EDUARDO ROCHA
Que Tiro Foi Esse?
Revista Plumas & Paetês Cultural 9ª Edição - abril 2018 Tiragem: 20.000 exemplares Circulação Gratuita - Venda proibida www.plumasepaetescultural.com.br /plumaepaetescultural/ PRODUÇÃO: Diretor Executivo: José Antônio Rodrigues Jornalista Responsável: Tiago Ribeiro (REG.4412/RJ) REDAÇÃO: Editor: Tiago Ribeiro Produtor e Projetista Gráfico: Levi Cintra Revisor: André Camargo (JP.24067-RJ) Consultor de Marketing: Bruno Oliquerque Produção e Cobertura de Mídias: Bruno Mariozz, Flávio Nogueira e Rafael Prevot Textos: Alex de Oliveira, André Camargo, Gabriel Cardoso, José Antônio Rodrigues, José Mauricio Tavares, Leandro Sampaio Monteiro, Leonardo Antan, Manoel Gonçalves Filho, Ruidglan Barros e Tiago Ribeiro. Fotografias: Alexander Rodrigues, André Melo de Andrade, Bruno Motta, Dayse King, Edimar Silva, José Antônio Rodrigues, Maickell Abreu, Marcos Mello, Robson Talber e Wigder Frota. Foto de Capa: Edimar Silva
sambaécultura A Secretaria Municipal de Cultura trabalha o ano inteiro para que tudo não acabe na Quarta-Feira de Cinzas. Porque o nosso papel é valorizar os saberes e tradições de quem tem a arte nas veias.
Impressão: Nova Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro - Rua Professor Heitor Carrilho, 81 - Niterói - RJ CNPJ: 28.542.017/0004-32
ASCOM SMC
Sob gestão da Secretaria Municipal de Cultura desde outubro de 2017, o Terreirão recebeu mais de 60 mil espectadores até abril deste ano, em uma programação que vai além da agenda de Carnaval.
E
ste ano, o carnaval carioca, com sua contribui-
Agradecimentos: Ana Paula Silva, Centro Cultural da Justiça Federal, Centro Cultural José Bonifácio, Daniele Amorim, Danielle Sant’Anna, Dominique Marceau, Fabiano Freitas, Jorge Rodrigues, Kátia Nascimento Pinto, Lucas Freitas, Manoel Gonçalves Filho, Nilton César dos Santos, Ricardo Lopes e Thiago Silva Magalhães. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução sem autorização prévia e escrita. O conteúdo dos anúncios é de responsabilidade dos respectivos anunciantes. Todas as informações e opiniões são de responsabilidade dos respectivos autores, não refletindo a opinião do Plumas & Paetês Cultural.
ção plural e incontestável na trajetória social, artística e cultural brasileira, trouxe de volta, o sentimento de que podemos, através dos temas
de enredos que abordaram o que está preso na garganta, críticos, debater a nossa realidade. Que podemos deixar pra segundo, terceiro e últimos planos, assuntos de menor importância, muitas das vezes só abordados para satisfazer interesses comerciais do patrocinador. A linguagem do carnaval deve resgatar o seu papel de protagonista já esquecido pelo grande público, que vem se afastando cada vez mais da festa, por não se identificar com o perfil que, há muito tempo, vem sendo replicado. Devemos priorizar os amantes desta arte e atrair novos olhares. Como todo segmento de cultura, arte e entretenimento de nível mundial, o carnaval deve ser tratado e repensado, sempre que houver necessidade. Acredito ter sido o tiro certo, dado no momento exato, conduzido, sabiamente, por artistas que compartilham em suas carreiras e vidas pessoais o papel de cidadãos comprometidos com o legado a ser deixado para o debate saudável do coletivo. Há muito tempo não assistíamos os foliões, na Passarela do Samba, com este prazer de cantar, pular, bater no peito, se arrepiar e chorar, com tamanha garra e vontade. O bom enredo e samba foram os protagonistas da festa popular, e foi gratificante saber que, desta vez, o samba não sambou, pelo contrário, sambou na cara dos inimigos. E ainda desfilou com os amigos, causou, afrontou e entrou no “trending topics mundial”. “Chegou a hora de mudar, erguer a bandeira do Samba”. Vamos “desobedecer pra pacificar”, sejamos “sentinela da libertação” “onde a esperança sucumbiu”. Que em 2019, a Sapucaí seja, de novo, o divã do Brasil.
José Antônio Rodrigues Filho Gestor do Prêmio Plumas & Paetês Cultural
| Mensagem |
Avenida Central (atual Av. Presidente Vargas) os cordões, que deram origem aos blocos e escolas de samba. Portanto, trata-se de patrimônio imaterial de extrema importância cultural e econômica para o Estado do Rio de Janeiro. Para o Carnaval de 2018, o Governo do Estado investiu R$ 9.710.200,00, em carnaval de rua e escolas de samba através da Lei Estadual de Incentivo a Cultura, o que além do enorme ganho econômico para o Estado, incrementou o Fundo Estadual de Cultura com R$ 1.942.040,00. O Investimento no Carnaval, sem dúvida nenhuma representa enriquecimento para o Estado, e, obviamente merece
A Importância do Carnaval no Estado do Rio de Janeiro
O
Carnaval do Rio de Janeiro é uma manifestação cultural e festa popular mundialmente famosa. Talvez a festa popular mais conhecida no mundo, sendo uma atração que
chama atenção por todos os diferentes tipos de manifestações, como desfiles de escola de samba, bailes de carnaval, carnaval de rua, bandas e blocos de rua. Ao consultar várias fontes de pesquisa, pude notar que o Carnaval do Rio passou por inúmeras fases e transformações. Na primeira metade do século XIX a brincadeira tinha características bem diferentes das manifestações que se sucederam e surgiram na segunda metade quando as manifestações de rua passaram a ser mais organizadas através de agrupamentos, clubes e associações. Em verdade, o Carnaval Carioca remonta do período da In-
dependência do Brasil, quando a elite carioca decidiu se afastar do passado lusitano e incrementar a aproximação com as novas potências capitalistas, chegando oficialmente ao Brasil
ser um compromisso permanente do Governo, pois a diversidade de expressões, tradições e preciosos talentos nos municípios fluminenses, que formam a rica composição da arte e da cultura no mapa RJ, atestam a grande importância do Carnaval para o desenvolvimento do Estado. A missão da Secretaria de Estado de Cultura é ampliar tal cenário para todos os municípios, nas dez regiões do Estado – Noroeste, Norte, Serrana, Baixadas Litorâneas, Leste Fluminense, Metro Capital, Baixada Fluminense, Médio Paraíba, Sul Fluminense e Costa Verde. Destaca-se a estratégica composição de parceria com a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, através da Frente Parlamentar de Valorização da Cultura – ALERJ, presidida pelo Deputado Estadual André Lazaroni, que vem empreendendo esforços na consolidação e apoio para a Cultura no Estado. A Secretaria de Estado de Cultura está aberta aos 92 municípios do Estado para avançar na busca por investimentos que apoiem todas as manifestações culturais, e, em especial o Carnaval, através da associação do fundamental conceito de que cultura é desenvolvimento, para, assim, promover em conjunto a efetivação da máxima “Cultura para todos”!
no século XVII, trazido pelos portugueses com o nome de Entrudo, oriundo dos grandes bonecos do Carnaval de Portugal. Com o passar dos anos a festa mudou e surgiram na antiga
Leandro Sampaio Monteiro Secretário de Estado de Cultura do RJ
| Sumário |
| Mensagem |
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A ARTE NEGRA DE WILSON MOREIRA A história de vida e arte do carcereiro que cantou a liberdade
COMISSÃO DE FRENTE: A DOR E A DELÍCIA DE SER EXTRAORDINÁRIO
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O quesito que mais inova é também um dos que gera maior expectativa
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UM LABORATÓRIO PARA OS ARTISTAS DA FOLIA Conheça o carnaval virtual
MEMÓRIAS DO CÁRCERE
H
á mais de 30 anos de vida pública, aprendi que não se faz nada sozinho. No carnaval, uma atividade marcadamente coletiva, não podia ser diferente. E como duas cabeças pensam melhor que uma, nada como a coletividade para estimular a criatividade. Unindo forças, um ajuda o outro, dá suporte e motivação. Sabemos que o país não vive os seus melhores momentos, mas a lição do carnaval revela o quanto, com a participação de todos, podemos avançar. Mesmo antes de assumir a secretaria Estadual de Esporte, função que, com muito orgulho, exerci durante a Copa do Mundo no Brasil, já tinha a certeza de que estas atividades culturais e esportivas, como as desenvolvidas pelas
escolas de samba, tanto na Avenida quanto em seus projetos sociais, são decisivas para o futuro dos nossos jovens e do país. Da mesma maneira, o Prêmio Plumas & Paetês Cultural, que chega à sua 14ª edição, nos mostra, cada vez mais, a importância de tantos profissionais, na sua maioria anônimos do grande público, que, juntos, são responsáveis por um espetáculo conhecido mundialmente. Uma prova de que quando a gente se une, o mundo inteiro se junta pra aplaudir.
Manoel Gonçalves Filho assessor chefe do secretário de Cultura do estado do Rio de Janeiro
O reencontro de Wilson Moreira e Bira da Mocidade, dois agentes penitenciários unidos pelo samba
RAZÃO E SENSIBILIDADE NO CARNAVAL
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10
Eu sou o Samba A 14ª edição do Plumas homenageia aqueles que dizem no pé
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Conheça a trajetória de Alex Castro, premiado como Melhor Gestor de Ateliê 2018
Edições anteriores baixe o qr reader
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OS REIS DA FESTA: Os 50 anos do concurso oficial de Rei Momo do Rio de Janeiro
| Galeria 2017 | Confira as imagens dos premiados da 13ª edição do prêmio Plumas & Paetês Cultural, em homenagem ao compositor Zé Katimba. A premiação ocorreu em 01 de julho, no Teatro Carlos Gomes, e reuniu representantes das agremiações de todas as divisões dos desfiles.
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Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
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Foto: Wigder Frota
Fotos: Edimar Silva
Eu sou o Samba existo pra eles. E enquanto houver passistas, resistirei; eles nunca me deixarão morrer. Pois sou o Samba. E eles também.
Por: Gabriel Cardoso
Este ano, o Prêmio Plumas e Paetês Cultural propõe a seguinte reflexão: será que ainda somos mesmo escolas de
A 14ª edição do Plumas exalta aqueles que dizem no pé
E
u sou o Samba. Herói da resistência. No pé, sou dança que afugenta dores, ginga que se esquiva de preconceitos. Meu baile é na rua. Minha folia
contagia. E eu te desafio a ficar parado, quando aquele tambor começar a tocar. Seu corpo sacode involuntariamente por minha causa. Estou na sua alma. A história me fez DNA de uma escola. Escola de Samba. Por lá, vieram até mim aqueles que nasceram pra me dominar: os passistas. Cabrochas e malandros. Que me defendem com paixão e levam a arte da minha dança para iluminar outras curimbas do mundo. Em torno deles, criaram-se carnavais inteiros, as mais belas canções de amor. Cabrochas e malandros que me levam a sério e lutam pelo resgate da minha essência. Pois sou parte deles. Mas também sou parte de um morro inteiro. Um morro que festeja comigo. Que precisa de mim. E me faz de escudo, espada e cruz. Eu Revista
10 Plumas & Paetês Cultural 2018
Sonia Capeta
Aldione Senna
| Gestão de Carnaval |
samba ou será que estamos perdendo a identidade do nosso patrimônio cultural? Nos desfiles de hoje, é frequente observar que muitas alas de passistas atravessam a Avenida coreografadas de ponta a ponta. Logo a ala em que se faz necessária a apresentação da dança do samba, um dos únicos momentos no qual se identifica uma escola de samba. E ela passa justamente sem... samba? A escola passeia, a alegoria imponente brilha, o povo brinca, o folião pula. Mas o passista samba. Precisa sambar. Passistas defendem seu pavilhão sambando. São responsáveis por impedir que nossa cultura seja confundida com qualquer outro espetáculo de entretenimento do mundo: nada se compara ao samba no pé. É por isso que, em sua 14ª edição, o Prêmio Plumas e Paetês passa a premiar os passistas da Série A e do Grupo Especial, além de homenagear, com o troféu “Eu Sou o Samba”, seis daqueles que são considerados alguns dos mais importantes profissionais da arte de sambar do carnaval, e que dedicam suas vidas a propagar (e a resgatar) a cultura sambista. São eles: Aldione Senna, Celynho Show, Eduardo “Pelezinho” Campista, Nilce Fran, Sonia Capeta e Valci Pelé:
Apelidada por Joãosinho Trinta pelo seu infernal samba no pé e seu rebolado de liquidificador, Sonia Capeta é passista desde os 10 anos de idade e um dos grandes nomes que marcaram a história da Beija-Flor. Aos 19 anos, sagrou-se rainha de bateria da agremiação, posto que defendeu por duas décadas. Vencedora de inúmeros prêmios de Melhor Passista (entre eles, o Estandarte de Ouro), seu nome batiza o palco da agremiação e, através de Laíla, ganhou o título de eterna rainha da escola.
Vencedora de nada menos que dois Estandartes de Ouro de Melhor Passista (pela GRES Unidos de Vila Isabel) e integrante de algumas das mais renomadas companhias de dança do Brasil, Aldione Senna levou o samba para países como Portugal, Japão, Argentina, Paraguai e Filipinas. Professora de dança, a passista já preparou candidatas à rainha do carnaval e dá aulas no Projeto Social “Gente que samba é feliz”.
Nilce Fran Nilce Fran é daquelas que possui uma vida inteira dedicada ao samba. Começou como porta-bandeira mirim, foi rainha de bateria da Portela, venceu o Estandarte de Ouro (2012), é presidente de honra da GRES Rosa de Ouro (RJ) e bailarina dos cantores Dudu Nobre, Serjão Loroza e Zeca Pagodinho, levando sua arte para todo o mundo. Coordenadora da ala de passistas da Portela e da Viradouro, é também instrutora de dança em projetos sociais e responsável pela formação de grandes nomes da arte de sambar, entre passistas, rainhas, musas e destaques.
Celynho Show Aos oito anos de idade, Célio Roberto de Oliveira Justino, o Celynho Show, já era “o menino que flutuava sambando”, conhecido por sua ginga suave e seu samba de gente grande. Depois de estrear pela Acadêmicos do Engenho da Rainha, Celynho passou pelo Salgueiro, recebeu convites para ser passista em várias escolas e conheceu o mundo graças ao samba. O passista se orgulha também de ter feito parte do time da produtora do saudoso Joãosinho Trinta.
Eduardo Campista Com quase 25 anos de carnaval na bagagem, Eduardo Campista, mais conhecido no mundo do samba como Pelezinho, já passou por Estácio de Sá, Porto da Pedra, Sossego, Tradição e Unidos da Tijuca (nesta última venceu o Estandarte de Ouro de Melhor Passista, em 2009), e foi coordenador das alas da Renascer de Jacarepaguá, da Alegria da Zona Sul e da Lins Imperial. Atualmente, Pelezinho é coordenador da Ala de Passistas da Estácio de Sá e realiza shows particulares para grandes eventos.
Valci Pelé Coordenador da Ala de Passistas da Unidos do Viradouro e ganhador de vários prêmios (entre eles dois Estandartes de Ouro), Valci Pelé é um dos mais conceituados passistas do Carnaval. Criador do Projeto Primeiro Passo, é idealizador da lei que cria o dia do passista, comemorado em 19 de fevereiro. Atualmente, o passista participa de eventos pelo Brasil inteiro, relativos ao mundo do samba. GABRIEL CARDOSO é jornalista, escritor, compositor e ritmista.
| Gestão de Carnaval |
Por: Ruidglan Barros
Comissão de Frente: A dor e a delícia de ser extraordinário
E
ntre os segmentos de uma escola de samba, seguramente um dos que mais ganharam destaque, nos últimos anos, foi a Comissão de Frente. Inicialmente criada, de forma despretensiosa, as comissões traziam integrantes ilustres da escola, carregando bastões, dando boas vindas ao público e apresentando a agremiação. De lá pra cá, estas funções
se mantiveram intactas, mas a forma como estas apresentações vêm sendo feitas ganharam ares de um espetáculo à parte. Ainda na primeira metade de século XX, as escolas de samba já procuravam inovar nas comissões de frente, mas, somente na década de 1980, pôde-se observar um maior rigor técnico ao unir a criatividade de artistas plásticos e coreógrafos. A este apuro visual seria acrescido, nos anos seguintes, um certo “elemento surpresa” que daria a este quesito, a função primeira de impactar o público. E, talvez, resida aí uma questão nevrálgica às comissões de frente atuais: estariam elas tornando-se, pouco
Olhando para o carnaval atual, é notória a expectativa
si mesma, exigindo dos criadores uma inovação constante em
que se coloca sobre a comissão de frente. Não somente em
uma velocidade difícil de acompanhar. E agora coreógrafos?
relação aos 40 pontos que ela pode representar, mas, sobre-
Como ser extraordinário sempre?
tudo, pela quase obrigação de trazer sempre algo “extraordi-
O campo da criatividade humana é infinito, no entanto,
nário” para a avenida. Um efeito, uma surpresa, algo novo
não podemos aprisioná-la no universo da técnica, ou seja, a
e diferente. Assim, a comissão de frente tornou-se sinônimo
criatividade é talento, mas também fruto de uma conjugação
de inovação e impacto, pondo em segundo plano os demais
de fatores como ambiência, inteligência, oportunidade e co-
elementos que compõem uma boa apresentação (bailarinos e
ragem de assumir riscos. E tudo isso já vem fazendo parte do
atores profissionais, coreografia apurada, encenação compe-
quesito.
tente, figurino adequado).
Quando percebemos que chegamos ao “topo” e, no entanto,
Há tempos que a dança vem sendo carro-chefe das comis-
precisamos avançar, podemos nos perguntar: Para onde ir?
sões, seguida de muito perto pelo teatro, daí serem julgadas
Por qual caminho? Voltar? Estas e outras perguntas devem
pela sincronia e pela beleza plástica dos movimentos, além
estar circulando nas mentes criativas e criadoras do carnaval.
da interpretação dos personagens. Mas, de uns tempos para
Talvez a resposta esteja em outra questão: Quais os caminhos
cá, os próprios coreógrafos foram acrescentando elementos de
que as Comissões de Frente ainda não percorreram para que
outras linguagens, como truques ilusionistas, trocas de roupas
possam continuar a ser extraordinárias?
ultrarrápidas, luzes em forma de raios, elementos pirotécnicos e até voos por cima do público. Esta criatividade desenvolveu-se de maneira tão rápida que agora parece voltar-se contra
Ruidglan Barros é doutorando em educação, professor de teatro, coreografo e julgador do quesito comissão de frente.
a pouco, vítimas de si mesmas por não conseguirem acompanhar o ritmo da exigência de serem sempre incríveis?
Foto: Wigder Frota
O quesito que mais inova é também um dos que gera maior expectativa
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Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
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| Gestão de Carnaval |
Por: Leonardo Antan
Um laboratório para os artistas da folia Foto: Wigder Frota
Conheça o carnaval virtual
estruturada e organizada em um ambiente
da Cubango. Natural do Paraná, ele ingressou na
democrático”.
folia virtual há dez anos, quando ainda não tinha
Para fundar uma agremiação, três fun-
nenhum contato com o carnaval da Sapucaí. A
ções básicas são exigidas: presidente,
experiência de oitos desfiles na GRESV Pura So-
carnavalesco e intérprete, que podem ser
berba lhe deu a bagagem inicial necessária para
exercidos pela mesma pessoa, caso você
tentar a sorte no Rio, em 2012. De lá pra cá, in-
seja multitalentoso. Os desfiles são forma-
tegrou comissões, trabalhou para outros profissio-
dos pelos “croquis” de alegorias e fantasias
nais e atualmente faz dupla com Gabriel Haddad,
organizados num website, onde estão em
que também já criou para escolas virtuais, como
julgamento enredo, samba, alegorias, fan-
a GRESV Apoteose.
tasias e conjunto. No júri, profissionais e
Outro caso de sucesso mais recente é Guilher-
pesquisadores do carnaval “real”, firmando
me Estevão, o jovem formado em Arquitetura dá
um diálogo entre as duas festas ao longo
expediente na folia virtual há dez anos, oito deles
do ano.
na GRESV Ponte Aérea, onde já foi bicampeão.
Neste cenário, as entidades virtuais se tornaram um lugar
Atualmente, é assistente e desenhista não só dos principais
de experimentação, um ambiente mais aberto à criatividade
grupos da folia carioca (como Porto da Pedra e Renascer),
e menos engessado que as decisões pragmáticas da Avenida
mas também em São Paulo e Uruguaiana. O longo currículo
de concreto. É um ambiente para a criação de um repertório,
foi conquistado através da bagagem na grande rede: “Eu nun-
explica o carnavalesco (dos mundos “virtual” e “real”), Jorge
ca ofereci meu trabalho, as pessoas me procuraram por co-
Silveira: “me apaixonei pela ideia e passei a usar isso como
nhecer meus desenhos e minha trajetória no carnaval virtual”,
um portfólio, que eu recomendo para a garotada que quer
explica. Já Gustavo Wilman e Ailson Picanço formam uma
testar os seus conhecimentos”.
parceria de compositores iniciada na web e que já disputa em
O artista é hoje um dos mais bem-sucedidos exemplos de egressos da folia da web. Protagonizou, em 2018, um marco:
Q
uantos jovens pensam em ser carnavales-
Entre agosto e setembro, a alegria carnavalesca ganha as
cos, intérpretes, compositores e ingressar no
telas dos computadores, aproveitando um período mais “mor-
mundo das escolas de samba, mas não sa-
no” da folia da Sapucaí, reunindo apaixonados pelo samba
bem como? A dificuldade de realizar esse so-
e criando um lugar de experimentação. As escolas virtuais
nho afasta muitas pessoas de um evento ainda marcado pela
estão atualmente divididas em duas ligas: a mais antiga é
informalidade. O caminho pra atingir esse objetivo é tortuoso,
a LIESV (Liga das Escolas de Sambas Virtuais) fundada em
já que não existe uma graduação específica ou receita pronta.
2003, que conta com 22 agremiações atualmente. A outra
Com isso, surgem novos espaços que simulam a folia e suas
entidade é uma dissidência da liga original, chamada apenas
dificuldades, funcionando como um verdadeiro laboratório
de “Carnaval Virtual”, que já reúne os principais nomes do
para novos profissionais. Um desses exemplos é o chamado
mundo cibernético. Segundo o presidente Gustavo Wilman,
“Carnaval Virtual”.
a nova organização “surgiu do desejo de criar uma liga mais
14
Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
não se restringe ao âmbito plástico-visual.
o enredo da São Clemente em homenagem à Escola de Belas
Consolidando o intercâmbio entre as duas folias, o car-
Artes já havia sido apresentado, por ele mesmo, na GRESV
naval virtual mostra que, além de uma brincadeira séria de
Mocidade, em 2012, marcando esse trânsito das duas folias.
apaixonados e um laboratório para os pretensos artistas, a
Além do lado artístico, o virtual também permite a que-
distância entre as folias real e virtual pode ser menos uma
bra das distâncias geográficas, reunindo apaixonados de todo Alegoria do desfile da São Clemente, de 2018, inspirada na ilustração (da página ao lado) do enredo homônimo, desenvolvido pelo mesmo carnavalesco, Jorge Silveira, para a G.R.E.S.V. Mocidade, em 2012
escolas reais do Rio e São Paulo, provando que este processo
diferença de suporte e mais uma questão de tempo.
Brasil que sonham chegar ao mundo dos barracões e quadras. Um desses exemplos, é Leonardo Bora, atual carnavalesco
Leonardo Antan é mestrando em arte, redator do site Carnavalize e presidente/carnavalesco da escola de samba virtual Pindorama
| Homenagem |
Por: Tiago Ribeiro
A arte negra de Wilson Moreira A história de vida e arte do carcereiro que cantou a liberdade
Eu gostava muito de jogar bola, mas minha mãe reclamava muito. Saía de manhã, jogava minha pelada até meio dia”. Do samba sua mãe também não era muito fã, foi pela influência de outros parentes maternos que tomou gosto pelo batuque. Oriundos de Minas Gerais, seus tios se fixaram no interior do Estado do Rio de Janeiro, nas regiões de Avelar e Paraíba do Sul, para onde ia com dona Hilda, de tempos em tempos, quando ficava com saudades. Com primos calangueiros e violeiros, um tio tocando sanfona de oito baixos e uma tia jongueira, que traziam a herança dos pais tocadores de caxambu, o gosto pela música aflorou. Aos 13 anos, de maneira ainda inocente, compôs sua primeira canção. Mas antes de se aventurar em versos e melodias, foi pre-
Fotos: Edimar Silva
ciso ajudar em casa, já que seu pai, cardíaco, faleceu quando Wilson tinha oito anos. Aos 12, trabalhou numa pensão entregando marmitas, foi engraxate por um tempo e vendeu muita laranja e amendoim na ponte de Realengo. Aos 13, por intermédio de uma vizinha, tornou-se guia de cego, na Aliança dos Cegos, na São Francisco Xavier - um trabalho que durou cerca de um ano, do qual guarda belas recordações de seu Adelino de Jesus: “Eu não conhecia direito a cidade, ele sabia tudo, praticamente ele que me guiava. Aprendi muito com esse português” – aos 14 foi trabalhar numa oficina de estamparia: “Eu trabalhei em várias coisas. Minha profissão é bombeiro hidráulico, que aprendi no ginasial. Só não fiz faculdade porque não deu”. Enquanto ganhava uns trocados, não deixava de acompanhar o que havia se tornado sua paixão: as escolas de samba. No fim dos anos 40 já assistia aos desfiles das escolas no bairro, como a Voz do Orion, Três Mosque-
ono de sucessos como “Goiabada Cascão” e “Ju-
D
Nascido pelas mãos de uma parteira, na rua Mesquita,
dia de Mim”, membro das alas de compositores
em Realengo, em 12 de dezembro de 1936, Wilson Moreira
aqueles sambistas cantando, a poeira levantando, os sambas
da Mocidade e Portela, fundador do G.R.A.N.E.S
Serra morou naquele mesmo bairro até 1992. Filho de Hilda
de terreiro. Cada enredo bonito, era gente à beça, coisa boa.
Quilombo, Wilson Moreira é também autor de um dos hinos
Moreira Serra - do lar, lavadeira e que trabalhou em pensão –
A gente ia pra casa e ficava com o samba na mente”. Logo
pelas Diretas Já, “Senhora Liberdade”. Com tanta história pra
e de Francisco Moreira Serra - Wilson é o segundo dos seis fi-
ingressou na Unidos da Água Branca, que era próxima de sua
contar, nos reunimos com nosso homenageado, que nos rece-
lhos do casal. Arteiro, gostava muito de brincar na rua: “Joguei
casa. Nela, se aventurou na bateria: “Cheguei a pegar um
beu com o seu firme aperto de mão – que lhe deu o apelido
bola de gude, soltei pipa, graças a Deus joguei meu futebol.
surdo pra tocar, mas era muito grande, demorava muito pra
de alicate – e muita cantoria.
Eu era beque central, joguei no time Ipiranga de Realengo.
carregar. Tocava bem mesmo o tamborim”.
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Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
teiros e Unidos de Curitiba: “Eu ia lá pra ver
E foi nesta agremiação que teve a oportunidade de conhecer aquela que marcaria para sempre a sua vida: “Numa reunião na Água Branca, um diretor da Mocidade apareceu e convidou para que os componentes se juntassem aos da escola, após o nosso desfile no chamado Coletivo. Acabada nossa apresentação em Realengo, pegamos o trem e fomos para a Praça Onze, onde hoje é a estátua do Zumbi, ajudar a Mocidade”. O ano era o de 1957, o enredo era “O Baile Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
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das Rosas”, era a estreia da Mocidade
até passar para guarda de presídio, em
campanha das Diretas Já. É também da
sempre gostei daquele azul e branco
fora do seu local de origem, ainda pelo
Bangu (antes da construção dos famo-
dupla o disco “A Arte Negra de Wilson
de Oswaldo cruz. A Mocidade é onde
segundo grupo. Wilson Moreira estava
sos complexos presidiários do bairro),
Moreira e Nei Lopes”, um marco na luta
comecei, onde as pessoas me enten-
como expectador, mas logo seu envolvi-
onde se aposentou após 35 anos de
em defesa do povo negro e do samba
deram, sempre torceram por mim. Até
mento seria maior.
serviço. Distante da Mocidade, foi parar
de raiz.
hoje tem um diretor, o Geraldinho, que
Por mais que fosse ritmista na Uni-
na Portela, em 1968, após comparecer
Foi ainda na escola do Candeia que
dos da Água Branca, na Mocidade não
a uma reunião na azul e branca, levado
sua primeira esposa, Nilcrê, foi porta-
se aventurou nos instrumentos “Eu
por um amigo, que coincidentemente
-bandeira (função que já tinha desem-
Hoje, após mais de 60 anos de car-
gostava de tocar meu pandeiro, mas
reencontrou, no trem, vindo da Central
penhado anteriormente na Santa Cruz).
reira, comemorados em 2017, Wilson
sair na bateria do André (que na época
do Brasil, indo para Madureira. Wilson
Com ela, que faleceu em 1981, teve
Moreira acumula inúmeras parcerias de
ainda não tinha alcunha de Mestre) era
resolveu ir junto após lembrar uma frase
dois filhos, Andréa Cristina e André Luiz.
sucesso. Além dos já citados, compôs
muita responsabilidade”. Por isso, ini-
dita por Natal, em uma visita à Moci-
Cinco anos depois, com outra mulher,
com Zeca Pagodinho, Candeia, Nel-
cialmente, desfilou na ala dos boêmios
dade, quando o viu cantar: “a hora que
foi pai da Vanessa. Dos três, apenas An-
son Cavaquinho, Grande Otelo, Carlos
(mas jura que ninguém bebia), numa
você quiser ir pra Portela, as portas es-
dréa se envolve com música: “Ela é o
Cachaça, Sérgio Cabral, Moacyr Luz
época em que os próprios integrantes
tão abertas”.
meu brinco. Com 10 anos já ia pra Por-
e muitos outros. Suas canções foram
vai lá em casa. O pai dele tá fazendo um documentário sobre mim”.
confeccionavam suas fantasias. Logo em seguida,
Na nova casa, sentiu-se muito bem
tela”. Desde 1996 é casado com Ângela
gravadas por artistas como Zezé Motta,
formou um trio como passista e fundou quatro alas
recebido. Integrado à ala de composito-
Nenzy, que conheceu também na época
Clara Nunes, Beth Carvalho, João No-
(lordes, baixareis do samba, boêmios e mocidade
res, apresentou o samba “O Mais Belo
do Quilombo, quando foi tirar uma dú-
gueira, Eliseth Cardoso, Roberto Ribeiro
unida de Realengo), para finalmente ingressar na ala
Requinte”, muito elogiado, que acabou
vida no MIS, onde ela trabalhava, para
e outros tantos. Já Jamelão, está entre
de compositores: “eu fazia umas músicas, mas não
entrando na primeira faixa do disco lan-
composição do samba da escola. Mas
os que quase gravaram uma de suas
acreditava. E a turma da Mocidade (compositores)
çado pelo seguimento: “Não teve inveja,
o romance só começou anos depois,
canções, neste caso, o samba “Fulana
era muito boa. Até que fiz um samba, que mostrei
não teve rebuliço, não teve nada. Peguei
quando se reencontraram.
de Tal”, (composto com seu primeiro
pro Paulo Brasão (compositor da Vila Isabel) e ele
o disco e fiquei andando com ele de-
É de autoria de Ângela a única bio-
parceiro, conhecido como Da Volta) e
falou pra mostrar lá no terreiro que dava pé. Todo
baixo do braço em Padre Miguel”. Na
grafia de Wilson Moreira, narrada em
que estará no próximo disco de Wilson
mundo cantou, aí eu acreditei. Cheguei em casa e
Portela não conseguiu levar samba para
quadrinhos, com ilustrações do cartu-
Moreira, ainda em pré-produção.
falei: ‘mamãe, sou compositor’”.
a avenida, mas voltou a vencer a dispu-
nista Ykenga, lançada em 1997. Sua
Com mais de 80 anos de idade, o ar-
E ele, que se considera um dos fundadores da
ta no Grêmio Recreativo de Arte Negra
esposa também dirige o Centro Cultu-
tista continua cantando, mesmo sob as
Mocidade (por acompanha-la desde o seu primeiro
Escola de Samba Quilombo, que ajudou
ral Solar de Wilson Moreira, inaugurado
dificuldades motoras após o AVC sofrido
desfile oficial), teve, em 1962, a honra de ter um
a fundar, junto do Candeia: Ele disse
em 2011, na Praça da Bandeira, bairro
em 1997. Com mais de 400 canções
que ia fazer uma escola e perguntou: “tá
em que moram há 20 anos. O espaço
no currículo, muitas delas ainda inédi-
comigo?”. Respondi: “contigo eu tô, só
já abrigou oficinas de instrumentos mu-
tas, o homenageado do Plumas & Pae-
não vou sair da Portela. No Quilombo eu
sicais, culinária, artesanato, reciclagem,
tês Cultural 2018 segue entoando seus
era diretor de harmonia ao lado do Jorgi-
espetáculos de teatro, dança e shows.
sambas, jongos, lundus e ijexás, sob as
nho Pessanha, do Império Serrano”.
Além disso, serviu de concentração do
bênçãos de seus orixás, exercendo, toda
Foi no Quilombo que iniciou a sua
bloco carnavalesco Amigos de Wilson
a propriedade de sua arte negra.
mais famosa parceria musical, com Nei
Alicate, criado em 2013, para homena-
Lopes, apresentado por Délcio Carvalho
gear o compositor.
samba seu (em parceria com Arsênio e Jurandir) cantado na avenida, levando a escola a um honroso 5º lugar entre as grandes do carnaval. O enredo era “Brasil no Campo Cultural”. No ano seguinte, repetiu o feito com o seu primeiro parceiro de música, Ivan Pereira (mais conhecido como “Da Volta”), num enredo que cantava o lugar de origem dos seus parentes que o influenciaram na música, “As Minas Gerais”. Pelo sucesso como compositor, foi agraciado com uma bolsa de estudos para representar a escola em um curso com o maestro Guerra-Peixe, no Museu da Imagem e do Som (MIS), já que fora o mais votado pela diretoria. Porém, o presidente da ala, na época, foi contra, o que entristeceu Wilson, que acabou fazendo o curso e se afastando da Mocidade. Depois de fazer
18
Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
aulas de canto, violão e divisões rítmicas, ingressou em um curso com Maria Luisa Priolli, patrocinado pela Ordem dos Músicos do Brasil (OMB). Foram dois anos estudando música, mas como tinha que sustentar a casa, não conseguiu prosseguir. Neste meio tempo passou a atuar como cantor, na TV Continental, e lançou seu primeiro disco “Acossante”, em 1967. No ano seguinte, entrou para o conjunto Os Cinco Só (com Zuzuca do Salgueiro, Zito, Jair do Cavaquinho e Velha), mas a vida inconstante da música ainda o obrigava a ter outras fontes de renda. Na busca por trabalho, Wilson Moreira foi prestando provas para concursos públicos,
como “aquele que coloca música até em
Em 2017, viveu a alegria de ver as
bula de remédio”. Com Nei compôs su-
duas escolas de samba do seu coração
cessos como Goiabada Cascão, Gostoso
serem campeãs, juntas: “A Mocidade
Veneno (sucesso na voz de Alcione) e
é um negócio que está no meu cora-
Senhora Liberdade, espécie de hino na
ção, mas sou portelense desde criança,
Tiago Ribeiro é carnavalesco, jornalista, mestrando em Artes e editor da revista do prêmio Plumas & Paetês Cultural.
Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
19
Por: André Camargo
Memórias do Cárcere
O próprio Wilson Moreira lembra que, quando Zezé Motta gravou “Senhora Liberdade” um dos presos, que ouvia a gravação em seu radinho de pilha, achou que a música era de algum parceiro de crime, pelo conteúdo da letra. Quando o radialista informou o nome de Wilson, após a execução da faixa,
Foto: José Antônio Rodrigues
| Homenagem |
o interno correu ao seu encontro e lhe abraçou, dizendo que também sabia compor “e tinha cada coisa bonita...” conta. Após algum tempo, quando já estava de saída, o ex-detento recebeu do compositor famoso a dica de onde levar suas canções: “Ali no Largo da Carioca, de vez em quando vai o Agepê,
O reencontro de Wilson Moreira e Bira da Mocidade, dois agentes penitenciários unidos pelo samba
o Nazinho da Ilha, o Bezerra da Silva, vai lá. Aí um dia nos encontramos no centro da cidade e ele me mostrou o LP de Bezerra da Silva, que tinha gravado uma de suas músicas”. Com o passar dos anos – e as merecidas aposentadorias -,
trabalho no complexo penitenciário renderam-lhe inúmeras histórias, muitas engraçadas e outras tristes. Muitas ele fez questão de esquecer, mas algumas ficaram na lembrança, en-
U
ma amizade nascida no árduo ambiente de trabalho. Dois compositores e agentes penitenciários. Uma dupla de componentes da Mocidade que só
foram se conhecer anos depois, dentro do complexo presidiário em que trabalhavam. Para conhecer um pouco mais desses amigos de ofício e poesia, fomos ao encontro de Ubiratan Rodrigues Vieira atrás das lembranças dos tempos áureos de
tre elas os versos que o cárcere lhe inspirou a compor:
dado a sete chaves na Biblioteca Nacional. Quando soube que
ral, os olhos ficam cheios de lágrimas: “Será emoção pura.
passou a infância no bairro vizinho, Padre Miguel, praticando
Plumas de 2018. Ao falar destas memórias, relata que várias
a paixão compartilhada pelo amigo famoso: o futebol. Com os
composições do amigo Wilson Moreira foram feitas dentro do
amigos André (que se tornaria o célebre Mestre de Bateria),
presídio. “O ambiente era pesado. Não sei como conseguia
Wandyr (o Vô Macumba, atual presidente da escola) e Tião-
compor lindas canções. Algumas com relação direta com o
zinho (compositor), fundaram o time Independente Futebol
dia a dia dos presos como ‘Senhora Liberdade’, bordão co-
Clube, que logo virou bloco carnavalesco, embrião do que se
nhecido pelos detentos quando chegava o alvará de soltura;
tornaria a escola de samba Mocidade.
‘Goiabada Cascão’, era constantemente a sobremesa lá den-
De família humilde, Ubiratan conseguiu conciliar sua pai-
tro. ‘Mamão com Açúcar’ foi a primeira a ser apresentada no
xão pelo futebol e pelo carnaval até os 20 anos de idade,
ambiente de trabalho e custou uma suspensão de 60 dias ao
quando passou no concurso para agente de segurança peni-
Wilson. Era amigo de todos, dava conselhos e escutava os
tenciária da Polícia Civil, indo trabalhar no presídio de Bangu
presos. ‘Gotas do Sereno’, música que marcou minha vida, a
(antes da construção dos famosos complexos presidiários do
minha alma, entre outros grandes sucessos, e que, até hoje, é
bairro) onde conheceu Wilson Moreira. Os tempos árduos de
cantada por grandes interpretes da música popular brasileira”.
2018
trou apenas um deles, com o título “Musa do Samba”, guar-
Bira da Mocidade, como gosta de ser chamado, relembra com carinho e admiração a amizade com o homenageado do
Revista
quanto compunha mais alguns sambas como terapia - regis-
“Aurora, você me abandonou, Aurora, você me desprezou. Você me deixou sofrendo Atrás das grades desta prisão Isso não se fez não”.
Enquanto Wilson Moreira cresceu em Realengo, Ubiratan
20Plumas & Paetês Cultural
mas Bira continuou acompanhando o amigo pelas mídias en-
alguns artistas organizaram um show beneficente para ajudar
sua convivência com o homenageado do prêmio Plumas & Paetês Cultural 2018.
Ubiratan e Wilson foram, pouco a pouco, perdendo o contato,
o cantor, vítima de um AVC, Bira não teve dúvida, comprou vários ingressos e camisas para ajudar o ex-companheiro de labuta. Hoje, ao falar dessa amizade que a distância não apagou, se emociona. E ao imaginar o seu reencontro com o velho amigo, após 40 anos, no palco do Plumas & Paetês Cultu-
Acredito que Deus preparou este momento para mim. Estive perto do outro lado da vida por duas ou até mais vezes, ficava imaginando o que estava por vir, me perguntando se ainda tinha alguma missão a ser cumprida nesta terra, mas não conseguia ter respostas. Hoje eu sei. Deus não me levou porque eu precisava reencontrá-lo, homenagear meu amigo e irmão”. Quatro décadas depois, essa emoção, aprisionada, vai ganhar sua liberdade. andré camargo é Jornalista, graduado em Letras e revisor da revista do prêmio Plumas & Paetês Cultural.
FICHA TÉCNICA:
| Capa |
Por: Alex de Oliveira
Os Reis
Os 50 anos do concurso oficial de Rei Momo do Rio de Janeiro
P
cortejo pela Avenida Rio Branco. Feliz com o sucesso, mas ain-
verência, o Rei Momo é a figura emblemática da
da insatisfeito, no ano seguinte, o jornal elegeu o seu redator
maior festa popular do mundo. Durante os dias de
de turfe, Moraes Cardoso – um homem muito gordo – como
folia, com posse da chave da cidade, governa os súditos sam-
o primeiro Rei Momo, em carne e osso, do carnaval carioca.
bistas ao lado da Rainha do Carnaval. Um cargo de muita res-
Sempre presente nos desfiles carnavalescos, ovacionado com
ponsabilidade e orgulho, que desperta o interesse e a torcida
serpentinas, confetes e jatos de lança-perfume, seu reinado
de milhares de cariocas, todos os anos, num concurso que se
durou até a sua morte, em 1948. A partir daí a escolha do Rei
tornou oficial há meio século.
Momo passou a ser feita por entidades carnavalescas e jorna-
Filho da deusa Nix – personificação da noite – Momo é
lísticas, até tornar-se oficial, em 1968, através de lei estadual.
o deus grego da galhofa e do delírio, expulso do Olimpo por
Já a figura da Rainha do Carnaval surgiu em 1950, através
seu comportamento zombeteiro. Na Roma Antiga, era perso-
do sistema de voto vendido (parecido com a eleição da rainha
nificado no mais belo dos soldados, coroado por ocasião das
do rádio), coroando a vedete Elvira Pagã como a primeira so-
saturnais, tratado como verdadeiro senhor, comendo, beben-
berana da folia carioca. Este sistema se manteve até 1960,
do e se divertindo à exaustão, até ser sacrificado no altar de
substituído pelo voto de qualidade. Durante muitos anos a
Saturno, no final da festa. Posteriormente, passou-se a esco-
beldade eleita desfilou em carros alegóricos confeccionados
lher o homem mais obeso da cidade, para servir de símbolo
por consagrados artistas da Escola de Belas Artes (EBA) e, a
da fartura, do excesso e da extravagância. Na Espanha, surge
partir de 1986, num bugre, em companhia do Rei Momo, por
na literatura no século XVI e, sob a forma de um boneco, era
ocasião da abertura de todos os desfiles oficiais dos carnavais.
queimado para simbolizar a morte de Cristo. Em 1888, apa-
Reunindo representantes de vários clubes e grêmios carnava-
rece no carnaval de Barranquilla, na Colômbia, sob a forma
lescos, o concurso de Rainha do Carnaval tornou-se amparado
de um personagem alegre e simpático que autorizava a desor-
por uma lei municipal de 1985 (assim como a figura do Rei
dem carnavalesca com bumbos, pratos e maracas.
Momo).
No Brasil, após ser retratado pelo caricaturista Henrique
Com o passar do tempo, vários destes reis e rainhas se
Fleiuss, em 1862, e pelo palhaço Benjamim de Oliveira, em
tornaram parte do imaginário carioca. Abraão Reis é o recor-
1910, surgiu a ideia de torna-lo símbolo do carnaval carioca.
dista dos concursos, reeleito por 14 mandatos (1958-1971);
Em 1933, o jornal “A Noite” deu-lhe forma plástica, chamado
Edson Serafim Sant’Anna, reeleito 12 vezes, tornou-se jurado
de Rei Momo I e Único, esculpido em papelão pelo artista
do programa do Chacrinha; Reynaldo de Carvalho, conhecido
Hipólito Colomb, desfilando em carro aberto, num animado
como Bola, depois de anos como Rei Momo em Curitiba, foi
Revista 2018
Figurinos: Bruna Bee e acervo particular. Maquiagem: Fabiane Leiroza e Luiz Otávio Cabral. Acessórios: DMD Strass
da Festa
ersonagem da mitologia grega, símbolo da irre-
22 Plumas & Paetês Cultural
Fotos e Produção: Edimar Silva.
Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
23
HÁ 10 ANOS PARTICIPANDO, COBRINDO E REALIZANDO GRANDES EVENTOS. domínio da arte de sambar. Para as meninas, ainda contam a beleza de rosto, harmonia de linhas físicas e desembaraço. Ambos precisam residir na cidade do Rio de Janeiro, eleito no Rio de Janeiro, em 1987, e reinou até a sua morte, em 1995. Já Wilza Carla (eleita entre 1957 e 1959) ficou famosa ao interpretar a Dona Redonda na novela Saramandáia, da TV Globo. Entre os vencedores que mais se destacaram recentemente, a Revista Plumas & Paetês Cultural escolheu para ilustrar a
possuir o ensino fundamental completo e ter entre 18 e 55 anos (ele) e entre 18 e 40 anos (ela). Os prêmios incluem
RECEPÇÃO, FEIRAS, EVENTOS, SHOWS, DESFILES E ASSESSORIA DE IMPRENSA.
coroa, faixa, cetro e até 30 mil reais por pessoa, numa disputa que é muito mais que um concurso de beleza ou de simpatia, mas sim uma maneira de ficar imortalizado na história do carnaval carioca.
sua matéria de capa: o eleito para 2018, Milton Júnior (também vencedor entre 2009 e 2013); o tricampeão Wilson Neto (2014-2016); o atual carnavalesco da Unidos de Bangu, Alex de Oliveira (Rei Momo por 10 mandatos, entre 1997 e 2003 e 2006 a 2008), que foi homenageado pela câmara de vereadores com a Medalha Pedro Ernesto; a atual musa da Unidos da Tijuca, Ana Paula Evangelista (rainha do carnaval entre
Desde 2014, o Plumas & Paetês Cultural é o responsável pela confecção da coroa do Rei Momo da cidade do Rio de Janeiro
2005-2006); Clara Paixão, bicampeã em 2015 e 2016 (foi também 1ª princesa 2014 e 2ª princesa 2013); e Jéssica Maia, eleita em 2009 e 2018. Ao longo destes 50 anos muita coisa mudou. Se antes glutão, o Rei Momo não precisa mais ser gordo (como o Bola, que chegou a pesar 302 quilos e faleceu em uma clínica para emagrecer). Atualmente os requisitos são: desembaraço, sociabilidade, facilidade de expressão, simpatia e Revista
24 Plumas & Paetês Cultural 2018
Alex de Oliveira é arquiteto, carnavalesco e foi, por 10 anos, Rei Momo da cidade do Rio de Janeiro.
99217-7866 (21)
UMURAHPRODUCOES@HOTMAIL.COM
| Gestão de Carnaval |
Por: José Maurício Tavares
Fotos: José Antônio Rodrigues
Razão e Sensibilidade no Carnaval Conheça a trajetória de Alex Castro, premiado como Melhor Gestor de Ateliê 2018 cão, aprendeu todas as etapas da construção de um desfile, mas foi como aderecista das fantasias de composição (componentes de carro alegórico) que sua identificação com o fazer carnavalesco se
Q
Revista
26 Plumas & Paetês Cultural 2018
tornou mais evidente, servindo para direcionar a
uantas vezes nos deparamos
sua afirmação como criador. Mas, Alex sabia que
com a dúvida entre nos arris-
precisava apurar seu fazer artístico. Por isso, em
car numa nova profissão ou
2008, se dedicou à função de figurinista de uma
continuar num trabalho mais estável? Ao
companhia circense, uma etapa que considera
invés de rivalizar razão e emoção, Alex Cas-
muito importante para a sua carreira.
tro uniu as duas características, levando a
Em 2009, de volta ao carnaval, se viu diante
sua experiência em gestão e liderança do
de um novo desafio: assumir a criação e confec-
mundo corporativo para o universo carna-
ção dos figurinos das alegorias para o carnaval da
valesco, conquistando a confiança de grandes
Beija-Flor de Nilópolis. Após o sucesso na emprei-
nomes como Laíla, Alexandre Louzada e Fer-
tada, Alex Castro alçou um voo ainda mais alto em
nando Magalhães, numa trajetória de mais
sua carreira. Com a ida de Alexandre Louzada para
de 10 carnavais.
a Vai-Vai, recebeu o convite para assumir tanto a
O grande passo foi dado em 2007,
gestão do barracão e a confecção dos protótipos
quando Alex teve a sua primeira oportunida-
da agremiação paulista, quanto das fantasias de
de em um barracão de Escola de Samba. O
destaques e musas da Beija-Flor, do Rio de Ja-
desafio de mudar de ramo era grande, mas
neiro. Foi um ano em que o seu trabalho como
o sonho de trabalhar e viver exclusivamen-
figurinista ganhou grande visibilidade, pois estrelas
te da sua arte falou mais alto. No barra-
do carnaval, da televisão e da música, como Hebe
Camargo, Ana Hickmann, Maria Rita, Camila Silva, entre ou-
Foto: Arquivo pessoal
tras, apareciam na mídia com roupas confeccionadas por ele, chamando a atenção para a beleza e requinte das suas obras. Diante da afirmação do seu trabalho no mundo carnavalesco, Alex Castro inaugurou, em 2013, o seu próprio ateliê, atualmente localizado em São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Atende, além de musas, artistas e personalidades do carnaval, clientes dos segmentos da moda (Animale) e casas noturnas (The Week RJ e SP) do Brasil, EUA e Europa, produzindo figurinos personalizados e para shows temáticos. Além disso, atua como cenógrafo, todos os anos, no Miss Angola e confecciona as fantasias da Copa Samba Team, escola de samba Japonesa. Ele, que se orgulha de poder ajudar muitos profissionais que estão começando, se torna, ao receber o prêmio de Melhor Gestor de Ateliê do Plumas & Paetês Cultural 2018, um símbolo de que é possível dar razão ao que toca ao coração.
José Maurício Tavares é historiador, com especialização em arte, cultura, figurino e carnaval.
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Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
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Revista Plumas & Paetês Cultural 2018
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