Compositores da MPB - Geraldo Pereira

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30 R$ 11 ,90

GERALDO ,PEREIRA

ESCURINHA ZIZI POSSI

ESCURINHO ROBERTO SILVA

FALSA BAIANA CLÁUDIA E ZIMBO TRIO

GOLPE ERRADO CRISTINA

PISEI NUM DESPACHO JACKSON DO PANDEIRO

ONDE ESrÁ A FlORISBElA BATISTA DE SOUZA

ACERTEI NO MILHAR JORGE VE I GA

MINISTtRIO DA ECONOMIA MONARCO

BOLINHA DE PAPEl GRUPO TARSIS

PEDRO DO PEDREGULHO VÂNIA CARVALHO

VAI QUE DEPOIS EU VOU CRISTINA

ESCURINHO FALSA BAIANA QUE SAMBA BOM CIRO MONTEIRO

ED I TORA

GlOBO


E DIT OR A

GtOBO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO Roberto Irineu Marinho (presidente) João Roberto Marinho (vice-presidente) Roberto Irineu Marinho, José Roberto Mannho, Luiz Eduardo Ve lho da Silva Vasconcelos, Mauro Molchansly, Pedro Ramos de Carvalho (conselheiros)

Diretoria executiva Ricardo A, Fischer (diretor geral) , Fernando A. Costa, Flávio Barros Pinto, Carlos Alberto R, Loureiro, José Francisco Queiróz (diretores)

Mais que uma simples categoria de manifestação artística, a música popular brasileira é um tipo de catalisador do pensamento e da cultura nacionais. Há muito a música foi eleita como veículo em que nós, brasileiros , nos sentimos mais confortáveis para comunicar no ssas paixões , nossas angústias , medos, ressentimentos, procuras, nossas posições políticas . Justamente por isso , r esgatar a história da MPB é resgatar momentos , imagens e eventos da nossa história. Nesse século, nossa música desabrochou. Quem tenta entender sua trajetória percebe que até os anos 50 tivemos ensaios, talentos que foram espalhando sementes no imaginário do povo e dos compositores. Algumas dessas sementes frutificaram ali mesmo, no momento da semeadura, e viraram canções que até hoje habitam nossas memórias. São as canções de Noel Rosa, de Lupicínio Rodrigues, de Ismael Silva , de Ataulfo Alves e de muitos outros. Mas foi apenas no final da década de 50 que todas essas sementes se fundiram, se misturaram e deram origem à nova música popular do Brasil. Navegando nas águas de Tom Jobim , João Gilberto e Vinicius de Moraes, a bossa nova atracou no porto brasileiro e mudou para sempre os rumos dessa história. O que veio depois foi o desenvolvimento da planta, foram as cores das pétalas, foram as curvas dos galhos. Foi uma geração inteira de talentos inéditos que agora, no final do século, continua produzindo e gerando frutos , confirmando a nossa música, brasileira antes de tudo, como uma das expressões artísticas mais criativas do século XX. A coleção MPB Compositores vai levar a você a história desses homens e dessas mulheres. E , mais que tudo, dessa ·música.

Divisão de fascículos e livros Diretor: Flávio Barros Pinto Editorial: Sandra R. F, Espilotro (editora executiva) Vitório Cesta rol i (editor de arte) Edison Gasparim (diagramador) Edenir da Silva (assistente de redação) Colaboradores: Elifas Andreato (projeto e criação) Wharrysson Lacerda (redação e edição de texto) lolanda Huzak (edição de fotografia) Alexandre Huzak (direção de arte) Sandro Schutze (chefe de arte) Dennis Vecchione e Bento Andreato (editoração eletrônica) Janaina Abreu (secretária de redação) Marcia Blasques (pesquisa e texto) Maria Carolina de Araujo (copidesque e revisão) Sulta Andreato (administração) Double - Bureau de Pré-impressão (fotolitos)

Marketing: Heitor de Souza Paixão (dire tor) Atilio Roberto Bonon (gerente de produção) Elisabete Blanco (supervisora de produto) Sérgio Ishikawa (supervisor de marketing) Eliane Soares (assistente de marketing) Marilda Faria de Oliveira, Zita Steltzer R, Arias (coordenadoras de produção) Circulação: Wanderlei Américo Medeiros (diretor) Marketing Direto e Serviços ao Cliente: Wilson Paschoal Jr, (diretor) Assinaturas: Ubirajara Romero (diretor) Comunicação: Mauro Costa Santos (diretor)

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L OR E D AN O

Geraldo Pereira, vara ad que não cai, deixou belos e bons sambas que influenciaram outros segmentos da MPB, cujo melhor exem'-plo é a bossa nova João Nog ueira


CRÔNICAS E SONHOS DE UM MINEIRO MANGUEIRENSE GERALDO PEREIRA FOI MAIS UM EXEMPLO DA CAPACIDADE E DA QUALIDADE CRIATIVA DOS COMPOSITORES INSTINTIVOS, RESPONSÁVEIS POR GRANDE PARTE DA HISTÓRIA DE NOSSA MÚSICA E DE NOSSO SAMBA. COM TALENTO ESPONTÂNEO, TRANSFORMOU EM RITMO E LETRA OS HORIZONTES DO POVO.

Vista do morro da Mangueira, região central do Rio de Janeiro: celeiro de· sambistas e de sonhos em tor!f1a de batuque.

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da, acreditaria na primeira hipótese. Para o públiodo ano o ritual se repetia. Ele passava a noico, ficaria a idéia de que Geraldo morreu ao ser te de 22 de abril dançando no Elite Club, derrubado por Satã e bater com a cabeça na calçafamosa gafieira do Rio de Janeiro, e, quando da, onde permaneceu por muito tempo desacordaos raios de sol começavam a iluminar o novo dia, já estava parado em frente à Igreja de São Jorge, pronto do e sangrando. A morte deu início à lenda, ao mito Geraldo Pepara rezar pelo santo de sua devoção. Saía da missa, reira, sambista e valente dos anos 40 e 50. Mineiro ia para casa e dormia um pouco. Acordava no meio que foi, ainda criança, morar na Mangueira, crescenda tarde e iniciava a comemoração de mais um anido no meio dos bambas e valentes, como Maçu e Chico versário. Na ocasião, estava particularmente feliz com Porrão. Amigo dos mais notórios sambistas que viriam a chegada dos 37 anos. Satisfeito com o rumo da a integrar a Estação Primeira. Compositor que deixavida profissional, despreocupado com a desordem dos va o morro para passar as noites em gafieiras, na concaminhos pessoais. quista de belas mulheres. Mas que saiu de cena justaNaquele aniversário, Geraldo Pereira acreditava mente quando a carreira se consolidava. que tinha um motivo a mais para celebrar: algumas pétalas de rosa vermelha haviam caído em frente à MARCA DA CERÂMICA estátua de São Jorge, formando um semicírculo, e ele estava certo de que aquilo era o "presente" do santo, o anúncio de boas-nóvas. "Coisa gozada, diGeraldo Theodoro Pereira nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 23 de abril de 1918. Nos primeizer que eu podia chegar a ter um apartamento alugado com todo esse conforto, eu que ..----~~II!""---ros anos de vida, foi abandonado pela dormia em esteira e vendia verdura no mãe, filha de antigos escravos libertos. Ela o deixaria na casa de parenmorro. Meu 'Cavaleiro' fez estrada tes para tentar a sorte no Rio de Japara meu samba e com ele vou até neiro, ao lado do filho mais velho, Nova York. Afinal, não tenho do que o Mané Araújo. me queixar", comentava. Durante a noite, os convidados ~ Impossível precisar a época em que Geraldo chegou ao Rio, trazido comeram e beberam. As sobrinhas divertiram-se ao som da roda de samba pelo irmão Mané. Talvez em 1929, promovida por Geraldo e dois amigos, quem sabe 1931. Moradores da Manos também compositores João do Vale gueira, como os sambistas Cartola e e Avarese. Tudo parecia bem, até que, Carlos Cachaça, lembravam-se do num determinado momento, Geraldo ficou pálido e garoto com 11 ou 12 anos, não antes disso. Aluísio começou a suar frio. Saiu da sala, caminhou para o Dias, que viria a ser professor de violão de Geraldo, afirmava: "Para mim, ele chegou, eu já grande. Ele banheiro e trancou-se por algum tempo. Na sala, a com seus 11 anos, muito desenvolvido para a idacantoria continuava animada. Após recobrar as forde" . "Geraldo veio porque o irmão precisava de alças, decidiu retornar à festa. Sentou-se, mas o malguém para ser o homem da casa. Ele viajava muito e estar não havia passado de todo. Uma das sobrinhas na casa dele só tinha mulher. Aí o Geraldo era para o ouviu murmurar, entredentes: "Isso tá ficando ruim!" Mas a menina não teve oportunidade de perolhar pela casà', costumava contar Cartola. De qualguntar nada, pois o tio voltava a sorrir e a cantar. Ele quer maneira, no início dos anos 30, o irmão caçula também não deu muita importância ao fato. de Mané Araújo . era mais um morador do Santo Antônio, um dos "bairros" do morro da Mangueira. Quinze dias depois, Geraldo Pereira se envolvia numa briga com o valente Madame Satã. DerrubaNa casa de Mané, todos deviam trabalhar e "ardo com um único soco, acabou no Hospital dos ranjar uns trocados" e foi providenciado um tabuleiro para que Geraldo vendesse verduras. "Ele gostava Servidores Municipais. No dia 8 de maio de 1955, 1====a: ' .s=;l::8:;;h~ sarohista-m9l"ria; per mmÍV-efit , eUJIlvetSaT, e o anêfi'ão suportava ninguém parado. Aí vinha aquela briga, o irmão mais pouco esclarecidos. Um atestado de óbito diria "hevelho mandando o braço e o Geraldo saindo fora. morragia intestinal", outro, "hemorragia cerebral". A família, sabendo de alguns problemas de saúde Mané mandava ele vender verdura e ele ia, mas fudo compositor e conhecendo sua rotina desregragià', lembrava Carlos Cachaça.

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Mas também havia momentos bons. Como as raras horas de folga em que Geraldo ia com os outros moleques ao cinema Smart, em Vila Isabel, e na volta soltava a imaginação, imitando índios e caubóis, lutas de espadas e cenas dos seriados que acabara de assistir. Ou as tardes de sábado, quando ficava espiando o irmão tocar uma velha sanfona de oito baixos. "Acho que vi o Geraldo tentando aprender a tocar a sanfona do Mané, mas era escondido. Se o Mané visse, o pau comia. Quando tinha roda, era o Mané Araújo, o Mané Crioulo, Dino e os outros lá do alto do morro", contava Fernando Pimenta, amigo de infância do compositor. Geraldo Pereira ia sentindo a música: os sons mexiam com sua sensibilidade, ele queria aprender a lidar com isso. Na mesma época, começou a freqüentar a casa de Aluísio Dias, líder de um conjunto que animava todas as festas do morro. O menino ficava horas parado, assistindo aos ensaios dos músicos. Logo começou a ter aulas de violão com Aluísio. Aos 14 anos, Geraldo conseguiu emprego numa fábrica de cerâmica. Um dia, descuidou-se com a prensa e, quando percebeu que sua mão direita seria atingida, puxou rápido, mas a máquina acertou o indicador. A "marca da cerâmica", como dizia o compositor, ficaria: Geraldo perderia grande parte de uma das falanges. Com o dinheiro da indenização, comprou o primeiro violão.

Nos anos 30, a Unidos da Mangueira era a escola

como Cartola, Carlos Cachaça e Nelson Cavaquinho, Geraldo lapidaria seu estilo e aprenderia poesia e ritmo .

por muito tempo, relutaram em aderir à recémcriada Estação Primeira de Mangueira. Com programação de atividades que ia além do Carnaval, a Unidos foi o primeiro ambiente musical a influenciar Geraldo Pereira, que continuava a aprender violão. Logo, ele estaria acompanhando choros, polcas e valsas da época. "Mas o seu objetivo, eu descobri isso muito depois, era o samba, naquele estilo que sem saber ele estava criando e deixando transbordar de si, aquele ritmo todo seu e que iria dar uma nova face ao samba carioca" , afirmava Aluísio. Nessa época, o menino começou a freqüentar a casa de Alfredo Português, pai adotivo do futuro compositor Nelson Sargento. Figura conhecida na Mangueira, Alfredo Português era bom poeta, tornando-se mais tarde parceiro de Nelson Sargento. Ali, onde se reuniam sambistas

guês e violão . Arriscava as primeiras composições. Aluísio lembra-se do período: "o Geraldo desse tempo era um cara muito esforçado e muito inteligente. A gente sentia que ele já tinha intimidade com a música, já dava pra notar o que a gente podia fazer com ele". Em 1937, Geraldo começou a se afastar do morro, onde já era um compositor de certo nome. Mais seguro de seu talento , passou a freqüentar, ainda de maneira tímida, as rodas artísticas da cidade. No ano seguinte, já casado, arranjou emprego na Prefeitura do Rio de Janeiro, enquanto, cada vez mais boêmio, sentia crescer dentro de si a certeza de que seu negócio era o samba. Com o tempo, Geraldo viria a compor nas rodas do Café Nice. No entanto, sempre que queria "testar" alguma nova criação, voltava para o morto, onde mostrava suas músicas aos amigos que

UNIDOS DA MANGUEIRA

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Valente, o compositor não levava desaforo para casa. Esse temperamento, muitas vezes instável, ajudou a aumentar o folclore a seu respeito. Em um episódio, Geraldo teria arrumado briga com Canela, valentão temido em todo o bairro de Piedade. Apesar da fama, o brigão teria sido derrubado por um único soco do músico. Quando a polícia chegou, ficou tão agradecida a Geraldo que não o prenderia, mas levaria Canela antes que ele voltasse a si do desmaio. Geraldo também era o compositor que sofria pela desilusão dos amores terminados. Pela incapacidade de construir um lar verdadeiro, onde pudesse se apoiar e compor em paz. As músicas, antes de mais nada, falavam de seus sentimentos, da dor de sua vida solitária, das tristezas, das saudades, do desprezo da mulher realmente amada. Também do dia-a-dia do morro, das batucadas de samba, dos bailes, das gafieiras e do Carnaval. Sempre mulherengo, de suas 77 composições gravadas, 69 foram dedicadas à mulher. Um dos parceiros, Cyro de Souza, definiria bem a obra de Geraldo: "Ele escrevia seus versos com a linguagem do povo, o modo de falar da massa e, escrevendo como povo, fazia música como o povo fala. Uma musicalidade muito intensa forçava-o a transmitir seus sentimentos na forma de notas musicais. Sua música e letra eram uma descrição de fatos e cenas do cotidiano da cidade. Ele refletia o meio em que vivia. Educado ou formado em alguma coisa, ele 'desapareceria como autor, porque perderia a sua espontaneidade de compositor". Essa espontaneidade e musicalidade extremas fizeram de Geraldo um compositor capaz de criar em todo lugar, a partir de qualquer tema. Às vezes, sentado no Café Nice, em companhia de um amigo. Outras, na soleira da porta, tentando a reconciliaçilo com a segunda esposa, Isabel. O cantor e compositor Aldacyr Louro, que trabalhou com Geraldo por 'algum tempo, contava: "Eu achava que tinha muita tristeza dentro dele. Qualquer contrariedade ele ficava alterado, queria briga. O Geraldo ficava difícil ~e controlar! Mas, uma coisa muito divertida, como ele compunha fácil nestas horas. A bebida era uma fuga para ele e, bêbado, todas as mágoas afloravam. Ele ficava amargo, mas como compunha bem! Fazia de noite e de manhã tinha esquecido tudo". -T,(, 'FI . . j<L""lIie- lO'S" tl cantar Monteiro o último samba que fizera. Não teve forças, mas ajudou a consolidar a lenda ao seu redor: morreu valente, vítima de briga, e morreu sambisfu, com a última composição na alma.

continuavam se reunindo na casa de Alfredo Português. "O Geraldo andava muito com o Aluísio Dias e ia muito lá em casa. O Alfredo gostava dele pelo esforço que ele demonstrava em aprender. Chegava, sentava e ficava discutindo samba com meu pai , que nessa época não era muito conhecido. Alfredo ensinava e dosava o samba de Geraldo", lembrava Nelson Sargento.

GINGA E MALANDRAGEM Em 1939, Geraldo Pereira teve sua primeira música gravada. Logo, tornou-se impossível conciliar o trabalho na Prefeitura, com as noitadas sem fim e a necessidade de caitituar cada nova composição. Para resolver o problema, deixou o em-

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Se era o início de sua carreira profissional, também era o começo de um estilo de vida. De um cotidiano passado nos bares, nas gafieiras da cidade, com mulheres diferentes a, cada dia.

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ÁLBU

NAS LEMBRANÇAS DE GERALDO PEREIRA MISTURAM-SE PAISAGENS E ELEMENTOS COMUNS A VÁRIAS BIOGRAFIAS DE SAMBISTAS: A VIDA DIFÍCIL NO MORRO, AS RODAS DE BAMBAS, A BOÊMIA E AS MULHERES.

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ané Araújo era considerado por todos o "mag• nata do morro". Dono de uma venda, com bom emprego na Central do Brasil, construía e alugava barracões de madeira e zinco e solidificava suas finanças emprestando din eiro a juros para os co e Mané era irmão mais velho e padrinho de Geraldo Pereira e foi o responsável pela vinda do futuro compositor para a Mangueira. Também seria ele, nos anos seguintes, a figura mais próxima que Geraldo teria de um pai. Geraldo Pereira nunca soube direito quem foi seu pai. O nome na certidão de nascimento (feita quando o garoto já morava no Rio de Janeiro, e com base nas informações dadas pela mãe) era vago: Sebastião Maria. Sem outro sobrenome, sem nenhuma identificação. De uma coisa, porém, o compositor estava certo: sua mãe, Clementina Maria Theodoro, vivera com dois homens e de cada um tivera filhos. Com o

As sobrinhas. Teresinha Araújo dos Santos e Antônia Rosa de Oliveira. presentes em todos os momentos da vida do sambista.

casou com a "difamada". Nos anos seguintes, os encontros entre o casal seriam esporádicos, em geral seguidos de muita briga. Em 1945 , nascia Celso Salustiano, que Geraldo nunca assumiria como seu filho. Para os conhecidos, o comporta-

primeiro, Antônio Manuel Araújo, ela teve Manoel e Francisco. Filhos de Sebastião foram Sebastiana, Maria e Geraldo Theodoro, nome dado em homenagem ao avô paterno. No "bairro" de Santo Antônio, no morro da Mangueira, Clementina tornou-se rezadeira respeitada e parteira procurada; Mané assumiu a tarefa de guardião dos bons costumes, espécie de "juiz" da moral. Exatamente por isso, numa tarde de 1938, Mané foi procurado pelo pai de Eulíria, mais uma das "vítimas" do jovem e já mulherengo irmão Geraldo Pereira. Não deu outra: em 31 de agosto daquele ano , Geraldo era arrastado até o cartório mais próximo, onde se

era explicado por sua origem mineira. "Ele se comportava como um machão mineiro. Era mulherengo, mas não assumia nenhuma delas. Era assim: 'Tá comigo é minha, mas larga meu pé, crioula, que eu tô em todas por aí"', justificava Aluísio Dias, amigo de infância. Mas, os impulsos de Geraldo acabaram refreados quando conheceu Isabel, grande amor de sua vida. Um relacionamento curto, sem filhos, repleto de rompimentos e retornos. É Isabel quem resume o período: "Um ano e mais três outros, nós passamos juntos , brigando e ajuntando, que meu gênio nunca foi de aturar certas coisas".

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Uma coleção de momentos e lembranças de um compositor sempre ligado à família, mas que não escapava de amores extraconjugais. (1) Da esquerda para a direita aparecem, durante um passeio dominical, o innão mais velho de Geraldo Pereira, Mané Araújo, a mãe do sambista, Clementina Maria, a innã, Teresinha e o amigo da família, Felído. (2) Da esquerda para a direita, Maria Zulmira, tia do compositor, a filha dela, Teresinha, e o irmão de GI;!raldo, Mané Araújo. (3) Maria irmã de em esposa legitima que Geraldo teve em toda a vida, Euliria Salustiano Pereira, apelidada Nininha. (5) O maior amor da vida do compositor, para quem ele dedicou vários sambas, Isabel Mendes da 'Silva, numa foto datada de 1981. ·

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)A=t~SILEIRA

A Voz E A

A

MIÚDA, A GINGA FAGULHA 'DO SAMBA

MÚSICA CRIADA POR GERALDO PEREIRA PODE SER

COLOCADA AO LADO DAS CRIAÇÕES DE GRANDES SAMBISTAS COMO CARTOLA OU ISMAEL SILVA.

As

COMPOSiÇÕES

DE GERALDO SÃO SÍNTESES DO RICO UNIVERSO DO SAMBA DO RIO DE JANEIRO, UM DOS MAIS IMPORTANTES ELEMENTOS DA CULTURA POPULAR DO BRASIL.

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'" Lembrou-se de uma raiz / Da música brasileira / É o orgulho de nossa Estação Primeira / Se divertia nos bailes das gafieiras. / E hoje, nós cantamos com prazer / Para enaltecer o nome / De Geraldo Pereira". Era a prova de que, quase trinta anos após a morte do sambista, sua obra tornara-se imortal. Os capítulos de sua criação começaram a ser escritos ainda no final da década de 30, resultado de um paciente e demorado trabalho de devoção à arte. Pois, quando Geraldo Pereira iniciou sua carreira, encontrou um panorama de extrema competição entre músicos que queriam um lugar ao sol e, em especial, uma chance no rádio, o mais importante meio de comunicação. Nessa época, a atividade do compositor tornava-se ,mais profissional e, se os pagamentos de di-

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arnaval de 1982. Quatro horas e trinta e cinco minutos da madrugada, segunda-feira. N a passarela da avenida Rio Branco, a Escola de Samba Unidos do Jacarezinho. O tema: a vida e a obra de Geraldo Pereira. Desfile simples, com poucos recursos financeiros, de escola do segundo grupo do Rio de Janeiro. Mas com a mesma garra ancestral dos primeiros blocos carnavalescos, da época em que o samba desceu do morro e tomou conta da cidade. Em todas as alas, damas e cavalheiros representando os Arcos da Lapa dos anos 40 - cenário da boêmia do velho sambista - e as personagens das canções de Geraldo Pereira. O samba-enredo: "Já lembramos vultos de nossa história / Que estão cobertos de glória / Nessa terra alvissareira / Hoje, o artista foi feliz, / 8


rei tos autorais ainda não eram prática muito certa, já garantiam algum dinheiro para os autores de sucesso, principalmente no período do Carnaval. Essa área competitiva e com cada vez mais candidatos podia ser dividida em três núcleos, representando respectivamente três locais e três níveis sociais distintos. Havia os compositores "pobres", autores de sambas, marchas, valsas e qualquer outro tipo de música que pudesse ser comercializada de maneira imediata. Em geral, espalhavam-se pela chamada "calçada da fome" (em oposição à "calçada da fama", em Hollywood), ou "ponto dos compositores", na esquina da rua Pedro I com a praça Tiradentes. Aí, podiam ser vistas figuras como Nelson Cavaquinho, Bucy Moreira, Armando Marçal e Alcebíades Barcelos, Bide. O segundo núcleo, o dos "bacanas", aglutinava os compositores nascidos com boa situação financeira, como João de Barro, Lamartine Babo e Custódio Mesquita. Encontravam-se nos ambientes "chiques"

da rua Gonçalves Dias, de preferência no Café Papagaio ou na Confeitaria Colombo. No terceiro núcleo, estava "a massa", músicos já de renome que se reuniam, até altas horas da noite, no Café Nice, na avenida Rio Branco. Por ali, além de estudantes, jornalistas e jogadores de futebol, passavam cantores, compositores e editores, transformando o local em um imenso mercado musical, onde a maioria das melodias era não só vendida mas composta. Entre os clientes mais habituais do Café Nice estavam Ary Barroso (que também freqüentava o Café Papagaio), Orestes Barbosa, Francisco Alves, Aracy de Almeida, Carlos Galhardo e Ataulfo Alves. Geraldo Pereira, tal como grande parte dos compositores de origem popular, iniciou suas andanças na "calçada da fome", batalhando cada música, tentando contato com músicos que já estavam encaixados no mercado. Para isso, valia tudo: desde a abordagem direta e o oferecimento de parceria para um autor já

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afamado, até a participação em coros de gravações ou em shows, para fazer ritmo ou mesmo tocar cacheta. A luta diária dos "pobres" incluía peregrinações por gafieiras e salões de bailes, procurando agradar os chefes da orquestra. Os compositores que transitavam por esses lugares sempre traziam à mão um maço de cigarros e a partitura da nova música. A todo momento mostrando, divulgando, tentando tornar suas criações mais conhecidas. Com o êxito de suas primeiras gravações, em 1939 e 1940, Geraldo não demoraria a "subir de nível". A partir de 1942, passaria a ser visto com freqüência no Café Nice. Se isso representava maior status, também traria uma série de vantagens práticas: os compositores do Nice ajudavam-se mutuamente, tanto para colocar uma música no mercado, quanto para convencer um intérprete de fama a lançá-la em disco.

Martins importantes influências em relação às futuras escolhas profissionais. Naquele ano de 42, Ataulfo Alves gravava Ai, Que Saudade da Amélia, de sua, autoria, em parceria com Mário Lago, e Herivelto Martins lançava Praça Onze, feita com Grande Otelo. Com AméLia, vencedora do Carnaval de 42 e de 43, Ataulfo que~rou dois tabus: que compositor não cantava e que música para os festejos de Momo tinham que ser barulhentas e com andamento corrido. Já Herivelto inaugurou um filão que renderia muito dinheiro daí em diante: o do samba-exaltação que cantava fatos do dia-a-dia da cidade. No entanto, o que marcaria profundamente Geraldo Pereira seria a maneira de cantar de ambos os músicos. Ataulfo era identificado pela presença das pastoras e Herivelto pela percussão rítmica, os dois co'm "escolas de samba de palco". Atento ao que acontecia, Geraldo pensava: "Ritmo, muito ritmo como o 'seu Herivelto', e alguém cantando, com as pastoras dando apoio à voz e fazendo variações por detrás. A fórmula é esta". Para chegar mais perto do que queria, começou a se aproximar de Herivelto Martins. "Sabe, meu patrão, a gente precisa ajudar uns aos outros, o senhor me ajudando quem sabe amanhã eu acerto um sucesso

ESCOLA DE SAMBA DE PALCO Em 1942, Geraldo Pereira era compositor conhecido nos meios artísticos. Ainda longe do sucesso desejado, mas já conseguia lançar suas músicas com certa facilidade. Indeciso em relação ao melhor caminho, receberia por parte de Ataulfo Alves e de Herivelto

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Encontro dê bambas nos estúdios da Rádio Nacional, em fevereiro de 1954. Da esquerda para a direita, Geraldo Pereira, Geraldo Barbosa, Barão Baterista, Arnô Carnegal, Raul Marques e Euclides, um dos integrantes do Quarteto de Bronze.

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e dou para o senhor gravar? O Nilo Chagas me disse que eu falasse com o senhor." Herivelto, então, colocou Geraldo como ritmista de seu conjunto. Porém, depois do terceiro ou quarto espetáculo, sempre atrasado para os ensaios e apresentações, Geraldo foi dispensado. Em 1944, mais maduro e seguro de sua arte, Geraldo Pereira fez o primeiro samba inteiramente de sua autoria, Falsa Baiana. Gravada por Ciro Monteiro, a música foi sucesso estrondoso. Roberto Paiva, primeiro intérprete para quem o compositor mostrara Falsa Baiana, contava: "Eu já tinha gravado quatro ou cinco músicas para o Geraldo e todas com relativa aceitação, porque o samba dele, aquele samba buliçoso e sincopado, não era o meu gênero, a minha linha de canto". Numa madrugada, Geraldo o procurara para mostrar a nova composição. "Não me lembro se era eu que estava chateado, não sei se o Geraldo que já estava 'meio alto', ou se os acompanhantes dele estavam com pressa. O fato é que o samba mostrado me pareceu quebrado, sem jeito, desarticulado sonoramente. Ele tocava um violão bem curtinho, bem limitado e ainda mais enrolando as palavras. Os crioulos correndo com o som na frente dele. Aquilo me pareceu uma balbúrdia.

Com sono, acabei por dizer: 'Olha Geraldo, não te zanga. Me mostra isso outro dia, que teu samba tá quebrado. Eu hoje estou sem disposição'." Menos de um mês depois, Roberto ouvia Falsa Baiana no rádio, na voz de Ciro M~nteiro. "Eu tinha deixado de gravar, por não ter entendido naquela madrugada em que me foi mostrado o maior sucesso de Geraldo Pereirà'. Depois do êxito do samba, Geraldo deixou de ser apenas mais um habitué do Café Nice e tornou-se personalidade conceituada no lugar. Entusiasmado pela consagração de Falsa Baiana, Geraldo aproveitou a ocasião para lançar-se em novas direções. Gravou seu primeiro disco como intérprete, com as músicas Bonde da Piedade e Mais Um Milagre. Mas não conseguiria grande repercussão, fato que o manteria afastado do estúdio por algum tempo. CANTOR OUTSIDER Nos anos seguintes, Geraldo Pereira continuaria vendo suas composições lançadas por importantes intérpretes. Porém, não desistia da idéia de cantar. Em 1947, voltaria a investir nessa área, organizando um coro feminino - nos mesmos moldes das pastoras de Ataulfo - para acompanhá-lo. Com duas diferenças,

Festa na boate Casablanca. em 5io Paulo. em fevereiro de 1954. Ao centro. vestindo branco. Geraldo Pereira. Ao fundo. os colegas sambistas Geraldo Barbosa. Raul Marques. Bario Baterista e Amô Camegal.

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de um outsider, fazia sucesso mas não ganhava dialém do coro, a "Escola de Samba Geraldo Pereira' nheiro", explicava o radialista e animador Jonas contava com o apoio de músicos (Arnô Carnegal e Garret. "Naquele tempo, para ganhar dinheiro era Bucy Moreira nos tamborins e Soriano no pandeiro) preciso ser artista, e ao Geraldo - eú o apresentei e, nas apresentações, não havia exibição de passistas: muitas vezes no Raps6dia Carioca, programa da Ráas cantoras apenas davam o ritmo para Geraldo. . dio Globo - o público recebia quase com indiferenCom a Escola de Samba, Geraldo passou a parça. Você gritava: 'Ataul .. . ' e não terminava porque ticipar de programas de diversas emissoras de rádio o público cobria sua voz com os aplausos. Eu podia do Rio de Janeiro. "Tudo na base do cachê, Geraldo dar a maior força: 'Ge-Ral-Do-Pe-Rei-Ra!', que o não era contratado de nenhuma rádio", afirmava Isapúblico não se ligava. No palco ele não aparecia, bel, sua segunda esposa e, nessa época, também pasmas a música dele cantada por outra pessoa, como tora do grupo. Em 1948, o compositor fez sua seBlecaute ou Roberto Silva, fazia sucesso. É esquisigunda gravação, lançando um disco com Roubato, mas é verdade: ele era um intérprete que no meio ram O Livro de Ouro e Vou Dar O Serviço. de seu grupo de pastoras O rádio, na segunda não era um cantor, era metade da década de 40, seum coadjuvante." ria marcado pela "febre dos Mesmo essas dificulauditórios". Todas as emisdades não afastaram Gesoras organizavam esse tipo raldo Pereira de seus de programa. Os primeiros propósitos. Continuou ídolos seriam Lamartine trabalhando como comBabo, Heber de Boscoli e ;! Yara Salles, que comanda- 8 positor, dando suas músicas para outros intervam o Trem da Alegria, ~ pretarem, mas também primeiro no auditório da ~ lançava suas próprias graMayrink Veiga, depois no ~ da Rádio Nacional, de vol- ~ yações. Em 1951, relatita ao da Mayrink Veiga, ter- .~ va,mente conhecido nas camadas mais populares, minando no da Rádio Glo- ~ participaria com o sambo. A Rádio Nacional con- ~ tava com Paulo Gracindo, ~ ba Ela do primeiro LP produzido no Brasil. Até Manoel Barcellos e César de ~ 1952, cantaria com as Alencar, cada qual com uma Momento da peça i aé o astoras . De ois mais ras num dia da semana. ficou em cartaz em 1948 no Rio e, em 1949, em São Paulo. confiante, descobriria seu Esses programas tinham enorme importância estilo e passaria a se apresentar sozinho. Quando morreu, em maio de 1955, tudo indientre os anos de 1945 e 1956. Por isso, nenhum cava que a carreira estava pronta para deslanchar. cantor aceitava gravar uma música sem antes testar Como compositor, estava consagrado. Também dea reação do público diante da melodia cantada no senvolvera-se como intérprete: tinha pronúncia perauditório. Preocupado em atingir esse "reino de pofeita, voz segura mas sem profundidade, entonação pularidade" do rádio, em seus mais de 15 anos de rápida e muita malandragem, muita ginga. Havia, carreira, Geraldo buscou de todas as maneiras confinalmente, conseguido assinar contrato com a Ráseguir um contrato fixo. Procurou programas para dio Mundial, onde cantava num programa semacantar, mesmo com cachê baixo, e tentou criar um naI, acompanhado de orquestra e regional. Das cinrepertório próprio como cantOr, incluindo não-só co músicas inéditas que apresentava na rádio, uma composições suas, mas também de outros autores. A tarefa se mostrou muito mais difícil do que o delas Você Não Tem Razão foi perdida com sua morte: restaria apenas a partitura de piano e arranjo para esperado. Pois com todo o sucesso, tanto como compositor quanto como cantor, Geraldo permanecia orquestra. As outras quatro foram distribuídas para sem contrato fixo. ' 'Ele trabalhava sempre a cachê, que amigos, como Ciro Monteiro, não deixassem que a obra do sambista fosse esquecida. nunca contratado. Era, no meio, o que se chamava 12


13


Os

MUITOS CAMINHOS DO SAMBA

NA HISTÓRIA DE' GERALDO PEREIRA REPETE-SE O FENÔMENO COMUM À BIOGRAFIA DE ALGUNS SAMBISTAS DAS DÉCADAS DE

30, 40

E

50:

VÁRIOS TIVERAM MÚSICAS DIVIDIDAS COM

PARCEIROS QUE NÃO PARTICIPARAM DA COMPOSiÇÃO. NA VERDADE, O QUE MAIS IMPORTAVA PARA O SAMBISTA ERA VER SUA CRIAÇÃO NA BOCA DO POVO,

G

eraldo Pereira foi compo- • sitor de muitas parcerias. Algumas músicas foram realmente criadas com outro artista. Houve ocasiões, no entanto, em que a parceria era expediente para conseguir o lançamento do samba. Para sobreviver em meio à competição dos sambistas, valia tudo: vender a coautoria de uma composição para comprar um par de sapatos, ou ser incluído como parceiro de alguém para ajudar na caitituagem da música. Esse seria, por exemplo, o caso de Acertei no M: Geraldo assinaria com BaWilson Batista. "Ela é tista. O Geraldo entrou a pedidos, para ganhar uma nota e marcar ponWILSON BATISTA tos", afirmava o cantor Moreira da Silva, primeiro intérprete do samba. mais importantes parceiros do sambis"Eu tinha ido a São Paulo, no cometa da Mangueira, o compositor Jorge ço de 1940, e encontrei o Wilson e o de Castro. Naquele ano, os novos amiErasmo Silva, perto da Rádio Record. gos comporiam Até Quarta-Feira e YlJcê O Wilson me mostrou o samba e eu Estd Sumindo. Em 1943, sem motivo gostei. Marquei para gravar, mas falei aparente, Geraldo e Jorge se separapara ele botar o Geraldo Pereira na vam. "Nós fizemos uns sambas junparceria. Ele estava entrando no tos, mas depois abrimos a parceria, cada meio e era bom de 'trabalhar' múum foi para seu lado", lembrava Jorge. sica." Depois de Acertei no Milhar, "Tínhamos então dois sambas inédios dois fariam, desta vez juntos, tos e eu fiquei com um chamado CarCego de Amor. tão de Visita e ele ficou com outro chaWilson ainda seria o responsável, mado Falso Amor, que ele nunca graem 1942, pela aproximação de Geral- vou, não sei por quê. O meu, eu sei a do com aquele que viria a ser um dos letra, o dele, ele é que sabia . .. Ambos

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foram feitos no nosso tempo no Café Nice e não tinham uma motivação especial. Cartão de Visita foi Geraldo quem sugeriu o tema, pois ele achava que cartão de visita era uma coisa muito bonita e que pocüa dar samba. E deu. " Além de intérprete, Moreira da Silva também seria parceiro de Geraldo Pereira, em sambas como A YlJz

do Morro, Samba Pro Concurso e Lembranças da Bahia. Este último talvez seja a única composição de Geraldo feita sob encomenda. "Quando cu fui a Salvador, em 1942, tive uma ótima acolhida e voltei com um do tudo quanto eu vi lá", lembrava Moreira. "Aí eu dei as dicas e fórmulas para diversos compositores e fiquei esperando. O crioulo era bom de chinfra e, não demorou, me deu o samba pronto, que eu gravei com meu nome e o dele. O samba é dele, as dicas são minhas. Nós somos parceiros. Ou não é? .. " Outros nomes que assinariam a co-autoria de músicas de Geraldo Pereira seriam Cyro de Souza, Hélio Ribeiro, Arnô Provenzano, Djalma Mafra, Waldir Machado e Nelson Teixeira. Com Augusto Garcez, ele faria Lembras-te Daquela Zinha? E, com Marino Pinto, Falta de Sorte e Pode Ser.


INTÉRPRETES

o primeiro a gravar composições de Geraldo Pereira seria Roberto Paiva que, em 1939, lançava Se Você Sair Chorando. "F ui apresentado ao Geraldo por um seu parceiro de nome Nelson Teixeira, que morava lá para os lados do Jockey Club {área fronteira à Mangueira). " Dias an,tes , o cantor havia sido procurado por Nelson na Rádio Mayrink Veiga. "Ele me mostrou um samba do qual eu não goste i. E ele só sabia a segunda parte. Dias depois, ele voltou à estação com um negão de quase dois metros de altura, muito acanhado e cheio de agradecimentos, que mostrou o samba todo . Aí eu prometi que gravaria, porque gostei." Antes de gravar, Roberto Paiva levaria a música para Pixinguinha fazer a orquestração. "Quando eu terminei de cantar, para ele passar para a pauta, Pixinguinha manifestoU vontade de conhecer o autor da melodia. Me lembro ainda das palavras de Pixinguinha sobre o assunto: 'Olha, seu Roberto , só existem inventar alguma novidade em termos de combinação de notas sonoras. Mas esta melodia é realmente original." Depois disso, o cantor viria a

MOREIRA DA SILVA

15 0°


ARACY DE ALMEIDA

15AURINHA GARCIA

se tornar intérprete de várias outras composições de Geraldo Pereira, como Jd Tenho Outra Em Seu Lugar, Lembras-te Daquela Zinha? e Tenha

tão olhando? Isso aqui (era eu) é gente minha!' Os caras foram embora. O samba dele era leve e cheio de divisões rítmicas, isto sempre me chamou a atenção: Ele não tinha consciência disso, mas foi um inovador na música popular brasileira na década de 1940", lembrava o cantor. Depois de João Gilberto, que também relançaria Falsa Baiana, outros cantores das novas gerações descobririam a obra do sambista.

Santa Paciência. Nos anos 40, vários outros cantores de êxito lançariam músicas do compositor. Aracy de Almeida gravaria Falta de Sorte, Isaura Garcia, Pode Ser, Patrício Teixeira, Adeus. Dircinha Batista interpretaria o samba-choro Sinhd Rosinha, feito em

do de Mim, com Waldyr Machado. O conjunto Q~'atro Ases e Um Coringa gravaria Ai Que Saudades Dela, e a cantora Odete Amaral, esposa de Ciro Mónteiro, Resignação,

Jamais Acontecerd e Carta Fatal. Graças aos esforços constantes de Ger;rldo Pereira em fazer caitituagem com as novas criações, no ano de 19.46, o compositor veria suas músicas lançadas nas' vozes de Jorge Veiga, Déo e Alcides Gerardi, então iniciando carreira. E, e~ 1949, Emilinha Bórba, sucesso indiscutível da Rádio N'acional, grav'a rla dois sambas de Geraldo: Perdi Meu Lar e Boca Rica. Apesar de lançada inicialmente em 1944, pelos Anjos do Inferno, a

ZIZI I'0551

música Bolinha de Papel só seria êxi to de público muitos anos depois, quando regravada por João Gilberto. Um dos "papas" da bossa nova, João Gilberto seria o principal responsável pelo relançamento de Geraldo Pereira nos anos 60. "Eu ainda era do conjunto Garotos da Lua, nem pensava em cantar sozinho, quando um dia ele me convidou para sentar com ele ' num bar daqueles, lá na rua da Lap<l.. Enquanto a gente tava tomando ' umas coisas no bar, passaram uns sujeitos e me estranharam, ficaram me olhando da porta. E ele: 'Que é que vocês 16

dos estão os de Cristina Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Gal Costa, Elza Soares , Noite Ilustrada, Jair Rodrigues, Miúcha, Astrud Gilberto (ex-esposa de João Gilberto) e até o internacional Stan Getz. Em 1971, Paulinho da Viola fazia uma nova leitura de Vo cê Estd Sumindo, numa hoI!lenagem àquele que considera um dos maiores compositores de todos os tempos. João Nogueira gravava no início da década de 80 um LP dedicado a Wilson Batista, Geraldo Pereira e Noel Rosa e, em 1990, Chico Buarque cantava, de Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro, Sem Compromisso, música incluída no disco Chico

Buarque Ao Vivo - Paris Le Zenith.


ANJOS DO INFERNO

Galeria de alguns artistas que ajudaram a imortalizar a obra de Geraldo Pereira. Acima, o conjunto Anjos do Inferno, que transformou Bolinha de Papel em um grande sucesso. A es- g g querda, João Gilberto, que recu- CJ perou sucessos de Geraldo Pe- ~ reira na década de 60, gravan- ~ do, entre outras, Falsa Baiana. A ~ direita, Chico Buarque, que registrou Sem Compromisso em seu álbum Chico Buarque Ao Vivo - Paris Le Zenith. Abaixo, dois dos mais representativos nomes do samba moderno, João Nogueira e Paulinho da Viola. Nogueira resgatou para o grande público importantes sambas do passado, num disco feito em homenagem a Wilson Batista, Noel Rosa e Geraldo Pereira. Paulinho da Viola incluiu Você Está Sumindo, de Geraldo Pereira, em seu álbum de 1971. Na versão de Paulinho, o samba de Geraldo"ganhou vitalidade nova.

PAULINHO DA VIOLA

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CIRO MONTEIRO E GERALDO PEREIRA SE CONHECERAM EM SETEMBRO DE

O

PRIMEIRO JÁ ERA CANTOR RESPEITADO.

1 940.

O

SEGUNDO,

COMPOSITOR QUASE DESCONHECIDO, EM BUSCA DE CHANCE PARA MOSTRAR SEUS SAMBAS.

''Adotei o crioulo como meu afilhado. Era bom de papo, até era pacato, mas na hora da briga, encarava firme. Gravei dele Acabou A Sopa e, daí para a frente, ficou costume", gos tava de contar Ciro Monteiro . Sempre que Geraldo tinha uma nova composição, recorria ao intérprete, a quem chamava de "meu padrinho". Nos anos que se seguiriam, Ciro gravaria diversas músicas do compositor, como Ai, Mãezinha, Até Quar-

ta-Feira, Ela Não Teve Paciência, Falsa Baiana, Golpe Errado, Pisei Num Despacho e Voltei, Mas Já Era Tarde. No entanto, as relações entre os dois artistas esfriariam a partir de

1948. Nesse ano, em razão da política de contenção de despesas da RCA Victor, os cantores da gravadora só podiam lançar um disco por mês. Assim, quando G eraldo mostrou Chegou A Bonitona para Ciro, o intérprete pediu um tempo para fazer a gravação. Impaciente, Geraldo deu a música para outro cantor, magoando "o padrinho" . C iro Monteiro só voltaria a cantar uma música de Geraldo Pereira em 1954. Na ocasião, tendo restabelecido as relações com o compositor, Ciro lançaria Escurinho, que se tornaria o último grande sucesso de Geraldo. Em maio de 1955, o com18

positor seria internado. Uma das últimas pessoas a vê-lo com vida acabou sendo Ciro Monteiro: "O Geraldo mal abriu os olhos. Reconheceu-me e disse que ia precisar de mim, porque tinha feito um samba em resposta ao Escurinho que eu tinha recém-gravado . Esse samba, que ele não chegou a cantar, falava da reabilitação do Escurinho, e Geraldo dava como razão a existência de uma cabro cha tipo Martha Rocha (miss Brasil daquele ano), num evidente despropósito. Ele, à morte, falava em novo samba com um entusiasmo que só sua paixão pela vida e pelas mulheres podia explicar".


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DENTRO DO REPERTÓRIO DE G~RALDO PEREIRA, BOLINHA DE PAPEL É UMA DAS PREFERIDAS DE JOÃO NOGUEIRA.

BOLINHA DE PAPEL Só tenno medo da falseta Mas adoro a Julieta Como adoro a papai do céu Quero seu amor, minha santinha, Mas só não quero que me faça De boli.p.ha de papel Tiro você do emprego Dou-lhe amor e sos ,ego Vou ao banco E tiro tudo pra gente gastar Posso, Julieta, Lhe mostrar a caderneta Se você Guvidar

João Nogueira é cantor e compositor. Sua entrada no meio musical -se deu oficialmente-com a gravação do samba Espera, Ó Nega, em 1968. Nogueira integrou-se à ala de compositores da Portela, em 1972, com o samba-enredo Sonho de Samba. Daí em diante, a carreira caminhou a passos firmes. Aos poucos, João Nogueira conseguiu colocar-se como um dos principais nomes do samba brasileiro, sendo responsável por sucessos como Mineira e Chorando Pelos Dedos. 19


VOCÊ

Anjos do Inferno - Conjunto vocal e instrumental criado no Rio de Janeiro em 1934, os Anjos do Inferno teriam sua fase de maior popularidade na primeira metade da década de 40. Ogrupo estreou profissionalmente nas rádios Cajuti e Cruzeiro do Sul e, a partir de 1936, passaria a atuar com regularidade na Rádio Mayrink Veiga . O primeiro grande êxito aconteceria em 1940, com o lançamento do samba Bahia, Oi! ... Bahia, de Vicente Paiva e Augusto Mesquita . Em 1944, os Anjos do Inferno participaram do filme Abacaxi Azul, de J. Rui. No mesmo ano, gravariam Bolinha de Papel, de Geraldo Pereira, e Cordão dos Puxa -Sacos, de Frazão e Roberto Martins, dois dos maiores sucessos do grupo. Ataulfo Alves - Compositor e cantor, Ataulfo nasceu em Miraí (MG). em 1909. Filho de conhecido violeiro e repentista, aos oito anos já fazia versos, respondendo aos improvisos do pai . Com 18 anos mudou -se para o Rio de Janeiro, onde começou a traba lhar como prático de farmácia e a freqüentar as rodas de samba no Estácio. Em 1934, o sambista Alcebíades Barcelos, Bide, que fazia muito sucesso com a música Agora é l-In za \em flall;t: ia l;UIII Marçal), ouviu algumas composições de Ataulfo e resolveu apresentá-lo ao diretor da gravadora Victor. Oprimeiro sucesso aconteceria em 1935, quan do Floriano Belham lançou Saudade do Meu Barracão. Em 1942, inovou ao gravar Ai, Que Saudades da Amélia, acompa nhado por um grupo de pastoras. A partir daí, Ataulfo Alves e Suas Pastoras passaram a se exibir em diversas rádios, sempre gravando novos discos . Ataulfo se desligaria das pastoras apenas na década de 60, começando a apresentar-se sozinho e esporadicamente.

PRECISA

Cacheta - Um dos mais simples instrumentos de percussão da bateria. Constitui -se de uma pequena caixa de madeira, que produz som seco e fino semelhante ao da caixa de fósforos, muito fácil de executar. Caitituagem - Esquema de divulgação no qual um representante da gravadora ou do próprio artista busca promover determinada música em lojas de discos e estações de rádio e televisão, por meio de visitas, insistência verbal, distribuição gratuita de discos e partituras e, até mesmo, gratificações financeiras. Carlos Cachaça - Compositor, nascido em 1902, perto do morro da Mangueira. Abandonou os estudos para se dedicar ao samba, passando a integrar, como pandeirista, em 1918, o conjunto de Elói Antero Oias, o Mano Elói, um dos primeiros a gravar pontos de macumba em discos. Seguindo o ofício do pai, foi trabalhar na Estrada de Ferro Centrai do Brasil. Por volta de 1922, conhece Cartola, que se tornaria um de seus grandes parceiros. Seis anos mais tarde, participa da criação do Bloco dos Arengueiros, embrião da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira . Em 1934, compõe Homenagem, um dos primeiros 'vUVv U

nagens da história do Brasil, gê nero que o tornaria famoso fora do morro. Uma de suas músicas mais conhecidas é Não Quero Mais, em parceria com Cartola e Zé da Zilda, que Paulinho da Viola regravaria em 1973, com o título de Não Quero Mais Amar Ninguém. Cartola - Apelido do compositor, cantor e instrumentista carioca, Angenor de Oliveira, nascido em . 1908, no bairro do Catete. Aos 11 anos, muda-se com a família para o morro da Mangueira, de onde não mais se afastaria. Aos 15 anos, depois da morte de sua mãe, deixa a família para iniciar

SABER

a carreira de boêmio, vivendo nas madrugadas do morro, entre o samba e a malandragem. Em 1928, participa da criação do Bloco dos Arengueiros e, alguns anos mais tarde, da fundação da Estação Primeira de Mangueira, nome por ele sugerido. Na década de 60, inaugura, juntamente com sua mulher, Zica, o restaurante Zicartola, que viria a se tornar reduto da música brasileira no Rio de Janeiro. Nessa época, seria redescoberto pelo grande público e, em 1974, gra vou seu primeiro LP. Chico Buarque de Holanda Cantor e compositor, nascido em 1944 no Rio de Janeiro, Chico Buarque de Holanda é, ao lado de Tom Jobim, Gilberto Gil e Caetano Veloso, um dos maiores nomes da música popular brasileira . Filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, Chico iniciaria sua carreira ainda nos tempos em que estudava arquitetura, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, no início da década de 60. Viria a projetar-se nacionalmente depois de vencer o 11 Festival de MPB da TV Record (1966), com a música A Banda, interpretada por Nara Leão. Durante os anos da ditadura, se riil oerseauido e sua obra se transformaria em sinônimo de resistência civil. Ciro Monteiro - Cantor e compositor (1913-1973). nascido no Rio de Janeiro, Ciro começou a cantar ainda na adolescência, em companhia do irmão. Era sobrinho do pianista Nonô, que costumava levar Sílvio Caldas e Luís Barbosa para ensaiar em casa. Daí viria sua primeira chan'Ce no rádio: em 1933, Sílvio Caldas convidava Ciro para substituir Luís Barbosa no programa de Casé, da Rádio Philips. No ano seguinte, trabalhando no Programa das Donas de Casa, da Rádio Mayrink Veiga, come-

çaria a desenvolver um estilo próprio, apresentando-se sempre com uma caixa de fósforos na mão, para marcar o ritmo. O primeiro grande sucesso como cantor aconteceu em 1937, com Se Acaso Você Chegasse, de Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins. Nessa época também começou a compor. Herivelto Martins - Cantor e compositor, aos nove anos de idade Herivelto já atuava no clube-teatro da Sociedade Dra mática Dançante Carnavalesca Florescente da Barra do Piraí, fundada por seu pai. Em 1932, com 20 anos, teve a primeira composição gravada. Nesse ano, entrou para o conjunto de J. B. de Carvalho e passou tam bém a integrar o coro da Victor. Em 1934, começou a cantar em duo com Francisco Sena. Quan do este morreu, no ano seguinte, Herivelto formaria nova dupla com Nilo Chagas. Em fins de 1936, a dupla se transformaria em trio, com a participa çã o da cantora Dalva de Oliveira . OTri o de Ouro conseguiria grande sucesso, atuando em diversas emissoras cariocas. Como compositor, teria suas música s gravadas pelos nomes mais im portantes da época, como Síl vio Caldas, Carmen Miranda e Aracv de Almeida . Em 1971, Herivelto seria eleito presidente do Sindicato de Compositores do Rio de Janeiro. Madame Satã - Personagem folclórico dos anos 30 e 40. Madame Satã (João Francisco dos Santos) é quase o arquétipo do malandro carioca. Vivendo nos bares e na boêmia das ruas da Lapa, ele foi, também, um dos últimos representantes de um tipo que começou a desaparecer do Rio de Janeiro, a partir da década de 50: a vida dos malandros, enfiados nos bordéis, vivendo de pequenos expedientes, de jogo, de pequenos truques, golpes e, eventualmente, de punga.

BIBLIOGRAFIA - Os textos deste fascículo foram baseados nas informações do livro Um Certo Geraldo Pereira, de Alice Duarte da Silva Campos, Dulcinéa Nunes Gomes, Francisco Duarte Silva e Nelson Matos (Nelson Sargento). editado pela Funarte-MEC.

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'========~=====?~--------~~~~

Mais que personificação do malandro, Madame Satã foi um dos primeiros travestis do país. Fez do transformismo uma profissão, apresentando-se em cabarés, com tipos tão prosaicos quanto exóticos, como a Mulata do Balacochê, que ele interpretava no teatro Casa de Caboclo, na praça Tiradent~s. A ligação de Satã com Geraldo Pereira aconteceu de modo trágico. Os dois envolveram-se numa briga e o sambista acabou sendo derrubado pelo malandro. Geraldo foi parar no hospital, onde faleceu. As causas do óbito nunca ficaram completamente esclarecidas. Dois atestados foram elaborados. Um apontava hemorragia intestinal, o outro, hemorragia cerebral. Para o público, no entanto, ficou a lenda de que Geraldo havza morrido vítima do soco de Madame Satã. . Por esse e outros incidentes, a figura de Madame Satã tornou-se folclórica. Na década de 80, sua alcunha foi revisitada, quando uma boate underground no bairro do Bixiga, em São Paulo, adotou o nome, colocando-o em letras de néon na fachada. A escolha não foi injustificada. Afinal, é diflcil imaginar personagem que melhor represente o submundo das primeiras décadas do século que Madame Satã. " Nascido em 25 de fevereiro de 1900, em Glória do Goitá, interior de Pernambuco, recebeu o nome de João Francisco dos Santos. De certo modo, Satã foi o maior e também o último dos malandros que perambulavam elas noites cariocas, nos botequins e rost{bulos da LaM!!u nos teat'!..0s da praça Tiradentes. _ Resultado universo decadente em que vivia imerso, Satã confrontou-se por várias vezes com a lei, entrando e saindo da cadeia, por brigas, acusações de roubos e até assassinatos. Madame Satã foi, de fato, um ícone da malandragem carioca. Sua história é uma mistura da boêmia, da esperteza, do preconceito e da violência que permeavam as noites da Lapa.


F

ALAR DE GERALDO PEREIRA É DEF INIR UM TEMPERO . I NGRED IENTE

ESPECIAL QUE SE J UNTOU AO

JÁ D IVERSO E BORBULHANTE CALDEIRÃO DE

SONS DO SAMBA CAR IOCA . COM BALANÇO E GINGA, GERALDO BRINDOU OS

OUVIDOS E AS SENS IBILIDADES BRAS ILE I RAS COM SAMBAS COMO FALSA BAIANA

E B OLINHA DE PAPEL.

Nos

DOIS EXEM PLOS FAMOSOS, PODEMOS PERCEBER

QUE O SAMBA GANHOU PITADAS NOVAS A PARTIR DO TRABALHO DE GERALDO.

MA IS QUE ISSO, EM SUAS LETRAS E MELODIAS, ELE COLOCOU SONHOS,

TRISTEZAS, ALEGR IAS E IMAGENS QUE POVOAM O UNIVERSO BRASILE IRO.


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