Revista Nu Olhar

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uma realização da Casa da Photographia

NUOLHAR entre imagens e textos

R$ 2,00 ou 1kg de alimento

não perecível

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ANO I

exposições | palestras | oficinas | lançamentos de livros | workshops

fotoetnografia | olharviajante | entreolhares Pedro Jaime

Damário da Cruz

Antônio Olavo


NUOLHAR entre imagens e textos. Esta publicação, que agora chega a suas mãos, é um produto desenvolvido por uma equipe de peso, sendo muitos deles ex-alunos da Casa da Photographia e, que ao mesmo tempo, são profissionais altamentes capacitados em suas áreas de atuação. O lançamento da revista, juntamente com o a gosto ano dois, marca uma nova década aberta a novas e importantes realizações. Dessa forma, colocamos Salvador mais próxima dos grandes festivais nacionais de fotografia, trazendo para a cidade, exposições e encontros que objetivam as discussões e reflexões sobre o fazer fotográfico. Buscamos oferecer neste número um especial do a gosto, um conteúdo específico e totalmente acessível aos mais variados olhos. Tivemos a colaboração de pesquisadores fotógrafos dos mais importantes da atualidade, como Fernando de Tacca, Pedro Jaime e Luiz Santos; além de antropólogos e poetas. Enfim, tudo para mostrar como a fotografia transita por caminhos diversos e com destinos objetivados. Com tudo isso, esperamos receber sua carta. Ela nos oferecerá um atalho para chegarmos ao nosso foco com mais objetividade e, assim, mostrarmos nossa produção para os olhares diversos.

Marcelo Reis fotógrafo, diretor da Casa da Photographia e diretor do festival

NUOLHAR entre imagens e textos

Prestes a completarmos dez anos de fotografia produzimos alguns dos mais importantes eventos fotográficos da Bahia, e possibilitamos o fazer fotográfico a centenas de pessoas ao longo deste tempo. Com isso, nos sentimos capazes para atender a uma demanda existente há algum tempo, não só na Bahia como no Brasil.

Editor Marcelo Reis reis@nuolhar.com Coordenação editorial Danusa Maria danusa@nuolhar.com Jornalista responsável Caroline Vieira Sant´Anna ( DRT 1840 ) carolinevieira@nuolhar.com Revisão José Carlos Sant´Anna Reportagem Neuma Dantas | Flávia Vasconcelos Caroline Vieira Sant´Anna Assessoria de imprensa Marli Santana marli@nuolhar.com

Colaboração Fernando de Tacca | Luiz Santos | Pedro Jaime | Charles Batista Projeto gráfico da revista Filipe Cartaxo cartaxo@nuolhar.com Projeto gráfico do a gosto Frederico Filho infolha@gmail.com Comercial Tânia Reis contato: (71) 3248-9797 sugestões e críticas: redacao@nuolhar.com Cartas Rua Eurycles de Matos, 140 - Rio Vermelho CEP. 41950 250 Publicação bimestral da Casa da Photographia Produtora Os artigos publicados são de responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da revista NUOLHAR

foto da capa

festival patrocinado pelo:

© Antônio Olavo

entre imagens e textos

EDITORIAL

www.nuolhar.com

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quando a fotografia passeia pela bahia por Flávia Vasconcelos O agosto da Photographia volta ao cenário cultural baiano, agora com mais eventos do que no primeiro.

O

fotógrafo, sua obra e o grande público. Nada como juntar esses elementos, e torná-los intimamente interligados, favorecendo uma troca de impressões e conhecimento. É esse o objetivo do A gosto da Photographia ano II, promovido pela Casa da Photographia, começando a partir do dia 21 de julho até 31 de agosto. Um período intenso voltado para a fotografia irá trazer tal arte como tema de discussão e apreciação, através de palestras, exposições e oficinas, difundindo sua linguagem para Salvador, Feira de Santana, Vitória da Conquista, Cachoeira e São Félix, todos ao mesmo tempo.

Entre os muitos eventos programados para o A gosto da Photographia ano II, está a exposição “Eu que fiz”, uma mostra da artista plástica e fotógrafa Giovana Dantas que, traz um recorte de um ensaio maior sobre a Parada Gay de Salvador, em 2005. O trabalho tem como tema principal a moda de rua, aquela extravagante, criada pelos próprios usuários. “O nome da exposição veio da pergunta que eu fiz para todos, naquele dia, Quem fez sua roupa, seu sapato? E eles diziam, com muito orgulho gay, Eu que fiz!”, explica a fotógrafa.

O primeiro A gosto da Photographia aconteceu em 2004 e contou com a parceria das principais galerias e museus da cidade, entre eles o Museu de Arte Moderna (MAM-BA). A idéia do projeto agradou o meio artístico baiano e causou impacto, por não ter na Bahia muitas iniciativas que investissem na fotografia, o que serviu de estímulo para essa segunda versão, agora de forma mais madura e com a grade de eventos reforçada.

As fotografias do “Eu que fiz” possuem um enquadramento fragmentado. Na maioria das imagens, os rostos dos personagens não aparecem, se apegando às minúcias dos acessórios e das roupas de cores fortes e exuberantes. “A Parada Gay é um momento de muita alegria e é a ocasião que eles colocam a criatividade para fora. Eu quero mostrar detalhes de uma moda inventada por eles”, afirma. Posteriormente, os personagens e todo o trabalho vão ser apresentados em um ensaio completo sobre o tema, feito por ela e um grupo de profissionais da área.

Como se não bastassem as atividades programadas para o período, o A gosto da Photographia ano II realizará a campanha Olhos que não vêem, o que garantirá a arrecadação de alimentos não perecíveis, que deverão ser doados no ato da inscrição para as palestras e exposições, tanto em Salvador quanto no interior do Estado. Os alimentos arrecadados vão ser entregues à Aliança de Cegos, situada no Cabula, bairro de Salvador.

Segundo a artista, o A gosto ano II será um momento de discussão sobre fotografia, divulgando ainda mais essa linguagem na cidade: “Propor um evento anual em Salvador com essa abrangência que o A gosto da Photographia está a cada dia alcançando, será muito bom. Vão estar presentes pessoas que trabalham com fotografia, que escrevem e falam sobre fotografia e, por isso, é válido. Vamos ampliar horizontes”.

Vão ser em torno de 30 eventos, acontecendo nos mais de 20 espaços envolvidos, como palestras sobre antropologia e fotografia na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia, com a abertura do professor doutor Etienne Saiman, da Universidade de São Paulo (Usp), exposições nas galerias do Instituto Goethe em Salvador, montadas pela Pinacoteca de São Paulo, Era uma Vez em Havana, com curadoria de Diógenes Moura, mostra do fotógrafo carioca Walter Firmo, no Centro Cultural Dannemann, em São Félix, entre outros.

Para Reis, o alvo, ao elaborar esse projeto, era oferecer ao estado, um evento nos moldes dos já realizados em outras regiões do país, como em Brasília com o Foto Arte e no Rio de Janeiro com o Foto Rio, que tiveram contribuição significativa para o crescimento e fortalecimento da fotografia como arte, apresentando para a sociedade os olhares refinados dos profissionais envolvidos. Segundo o fotógrafo, a participação do Banco do Nordeste, patrocinador do evento, foi essencial para sua viabilidade, “muito mais do que por mero compromisso formal, mas por reconhecer a importância de ações regionais num país de tamanha dimensão”.

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O que o A gosto da Photographia ano II propõe é espalhar pela Bahia, a beleza da fotografia, toda sua dança de subjetividade e o que ela transmite. Segundo o fotógrafo Marcelo Reis, diretor da Casa da Photographia e coordenador geral do evento, os artistas e os espaços envolvidos se destacam nos circuitos artísticos baiano e nacionais: “Reunimos o que temos de melhor na nossa cidade e convidamos outros de igual importância. Todos imbuídos em propagar nossa fotografia pelos confins dos mais distantes olhares”, disse.


entre imagens e textos

AGENDAaGOSTO Galeria ACBEU

Caixa Cultural Salvador Rua Carlos Gomes, nº 57, Centro

Av. sete de setembro, nº1883, Corredor da Vitória

ABERTURA DO FESTIVAL: 21 DE JULHO AS 19H LANÇAMENTO DA REVISTA NUOLHAR

EXPOSIÇÃO: “ETNOLOGIA DA SOLIDÃO” MARCELO REIS 25 DE AGOSTO A 30 DE SETEMBRO

EXPOSIÇÃO COLETIVA DOS FOTÓGRAFOS ANTÔNIO OLAVO, LÁZARO ROBERTO, VALÉRIA SIMÕES, ANDRÉA FIAMENGHI, MÁRIO NETO E CÉLIA SERIANO 21 DE JULHO A 26 DE AGOSTO

LANÇAMENTO PARA CONVIDADOS DO LIVRO “A LEVEZA DO CONCRETO” FRANCISCO VIEIRA 31 DE AGOSTO AS 20H

Casa da Photographia de Salvador Rua Eurycles de Mattos, nº 140, Rio Vermelho

Aliança Francesa Av. sete de setembro, nº 401, Vitória

EXPOSIÇÃO DIA 3 DE AGOSTO AS 19H CHRISTIAN CRAVO | HIROSUKE KITAMURA | MÁRCIO LIMA ATÉ 15 DE AGOSTO EXPOSIÇÃO DIA 17 DE AGOSTO AS 19H EVANDRO TEIXEIRA ATÉ 29 DE AGOSTO

Galeria Cañizares EBA - UFBa Av. Araújo Pinho, n° 19, Canela

OFICINA: ÉTICA E ESTÉTICA NO FAZER FOTOGRÁFICO - R$ 250 7 A 25 DE AGOSTO, DAS 19H AS 22H ROGÉRIO FERRARI OFICINA: UNIVERSO DA COR - R$ 200 11 A 18 DE AGOSTO DAS 19H AS 22H WALTER FIRMO OFICINA: FOTOJORNALISMO - R$ 150 18 A 21 DE AGOSTO DAS 19H AS 22H EVANDRO TEIXEIRA

Casa da Photographia do Recôncavo PALESTRAS E EXPOSIÇÃO

Praça da Aclamação, nº 10, Cachoeira entrada mediante doação de 1kg de alimento não perecível

7 AGO CAETANO DIAS IMAGEM E MEIOS DE CRIAÇÃO AYRSON HERÁCLITO A FOTOGRAFIA NA ARTE CONTEMPORÂNEA

EXPOSIÇÃO “O SER ENCONTRA A COSTA” FILIPE CARTAXO 11 DE AGOSTO A 16 DE SETEMBRO

Galeria EBEC Rua Amazonas, n° 746, Pituba

9 AGO ARISTIDES ALVES FOTOGRAFIA E POLÍTICA CULTURAL ISABEL GOUVÊA FOTOGRAFIA, ARTE E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL 14 AGO EDMAR MELO IMAGEM E FOTOJORNALISMO 16 AGO ARLETE SOARES VER PARA CRER 21 AGO SAULO KAIUMA FOTOGRAFIA PUBLICITÁRIA: FOTÓGRAFO E MERCADO 28 AGO MARIA SAMPAIO | CÉLIA AGUIAR A FOTOGRAFIA NA BAHIA NA DÉCADA NAS DÉCADAS DE 1970 E 1980 29 AGO JUAREZ PARAÍSO | ARISTIDES ALVES | SILVIO ROBATT | ISABEL GOUVÊA | IRAILDES MASCARENHAS MESA SOBRE FOTOGRAFIA

EXPOSIÇÃO E LANÇAMENTO DO LIVRO: HISTÓRIA SOCIAL DA BORRACHA

CARLOS CARVALHO 11 DE AGOSTO A 11 DE SETEMBRO AS 20H

Galeria Pouso da Palavra Praça da Aclamação, n° 08, Cachoeira

EXPOSIÇÃO PEDRO ARCHANJO | ROGÉRIO FERRARI | VALÉRIA SIMÕES 11 DE AGOSTO A 1 DE SETEMBRO

Galeria GOETHE - ICBA Av. sete de setembro,nº1809, Vitória

EXPOSIÇÃO: "ERA UMA VEZ HAVANA” MAURICIO NAHAS E RICARDO BACELAR 31 DE JULHO A 26 DE AGOSTO

Galeria do Livro 30 AGO CLÁUDIA PÔSSA - PIERRE VERGER FOTÓGRAFO E ETNÓGRAFO JUCIARA NOGUEIRA - SALVADOR NAS PÁGINAS DA REVISTA O CRUZEIRO

Boulevard 161, Loja 17 - Térreo

LANÇAMENTO DO LIVRO: “RASO DA CATARINA” ÁLVARO VILELA 30 DE AGOSTO AS 20H


21 de JUL a 31 de AGO FACOM - UFBa

Galeria Calazans Neto - UEC Rua br Geremoabo, S/n, Ondina

PALESTRAS

entrada mediante doação de 1kg de alimento não perecível

ANTROPOLOGIA VISUAL E FOTOGRAFIA OLHARES MÚLTIPLOS

Av. Manoel Dias da Silva, 2177 - Pituba

EXPOSIÇÃO: "CUBA DOS CUBANOS” ÁLVARO VILELA 7 A 31 DE AGOSTO

Centro Cultural Danneman

10H AS 12H

Av. Salvador Pinto, n° 29, São Félix

01 AGO ETIENNE SAMAIN

24 AGO MILTON GURAN

08 AGO ROGÉRIO FERRARI

29 AGO FERNANDO DE TACCA

EXPOSIÇÃO WALTER FIRMO | MÁRCIO RM | DAMÁRIO DACRUZ 12 DE AGOSTO A 12 DE SETEMBRO

Restaurante EXTUDO

15 AGO MARINILDA LIMA

Rua Lídio Mesquita, nº 4, Rio Vermelho

Galeria Pierre Verger Rua General Labatut, n° 27, Barris

EXPOSIÇÃO WALTER DA SILVEIRA 3 A 27 DE AGOSTO

PROJETO CURTA NO EXTUDO MOSTRA DE AUDIOVISUAL DOS FOTÓGRAFOS JOSUÉ SOUZA | JUCIARA NOGUEIRA | THIANA BIONDO | FRANCISCO VIEIRA ÁLVARO VILLELA 1 A 29 DE AGOSTO

Restaurante Saúde Brasil

EXPOSIÇÃO PAULO BRUSKY 31 DE AGOSTO A 1 DE OUTUBRO

R. Humberto de Campos, 6 - Graça

Museu Arte Contemporânea de Feira de Santana Rua Geminiano Costa, nº 255, Centro

EXPOSIÇÃO: "O FILHO DO CORONEL” ROBERTO DE SOUZA ABERTURA COM PALESTRA, AS 20H 24 DE AGOSTO A 15 DE SETEMBRO

EXPOSIÇÃO VO3, A IMAGEM DO TRIATHLON THIANA BIONDO 25 DE AGOSTO A 23 DE SETEMBRO

Instituto Municipal de Educação ( IMEJA ) R. Abelardo Andrade Carvalho, s/n - Boca do Rio

EXPOSIÇÃO COLETIVA DOS FOTÓGRAFOS ARLIANA CASAS, CARLOS VOLNEY, EDGAR ALVIM, JESIELLE FREITAS, DILTON COSTA, JUSSARA MARTINEZ E MAGALI MACHADO 24 DE AGOSTO A 15 DE SETEMBRO

PALESTRAS DE LANÇAMENTO DO “PROJETO FOTOANTROPOLOGIA”: OFICINAS DE FOTOGRAFIA NA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO MINISTRADA PELA CASA DA PHOTOGRAPHIA EDSON PORTO | MARCELO REIS | MARINILDA LIMA 18 DE AGOSTO AS 14H

Centro de Educação Prof. Paulo Freire

Programa Soterópolis - TVE Canal 2 - TVE-BA

Comunidade do Bom Juá R. Vida Fraternidade, s/n - Fazenda Grande do Retiro

MOSTRA DE RESULTADOS DA OFICINA FOTOANTROPOLOGIA PROJETO CASA DA PHOTOGRAPHIA MULTIPLICADORES CULTURAIS 23 AGOSTO A 15 DE AGOSTO MOSTRA COLETIVA

EXPOSIÇÃO, OFICINA E PALESTRA SOBRE O PROJETO FOTOANTROPOLOGIA: OFICINA DE FOTOGRAFIA ARTESANAL EDSON PORTO | MARCELO REIS | MARINILDA LIMA 30 DE AGOSTO A 1 DE SETEMBRO

Associação Ibasòré Iyá R. Lauro Villas-Boas, 3 - Liberdade

MOSTRA DE RESULTADOS DA OFICINA FOTOANTROPOLOGIA PROJETO CASA DA PHOTOGRAPHIA MULTIPLICADORES CULTURAIS 31 AGOSTO A 29 DE SETEMBRO MOSTRA COLETIVA

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EXPOSIÇÃO 29 DE JULHO A 19 DE AGOSTO MÁRIO CRAVO NETO SÁBADO 14H

Av.Amazonas, s/n - Urbis IV - Vitória da Conquista


FOTOETNOGRAFIA entre imagens e textos

a revelação de uma cultura como um auto-retrato “A antropologia é essa vida, a especificidade desses encontros e dessas descobertas, que nos une melhor e nos torna mais humanos” (Maria de Lourdes Siqueira)

O

surgimento da etnografia está relacionado com as narrativas de viagem. Situadas no contexto das grandes navegações, cujo interesse era abrir novas rotas comerciais e inventariar os recursos naturais e humanos, as narrativas de viagem já representavam parte importante da descrição sobre a alteridade. Sobretudo no século XVIII, essa literatura ultrapassa o caráter cosmográfico, onde as descrições da flora e da fauna possuíam maior importância, assumindo um caráter etnográfico, voltado para a descrição de outros homens, outros países distantes. Contudo, é na primeira metade do século XX que a etnografia assume um estatuto científico. Costuma-se considerar Bronislaw Malinowski o “pai fundador” do método etnográfico. Antes dele, a pesquisa antropológica era realizada pelos assim chamados “antropólogos de gabinete”, que pretendiam conhecer outras culturas, a partir dos dados fornecidos por viajantes, missionários e funcionários do governo colonial. Malinowski apontava a necessidade de o antropólogo praticar a observação participante, isto é, tomar parte da vida cotidiana da sociedade. Vivendo na aldeia, ele poderia familiarizar-se com os costumes e crenças dos sujeitos, captando assim o ponto-de-vista dos nativos. Assim, seu trabalho de campo nas Ilhas Trobriand, nordeste da Nova Guiné, realizado em duas expedições, cada qual com duração de um ano (1915-1916 e 1917-1918) representa o “mito de origem” da moderna etnografia. Ainda que seja considerada, por muitos, o método de pesquisa por excelência da antropologia, não existe consenso entre os antropólogos sobre o significado da prática etnográfica. Escrevendo em meados do século XX, Claude Lévi-Strauss afirmava que a etnografia consiste na observação e na análise de grupos humanos considerados em sua particularidade e visando à reconstituição, tão fiel quanto possível, da vida de cada um deles. De acordo com o antropólogo francês, a etnografia seria uma prática autônoma, articulada à antropologia na clássica tríade Etnografia-Etnologia-Antropologia. Segundo essa tríade, a etnologia, utilizando os materiais apresentados pela etnografia, representa um primeiro passo em direção à síntese. Essa primeira síntese é definida por Lévi-Strauss como a busca de conclusões mais extensas, sejam de ordem geográfica, quando quer integrar conhecimentos relativos a grupos vizinhos; histórica, quando se visa a reconstruir o passado de uma ou mais populações; ou sistemática, quando se pretende dar atenção particular a determinado tipo de técnica, costume ou instituição. Em todos esses casos, destaca Lévi-Strauss, a etnologia compreende a etnografia como seu passo preliminar e constitui seu prolongamento. A antropologia, por sua vez, estaria ligada a uma segunda e última etapa da síntese. Tomando por base as contribuições da etnografia e da etnologia, a antropologia visaria a um conhecimento do homem em toda a sua extensão histórica e geográfica, possibilitando o acesso a conclusões universais sobre o ser

humano, que são válidas para todas as sociedades, da menor tribo melanésia até a cidade moderna. Portanto, a relação existente entre etnologia e antropologia é homóloga àquela que caracteriza a relação entre etnografia e etnologia. Vale lembrar que, para Lévi-Strauss, ao invés de constituírem disciplinas específicas, visões diferentes dos mesmos estudos, etnografia, etnologia e antropologia são três momentos de uma mesma pesquisa. Percebe-se que o esquema lévistraussiano é bastante fiel à etimologia dessas palavras, etno: cultura e grafia: escrita; etno: cultura e logia: estudo; e, finalmente, antropo: homem e logia: estudo. Ainda que seja bastante lógica essa tríade está longe de ser um consenso para a teoria antropológica contemporânea. Hoje, poucos antropólogos fazem a distinção, que parece contaminada por um viés positivista, entre a descrição objetiva de uma cultura e a sua análise. O antropólogo norte-americano Clifford Geertz, por exemplo, escrevendo na segunda metade do


Pedro Jaime século XX, aponta que a etnografia, essa sorte de pesquisa microscópica que procura não exatamente responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que outros deram, é a prática que define a disciplina antropológica, aquilo que os antropólogos fazem e que os outros não fazem, ou, em todo caso, aquilo que os antropólogos fazem melhor que os outros. Para além dessa querela intensa sobre o estatuto da etnografia, o papel que ela ocupa no âmbito da disciplina antropológica, outro debate envolvendo a etnografia eclodiu no final do século XX. Nesse momento, um conjunto de antropólogos norte-americanos publicou um livro-manifesto sugestivamente intitulado Writing culture: the poetics and politics of ethnography. Eles denunciaram a assimetria de poder que marcava a relação do etnógrafo com os seus informantes no âmbito das etnografias clássicas, produzidas no contexto colonial, e buscaram práticas alternativas para a pesquisa de campo. Esta passa a ser pensada não mais como observação participante, mas como um encontro etnográfico, no qual o antropólogo e seus interlocutores experimentam uma relação dialógica. O diálogo permitiria que o antropólogo, através da negociação da realidade, não apenas compreendesse o outro, mas também, reflexivamente, a si próprio, através do outro. O propósito da pesquisa se desloca da tarefa de captar o ponto de vista do nativo, como queria Malinowski, para a intenção de negociar as diferenças entre dois mundos. Questionaram também a escritura realista das etnografias clássicas, que buscavam representar objetivamente a totalidade de um outro mundo, de uma outra forma de vida. A essa estratégia discursiva, contrapuseram as etnografias experimentais, ou seja, textos que pretendem interpretar aspectos parciais de uma cultura e que possuem um caráter auto-reflexivo, assumindo, e mesmo valorizando, a interferência do etnógrafo, da sua experiência de campo, na construção do conhecimento antropológico.

As semelhanças entre fotografia e antropologia cruzam suas histórias. Ambas surgiram no século XIX e tiveram suas origens associadas aos franceses e aos ingleses. Niepce, Daguerre e Talbot estão para o passado da fotografia, como Rivers, Frazer e Mauss estão para o princípio da antropologia. Espero que essa breve reconstrução da história da etnografia ajude a pensar o ofício do fotógrafo. Se a etnografia é a descrição de uma cultura e a fotografia é a arte de escrever com a luz, é possível que um ganho poético aconteça quando elas se aproximam. Com a foto-etnografia, a cultura passa a ser descrita com a luz. Uma luz capaz de revelar os seus mistérios, mas também, numa operação reflexiva, de produzir um auto-retrato do fotógrafo-etnógrafo. A propósito de fotógrafos e etnógrafos, talvez haja mais pontos em comum entre os trabalhos de Pierre Verger e Walter Firmo, do que a eventual preferência por uma linguagem P&B ou colorida possa esconder.

Pedro Jaime é antropólogo, fotógrafo e professor da Universidade Mackenzie e da ESPM-SP

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Assim, pode-se dizer que a prática etnográfica foi pensada classicamente, desde Malinowski, através da metáfora da conversão, sendo o etnógrafo uma espécie de aprendiz, que é socializado nos padrões de uma cultura, a partir da perspectiva dos atores. Com Geertz, a etnografia passou a ser pensada segundo a metáfora da tradução. O etnógrafo passa a ser visto não mais como um aprendiz, alguém que aprende a viver como o nativo, mas como um tradutor que, vivendo com o nativo, descreve e interpreta os significados escondidos por detrás das suas práticas sociais. Recentemente, uma nova metáfora é trazida pela antropologia pós-moderna. Trata-se da etnografia como diálogo. Nessa perspectiva, o etnógrafo passa a ser visto

como um sujeito cosmopolita num mundo globalizado. Um sujeito que, através do encontro etnográfico com o outro, busca compreender as diferenças que insistem em se produzir em um mundo cada vez mais homogêneo, ao passo que reflete sobre a sua própria posição nesse mundo e sobre as condições em que busca construir essa compreensão da alteridade.


entre imagens e textos

ENTREOLHARES fotografia: arte de acesso amplo por Neuma Dantas Antonio Olavo - Não existe enquanto movimento, existiu um dia. Hoje, o que existe é apenas um núcleo organizado que produz, cria, gesta, estimula, que é a Casa da Photographia, que postula as individualidades pontuais dos fotógrafos e fotógrafas. Enquanto um coletivo, não existe mais. Se não existe coletivo, não existe movimento.

Por favor, nos fala um pouco sobre seu trabalho e o amor à fotografia.

Antonio Olavo - A minha relação com a imagem já vem de 28 anos e sempre foi uma coisa muito prazerosa, e por ser assim, ela se transforma numa coisa de pertencimento, de fazer com garra, com gana, com vontade. Isso reforça a auto-estima e a satisfação pessoal. Imagem para mim é mais do que a fotografia, é a essência da vida, uma coisa muito importante. Fundamental! Me deixa muito satisfeito saber que ainda tem um grupo de pessoas, às vezes maior, outras vezes menor, que resiste executando sua criatividade, sua inteligência e talento para produzir uma arte fotográfica e, mais do que produzir, ter a coragem de expor. Às vezes produzimos, mas ficamos com receio de mostrar para não receber críticas. Porém, quem não recebe críticas, também não recebe elogios. Então o gozo de receber um elogio está acompanhado do risco de receber uma crítica. Portanto, isso tudo é positivo. O fotógrafo profissional está em extinção; a fotografia enquanto linguagem e forma de expressão está em expansão, mas enquanto fonte de captação de renda financeira está extinguindo-se.

Vamos fazer um balanço sobre o movimento da fotografia na Bahia...

Eu acho que a fotografia está com dificuldades aqui na Bahia. Ela está numa crise. Agora, a etimologia da palavra crise é de criação, também dela pode brotar uma coisa nova, diferente, uma nova aglutinação de pessoas. E aí, vêm as possibilidades através da Casa da Photographia. Ela tem potencial para isso ou então surge outra coisa, enquanto não é ela o único espaço que você consegue agregar, juntar pessoas e formar novas possibilidades de criação. Então é isso, eu falei e registro a minha admiração pelo trabalho da Casa da Photographia que é de muito valor. Sei das dificuldades que o pessoal passa, são muitas, sem apoio e reconhecimento maiores, mas um trabalho digno, de alto valor, que já marcou no panorama da fotografia baiana. Nesse particular, considero fundamental. Também é preciso começar a ver a fotografia não só como atividade profissional, é preciso vê-la como uma coisa que envolve o profissional, que é cada vez menor. E aí eu aproveito para dizer que o fotógrafo profissional está em extinção; a fotografia, enquanto linguagem e forma de expressão está em expansão, mas enquanto fonte de captação de renda para a sobrevivência de pessoas, está extinguindo-se. Cada vez menos profissionais, homens e mulheres, existem na Bahia, no Brasil, talvez no mundo. Isso não quer dizer que a fotografia está limitada a esse âmbito profissional, por isso eu falo que para falar de fotografia tem que abrir o campo não só para o profissional. E aí, a grande esperança está no público amador, se quiser usar um conceito que antigamente usávamos “o amador avançado”, aquele que não vive

usávamos “o amador avançado”, aquele que não vive da fotografia, mas tem uma dedicação, um certo tempo dedicado a fotografia na sua semana, seu mês. Então acho que essa grande possibilidade está no público amador e não apenas no profissional. Os profissionais estão buscando outras formas de sobrevivência; estão mudando, ampliando suas atividades, abandonando gradativamente a profissão e adotando outra. A chance que a fotografia tem hoje de se desenvolver está no campo amador e, particularmente, no amador avançado.

A imagem não é só importante como linguagem de comunicar e se expressar; mas também, enquanto instrumento capaz de dar uma estética nova ao produto que ela é veiculada.

Essa entrevista faz parte de um trabalho universitário onde pessoas estudam e vão trabalhar com imagem e informação. Gostaria que você falasse a esse público sobre o valor da imagem.


1975, quando fui segundo assistente de direção do filme “Dona Flor e seus dois Maridos”. Recentemente terminei o filme “Quilombos da Bahia”, com o qual percorremos 12 mil km em todo o estado da Bahia filmando em 79 comunidades remanescentes de quilombos. Depois de pronto, este filme foi doado a mais de 4.000 escolas publicas do estado da Bahia, e isso possibilita ele ser visto por mais de 2 milhões de estudantes do primeiro e segundo grau. È um projeto pioneiro no Brasil e vem contribuir muito para valorizar e dar visibilidade a memória negra da Bahia. Agora estou escrevendo o roteiro e na captação de patrocínio para "Búzios 1798", que será meu terceiro documentário longa metragem, sendo o primeiro "Paixão e Guerra no Sertão de Canudos", que fiz em 1993. "Búzios 1798" é uma abordagem histórica sobre uma insurreição de negros escravizados e livres que ocorreu em Salvador em 1798 e ficou conhecido como Revolta dos Búzios, ou Conjuração Baiana ou Revolução dos Alfaiates. Tenho muita confiança que também será um belo filme.

Neuma Dantas - Sobre seus projetos... Antonio Olavo - Nos últimos anos tenho me dedicado ao cinema. Na verdade é um retorno profissional, pois comecei a trabalhar com imagem, no cinema, em

Antônio Olavo participa do AGOSTO em exposição na galeria ACBEU 21 JUL a 31 AGO

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Antonio Olavo - A imagem hoje ganha cada vez uma importância maior e aí eu vou citar um exemplo ligado ao jornalismo. Um dos jornais, o último que resistia a publicar imagem era a Gazeta Mercantil e já não faz mais isso, foi o último bastião de resistência à força, importância e poder da imagem. Não só enquanto linguagem de comunicar e se expressar; mas também enquanto instrumento capaz de dar uma estética nova ao produto que ela é veiculada. A imagem hoje é fundamental e aí os profissionais do texto, os estudantes e profissionais do jornalismo têm que, também, reconhecendo a importância e o valor da imagem, se abrir para incorporar capacitação técnica para que possa produzir imagem de qualidade. Hoje é cada vez mais difícil uma empresa enviar para uma determinada missão jornalística, um jornalista e um fotógrafo. Enviam só um profissional que trata do texto, imagem e fotografia. O profissional do texto, portanto, também tem que ser um profissional da imagem, pois a imagem é fundamental.


entre imagens e textos

SALADELEITURA Luiz Santos O Sentido da Fotografia Documental A fotografia digital e popularização dos telefones celulares capazes de capturar imagens é uma realidade indiscutível do terceiro milênio e, como num passe de mágica, haverá sempre alguém por perto capaz de “clicar” e documentar um evento. Quais são as conseqüências? Nós, amantes da fotografia, vivemos rodeados de conceitos e idéias estabelecidas em relação àquilo que pode ou não ser feito em termos de “linguagem fotográfica” e “fotografia documental”. Muito se fala da criatividade baseada no conhecimento e experiência. Mas qual é, de fato, o limite de criação de qualquer um de nós com uma câmara na mão? Uma bomba explode, um avião cai, o nascimento de um filho… O intelecto tem feito da fotografia documental um bicho-de-sete-cabeças, uma obra acessível somente aos letrados e freqüentadores dos corredores do conhecimento metáfora para Pequena Burguesia. Talvez não seja somente o caso de que a indústria da mídia venha impondo, desde o final dos anos 70, o padrão celebridades/colorido em detrimento do padrão social/preto e branco. O dito fotógrafo documentarista encontrou refúgio num canto todo seu, protegido por livros técnicos, manuais de impressão, estratégias de marketing e coquetéis de abertura deixando em segundo plano o que há de mais importante na sua obra a pessoa fotografada. A fotografia documental precisa ser o instrumento capaz de criar uma linguagem entre quem possui a máquina fotográfica e quem possui a estória os homens e mulheres comuns. Mas os comuns precisam ter a oportunidade de contar as próprias estórias. Nesse estado, a linguagem do supostamente despreparado é pura, pessoal e verdadeira. Crianças, presidiários, garis, donasde-casa, padres, estrelas de Hollywood e assassinos têm o direito à própria representação e nós, documentaristas, não podemos, em função da

manutenção do nosso nicho profissional, impedir que essas mentes se revelem. As pessoas se sentem alienadas porque foram excluídas do processo criativo por uma intelectualidade insegura e protecionista e por isso é muito mais difícil acessar determinadas comunidades. Com a explosão das tecnologias de comunicação as pessoas têm mais idéia de valor e querem, justamente, uma fatia do bolo da criação, sem falar de outros valores agregados à essa criação. Por isso a popularização de apetrechos digitais em mãos amadoras não pode representar uma ameaça mas, muito pelo contrário, o redirecionamento da nossa linguagem e da compreensão de outras realidades. Agora elas falam por elas mesmas e nós, mesmo equipados com o nosso arsenal de preconceitos e curiosidades precisamos ouvir os ditos comuns. A verdadeira fotografia documental não tem estatuto ou foco no sentido técnico da palavra ou mesmo identidade. A identidade é toda da pessoa fotografada. É o que conta! Ultimamente tive acesso a uns videos feitos por garotos adolescents que espancavam pessoas nos ônibus e filmavam com seus celulares. Nada mais verdadeiro do que o relato visual de um dos agressores. E nada mais oportuno que a leitura desse relato. Não de modo policial, mas de modo humano. É justa a leitura que estamos fazendo dos nossos ensaios/estórias? Por muito tempo as pessoas delegaram a própria representação a terceiros mas agora é o momento de devolver às comunidades a auto-estima. Passar a bola para os “formadores de opinião” não beneficiou a ninguém além deles mesmos. A Bossa Nova não è a voz do Morro, Mangue, Baixada ou Invasão. A voz do Morro agora vem do Morro e pronto! Paralelamente, o fotógrafo documentarista também não é o olhar puro e íntegro das comunidades que documenta. Por mais que queira fazê-lo.

Info@LSPhotos.com London - United Kingdom


OLHARVIAJANTE por Caroline Vieira Sant´Anna

“A fotografia, como toda criação, possui inúmeros caminhos. A minha opção é pela foto além da foto; mistura tudo: memória; registro; estética; linguagem. Às vezes de uma foto monto uma instalação. De um poema busco uma foto e vise versa. Só não quero me repetir todos os dias e nem exibir o óbvio a todo momento”

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amário Dacruz (53, Bahia) chega para a entrevista com um texto escrito do próprio punho e diz: “trouxe algumas sugestões, frases que poderiam acompanhar as minhas fotografias. O que você acha?” Prontamente concordo, uma vez já que, nos primeiros instantes de conversa, percebo ser impossível dar conta, em poucas páginas, de uma mente tão inquieta, mostrando, contudo, paciência no olhar e calma na voz. Os assuntos passeiam por diversos ramos da cultura baiana revelando um artista eclético e, acima de tudo, preocupado com o que diz e com o que faz. Desse jeito, com o olhar perdido entre suas memórias, Damário recupera o seu começo com a fotografia, quando, em companhia dos empregados do seu pai e com apenas 14 anos, ia aos cinemas Aliança e Jandaia, na Baixa dos Sapateiros. “Meus companheiros, logo que chegavam, dormiam mortos de cansados. O problema era que, quando acordavam, me obrigavam a ver tudo novamente. Aí, eu deixava de prestar atenção na história e passava a dirigir o meu olhar para a iluminação, a fotografia, o enquadramento, a seqüência, enfim, eles me despertaram para a linguagem cinematográfica”. Conta. Jornalista e fotógrafo, ele já atuou em diversas áreas da comunicação como publicitário onde operou com precisão a palavra e a imagem, tarefa exigida pela profissão. E confessa que esse, sim, era o seu hobby. O trabalho duro, de todo dia,

ele dedicou à poesia e à fotografia. Todo o risco, um dos poemas mais lidos da geração de 80 é também título de um dos seus livros. Com 21 anos fotografou na Bolívia e, anos depois, foi a Cuba (1996), Peru (2000) e, recentemente, ao México e à Patagônia. Extravagante, revela todos os projetos em andamentos, e haja fôlego! “Os projetos são para uma vida”, desabafa. Na exposição Herdeiros da cor que ainda será realizada, Damário tenta refazer a rota dos escravos buscando compreender as mudanças culturais pelas quais passou a etnia ao deixar os portos nos antigos navios negreiros. “Este é um trabalho estético no qual espero contribuir para os estudos da diáspora”. No ensaio Muitos Cantos a preocupação é retratar as diversas culturas que fazem da América um caldeirão multicultural.

Damário da Cruz participa do AGOSTO em exposição no Centro Cultural Dannamann 12 AGO a 12 SET

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Na agenda de Damário também está a exposição Africanidades, prevista para agosto de 2006, na Galeria Pouso da Palavra, espaço conquistado e mantido pelo poeta em Cachoeira, na Bahia. Na gaveta mais de 500 poemas ainda inéditos aguardam publicação.


entre imagens e textos

ARTIGO Fernando de Tacca A morte na fotografia: ilusão e violência Muitas vezes o disfarce da morte é a própria morte, sua própria metáfora. Antonius Block, personagem principal do filme “O Sétimo Selo” (1956), de Ingmar Bergman, entra em uma igreja, vê um padre dentro do confessionário e a ele se encaminha para confessar, e diz que ao ver sua imagem sente repugnância e medo, sente-se sozinho fechado em sonhos e fantasias. Em meio a uma conversa existencial, confessa que está jogando xadrez com a Morte para ganhar tempo e anuncia sua jogada principal: Padre: Então… por isso joga xadrez com a morte? Antonius: Ela é uma grande estrategista, mas ainda não perdi nenhuma peça. Padre: Como pretende ludibriar a morte? Antonius: Jogando uma combinação de bispo e cavalo. Quebrarei sua defesa. O padre vira-se e Antonius Block verifica que estava se confessando para a própria Morte, que diz: "Lembrarei disso". Antonius se revolta e do encontro com a morte disfarçada sabe que viverá a traição e a trapaça a cada momento, e se ilude achando que poderá ardilosamente preparar outra jogada. Com tranqüilidade, a Morte se afasta pensando continuar o jogo, agora com as informações estratégicas da confissão. Associarmos uma digressão sobre fotografia e violência é de certa forma entrarmos sempre em campos nos quais a idéia de morte está presente, ou, pelo menos, aludida de alguma forma pelo próprio ato de violência que origina o fato retratado, muitas vezes simultâneo, outras vezes anterior ao registro. A morte em Bergman não é violenta nas suas manifestações com o personagem Antonius, ela é sempre dissimulada depois da primeira aparição como o grande ícone fantasmagórico e medieval da foice e do manto que esconde sua face. A trajetória do personagem é sua tentativa última de morrer com dignidade de uma missão humanística realizada, e, em seu percurso, terá de jogar para adiar sua certeza de perder. As contradições inerentes aos diferentes processos fotográficos permitem-nos contrapor idéias construídas sobre a realidade em oposição a uma coletiva e interativa ilusão de vida. A maquiagem dos cadáveres, práticas recentes dos ritos funerários na sociedade moderna, produz também um disfarce da morte, dissolvendo o enfrentamento da dor e da perda com um distanciamento do real cada vez maior, apesar de sua dura e crua certeza. Diferentemente de Antonius, a morte aqui já esteve presente e resta minimizar o sofrimento de seu enfrentamento. O jogo acabou, mas nos iludimos coletivamente com o sopro de vida mesmo que ainda representacional. A justaposição em um mesmo espaço dos tempos relativos ao processo o antes e o depois , intermediado hoje por uma nova tecnologia a imagem digital , ponte entre as imagens analógicas, incita um campo perceptivo de estranhamento e conduz ao campo conceitual da prática fotográfica como um “ritual de

passagem”, uma morte social: realidade construída e aceita socialmente como passado, registro, documento ou meramente ilusão ficcional da realidade, construções sociais ideologizadas? Isto foi, e isto é fotográfico: a morte, o real e a ilusão consentida. No limiar do século XX e na abertura do século XXI, a fotografia documental assume um espaço realista no imaginário ao optar pelos processos fotográficos P&B como uma aproximação representacional dramática da realidade. Historicamente, a fotografia P&B sempre teve uma maior proximidade com a representação fotográfica do real do que a fotografia colorida, em parte pela sua emergência inicial. A inserção do colorido no universo fotográfico e dele no imaginário da humanidade produziu ideologicamente um achatamento da realidade para o plano da pura analogia. Se, para alguns, o plano primeiro da fotografia era a sua qualidade analógica um analogon da realidade , centrada no único ponto de fuga da perspectiva linear, o colorido químico tenta aproximar as cores do olhar humano sobre a realidade ou tenta reproduzir as freqüências de ondas que enxergamos, ou talvez até mesmo criando o campo ficcional inatingível para além de nosso próprio olhar. Para outros, seria a indicialidade, o momento do descontrole e da ausência humana, um estado puro, a morte do tempo. Contraditoriamente, entretanto, o que seria uma representação mais próxima do nosso olhar, pois vemos em cores, tornou-se menos “real” do que o P&B. A necessidade de aceitarmos uma representação da realidade como uma metáfora, com um certo distanciamento crítico do operador, colocou a fotografia P&B no substrato mágico da compreensão da condição humana. A metáfora mágica da fotografia P&B como uma força documental e de registro foi aceita na sociedade moderna como um processo “primitivo” em relação ao colorido. Em Diários da Motocicleta (Walter Salles, 2003), as imagens P&B no final associam realidade e consciência, ou ainda o slideshow final em Dogville (Lars Von Trier, 2003), anuncia a estética documental do FSA como fonte de inspiração tal como já o tinha realizado John Ford em Vinhas da Ira (1940), baseado no romance homônimo de John Steinbeck (que não por acaso trabalha com Robert Capa em livro reportagem logo após o final da segunda guerra na União Soviética - Um Diário Russo, Cosac & Naify, 2003). A noção de magia na pré-história pretendia mudar o mundo ao representá-lo. Parece o caminho aceito pela fotografia documental P&B e, principalmente, a fotografia engajada como a produzida por Sebastião Salgado. Cito Salgado, pois sua obra é uma síntese da estética da fotografia realista nesse final de século, buscando suas fontes e referências nos principais fotógrafos documentais ou mesmo no foto-jornalismo, principalmente na mesma documentação norteamericana da década de trinta (FSA), e no engajamento social na fotografia de Lewis Hine. Ao “capturar” o leitor em processo catártico, essas imagens conduzemno ao referente social e ao próprio envolvimento do fotógrafo como um elemento de transformação; o fotógrafo caça, mas sua armadilha está preparada para o


O mundo pode transformar-se em P&B, o que ao mesmo tempo distancia o leitor “consciente” da realidade observada para o plano da magia e da alienação. Ao apropriar-se da realidade, a relação “operador-máquina” torna-se efetiva capturando o olhar do leitor do início de novo milênio para um estado participativo de transe fotográfico coletivo, "o êxtase fotográfico", de Barthes. O amortecimento inerente à catarse do transe revela uma aproximação ilusória da presença realística, principalmente, quando a imagem torna-se somente um produto de consumo, muitas vezes como necessidade de máscaras em um mundo (des)ideologizado. Falsas aproximações ideológicas através dessas imagens sopram como um vento salvador da estagnação de um suposto latente estado “revolucionário”. A fotografia realista P&B tem uma relação imaginária com o desejo de morte, um romantismo arcaico do discurso épico e da grande narrativa, personificada e sintetizada no trabalho documental de Sebastião Salgado. Ao nos depararmos com as imagens de Salgado, temos quase sempre a idéia da morte por perto em todos seus trabalhos, e uma morte induzida por um recorte na tentativa de sensibilizar os olhares amortecidos com a mercantilização da imagem.

Será na foto-choque que encontramos a representação crua da violência, da morte e do sofrimento. O trágico traz a dor alheia de forma explícita, impactante e cruel. Talvez a foto que inaugura essa relação seja a imagem feita por Felice Beato, em 1866, na qual mostra um trabalhador rural crucificado no interior do Japão, provavelmente um olhar estrangeiro de estranhamento dos valores locais. A forte carga de realismo da fotografia são as tragédias: as individuais e as coletivas; as guerras locais e as globais, até mesmo as familiares e as étnicas, inerentes ao

Entretanto, em contínua paráfrase de Roland Barthes, podemos dizer que a violência do olhar está no fascismo que nos obriga a ver e não em nos proibir ver. Assim, a violência dos aparelhos imputa-nos uma nova forma tecnológica de violência: os aparelhos imagéticos como máquinas de vigiar, já presentes nos atos ingênuos da pose dos revolucionários da Comuna de Paris. Somos vigiados com consentimento, somos vigiados por voyerismo, somos vigiados sem o saber. Sentimos-nos mais seguros sendo vigiados, por quem? Podemos escolher quem nos vigia? Somos mortos imageticamente dia a dia, morremos a cada imagem midiática. Somos e vivemos imagens cotidianamente como também somos lixo imagético descartável e imaterial de uma sociedade ávida de consumo da visualidade. A cada fotografia morremos um pouco.

Fernando de Tacca é fotógrafo e Professor Livre Docente na Unicamp. Vencedor de I Prêmio Marc Ferrez (1984). Contemplado com a Bolsa Vitae de Fotografia/2002. Vencedor do Prêmio Pierre Verger de Ensaio Fotográfico 2006, da ABA. Atualmente é coordenador do NP “Fotografia: Cultura e Comunicação” / INTERCOM Colunista do FOTOSITE. Editor da Revista Eletrônica Studium: www.studium.iar.unicamp.br

Depois de revelar seu filme, revele sua sensibilidade.

CASA DA PHOTOGRAPHIA

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O maquiador de cadáveres é um personagem que traduz o sentimento que temos com a morte nos tempos modernos. Podemos identificar o enfrentamento com a morte na sociedade contemporânea a partir da prática desse profissional, principalmente sobre o significado do “embelezamento” da morte e do significado desse processo na passagem para um “outro mundo”. Um sopro restante ilusório e colorido para também serem contemplados pela natureza inconsciente da ótica do aparelho produtor da imagem técnica em mera representação conceitual e em conflito com a natureza do imaginário de olhares naturais em processo de estranheza de personagens distantes de seu universo em vida. Para AdolpheEugène Disderi, a maquiagem era o próprio cenário na montagem de um momento vivido pelo morto, no seu espaço e na sua ambiência, uma construção simbólica na qual não poderíamos mais perceber a presença da morte, uma ilusão consagrada pelo tempo, e somente os íntimos poderiam ver a morte representada. Disderi fotografava mortos, aqueles que não tiveram sua imagem cristalizada em suporte fotossensível e os parentes queriam uma memória fotográfica de sua existência e, assim, o morto era adaptado a um cenário ilusório, uma memória implantada, como a replicante, de Blade Runner.

caráter belicoso da humanidade. A idéia simbólica da morte está presente nos outdoors: a campanha da Benetton e a foto do aidético morrendo! O uso da morte e da violência também se traduz em produto de “consumo” (cf. o número especial da revista Colors sobre a morte). Ou ainda o choque da foto violenta como denúncia e até como campo estético e etnográfico: a obsessão mórbida no fotojornalismo/foto-documental de Sebastião Salgado; a plástica poética das imagens realistas de Nobuyoshi Araki na documentação da morte de sua mulher Yoko, e a documentação etnográfica do ritual funerário Bororo, de Haens Foerthmann.

ESPAÇO RESERVADO PARA SEU ANUNCIO

olhar do leitor, não para a caça. Sua presa agora não é mais o referente, mas o referente fotográfico de encontro ao olhar do outro.


entre imagens e textos

fotografia baiana como arte contemporânea Flávia Vasconcelos

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ara o consagrado Henri Cartier-Bresson, fotografia é “um momento decisivo da transformação do fato em linguagem mítica”. Capturar um momento do mundo real e congelar esse tempo num papel fotográfico, já foi uma ação puramente objetiva, um simples registro do concreto, uma representação do meio que nos cerca. Porém, para o diretor do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAMBA), Heitor Reis, “a incerteza do visível passou a fazer parte da obra fotográfica que, a partir daí, foi inserida definitivamente na arte contemporânea”. Segundo ele, hoje o fotógrafo passa a sua mensagem para a obra, reproduz as suas impressões do mundo nas imagens, adentrando assim, na cena artística moderna, na qual “as linguagens se fundem, se apropriam uma das outras, as imagens são dúbias, os materiais diversos”, explica. Sobre isso, o fotógrafo Marcelo Reis considera que esse novo estilo da fotografia, que ele chama de forma decomposta, diz respeito à independência criativa, e alerta que “este fazer pede do seu produtor uma capacidade incontestável para saber fazer”. Técnicas novas como tirar a câmera do nível do olho, capturar pessoas cortadas ao meio, focos em postos intermediários e imagens sem pontos de fuga, estão sendo cada vez mais utilizadas. Para Reis, não usar o equipamento de forma tradicional, possibilita ao fotógrafo maior espontaneidade: “Confere, em grande parte das situações, uma naturalidade magnífica na imagem capturada, principalmente pela dificuldade que normalmente temos de filtrar os sentimentos através do prisma do equipamento”. E são esses sentimentos que o profissional, atualmente, procura apreender nas suas fotografias, que transformam essa linguagem em arte contemporânea.

De acordo com o diretor do MAM-BA, o estado vive um grande momento em todas as linguagens artísticas, incluindo principalmente a fotografia. Muitos fotógrafos baianos já alcançaram um lugar de referência, e hoje são clássicos mundiais. “A Bahia já tem uma tradição de grandes fotógrafos, como Mário Cravo Neto, que é um artista que não deve nada a nenhum outro fotógrafo do mundo”, comenta. Com sua originalidade e características marcantes, a produção de fotógrafos baianos tem um lugar garantido no altar das artes visuais. Isso poderia ser justificado até mesmo pela riqueza de temas que a própria Bahia oferece para se produzir imagens. O povo e sua cultura popular são, pelo menos, dois motivos entre tantos outros, que, sob o olhar de um bom fotógrafo, explicam belas fotografias já produzidas. Quanto ao mercado voltado para essa arte na Bahia, vê-se ainda uma necessidade de maior empenho e abertura para apresentar essa linguagem à população. Para Heitor Reis, “o Estado ainda precisa de um trabalho maior em nível de mercado e do imaginário popular. Ainda falta um pouco valorizar a fotografia como uma obra, dentro de um espaço cultural”. Para uma linguagem que já alcançou um estágio significativo de arte contemporânea, nada mais coerente do que divulgá-la, principalmente, para o grande público baiano.

Câmeras largadas ao chão, cortes transversais e atitudes determinantes, representam uma fotografia que corresponde ao momento atual, um tempo de observar muito mais do que de agir. E, é acompanhando as inovações dessa arte, que a produção fotográfica baiana marca sua presença no meio artístico mundial.“Com o olhar livre para acompanhar o“ator”, podemos simplesmente apontar a câmera para ele, de um ponto qualquer, e disparar quantos fotogramas sejam necessários, até que nos sentimos certos de termos apreendido o nosso olhar”, explica Marcelo Reis. Marcelo Reis

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a resistência nas lentes de Rogério Ferrari Caroline Vieira Sant´Anna

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om viagem marcada para o Iraque, o fotógrafo Rogério Ferrari escolheu esse país para mais uma empreitada fotográfica: registrar as cicatrizes deixadas pela guerra, ouvir o que povo tinha a dizer sobre o seu destino. Mas as surpresas da vida e os percalços que ocorrem no trajeto de qualquer viajante impediram-no de chegar a sua rota, levando-o a um outro caminho, a um outro país, menos noticiado que o Iraque, mas tão sofrido quando o tema se trata dos direitos humanos. Dessa viagem, Rogério volta muito enriquecido como ser humano e traz na bagagem a vontade de lançar um novo livro, revelando o outro lado do fotógrafo ao privilegiar nessas imagens um olhar mais lírico e poético para contar a história e a vida do Curdistão turco. Antropólogo por formação, esse baiano nascido no interior da Bahia, na região do cacau, foi criado à moda antiga, quando ainda se podia brincar e correr livremente nas ruas. O gosto pela fotografia surgiu por acaso, quando ainda tinha 17 anos, e serviu como a sua melhor ferramenta, pois os motivos que o levou a pegar pela primeira vez em uma câmera já indicavam uma escolha. Ele a seguiria pelo resto da sua vida. Três anos depois, a opção política, voltada para as questões sociais, falou definitivamente mais alto dentro dele e Rogério partiu para a Nicarágua, como voluntário, integrando as brigadas brasileiras de solidariedade com a revolução sandinista. De lá para cá, foram mais de 15 anos documentando vidas, culturas e povos em tempos de conflito. Os trabalhos de registros de movimentos sociais históricos estão reunidos no projeto Resistências/Existências e inclui desde as fotografias realizadas na época da revolução da Nicarágua em 1987 até o movimento indígena em Chiapas, no México.

Se, nesses paises, ele revelou seu envolvimento enquanto um ser político, na Palestina deixou clara a sua motivação em documentar a vida em guerra e, portanto, os conflitos e a pobreza valendo-se da sua mista posição de fotógrafo, jornalista e antropólogo. “Seria através da fotografia que poderia contribuir de algum modo com a causa desses povos”, justificou, certa vez. O principal propósito de Ferrari, à época, foi conseguir retratar a visão dos palestinos diante da cruel realidade vivenciada pela ocupação do seu país pelos israelenses.

Recentemente, Rogério registrou a vida dos 10 mil curdos nas prisões da Turquia e a condição dos refugiados de guerra durante os anos de 2002 e 2003. “Na Turquia aprendi a viver no limite”, revela o fotógrafo. “Fui para o Curdistão com 200 dólares no bolso, vivi na mesma situação que eles, na mesma condição”. Toda essa cumplicidade possibilitou a Rogério seguir uma opção diferente do trabalho realizado na Palestina, deixando emergir o lado lírico e poético das imagens. A passagem pelo Curdistão possibilitou a gestação de um novo livro, ainda sem data prevista para o lançamento. A sua força como militante político revela-se, também, no seu trabalho diário, na força para manter viva a sua paixão pela fotografia e, acima de tudo, pela documentação da vida dos povos em conflitos. Essa luta, Ferrari encara sozinho, “um trabalho de formiguinha”, como ele mesmo se autodefine. Assim, ele é o fotógrafo, o produtor e o grande divulgador do seu trabalho. “Não me importa não ter uma visibilidade nacional, uso os caminhos paralelos. Acho importante o reconhecimento de um grande número de pessoas, mas não acho essencial. Trabalho conectado com uma atitude ideológica” finaliza.

Rogério Ferrari participa do AGOSTO em exposição no Pouso da Palavra e em Oficina na Casa da Photographia de Salvador Exposição: 11 AGO a 1 SET Oficina: 7 a 25 AGO

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Embora seja também por formação foto-jornalista, Ferrari explica que suas escolhas temáticas revelam-se mais pela sua condição de militante do que a de fotógrafo. “Fui para muitos lugares, a exemplo da Nicarágua, na condição de militante político”, justifica-se. O desprendimento das questões pecuniárias tanto quanto do sentimental o fez um andarilho e um ativo participante de momentos importantes para a história do mundo. Ferrari viu o muro de Berlim cair, documentou em Praga a Revolução das Flores e ascensão de Vaclav Havel e registrou o movimento das mães da Praça de Maio na Argentina em 1984. Dez anos depois estaria fotografando a crise dos Balseiros em Cuba.

No seu último livro a Eloqüência do sangue, lançado em outubro de 2004, o trabalho jornalístico ficou evidente com a abertura para os depoimentos colhidos e devidamente transcritos para o livro, o que possibilitou ao produto revelar-se não como um instrumento que aborda a guerra pelo lado estético, resultado proporcionado pela beleza plástica das imagens em p&b, mas, pelo lado dramático dos relatos obtidos durante a permanência na Palestina.


OUTONO Vivo na sombra os meus melhores dias, como se nem vida fosse. Me fecho em salas vazias, ludibriando o pranto de nós dois. No desejo de que sonhássemos o mesmo sonho, junto ao ocaso do nosso amor eterno, me ponho... Num lampejo do que fomos, me pego a cerrar as feridas, a apagar as lembranças relidas, extinguindo a solidão dos meus abraços vazios.

Mas não me basta esquecer de mim pois é de ti que me lembro a todo instante. Não me bastam minhas pernas tortas, meu corpo já não me basta, sem a alma que entreguei a você. Tábuas mal pregadas onde já deveria haver portas. Memórias ainda vivas quando já deveriam estar mortas. Frestas abertas... e por quê ? Palavras ditas sem querer, memórias ainda vivas, mesas postas, e uma espera que não termina, a se perguntar... onde estão seus afagos, se não mais nas minhas costas ?

Charles Batista


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