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Anesio Frota Aguiar, nascido em Camocim, Ceara, a 7 de agosto de 1901, mudando-se para 0 Rio de Janeiro nos anos 20, oode se formou, em 1929, pela Faculdade de Direito, da Uoiversidade do Brasil, ainda como estudante integrou-se a movilheotos revolucion8rios, com objetivos de demolir a Republica Velha, sofrendo persegui<;iies, prisiies e perda de emprego, tornou-se uma lenda viva oa evolu<;iio social do Rio de Janeiro. • Vitoriosa a Revolu<;iio de 1930, foi oOlneado Delegado de Polfcia, nesta cidade, fuo~iio em que se notabilizou pela sua austeridade e incorruptibilidade em defesa da moraliza<;iio dos costUlne3 e enfrentando poderosas organiVl<;iies que atuavam no submundo da sociedade, em lenocinio e tratico de drogas, como a famasa Zwig Migdal, de ramifica<;iies intemacionais, que traficava escravas braocas. JngIessando oa poUtica, elegeu-se vereador em 1947, deputado federal de 1952 a 1960, deputado estadual de 1961 a 1970, voltando a ser eleito em 1974. E membro da Academia Ceareose de Ciencias, Letras e Arte do Rio de Janeiro.
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o SAMBA E SUA HISTORIA 2 de Dezembro Dia do Samba
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TRABALHOS 00 AUTOR
o Lenocfnio Como Problema Social do Brasil 1940
Assuntos Jurfdico-Policiais 1944 Criminalidade e Seguran~a Sob 0 Aspecto S6cio-Econilmico 1978
o Fruto das J6ias do Dr. Leite Garcia 1942 Flagrantes de Emo<;6es 1990
Frota Aguiar
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o SAMBA E SUA HIST6RIA 2 de Dezembro Dia do Samba
LIVRARIA EDITORA CATEDRA Rio de Janeiro
1991
Copyright © by ANESIO FROTA AGUIAR
Capa: SAULO M. LOPES
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LIVRARlA EDITOR A CATEDRA LTDA. Rua das Marrecas, 40 s/808 Tel.: 262-6815 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
1991 lmpresso no Brasil Printed in Brasil
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HOMENAGEM:
Aos Sambistas, Compositores, Passistas, Porta-Bandeiras, Mestres-Sala, Comissao de Frente, Alas, Baterias, Cronistas, Roteiristas, Cen6grafos e todos os que dreta ou indiretamente colaboram para que os desfiles das nossas Escolas de Samba sejam 0 grandioso espetaculo que o mundo inteiro reconhece. Frota Aguiar
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APRESENTACAo A origem deste trabalho, 11 guisa de conferencia, sobre a dataDois de Dezembro, "Dia do Samba" , e sua hist6ria, deve-se ao convite que me foi feito pelo inteligente e estudioso jornalista J. Muniz Junior, do jornaI a Cidade de Santos, em nome do presidente da "Escola de Samba X-9", da mesma localidade, sabedor de que eo era autor da Lei carioca de n2 554, de 28 de julho de 1964, a quaI, embora de carater estaduaI, mas ja com repercussiio nacionaI, e assim, portanto, festejada. Seria flagrante e imperdoavel injusti~ se fosse omitida, na fei<;ao deste estudo, a colaborac;iio do "expert" no assunto - 0 paciente e inteligente pesquisador Moacyr Freire. Merecedor de integral reconhecimento. Por raz6es burocniticas, surgidas entre a "Escola de SambaX-9" e a Prefeitura, as vesperas do evento tao desejado, a Conferencia deixou de ser realizada. Mesmo assim, como se trata de urn esfor<;o de natureza hist6rica, ligado ao folclore nacionaI e 11 cultura popular, me convenci da necessidade de sua publicac;ao, espeOllldo, desde ja, generosa benevolencia dos leitores.
o Autor
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PREFACIO â&#x20AC;˘
o samba, sem duvida alguma, e a maior expressao da musicalidade do povo brasileiro, que desde epocas remotas tern sabido manifestar atraves de melodias de impressionante valor rftmico e com versos genuinamente safdos da alma popular, os seus mais variados sentimentos: ora de alegria; ora de dor; ora de decep<;ao e tambem de otimismo. Os versos dos sambas, inclusive, marcavam datas de acontecimentos hist6ricos e se costumava dizer: no tempo do samba tal houve isso ou aquilo. Muitas vezes os versos caricaturavam fatos e personagens de determinada epoca e aludiam as dificuldades do cotidiano. Os freqiientes atrasos dos lIens da Centra!, por exemplo, originaram 0 upabio a bern atrasou, por isso eatou chcgando agora, trago aqui a memoranda da Central, a trcm atrasou meia hora, a senhor nio tem razio pra me mandar embora"; e a falta d'agua urn outro samba que foi sucesso num dos carnavais do passado: "Tamara quc chova trCs dias sem parar, (repete) a minha grande magua e que hi em casa nio tem agua nem pra cozinhar" . â&#x20AC;˘ A vezes os versos eram irOnicos e mordazes e quando da candidatura do mineiro Artur Bemardes, uma marchinha, variante do samba urbano, dizia , mais ou menos assim: ai sen me, ai seu no Pal'cio das Aguias, ole, nio Us de par os pCs. 0 palacio, no caso, era 0 palacio do Catete, entao sede do Govemo da Republica e a marchinha espelhava a oposi~ii.o aquele que viria a ser Presidente da Republica, Marechal Hermes, outro samba cantava assim: ai Filolliena, ai Filc.mena, se eu fosse como to, dava um beijinho na careca do Dudu. Este 0 apelido pelo qual 0 Marechal era
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conhecido na intimidade e Filomena seria 0 DOme de sua esposa. Ate 0 grande Rui Barbosa nao escapou da irreverencia musical. Conhecido e famoso como tribuno, em detenninada epoca mantinha-se em silencio que deu margem a samba cujo refriio era: "Papagaio louro, papagaio louro, de bico dourado, tu que Calayas tanto, por que 0 7 ;0 estU calado.. ... Seria exaustivo enulll..rar os sambas que, em diferentes epocas, se transfonnararn em verdadeiras cronicas cantadas, simbolirondo os mais diversos acontecimentos: ironirond(H)s ou profligando-os. Grandes musicos eruditos, tais como a maestrina Chiquinha Gonroga, 0 maestro Anac1eto Medeiros, da banda de musica do Corpo de Bombeiros, Ernesto Naroreth, Zequinha de Abreu, mais tarde, Ari BatIOSO, conviviam com intuitivos de grande valor, dentre eles, Heitor dos Prazeres, Newlon do Estlcio, Brancura, Baiaco, Aleebfades Barcelos, 0 Bide, Annando M~al, autores do antol6gico .. Agoo ~ â&#x20AC;˘ Isto, sem falar no grande genio Noel Rosa. As Escolas de Samba, por sua vez, deram nomes como Silas de Oliveira, Noel Rosa de Oliveira, Mano Decio, Manassea, Carlos Cach~a. Silas legou 11 musica brasileira obra prima como "Herois da Libcrdadc", aurentico grito de liberdade a ecoar na multidao que, empolgada, assistia 0 desfile, entao na Avenida Presidente Vargas. o samba constituiu aurentico desafio ao arbftrio da ditadura militar. Ainda policial jovem, enmo ocupante do cargo de escrivao de poifcia, conheci, se nao 11-: falha a mem6ria ainda na decada de 40, o Delegado de Poifcia Anesio Frota Aguiar, titular da Delegacia de Vigilancia e ja famoso por seu implacsvel combate aos chamados "cafet6es" ou "gigolos" da epoca e a criminalidade em geral, sempre se destacando por sua seriedade, comperencia e probidade. Esta, reahncnte, acima de qualquer suspeita. Aprendi a respeitar e admirar 0 amigo Delegado Frota Aguiar e depois ja nao mais trabalhando juntos, continuou ele a honrar-me com sua sincera estima. Sempre foi motive de alegria para mim, nossos encontros ocasionais. Frota Aguiar incursionou pela poiftica e, como deputado, teve uma ahla~o que condizia com 0 seu passado, jamais destoando das honradas diretrizes que sempre nortearam sua longa e proffcua vida publica. Js aposentado, tive ocasiao de novaincnte trabalhar com ele e de goror de sua absoluta confian9a. Tanto como seu assessor na CHmara, depois Assembleia Legislativa, como depois no DETRAN, como participante de uma Comissao que ele presidia. 0 certo e que 10
nossos l~os de amizade se fortaleceram ainda mais ao longo dos anos. Mas a surpresa maior para mim, e que me ligou ainda mais a Frota Aguiar, foi quando soube de seu tambem entusiasmo pelo samba e que dele, como deputado, devia-se a instituigiio do DIA DO SAMBA, atraves da lei de sua iniciativa que tomou 0 numero 554, de. 28 de julho de 1964, instituindo 0 dia 02 de dezembro para comemora-lo. Surpresa maior me estava reservada quando 0 amigo Frota Aguiar convidou-me a acompanM-lo 11 cidade de Santos, onde, no dia 02 de dezembro de 1981, seria condignamente comemorado o DIA DO SAMBA, acontecimento que, no Rio, bergo do samba, nunea chegou a ter devida repercussiio. Na cidade de Santos 0 DIA foi condignamente comemorado na sede da Escola de Samba X-9, patrocinadora do evento, onde desfilaram perante Frota Aguiar, as porta-bandeiras e mestres-salas de grande numero das maiores Escolas de Samba de Sao Paulo. o trabalho ora publicado reflete bern, com toda a fidelidade, grande parte da vasta hist6ria do Samba e consagra 0 seu autor que, mais uma vez, mostrou uma das multiplas e honrosas facetas de sua atuagiio como homem publico. Claro que 0 samba, a que ele se refere, pouco tern com as composig6es atuais e 0 clima das Escolas de samba atuais. Mas 0 samba ha. de resistir e de certo continuara a ser a voz do povo em suas manifestag6es culturais.
MOACYR FREIRE
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INTRODUGAO â&#x20AC;˘
Antes de abordar 0 assunto que me trouxe a esta cidade hist6rica, politizada, laboriosa, cultural e c1vica, desejaria acentuar la~s sentimentais que ela me ligam. Aqui, passei parte de minha juventude como funcionano da Empresa Loyd Brasileiro, exercendo fun~o no movimento Cais do Porto de Santos, onde assistia, diariamente, sem cessar, entrada e safda de navios. Os guindastes, num vai e vem constante, nao parayam, carregando e descarregando mercadorias variadas, atendendo assim 11 operosidade rapida dos trabalhadores da estiva, que, em fila indiana, transportavam volumes do patio externo para 0 interno, e vice-versa. Era empolgante ve-los! Expressivo forrnigueiro humano. A epidemia bespaohola, que ceifou tantas vidas nesta cidade, quic;a no Brasil, foi urn epis6dio melancolico que ainda nao se apagou de minha memoria. Para socorrer as vltimas dessa calamidade, 0 operoso Tiro de Guerra, n~ XI foi convocado, prestando, com a dedicat,;ao exemplar de seus filiados, servi~os humanitarios em vanos locais da cidade. 0 nosso posto de assisrencia era no bairro de Campo Grande, ao lade de toda Avenida Ana Costa, e habitado por japoneses. o Sargento Laranja, pertencente a tradicional famnia Santista, era 0 nossa chefe, que pouco perrnaneceu no comando: foi logo uma das vftimas da peste! No seu sepultamento, na acr6pole de Paqueta, recebeu a gratidao da popula~o. Os personagens inseparaveis da exisrencia de Santos, cada qual na sua missao, desde seus fundadores, salientando Braz Cubas; a figura inconfundlvel da historia patria - Jose Bonifacio de Andrade e Silva - 0 patriarca; a acuidade poHtica de seus hOlllens publicos, entre os quais os Andrades, no passado, e os irmiios ¡Feliciano, 13
mais recente; 0 prestfgio de sua imprensa, pontificado no tradicional 6rgiio Tribuna de Santos, fundado pelo saudoso jornalista M. Nasdmento Junior; e a sensibilidade de seus poetas, aflorada em Xavier da Silveira, 0 "canIter adamaotino", Vicente de Carvalbo, 0 parnasiano, 0 magistrado, 0 apaixonado do mar, e Martins Fontes, 0 "poderoso artista" , fascinaram-me 0 esplrito. Martins Fontes, de uma sensibilidade contagiante, cheguei a conhece-lo numa feliz tarde de aut6grafo, realizada no Poleteama, situado no antigo Largo do Rosario, quando 0 vate Santista presentenu 11 sociedade de sua terra 0 livro de poesias - 0 "Veriio". Ele, mesmo, recitava, com arte, seus versos, sob aplausos de uma plateia deslumbrada. Como disse Alcantara Worms, em sua obra - Pootas Pauiistas, que 0 poeta "Jose Maria Martins Fontes, ' 0 inolvidavel Zezinho Fontes, era !frico, panteista, epico, e ate, quando necessario, satfrico". Essas singelas reminiscencias, e outras que ainda guardo em ser, autorizam-me a tomar-tne bastante intimo entre os meus amigos desta gleba que tanto valoriza a inteligencia, a cultura e 0 trabalbo.
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MENSAGEM AOS SAMBIST AS DE SANTOS â&#x20AC;˘
Falar de Samba, olvidando 0 nome do jomalista J. Muniz Junior, incontestavel apaixonado pesquisador da cultura popular brasileira, e sem avaliar 0 ja consagrado esforc;o da Escola de Samba X9, a pioneira em reconhecer a lei estadual sobre 0 Dia do Samba - 2 de Dezembro, agora de repercussao nacional, desde 1963, e seguida de tantas outras congeneres, tais como a Escola Brasil e a Uniao Imperial, e desmerecer a verdade hist6rica. A mllsica, dentre as manifes~Oes dessa cultura, sem duvida alguma, tern especial destaque, e ela se corporifica num conjunto de ritmos e melodias em que se notam ciaramente todas as influencias desse anaIgama de ra<;as que constitui a na~o brasileira. No centto dessas influencias que contribufram para a forml\9ao de diferentes estilos de ml1sica popular brasileira, as da rl\9a negra registram particular preponderiincia, tendo dado origem aos ritrnos, aos canticos populares que, partindo da Bahia, se difundiram pelo pais a aocorarem no Rio de Janeiro. Dos muitos ritrnos, cujas origens vamos encontrar nos negros, a cujo trabalho a nacionalidade deve tanto de sua forma~o, os do samba rem significado todo peculiar e represeDtam na sua infmita garna de acordes e varil\9Oes mel6dicas, uma grandeza musical que de modo algum pode ser ignorada. Assim pen~ando e desejando hOo menagear no samba toda a cultura musical do povo, apresentei, quando Deputado, na decada de 60, 0 Projeto de Lei n~ 681 que, transformado na Lei n~ 554, de 27.7.1964, instituiu como DIA DO SAMBA a data 2 de Dezembro de cada ano. Assim terfamos, anualmente, urn dia para ho",enagear 0 SAMBA, recordando suas origens e evolu~o, bern como preservando suas gloriosas tradi\(Oes na mem6ria nacional â&#x20AC;˘ â&#x20AC;˘
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Grande divulgador da mUsica popular brasileira e homem devotado ao Samba, 0 Jomalista J. Muniz Junior introduziu 0 DIA DO SAMBA na cidade de Santos e, todos os anos, ele vern se esfon;ando para dar cada vez maior realce 11 data, congregando em brilhantes eventos as Escolas de Samba e todos aqueles que amam a cultura musical popular e se obstinam em resguarda-la das multiplas influencias alienfgenas que tentam descaracteriza-la. Em 1981, atraves de J. Muniz Junior, no dia 2 de Dezembro, estive em Santos, convidado pela Escola de Samba X-9, e tive a imensa satisf~ao de ver 0 modo serio e de absoluta disciplina com que estava sendo comemorado 0 DIA DO SAMBA, num ritual na verdade imponente e tendo a participa~1io das agremia~6es mais representativas do Municfpio. Ao finalizar essa singela MENSAGEM, diretamente dirigida ao Mundo do Sambista de Santos, imp6e-me a civilidade, como h<>mem publico, de real~ar a principal figura da Comunidade Santista, a professora Telma de Souza, na certeza de sua sensibilidade pelas causas populares, numa simbiose de sentime.1tos elevados.
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DIA DO SAMBA
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Evocando os epis6dios que precederam 11 crill'ioo do DIA DO SAMBA, 0 jornalista Jota urn dos mais abalizados cronis!liS de nossa musica popular, sobremodo ao recordar, nurna cronica publicada no jornal "0 Globo", de 02 de dezembro de 1971, que fora de minha autoria 0 projeto de lei ng 681, de que n> dundaria, em 28 de julho de 1964, a Lei ng 554 que criou em definitivo 0 "DIA DO SAMBA" e fixou em 02 de dezembro, coincidindo com a data em que foi encerrado 0 I CONGRESSO NACIONAL DO SAMBA. Evento dos mais significativos na hist6ria da nossa mlisica papular, 0 I CONGRESSO NACIONAL DO SAMBA constituiu verdadeiro marco da CAMPANHA DE DEFESA DO FOLCLORE BRASILEIRO, sob cujos auspfcios foi realizado, havendo tido, ainda, 0 indispensavel apoio das entidades congregacionais das Escolas de Samba e 0 patrocfnio valioso da Ordem dos Musicos do Brasil. â&#x20AC;˘ Desse expressivo CONGRESSO nasceu a CARTA DO SAMBA, redigida pelo grande estudioso de nosso folclore, 0 professor EDISON CARNEIRO, sendo urn documento da maior importAncia e que consubstancia toda uma gama de recomenda~6es, visando a pn> servar as caracterfsticas tradicionais desse genero musical tao genulnamente brasileiro, sem embargo das influencias inovadoras que, ao longo dos anos, vern enriquecendo 0 seu ritrno e estruturamel6dica, dando-lhe uma versatilidade que poucos outros generos musica;s possuem. Para avaliar-se devidamente e definir a importincia desse I CONGRESSO NACIONAL DO SAMBA, bastaria anotar que dele participaram figuras exponenciais do movimento artfstico e musical da epoca, tais como Almirante, Ari Barroso, Pascoal Carlos Magno, maestro Jose Siqueira, Paulo Tapaj6s, Haroldo Costa, &!rgio Cabral, 17
<.Ionga, Araci de Almeida, e muitas outras personalidades, express6es igua1mente autenticas de nossa cultura popular. Deputado na epoca e acompanhando de perto 0 acontecimento, senti a imperiosa necessidade de fixa-lo na memOria dos pOsteros, impedindo que tao importante evento viesse a se desvanecer na poeira 0 tempo. Daf, a minba iniciativa de eriar 0 DIA DO SAMBA o DIA DO SAMBA evoca, por conseguinte, uma efemeride de maior significac;ao e representa, ao mesmo tempo, uma justa homenagem a todos quantos, com entusiasmo e obstina~ao invulgar, vern lutando por preservar as verdadeiras rafzes de nossa cultura p0pular, mantendo e transmitindo, de gera~ao a gera~ao, foemas espontfuteas de acultu~ao, cuja importancia, como no caso do SAMBA, transcende ao cbamado trfduo de momo e se vincula, em carater peemanente, a urn fabuloso e autentico folclore nacional.
COMO NASCEU 0 SAMBA Segundo Sergio Cabral, outro extraordinano cronista da musica popular, 0 samba tern origens que se confundem com os prim6rdios da forma~ao de nossa pr6pria nacionalidade e sofreu, ao longo dos anos, influencias que !he deram diferentes peculiaridades rftmicas, em consonancia com as caracterfsticas da cultura popular de cada regiao brasileira. Pesquisadores como Camara Cascudo e Edison Carneiro (autor da Carta do Samba), observam que varias manifesta~6es musicais brasileiras nasceram da contribui~o africana e pertenciam a uma 11nica familia cujo tronco principal veio do Congo e Angola, a cuja farm1ia foi dado 0 nome de BATUQUE. As manifesta~6es musicais ganharam fisionomia pr6pria em cada regiiio em que se estabeleceram os membros da familia e, por via de conseqiiencia, foi dado 0 nome de BA TUQUE ao ritrno mon0c6rdio dessas mesmas manifesta~6es musicais. Edson Carneiro dividiu 0 Brasil em tees zonas diferentes de acordo com as foemas que 0 BATUQUE assumiu em cada uma dessas regi6es, tendo side definida como ZONA DO SAMBA, 0 Maranhao, Bahia, Rio de Janeiro e Sao Paulo. 18
Todavia, mesmo dentro de sua zona, 0 samba se apresenta sob vanas formas e diferentes denomina~s: - samba de roda e batebau na Bahia; partido alto no Rio de Janeiro; samba-rural, sambalen~ e batuque em Sao Paulo: Somente no Rio de Janeiro, Sao Paulo e Maranhao, e que se fixou a denomina~ao isolada de SAMBA.
MUSICA URBANA Nasceram no Rio dos tempos da CORTE, os primeiros generos populares urbanos que marcaram epoca e tiveram triinsito nos sal6es, constituindo forte movimento musical que predominou nos tempos do Segundo Imperio e das primeiras d6cadas da Republica. Desse movimento originaram-se ~as musicais verdadeiratoonte antol6gicas, e toda uma gera~ao de fabulosos compositores que viriam a influenciar de modo rnarcante as gera~6es futuras de autores populares. Dessa epoca, hti autenticos classicos da musica popular brasileira que vararam os tempos e se perpetuaram, tais c~ mo: "LUAR DO SERTAO" e Catulo da Paixao Cearense, "0 DESPERTAR DA MONTANHA", do maestro Eduardo Souto e 0 CORTA-JACA, da maestrina Chuiquinha Gonzaga, genero musical precursor da marchinha carnavalesca, ouvind~se, ainda, nos carnavais de hoje, 0 celebre "0 ABRE ALAS QUE EU QUERO PASSAR". Data de 18700 "CHORO", linguagem instrumental caracterizadamente brasileira e que teve em ANACLETO MEDEIROS, maestro do Corpo de Bombeiros, urn de seus expoentes, sendo urn genero musical a, que se deve j6ias rnusicais do quilate de '''fICOTICO NO FOBA", "BRASIl EIRINHO" e "CARINHOSO", dos adrniraveis e jamais esquecidos Zequinha de Abreu, Waldir de Azevedo e Pixinguinha. Baseando-se na mesma linguagem instrumental, 0 extraordinario pianista ERNESTO NAZARETH legou-nos, por sua vez, urna adrniravel serie de tangos brasileiros. Sob todas essas influencias ritmicas nacionais, assirn como de generos estrangeiros dominantes nos sal6es da CORTE, tais como a polca e a habanera, nasceria urn outro genero musical essencialrnente brasileiro, urbano e carioca, 0 MAXIXE, cujo sucesso atravessou fronteiras. â&#x20AC;˘
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Genero musical dan9ado de coreografia peculiarissima, 0 MAXIXE empolgou os saliies do Rio e fez furor em Paris, ali levado pelo notavel danc;arino popular, 0 baiano Duque, abrindo caminho para 0 sucesso extraordimlrio que depois Pixinguinha e seus Oito Batutas alcan9ariam na Cidade Luz, sucesso que, por si sO, mereceria urn capftulo 11 parte. â&#x20AC;˘
o SAMBA CARIOCA Dan~
cantada, de origem africana, compasso binano e obrigatoriarnente sincopado, assim e 0 samba, segundo defini930 do dicionarista Aurelio Buarque de Holanda Ferreira. A essa lapidar defmi930, podenamos acrescentar que 0 SAMBA CARIOCA e a conseqiiencia da fusao de muitas estruturas me16dicas a uma tematica principal e dominante, de origem africana, 0 que a enriqueceu sobremaneirn e !be da multiplas e fascinantes varia~iies, tais como: - samba-<:an93o; samba-exalla9ao - de que e exemplo tfpico 0 antol6gico e intemacional AQUARELA DO BRASIL, do inolvidavel Ari Barroso; samba de breque, samba-<:horo, samba de partido alto, samba enredo e, a partir da d6cada de 60, o chamado samba-empolga~ao ou de embalo, cujo divulga<;ao pioneirn coube aos chamados blocos de embaIo, blocos formados por centenas de participantes e de estruturn livre, de rftmo muito marcado pelas caixas e corrido. BAFO DA ON<;A e CACIQUE DE RAMOS, por exemplo, sao blocos de embalo expoentes do genera e os responsaveis, pode-se dizer, pelo lan~amento desse novo estilo de samba. Segundo Sergio Cabral, as famosas "tias" baianas, chegadas ao Rio em meados do s6culo passado, trouxernm decisiva contribui930 para 0 surgimento do samba-<:arioca. Nas casas dessas "tias", reunia-se semanalmente a boemia da epoca e, lado a lado com os choros, os batuques dos baianos do Morro da Favela e outros generos entiio em voga, executava-se urn tipo de musica que ja diferia do MAXIXE e se defmia como urn novo estilo de SAMBA, de caracterfsticas acentuadarnente U1banas e cariocas, "corrido" e "partido alto", como era descrito por Donga. Alias, foi na casa de urna dessas "tias", a [amosa TIA SIATA, residente na Rua Visconde de ItalIna, na antiga e hist6rica PrlI9a 20
Onze, que se transfonnaria depois, no verdadeiro territ6rio do srmba, que Donga compOs 0 "PELO TELEFONE", que e considerado como 0 primeiro samba carioca, tao carioca como angu it baiana que, apesar do nome, tamrem nasceu no Rio. Diz Sergio Cabral que a presen~a dos baianos emigrados na origem do samba "se esgota nessa epoca, pelo menos com uma atua~o decisiva. Os grandes nomes do samba, a partir da d6cada de dez, sao todos cariocas: Donga, Sinb6, Heitor dos Prazeres, Caninha, etc. A Bahia e boa tella! Eta Ii e eu aqui, cantou Sinb6 em seu samba "Quem sao eles", de 1918. A partir dos anos 20, paulistas, mineiros e brasileiros de todos os Estados passaram a fazer samba â&#x20AC;˘ canoca. Era a epoca dos chamados sambislas do asfallo e compositores tais como Alcebiades Barcelos (0 "Bide"), que viria a ser 0 autor, com Armando Vieira Mar~al, do antol6gico "AGORA E CINZA", Nilton Bastos, Rubem, Ismael Silva, Caninba, Heitor dos Pra"Baiaco", autor do c\assico popular "ARRASzeres, "Brancura", , T A A SANDALIA", ditavam catedra e imperavam no "territ6rio do Samba", incluindo as zonas bOOmias do Mangue e da Lapa de urn Rio de Janeiro que jli se vai perdendo na distancia dos tempos. Iii nos anos 20 com~ava-se a es~ar urn novo movimento , musical e tanto Ismael Silva, como oulros compositores do ESTACIO, entre os quais Rubem, Bide, Nilton e Edigar, sentiram que 0 samba nao dava para os grupos carnavalescos andarem na rua, conforme a gente ve hoje em dia e mudaram a sfncopa do samba, nascendo urn novo estilo de que depois viriam a originar-se os primeiros sambas de escola. Por essa mesrna ocasiao, Ismael e outros do Estlicio fundavam a primeira ESCOLA DE SAMBA, a DEIXA FALAR, seguindo-se a ESTA<;;AO PRIMEIRA DE MANGUEIRA, da qual 0 imorta1 Agenor de Oliveira, 0 CARTOLA, foi um de seus fundadores.
SAMBA DE MORRO No [mal do seculo passado, urn grande numero de negros baianos remanescentes dos que estiveram alistados nas tropas federais que combateram Antonio Consellieiro, em Canudos, vieram para 0 Rio de Janeiro e estabeleceram residencia nas cercanias da Central 21
do Brasil, nas encostas do mono situado por detras da Gare, onde constitufram toscas babi~6es de madeira que depois ficariam conhecidas como barracos ou barrac6es. Por fo~ do lugar de origem desses negros baianos, 0 lugar com os seus barracos ficou sendo conhecido como MORRO DA FAVELA e FA VEl.A passaram a ser todos os aglomerados populacionais semelhantes, inicia1mente somente localizados em morros, e hoje espalhados pelos quatro cantos dos centros urbanos. BARRACAO e FAVElA ficaram e se acham indestrutivelmente associados an SAMBA, tendo inspirado verdadeiras_ obras primas do cancioneiro popular, tais como 0 samba BARRACAO, de Herivelto Martins, cantado pela divina Elizeth Cardoso e 0 poema musical "CHAO DE ESTRELAS", do imortal Orestes Batbosa e que ganhou mi voz inconfundfvel de Silvio Caldas, "0 caboclinho querido", uma interpre~iio verdadeiramente espetacular. Versos como A porta do barraco era &em trincol E a lua furaoclo 0 nosao zmcol Salpicava de eltrclas nosso chao ... " ou E hoje, quando do 101 da claridadel FOlTa DlCn balla~io, smto saudadel Da mulher pomba-rola que voou ... ", sao antol6gicos e engrandecem 0 nosso cancioneiro, dentro de uma perfeita simbiose entre 0 erudito e a espontaneidade intuitiva dos artistas poplliares. o chamado saml)a de morro de infcio era pitoresc31nente repudiado pelos ,.mbiSlaa do asfalto e "Caninha", num de seus sambas de maior sucesso, dizia no estribilho que "samba de morro Ilia era nmba, era batucada". Mas, depressa, 0 novo estilo de samba de lsmael e seu grupo invadiu os morros e fez escola, visto que a nova sfncopa facilitava 0 and"hento dos blocos carnavalescos nas ruas, permitindo que a multidiio se movimentasse 00 carnaval, coisa imposs{vel com 0 samba anterior, ainda muito influenciado pelo MAXIXE. Tente-se, por exemplo, fazer desfilar urn bloco carnavalesco cantando "JURA", "GOSTO QUE ME ENROSCO" ou "PELO TEl EFONE", e verse-a que e impossfve!. Do MORRO DA FA VELA irradiara-se para outros morros da cidade e dos subUrbios 0 gosto pelo BATUQUE e, logo ap6s 0 surgimento das prilneiras Escolas de Samba, a nova slncopa do samba foi desde logo absorvida, mostrando-se a marca<;lio ideal para os desfiles. Na realidade, a ESCOLA DE SAMBA foi criada na planicie por compositores tipicaUlcntc do asfalto, embora, verdade se digs, hajam eles sofrido, de forma intensa, as influencias do B;I-
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TUQUE dos negros baianos do Mono da Favela e dos grupos de fie.. qiientadores das terrulias musicais na easa da TIA SIATA.
AS ESCOlAS DE SAMBA As Escolas de Samba dos anos trinta eram agrupamentos que desfilavam no eamaval e que disputavam, na PRA<;A ONZE, em competic;iies memonlveis, 0 titulo de campei. Semelhantes, de certo modo, na sua eomposic;lio de alas, aos blocos e ranebos que disputavam eertames ofieiais, as ESCOLAS desfilavam, como ainda boje, entoando 0 SAMBA DA ESCOLA, eantando ininterruptamente durante todo 0 desfile e tendo 0 ritmo sustentado por todo urn instIumental de percussao denominado BATERIA, boje consideravelmente valorizaoo eom instrumentos como 0 prato das bandas de musiea, agogo e muitos outros, enquanto que os ranebos e os blocos da epoca tinbam como sustentac;lio do ritmo urn conjunto de instrumentos de sopro, ou de metais, eomo se diz. Niio lui duvida, porem, de que, ao fundar a DEIXA FALAR (a primeira Escola de Samba), I!:mael ,e seus eompanbeiros do Est8cio bajam sido influenciados tambem pelos RANCHOS e que procuram observar a mesrna estruturac;lio e disciplina de desfile e de organizac;lio associativa. Tambem af verifiea-se a influencia cIos baianos nos moviilJe,)o tos musieais do Rio, pois foi urn baiano - Hilario Jovino Feneira, quem eriou, no baino da Saude, 0 priliÂŁirO RANCHO propriamente dito, 0 REI DE OURO. Anote-se, a prop6sito, que no mesmo bairro, 0 da Saude, viria a surgir depois, ainda nos anos vinte, urn outro RANCHO, 0 RECREIO DAS FLORES, que fez bist6ria e que brindou os espectadores da epoca com admiraveis desfiles, ao lado de outros ranchos tais , eomo AMENO RESEDA e FLOR DO ABACATE. Os ranchos, da mesma forma como acontece boje eom as Escolas de Samba, tinbam patrocinadores que eusteavam parte de seus desfiles , possibilitando-lhes urn luxo que de outro modo seria impossfvel a agt(>lIiac;6es composlas, em quase a sua totalidade, por pessoas de condic;iies , economicamente bumildes. 0 RECREIO DA SAUDE, por exemplo, tinba no velho MATHIAS, propriet8rio da CASA MATHIAS, grande loja de tecidos e confecc;6es da Avenida Passos, urn forte susten23
racuJo fmanceiro. Os sambas ainda nlio obedeciam a urn enredo e a Escola de Samba RECREIO DE RAMOS, predecessora da atual IMPERATRIZ, LEOPOLDINENSE, desfilou no camaval com 0 seu "AGORA E CINZA", de Bide e Man;al. Somente sob 0 ESTAoo NOVO o desflle das ESCOLAS foi oficializado e, na regulamenta!;lio, inclufda a obrigatoriedade de urn enredo baseado em aconlec;mentos e fatos hist6ricos nacionais. Essa obrigatoriedade transtomava a c~a de muitos compositores das ESCOLAS, obrigados que estavam a desenvolver seus sambas em tomo de aconlecimento que nem sempre davam boas rimas, havendo ensejado 0 Samba DO CRIOULO 00100, uma espirituosa satira musical do saudoso humorista Sergio Porto, 0 Stanislau Ponte Preta. ESCOLAS como Recreio de Ramos, tinham urn regime disciplinar bastante rigoroso, ainda que espontaneo, e isso surpreendeu na epoca 0 grande e inesquedvel Vilas Lobos, levando-o nos anos trinta, ate mesmo a imaginar as ESCOLAS DE SAMBA como vefculos educativos e preservador das caracterfsticas culturais de nosso povo, ja bastante amea!;adas, no terreno musical, pelos modemismos de importa!;ao. Vilas Lobos assistiu a urn ensaio da RECREIO DE RAMOS e ficou empolgado com a marc3!;iio do samba e 0 modo como era puxado, aumentando 0 seu entusiasmo quando, logo ap6s 0 coro, 0 puxador entrava na segunda parte e a ala de tarnborins batia com as varetas na madeira desses mesmos tamborins, produzindo urn repinicado vibrante e que contagiava os circunstantes. Tao entusiasmado ficou Vilas Lobos, que aproveitou urn dos sambas ali cantados para transforma-lo em CANTO ORFEONICO, entiio materia obrigat6ria nas escolas publicas, orquestrando-o e lhe apondo versos de Alberto Ribeiro, consagrado letrista e parceiro de Oswaldo Santiago. Mais tarde, num ensolarado e linda dia 7 de Setembro, durante c(linemora<;<ies no Esradio Sao Januario, centenas de alunos de nossas escolas publicas entoaram com vibr3!;ao 0 canto orfe6nico que, em sua essmcia, nada mais era que 0 samba LEGIAO DE ESTRANGEIROS: - Brasil, Legiiio de Estrangeirosl , Orgulho de todo 0 brasileirol Es amado por todo 0 Universol Brasil, oh meu BrasiU Lutaremos pelo progresso. J;m sua concep!;ao, 0 sambista via 0 Brasil como uma imensa LEGIAO que a todos indistintamente acolhia, independentemente da origem, cor e credo. Urn espectador da epoca e que conhecia a hist6ria do CANTO
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ORFEONICO que as criaDS'as cantarnm naquele menxmivel espetaculo do Estadio Sao Januano, confidenciou ter sido tornado de tal emoc;ao que as l3grimas the vieram aos othos e que, ao ouvir 0 coro apoiado por instrumentos de percussao, sentira urn calafrio na espinha. o autor, sambista pretinho franzino e azougado, conhecido como "Moleque Sete", em raziio do h3bito de jogar "ronda" e 0 "sete e meio", era autor tambem do "PRIMEIRO AMOR", samba que fez sucesso e marcou epoca na voz do inesquecfvel Francisco Alves, que comprara a composi~o por "cinquenta mil reis". Moleque Sete moneu tragicamente ao se despencar do Mono da Favela, quando fugia de uma "batida" de policiais a urn jogo de ronda de que participava. Morreu assim, tragicamente, no MORRO em que outros negros como ele haviam escolhido como seu habitat. No mesmo MORRO que inspirara tantos yoetas e motivara sambas de cara beleza mel6dica, como EVOCA<;AO, de Ari Barroso. Samba do "Crioulo Doido" parte, os sambistas das ESCOLAS respondem por sambas de uma beleza mel6dica e rftmica verdadeiramente invulgar, contendo versos impressionantes de rima e fidelidade ao eoredo. GRITO DA I JBERDADE, do fabuloso Silas de Oliveira, TIRADENTES, de Mano D6cio da Viola, CmCA DA SILVA e MEMORIAS DE MONTEIRO LOBATO, AQUARELA BRASILEIRA, sao apenas algumas das obras primas dos composit(}. res das ESCOLAS. Seus velNOS, em muitos casos, sao verdadeiras aulas de hist6ria e de civismo. Alem dos fatos hist6ricos dos Sambas de Enredo, 0 samba sempre esteve estreitamente vinculado aos acontecimentos do dia-adia e muitos sao verdadeiras cr6nicas, cheios de verve, de ironia e respassados, aqui e ali, de inocente mallcia. Niio ha como esquecer sambistas como Noel Rosa, Ari B&.noso, I Jlrnartine Babo, Ass~ Valente (autor de BOAS FESTAS ou NOnE FELIZ, ~ musical . de rara beleza e realmente antol6gica), Dolores Duran; cOm a NOlTE DE MEU BEM; Quero a paz de criuc;a dOhilindol E 0 abandono de flores se abrindoJ Para enfeitar a Doile do meu bern", e Adoniran Barbosa compositor paulista autor do igualmente antol6gico "1'REM DAS ONZE", e ainda 0 notAvel gaUcho Lupiscinio Rodrigues, autor de VINGAN<;A.
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CONCLUSAO Concluiodo quero expressar quanto me sinto honrado, feliz e gratificado em estar aqui e pela oportunidade que me foi oferecida pela Prefeitura de Santos representada na pessoa de seu administrador digno, operoso, de visao social e cultural, Dr. Osvaldo Justo, de historiar de algum modo 0 Samba, no dia dedicado a ele. Sinte-toe e feliz pela iniciativa de ter criado 0 DIA DO SAMBA e da ocasiao para propor a cri~o da Galeria da Mdsica Popular Brasilcira. 0 samba e, no Brasil, 0 verdadeiro hino 11 democracia, reunindo pretos, brancos, ricos e pobres, sem distinC;ao e rac;as, credos e religi6es, tendo como dnico escopo 0 engrandecimento do Brasil â&#x20AC;˘
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o SAMBA E A POLfTICA o Samba esteve
sempre ligado 11 evolu~80 do nosso povo, e poder-se-ia registrar alguns fatos marcantes deste seculo atraves de letras de samba e de sambas-enredo de escolas de samba, que tern como motivo personagens da poiftica nacional como Arthur Bemardes, Washington Luiz, Julio Prestes, GetUlio Vargas, Joiio Pessoa, e oulros, e 0 que representaram na evolu~o polftica e social da primeira metade do seculo. E os sambas-enredo retratam mais diretamente as tradi~6es, 0 folclore, os costumes, as lendas, os mitos e personagens que direta ou indiretamente contribufram para espelhar a alma da ra~a brasilei-
ra.
A PRACA XI QUE CONHECI A Pr~a XI, muitas vezes imortaIizada em obras-primas do cancioneiro popular carioca, em sambas, sambas-enredo, choros e marchas, pode ser considerada 0 ponto de concentra~iio de grandes sambistas das primeiras decadas deste seculo, e das Grandes Sociedades, dentre as quais se destacam 0 Clube dos Democniticos, os Fenianos e os Tenentes do Diabo, que desfilavam e um juri premiava a melhor exibi~80, epoca tambem que desfilava 0 Corso, forrnado por dezenas de autom6veis, com m~as sentadas nas capotas, jogando para a multid80 em volta as serpentinas, sempre no ultimo dia do Camaval. Ali existia tambem a gafieira Kananga do Japiio, recentemente focalizada na novela com 0 mesmo nome exibida pela Tv Manchete. 27
A prop6sito, calle-me aqui registrar a vincul~ao polftica que a referida novela fez a personagens, na maioria fictfcios, ligados aos movimeutos revolucion3rios conhecidos como a Coluna Prestes, 0 Tenentismo, a saga comunista, a Revolu~ao de 1930, a Intentona COIDnnista de 1935 e 0 Golpe de 1937, que implantou 0 Estado Novo. E estando eu ligado, por dever profissional, 00 ambiente e 005 fatos da epoca, acho por bern comenta-Ios.
KANANGA DO JAPAO â&#x20AC;˘ Nao assisto novela com pontuaiidade. Mas a Kananga do Japao, que terminou recentemente, acompanhei-a, capftulo por capItulo, atentamente. Dois motivos me levaram a tanto: primeiro, quando ainda muito jovem morei na Rua Senador Euzebio, 86, bern proximo Pra~ XI, onde conheci de perto a hist6rica gafieira; segundo, antes de seu infcio IIO:U nome publicamente foi anunciado, ligando-me a novela como Delegado de Poifcia, 0 que aconteceu nos primeiros capf~los, simbolizando uma Polfcia seria e positiva, portanto confil\vel, para, em seguida, ser substituido pelo personagem Orestes, cujo procedimento contrariava as boas norrnas da decencia. A novela Kananga do Japiio apresentou dois quadros distintos: o referente a Kananga, propriamente dita, com cenas de costumes e . divers6es; e 0 outro sobre assunto poiftico-ideol6gico. Como espetaculo, com cenas romanticas, comicas e tragicas, teve exito comprovado pelo indiscutlvel interesse popular, gr~as, principalmente, ao elenco de artistas selecionados. Citar nomes seria temeroso, dado 0 risco de injusti~, numa possibilidade de omissao. Todos se nivelaram na arte de apresentar, cada qual em seu papel especffico. Apesar de justa empolg~ao causada entre os espectadores pelo trabalho do escritor Wilson Aguiar Filho, inteligencia brilhante, pennito-me nao como critico, que nunca fui, mas como testemunha e observador atento, que viveu a epoca, a que aludem os quadros em que se divide a novela, fazer despretenciosamente alguns reparos, vi sando mais a parte hist6rica, jamais a tecnjca que a minha capacidade niio alcan~a.
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Qllanto a Kananga, fitando 0 ambiente interno, nlio e aquela que conheci - gafieira de freqiiencia pouco recomendiivel, a nao ser a parte ffsica externa que de fato relembra a Pra~a XI, aflorando 0 popular bondinbo, seu, chafariz e 0 vaivem das pessoas, embora com a ausencia da Escola pr6xima ao Canal do Mangue. Ainda no interibr, ferindo a tradi~ao, observou-se urn ambiente sofisticado, em vez da gafieira, urn "cabaret" de luxo, bern imaginado, prestigiado com a presen~a de atores credenciados, obedecendo a tecnica ficcionista. Alex, "magigolo" e catten, nao deu a mInima ideia do malandro carioca que era violento e usava navalha como anna, porque portou-se 0 filho do Juca, dono do prostibulo da Zaza, como aurentico portenho, dominando as mulheres com seu falso amor, talvez influenciado pela musicalidade do tango ..â&#x20AC;˘ Uma exc~ao: 0 Caveirinha viveu muito bern a figura de contraventor e contrabandista petulante. primeiro Quadro, como fic~lio, agradou. Foi sucesso. Enfim,
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um "show".
o segundo focalizou urn perfodo grave da nossa hist6ria. Exi-
ge, portanto, anatise mais cuidadosa. Ninguem desconhece que a hist6ria e feita de eventos verfdicos. Quando distorcida, os prejufzos sao incalculaveis para a cultura das futuras gera~6es. A Intentona Comunista de 1935, de que tratou a novela, foi, como estii provada atraves de documeutos irrefutiiveis e de testemunhos, uma ~iio revolucionana internacional, articulada pelo Komitern, sob a supet visiio executiva de Harry Berger e Olga Benano, tendo Luiz Carlos Prestes como figura central importantfssima, ate enta~ her6i nacional, conhecido por "Cavalheiro da Esperan~a", na expresslio eloquente de Maurfcio de Lacerda. A insurrei~lio nlio vingou. Nem poderia vingar. Houve erro tiitieo. As infonna<;iies levadas it Intemacional Comunista de que poderia contar com 0 apoio do povo brasileiro e da oficialidade jovem de nossas For~ Annadas, foi urn logro, embora, e verdade, houvesse artificioso movimento poiftico sob 0 disfarce de Alian~a Libertadora Nacional, com Prestes it frente, iludindo os incautos. o roteirista claudicou, a meu ver, quando apenas expOs, alias com muito realismo, a represslio severa, mesmo violenta, reconhe~o, aos responsaveis pelo Movimento fracassado, deixando assim atiinitos os espectadores que nao viveram a era ou desconhecem a hist6ria, sem contudo se preocupar em esclarecer a ' real causa de tanta rea~ por parte das autoridades. 29
E os legalistas vitimados pelos comunistas, em Natal? -as de Recife? as da Praia Venneiha, no Rio? E os da Escola de Aviagao Militar? Todos imolados de surpresa por subordinados, excetuando os da Escola de Aviagao que foram eliminados por oficiais superiores. a clima no pafs, diante de frios assassinatos, era de revolta e de indignagao geral contra os sublevados. Daf a violenta reagao contra a inomimivel agao, tese que nOO defendo. Seqiiestrada Elvira ou Elza Fernandes, sob suspeigao de trair 0 Partido, ficou, no cativeiro, a disposigao do "Tribunal Revoluciomirio", 0 qual, vacilante, e alem de receoso de que houvesse divergencia entre os comunistas ante qualquer punigao apressada, mesmo assim por insisrencia ordenat6ria de Prestes atraves de duas cartas exigindo logo a pena de morte, condenou-a. Natividade Lyra, 0 "Cabe900", 0 carrasco do Partido, executou a senten9a, de forma mais cruel, estrangulando-a como uma corda. E, em seguida, fraturou os ossos dos me.nbros inferiores e superiores, inclusive a coluna, colocando 0 corpo mutilado num saco de aniagem, enterrando-o no quintal da casa, ao pe de uma arvore. Achado 0 corpo na sepultura clandestina e examinado pelos legistas, toda harharidade foi consta--tada! Em vez da balzaquiana Isaura, que nunc a existiu, tivesse 0 roteirista inclufdo 0 sacriffcio tragico de Elvira Cupelo ou Elza Fernandes, surgiria infalivelmente 0 nome de Carlos Prestes em cena, nao 0 homem-mito, mas homem mau. Assim, com 0 que assistimos no vfdeo, houve mudan~ no rumo da hist6ria, desconhecendo 0 publico os motivos. Agora, uma observa9OO: a mesma barbaridade que Hitler fez com Olga, solicitando sua extradi9iio para mata-Ia, 0 "Tribunal Revolucionano", obediente a Prestes, procedeu da mesma forma em relagao a companheira de Antonio Maciel Bonfim, ou Adalberto de Andrade Ferreira, 0 Miranda, com agravante de ser a vftima brasileira, menor! Vma menina mnga! Tudo isso nao se afasta do que disse o ativista Lauro Rinaldo da Rocha, presidente do celebre "Tribunal", a Prestes, em carta: "sentimentalismo nao existe aqui". Talvez, justiga tamhem ..â&#x20AC;˘ Quem sabel? Nesses leves reparos de ordem hist6rica, nao tive a pretensao de menosprezar a agradlivel produ9ao - Kananga do Japao, tao bem urdida sob vlirios aspectos. Animou-me 0 espfrito de colaboragao. Aos elementos humanos, que compuseram 0 trabalho de arte e de apresenta¢o da obra do autor referido acima, inclusive os anO30
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nimos figurantes, meu respeito e admira<;ao por terem proporcionado horas de lazer aos espectadores amantes do vIdeo .
โ ข Artigo publicado no Jomal"Tribuna da Imprensa", em 4/6/1990. Frota Aguiar, aos 89 anos de idade, Weida, claro, esclarecido, escreve como homem que viu as acontecimentos da novela. DeIegado naquela regiยงo; depois vereaOOr e deputado, conhece tuOO do Rio. Por isso, sua opiniilo ~ valios., at6-
para os autores. Tribuna da Imprensa - 04/06/90 31
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Seu interesse pela bist6ria do Samba, que prova, agora, com a public~ deste livro, 0 S.mba c sua bist6ria (2 de Dezembro, Dia do Samba), remonta 11 sua mocidade, qllarxlo morou na Rua Senador Euz6bio, 86, bern pr6ximo 11 Pra9a XI, ponto de concentra.<iio de boBmios e sambistas, onde existia 0 famoso cabara Kananga do Japio, recentemente focalizado em novela de televislio, em que ele inclusive, transfonnado em personagem, como Delegado que impas uma marca registrada pela sua firme atu89lio. POde, entlio, acompanhar e ate conviver com figuras exponenciais da musica popular brasileira. Tal interesse 0 levou a, como deputado estadual, apresentar projeto, depois transformado em lei n~ 554, de 28 de julbo de 1964, instituindo 0 dia 2 de dezembro como 0 Dia do Samba. Neste livro, Frota Aguiar nos apresenta suscinto levantamento das origens da nossa musica popular, em seus diversos generos, notadamente do Samba, das Escolas de Samba, e a sua contribui9lio psico-social Da evolu9lio da sociedade brasileira, em particular na vida do Rio de Janeiro.
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