscuras ou pessoais demais. Fora isso, é aconselhável não ofender ninguém da plateia até porque pode dar briga. Em suma, o discurso escrito e o discurso oral face-a-face obedecem a modelos construtivos e podem ter objetivos diferentes. No contato direto, o que eu quero dizer e o que eu digo devem sempre estar sobrepostos. Se isso não ocorrer provavelmente não vou ser compreendido, e alguém logo vai gritar: “Pera aí, não entendi o que você disse!” Se há uma característica fundamental do discurso popular, e aqui incluo as letras de samba, é o fato de ele ser criado e construído, tanto faz se oralmente, por um compositor analfabeto, ou através da escrita, no caso de um compositor alfabetizado, tendo como pressuposto a comunicação de viva voz, ou seja, a situação da comunicação feita face-a-face e suas implicações. Em outras palavras, existem letras de músicas criadas para ser lidas, ou seja, foram escritas para
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ser analisadas e interpretadas. E há outras que, mesmo sendo escritas, foram criadas para ser ouvidas no contato face-a-face e compreendidas com imediatez. Esse último modelo corresponde à voz de muitos e muitos brasileiros e tem como substrato a cultura popular. Seu discurso – que nasce a partir de uma certa visão de mundo – certamente não é individualista. Sua tendência é privilegiar não o “eu sinto” mas sim o “nós sentimos”, tanto por buscar a comunicação clara e o repertório coletivo, como por trazer as perplexidades e os interesses não de um “eu”, mas de um “nós”. Além disso, o modelo discursivo popular parte quase sempre da suposição de que as pessoas tendem a estar situadas dentro de redes hierárquicas. O que significa isso? Em resumo, no modelo hierárquico (e a família obedece a esse modelo), tudo estaria dentro de um grande sistema, uma grande rede, e haveria uma consangüinidade geral; afinal, tudo e todos são filhos de Deus. Essa grade de pessoas, em síntese, tem Deus ou deuses em cima, depois os mortos, depois os mais velhos, os adultos, os jovens, as crianças e assim por diante. Neste contexto intrinsecamente relacional, quando agredimos o Zé, não agredimos apenas o Zé, mas o filho do Seu Severino e de Dona Zica, o irmão do Chico, do Nei e do Tonhão, o neto do Seu Valdemar da venda e de dona Almerinda. Sem falar no pessoal da comunidade onde o tal Zé mora. Surgem daí as menções à família e à experiência dos mais velhos tão comuns nas letras de samba: “Tinha eu 14 anos de idade / quando meu pai me chamou”, diz o samba “14 anos” de Paulinho da Viola. “Vem meu filho / Pegue a minha mão / Vamos caminhar por aí / São tantos os caminhos / Que eu tenho a lhe mostrar / Preciso apontar qual você deve seguir”, diz “Filho meu” de Everaldo Viola, cantado por Noite Ilustrada. No modelo popular, é preciso lembrar, o conhecimento tradicional baseado na experiência prática e no senso comum é muito valorizado (até porque o aprendizado raramente é feito por meio de livros). Para exemplificá-lo poderia citar as técnicas de trabalho aprendidas com os mais velhos (a Velha Guarda) ou os ditados populares: “quando rico mata o pobre o defunto é que vai preso”, “quem senta na garupa não pega na rédea”, “quem anda na linha, o trem esbagaça”, “quem não sabe nadar bota a culpa no rio” etc. É corriqueiro nas letras de www.beija-flor.com.br
samba encontrar ditados e frases feitas, procedimento típico do discurso e da comunicação oral. Outro aspecto do modelo de consciência popular: sua profunda religiosidade, ou seja, as explicações religiosas para os eventos do mundo. É difícil encontrar um único CD de samba que não mencione a existência de Deus ou que não parta do princípio de que Deus é a premissa de tudo o que existe. Pode-se dizer que o discurso popular, o discurso do samba, quase sempre pressupõe uma visão religiosa da vida e do mundo. É raro encontrar uma canção da chamada moderna música brasileira que fale de religião e as poucas que falam fazem-no analiticamente e com distanciamento: “Olha lá vai passando a procissão / se arrastando que nem cobra pelo chão / as pessoas que nela vão passando /acreditam nas coisas lá do céu…” (“Procissão”, de Gilberto Gil). Trata-se de uma visão distanciada: “olha lá vai passando”... A procissão passa lá longe, “as pessoas que acreditam nas coisas do céus” - elas acreditam, não eu. No samba, essa religiosidade é recorrente. Trago como exemplo este samba que é quase uma oração: “Peço a Deus, um mundo cheio de paz/ Peço
a Deus, que alcance seus ideais/ Peço a Deus, que a inveja jamais/ Peço a Deus pra sermos todos iguais.../ (“Peço a Deus” de Dida e Dedê da Portela). Vale a pena mencionar também o tema do envelhecimento. No discurso do samba, ele é freqüente e, note-se, sempre do ponto de vista da experiência vivida, concreta e situada. Diz Zé Kéti, em “Meu pecado”: “O meu pecado / foi querer na minha mocidade amar tantas mulheres / o tempo já passou / eu sinto saudade/ (…) nem com dinheiro as mulheres já não me desejam mais / ah, se eu pudesse, voltaria ao meu tempo de rapaz”. Vejamos o samba “Não te dói na consciência”, de A. Garcez e Nelson Silva: “Quando eu estava na flor da idade / Sei que me tinhas amizade / Sempre sorrias para mim / Sinto saudade daqueles beijos de outrora / Zombas por eu ter perdido a mocidade / Não tardas em me dizer que vais embora”. Os exemplos são muitos e muitos. Raramente encontramos na chamada MPB letras que falem do envelhecimento concreto. Em geral, as poucas existentes analisam o envelhecimento com distanciamento. Uma é “O homem velho”, de Caetano Veloso: “O homem velho deixa vida
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e morte para trás / cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais / o grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais / o homem velho é o rei dos animais”. Note-se que essa letra analisa de fora, define e teoriza sobre o envelhecimento e não, como nas letras de samba, fala a partir dele. Tal constatação tem implicações que merecem ser ressaltadas. Uma delas: para uma criança, creio, ouvir uma canção criada a partir do envelhecimento (e não sobre ele) pode ser uma experiência fundamental e formadora. A omissão do tema, por outro lado, remete à higienização da velhice, tendência típica, ao que parece, da sociedade moderna, considerada “narcísica”, que desvaloriza o velho (a Velha Guarda!), se envergonha da falta de “autonomia” etc. Outro tema típico do samba é o do trabalho. Na sociedade tecnológica e moderna trabalhamos muito, mas curiosamente o tema desaparece do discurso, pelo menos do discurso da chamada moderna MPB. No samba é uma constante: “Cocorocó, o galo já cantou / – Levanta nêgo, tá na hora de tu ir pro batedor/ – O nêga me deixa dormir mais um bocado / – Não pode ser, por que o senhorio está zangado com você / Ainda não pagaste a casa este mês / levanta nêgo que só faltam dez pra seis” (“Cocorocó”, de Paulo da Portela). Poderia citar muitos outros. Seria o caso de falar ainda de temas como a solidariedade – lembremos de “Antonico”, de Ismael Silva ou “Nega Luzia” de Wilson Batista e Jorge de Castro – ou de assuntos como a morte, a comida ou a festa, mas é tempo de concluir. Em resumo, creio que uma reflexão produtiva sobre nossa música popular deve levar em conta a existência de dois modelos discursivos: o discurso-eu – ligado ao modelo de consciência individualista e moderno, marcado pelos cânones da literatura, pela teoria literária, pela escolarização e pelos procedimentos científicos. Nele os interesses do indivíduo tendem a estar acima dos interesses do grupo. E o discurso-nós – ligado ao modelo de consciência hierárquico e tradicional, marcado pela oralidade, pelo senso comum e pela performance face-a-face. Ao contrário, neste caso,
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os interesses do grupo tendem a estar acima das questões individuais. Ambos os discursos naturalmente são válidos, pertinentes, e têm sua razão de ser, até porque refletem e são representações de determinadas visões de mundo. Fique claro, porém, que nenhum é necessariamente mais “evoluído”, mais “desenvolvido” ou mais “autoconsciente” que o outro. Ambos têm seus paradigmas e seus pressupostos. Ambos implicam um conjunto de temas e procedimentos. Ambos adotam um sem-número de fórmulas. Ambos se interpenetram e dialogam constantemente. E, além disso, ambos podem ser bem ou mal realizados. Importa saber que são discursos concebidos a partir de diferentes, embora não excludentes, modelos de consciência construídos socialmente. Dá o que pensar, em todo o caso, constatar que, tirando a temática lírico-amorosa, recorrente em todos os tipos de canção, os temas da vida cotidiana, concreta e situada (trabalho, envelhecimento, morte, festa, comida, família, religiosidade, pobreza, solidariedade, esperança, corporalidade, humor etc.) tendam a desaparecer de certo discurso moderno construído a partir do individualismo, da escolarização e da visão teórica e científica de mundo. Isso certamente ocorre em boa parte da moderna música popular brasileira. Basta ligar o rádio. Tomara que as breves ideias levantadas aqui sirvam para motivar alguma reflexão a respeito desse nosso riquíssimo e diversificado patrimônio cultural que é o samba. www.beija-flor.com.br
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estandarte de ouro Ricardo Da Fonseca jornalista e produtor cultural
A cidade do Rio de janeiro é uma capital peculiar, que tradicionalmente recebe brasileiros das mais variadas regiões e culturas do país – e estrangeiros dos mais variados cantos do mundo – e que os acolhe no coração com espontaneidade, carinho e respeito.
Das diversas premiações não-oficiais existentes, inegavelmente a mais respeitada é o Estandarte de Ouro, que foi criado por um grupo de funcionários do Jornal "O Globo", dentre eles, os jornalistas Heitor Quartin, Henrique Caban, Roberto Paulino e pelo gerente de promoções Péricles de Barros no início dos anos 1972.
Essa vocação faz da cidade uma metrópole ímpar no mundo, e a transforma em um enorme caldeirão cultural no qual se mesclam hábitos, pensamentos e culturas em uma simbiose perfeita, fazendo do Rio de Janeiro a casa de todos.
De lá para cá, o "Oscar do Carnaval", como é conhecido no mundo do samba e do Carnaval, tem feito “justiça” à agremiações que muitas vezes foram injustiçadas pela análise dos julgadores oficiais. Em muitas situações, inclusive, seus resultados tem se identificado com as análises do público presente, que consegue ver o Desfile de uma maneira mais completa e apaixonada do que um julgador.
Por essa característica, o que poderia se esperar das festas e comemorações aqui realizadas senão um enorme nível de liberdade, alegria, confraternização e tolerância? Foi assim com a Jornada Mundial da Juventude de 2013. Foi assim com os Jogos Olímpicos de 2016. Tem sido assim há décadas com o Carnaval carioca, que hoje se apresenta como a mais importante e democrática festa popular do país - condutor de outras importantes atividades culturais e inclusivas nos meses de janeiro e fevereiro na cidade. No segmento da informação e imprensa, o Carnaval do Rio de Janeiro foi e permanece sendo, também, um importante agente impulsionador de ações, inclusive incentivando diversas premiações que, com autonomia e independência, acrescentam mais um adorável tempero ao Carnaval. Muitas dessas premiações não-oficiais já se tornaram tradicionais e, organizadas por grupos que se interessam pelo desenvolvimento do samba e do carnaval, concedem prêmios desejados por sambistas de alto quilate, que vem na premiação o reconhecimento à um trabalho desenvolvido em nível de agremiação e/ou desfile.
Um prêmio como esse, que reconhece os melhores, não poderia deixar de reconhecer regularmente a mais importante escola de samba das últimas décadas e que completa, em 2018, 70 anos de fundação. Por essa razão, a revista Beija-Flor de Nilópolis faz uma homenagem aos vencedores do Estandarte de Ouro que fizeram história na agremiação nilopolitana e no Carnaval.
"Sou quilombola Beija-Flor Sangue de Rei, comunidade Obatalá anunciou Já raiou o sol da liberdade" Áfricas: do berço real à corte brasiliana
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1976 Sonhar com Rei dá leão
1979 O paraíso da loucura
Enredo
Mestre-sala (Elcio PV)
1977 Vovó e o rei da Saturnália na côrte 1980 O sol da meia noite: uma viagem ao egipciana país das maravilhas Comunicação com o público
Comissão de Frente
Ala (Baianas)
1978 A criação do mundo na tradição Nagô
1981 Carnaval do Brasil - a oitava das sete maravilhas do mundo Mestre-sala (Elcio PV)
Escola Destaque Masculino (Viriato Ferreira) Ala (Desvio / Camaleão Dourado) Há quarenta anos atrás, muita coisa no samba e no Carnaval era diferente, inclusive no que se refere à participação do “branco” no samba. Não era comum, também, a presença de pessoas de classe média alta em desfiles de Carnaval, o que motivou um grupo de amigos de Nova Iguaçu a fundar uma ala na BeijaFlor na qual pudessem participar. Era a ala “Desvio”. Segundo um dos seus integrantes, o empresário e advogado Cacau Medeiros, “Em 1977 um dos meus grandes amigos e um renomado médico, dr. Delmo Moraçá - médico dos meus filhos e dos filhos de Anizio - se entusiasmou com o Carnaval da Beija-Flor e resolveu criar uma ala, diferente de tudo que havia na época. Quando Joãozinho Trinta foi consultado por Moraçá sobre a ideia, ele achou um barato e foi um forte incentivador dela. Dalmo e Paulistinha, um outro amigo comum do Anizio, pensaram em uma ala do tipo “brancos no samba”, formada por pessoas sem tradição no Carnaval, integrantes da classe média alta de Nova Iguaçu. Criouse, então, com a autorização do Anizio, a Ala Desvio - que teve esse nome porque havia um bar em Nova Iguaçu com esse nome, Desvio, no qual nosso grupo de amigos, formados basicamente de médicos, dentistas e advogados, se reunia. Em nosso primeiro ano, com o enredo “A criação do mundo na tradição Nagô” nós já arrasamos: com a fantasia Camaleão Dourado, ganhamos o “Estandarte de ouro” e fomos a primeira ala da Beija-Flor a ganhar o prêmio do O Globo. Digo primeira ala porque 1978 havia sido o primeiro ano que o “Estandarte de Ouro” premiou Alas, já que a ala das Baianas, que levou o prêmio em 1977, era hour concour“, relembra Cacau. 70
Revista Beija-Flor de Nilópolis
1983 A grande constelação das estrelas negras Mestre-sala (Elcio PV) Porta-bandeira (Juju Maravilha) Destaque Feminino (Clementina de Jesus)
1984 Um gigante em berço esplêndido Mestre-sala (Elcio PV)
1985 A Lapa de Adão e Eva Destaque Feminino (Pinah Ayoub) Ala (Tenentes do Diabo) Puxador (Neguinho da Beija-Flor) Luiz Antônio Feliciano Marcondes saiu da Baixada Fluminense para conquistar o mundo. Mas do que isso. Neguinho da Beija-Flor conwww.beija-flor.com.br
quistou do mundo, o respeito e a admiração. E não apenas pela sua incondicional lealdade à Beija-Flor de Nilópolis, mas por ser, hoje, uma das mais importantes e marcantes vozes do Carnaval carioca, tendo sido coroado com cinco troféus “Estandarte de Ouro”. “O samba e o Carnaval me deram tudo que eu tenho. E não falo apenas em dinheiro e trabalho não. Falo em respeito e reconhecimento, que ajuda a gente a fortalecer a autoestima - sentimento que reflete na nossa vida, ao lado da nossa família e ao lado de nossos amigos. E quando me lembro do dia que ganhei meu primeiro “Estandarte de Ouro”... Ah! foi um dia muito feliz! ‘O crioulo só quer Michael-Jekiar‘. (risos) Apesar de não termos conquistado o sonhado título de campeão, fizemos um desfile de respeito e ganhar o prêmio coroou não somente meu trabalho, mas todo o trabalho da Beija-Flor, porque é o que sempre digo: ninguém vence o jogo sozinho. O intérprete de Carnaval nunca pode esquecer de dar valor aos seus músicos, aos compositores, aos ritmistas e à sua comunidade. Então esse reconhecimento foi uma alegria que compartilho com todos da Beija-Flor.”, declara o artista.
1986 O mundo é uma bola Escola Destaque Masculino (Jésus Henrique) Passista Masculino (Moisés)
1987 As mágicas luzes da ribalta Ala (Flor do Samba)
1988 Sou negro, do Egito à liberdade Personalidade (Jerônimo)
1989 Ratos e urubus, larguem a minha fantasia Escola Enredo Mestre-sala (Marco Aurélio) Personalidade (Joãosinho Trinta)
1991 Alice no país das maravilhas Passista Masculino (Cássio)
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1993 Uni-duni-tê, a Beija-Flor escolheu: é você
2000 Brasil, um coração que pulsa forte. Pátria de todos ou terra de ninguém?
Passista Feminino (Neide Tamborim)
Porta-bandeira (Selminha Sorriso) Passista Masculino (Edinho)
1994 Margareth Mee - a dama das bromélias Ala (Canoas indígenas)
2001 A saga de Agotime - Maria Mineira Naê
Passista Feminino (Sonia Capeta)
Escola Enredo
1996 Aurora do povo brasileiro Mestre-sala (Claudinho)
1997 A Beija-Flor é festa na Sapucaí Ala (Baianinhas) Revelação (Daniele)
1998 O mundo místicos dos caruanas nas águas do Patu Anu Porta-bandeira (Selminha Sorriso) Selminha Sorriso, indiscutivelmente, uma das mais importantes personagens da Beija-Flor de Nilópolis na atualidade, teve seu trabalho junto à escola reconhecido pelo “Estandarte de Ouro”, quando com a fantasia “Energia positiva” bailou com graça e leveza na Marquês de Sapucaí. “Foi um momento de muita alegria ter sido reconhecida pelos jurados do Estandarte de Ouro, com uma banca formada por especialistas em Carnaval.” Selminha, que iniciou no Carnaval aos oito anos de idade na ala das crianças na Unidos de Lucas, onde foi também passista, foi passista no Império Serrano e, pela vocação e dedicação, conquistou, através de um concurso, o posto de 2a Porta-Bandeira da agremiação - com apenas 16 anos. De lá para cá, foram seis troféus “Estandarte de Ouro”, envaidecendo nossa porta-bandeira e a toda a nação Beija-Flor. “É o sonho de todo Sambista!!! Um Prêmio que dignifica o artista do Samba e me deixa muito orgulhosa.”
2002 O Brasil dá o ar de sua graça - de Ícaro à Rubem Berta, o ímpeto de voar Puxador (Neguinho da Beija-Flor) Mestre-sala (Claudinho) Porta-bandeira (Selminha Sorriso) Ala (Rei do Maracatu do Nordeste)
2003 O povo conta a sua história: "saco vazio não para em pé" Puxador (Neguinho da Beija-Flor)
1999 Araxá, lugar alto onde primeiro se avista o sol Samba-enredo Ala (Comunidade Refúgio da Corte)
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Ala (Sou nega maluca sim senhor) Revelação (Diego)
2005 O vento corta as terras dos Pampas. Em nome do pai, do filho e do espírito Guarani, sete povos na fé e na dor... Sete missões de amor Samba-enredo Mestre-sala (Claudinho) Porta-bandeira (Selminha Sorriso)
2006 Poços de Caldas derrama sobre a terra suas águas milagrosas: do caos inicial à explosão da vida, a nave mãe da existência Ala (Baianinhas)
do? O reconhecimento através de um público fiel e de premiações das mais variadas, como o “Estandarte de Ouro”. “Fico muito satisfeito em conquistar esse prêmio. É uma emoção diferente a cada ano. Mas o principal, para mim, é saber que estamos trabalhando com responsabilidade e dedicação, não pensando no prêmio, mas em contribuir com a Beija-Flor e ajudá-la a pontuar, tirar nota máxima para que a agremiação chegue mais perto do título de campeã. A gente ensaia e treina bastante para isso. E cada premiação do “Estandarte de Ouro” têm um sabor especial, porque é sempre o resultado e o reconhecimento de especialistas pelo trabalho que a gente faz na Avenida.” Valeu, Claudinho! Juntos, com Selminha, Neguinho, Élcio PV e tantos outros dedicados componentes - premiados ou não - vocês fazem a história da agremiação nilopolitana.
Mestre-sala (Claudinho) Dizem que ele flutua no ar. Como o Beija-Flor. Quem o vê bailando na Avenida não duvida. Fato é que Claudio Souza, o Claudinho, baila com uma invejável graça e leveza. O resulta-
2007 Áfricas: do berço real à corte brasiliana Escola samba-enredo
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2009 No chuveiro da alegria, quem banha o corpo, lava a alma na folia
2017 A virgem dos lábios de mel, Iracema
Puxador (Neguinho da Beija-Flor)
Samba-enredo
Porta-bandeira (Selminha Sorriso)
2010 Brilhante ao sol do novo mundo, Brasília: do sonho à realidade, a capital da esperança Personalidade (Tia Nadir) Em homenagem às "tias baianas" que abrigavam sambistas em suas casas - nos tempos em que esses eram marginalizados e perseguidos - as agremiações de Carnaval incluíram, na década de 30, a ala das Baianas nos desfiles de Carnaval. Uma justa homenagem para essas mulheres, muito respeitadas pela comunidade negra de outrora e que participavam ativamente do cotidiano dos cidadãos negros e suas famílias. Por ser uma festa popular que representava e fortalecia os simbolismos do cotidiano do subúrbio da cidade da Rio de Janeiro, o desfile de Carnaval e seus blocos naturalmente inseriu a baiana nesse universo. E Tia Nadyr, como baiana e dedicada representante da agremiação nilopolitana e da ancestral sabedoria negra, teve seu importante papel reconhecido pelos jurados do Estandarte de Ouro.
2011 Roberto Carlos: a simplicidade do Rei Passista masculino (Anderson)
2013 Amigo fiel, do cavalo do amanhecer ao Mangalarga Marchador Puxador (Neguinho da Beija-Flor)
2015 Um Griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial Mestre-sala (Claudinho)
2016 Mineirinho genial! Nova Lima - cidade natal. Marquês de Sapucaí - o poeta imortal! Bateria
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Gabriel David e a tribo jovem na sapucaí Hilton Abi-Rihan radialista e apresentador de TV
Hilton Abi-Rihan – Você tem uma história ligada ao Carnaval devido especialmente à sua família. Como jovem, como vê o interesse dos jovens pelo Desfile das Escolas de Samba? Gabriel David – O Carnaval carioca, além de uma festa e uma manifestação da cultura do povo, é para muitos um produto de entretenimento. Seja da maneira que for que o olhemos, o Carnaval não encontra nada parecido no Brasil ou mundo. Nosso Carnaval é um acontecimento único e maneiríssimo, que graças ao apoio que meu pai e outros patronos de escolas de samba deram, se desenvolveu muito bem e é o espetáculo que todos conhecemos hoje. Mas penso que o Carnaval pode ser mais bem aproveitado para atrair mais jovens para ele. E quando eu falo produto “Carnaval” estou me referindo exclusivamente ao Desfile das Escolas de Samba. E quando digo que pode ser mais bem aproveitado, falo porque há uma tendência, hoje, de agregar mais de um atrativo em um mesmo evento. Se você observar qualquer evento de grande sucesso que tem a presença maciça dos jovens, no Brasil e fora dele, vai perceber que esses eventos não estão fixos em um único gênero musical – eles apresentam sons dos mais diversos gêneros e estilos musicais. Então, eu acho que para atrair o público mais jovem o Carnaval deve dar a possibilidade do público ouvir uma variedade maior de música. Além disso, outros serviços devem ser oferecidos à esse público presente no camarote. Hilton Abi-Rihan – Mas Gabriel, isso não vai de encontro com a crítica de muitos sambistas, que acham que os camarotes só deveriam tocar samba, e não funk e dance music? Gabriel David – Não é um assunto simples. Respeito a opinião de algumas dessas pessoas, especialmente as que são apaixonadas pelo Carnaval. Mas não podemos ignorar que o Carnaval é também um evento econômico, que gera negócios.
Quando falo dessa questão dos camarotes, estou tratando de uma questão comercial. O Carnaval é um evento maravilhoso. Mas se existem jovens que não querem estar na Sapucaí porque não querem ouvir durante 70 minutos um mesmo samba enredo, penso que as empresas que oferecerem outros atrativos não estarão desvirtuando a festa mas sim trazendo para a Sapucaí um maior número de jovens. O jovem de hoje é uma pessoa mais dinâmica. Por isso, o entretenimento que é oferecido à eles, hoje em dia, precisa ser dinâmico e completo. Dou um exemplo: o jovem que vai assistir um jogo de basquete, por exemplo, assiste além da partida, apresentações variadas, como danças animadas, músicas eletrônicas... E nem por isso a partida principal, que é o jogo de basquete, sofre algum tipo de mudança ou alteração. Apenas acaba recebendo mais público. E isso é bom para o esporte. É assim que funciona o business do entretenimento. Há uma oferta mais ampla de entretenimento dentro de um produto principal visando, principalmente, a interação com o público. Hilton Abi-Rihan – O Carnaval deve ser tratado como um grande evento e isso exige cada vez mais profissionalismo, sensibilidade e capacidade de se reinventar. É isso, Gabriel?
"O meu valor me faz brilhar Iluminar o meu estado de amor Comunidade impõe respeito Bate no peito eu sou Beija-Flor" Macapabá: Equinócio Solar
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Gabriel David – Sim. Tenho certeza de que não existe nada comparado ao Carnaval que a cidade do Rio de Janeiro produz e que oferece com altíssima qualidade ao seu público – carioca ou turista. Mas o público muda, porque as pessoas envelhecem e mudam de hábitos. E as novas gerações tem um comportamento bem diferente das gerações anteriores. Então, se os realizadores do Carnaval quiserem atrair essa nova geração, precisam se manter atentos e permanentemente avaliando o espetáculo para pensar propostas afinadas com o perfil desse novo público. Hilton Abi-Rihan – Essa visão que tem do Carnaval com produtos de apoio incentivou você a criar um produto para sua empresa, não é? Conte-nos um pouco mais sobre ele. Gabriel David – Eu amo o Carnaval. Ele está na minha vida e no meu dia a dia. Então, nada mais natural do que muitos dos meus projetos e dos meus pensamentos estejam relacionados a ele. E quando eu cresci um pouco mais, e comecei a sair mais com meus amigos e a me envolver mais com o Carnaval, percebi que não conseguia fazer com que meus amigos fossem comigo assistir os ensaios na Quadra, em Nilópolis. Era muito difícil, também, levá-los para assistir o desfile das escolas de samba - mesmo sendo eu de uma família tradicional no Carnaval. E era uma situação chata, porque eu queria estar na Sapucaí assistindo os desfiles e queria estar com meus amigos me divertindo. Eu queria estar na Quadra assistindo nossos ensaios e queria estar com meus amigos. Então, foi natural eu buscar uma alternativa para resolver essa questão, que deveria passar por uma solução capaz de tornar o Carnaval mais atraente aos olhos dos meus amigos e, consequentemente, dos mais jovens. Então comecei a prestar mais atenção em alguns desses camarotes de Carnaval, com seus formatos diferenciados. Eles não só ofereciam assistir o Carnaval de camarote: eles ofereciam aos seus clientes outras experiências, com músicas variadas, degustação de bebidas e uma gastronomia de qualidade, além de um tratamento VIP, como massagens relaxantes e outras atrações, para esse convidado ter o que chamo de “experiência completa”. Eu vi, então, nessa proposta de camarotes, uma oportunidade de negócios e que se afinava com o desafio de trazer o público mais jovem para a Sapucaí sem afastá-lo do desfile, afinal, vir para a Sapucaí para ficar dentro da boate ou da sala de massagem e deixar de assistir o desfile de carnaval não é legal. Comecei, então, a formatar uma maneira de atrair mais jovens, como meus amigos, para o Carnaval de um modo que eles aproveitassem o melhor de todos os ambientes que existem – que inclui o desfile, a boate, a gastronomia, a massagem, as apresentações de outros artistas (inclusive de escolas de samba). Me 78
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juntei a dois outros empreendedores e criamos o “Nosso Camarote”. Hilton Abi-Rihan – O que o “Nosso Camarote” oferecerá para proporcionar essa experiência mais completa? Gabriel David – Bem. No geral, vamos oferecer serviços e experiências dentro do produto principal que é o camarote, mas tendo como foco o jovem. Nessa forma diferenciada de oferecer um serviço diferenciado, vamos explorar ao máximo os intervalos entre cada desfile das agremiações. Nessa hora, o folião estará nos ambientes que teremos criado dentro do nosso camarote, mas não deixaremos de mantê-lo informado do momento que se aproxima da entrada de cada uma das escolas de samba. Vamos, então, ter um alerta na pista de dança para que ele possa estar por inteiro onde estiver. Reparei que nos demais camarotes as pessoas ficam na boate preocupadas com a hora do início do desfile de cada escola e, por isso, acabam ficando naquela de entra e sai da boate e dos outros ambientes. Acho que isso cria na pessoa um clima de preocupação, e o que queremos no nosso camarote é que ele só tenha boas emoções. No nosso camarote, esteja onde estiver e fazendo o que estiver fazendo, nosso convidado poderá se desligar do tempo e aproveitar integralmente o momento, porque na hora em que as escolas começarem a desfilar ele será avisado. Isso pode parecer uma coisa simples. Mas não é. É um diferencial para quem quer aproveitar ao máximo todas as experiências que encontrará no Carnaval da nossa cidade. Além disso, vamos manter como regra clara que o evento principal é o desfile das escolas de samba. Então, nenhuma das diversas atrações que estaremos oferecendo para nosso cliente será realizada durante o desfile das escolas. Por respeito a elas e ao meu cliente, todas as grandes atrações do nosso camarote ocorrerão durante os intervalos. Além disso, em se tratando de diferenciais, acho importante destacar que o que norteia as pessoas que empreendem esse projeto – eu, Ronaldo Nazário e Carol Sampaio – é a certeza de que a experiência do Carnaval é uma experiência grandiosa. Por isso, não poderíamos oferecer ao nosso cliente nada menos do que uma experiência grandiosa. Hilton Abi-Rihan – Onde estará localizado o “Nosso Camarote”? Gabriel David – Para montar o “Nosso Camarote” escolhemos o Setor 10. Lá tivemos condições de montar o maior camarote da história da Sapucaí, e que irá, sem nenhuma dúvida, ser um acontecimento único para quem lá estiver. www.beija-flor.com.br
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Liesa Jorge Castanheira , presidente Hilton Abi-Rihan Radialista e apresentador de TV
Hilton Abi-Rihan – A Beija-Flor de Nilópolis completa, em 2018, 70 anos de fundação. O que você destaca de contribuição da agremiação para o Carnaval?
Hilton Abi-Rihan – Nesse Carnaval, algumas agremiações farão críticas à forma como os gestores públicos conduzem o país. Como você analisa essa questão? Jorge Castanheira – As escolas de samba sempre foram instrumento de resistência popular. Resistência contra as adversidades, as dificuldades e as pressões que o trabalhador vive, numa clara tentativa de manter a liberdade de expressão. Entendo que a crítica é sempre bem vinda. E considerando a qualidade criativa dos carnavalescos das agremiações, virão críticas inteligentes, respeitosas e com humor, se for o caso. É importante que as mazelas da sociedade sejam expostas para que gerem discussões e reflexões, e nada mais natural do que as agremiações de Carnaval, formadas por uma enorme parcela da população trabalhadora, seja o canal para essa exposição. Mas é importante que sejam críticas feitas dentro de desfiles agradáveis, de bom gosto e que os carnavalescos se mantenham atentos para que não percam a linha na abordagem e nas críticas, mas que ao mesmo tempo haja condições para o público que assiste refletir sobre a situação que estamos vivendo.
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Jorge Castanheira – Falar da Beija-Flor é falar de uma história familiar. Uma história que começa lá atrás com o pai da Dona Marlene – seu José Senas – e que segue sua trajetória nas mãos do Nelson e do Anizio. Daqueles tempos até os dias atuais, o retrospecto que posso fazer é de que a Beija-Flor foi capaz de criar uma nova forma de levar beleza e inovação para o Carnaval carioca. E em várias épocas. Em várias etapas – com seus artistas específicos. Alguns talentos permanecem com a mesma identidade – como a Voz da Avenida, o Neguinho da Beija-Flor –, que todo mundo reconhece. A Beija-Flor ensinou muito nessa arte de manter seus talentos. Mesmo os talentos que vieram de fora, como o caso do Claudinho e da Selminha, que formam o primeiro casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira da escola e que estão na agremiação há mais de 20 anos. Há tantos outros, que permanecem na agremiação com orgulho e dedicação. O Laíla, uma referência para a Beija-Flor e para as demais escolas – uma referência de trabalho e dedicação – e que busca sempre o melhor para a comunidade. E a história da Beija-Flor se complementa na medida que ela leva para o município de Nilópolis os olhares do mundo para uma cidade da baixada fluminense que vem para a Avenida mostrar o talento, a alma, a inventividade e a magia da renovação do Carnaval. Isso acontece ao longo de décadas. E nos 70 anos, demonstra esse amadurecimento da agremiação. www.beija-flor.com.br
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de cara nova a nova identidade visual da Beija-Flor Redação
Não é novidade que vivemos na “Era da Informação”, onde palavras, dados e símbolos ganham uma importância jamais vista na história. No mundo dos negócios, ter uma marca e uma identidade visual que se comunique com o público é uma dessas obrigações de extrema importância. A Beija-Flor, vanguarda no universo das escolas de samba, sabe bem disso. É por essa razão que recentemente lançou seu novo material de identidade visual, incluindo a nova logomarca. Leonardo Uchôa, um dos responsáveis pelo projeto de desenvolvimento da nova logomarca, considera muito importante a oxigenação de marcas fortes como a da agremiação de Nilópolis: “A nova marca da Beija-Flor trabalha um novo conceito, que representa a diversidade e o amor em suas variadas manifestações. É possível notar que cada pétala no desenho da logo é um coração, que representa a paixão pela escola e cada parte da agremiação”, afirma.
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A mudança, que já vinha sendo estudada pela diretoria da Beija-Flor, esperava apenas a hora certa para colocar o projeto, definitivamente, em prática. “Já estávamos com planos de fazer mudanças na identidade visual da escola. Apesar de sabermos que as escolas de samba já construíram um nome e uma reputação forte no mercado, e mesmo sabendo que a logomarca busca consolidar algo que já tínhamos consolidado, resolvemos que era a hora de dar uma modernizada nela. E mais ainda: torná-la uma marca unificada nos nossos produtos e em nossa papelaria. Queríamos uma marca que simbolizasse nossa forma de ver o mundo e de se relacionar com nossos fãs, com nossos torcedores e com a sociedade em geral. E fomos muito felizes na definição dessa logomarca, porque ela é leve e simples mas sem deixar de levar uma mensagem direta que retrata o posicionamento da Beija-Flor: uma agremiação alegre, apaixonada, de brilho e com claras preocupações sociais”, esclarece Almir Reis, diretor da agremiação.
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soberania também nas arquibancadas MIro Lopes jornalista
A paixão pelo samba é um sentimento comum. Esse sentimento, direcionado a uma agremiação, também. Por conta disso, o número de torcidas organizadas no Carnaval tem crescido nos últimos tempos. E ao contrário do futebol, a rivalidade entre as torcidas de escolas de samba não é tão acirrada. São até parceiras. Contudo, o coração bate forte. Muito forte. E todas querem defender seu pavilhão e apoiar sua comunidade. Foi criada, então, a torcida Soberanos, que defende as cores da Deusa da Passarela na Avenida e por onde mais ela for. No ano de 2013, Marcelo Poloni, Adriano Campelo e Carlos Alonzo criaram uma página no Facebook, que foi o embrião da torcida. “Como tudo o que envolve a Beija-Flor, a página no Facebook tomou proporções enormes”, destaca Guísela Duarte, presidente da Soberanos. “Acho que os três amigos perceberam o meu sentimento pela escola e como
moram fora do Rio me convidaram para assumir a presidência da Torcida, para ter alguém que ficasse mais perto de Nilópolis. Hoje, trabalhamos bastante para exaltar a Beija-Flor. No desfile distribuímos cerca de 20 mil bandeirinhas pelas arquibancadas dos setores 01 ao 11. Em cada setor colocamos também uma faixa com o nome Torcida Soberanos Beija-Flor. Participamos das gravações da faixa do CD de Sambas de Enredo, de reportagens, quando solicitado, de todo concurso de samba incluindo uma grande festa saudando o samba vencedor, independentemente do resultado. Levamos fumaça azul e branca, balançamos bandeiras, fazemos, na Avenida, como as torcidas de futebol fazem nos estádios. Em nossa página no Facebook, sempre publicamos sobre assuntos relacionados à BeijaFlor com informativos de eventos, lançamentos ou novidades da nossa escola. Nossa obrigação é exaltar a Beija-Flor’, frisa Guísela.
"Quando o amor invade a alma... É magia É inspiração pra nossa canção... Poesia O beijo na flor é só pra dizer Como é grande o meu amor por você!" A simplicidade de um rei
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três décadas de amor. e contando... Redação
Desde 1987 na Beija-Flor, Valéria Brito, coreógrafa de ala, vive uma relação de paixão sem fim pela agremiação nilopolitana. Neta de seu Norival, que foi sapateiro da escola e muito amigo de Nelson Abrão David, desde menina ela sonhou desfilar pela Deusa da Passarela.
A dançarina, que já desfilou como passista, na comissão de frente e em carro alegórico garante que sua maior alegria é coreografar sua ala, que ela batizou de “Arte-Folia”: “Amo minha dança, amo Carnaval, amo a Beija-Flor!”, afirma Valéria.
O sonho de criança se realizou quando ela tinha 17 anos, em 1987. Valéria fez seu primeiro desfile pela escola e logo no ano seguinte foi selecionada para uma viagem à Itália, representando a BeijaFlor. “Joãosinho trinta se apaixonou pela minha dança e me elogiava, dizendo que eu era uma componente sambista raçuda e cheia de paixão! E assim por muitos anos trabalhei com João e desfilei com a Beija-Flor”, conta Valéria.
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expressão do samba Redação
Quando em uma manhã de sábado, sob um sol raramente ameno, o patrono da Beija-Flor de Nilópolis e seus amigos radialistas Hilton Abi-Rihan e Antonio Carlos, caminhavam pelo calçadão de Copacabana, mal podiam imaginar que das conversas que relembravam um passado de glórias do samba carioca, surgiria a ideia que criar mais uma iniciativa de valorização da nossa cultura e da nossa gente.
A partir daquele sábado, Abi-Rihan ficou com a missão de adequar a ideia ao possível, convidando Neguinho e Laíla para montarem, juntos, uma lista de sambistas que seriam homenageados no coquetel de lançamento da revista. “Fiquei muito empolgado com a ideia, porque temos sim, muitos bons sambistas que estão esquecidos. E mais uma vez o Anizio mostra porque é tão querido e respeitado no mundo do samba.”, lembra o radialista.
“Estavamos conversando sobre a importância dos programas de rádio tocarem samba e incluírem na sua programação sambas mais antigos quando o Abi-Rihan relembrou que quando tinha seu programa de rádio, fazia questão de convidar sambistas para participarem - alguns porque passavam necessidades financeiras, outros porque ainda não eram conhecidos”, conta Anizio.
No coquetel de lançamento da edição 2004 da revista, realizado no Clube Monte Líbano do Rio de Janeiro, foi instituído, então, a primeira edição da premiação “Expressão do Samba”, na qual a Beija-Flor de Nilópolis homenagearia os grandes nomes do samba, que nesse ano foram: Cabana (representado pela mulher), Aroldo Melodia, Gibi, Hiram Araújo, Darcy da Mangueira, Bala do Salgueiro e o príncipe do Samba, Roberto Silva.
“Nessa hora”, relembra Abi-Rihan, “o Antonio Carlos fez uma brincadeira com o Anizio e disse: ‘E aí, Anizio, vamos fazer alguma coisa!‘ Acho que o Anizio levou como um desafio, e quem o conhece sabe que não é uma boa desafiar o Anizio, porque ele gosta de uma disputa. O fato é que ele, que havia entregue à mim a responsabilidade de fazer a revista da Beija-Flor de Nilópolis e de apresentar o coquetel de lançamento da revista, disse assim: ‘É Abi-Rihan. Precisamos fazer algo na nossa festa para homenagear nossos sambistas. Uma premiação, uma homenagem.’”
Além de usufruir de uma noite mágica, pela presença de tantos ícones do samba, o público presente foi premiado com uma pequena apresentação de cada um deles, com um especial destaque para a apresentação do mestre do samba sincopado Roberto Silva. A partir do sucesso daquela noite, a Beija-Flor de Nilópolis manteve até os dias de hoje a homenagem, que tem feito justiça à importantes representantes da nossa cultura e do samba carioca. Fevereiro 2018
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revista Beija-Flor de Nilópolis uma escola de vida Redação
preocupa com a questão da preservação da cultura do Carnaval e faz algo através das aulas de mestre-sala e porta-bandeira, de passistas e de ritmistas. Ele se preocupa com a questão da divulgação e preservação da informação e faz algo através da produção da revista, que permanece ainda hoje, após 17 anos, com uma qualidade única. Incomparável. Vejo que a equipe que a produz está sempre preocupada em produzir excelentes pautas e reportagens, em uma diagramação bem feita, com fotos muito bem produzidas e em um Abi-Rihan, editor da revista, destaca que ela “é a papel à altura de toda essa produção. Minha nota melhor revista de carnaval que existe. Nela não para a revista é 10. De novo. E vou dizer mais. Um falamos só de Carnaval, mas de samba e de cultu- dia desses estava mostrando a revista em uma ra, com matérias produzidas com responsabilidade, reunião com um grupo de pessoas que trabalham atenção e muita pesquisa por uma equipe de com relações públicas e assessoria de imprensa e jornalistas. Assim a gente leva para o leitor infor- eles tiveram uma ótima impressão da revista. Me mações que ele não teria acesso de outra forma. E perguntaram se ela era mensal, porque viram nela muitas das informações que passamos vieram de e na qualidade dela um veículo extraordinário de feras do Carnaval, como a Maria Augusta, o Boni, publicidade“, concluiu. o Haroldo Costa, o Felipe Ferreira e tantos outros Já o diretor de Carnaval da Beija-Flor, Laíla, é nomes respeitados no samba e no Carnaval. Mas direto: “Sabe a quanto tempo estou no Carnaval, que ninguém se engane: fazer uma revista como malandro? Já vi muita gente chegando, se achana que fazemos, para um cliente exigente como o do importante, tirando onda de intelectual, de Anizio e a Beija-Flor, não é fácil. Muita gente quer criativo e querendo mandar mais que o patrão. E fazer, mas nem todo mundo tem competência e nenhum deles durou muito tempo. Não aguentam capacidade para isso. Não posso negar que tenho o tranco, porque aqui tem que trabalhar sério. O muito orgulho de fazer essa revista com meus Ricardo e o pessoal dele chegou sem fazer barulho, parceiros.” trabalhando com respeito e prestigiando a raiz Boni, sempre um importante crítico da revista, vê da escola e a sua comunidade. E que posso dizer nela mais uma manifestação da visão de Anizio deles? Comigo eles sempre foram corretos, nunca em relação à Beija-Flor de Nilópolis, e declara que pisaram na bola. São 17 anos aqui conosco, vendo “um dos grandes méritos do Anizio é que ele não a luta que é fazer Carnaval e passando para o olha para a Beija-Flor apenas do ponto de vista de leitor as coisas direitinho. Tem que respeitar isso, uma escola de samba que vai desfilar na Avenida. porque garanto que eles estão fazendo tudo certo. Ele está atento a todas as questões relacionadas Se tivesse algo errado, o Anizio já teria tirado eles à ela. Ele se preocupa com a questão social e faz da revista. São 17 anos, amigo. Tem que respeitar”, algo através da Creche e do Educandário. Ele se declara Laíla. O Ano de 2001, do impactante desfile “A saga de Agotime - Maria Mineira Naê”, foi o marco para mais uma importante realização da agremiação, que já tinha como característica essa visão mais ampla do significado da escola de samba. Assim, com o objetivo de aproximar a agremiação da sociedade em geral, além de resgatar e registrar parte da sua história, Anizio David, Hilton Abi -Rihan e Ricardo Da Fonseca iniciam as bases da “revista Beija-Flor de Nilópolis - uma escola de vida”, que já dura 17 anos.
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feijoada dá sorte, como convém Miro Lopes jornalista
Tem Feijoada, tem festa! Seja num terreiro, seja numa quadra de escola de samba. E a Feijoada está presente na programação social da escola nilopolitana durante quase todo o ano. Para as quituteiras do samba, a cozinha é um espaço de celebração de seus orixás e representam a energia da vida. A ligação da escola com seu orixá influência na preparação e no sabor da iguaria. E um dos contatos com o sagrado é a degustação. Na Beija-Flor, Débora Rosa – presidente da Galeria da Velha Guarda – é quem comanda a cozinha. Dona Débora reúne quituteiras e auxiliares – Augusto, Bete, Atena, Paulo, Suely e Célia – para o místico exercício de preparar uma feijoada para cerca de duas mil pessoas. A preparação da feijoada começa um dia antes pela seleção dos ingredientes e a separação das carnes, que são cortadas e dessalgadas. São 70 quilos do apreciado ‘pretinho’ preparados com 600 quilos de carne seca, lombo, costelinha e linguiça. Ao contrário dos seus ancestrais, a atual feijoada é acompanhada, e quase sempre servida em prato único, de arroz (70 kg), couve (12 sacos), que é refogada ao óleo e alho, farofa (30 kg de farinha de mandioca) com bacon e laranja para contrapor à gordura. Dentro e fora da cozinha, dona Débora conta também com o auxílio do pessoal da administração sempre que solicitados. Um aparador é armado ao lado do bar, onde as iguarias são expostas, e um grupo de senhoras da Velha Guarda, especialmente vestidas para cada evento, se encarrega de servi-las aos comensais. As bebidas são servidas por vários garçons espalhados pela quadra. O bar fica aos cuidados de Adriano Rodrigues. À mesa, como convém, a atração é a feijoada. E enquanto, as pessoas comem, uma roda de samba da melhor qualidade aquieta o espírito, alimenta
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a alma e também bota adrenalina no povo fazendo todos cantarem e sambarem. E de quebra tem os artistas convidados e o grande final com a bateria nilopolitana, regida pelos mestres Plínio e Rodney, mais a participação de intérpretes e passistas. Neguinho da Beija-Flor inaugurou a Feijoada dá Sorte, em setembro. Seguiu-se Lucas de Moraes, Sombrinha, Galocantô, Shock, Clareou, entre outros. Outro atrativo são os sorteios. Camisetas e suvenires relativos ao enredo do momento, como também brindes dos patrocinadores (Forno de Minas, Carol Gava biquínis, Dama Soberana sandálias, Biscoitos Piraquê) completam a alegria dos muitos felizardos. A relações-públicas Rosângela Mello trabalha pela conquista e manutenção permanente da parceira das empresas e seus produtos com a Beija-Flor, além de recepcionar os amigos e convidados em todas as festividades. Equipe dá sorte Uma nova equipe de eventos foi formada para dar o suporte indispensável para o sucesso dos eventos sociais e artísticos da escola. Seus participantes contam com a orientação do vice-presidente de Administração, Almir José dos Reis, para quem apresentam sugestões e com quem trocam ideias e buscam soluções. Estudante de História, Raphael da Costa Reis é secretário da presidência. Ele lidera o grupo que realiza os eventos, com Pedro Felipe Santos dos Reis, aluno de Publicidade, que atua na área de eventos, administração e Marketing, setor este dirigido por Leonardo Durão Uchôa. Primeiramente, o foco era atrair maior frequência da comunidade nilopolitana, que estava ficando www.beija-flor.com.br
cada vez mais restrito. Bingo! “O retorno está sendo positivo pelo aconchego da comunidade. A comunidade está abraçando a gente”, afirma Raphael. “A equipe ganhou reforço com a inclusão de alguns dos principais ‘promoters’ da cidade, além dos que já atuavam na quadra; sem esquecer os empregados que trabalham diversos setores da quadra”, explica Pedro Felipe, que ressaltou a importância dos parceiros comerciais, que inclusive doam produtos para distribuir à comunidade. O povo nilopolitano não só prestigia à escola na Avenida, como sempre fizeram, agora também estão cada vez mais presentes aos eventos, especialmente aos ensaios das quintas-feiras e a Feijoada dá Sorte, além de fazerem suas confraternizações sociais, como formatura, aniversários etc.
O Grande Encontro A Feijoada da Beija-Flor é, acima de tudo, um evento de encontros, que possibilita as mais fraternas e felizes reuniões. Que o diga a turma do DARJ (Depósito da Aeronáutica do Rio de Janeiro), que serviu em 1987, e se reuniu na quadra da agremiação para celebrar os trinta anos de amizade. “Sempre fazemos encontros para reunir a turma. Este ano completou 30 anos. Servimos no DARJ, e o Almir Reis deu a ideia de fazermos o último encontro do ano na feijoada da Beija-Flor”, contou Marcelo Torquato, um dos membros do grupo. Na Feijoada da Beija-Flor estiveram presente cerca de 40 componentes. “Sempre que podemos nos encontramos para beber umas cervejas, jogar conversa fora e rir de nossas histórias da época de quartel! É bom demais ”, destaca Torquatro. Fica a dica: quer reunir os amigos em um ambiente familiar regado à um samba de primeira qualidade? O endereço certo é Feijoada da Beija-Flor.
"Sou negro na raça, no sangue e na cor Um guerreiro Beija-Flor Oh minha deusa soberana Resgata sua alma africana" Um griô conta a história
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vem ver brilhar
Ricardo Da Fonseca jornalista e produtor cultural
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construção de uma sociedade mais humana, solidária e inclusiva não é um desejo recente. Diversos são os relatos e as reflexões que apresentam, questionam e buscam caminhos e formas de se construir um lugar melhor para se viver. Nessa busca milenar, cheia de acertos e equívocos, finalmente uma grande parte da humanidade já começa a perceber que não há uma verdade única capaz de unir pessoas e povos em uma só direção. Começa-se perceber que não há nem um único caminho nem uma única forma, e que o papel que cabe a cada um é definido por cada um, não pelos outros. Percebeu-se, talvez, que nem haja uma sociedade mais humana como um fim a ser construído, mas sim como um processo diário e permanente no presente. Seja quais forem as reflexões, crenças, ideologias ou fantasias, fato é que se a idealização de qualquer situação começa pelo pensamento, a sua realização passa única e exclusivamente pela ação. Nesse sentido, não importam crenças nem ideologias. Somente a ação concreta é capaz de realizar uma transformação. E no ano em que a Beija-Flor de Nilópolis completa 70 anos de fundação, não poderíamos deixar de resgatar uma questão tão importante e tão afinada com a história da agremiação: a da ação concreta para o bem do próximo. Sempre atenta à produção de enredos que falam de inclusão social, de valorização das raças, de busca de direitos sociais, de questões que tratam do orgulho de sermos quem somos e da coragem que nos leva avante dia a dia, não poderíamos deixar de falar mais uma vez das obras sociais da agremiação, patrocinadas pelo presidente de honra da agremiação, Anizio A. David.
creche júlia abrão david A Creche Júlia Abrão David foi fundada na década de 80, precisamente no dia 9 de maio de 1980, por Anizio, sua mãe D. Júlia e seu irmão Nelson, com o objetivo de materializar uma ideia que sempre existiu dentro da família David: a obrigação de fazer mais pelos que tem menos. É o próprio Anizio que lembra as origens desse importante projeto: “Tive uma infância muito feliz, mesmo meu pai não tendo muito dinheiro para nos criar. Éramos muitos irmãos e por isso passamos algumas dificuldades. Mesmo assim, sempre via meu pai e minha mãe ajudando as pessoas, e aprendi com eles que a gente deve ajudar quem precisa. Aonde nós vivíamos não havia médico nem sistema de saúde. Minha mãe, vendo as crianças nascerem sem ajuda médica, começou a fazer os partos das crianças da vizinhança. E se tornou parteira. E sempre que podia, ajudava as pessoas da região aonde morávamos, em Nilópolis. Cresci vendo esse tipo de preocupação que não ficava só na conversa. Minha mãe ia lá e fazia. Então, quando consegui dinheiro suficiente para ter uma vida confortável, resolvi que era a hora de fazer também alguma coisa, e dar às crianças de Nilópolis uma ajuda, assim como minha mãe me ensinou”. A creche funciona como qualquer creche, em regime de semi-internato, onde recebe crianças desde os 6 meses até os seis anos de idade. Nela, dependendo da idade da criança, são oferecidas diversas atividades e serviços, que podem começar pelas atividades puramente recreativas, como é o caso das atividades realizadas para as crianças menores, e chegar às atividades educativas para as crianças de 6 anos. Como é uma atividade com cunho social, sem finalidade de lucro para a administração da Creche, não há mensalidade a ser paga pelos Fevereiro 2018
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familiares, o que faz com que a Creche seja muito procurada por pais da região. No entanto, para a admissão na Creche, critérios rígidos de seleção são seguidos, a começar pela exigência da renda familiar dos candidatos, que não pode ser superior a três salários mínimos. Além disso, considerando que a Creche gratuita tem por objetivo, também, contribuir com o equilíbrio emocional e financeiro da família, é uma regra básica que os pais devem estar trabalhando ou à procura de emprego: “Mantemos vínculos com indústrias e comércio da região, para que possamos encaminhar as mães ao trabalho, obviamente de acordo com a cada aptidão. Assim, com emprego, essas mães podem dar melhores contribuições ao equilíbrio financeiro do seu lar, equilíbrio que reflete diretamente na saúde emocional da criança”, relata D. Maria de Lourdes Goulart, fundadora da Creche. Iniciado o ano letivo, as crianças matriculadas na Creche iniciam a sua rotina: “À partir das 8h, nossas crianças são levadas pelas professoras e auxiliares para o refeitório, onde irão tomar o café da manhã, com pão, manteiga e leite. Quando elas terminam o café da manhã, vão para suas salas para dar inicio às atividades educacionais. Às 11h, servimos, também no refeitório, o almoço das crianças, que segue uma dieta elaborada pela nutricionista da instituição, e que leva em consideração uma possível situação de carência alimentar de algumas das crianças, pois sabemos que muitas delas não podem contar com uma alimentação completa. O que fazemos aqui é oferecer a elas uma alimentação balanceada. Privilegiamos as frutas de época, e toda a nossa comida é fresquinha, feita na hora e com muito amor. As refeições são divididas em horários, para que nossas crianças passem o dia bem alimentadas e sem excessos”, relata Anderson Machado, atual responsável pela Creche. De corpo forte e saudável, os pequenos da Creche se colocam em condições de receber o alimento do intelecto, seja através de atividades lúdicas ou de aulas com conteúdo. O ciclo de harmonia e progresso familiar se fecha então quando, com seus filhos sendo carinhosamente tratados e atendidos em suas necessidades educacionais e sob o cuidado de pessoas amorosas e responsáveis, os pais dessas crianças podem sair para trabalhar em seus empregos com tranquilidade, sabendo que suas crianças estão em boas mãos. Visitante regular das atividades sociais da Beija-Flor de Nilópolis, o radialista e comunicador Antônio Carlos não esconde a surpresa que teve ao conhecer pela primeira vez a grandiosidade 94
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e a complexidade do trabalho desenvolvido no município de Nilópolis pela agremiação: “Eu fiquei muito surpreso com todo aquele trabalho. Achei muito bonito o trabalho da Beija-Flor, com aquelas criancinhas todas bem tratadas, de banho tomado, estudando, comendo direitinho, almoçando e jantando.” Surpresa que sentem boa parte das pessoas que visitam a Creche pela primeira vez: “Quando as pessoas ficam sabendo do trabalho social da Beija-Flor, elas imaginam uma coisa. Quando chegam aqui, se surpreendem porque a realidade é muitas vezes maior e mais bonita do que o que haviam imaginado. Para nós é uma alegria, porque acaba sendo uma forma de reconhecimento do trabalho que é realizado aqui. Trabalhamos para dar às crianças tudo aquilo que elas precisam para crescer amadas e saudáveis. Precisamos pensar na creche como um verdadeiro lar para elas, extensão do lar que elas tem com seus pais”, destaca Anderson. E oferecer esse trabalho não é tarefa simples, não. De acordo com D. Maria de Lourdes, “desenvolver o trabalho que desenvolvemos exige muita dedicação. Existem casos em que recebemos crianças das quais os pais não se prepararam para tê-las, muitas vezes por ser um filho não tão desejado. Muitas vezes são pais que acabaram de sair da adolescência, com pouca noção de responsabilidade e com dificuldade de se entregarem à educação dos filhos e sem a devida consciência do que é trazer uma criança ao mundo. É a partir dessa realidade pessoal que a gente começa a trabalhar algumas crianças. Não é algo simples. Outras crianças, não. Graças a Deus, temos crianças que são ótimas, que vieram de lares estruturados e que, amadas pelos pais, recebem o carinho e a atenção que precisam”. Talvez não seja tão fácil de perceber o significado da existência da Creche Júlia Abrão David para aqueles que não tenham filhos em idade escolar ou que não trabalhem fora. Fato é que no universo da baixada fluminense, essa é uma realidade rara. Um enorme contingente de pais precisam, sim, trabalhar em horário integral e em empregos localizados longe de casa. Por isso, saber que seus filhos estão na Creche da Beija-Flor é tranquilizador. E hoje, passadas quase quatro décadas, não são poucos os pais que se sentem agradecidos à Creche Júlia Abrão David e seus diretores por tudo que receberam deles - que não passa apenas pela oferta de educação de qualidade, mas pelas oportunidades de crescimento social e econômico que lhes foram permitidas. www.beija-flor.com.br
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desses jovens, nós, como educadores que somos, temos condições de ajudá-los. Seja indicando “Nos primeiros anos de existência da Creche caminhos e comportamentos mais adequados à começamos a perceber que todo o trabalho de cada situação, seja apenas sendo uma presença educação que estávamos oferecendo para cada atenta e disponível para ouví-los. Sabemos que uma das crianças estaria comprometido se ela não é fácil ser criança nem jovem, e que muitas fosse obrigada à sair da creche e ir para a rede vezes pequenos problemas tomam vulto pela pública de ensino, porque naquela época, mais simples inexperiência deles ou mesmo por eles do que hoje, as escolas públicas aqui na baixada não exporem essas questões aos pais, com receio fluminense eram de qualidade muito baixa, e o de reprimenda dos mesmos. Estamos todos, aqui, ensino público era muito inferior ao ensino dado unidos por um mesmo ideal que é alimentado na nossa creche. Pensando nisso, decidi custear a pelo amor e respeito que todos sentimos por essas criação e manutenção do Educandário, que seria crianças e esses jovens. Estamos aqui, então, para uma sequência da creche. Agora, nosso aten- dar a eles, melhores condições de vida e de serem dimento começaria ainda bebê, na Creche Júlia felizes”, conclui Anderson. Abrão David e terminaria no Educandário Abrão David”. Com essas palavras, Anizio explica a origem Ao perguntarmos ao Anizio como ele analisa as do Educandário, uma escola fundada em 19 de atividades sociais da Beija-Flor, ele resume, fafevereiro de 1987 e voltada para o ensino funda- zendo um convite: “digo sempre que as atividades mental e médio. “Hoje, toda a criança assistida na da Beija-Flor são um modelo e um exemplo para Creche tem a sua vaga garantida no Educandário. ser seguido pelo mundo. E não é exagero. Queria Assim, damos uma contribuição maior para essas que as autoridades do nosso estado e do nosso crianças e esses jovens para que tenham melhores país viessem aqui, ver o que fazemos. Não tem condições de lutar pelo seu futuro, quando essa horário, não tem dia, não precisa marcar data, é só chegar e dizer que está querendo conhecer hora chegar”. a Creche e o Educandário que as portas estarão No Educandário os professores dão aulas das ma- sempre abertas. É uma obra muito bonita de se térias tradicionais das escolas, como matemática, ver. E fica o convite a todos para conhecer esse português, geografia, além de cursos de espanhol, lado social desenvolvido ao redor da Beija-Flor”. inglês e aulas de Laboratório. Buscando dar melhor suporte familiar às crianças, mensalmente são realizadas reuniões com os pais, nas quais a equipe do Educandário busca dialogar com eles e discutir eventuais deficiências e caminhos para o melhor desenvolvimento da criança e do jovem aluno. Segundo Anderson, diretor pedagógico do Educandário, “É um espaço muito importante para as crianças e jovens, principalmente as aulas de laboratório, na qual elas entram em contato com o mundo das experiências e acabam despertando vocações e preferências que antes nem sabiam existir. Para atender nossos objetivos educacionais, possuímos uma infraestrutura composta de 21 professoras, nutricionistas, cozinheira, auxiliares de cozinha, lavadeiras, faxineiras, auxiliares de serviços gerais, secretárias e vigia, que atendem aproximadamente mil alunos – o que significa que colocamos sob o nosso guarda-chuva um universo de mais de 600 famílias. Mas quero destacar, também, um trabalho essencial que é feito aqui: em razão do nosso carinho e dedicação para com elas, nossos alunos confiam muito em nós. E isso é essencial para que possam abrir seus corações e nos contar a respeito dos problemas e dificuldades que vivem na sociedade e em casa. Com essas informações, vinda diretamente dessas crianças e
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do Tamba Trio e a participação de Paulo Mendes Campos declamando Vinicius de Moraes. É à noite e na noite que as estrelas brilham. A partir da década de 70, Áurea dividiu palco e aplausos como Emílio Santiago, Baden Powell, Johnny Alf, Chico Feitosa, Cauby Peixoto, Leci Brandão e Nelson Sargento, em renomadas casas noturnas da Zona Sul carioca, como Number One, 706, Bierklause, Special Bar, Cálice e Chiko’s Bar. ”Sou grata as noites cariocas, a todos os músicos e cantores, casas noturnas que seja lá como foi, me fizeram ganhar o pão de cada dia”, declara.
ÁUREA MARTINS, a estrela da noite De família musical, a menina do coral da Igreja Nossa Senhora do Desterro, em Campo Grande, bairro carioca onde nasceu, Áldima Pereira dos Santos procurou espaços para cantar no rádio e televisão. Provavelmente não era nome ideal para uma cantora na opinião de Paulo Gracindo, um dos maiores animadores da Era de Ouro do rádio brasileiro, que a batizou artisticamente de Áurea Martins. Nome à parte, é óbvio e certamente que, pelo talento, logo Áurea foi contratada pela Rádio Nacional. Em 1969, ela venceu “A Grande Chance”, de Flávio Cavalcanti, na TV Tupi. O prêmio foi a gravação de um LP e uma viagem a Portugal. O disco, “O amor em paz”, produzido por Rildo Hora, teve arranjos de Luizinho Eça, acompanhamento 98
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Quando os agitos boêmios voltaram à Lapa, Áurea veio junto. Inaugurou o Carioca da Gema, onde cantou durante sete anos. Daí pra cá, grava seu primeiro CD, produzido por João de Aquino, com a participação especial de Nelson Sargento, no qual canta “Morro Velho” (Milton Nascimento), “Peito vazio” (Cartola e Elton Medeiros), “Céu e mar”, “Guacyra” e “João Valentão” (Dorival Caymmi). Consagrada pelo “Prêmio da Música Brasileira-2009” como “Melhor Cantora”, foi protagonista do curtametragem “Áurea”, de Zeca Ferreira. O primeiro DVD, “Iluminante”, chega em 2012, com texto de abertura narrado por Fernanda Montenegro e a participação de Chico Buarque na faixa “Maninha”. Em comemoração aos seus 70 anos de idade e 50 de carreira, a Biscoito Fino, lançou o CD “Depontacabeça”, que tem encarte assinado por Aldir Blanc. Aos 77 anos, biografada pela professora Lúcia Neves, a cantora tem sua história contada no livro “Áurea Martins, a invisibilidade visível”. O dom e o tom não são imperceptíveis ao coração. www.beija-flor.com.br
expressão do samba Miro Lopes jornalista
MAURO DINIZ, um coração azul e branco Se a Pequena África é a nascente do samba, os sambistas de Oswaldo Cruz, Serrinha e Madureira beberam nessa fonte. Embriagaram-se e nos embriagam com suas composições maravilhosas e um invulgar talento que dá ao samba aquela categoria inquestionável que contagia a alma e agita o corpo. Entre os muitos talentos do gênero, com os quais Oswaldo Cruz premiou o samba, está Mauro Diniz. Com o sono embalado pelos sambas antológicos de Monarco da Portela, já aos cinco anos Mauro começou a dedilhar o cavaquinho do pai. Thereza, a mãe então pastora da Velha Guarda da Portela, lhe deu o primeiro violão aos 8 anos. Autodidata escolheu formalizar seus conhecimentos musicais com o mestre Copinha e seguir os conselhos de Rildo Hora, se aprimorando em outros instrumentos. Botou talento, prática e teoria num pacote e, aos 20 poucos anos, se tornou um dos mais admiráveis acadêmicos e profissionais da música: abraçado ao samba, por herança e tradição, agora é um senhor arranjador, compositor, músico, cantor e compositor de música brasileira. Mauro Diniz nasceu em 03 de Outubro de 1952. Décadas depois, seu legado artístico, aparentemente modesto, na razão inversa da quantidade registrada em disco e shows, é um legado intensamente rico, maravilhosamente primoroso, melodiosa e poeticamente incrível de composições que seguem e confirmam suas origens e comprovam sua qualidade e sensibilidade musical. Primeiro participou da coletânea ‘Raça Brasileira’, com Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Pedrinho da Flor e Elaine Machado, numa produção de Milton Manhães. Em 88, gravou ‘Cantar a Paz’ e, em 91, ‘Simplesmente Mauro Diniz’. Iniciou o novo século, lançando o CD ‘Samba com Realidade’, com homenagens a Mestre Marçal, Roberto Ribeiro e ao Grupo Fundo de Quintal, entre outros. Em 2003, gravou o CD ‘Apoteose ao samba’, produzido por Wilson Prateado, com Zeca Pagodinho, Juliana Diniz, Monarco, Luiz Carlos da Vila, Naninha, Klebão, Péricles e Marcos Diniz. Foi vencedor do Concurso Nacional de Marchinhas Carnavalescas da Fundição Progresso, com ‘Volante e Cachaça não Combinam’. O primeiro DVD foi lançado em 2014. E de quebra formou a única instituição nacional do samba que é a Família Diniz. Formada, é claro, pelo ídolo e patriarca Monarco, o irmão e compositor Marco Diniz e a filha cantora e atriz Juliana Diniz. Em 2012, “Família Diniz - um coração azul e branco” virou DVD. Existe legado melhor? E ainda é o feliz herdeiro do cavaquinho de Nelson (Cavaquinho, é claro!), que o acompanha há alguns anos, em suas exibições pelo mundo afora. É pouco, ou quer mais?! Fevereiro 2018
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WILSON MOREIRA, senhor liberdade Só para começar o papo, saibam que o antológico ‘Senhora Liberdade’ não deve faltar no repertório de qualquer sambista que se preze. Um samba tão tenso/intenso quanto a história do seu autor. Em dezembro passado, Wilson Moreira completou 60 anos de carreira. Aos 81 anos, festejados em dezembro, Moreira está em pleno exercício de suas atividades, depois que um derrame o tirou de ação por alguns meses. “É principalmente nessa hora que o samba nos dá força! Os dias foram difíceis, mas não podemos parar de cantar e sambar, não é?” – lacra o artista. No próximo dia 10/2, seus amigos botam na rua o Bloco Carnavalesco Amigos de Wilson Alicate, criado em sua homenagem. O bloco se concentra pela quinta vez, no sábado anterior ao Carnaval, mas... não sai! Também há 5 anos, sua mulher, Angela Nency, fundou o Centro Cultural Solar Wilson Moreira. Angela se mantém atenta à carreira do marido, e agora, em especial, à produção do disco ‘Tá com medo, Taparéu’, gravação viabilizada por benfeitoria (crowdfunding), com produção de Paulão Sete Cordas. As canções do disco revisitam o período infanto-juvenil, em Realengo, onde nasceu. Lançamento previsto para abril. O compositor cresceu influenciado por tocadores de jongo, caxambu e calango, arte exercida pela família, defensora das tradições musicais africanas, inspiração facilmente identificada em sua obra como no CD “1991 - Wilson Moreira + Baticun - 2011”. Teve a participação do quarteto de percussão Baticun e produção de Beto Cazes. Em 89, Moreira gravou para o mercado japonês o CD ‘Okolofé’, com a participação do violonista Raphael Rabello. Sua parceria mais constante resultou em dois discos ‘A Arte Negra de Wilson Moreira e Nei Lopes’ (1980) e ‘O partido muito alto de Wilson Moreira e Nei Lopes’ (1985), e depois se seguiram os sucessos ‘Goiabada cascão’ e ‘Morrendo de saudade’ (Beth Carvalho), ‘Coisa da Antiga’, ‘Mulata do balaio’ e ‘Deixa clarear’ (Clara Nunes), ‘Gostoso veneno’ (Alcione), entre outros. Sua última e definitiva escola de samba, a Portela foi um rio em que Moreira mergulhou e se deixou levar com sua fértil inspiração, em parceiras com Candeia entre outros portelenses. “Quando vi a Portela pela primeira vez eu me apaixonei”, disse Moreira.
GABRIELZINHO DO IRAJÁ e do Brasil inteiro Samba não tem idade. Até porque samba é de berço. Está na veia. Aos três anos, Gabriel Gitahy da Cunha, ou mais precisamente Gabrielzinho do Irajá, já havia decorado a letra da composição ‘Resposta ao tempo’ de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc e cantava várias outras de Dorival Caymmi. Gabrielzinho apareceu assim muito que ‘de repentemente’ versejando partido alto. Não só encantava como surpreendia, cantando e versejando de improviso ainda adolescente. Preciso em métrica e inteligente em conteúdo, Gabrielzinho comprovava seu inquestionável talento. À época, as audições do menino Gabriel, eram restritas aos redutos de samba em Irajá, bairro onde nasceu e que lhe emprestou sobrenome artístico. Deficiência visual adquirida ainda recém-nascido, levou Gabrielzinho a estudar no Instituto Benjamin Constant (instituição de ensino para cegos). Lá desenvolveu seu talento de cantor, versejador (no melhor sentido) e ator. Aos oito anos, integrando o elenco da peça “O Mágico 100
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de Óz”, chamou a atenção de Glória Perez que o convidou para participar da novela “América” (TVGlobo). Foi uma oportunidade de “mostrar para muitas mães que as crianças cegas, ou com qualquer outro tipo de deficiência, não podem ficar em casa trancadas, escondidas, sem nem ir à escola. A gente precisa dar o exemplo”, declarou Gabrielzinho à época. Hoje, aos 22 anos, completados no último dia 28, ele não pára: faz shows pelo Brasil inteiro, sempre acompanhado de sua fiel escudeira, a avó Yara. América foi o boom inicial de sua carreira profissional. Gravou ‘Ninar meu samba” (Rob Digital) em 2007, com a participação de renomados sambistas. Olha só o time: Velha Guarda da Portela na faixa “Verdade do samba” (dele e Júnior Thybau); Nana Caymmi no pout-pourri “Rosa morena” e “Milagre” (ambas de Dorival Caymmi); mais Dorina, Dudu Nobre Zeca Pagodinho, Luiz Carlos da Vila e a dupla Renatinho Partideiro e Arlindo Cruz. No disco também interpretou “Samba do Irajá” (Nei Lopes); “Ninar meu sonho”; “Rara beleza”; “Tamarineira” (Zeca Pagodinho e Bandeira Brasil); “Pátria amada” e “Feitiço da Vila”, de Vadico e Noel Rosa. Em 2014, gravou seu segundo álbum, produzido pelo maestro Rildo Hora; “Na Ciranda da Vida” traz o samba de sua autoria com Dunga “Amor Pela Metade”, na voz de Zeca Pagodinho e que faz parte da trilha da novela ‘Malhação’. Esse segundo trabalho está enriquecido pela participação da Velha Guarda da Portela, Mosquito, Serginho Procópio, Alexandre Chacrinha e de compositores admiráveis, como Dorival Caymmi, e parceiros não menos, como Marquinho Diniz, Juninho Thybau, Waltis Zacarias, Leo Cerqueira e Dini da Vila, entre outros.
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revista Beija-Flor de Nilópolis 2017 festa de lançamento Redação
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urante praticamente 300 dias do ano os barracões das escolas de samba abrigam trabalhadores que dedicam parte do seu tempo em favor da preparação de um espetáculo único de cores, sons e alegria. Horas que passam lentamente, testando a concentração e a perseverança desses dedicados trabalhadores anônimos que veem na festa que será apresentada na Marquês de Sapucaí a grande coroação de seus esforços. Do outro lado da cidade, no bairro do Leblon, outra festa de proporções bem mais discretas, mas repleta de alegria e afetividade, também se mostra como o corolário de meses de trabalho de outra equipe que se dedica à Beija-Flor de Nilópolis: é a festa de lançamento da edição 2017 da revista oficial da agremiação, que coroa os esforços da equipe de profissionais de jornalismo e comunicação responsáveis pela execução desse projeto exclusivo.
A festa, como sempre regada a um coquetel de primeira qualidade e seguido de um jantar digno dos deuses do Olimpo, é animada pelo já consagrado radialista Hilton Abi-Rihan, que em nome de Anizio e da revista homenageia anualmente grandes nomes da música popular brasileira, tendo homenageado nessa edição os artistas Paulinho Mocidade, Neneo, Marquinhos de Oswaldo Cruz e Toninho Gerais, esse, um verdadeiro show-man, que animou o público presente com muitas histórias divertidas. “O Anizio gosta muito dessa festa. Aqui que ele se diverte muito, porque está com as pessoas que gosta de estar - pessoas simples e sinceras, que o acompanham desde muitos anos nessa sua trajetória de fazer a Beija-Flor ser essa
potência que é hoje”, confidencia Abi-Rihan, seu amigo de mais de quatro décadas. A revista homenageou, ainda, a artista e empresária Pinah Ayoub - a “cinderela negra” e ícone da agremiação de Nilópolis. Também estiveram presentes à festa de lançamento da edição 2017 da revista personagens que fazem parte da história do Rio de Janeiro e do Brasil, entre eles, o radialista Antonio Carlos, o empresário da comunicação José Bonifácio Boni, o cantor Agnaldo Timóteo, o técnico de futebol Wanderley Luxemburgo e o produtor cultural Haroldo Costa. O evento contou ainda com a radiante presença de Selminha Sorriso, musa da Beija-Flor que em parceria com o mestre-sala Claudinho brindou os convidados com uma apresentação ao som da bateria da agremiação nilopolitana sob a batuta dos premiados mestres Plinio e Rodney. Além de integrantes da diretoria da agremiação e da família Abrão David, não poderíamos deixar de destacar a presença da rainha das rainhas de bateria, Soninha Capeta e de Charlene Costa e Neide Tamborim, que junto com Selminha Sorriso foram homenageadas como “Musas da Beija-Flor de Nilópolis”.
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monstro é aquele que não sabe amar os filhos abandonados da pátria que os pariu Samba-enredo composto por Di Menor BF, Kiraizinho, Diego Oliveira, Bakaninha Beija-Flor, JJ Santos, Julio Assis e Diogo Rosa Intérprete oficial Neguinho da Beija-Flor
Sou eu… Espelho da lendária criatura Um monstro… Carente de amor e de ternura Ganância veste terno e gravata O alvo na mira do desprezo e da segregação Onde a esperança sucumbiu Do pai que renegou a criação Vejo a liberdade aprisionada Refém da intolerância dessa gente Teu livro eu não sei ler, Brasil! Retalhos do meu próprio criador Mas o samba faz essa dor dentro do peito ir Julgado pela força da ambição embora Sigo carregando a minha cruz Feito um arrastão de alegria e emoção o A procura de uma luz, a salvação! pranto rola Meu canto é resistência Estenda a mão meu senhor No ecoar de um tambor Pois não entendo tua fé Vêm ver brilhar Se ofereces com amor Mais um menino que você abandonou Me alimento de axé Me chamas tanto de irmão Oh pátria amada, por onde andarás? E me abandonas ao léu Seus filhos já não aguentam mais! Troca um pedaço de pão Você que não soube cuidar Por um pedaço de céu Você que negou o amor Vem aprender na Beija-Flor 104
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