História das Escolas de Samba (Fascículo 1)

Page 1



A primeira escola de samba Deixo Falar e nasceu no bairro carioca do

chamavaMse

Estócio de Só. A Estação Primeiro de Mangueira ven-

ceu os prime iros de sfiles das e scolas. E Portela é a escola de sa mba que mais titulas E desde quando existem escolas de

samba? A partir de hoie, você ficaró sabendo o que é um mestresala, como surge um sambaenredo, desde quando e xiste a Estação Primeira de Mangueira, etc. Todas a s informações- sobre

as escolas de samba estarão ne sses fa scículos, lançados quinzenalme nte

e

acom-

panhados de um disco grótis com a s músicas das escolas

de samba e depoimentos dos grandes sambistas, com texto do jornalista

'

..

,".

conquistou, sendo a única, in-

clusive, que ló levantou um hepta campeonato. O Im· pério Serrano, por sua vez, iniciou a sua carreira conquistando quatro primeiros

lugares consecutivos.

Tudo isso você vai ficar sabendo em detalhes. De quin' ze em quinze dias passe na sua banca e compre o seu

fascículo de A HISTÓRIA DAS ESCOLAS DE SAMBA. E ganhe um disco grótis. São B fascículos



A quadrinho pode não ter grande valor literário, mas sua importOnci.o histórica é ine~ g6vel: foi publicada no dia 12 de novembro de 1842, no número 64 da revista pernambucana Carapucelro, por Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama. Ela s6 não registra pela primeira vez a palavra samba porque no dia · 3 de fe: vereiro de 1838 o mesmo frei escrevia na mes-

ma revista contra o que chamou de "sambo d'almocreve". Ei-Ia: Aqui pelo nosso mato, qu' estava então mui tatamba

não se sabia outra coisa senão a dança do samba.

1111

).

Portanto, h6 quase 140 anos a palavra j6 circulava pelo menos em Pernambuco. E definia mais um tipo de dança do que propriamente um gênero mus ical. Vem de semba que, num dialeto falado pelos escravos vindos de Angola e do Congo, significa umblgada. Informa o hist oriador Aires da Mata Machado Filho qué na zona de mineração de Minas Gerais, " os negros corri~,em para semba se alguém lhes fala

em samba.

Via jantes portugueses do Sécu lo XIX descobriram o semba em Angola e no Congo integrando um tipo de manifestação à qual deram o nome genérico de batuque. A narração desses viajantes levou os fo\cloristas brasileiros Camara Cascudo e ~d 'ison Carneiro a concluirem que ex istiam naquela região africana três tipos de dança dentro do batuque: a de umbigada, a de pares e a de roda. O escritor' e viajante português Alfredo Sarmento, por sua vez, define a dança de umbigada da seguinte maneira: "num drculo formado pelos dançadores, indo para o meio um negro ou uma negra que, depois de executar vários pas· sos, escolhe uma pessoa e' dá·lhe uma um· biga da. a que chamam de semba. A pessoa que toma a uMbigada substitui a outra no meio do circulo. Ou seja: o mesmo sistema das rodas cariocas de pernada. Forma·se também um circulo, onde o dançador samba no meio do roda até tirar outro - não com uma umbigada, mas com leve toque com a perna, caso o samba seja leve, ou com ' uma pernada, se o samba for peso do. A descrição dos viajantes portugueses assinalo sempre, no batuque africano, um aspecto que não é tão evidente em nosso samba (ou é, às vezes): o erotismo. Após acentuar que a dança é "essencialmente lascivo", A lfredo Sar· menta diz que "entre o gentio do Canga, o batuque é uma espécie de encenação em que o assunto obrigatório é sempre o história de uma v i rgem a quem são explicados os prazeres misteriosos que a esperam no casamento". A toado é sempre a mesma e o estribilho, que todos contam em coro, botendo as mãos em

cadência e soltando de vez em quando gritos estridentes, é invariável. Esse tipo de música e de dança foi traduzido para o Brasil pelos escravos e desenvolveu·se numa vasto reg ião, chamada por alguns es· tudiosos de órea nacional do sambo. que vai do Maranhão até São Paulo. Em cada Estado, a música e dança dos escravos foram se ~ rans­ formando, perdendo alguns dos seus elementos e adquirindo outros, impostos ou sugeridos pelo ambiente. Essas modificações eram decorrentes também da influência da cultura de escravos de outras regiões africanos. O nome genérico de lundu e baiano espalhou·se por toda a tal área nacional e outros foram surgindo em cadQ lugar: no Maranhão, tambor de crioula; no Rio Grande do Norte, bambelô; no Ceará e Parafba, coco; Piaui, samba e milindô; em Pernambuco, samba, coco de parelha trocada, coco soldo, coco trocado ou coco-depare lha; na Bahia, samba de roda e bate-baú; em Minas Gerais, samba; no Rio de Janeiro, samba, partido a lto, jongo e caxambu; em São Pau lo, samba de roda, samba rura l, samba de lenço e jongo.

3


VIS,TO

},.h... ..J.(>y~, .1# · A-o_ ~

1Itr. . . . fI.IIII1I6

W

.-U?

~

s-.<--:l2 .r;; - J52,. A-......f:~.;-?

.

( ,I

'fI.)

mlp "

1"",

,o. n '"";~_ ~r~ 7

': "'- ~

>_..!..

~- ~f).........-_ ? -i-..-...".._/ "'. <oG~7 ,.... d"~'<':::, ~~ ~__.4'':;;'' ..,.... f"'4'-"~: ----'---- ~~ '" ,.., ~ .JC. .........~-..... .c.....--._..__'"" .......... ~' .:.. , '~, t:'. -ç:;,.-,.,..-",~:.A. ) .-.----7-.; -!-. _~

Co

; _ 8_~

.../. . ~. .,."',,. '~.,

... _._._ .......~r;4i. , :~. ._,

~

'~ L

I

!

iIro.w1o 0.,.1

-~~_~_ _ I ......-

o Rio de Janeiro, sede da Corle Imperial, recebendo não s6 a música e a dança trazida pelos africanos, mas também os músicos e as

danças da moda na Europa, foi produzindo j6 no século passado os primeiros arremedos de uma música urbana tipicamente brasileira. O

lundu, a modinha, a música de choro alé o maxixe,

o

gênero

musical

brasileiro

que

predominou de fins do século passada alé a década de 20. Outras coisas iam acontecendo no Século XIX e contribuindo para que o samba carioca surgisse. Uma délas foi a transferência de

Saúde e fundador do primeiro rancho carnavalesco carioca. em 1893. o Rei de Ouro, "se bem que jó existisse o Dois de Ouro, mas sem

organização pr6pria", como depôs o pr6prio Hilário numa enlrevisla de 1933. Outros destaques na colônia baiana ficavam

por conla das mulheres, lodos chamadas de lias. Tia Sadala, fundadora do Rancho da Sereia, Tia Dadá, Tia Gracinda, Tia Amélia (mãe de Donga). Tia Presciliana de Sanlo Amaro (mãe de João de Baiana) e várias outras. A mais famosa de todas, sem dúvida, foi Tia Si ata.

lalou pela Cidade Nova e adjacências -

uma

região que tinha como limites a Rua Buenos

Aires (enlãa Rua do Hosplcio) ,e os bairros da Saúde e do Eslácio de Sá, com ramificaçães por Malacavalos (hoje, Rua da Riachuelo) e lapa. Havia, é verdade, uma certa rivalidade enlre

quartos. um longo corredor um abacateiro que vivia pelado.

as fo lhas que lhe tiravam para . . . cura'. a os ressacas dos conv'id,ad09 pIIIm.w,.is feslas que Tia Siala participação dos "bambas"

eram os festas na casa de Tia

ilUMlglJel e nas casos das tias de um A mulala Hilária Balisla de Almeida, Tia Siala (alguns dizem Seala, Asseala e Assiala) chegou ao Rio com cerca de 20 anos, na década

de 1870, e foi morar na Rua da Alfândega, na casa de um baiano chamado Miguel. uma espécie de Cônsul Geral da Bahia na Rio de Janeiro. Era casado com outra baiana, Dona

Dongo - Ernesto Maria - certa vez, ditou para sua

uma descrição daquelas um dos mais habituais a quantidade de pessoas uns preferiam brincar

Amélia Quindunde. Tia Siala inslalou·se com um labuleiro na

r ealizavam os batuques;":~~~~,~~~~:~~,:i velhos, com os seus p

Rua Sete de Setembro e passou o frequentar as festas nos casas de outros baianos. destacan-

estas ostentando b~~~,~~:~~~ cabeção de crivo, saias

do-se não s6 pela beleza como pela graça com

Alguns baianos foram se deslocando, como

que dançava. Conheceu o médico negro João

Hilório Jovino Ferreira, morador no bairro da

"~::'i~~~~';:(:~~r: com a conslrllcll f Vargas). na Praça

Que Taco (que locava ca'/acluÍl'~ a Danga a balido do samba de Almeida, João da Mola, P'x inguinho, Didi da Gracinda, tCOX1<:io, Gelúlio da Praia e oulros

baianos e cariocas em matéria de música, mas o foto é que as contribuições de ambos foram se somando.

4

morou na Ruo Visconde de

Sinhô, Oonga, Heitor dos

mão-de·abra baiana (negra) para o Vale do Rio Paraiba e de lá para a Corle quando a cultura de café entrou em decadência. A outro foi também um êxodo de baianos paro o Rio, no fim da Guerra de Canudos. Incorporados às tropas que combatiam Antônio Conselheiro, eles tiveram o direito de vir para o Rio quando a revolta foi vencida. Esses baianos, com suas festas e suas músicas, deram grande animação à vida musical popular da cidade. A grande maioria se ins-

do Chefe da Policia, na época m oslau Brás era o Presidente da ele leve 26 filhos .

Balisla da Silva -

mais lorde chefe de gabi-

de crivo gomadas. Os com cocos de lelha.

ji~...a nhaidc,s

se O samba seria corrido ou


o passaporte documenta os viagens de Donga nos anos 20.

A Biblioteca Nacional atestou em 1917 que "PELO TELEFONe" é de DONGA. Se fosse partido alto, as veteranas ficavam

perto dos tocadores, raiadores e das cantoras de chulas. estas com seus panos da costa, ou chales de rica confecção. Assim que acabava a

parte cantada, as baianas davam inkio à dan· ça, rodondo três vazes em torno dos músicos, fazendo o miudinho (mexendo os quodris) e

deixando cair os chales até o cintura. Os so· pateados dos baianas arrancavam aplausos. O conjunto musical era composto de pandeiros, prato e faco de mesa, um ou dois violões, cavaquinho sem palheta e dois ou três canfores. Quando o samba era importante mesmo, aparecia o maior flautista no gênero, o João Flautim. Foi no casa de Tia Siata que nasceu o samba Pelo Telefone. Antes dele, outros discos foram gravados com a palavra samba e quase sempre não eram sambas, mas foi o Pelo Telefone, registrado como samba, que lançou no mercado um novo gênero musical. A partir dele é que foram surgindo gravações de samba. Quer dizer: foi o Pelo Telefone que desencadeou o processo. Donga registrou o Pelo Telefone em seu nome no segundo livro de registros de direitos au~ torais da Biblioteca Nacional, folha 217, no dia 27 de novembro de 1916. O registro recebeu o número 3.295. Em janeiro de 1917, o Pelo Telefone seria gravado pela Banda Odeon e, em seguido, pelo cantor Baiano, na Cosa Edison. A primeira referência encontrado na imprensa ao Pelo Telefone saiu no Jornal do Brasil de 8 de janeiro de 1917 e foi escrita pelo jornalista Francisco Guimarães, o Vagalume, um dos pioneiros do crônica carnavalesca. Eis a nota, escrita no estilo jornalIstico da época: "Desdamos a Rua do Ouvidor, em demanda do Avenida Rio Branco, quando nos encontramos com o companheiro Mauro de Almeida, o conhecido carnavalesco Peru dos Pés Frios, companheiro inseparóvel de Morcego. O compadre Mauro é como os bondes da Light, anda sempre apressado, a distribuir pilhérias, a contar casos do Brasil e do Argentino, enfim é hoje um dos mais finos e mais espirituosos dos nossos carnavalescos. Entende bem do riscado porque é um excelente e compet~mte cronista carnavalesco e escritor teatral. O compadre Mauro vinha de braço com o Sr. Ernesto dos Santos, Donga, e, nos apresentando. disse: - Aqui tem o Oonga, é nosso irmão, é do cordão, é igual. Tem direito à continência com marcha batida. Que deseja o Sr. Donga?

- Apenas uma noticia de que acabo de compor um tango-samba carnavalesco Pelo Telefone, com letra de Mouro. Pelo Telefone vai ser sucesso carnavalesco deste ano, pois j6 foi distribuldo às bandas militares. " De fato. foi um grande sucesso. Além de ter suo partitura distribuída pelas bandas militares - que animavam o carnaval na época a música foi contada também no desfile dos Democr6ticos, a grande sociedade carnavalesco que contava com a simpatia popular. O jornalista Prudente de Moraes neto, assistiu à entrada dos Democróticos na Avenida Rio Branco, no carnaval, e conto que provocou um grande delirio no público presente, graças principal~ mente 00 Pelo Telefone. Era uma música diferente lembro Prudente. Antes do carnaval, porém, a autoria do Pelo Telefone jó estava sendo colocada em dúvida e vórios autores foram aparecendo. Por via das dúvidas, Donga tratou de voltar à Biblioteca Nacional e ló obteve um atestado, datado de 30 de maio de 1917, confirmando que o samba era seu.

Nascido no dia 5 de abril de 1891 na Rua Maxwel:, no Rio de Janeiro', .e falecido no dia 5 de agosto de 1974, Donga é, Qssim, uma figura importantissima na história do samba carioca. Além de ter feito Pelo Telefone e outras músicas, liderou com Pixinguinho (Alfredo da Rocha Viana Filho - 1898-1972) o famoso conjunto Os Oito Batutas, com o qual viajou para a França e para a Argentino, com grande êxito. A primeira geração do samba carioca era formada por aquele grupo que frequentava a casa de Tio Siata. Oonga, Pixinguinha, China (Otóvio Viana, irmão de Pixinguinha). Heitor dos Prazeres, Caninha (José Luiz de Moraes) e outros. O maior destaque, porém, caberia a José Barbosa da Silva, o Sinhô. detentor do tltulo de O Rei do Samba.

Nascido a 18 de setembro de 1888, na Rua do Riachuelo, filho do pintor de paredes Ernesto Barbosa da Silva, Sinhô começou a aprender flauta desde criança, a pedido do pai. Mas abandonou logo o instrumento, trocando-o pelo cavaquinho e pelo piano. Seu primeiro emprego foi o de pianista da Sociedade Danças Clóvis Invencivel, considerada a primeira gafieira do Brasil e fundada em 1906. Depois, trabalhou muitos anos na Kananga do Japão e na Casa Beethoven, na Rua do Ouvidor, onde tocava para os compradores de partituras musicais.

Durante a década de 20, não houve um ano que não aparecesse um sucesso de Sinhô. Era tão talentoso quanto vaidoso e tratou logo de arranjar uma rivalidade com o grupo de Pixin~ guinha. Essa rivalidade demonstrou logo no titulo de uma das suas músicos: Quem são ele51-Já te digo foi o título resposta do trio Pixinguinha, China e Oonga: "Um sou eu/E o outro não sei quem é/Ele sofreu/Por usar colarinho em pé/Vocês não sabem que é ele/Pois eu vos digo/Ele é um cabra muito feio/E fala sem receio/Sem medo de perigo/Ele é alto, magro e feio/E desdentado/Ele fala do mundo inteiro/E jó estó avacalhado/Na Rio de Janeiro/No tempo que tocava. flauta/Que desespero/Hoje ele anda janota/As custas dos trouxas/Do Rio de Janeiro." Sinhô replicou com Três macacos no beco, referindo-se, evidentemente, a Pixinguinha, Donga e China. Apesar do sucesso, o compositor e pianista ainda alimentaria rivalidades durante muito tempo. Um dos seus rivais era Hilório Jovino Ferreira, que também respon· deu o Quem são eles? com o samba Não és tão falado assim. Além do Já te digo, Donga dera uma outro resposta : Fica calmo que aparece. Heitor dos Prazeres acusava Sinhô de ter lançado em seu nome dois sambas dele, Heitor: Ora veiam só e Gosto que me enrosco. Contava inclusive que ao procurar o Rei do Sambo paro reclamar a apropriação indébita, recebera uma resposta que ficou famoso na história do música popular brasileiro: Samba é como passarinho: é de quem pegar. A solução encontrada pelo sambista Heitor dos Prazeres foi compor dois sambas COl'ltra Sinhô: Olha ele, cuidado e Rei dos meus sambas. No dia 4 de agosto de 1930, Sinhô morreu, depois de sofrer uma hemoptise a bordo do barca que o conduzia da Ilha do Governador paro a Praça Quinze.

5


fazem como por serem uma tradição do car-

naval brasileiro. E mais: foi neles que as es-

o desfile dos escolas de samba, no domingo de carnaval, atrai a presença de centenas de milhares de pessoas, .. nquanto em todo o pais, milhões de pessoas acompanham o apresen-

tação das escolas, através dos estações de ródio e de televisão. Na segunda-feira, à noite, desfilam os ran-

chos

carnavalescos.

Nenhuma

estação

de

televisão presente, um ou outro repórter de ródio e as arquibancadas vazias. Os ranchos, pobremente vestidos, fazem um desfile ao mesmo tempo triste e bonito, com suas ITricas marchas e seus maravilhosos passos. Hó quem sugira até que o governo da cidade deixe de aiudó-Ios, por não despertarem interesse. Os ranchos carnovales~os, no entanto, merecem ajuda, não só pelo.desfi le bonito que .>

colas de samba se basearam para se forma~ rem. Copiaram toda a sua estrutura de desfile, concorreram com eles durante muitos anos na disputo pelo interesse popular e acabaram por esmagó-Ios. Até que os escolas de samba surgissem, os ranchos reinaram absolutos no carnaval de rua. Era nos ranchos que se cantava sambo. Em seu livro - hoje rarfssimo - Na Roda do Samba , o jornalista e pioneiro da crônico carnavalesco Francisco Guimarães pergunta: Quais foram os f.undadores da Flor do Abacate? De onde vieram os iniciadores do Ameno Resedá, na ilha de Paquetó, naquele famoso piquenique? Quem era a gente das Filhas da Jar· dineira, no Morro de São Carlos? Quem organizou o Quem Fala de Nós Tem Paixão? A gente do samba. Todos os nomes citados por Francisco Guimarães foram ranchos famosos principalmente nos primeiros trinta anos deste século.

Um deles, o Ameno Resedá, chegou a merecer um livro biogrófico escrito por Jota Efegê, chamado Ameno Reoedá - o rancho que foi escola. De fato, como lembrou Francisco Guimarães, o Ameno Resedá nasceu durante um piquenique na ilha de Paquetó, num domino go, dia 17 de fevereiro de 1907. Outros ran· chos surgiram antes dele, como lembrou um dos seus pioneiros, Hilário Jovino Ferreira, em entrevista concedida ao próprio Francisco Guimarães, em 1931: - Em 6 de janeiro de 1893, estava eu no botequim " Paraiso" , na Rua Larga de São Joaquim (hoje Marechal Floriano Peixoto). entre as ruas Imperatriz e Regente, em companhia de vários baianos que costumeiramente ali se reuniam, quando lembrei-me do festa dos Três Reis Magos que na Bahia se comemorava naquele dia. Estavam presentes o Luiz de França, o Avelino Pedro de Alcantara, o João Côncio Vieira da Silva, e eu propus o fun dação de um rancho. Passando a idéia em julgado, a li mesmo dei o nome de Rei de Ouro. Na


mesma hora, num armarinho de um turco, fro ntei ro ao botequim, comprei meio metro de pano verde e meio metro de pano amarelo e fiz um estandarte no estilo da Bahia para os en saias. Ninguém mais descansou. O pessoal sa iu avisando que à noite havia um chó dançante em minha casa, no Beco João Inácio, número 17, na Saúde. - Na hora aprazada - prosseguiu Hilórioentre outros, ló estavam: Cleto Ribeiro, a Gracinda, que ainda hoje vende doces na Gruta Ba iana, ao lado do frontão, e o Noela, que eram duas baianas influentes. Às tantas da noite, reuni o pessoal e disse qual o fim daquela brincadeira e então ficou definiti vamente fundado o rancho, o primeiro rancho carioca, se bem que jó existisse o Dois de Ouro, mas sem organização própria. - O Dois de Ouro era do Leôncio de Barros Lins, operório do Arsenal de Marinha e fun· cionava também no Beco João Inócio, número 15, isto é, era nosso vizinho - parede com parede. Devo dizer que não era propriamente w

w

um rancho, era um arremedo, pois sala e le na burrinha e as filhas Amância, Aniceta, Gabriela e outras pessoas da famflia e mais o Manduca das Mercês. A apresentação dos ranchos nos d ias de carnaval atraia a presença de grande público, principalmente depois que seu desfile passou a ser promovido pelo Jornal do Brasil. Depois, os estandartes dos ranchos ficavam em exposição no saguão do jornal , em sua sede, na Avenida Rio Branco. Centenas de ranchos surgiram e desapareceram desde que nasceu o Re i de Ouro. Quase todos os bairros cariocas jó tiveram os seus e hoje os poucos existentes são mantidos geralmente por força de tradição familiar. Além dos ranchos carnavalescos, outros grupos existiam nos primeiros anos do século, conhecidos pelo nome genérico de b locos, embora muitos deles fossem chamados de cordões. O compositor Oonga, nas recordações que d itou para sua f ilha ligia Santos, lembrou de muitos deles:

"Em São Cristóvão, na Igrej inha, sa lientavase o cordão Machad inha, d irigido por Pedro Machado, João Tatu e seus irmãos, Flor de Es· perança, na Rua da Esperança, dirigido por Boizinho e Carlos Dias. Em V ila Isabel, o Rosa de Ouro e o Grupo Zoológico, criado por Amélia Silvana de Araújo e seus fi lhos. Em Pau la Matos, exist ia o Prazer do Floresta, sob a direção do pessoal do Catumbi. No Rio Com· prido, imperava o Estrela do Engenho Velho, organizado por Alfredo Barão, além do cordão Teimosos da Chama. Na Saúde, o Chuveiro de Prata, dirigido por Juventino e Artur Mulati nho. Havia a bandeira dos blocos, conduzida pela porta-estandarte e seus auxiliares. Era levada, quase sempre, pela esposa do principal dirigente e pesava muito. Deixar cair o estandarte era péssimo para o cordão e uma grande alegria para os grupos rivais , que comemoravam ruidosamente a queda. Dal, explodiam pancadarias, com tamborins voa ndo pelos ares, pandeiros quebrados, etc." w

7


Enquanto os maiorais do samba se consagravam nas gravadoras e nas revistas teatrais, um grupo de jovens sambistas desenvolvia no bairro do Esfácio um samba bem diferente daquele que era gravado e se preparava para fundar no dia 12 de agosto de 1928 a primeira escola de samba, a Deixa Falar.

A PRIMEIRA ,

ESCOLA o samba oficial, o samba gravado, ainda era impregnado de maxixe, o gênero musical que predominava desde os anos 80 do Século XIX. Jó o samba que era feita pelo pessoal do Esfóeio assemelhava-se mais ao samba de carnaval que predomina até hoje. O pesquisador Francisco Duarte acha que foi o compositor Rubem Barcelos o primeiro a fazer esse tipo de samba, em 1923, versão que é confirmada pelo compositor Bucy Moreira, neto de Tia Siata em cuja casa, na Praça Onze, morava na época: - Um dia, minha mãe me mandou comprar manteiga na padaria pro eu tomar café antes de ir para a escola. Naquela época eu estudava na Escola Benjamim Constant, na Praça Onze. Quando eu sai da padaria, vi quatro camaradas reunidos: era o Zeca Tabaco, um rapaz que tinha o apelido de Brinco, Edgar, com aquela camisa de malandro caracteristica dele, e ó Rubem, que era muito alto, com aquelas orelhas de abano, aquela fisionomia meio grega, tudo 16 cantando um samba. Eu cheguei e perguntei: "O que é isso?" E disseram: "Isso é um samba moderno que o Rubem fez". E cada um dizia um verso de improviso. Mas eu não me lembro como era o samba, não. O primeiro a gravar esse tipo de samba foi o Bide, que gravou A Malandragem com o Francisco Alves. O compositor Ismael Silva, um dos bambas do Est6cio, também tem a sua versão para o novo samba que surgia no bairro: - Quando comecei, o samba da época não dava para os grupos carnavalescos andarem na rua, conforme a gente vê hoje em dia. O estilo não dava para andar. Eu comecei a notar que havia essa coisa. O samba era assim: tan tontan ton tontan. Não dava. Como é que um b loco ia andar na rua assim? Ai, a gente começou um samba assim: bum bum paticubum prungundudum. Os pontos de encontro dos sambistas do Estócio eram dois botequins: os Cafés Apolo e do


Compadre, ambos instalados em prédias ió derrubados. Lá se reuniam Rubem Barcelos e o seu irmão Alceblades (o Bide). Ismael Silva, Oswaldo Vasques (o Baiaco). Silvio Fernandes (o Brancura). Nilton Bastos, Edgar Marcelino dos Passos (Mano Edgar). Aurélia Gomes e outros. O compositor Evaldo Rui escreveu, pouco antes de morrer (em 1954), uma crônica para a Revista da Música Popular, lembrando o Café do Compadre, o qual só não freqüentava porque ainda era criança. Escreveu ele: Duas portos davam para a velha Rua do Estácio. Do lado da Rua Pereira Franco ficavam as outras t rês. As mesas eram de mármore, daquelas que hoie ió não existem ... Ao fundo, sobre um palanque, uma enorme vitrola "ortofônica" e , colocada acima do vitrola, uma imagem de São Jo rge.

Havia vórios blocos carnavalescos no Estócio e adjacências, inclusive um comandado por Rubem Barcelos, chamado União Faz a Força. E antes mesmo de ser criada a Escola de Samba Deixa Falar, os seus compositores já se tornavam conhecidos pela cidade por causa dos seus sambas. O primeiro deles foi A1cebiades Barcelos, o Bide (1902-1975). que foi procurado pelo cantor Francisco Alves numa ga~ fieira, a Estrela Dalva, conforme depoimento dado pelo próprio Bide e que consta do disco que acompanha este fasciculo. O mesmo Bide foi o intermediório do encon~ tro de Francisco Alves com Ismael Silva, em 1927. Ismael vendeu ao cantor, por cem mil réis, o samba Me Faz Carinho. E daí foi feito um acordo estabelecendo que todos os sambas compostos pela dupla Ismael Silva e Nilton Bastos seriam gravados por Francisco Alves, que apareceria também como autor.

Naquele ano de 1927, no dia 15 de iunho, o Est6cio de Só e o samba carioca perderiam uma das suas principais expressões: Rubem Bar~ celas, que morreu com 23 anos de idade apenas. As primeiras reuniões para a criação da Escola de Samba Deixa Falar foram realizadas no Bar Apolo e numa casa de habitação coletiva, na Rua Maia Lacerda, onde morava o com~ positor Ismael Silva em companhia de um amigo, conhE.·cido como Manezinho. Naquelas reuniões, ficou acertado que o nome da escola seria Deixa Falar - uma resposta aos sambistas de outros locais que se julgavam melhores do que os do Estócio de Só. As cores escolhidas foram o vermelho e o branco, as mesmas do Bloco União Faz a Força, de Rubem Barcelos, e do América Futebol Clube, cuia sede ficava nas proximidades. E quem inventou a expressão escola de samba? Você sabe, Ismael Silva? - Fui eu . É capaz de você encontrar quem diga o contrório. Mas fui eu, por causa da Escola Normal que havia no Estócio. A gente falava assim: é daqui que saem os professores. Havia aquela disputa com Mangueira, Oswaldo Cruz, Salgueiro, cada um querendo ser melhor. E o pessoal do Est6cio dizia: deixa falar, é daqui que saem os professores. Daí é que veio a idéia do nome escola de samba. O prédio on~ de era a Escola Normal ainda continua 16, na esquina da Joaquim Palhares com Machado Coelho. Agora é uma escola primória. No fim dos anos 30, alguns nomes da Escola de Samba Deixa Falar j6 eram famosos como sambistas. Dois deles - Ismael Silva e Nilton Bastos - gravavam os seus :iambas com Francisco Alves. Edgar Marcelino dos Passos - o Mano Edgar-fazia seus sambas correrem pela

cidade de boca em boca. O mesmo acontecia com Baiaco, Brancura e A1cebíades Barcelos. Este não apenas como compositor, mas também como ritmista, lançando inclusive um novo instrumento de percussão, hoje vital em qualquer bateria, o surdo. Nas rodas de samba dos anos 20 o surdo não aparecia. Nem mesmo na Praça Onze, durante os desfiles dos blocos e das primeiras escolas de samba. O compositor Ernane Alvarenga, da Portela, lembra-se inclusive da formação da bateria da sua escola quando ela ainda se chamava Vai Como Pode e ainda não era escola de samba, mas bloco: - Tinha pandeiro, cavaquinho que eu tocava, cuica. Surdo não tinha. Escola nenhuma tinha surdo. Foi o pessoal do Estócio que apareceu com surdo. A Estação Primeiro de Mangueira também não tinha e quem deu o primeiro para o escola foi Sílvio Caldas, conforme recorda um dos seus fundadores, o compositor Cartola: - Quem tinha surdo era o pessoal do Estócio. Aí, o Sílvio Caldas deu um à Mangueira. O compositor Bucy Moreira desconfia até que foi o Bide quem inventou o tamborim, mas numa entrevista concedida meses antes de morrer afirmou não se lembrar de ter inventado o tamborim. O surdo, sim, ele se lembrava de ter inventado, aproveitando-se de uma lato de manteiga das grandes. A mensalidade dos sócios da Escola de Sam· ba Deixa Falar era de cinco mil réis, quontia que hoje teria que ser escrita assim: Cr$ 0,005. O cantor Francisco Alves tratou logo de entrar poro sócio e quando a escalo ia para a Praça Onze ele acompanhava, com os ouvidos sem~ pre atentos em busca de um sambo para gravar.

9


•••

Depois do carnaval, o Rancho Carnavalesco Deixa Falar entraria numa crise de diretoria por causa de desvio de dinheiro e desapareceria. A maioria dos seus integrantes transf~riu-se para uma outra escola de samba que nascia no Estócio de Só, o União do Estócio. Foi grande o saldo deixado pela Deixa Falar para a música popular brasileira e paro o carnaval carioca. Com ela, nasceram as escolas de samba. Foi ela que criou o surdo. Lançou um novo tipo de sambo, o samba carnavalesco que foi combatido pelos compositores mais famosos da época mas que, mesmo assim, acabou prevalecendo sobre o sambo que predominou nos anos 20. José Barbosa da Sil· va, o Sinhô, por exemplo, numa entrevista concedida ao Diórlo Carioca em 1930, espinafrou a música que surgia no Estócio de Só, quando lhe perguntaram sobre o evolução do samba: - A evolução do samba l Com franqueza, eu não sei se ao que ora se observa devemos chamar evolução. Repore bem as músicas deste ano. Os seus autores, querendo introduzirlhes novidades ou embelezó·las, fogem por completo ao ritmo do samba. O samba, meu caro amigo, tem a sua toada e não pode fugir dela. Os modernistas, porém, escrevem umas coisas muito parecidas com marcha e dizem "samba." E ló vem sempre a mesma coisa: "Mulher! Mulher! Vou deixar a malandragem!" "A malandragem eu deixei." "Nosso Senhora da Penha,""Nosso Senhor do Bonfim." Enfim, não fogem disso. Sinhô morreu naquele ano de 1930 e os sambistas do Estócio se tornaram famosos. Ismael Silva, por exemplo, foi um dos compositores que mais sucesso fez até 1935, quando se separou de Francisco Alves. Alcebiades Barcelos também veria suas músicos contadas em todo o Brasil, como aconteceu. por exemplo, em 1934, quando o seu samba Agora é cinza (parceria com Armando Marçal). gravado por

10

Mório Reis, venceria o concurso do então Prefeitura do Distrito Federal. Brancura tornaria famoso o samba Deixa esta mulher chorar e a dupla Baiaco e Aurélio Gomes conheceria o êxito com o samba Arrasta a sandólia. Nos carnavais de 1929,1930 e 1931, a Escola de Sambo Deixa Falar desfilava na Praça Onze e visitava outros redutos de samba, como a Mangueira, Favela, Salgueiro e Oswaldo Cruz. Naquela época, era hóbito a troca de visitas de sambistas das vórias regiões cariocas. O compositor Cartola lembra-se, inclusive, de um samba que fez para receber na Mangueira uma delegação do Estócio de Só: " Muito velho, pobre velho Vem subindo a ladeira Com a bengala na mão É o Estócio, velho Estócio Vem visitar a Mangueira E trazer recordação Professor, chegaste a tempo Pro dizer neste momento Como podemos vencer Me sinto mais animado A Mangueira a seus cuidados Vai à cidade descer." Como se vê, o pessoal do Estócio impunha respeito aos outros sambistas. Ismael Silva conta que pelo fato de vórios dos seus com~ positores jó gravarem músicas, os integrantes da Deixa Falar concorriam também para tornar conhecidos os sambas dos outros lugares. - Nós ajudamos muito o Portela. Ajudar no sentido de divulgar, promover. A Mangueira também nós ajudamos bastante. O pessoal do Estócio era sempre convidado para ir a todos esses lugares. Nós tlnhamos muito prestigio na época . Você vê o Noel Rosa. Quantos sambas

RIR PARA NÃO CHORAR

ele fez falando do Estócio? A gente ia à Portela, no tempo do Paulo, e ouvia os sambas deles. Ai a gente divulgava por aí, entende? Perguntavam: de onde é esse samba? A gente respondia: Portela. Em 1931, a Escola de Samba Deixa Falar perdeu dois dos seus mais importantes compositores. Em 8 de setembro, vitima de tuberculose galopante, morreu Nilton Bastos, o Mano Nilton. E no dia 24 de dezembro, morreu Edgar Marcelino dos Passos, assassinado numa roda de jogo de ronda. O compositor Bucy Moreira fica emocionado quando fala do Mano Edgar: Ah l O Edgar era um mulatinho muito pitoresco, uma maravilha de sujeito. Ele morava no rua Maia Lacerda, no Estócio. Ele morreu assassinado no jogo. O Cadeado teve uma rixa com um tal de João Mulatinho - ou Artur Mulatinho, não me lembro bem. Estava o Furunga também. O Furunga era de outro turma. O pessoal estava jogando no Palhares, no Rua Joaquim Palhares. O jogo era de ronda. O Cadeado prometeu que ia matar o Artur Mulatinho. Quando abriram a porta, o Cadeado foi largando fogo. E acertou no frontal de Edgar. No carnaval de 1932, quando o jornal Mundo Sportivo promoveu o primeiro desfile competitivo de escolas de sambo na Praça Onze, a Deixo Falar decidiu deixar de ser escola de samba para transformar-se em rancho carnavalesco, condição que seu5 dirigentes acharam superior à de escola de samba na hierarquia carnavalesca. E participou de um desfile de ranchos promovido pelo Jornal do Brasil no Avenida Rio Branco, não obtendo qualquer classificação.


FAVEltA DA N05SA, MUSICA oe--;:-

Escola de nba que foi

I

e

~Samba d(l

F~iquei

J

,1"'irnte cidade para 0 m~r,.o u

'

-

A confusão entre os nomes bloco carnavalesco e escola de samba que perdurou até mais ou menos em 1935 faz com que seja muito diffcil estabelecer uma ordem de antiguidade entre as escolas de samba, Além do mais, não h6 qualquer documento provando a dota de inauguração de cada escola, restando somente o palavra dos velhos sambistas. E grande parte dos depoimentos indica que o escola de samba que surgiu logo após a Deixa Falar; foi a Fiquei Firme, do Morro da Favela, vindo o seguir o Estação Primeiro de Mongueira. A Fiquei Firme, que se apresentou na Praça

Onze desde o primeiro desfile de 1932 até os úl-

.-

tirada' na séd.e da es..~ola de Sa.mba \f'FIQUE' li'Ô }í'avela, por occasião da v.i.s ita d.e A PATRIA e osa do sa mb'à' "Se o m.o rro não descer" ;c áquella hor.a a la- nlentos .

timos anos da década de 40, nunca chegou a ser inclufda entre as grandes escolas de samba e jamais passou do oitavo lugar. Mas o Morro da Favela era famoso como um reduto de sambistas e por ter lançado a expressão favela para designar os aglomerados de barracões que começaram a se espalhar pelo Rio de Janeiro a partir do inicio do Século XX. Seus primeiros habitantes foram os baianos que se incorporaram às tropas federais que combateram os revoltosos de Canudos, segundo conto H. Dias da Cruz em seu livro Os Morros Cariocas no Novo Regime. escrito em 1941: Terminara a luto no Bahia. Regressavam os tropas que haviam dado combate e extinguiram o fanatismo de Antônio Conselheiro.

11



Muitos soldados solteiros vieram acompa· nhados de "cabrochas" . Elos queriam ver a Corte ... Esses soldados tiveram que arranjar mo· rodas . Foram para o antigo morro de São Diogo e , oi, armaram o seu lar. As " cabrochas" eram naturais de uma serra chamada Favela, no municipio de Monte Santo, naquele Estado. Falavam muito, sempre do suo Bahia, do seu morro. E Ficou a Favela nas terras cariocas. Os barracões Foram aparecendo, um o um. Pri· meiro, no aba da Providência, morro em que já morava uma numerosa população; depois, Foi subindo, virou para 'o outro lado, para o li· vramento. _ Nascera a Favela, 1897 . Dias da Cruz inForma também que Foi lá que surgiu o " malandro" : Dando baixa, os soldados, pela falta de trabalho, que constitufa crise séria na época, continuaram na colina. Surgiu, então, o "malandro ". O censo de 1920 informou haver 839 domicilias e seis casas comerciais no Favela, vin· do a seguir o Salgueiro com 190 domicilias - e não Falava na Mangueira. Em 1933, ' a Estatis· tica Predial do Distrito Federal apontava 1.504 cosa s na Favela e 609 no Salgueiro. Dado a proximidade com o bairro do Estácio de Sá, é possível que a expressão escol a de sa mba tenha se transFerido logo poro o Morro da Favela. Além disso, havia um intercâmbio

_. . .

_ _ _ - ___ I

.. ..........

'-k

..... -.,.., ..........

_ _ _ _ _ a....- ... _

"'

~

-~

' _._ .

"-

~.Ioo_

entre o pessoal do morro e o pessoal de samba de outros lugares, como indica uma nota publicada na imprensa em janeiro de 1929, dando conta de uma batalha de confete' promovida pelo Esporte Club'e Carioca, instalado na Favela, que contou com a participação da Deixa ' Falar e de blocos da Mangueira, Dona Clara, Osw aldo Cruz, São Carlos, Saúde e Santo Cristo. além de " um policiamen· to muito severo, não s6 do O itavo Distrito como da Policia Central". Entre os fundadores da Escola de Samba Fiquei Firme não Figura nenhum nome Famoso: Severino Ramos , Constantino Tavares, Roldão Cardoso, Jacob Guimarães, André Ferreira e Leonel Barbosa. Havia três porta·bandeiras na escola: Guiomar dos Santos, Ermelinda Silva e Jandira Machado. Uma das raras vezes em que a Fiquei Firme obteve alguma projeção aconteceu em 1934, quando Foi Feito no morro O filme Favela dos Meus Amo r es. Em depoimento prestado numa contracapa de um disco de Sílvio Caldas, o diretor do Filme e escritor, Henrique Pongetti, conta: Diziam lá em cima que o Moleque 19, o Baiano e o Jacob eram criminosos de morte; que mesmo garantidos pela jurisdição do Largo da Pedra e pe la autoridade belicosa do saudoso presidente da Escola de Samba Fiquei Firme, corriamos risco de vida. Mentira. Tratados com humanidade, bem pagos, aqueles marginais temíveis eram flores de gente, diremos melhor, tulipas negras de gente. Suportavam com um sorriso nossos gritos malcriados, irreprimíveis na tensão nervosa da FiI· magem sem conForto e sem recursos técnicos; passavam com mão leve de irmãos e de enFermeiros o álcool com polvilho em nossas bolhas d'água estouradas -no pele pelo sol de verão espelhado pela pedreira; não tomavam conhecimento dos brilhantes de Carmem Santos, enormes e legitimas, Fingindo achá·los vidrentos e baços demais até para o colar de uma porta-estandarte . Depois do desaparecimento da Fiquei Firme, surgiu uma outra em 1950 no mesmo lugar, a Escola de Samba Corações Unidos da Favela, mas também não teve qualquer destaque e desapareceu quatro ou cinco anos depois. A Portela também disputa uma boa antiguidade, pois como b loco carnavalesco foi fundada também sem qualquer documento para provar - em 11 de abril de 1923. A Estação Primeira de Mangueira, por sua vez, que já nasceu como escola de samba, coloca em seus próprios papéis timbrados a data de 30 de abri l de 1928 como de sua Fundação. Casa isso fosse verdadeiro, ela seria o primeira escola de samba , ~ma vez que a Deixa Fa lar só Foi Fundada

no dia 12 de ogosto daquele ano. E os próprios mangueirenses do velho guardo, inclusive o compositor Cartola, um dos principais Fun dadores da escola, reconhecem que a Deixa Fala~ foi a primeira. A Unidos da Tijuca, que desfila até hoje, também participou do desfile de 1932 e foi uma das grandes escolas de samba dos anos 30 . Outras escolas da época que contavam com nomes famosos desapareceram anos depois. Uma delas foi a Vê Se Pode, do Morro de São Carlos, e o seu nome teve que ser mudado para Paraíso das Morenas por imposição da censuro, segundo afirmou um dos Fundadores, o compositor e ritmista Bucy Moreira. Foi da união dessa escola com a Recreio de São Carlos e a Cada Ano Sai Melhor que surgiu a atual Unidos de São Carlos. Um dos componentes de mais prestigio da Vê Se Pode na época de sua fundação, além de Bucy Moreira, que era o diretor de harmonia, foi o tocador de cuica João Alves de Jesus, o João Mi_na, que os velhos sambistas apontam, simp lesmente, como o inventor do cuica no samba. A propósito, quando se sabe que uma bateria atualmente poete apresentar 200, 300 integrantes, vale a pena relacionar todos os integrantes da bateria da Escola de Samba Vê Se Pode, no ano de 1933: Cuícas, João Mino e José Batista; tamborins, Humberto Bitencourt, Nelson dos Santos, Sebast ião Gonçalves da Silva, Humberto de Assis , N icanor Gomes, Jair Guedes e Lourival Loureiro ; cavaquinho, João Luiz dos Santos; banjo, Waldemar dos Santos; surdo (chamado na época de caixa-surda). Claudionor da Costa e, no reco-reco, João Belo. No Rio Comprido havia uma escola de samba chamada Fale Quem Quiser e tinha como compositor um jovem chamado Ataulfo Alves, empregado de um armazém do bairro. Ainda no Estácio, havia uma outra escola, a De Mim Ninguém Se Lembra, que contava com grande simpatia popular por causa de Heitor dos Prazeres, que desFilava tocando cavaquinho. Heitor, ali6s, participou da Fundação da Portela e foi ele quem desenhou as primeiras bandeiras do escola. Entre as primeiras escolas de samba, destacava -se também a Viz inha Faladeira , do bairro da Saúde, responsável pelo lançamento de um excelente compos itor de samba, Raul Marques, A Vizinha Faladeira foi a campeã do carnaval de 1937, um dos raros anos em que o título não Foi para a Portela ou Mangueira (campeãs obrigatórias daquela época). Império Serrano ou Acadêmicos do Salgueiro (que surgiram mais tarde). Outro ano que deu zebra foi o de 1936, quando a vencedora foi o Unidos da Tijuca.

13


SAIBA O QUE VOCÊ VAI OUVIR. A MALANDRAGEM (Alcebíades Barcelos e Francisco Alves) Primeira música de um

compositor de escola de samba a ser gravada. foi um dos grandes sucessos de Francisco Alves nos últimos anos da década de 20 (gravação de 1927: Odeon - 10.113·B) . Embora Alcebíades Barcelos. o Bide, afirme em seu depoimento

que abre o disco que acompanha este fascículo ter apenas concedido parceria a Francisco Alves, o fato é que, no disco original, aparece apenas o nome do cantor como autor. Na discografia de Francisco Alves elaborada pelo crítico e historiador Ary Vasconcelos, A MALANDRAGEM está com o nome dos dois. E na

relação de 150 mil músicas brasileiras feita pelo Serviço de Direito Autoral "(reunindo músicos da UBe, SBAeEM e SADEMBRA) não consta A MALANDRAGEM.

O depoimento de Bide que abre o disco

foi colhido em outubro de 1974. em sua própria casa, num aparelho cassete, em meio aos ruídos normais da casa. Em abril de 1975, ele morreu. Intérprete MARCIO LAOTTI

EXALTAÇÃO A~TIRADENTES (Mano Décio da

Viola, Penteado e Stanislaw Silva) - Foi o primeiro samba-enredo a ultrapassar os limites da e scola de samba, espalhando' se pela cidade

antes mesmo de sua primeira gravação, para o carnaval de 1956, por Roberto Silva. Cantado

pelo Império Serrano no carnaval de 1949

tando uma música. Sonhando mesmo. Aí, acordei a mulher: " Noca, levanta." Ela perguntou: "levanta pro quê?" E comecei a cantar, pedindo a ela para fazer coro comigo. Na segundafeira , nem fui trabalhar. Fui para a feira comprar peixe e fiz o almoço. Mais tarde, veio lá em casa ° Rubem Pepé, que tocava violão. Depois apareceu o Vinte e Oito, foi chegando o Molequinho. Peguei um livro do primeiro ano ginasial de minha !ilha e foi nascendo a samba TIRADENTES. Faltava a segunda parte. Ai me

lembrei do Penteado. Ele tinha um samba com uma primeira parte fraca mas a segunda muito boa. Quando foi ali por volta das cinco-horas, Penteado foi passando e viu aquela rapaziada toda lá em casa. E como ele é muito ciumento chamei: " Vem cá, compadre! " Ele respondeu: "O pessoal está reunido, o que é que eu vou fazer o{."r Eu disse: "Mas tem lugar pro você também." Foi chegando todo ressobiado 'e quando encostou, nós cantamos a primeira parte do samba que eu tinha feito. Ele escutou,

nós repetimos. Quando ele foi tomando gosto, eu joguei uma pedra em cima dele: "Se você jogar aquela segunda, vê se casa com a primeira ." Ele tremeu, cantei, mandei cantar outra vez e , de repente, perguntei: "Pode ficar essa segunda, não pode?" Quando ele autorizou , eu falei: " Está pronto o samba~ " levamos o samba para o primeiro ensaio da quinta-feira. O .,Império ganhou alma nova ." Int erp rete JORGE G OULART

-

O pessoal da Serrinha (da Escola de Sam·

ba Prazer da Serrinha) começou a ficar chateado comigo, mas acabei indo mesmo para o Império. logo no primeiro ano, eu e Silos de Oliveira fizemos um samba para o enredo

e Candoca

da

1930 pela Parlofon com

O

Bando dos Tangarás

foi a primeira música a usar o ritmo das escolas de samba num estúdio. Candoca da Anunciação (pseudônimo do violoncelista e professor de Música do Colégio Pedro 11, Homero Dornellas) fez o primeira par· te e encarregou Almirante (Hen rique Foreis Domingues) de fazer a segunda. Conta AI· mirante em seu livro NO TEMPO DE NOEL ROSA: " Concluído o samba e apresentado aos

companheiros do Bando dos Tangarás. surgiu logo a idéia de levá·lo para os discos, de

maneira s ui-generis, até então jamais tentada na história das gravações no Brasil: o NA PAVUNA seria

gravado

com

a

batucada

própria das escolas de samba. Arrebanhamos alguns tocadores de tamborins, cuícas, surdos e pandeiros, entre aqueles adeptos de vários mestres na matéria. Seus nomes, entretanto, alguns nem fixamos. Um deles tinha o apelido

de Andarai, preto forte , tão compenetrado em seu instrumento que tocava tamborim de olhos fechados , como em êxtase. Outro se tornou conhecido como Canuto, preto, magro, alto, calmo, afinadíssimo, e que cantava baixinho. com "sentimento profundo", segundo ele mesmo declarava, era lustrador de móveis e nascera com um nome pomposo - Deocleciano da Silva Paranhos."

MARTIM eERERÊ (Zé Catimba e Gibi) -

Som'

ba - enredo da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense de 1971. acabou se transfor· mando em trilho sonoro da novela BANDEIRA

DOIS, cuias cenas muitas vezes se passavam numa quadra de escola de samba. Havia. inclusive, um personagem na novela com o nome de Zé Catimba , o mesmo de um dos autores do samba. In t érp rete ZÉ CATIMBA

TIRADENTES que não loi aceito. Fizemos três

PRIMEIRA ESCOLA (Pereira Matos e Joel de Almeida ) - Um sambo muito importante pelas

sambas e nenhum foi aceito. Aí, num domingo, fui pro casa e dormi. E sonhei que estava can-

informações contidas na letra, fazendo uma pequen~ história das escolas de samba.

14

(Almirante

lançada para o carnaval de

Inte rp rete LUI Z CARLOS ISMAl l

EXALTAÇÃO A TIRADENTES é considerado u";

clássico do samba-enredo. Num depoimento gravado que prestou ao autor destes fascículos, o compositor Mano Décio da Viola contou que o samba marcou o seu ingresso na Escola de Samba Império Serrano, na qual deveria ter entrado no ano anterior - o primeiro de vida da escola. Disse ele:

NA PAVUNA

Anunciação) -

Intérprete JORGE GO Ul ART

O MUNDO ENCANTADO DE MONTEIRO LOBA TO (Batista, Darcy da Mangueira e Luiz) - Samba·enredo também da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira (1967), tem o

seu pioneirismo: foi o que introduziu o sambaenredo no consumo. A gravação feita pela cantora Eliana Pitman foi muito executada pelas estações de rádio e vendeu muitos discos - fato inédito num samba-enredo. A partir dele, esse tipo de samba passou a ser Illais gravado e acabou por se transformar numa das certezas de sucesso. Intérp ret e JORGE GOULART



Bide. Baiaco. Carlos Cachaça. Ventura.

Através da leitura dos 8 fasdeulos, você acompanharó a

evolução das escolas de samba. desde os tempos pioneiros. em que os sambistas para cantarem e dançarem tinham que recorrer às casas

ne macumba. pois a policia acabava com todas as rodas de sambo. Como as músicas

do samba e das macumbas não tinham diferença para a polícia. o disfarce durou

muito tempo. Até que o truque foi descoberto.

Espinguela,

Juvenal Lopes. Cartola. Paulo da Portela. Flóvio Costa. Antenor Gargalhada. Zé Com Fome,

Alvaiade,

Rufino.

Casemiro Calça Larga. Armando e Norberto Marçal. Mano Décio da Viola. Silos de Oliveira. Mortinho da Vila. Tolito. Preto Rico. Candeia. Raul Marques. Sinhozinho. Monaeeia, Aniceto Menezes,

Bucy Moreira. Natal. Babaú. Alvarengo, Serva" de Car-

valho. Walter Rosa. Mestre Fuleiro. Xangõ. Betinho. Waldomiro. Saturnino Gonçalves. Claudionor, Heitor dos Prazeres e tantos outros nomes, desfilam nos 8 fascículos como pioneiros das

escolas de samba, ou como sambistas que hoi_ susten· tam o grande desfile de cor· naval

"O espetáculo mais estranho

no carnaval deste ano" - foi como o jornal O GLOBO classificou o desfile das escolas de samba de 1933. pro· movido pelo próprio jornal e que lançou as bases para o

regulamento do desfile que perdura até hoje.

RIO GRÁFICA E EDITORA


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.