FOLHA DO ESTUDANTE Março / Abril / 2009
R$ 2,00
N03
O G U I A D E F I N I T I V O PA R A E S T U DA N T E S E E D U C A D O R E S
Professor Newton Duarte aponta teor reacionário da pedagogia construtivista Carreiras
relações internacionais: esse curso forma um profissional em quê? PÁG. 5
filosofia
A filosofia em busca de uma ciência reflexiva. PÁG. 6
eduCaçÃo
uma escola pública de excelência. PÁG. 8
QuÍMiCa/fÍsiCa
o sexto estado da matéria. PÁG. 10 Biologia | eCologia
o eucalipto no centro das discussões. PÁG.11
fÍsiCa
a teoria na prática é outra?
PÁG.12
história | geografia
a transição do feudalismo para a modernidade.
PÁG.13
literatura
germinal: o pesadelo da revolução industrial. PÁG.9
a tragÉdia d o Co n s t r u t i V i s M o
2 folha do estudante
2009
Editorial O construtivismo é o tema da capa da terceira edição da Folha do Estudante. Infelizmente, para os brasileiros, a análise que o especialista em educação Newton Duarte faz do construtivismo não é nada animadora. Duarte, em entrevista exclusiva para a Folha do
Estudante, assegura que o governo impôs, através do construtivismo, uma verdadeira descaracterização da educação e um esvaziamento completo do conteúdo no ensino brasileiro. Professores, alunos e pais foram, segundo Duarte, os mais afetados nesse processo que in-
vadiu as escolas em meados dos anos 1980. Pelas palavras de Duarte: “O professor ficou alijado de seu papel de educador, viu desaparecer sua autoridade, sua relevância e mesmo o propósito de estar na sala de aula. Os alunos foram obrigados a
uma “desaprendizagem” na escola, uma vez que perderam a referência do conteúdo e do professor. E os pais viram toda uma geração condenada a absorver muito menos do que as gerações passadas.” Além do construtivismo, esta edição da Folha do
Estudante traz uma matéria que desvenda as reais intenções do curso de Relações Internacionais. Mostramos também um caso de sucesso em gestão educacional pública (Colégio Christino Cabral), e trazemos nossas matérias sobre cursos, disciplinas e vestibulares.
Artigo
Libertação e dominação pelo audiovisual A arte e o conceito de televisão e o cinema, que por sua mos que levar em conta que as arte também poderiam, a par- vez são (eles é que são) a cópia linguagens audiovisuais não se A importância da lin- tir de então, ser produzidos em do mundo real, transformando prestam somente à dominação, guagem audio-visual no mundo massa, assim como a produção a realidade contemporânea num mas também servem à libertação moderno está evidenciada no dos bens de consumo indus- tipo absurdo de “caverna plato- das sociedades. E é nessa liberdia-a-dia da quase totalidade triais. Afinal, o próprio cinema, niana”. tação que a maioria dos docudas sociedades no planeta. Mes- pela sua natureza, já é uma có- A internet também mentários se insere, podendo, mo os países comunistas usaram pia (mesmo a matriz do filme). têm papel importante nessas com a natureza de suas linguae usam em larga escala a televi- Podemos dizer então que, mes- transformações, de modo mui- gens, explicitar os problemas e são e o cinema como elementos mo quando aborda importantes da propaganda ins- um conteúdo regional titucional e ideológica de seus ou folclórico de uma regimes. As ditaduras militares determinada aldeia africanas e asiáticas mais atrasa- na Transilvânia, por das lançam mão desses recursos exemplo, o cinema para garantir a perpetuação do sempre está apontanpoder e da dominação. do para uma difusão Mas é no mundo capi- global. talista ocidentalizado moderno Com a televique percebemos a real impor- são, o vídeo tape e a tância, a interdependência das nova linguagem de sisociedades e a perpetuação do nais eletromagnéticos, status quo ligados ao universo das a revolução de valores, imagens e dos sons. É notório, cultura e modelos de desde a invenção da fotografia e dominação supra citado desenvolvimento dessa técni- da foi parar dentro das Adolf Hitler e Leni Riefenstahl, a cineasta oficial do terceiro reich. ca com o movimento do cine- casas, no seio da famíma, a revolução que foi causada lia, e passou a estar presente 24 to controvertido. Alguns dizem as causas dos flagelos que atinna compreensão de mundo dos horas por dia, mesmo quando que é mais um instrumento de gem a humanidade, servindo ocidentais. Essa revolução trans- não estamos prestando atenção dominação capitalista, mas é como um perfeito instrumento formou as formas de compreen- - é comum as pessoas chegarem notório que existe um potencial de denúncia. É o caso do vender, aceitar, interagir e produzir em casa e ligarem a TV enquan- democrático em sua natureza, cedor do Oscar de 2003, Tiros em relação à cultura, modos de to fazem as mais diversas tarefas no sentido em que a internet em Columbine, que mostra, vida e modelos de produção e pela casa. A televisão passou a ser individualiza (ao mesmo tempo com cenas fortes e dramáticas, dominação nas sociedades oci- uma espécie de “voz interior”, que difunde também) as men- o resultado e o drama da venda dentais (ou ocidentalizadas). A que muitas vezes opera direta- sagens audiovisuais. Agora, por indiscriminada de armas nos Esprodução em grande escala que, mente no nosso inconsciente. exemplo, um adolescente pode tados Unidos, sob a ótica das vípodemos dizer, foi inaugura- A exacerbação desses conceitos enviar o clipe de sua “banda de timas e parentes das vítimas do da com o advento da imprensa pode ser conferida com a cria- garagem” para seu melhor ami- massacre em uma escola de uma ainda no século XV, culminava ção dos Reality Shows, onde go que está na Lituânia estudan- pequena cidade americana. com a reinvenção do conceito uma pessoa real e comum é gra- do línguas, eliminando a etapa É claro que não se pode de obra de arte, agora não mais vada ou filmada 24 horas por de produção industrial em larga generalizar. Existem documenpresa obrigatoriamente à unici- dia, e transformada numa cópia escala desse clipe e a (muitas ve- tários que servem à dominação dade, ao aqui e agora da presen- do mundo da TV: o simulacro zes) impossibilidade de ele ser cultural, política e produtiva das ça da mão do artista (ao ich et do simulacro da realidade. O produzido pelo mercado. nações, como os realizados pela nunc). público passa, assim, a copiar a Por isso mesmo, te- cineasta alemã Leni Riefenstahl nos anos 1930. Ela inovou as técnicas de planos e moCNPJ 09028502/0001-03 vimentos de câmeras em Olympia (que “retrata” a suEditor Chefe: Jornalista Responsável: perioridade ariana nos jogos Carlos D’Incao Paulo Neves /MTB: 10.253/SP Olímpicos de 1936) e TriunLuís Paulo Domingues/MTB: 42.489/SP fo da Vontade ( que mostra Editores Colaboradores: a liturgia mítica, envolvente Diagramação e Projeto Gráfico: Paulo Neves Marcelo Rino e dominadora dos soldados e Pedro D’Incao do povo alemão durante um Endereço: Assinaturas: (14) 3227-3524 comício de Adolf Hitler). Entre em contato com a redação Rua Fuas de Mattos Sabino, 15-65 Por outro lado tamcontato@folhadoestudante.net Bauru-SP / Tel: (14) 3227-3524 bém, muitas vezes a ficção se presta à denuncia dos erros crassos da sociedade e à sua Luis Paulo Domingues
Folha do Estudante
libertação, mesmo dentro dos Estados Unidos, onde o cinema é o maior aparelho ideológico de Estado. É o caso de Beleza Americana, Clube da Luta e A Outra História Americana, para citar alguns exemplos. Curiosamente, o cinema ficcional americano só tem conseguido manter essa posição de denúncia e libertação quando critica a sua própria sociedade. Temos também exemplos que se tornaram ambíguos com o decorrer da história. É o caso do filme russo O Encouraçado Potemkim, da década de 1920. Apesar de ser freqüentemente classificado como ficção, conta uma passagem verdadeira da história da Rússia, podendo ser classificado como ficção documentarista. De certa forma, pode ser classificado também como um filme libertador e revolucionário, pois denuncia a situação dos marinheiros e das classes mais desfavorecidas na Rússia czarista, embora tenha sido usado como propaganda do regime comunista por décadas, servindo assim como instrumento reforçador de um regime que se pautava no controle social opressor. Também precisamos lembrar que as linguagens audio-visuais podem atuar de modo diferente de cultura para cultura. No Brasil, por exemplo, a televisão (com a veiculação de novelas e esporte) é o grande instrumento de dominação, o maior aparelho ideológico, enquanto o cinema se presta muito mais à denúncia e à difusão da cultura artística, seja ela de vanguarda ou tradicional. Já nos Estados Unidos, o cinema industrial produzido em Hoolywood atua como o principal elemento ideológico de contenção e aceitação social. É importante termos em vista que essa fronteira entre arte e comunicação de massa, do mesmo modo que a fronteira entre cultura erudita e popular, é feita de uma tênue linha, e muitas vezes um lado incorpora elementos do outro e vice versa.
2008 FOLHA DO ESTUDANTE 3
CAPA - ENTREVISTA COM NEWTON DUARTE
A tragédia do construtivismo
Como uma pedagogia imposta pelo poder descaracterizou a escola no Brasil
U
m dos maiores especialistas em educação no Brasil, Newton Duarte defende a pedagogia histórico-crítica como uma ferramenta de libertação para a educação no Brasil, e como uma arma de transformação social. A pedagogia histórico-crítica tem como principal referência a obra do educador brasileiro Dermeval Saviani. Duarte é um grande estudioso (porém crítico) do construtivismo e das pedagogias similares, que se disseminaram na educação brasileira a partir dos anos 1980. Graduado em Pedagogia pela Universidade Federal de São Carlos em 1985, Newton Duarte obteve o grau de Mestre em Educação pela mesma universidade em 1987. Defendeu sua tese de doutorado na Faculdade de Educação da UNICAMP, em 1992. Em 1999, por meio de concurso público, obteve o título de livredocente em psicologia da educação. De agosto de 2003 a junho de 2004, realizou pós-doutorado na Universidade de Toronto, Canadá. Atualmente, Duarte é professor e pesquisador na Unesp de Araraquara. Ele concedeu esta entrevista à Folha do Estudante. Como você define o construtivismo e como se introduziu essa pedagogia no Brasil? O construtivismo como pedagogia tem origem na epistemologia genética de Jean Piaget, também chamada de psicologia genética. Ele não teve início como uma pedagogia, mas sim com as pesquisas de Jean Piaget e sua equipe sobre o processo de desenvolvimento do conhecimento. Piaget era um biólogo, e como biólogo, acreditava que a explicação do conhecimento deveria ocorrer por meio de pesquisas experimentais. Seu referencial era o da interação entre o organismo e o meio ambiente, isto é, como um organismo se adapta ao meio ambiente. Desse modelo inicial, ele queria compreender qual é o papel da inteligência nesse processo de adaptação. Piaget realizou um número enorme de pesquisas e produziu até o final de sua vida, sendo seguido por um número grande de adeptos. Embora as pesquisas de Piaget fossem em torno da teoria do conhecimento, na epistemologia - e, necessariamente, com fundamentação no campo da Biologia -, desde o início ele sempre se mostrou interessado nas questões educacionais, na formação das pessoas, na formação do ser humano. Esse interesse pela educação já se manifestava em escritos da década de 20, de 30, nos quais ele mostrava interesse pelos chamados Métodos Ativos da
Educação, que foram os métodos desenvolvidos pela Escola Nova, um movimento educacional que teve grande difusão na Europa e América do Norte em toda primeira metade do séc XX. Os estudos de Piaget foram sendo difundidos pelo mundo todo e suas idéias chegaram ao Brasil ainda nas primeiras décadas do século XX, mas de forma muito localizada - atingindo alguns educadores, alguns pesquisadores que desenvolviam certas experiências e difundiam as idéias de Piaget ainda bastante vinculadas às idéias da Escola Nova. Mas isso que nós chamamos de construtivismo, o movi-
Em consequência disso, tivemos uma crítica avassaladora a tudo o que os professores vinham fazendo até então, resultando na negação de toda a experiência docente acumulada no campo da alfabetização. Os professores deveriam deixar de lado sua experiência e substituí-la pelo conhecimento das fases da psicogênese da língua escrita. Costumo dizer ironicamente que foi o momento em que as cartilhas foram queimadas em praça pública, ou seja, não usaríamos mais cartilhas. E os professores, então, passaram a ser bombardeados pelo construtivismo. Mas o construtivismo não se limitou à alfabetização e
construtivista, o desenvolvimento do pensamento ocorreria independentemente do conhecimento que o sujeito viria a adquirir. Do ponto de vista da concepção de educação que deriva dessa visão do conhecimento, o contrutivismo é uma pedagogia que defende o lema “aprender a aprender”. Ou seja, o importante não é o que o aluno aprende, mas como ele aprende. E, principalmente, que a maneira como ele aprende possa levá-lo à capacidade de adquirir por si mesmo o conhecimento. Esse é o primeiro ponto do aprender a aprender: adquirir conhecimento por si próprio seria alguma coisa muito mais interessante do
Newton Duarte acredita que o construtivismo esvaziou o conteúdo da educação brasileira. mento que se espalhou pela educação brasileira como um todo, aparece mais nitidamente na metade da década de 80, quando a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo implanta o chamado ciclo básico, que já era uma proposta, na educação, de inspiração construtivista. Aí já podemos ver o construtivismo assumindo a forma de uma pedagogia, muito embora os próprios autores construtivistas tenham resistência em aceitar que o construtivismo seja uma pedagogia. Esses autores dizem que ele é uma teoria do conhecimento, do desenvolvimento infantil, da inteligência humana. Quando o ciclo básico é implantado em SP, uma grande referência para o construtivismo foram as pesquisas realizadas por Emília Ferrero e Ana Teberosky. O livro mais famoso delas, naquela época, foi o Psicogênese da Língua Escrita. A idéia era que o professor não seria mais o sujeito que alfabetizaria a criança, mas sim a pessoa que criaria situações potencializadoras para o desenvolvimento da alfabetização.
foi sendo conhecido como uma teoria para toda a educação. Do ponto de vista de sua teoria do conhecimento, a teoria construtivista é uma teoria biologizante. O problema, portanto, é que essa teoria perde um aspecto essencial do ser humano: seu fundamento social e cultural. disso?
Qual é o significado
Isso quer dizer que, para Piaget, o desenvolvimento da inteligência e do pensamento é algo que independe dos conteúdos culturais. O desenvolvimento do pensamento seria algo que dependeria da interação entre o indivíduo e o meio, entre o sujeito e o objeto do conhecimento; tanto que Piaget se preocupava, em suas pesquisas, com a forma do desenvolvimento do pensamento - Piaget nunca se preocupou com o conteúdo do pensamento, o conteúdo para ele era secundário. Para nós educadores, que trabalhamos a formação das novas gerações, essa secundarização do conteúdo traz consequências seríssimas. Pois, na perspectiva
que adquirir conhecimento com outras pessoas. O conhecimento mais proveitoso, então, seria sempre aquele que o indivíduo não estivesse recebendo de outras pessoas. Outro ponto crítico é o de que o método de construção do conhecimento seria mais importante do que o conhecimento adquirido. Nesse caso, o domínio do método científico seria mais importante do que todo o conhecimento científico acumulado até agora. Mas como dominar o processo de aquisição do conhecimento se não se domina o conhecimento produzido até então? Outro ponto do aprender a aprender é que todas as atividades educacionais deveriam ser espontâneas e que partiriam sempre de necessidades e interesses espontâneos dos próprios alunos. Isso descaracteriza quase que inteiramente o trabalho do professor. Por fim, o lema aprender a aprender está centrado no processo de adaptação do indivíduo ao seu meio social. O objetivo não é que as pessoas se apropriem
do conhecimento para utilizá-lo em processos de transformação da sociedade. O objetivo é a adaptação. Então, se a gente juntar essas quatro idéias, as consequências para a atividade social são fortemente negativas. Por que existe uma perpetuação do construtivismo, se ele se mostra uma pedagogia conservadora e ultrapassada do ponto de vista teórico filosófico? São várias as razões. O construtivismo é uma teoria epistemológica, psicológica e pedagógica bastante compatível com o capitalismo atual. Há uma sintonia entre a lógica da sociedade capitalista atual e o construtivismo. Ele está enraizado nessa forma de organização da sociedade. Em segundo lugar é que, dada a alienação da sociedade (a qual todos nós estamos sujeitos), o construtivismo se utiliza de processos de sedução para ganhar adeptos. Muitas vezes nós nos deixamos seduzir por concepções, por teorias que não produzem uma visão crítica, não conduzem a uma análise racional sobre o que ocorre na sociedade e na educação. Essas teorias seduzem porque estão impregnadas de idéias e imagens que estão presentes na ideologia dominante da sociedade contemporânea. Uma terceira razão é que as políticas educacionais estão impregnadas dessa visão construtivista. O construtivismo tornou-se um discurso oficial na educação brasileira e, para impôlo, é realizado todo um conjunto de ações institucionais junto às escolas e aos professores. Então nós temos razões de ordem sócio-econômica, de ordem política e institucional, e de ordem ideológica (no sentido da nossa alienação). E o construtivismo não desaparecerá tão facilmente do cenário educacional brasileiro. Ele pode estar superado como teoria, com tudo de negativo que ele já se mostrou capaz de transmitir para a sociedade brasileira, mas sua sustentação ainda é muito forte. Na educação, existe um cansaço muito forte com relação às políticas e às pedagogias construtivistas. Antes, havia críticas em relação ao fracasso escolar, porém o construtivismo, que veio para reverter esse quadro, acabou tornando tudo muito pior... Correto. Embora as estatísticas camuflem a realidade. Muitas pesquisas e estatísticas vêm de encontro a isso: mostrar que o construtivismo supera o fracasso da escolaridade. Sim, mas qualquer um
4 folha do estudante
2009
CAPA - ENTREVISTA COM NEWTON DUARTE sabe que dentro dessa proposta pedagógica há a aprovação automática, onde todo mundo passa e o conteúdo ministrado na escola é de péssima qualidade... A escola, cada vez mais, é um ambiente que promove o esvaziamento dos conteúdos conteúdos não só mais esvaziados, como mais pragmáticos; e o pouco que se aprende é visto como aquilo que atende às necessidades práticas do cotidiano, o que gera um empobrecimento ainda maior desse conteúdo. Toda esta geração, infelizmente, está aprendendo muito menos que as gerações passadas. Nessa conjuntura de esgotamento que os pais, os alunos e professores sentem, seria o construtivismo uma teoria falaciosa, que se veste com uma roupagem progressista? Quais são as consequências da aplicação dessa pedagogia para essas novas gerações? Seriam gerações perdidas?
Consequências para a escola e para a sociedade
currículo (conteúdo), isso provocou um esvaziamento cada vez maior dos currículos, uma descacterização desses currículos. Temos então um currículo esvaziado, um professor desvalorizado e um aluno completamente desorientado.
conhecimento necessário para transformá-la, para compreendermos criticamente essa sociedade? Mas mesmo que nós nos resignássemos ao capitalismo, mesmo que aceitássemos que nós permaneceremos na socie-
Na Escola, nós poderíamos abordar as consequências do ponto de vista do aluno, do professor e do currículo. Do ponto de vista do aluno, nós temos alguém que poderia estar passando por um processo de desenvolvimento de sua inteligência, de sua criatividade, quando o que ocorre é o oposto do desenvolvimento: é a estagnação de um aluno que é mantido em níveis muito baixos do desenvolvimento intelectual e, ao contrário do que afirmam os construtivistas, com pouco ou nenhum desenvolvimento de sua criatividade e do espírito crítico. Além disso, o aluno fica sem referências de como agir, de que valores adotar, de como escolher entre o que é certo e o que é errado... é um aluno que realmente se sente abandonado Sim, o construtivismo se pela escola. Do ponto de vista do vestiu com uma roupagem dita professor, ele foi totalmente democrática, progressista, inovadora e que faria a educação dar desautorizado. Dizem a ele: um grande salto na direção de “tudo o que você está fazendo uma escola de melhor qualidade é ultrapassado, é autoritário... e que atendesse às necessidades é preciso ser construtivista”. da grande maioria da população. E o professor, que no início Ao contrário disso, o construti- se sentiu desconfortável com vismo é uma abordagem reacio- isso, não viu outra alternativa, Jean Piaget, pai da teoria construtivista e similares. nária, que não compreende o ser a não ser tentar ser construtivista humano como um ser histórico (mesmo que muitas vezes ele não Além disso, devemos sa- dade capitalista, ainda assim as abrisse mão de coisas que ele já - um ser que precisa transformar lientar que vivemos um momen- consequências do construtivisa sociedade para transformar a si tinha como fundamentais para o to da história da humanidade em mo seriam devastadoras. próprio. Isso acaba concentran- trabalho que vinha desenvolven- que é preciso que as pessoas se Como enfrentar todos os do o conhecimento nas mãos de do). organizem para buscar a supera- desafios do nosso cotidiano, sem A pressão foi muito gran- ção das características essenciais dominar o conhecimento? Como uma minoria. Então, como pode de. O professor viu-se obrigado da sociedade contemporânea. a sociedade brasileira pode dar uma teoria ser democrática, se a ceder, muitas vezes contra a sua A principal característica desta um salto em direção à sua aunão prioriza o acesso ao conhecimento, se não democratiza o vontade, outras vezes foi sedu- sociedade é o fato de ela ser to- tonomia, se nós dependemos conhecimento que deveria ser zido a aderir ao construtivismo. talmente regida pela lógica do totalmente de um tipo de conhepatrimônio de toda a humani- E o processo foi caminhando de capitalismo. cimento que interfere nas formas modo que o professor foi visto, dade? Há quem diga que hoje a de produção? O próprio acesso a O resultado do constru- cada vez menos, como um pro- gente vive numa sociedade onde esse conhecimento é controlado tivismo é o conhecimento con- fissional que domina o conheci- os processos culturais seriam os por instituições internacionais centrado cada vez mais nas mãos mento, que domina a maneira mais importantes, os mais deci- cujas diretrizes são ditadas pelos de número menor de pessoas - a ou as maneiras de esse conhe- sivos para buscarmos alternati- grandes impérios financeiros, classe dominante, os intelectuais cimento ser ensinado. Houve vas e soluções para os problemas pelos países que dominam o cee os setores da sociedade a servi- uma tal descaracterização, que o sociais. Se fosse assim, por que a nário econômico internacional e professor hoje está literalmente grande preocupação desde outu- a organização social e política do ço da classe dominante. Os pais dos alunos têm adoecendo, porque se sente um bro de 2008 é a crise econômica? mundo todo muita clareza, têm conhecimen- profissional desautorizado, sem A preocupação com a crise ecoComo nosso país vai se aliar a outros países da América Latina, no sentido de “O resultado do construtivismo é o conhecimento concentrado cada vez conquistarmos um mínimo de automais nas mãos de número menor de pessoas - a classe dominante, os nomia (ainda que aquém do que deintelectuais e os setores da sociedade a serviço da classe dominante.” sejaríamos)? Como fazer isso tudo sem conhecimento? to de que a escola deveria alfanômica não é uma preocupação Então nós temos um probetizar seus filhos. Eles deveriam respeito diante daquilo que é pró- dos economistas, é uma preo- cesso em que as consequências aprender a ler e a escrever (e a ler prio do seu trabalho. Isso provo- cupação de todos, pois sabemos desse esvaziamento do conhee escrever bem), e não é isso o cou o esvaziamento daquilo que que o capital está em crise e isso cimento é um enfraquecimeno professor deveria conhecer para afeta toda a sociedade, pois é o to do próprio tecido social, das que acontece. O construtivismo é (ao exercer o seu trabalho, conduziu- capital que comanda a socieda- próprias relações sociais. contrário do que afirmam os seus o a um aspecto psicológico, que de. Como superar isso? Não suQualquer professor e pai não é secundário, que é um sendefensores) uma concepção reaperaremos isso apenas com boas de aluno sabe que, sem conhecionária - do ponto de vista da timento de desvalorização muito idéias. cimento, não haverá progressua teoria e do ponto de vista grande, que acaba acarretando, É preciso um processo so. Se o construtivismo é uma de suas implicações educacio- entre outras coisas, até no adoe- coletivo de transformação da so- pedagogia que pretende atacar cimento do profissional. nais. ciedade. Mas como transformar o conteúdo, nega-se ao jovem Do ponto de vista do a sociedade, se nós não temos o um futuro de progresso. Essa
seria a meta do contrutivismo? Eu não diria que é uma meta deliberada. Não atribuiria más intenções a ele. Os construtivistas podem estar até honestamente convencidos de que estão promovendo uma pedagogia progressista, inovadora, democrática, que estão fazendo melhorias para a sociedade brasileira. Por isso eu não chamaria de meta, mas eu diria que é uma consequência objetiva inevitável do construtivismo. E se eles não têm essa consciência, é porque não conseguem avaliar de maneira mais crítica essa relação entre educação e sociedade. O construtivismo é uma concepção idealista e não dá conta dessa relação entre a escola e a sociedade. Piaget, por exemplo, parecia inclinado a acreditar que se nós tivermos uma escola que eles chamam de autoritária - onde o professor exija e mantenha a disciplina, onde o professor transmita conteúdo -, teríamos também uma sociedade autoritária, anti-democrática. Para ele, se nós tivéssemos uma escola em que os alunos interagissem, participassem, teríamos uma sociedade realmente democrática. Isso é uma visão ingênua, uma visão idealista das relações entre educação escolar e sociedade que está presente em todo o construtivismo. Essa visão impede que os construtivistas enxerguem as consequências inevitáveis dessa pedagogia para a sociedade. Você acredita que estamos avançando num sentido superador? Eu diria que há duas possibilidades. Nós estamos falando de construtivismo, mas hoje ele está associado a outras pedagogias que são compatíveis com ele. É o caso da pedagogia das competências, da pedagogia dos projetos, do multiculturalismo e da teoria do professor reflexivo. É uma associação de várias pedagogias que apontam para a mesma direção. Então, existe a possibilidade de essas pedagogias manterem-se como ideologia dominante na educação brasileira por um bom tempo. Mas também existe a outra possibilidade. Dado ao alto grau de insatisfação de alunos, professores e pais, relacionado ao fracasso do construtivismo e das pedagogias relacionadas a ele (e também graças à existência de outras correntes que trabalham a favor da superação dessas pedagogias hegemônicas), eu diria que temos a possibilidade de caminhar em direção da superação disso, articulando essa insatisfação de pais, alunos e professores com a busca da superação dessa pedagogia tão nociva para a educação no Brasil. Entre em contato conosco: contato@folhadoestudante.net
2008 FOLHA DO ESTUDANTE 5
especial - Carreiras
Relações Internacionais: uma opção duvidosa Um dos cursos mais procurados da atualidade pode ser um engodo Carlos D’Incao e Luís Paulo Domingues
Nas últimas décadas, diversas carreiras surgiram no universo acadêmico para suprir novas demandas do mercado de trabalho. Porém, é preciso lançar um olhar crítico sobre a realidade, para que possamos nos defender do mercado acadêmico, que é encabeçado por instituições privadas e vive de criar demandas inexistentes para matricular mais e mais alunos, com a finalidade de engordar sus próprias receitas. A Folha do Estudante pesquisou a realidade do curso de Relações Internacionais, uma das novas promessas que as faculdades particulares - e algumas públicas - estão vendendo. Teoricamente, o curso de Relações Internacionais serviria para capacitar profissionais para trabalhar como diplomatas, e também em empresas particulares de comércio exterior. No Brasil, contudo, para ser admitido no corpo de diplomatas, é obrigatório o ingresso no Instituto Rio Branco, que é a escola de diplomatas oficial do Ministério das Relações Exteriores do país. O Instituto Rio Branco seleciona (através de concurso público) e forma os diplomatas brasileiros. Para prestar o concurso, exige-se formação superior, mas não há exigência de área específica. Ou seja, qualquer pessoa com nível superior pode prestar o concurso para a carreira diplomática. Trata-se ainda de um concurso com altíssima concorrência. No site do Instituto, por exemplo, a relação candidato vaga do concurso de 2005 (que é a última publicada no site) foi de 207 candidatos por vaga. Para quê, portanto, um aluno precisa fazer Relações Internacionais (cujos coordenadores dizem ser um curso específico para formar diplomatas) se, assim que obtiver o diploma, terá que prestar o concurso do Instituto Rio Branco para aprender a ser diplomata? Não seria mais sensato fazer outro curso na área de humanas e, quando formado, ter a chance de ficar no mercado de trabalho enquanto tenta ser aprovado no concurso público? Outro dado importante apurado pela Folha do Estudante é que o curso de Relações Internacionais é muito lucrativo para as instituições privadas. As mensalidades são caras, mas o curso é barato para as faculdades. O próprio site do Instituto Rio Branco informa que os melhores perfis para ingressar na
instituição são os do bacharel em direito ou história, do economista e dos cientistas sociais e políticos, que são especialistas em áreas cruciais para a carreira diplomática. O curso de relações internacionais, contudo, não forma especialistas em coisa alguma. A grade curricular é pobre e generalista, limitando-se a fazer um apanhado que passa pelo direito, história e economia. No site do Jornal dos Concursos, o próprio coordenador do curso de relações internacionais da Trevisan Escola de Negócios declara que “o campo de atuação desse profissional está em construção”, Instituto Rio Branco: a única instituição autorizada a formar o corpo de diplomatas brasileiro. referindo-se ao ao redor do mundo, supõe-se ses curso declara que se trata de almejada vaga. No caso do merprofissional formado pelo curso. que as empresas irão procurar uma área “ainda em formação”, cado privado, do mesmo modo, Por outro lado, o diplomata de profissionais cada vez mais espe- como visto acima. esses cursos também são mais incarreira e doutor em ciências so- cializados e não alguém formado O fato é que um curso dicados. É por isso que é opinião ciais Paulo Roberto de Almeida em um curso que proporciona de direito, direito internacional corrente entre os estudiosos - e diz, sobre o curso: “-Não tenho uma visão geral desses mercados ou comércio exterior pode dire- também para este jornal - que o certeza de que esse seja o melhor e relações, ainda mais quando o cionar muito mais o pretenden- curso de Relações Internacionais caminho para quem aspira a ser próprio coordenador de um des- te ao Instituto Rio Branco à sua é uma opção duvidosa. alguma coisa na vida, pois se trata de uma área relativamente nova e não suficientemente “testada” nos mercados de trabalho.” A USP e a Unesp, universidades públicas de excelência do Estado de São Paulo, também têm seus cursos de relações internacionais, porém, com menor quantidade de vagas e com qualidade superior ao dos oferecidos pelas faculdades particulares. Outro dado importante fornecido pelos sites das faculdades que oferecem o curso: o internacionalista, como é chamado o profissional graduado na área, também pode integrar o mercado de trabalho em empresas privadas. O problema é que, com o grau de especialização dos mercados O mercado do diploma: muitas faculdades utilizam o diploma como uma moeda de troca. e das relações comerciais
6 folha do estudante
2009
ESPECIAL - FILOSOFIA | sociologia
Por uma ciência reflexiva Uma crítica ao distânciamento exagerado da ciência diante do mundo cotidiano Maysa Leal
verdade, a ciência apresentase hoje como elucidativa, enodos nós, homens e mul- riquecedora, conquistadora, heres, precisamos da filo- triunfante. De fato, desde a sofia para a passagem de uma revolução científica moderna consciência ingênua a uma con- iniciada com Copérnico, a sciência crítica. Uma condição ciência propiciou progressos para o amadurecimento é técnicos espantosos e produziu a conquista da autonomia no bens múltiplos. Como matriz pensar e no agir. Sendo assim, de um conhecimento racional, muitos adultos permanecerão porém, a ciência não teve pocrianças se não exercitarem, tencialidades para destruir o desde cedo, um olhar crítico contexto irracional dentro do sobre sí mesmos e sobre o qual se fomentou sua expanmundo no qual vivem. A Filo- são teórica e sua conversão em sofia pode ser entendida como força prática. um convite à discussão, como A ligação da ciência um exercício da capacidade hu- à máquina de guerra, que a mana de se interrogar. Seu pa- química já tinha iniciado na pel é estimular o pensamento primeira guerra mundial, torabstrato, impedir a estagnação, nou-se cada vez mais íntima desvendar o que está encoberto com a preparação e produção pelo costume, pelas tradições, de instrumentos militares, arpelo poder. Esse também é, ou mas, explosivos e demais equideveria ser, o papel da ciência. pamentos. Pesquisas no campo No inicio deste ter- da física acabaram por dar luceiro milênio, qualquer um que gar à tragédia em Hiroshima se interrogar sobre o mundo e Nagasaki. Ao longo do seu não poderá deixar de perceber percurso de sucesso, procugrandes evoluções no campo rando comprimir o mundo em das ciências. Suas aplicações equações e algoritmos, a física tecnológicas provocam rápidas foi se distanciando da naturmudanças no modo de vida das eza, a biologia distanciando-se pessoas em todas as partes do da vida e, no seu conjunto, as planeta. A ciência abre novas e ciências se afastaram de nós, Revolução científica: é necessário voltar à simplicidade, dando sentido às práticas cotidianas. insuspeitas fronteiras no con- tornando-se incompreensíveis no umbral daquilo que Thom- e usamos para dar sentido às teresse prático que são, respechecimento dos fenômenos da para o senso comum. Após sécu- as Khun, o pai da história da nossas práticas e que parte da tivamente, o interesse pelo vida e do meio ambiente. Te- los de desenvolvimento cientí- ciência, chamou de revolução ciência teima em considerar ir- domínio da natureza e pelo mos mais ciência do que nunca, fico, muito pouco se gerou em científica que, quando é funda- relevante. Temos que perguntar controle da sociedade. Há o inpelo contributo positivo ou teresse reflexivo, filosófico, que negativo da ciência para nossa anima ao que se pode chamar felicidade. Os parâmetros de de ciência crítica. Um interesse “Torna-se necessário voltar às coisas simples. Retornar ao cultura e história devem ser progressista, porque enquanto conhecimento popular, dito ordinário ou vulgar que nós, sujeitos considerados com sabedoria os outros interesses conduzem individuais ou coletivos, criamos e usamos para dar sentido às nossas quando procuramos soluções ao domínio e à servidão, essa práticas e que parte da ciência teima em considerar irrelevante.” de ciência para o desenvolvi- ciência crítica animada pela mento e o progresso local. De reflexão tem de fato como inoutra forma, os avanços pos- teresse a emancipação dos honunca dependemos tanto dela benefício de uma comunidade mental e exemplar, arrasta uma sibilitados pela ciência serão mens. como agora, mas também nun- humana possível. Mesmo en- mudança de paradigma e, em apenas alavancas de um proca tivemos tanta clareza sobre tre as nações ditas desenvolvi- consequência, uma mudança na gresso material desarticulado Maysa Leal -Professora de Sociologia seus problemas, limites e possi- das, persiste a desigualdade, própria visão de mundo. Tor- de qualquer progresso social. Existem diferentes ti- e Cultura, formada pela bilidades. A temática científica a segregação racial, a miséria, na-se necessário voltar às coisas é das mais importantes da atu- a violência e a infelicidade. simples. Retornar ao conheci- pos de conhecimentos, porque Universidade do Porto, em alidade. Hoje, surgem de toda mento popular, dito ordinário os mesmos são animados por Portugal. Tr a d i c i o n a l m e n t e parte apelos por um novo mod- ou vulgar que nós, sujeitos in- diferentes tipos de interesses. -Mestra em Cultura e considerada como o lugar da elo de racionalidade. Estamos dividuais ou coletivos, criamos Há o interesse técnico e o in- Comunicação da Ciência.
T
ESPECIAL - desafio matemática Num grande templo em Benares, Índia, há uma placa onde estão fixados três pinos de diamante. Conta a lenda que num deles, no momento da criação, o deus Brahma colocou 64 discos de ouro puro, o maior deles na base e os restantes na ordem decrescente de tamanho até o topo. Essa é a Torre de Brahma, em que dia e noite, incessantemente, os monges se revezam transferindo
os discos de um pino para outro, obedecendo às leis imutáveis fixadas pelo maior dos deuses do hinduísmo. Segundo elas, só se pode transferir um disco por vez, de modo que jamais um menor seja posto sobre um maior. Quando os 64 discos forem transferidos do pino em que Deus os colocou para qualquer um dos outros dois, torre, templo e brâmanes virarão pó e, com um estrondo,
o mundo desaparecerá. Para isso seriam necessários 18.446.744.073.709.551.615 movimentos dos discos entre as três torres. O desafio consiste em encontra o menor número de movimentos necessário para fazer a troca das torres usando 6 discos, 10 discos e um número n de discos. Enviada pelo professor de
matemática Rômulo Cardador Confira a resposta do desafio na próxima edição.
2008
folha do estudante
7
esPeCial - QuÍMiCa
Qual a diferença entre um veneno e um remédio? Pesquisa para trabalho de graduação permite rever nossos conceitos sobre as drogas Alexandre Simonetti
n
culdade, lembro-me claramente do professor, um doutor na área, fazendo a pergunta: “Qual a diferença entre um veneno e um remédio? A dose”. Para exemplificar, o café, combustível diário quase que
caso, a dose transformou o café em veneno. As bebidas energéticas, como o Red Bull, são outro exemplo. Na década de 1980, um austríaco (Dietrich Mateschitz), percebeu que vários motoristas de táxis em Bangcoc, na Tailân-
feitas a base de cafeína, açúcar e outras substâncias, como taurina (aminoácido anti-oxidante presente em peixes e carnes) e glucuronolactona (que elimina toxinas). Hoje em dia sabe-se que, quando consumidas com bebi-
a conclusão da graduação em 2004, apresentei um relatório sobre a “Prevenção ao uso de Drogas: Uma proposta de trabalho para alunos do Ensino Fundamental e Médio”. Durante todo o ano, montei um grande acervo de informações das mais variadas drogas, e também um programa de computador, na forma de apresentação de slides para dar palestras em escolas para alunos dos 13 aos 20 anos. Tive o apoio de um grupo já conhecido da faculdade para esse mesmo fim: “Anjos da guarda”. Nessa definição se encaixam tanto o álcool, o cigarro, quanto o café ou os remédios. Durante as palestras, atingi meu objetivo de impressionar os alunos a ponto de ficarem com medo de determinadas situações. Foram mostradas fotos de fígados com cirrose em decorrência do alcoolismo, de pulmões com enfisema e outras mais para ilustrar bem a intenção da palestra. Hoje, cinco anos mais tarde, meu trabalho está parado, a monografia, quieta na estante, e o programa, perdido em algum CD dentro de uma gaveta. Certo dia, já em 2009, Qualquer substância pode se tornar uma droga nociva, dependendo sempre da quantidade. um aluno perguntou quais eram os efeitos de uma droga chama- indispensável à maioria dos tra- dia, tomavam um tônico chama- das alcoólicas, além de atenuar o da de “blue-alguma coisa”. Ele balhadores, contém cafeína que é do Kraeting Daeng (“Touro Ver- efeito depressor do álcool, ainda me disse que era uma variante um estimulante do Sistema Ner- melho” ou, em inglês, Red Bull), estimulam seu consumo. e resolveu lançar um derivado na Com a grande quantidado ecstasy. Respondi que não voso Central (SNC). Como toda substância Europa, culminando com o nas- de de novas bebidas, drogas, ou conhecia, mas que procuraria saber. Depois, reflleti que há mais química, existe uma quantida- cimento das bebidas energéticas. mesmo alimentos sendo produuma nova droga no mercado e de limite que nosso corpo pode Normalmente, essas bebidas são zidos, será que nosso corpo dá provavelmente ninguém sabe metabolizar em um certo pequais são os reais efeitos que ela ríodo de tempo. Pois bem, há uma estimativa hoje que diz pode causar. Hoje em dia é muito co- que se alguma pessoa consemum nós nos auto-medicarmos, guir ingerir, em pouco tempo, sem sequer sabermos se determi- o equivalente a cem pequenas nada substância provoca algum xícaras de café, a estimulação efeito colateral. Nos estudos será tão intensa a ponto de sobre farmacologia, ainda na fa- levar a pessoa a óbito. Nesse
conta de tudo isso? Relaciono a pergunta com o impressionante número de casos de câncer que têm surgido nos últimos anos. Dificilmente encontramos alguma pessoa que não esteja ligada a pelo menos um caso dessa doença dentro de sua própria família ou amigos. Existe uma estimativa hoje (JORNAL O GLOBO, fev/2009) que mostra que os casos de câncer no mundo vão dobrar nos próximos quarenta anos. E um dos principais fatores atribuídos a isso é justamente a má alimentação encontrada em pessoas que vivem, principalmente, em países industrializados (e também emergentes), onde a falta de tempo gera a ansiedade necessária à utilização de drogas (leia-se remédios) e também ao fast food, tão disseminado nessas regiões. Isso sem falar no cigarro. À luz dos fatos descritos no texto, faz-se mister notar a íntima relação que há entre substâncias químicas e saúde fisiológica e mental. Claro que uma coisa liga à outra. Nosso corpo é uma máquina. Como toda máquina, precisa de reparos e não é capaz de administrar qualquer tipo de substância que simplesmente decidamos ingerir. Somos o que comemos. Ou melhor, somos o que comemos e o que usamos.
Alexandre Simonetti é professor de química
Droga é toda substância, natural ou sintética, capaz de modificar as funções dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento.
Abrangência SP / MG / RJ / PR / MS / SC
FOLHA DO ESTUDANTE O GUIA DEFINITIVO PARA ESTUDANTES E EDUCADORES
A CADA 100 ASSINATURAS GANHE UM ANÚNCIO GRÁTIS DE SUA ESCOLA w w w. f o l h a d o e s t u d a n t e . n e t
| contato@folhadoestudante.net
2009
(14)3227-3524
8
folha do estudante
2009
esPeCial - eduCaçÃo
Uma escola pública de excelência
Diretora de colégio público paulista emplaca três prêmios mundiais consecutivos Luís Paulo Domingues
C
om uma longa carreira totalmente dedicada ao ensino público, a diretora Maria Helena Catini é uma presença marcante e indispensável para o sucesso da Escola Estadual de Primeiro e Segundo Graus Christino Cabral, em Bauru, no interior de São Paulo. Tal sucesso é reconhecido, inclusive internacionalmente, através de diversos prêmios que
o colégio e ela receberam na área da pedagogia e da educação. A disciplina rígida e a valorização do talento e da autoridade do professor compõem a fórmula que fazem o Colégio Christino Cabral superar as adversidades do ensino público no Brasil e ser uma escola de excelência. Comecei dando aula, como quase todas as diretoras de escola que eu conheço. Passei,
“-
então, a vice diretora e depois fui supervisora por oito anos. Sou de Agudos, mas estou em Bauru há doze anos, seis deles dedicados ao Christino Cabral. Ultimamente, sou muito convidada para dirigir escolas particulares, mas eu pretendo me aposentar no ensino público, que sempre foi o foco da minha carreira. Isso porque a escola pública é onde está o desafio.
Currículo: Maria Helena Catini: -Graduações: pedagogia, história, estudos sociais -Pós-graduações: supervisão, orientação educacional, administração escolar pública Carreira premiada Maria Helena Catini ganhou o prêmio Jovens Construindo a Cidadania como melhor diretora de escola pública do mundo, em 2006, 2007 e 2008. Ela concorria com escolas de 16 países. Além disso, recebeu o prêmio Youth Watch de 2008. O ensino público é um ensino muito difícil, pois convive intimamente com realidades adversas, como as drogas, a delinquência, estruturas familiares deficientes, vandalismo, merenda, passe escolar... só para citar algumas.”
Público Diferenciado
“-Aqui
Fachada do colégio Christino Cabral, em Bauru: instituição conhecida por sua organização. gamente, os pais apoiavam e respeitavam as decisões do professor. Além disso, hoje os pais esperam que a escola eduque os filhos. Eles transferem para a escola uma responsabilidade que é deles, e a escola não têm como resolver uma competência que não é dela.”
“Hoje os pais esperam que a escola eduque seus filhos. Eles transferem para a escola uma responsabilidade que é deles, e a escola não têm como resolver uma competência que não é dela.” A receita é infalível
“-
A fórmula para o sucesso de uma escola pública é a disciplina e o professor. Todo pai que vem matricular o filho já fica sabendo que ele vai ter que produzir. Se o filho não produzir e se der problema, terão que procurar outra instituição. Aqui eu não tenho nenhum problema com droga. Dê a volta no colégio e veja se tem alguém de papo pro ar, sem fazer nada. Você não vai encontrar. O único barulho
que você está ouvindo agora é o da educação física. Não tem um muro que esteja pichado ou precisando de tinta. Aqui todo mundo sabe que eu sou extremamente rigorosa com a ordem e a disciplina, e mesmo assim eles me amam. Também tem o professor. Para a escola dar certo, você tem que valorizar o professor. O ensino público de qualidade tem que focar o professor, valorizá-lo como autoridade e compensálo com um bom salário. Esse é um grave problema hoje. Anti-
no Christino Cabral, nós trabalhamos com duas clientelas: o ensino fundamental recebe a população da periferia vizinha deste bairro, geralmente uma população carente e cheia de necessidades. Já o ensino médio é composto por uma classe elitizada, classe média alta mesmo, cujos pais ainda optam pelo sistema público de ensino, ou não têm mais capacidade de pagar boas escolas particulares. o vestibular. O que nós temos no Christino Cabral são metas para cumprir. Nós oferecemos
Antigamente isso era muito comum: mesmo tendo oportunidade para pagar uma boa escola particular, muitos pais preferiam o ensino público, na maioria das vezes por ideologia. O problema é que essas escolas públicas de excelência foram se deteriorando, mas o Christino conseguiu manter o padrão e até se aperfeiçoar. Os pais sabem que aqui o ensino é muito forte. Os professores, muitos deles doutores e mestres, são comprometidos com o trabalho. Todos eles escolheram vir para cá. Temos sete classes de terceiro colegial. Em dezembro nós aprovamos mais de 50 alunos no vestibular, a maioria em universidades públicas. Pode parecer uma média baixa para uma escola particular, mas para a escola pública, onde nem todos desejam a vida acadêmica, é uma aprovação altíssima.” um ensino de qualidade e ensinamos a ser gente.”
Indústria de aluno
“-A questão da robo-
tização do ensino por causa dos vestibulares eu vejo da seguinte forma: embora eles treinem robôs, há uma produtividade. Eles aprovam os alunos. Mas aqui o objetivo é outro. Eu nem teria como direcionar o colegial para A Diretora Catini recebeu diversos prêmios durante a carreira.
2008
folha do estudante
9
teatro | MÚsiCa | CineMa | literatura
Germinal: o pesadelo da Revolução Industrial Obra prima de Zola evoca a atmosfera lúgubre da gênese industrial Luís Paulo Domingues
a
literatura é pródiga em relatar o pesadelo gerado pela aceleração da Revolução Industrial no século XIX. O próprio teor decadente do romantismo já apontava para um futuro onde Baudelaire, Shaley e Byron (grandes escritores da época) viam nos avanços tecnológicos um modo de o homem se auto destruir ( ver Frankenstein). Baudelaire chegou a escrever em seu “Spleen de Paris” que a história do Século XX seria a história do homem tentando se comunicar consigo mesmo, tentando vencer o intransponível abismo que existe entre um homem e outro, e que seria esse abismo a força invisível que gera a incomunicabilidade. Estava se referindo, em tom profético ou projetado, aos esforços humanos sobre a criação de novas tecnologias como o telefone, o automóvel, o fax, o celular, o avião, a internet, o tamagoshi - que a princípio teriam papel de diminuir distâncias, mas que muitas vezes acabariam encerrando a humanidade num claustro individualista. A obra máxima do escritor francês Émile Zola, não obstante seu teor extremamente realista, mantém muito do pessimismo e da crítica que o romantismo tece sobre o avanço desenfreado das máquinas
região de minas de carvão do interior da França, a trama de Germinal se desenvolve numa vila de mineiros e suas cercanias. O retrato fiel de uma atmosfera pesada e suja prima por revelar, aos olhos do leitor, imagens tão fortes e vivas que quase perdem sua característica de ficção.
Imagens da miséria Assim é com a descrição exata da mina, partindo de seu grande elevador, da descida vertiginosa por um imenso buraco, da exploração das galerias infindáveis, da opressão do ambiente infernal, do calor, do suor e, num primeiro momento, da aparente inércia crítica dos explorados. Para tanto, Zola parte para as imagens e para o cotidiano da vila de mineiros, onde os protagonistas do romance residem e onde a ignorância e a semi-escravidão transformam as pessoas em esquálidas figuras rancorosas, feias, egoístas e individualistas. A miséria faz com que as pessoas vivam amontoadas umas às outras e entre a sujeira, e o salário explorador não fornece o mínimo necessário à reprodução material diária das pessoas. As personagens vivem então sob um mundo de extrema promiscuidade sexual, onde o número de filhos crescente parece assegurar a perpetuação da estratificação social. Tais filhos
Émile Zola em célebre retrato pintado por Manet. ras instigantes e emblemáticas, como o elevador da mina que parece ser uma grande boca a engolir mineiros, e a “calma de um formigueiro em pânico” para resumir a desorientação e o torpor que toma conta dos trabalhadores diante da miséria. A relação do frio intenso da região no iní-
A personagem principal, porém, um homem que chega à região depois de ser despedido de seu antigo ofício, parece ser a encarnação do descontentamento e o estopim da revolta. Inconformado com a situação precária, forja uma identidade com os mineiros e com a ajuda de outros
A Revolução Industrial gerou imensas fortunas, mas também desigualdade e miséria. e do impacto desse avanço nas relações de produção, no estilo e no padrão de vida dos atores sociais - principalmente aqueles que ficaram do lado de baixo da pirâmide. Ambientada numa
começam a trabalhar cedo para que seus salários paguem sua comida, bem como começam cedo nas aventuras sexuais, quase que desprovidas de sentimentos. O autor usa metáfo-
cio do livro, com o calor insuportável e as pessoas embebidas de suor no interior da mina, parece evocar o Inferno de Dante e outras interpretações clássicas do inferno.
“revolucionários”, articula um futuro “para os trabalhadores e dos trabalhadores”. Paradoxalmente ao extremo sofrimento dos mineiros, os Senhores das minas também
estão em crise. Mesmo que estejamos tratando da época da criação de fortunas seculares, que foi a Revolução Industrial, quando os capitalistas costumavam “queimar dinheiro para acender charutos”, algumas minas começam a fechar em virtude do excesso de oferta do produto. Parece que o autor toca aí num dos problemas mais caros ao capitalismo exacerbado, que é a sua autofagia, ou seja, a capacidade de ele mesmo auto destruir-se. Se compararmos o mundo de Germinal ao dos trabalhadores de hoje, podemos notar alguns avanços significativos para a parte de baixo da pirâmide social. Tais avanços, porém, não eliminaram o problema intrínseco e inato do capitalismo, que é a exploração de pessoas por pessoas, legitimada pela necessidade de produzir. As distorções e conseqüências dessa exploração desembocam em exageros, guerras, ostentações, cultos de mau gosto à personalidade, explosões de violência nas grandes cidades (pois a pobreza só existe em forma de comparação) e num mundo que avança inexoravelmente para a incomunicabilidade sugerida por Charles Baudelaire. Fale com a redação redacao@folhadoestudante.net
10 folha do estudante
2009
ESPECIAL - QUÍMICA | FÍSICA
Qual o sexto estado da matéria?
Ao contrário do senso comum, não existem apenas 3 estados da matéria Alexandre L. Simonetti
É
o chamado condensado Fermiônico, que só pode ser obtido em laboratório. Para explicar mais sobre ele, a gente tem de falar dos outros cinco estados da matéria. Vamos começar relembrando uma regra conhecida e fundamental: os estados da matéria mudam conforme muda a temperatura (ou a pressão) do ambiente. A representação prática disso todo mundo vê: se você esquenta a água, ela vira vapor. Se esfriar, ela vira gelo. Mas por que ocorre essa transformação? Basicamente, porque as partículas que formam as substâncias se comportam de modos diferentes em temperaturas diferentes – quanto mais frio, menos elas se mexem. Quanto mais quente, mais elas se mexem. Os estados mais comuns aqui na Terra são três: No estado sólido, as partículas ficam bem perto umas das outras – e apenas vibram. No estado líquido, elas já estão mais soltinhas e deslizam umas sobre as outras.
No estado gasoso, elas se movimentam com liberdade e se distanciam com facilidade. Mas em temperaturas super altas, as partículas se comportam do mesmo jeito que no estado gasoso? Não: elas se mexem ainda mais rápido e chocam-se umas com as outras. Com essas trombadas, os átomos do gás são detonados – o que existe é uma nuvem de prótons e elétrons. Isso caracteriza uma mudança de estado físico: a pelo menos 10.000o.C, o gás vira plasma, o 4º estado da matéria. Na natureza, o plasma existe no Sol e nas estrelas. No nosso diaa-dia, ele está presente nas lâmpadas fluorescentes, de neón e de sódio. Quando a gente liga o interruptor, a eletricidade energiza os gases da lâmpada, que viram plasma. Vamos acompanhando: os cientistas já sabiam que substâncias em calores bombantes deixam de ser gases e viram plasma, certo? Outra coisa que eles descobriram: a uma temperatura de -273,15ºC, as partículas das substâncias simplesmente param
de se mexer. Por isso, esse friozaço de rachar foi chamado de “zero absoulto” (zero Kelvin). Mas aí, em 1995, um grupo de cientistas decidiu investigar o que acontecia com as partículas de certas substâncias em tempe-
raturas só um pouquinho acima do zero absoluto. O estado esperado é que elas se mexessem superpouco, certo? Mas... Não foi bem isso que aconteceu. O tal grupo de cientistas refrigerou partículas de ru-
Sequência do condensado fermiônico obtida em laboratório. damente. Era o 6º estado da matéria, o condensado Fermiônico. O nome surgiu porque o comportamento das partículas obedece à estatística de Fermi-Dirac, uma teoria proposta em 1927 pelos físicos Enrico Fermi e Paul Adrien Maurice Dirac. Fisicamente, tanto o condensado de Bose-Einstein quanto o Fermiônico são gases invisíveis. Mas dá para tentar sacar como eles são: imagine uma nuvem de fumaça que você tenta dissipar sacudindo a mão. Só que, em vez de se espalhar da forma como normalmente os gases fazem, esses gases superfrios se agitam em ondas, mais ou menos como um líquido levando tapas dentro de uma bacia.
O plasma é formado nas altas temperaturas verificadas, por exemplo, no sol uma diferença importante: elas se deslocavam todas na mesma direção. Eles haviam acabado de descobrir o 5º estado da matéria, chamado de condensado Bose-Einstein. O nome é uma homenagem ao matemático indiano Satyendra Nath Bose e ao físico Albert Einstein, que
previram o 5º estado da matéria em 1924, mas não puderam demonstrá-lo na época por falta de tecnologia. A história não pára por aí. Nesse ano (2005), outra equipe de pesquisadores resfriou um monte de partículas de potássio a apenas 0,00000005ºC acima
bídio a uma temperatura muito próxima do chamado zero absoluto – mais precisamente, a 0,00000017ºC acima dessa marca. Para surpresa deles, as partículas se mexiam de um jeito bem parecido com o da água, com
do zero absoluto. Além disso, eles submeteram essas partículas à ação de um campo magnético. O que eles descobriram? Que as partículas se comportavam quase igual ao 5º estado. Mas, dessa vez, elas se moviam na mesma direção agrupadas em pares. No 5º estado, elas se mexiam isola-
O que vem por aí?
A descoberta do 5º e do 6º estados da matéria poderá ajudar a ciência a obter novos supercondutores para transmitir energia elétrica. Nos fios comuns, as partículas que formam a corrente elétrica – os elétrons – não seguem um caminho totalmen-
te ordenado, o que gera perdas de energia. Com supercondutores nesses novos estados, a perda seria zero, pois as partículas se movem sempre na mesma direção. “ O que aprendemos com o condensado Fermiônico vai ajudar outros pesquisadores a projetar materiais supercondutores mais práticos”, afirma a física Deborah Jin, coordenadora da pesquisa que descobriu o 6º estado da matéria na Universidade do Colorado, nos Estados Unidos. FONTE: SUPERINTERESSANTE, jul/2005.
obs: Já há algum tempo está em estudo o 7º estado da matéria. O superfluido de polaritons, ou 7º estado da matéria, foi descoberto por físicos da Universidade de Pittsburgh e dos Laboratórios Bell nos Estados Unidos. Esse superfluido é capaz de levar energia de um lugar para outro utilizando-se de um feixe de luz. Também pode gerar raios laser potentes com baixo consumo e fazer transporte de bits em meio sólido.
2008 FOLHA DO ESTUDANTE 11
ESPECIAL - BIOLOGIA | ECOLOGIA
O eucalipto no centro das discussões Ambientalistas, empresas e governo divergem sobre danos e benefícios Luís Paulo Domingues
É
de longa data a preocupação com as grandes plantações de eucalipto que se espalham pelo território nacional, e que servem às grandes empresas de fabricação de papel e celulose. O eucalipto (é o que diz a maioria dos especialistas) consome muita água e acaba com a vegetação nativa da região onde é plantado, além de prejudicar a fauna. As empresas de papel e celulose, porém, sempre insistiram em propagandear os benefícios que o eucalipto supostamente traria para a natureza e para a economia das regiões A cultura do eucalipto é crucial para a econômia de algumas regiões do Brasil. onde suas florestas estão. Tais defesas sempre vêm acompanhadas e ONGs condenando veemen- Curiosamente, desde do Meio Ambiente começou a de argumentos fortes, como a temente essa atividade e denun- 2003, o governo brasileiro en- defender as culturas de eucalipmanutenção de áreas de preser- ciando a devastação que a árvore trou na briga e, pelo que parece, to como estratégia para evitar a vação próximas às plantações, pode trazer para o meio ambien- do lado das empresas que defen- derrubada de florestas nativas, o combate ao desemprego em te. dem a plantação. O Ministério principalmente nas áreas em que virtude das vagas de trabalho por elas oferecidas e (pelo mesmo motivo) até o decréscimo do êxodo rural e do favelamento das cidades. Quem entrar em qualquer site de busca na internet ficará impressionado com a quantidade de empresas que exploram a produção de eucalipto defendendo seu plantio, inclusive como forma de preservação da natureza. Na mesma busca, porém, o leitor irá encontrar diversos outros sites de institutos ambientais Os ambientalistas reclaman da devastação que as plantações de eucalipto causam ao meio ambiente.
a madeira é usada para alimentar grandes fornos de carvão, como no caso das siderúrgicas de Carajás, entre Pará e Maranhão. Os ambientalistas protestam, pois dizem que é uma forma de se justificar um erro pelo outro. O Governo Federal e as empresas de celulose e papel garantem, munidos de estudos e estatísticas, que é o melhor caminho dentro do atual panorama ambiental e florestal no Brasil. A discussão, portanto, ainda vai longe. A população, por sua vez, espera que ambos os lados utilizem critérios técnicos e científicos de respaldo na hora da divulgação de estudos que possam influenciar sua opinião.
ESPECIAL - DESAFIO FÍSICA 1. Considere duas esferas homogêneas idênticas A e B, ambas em equilíbrio térmico com o mesmo ambiente. Uma delas está em repouso horizontal, enquanto a outra está pendurada por um fio ao teto (ver figura a seguir).
A mesma quantidade de calor é fornecida às duas esferas. Despreze quaisquer perdas durante cada uma das trocas térmicas. Discuta o que ocorre com as tempe-
raturas das esferas.
3. Três caixas totalmente fechadas apresentam comportamentos diferentes quando ligadas a fontes AC ou CC. Essa diferença de comportamento entre as caixas ocorre porque no interior de cada uma existe pelo menos um elemento de circuito (resistor, indutor ou capacitor). Dispondo de um multímetro, instrumento capaz de medir as características de circuitos de corrente contínua e alternada e de duas fontes (uma CC e outra AC), descreva um método para determinar o elemento (ou elementos) que se encontra no interior de cada caixa.
2. Uma pequena esfera com massa M = 0,2 kg está em repouso sobre uma coluna vertical, com altura h = 5m. Um projétil de massa m = 0,01 kg e velocidade de v0 = 500 m/s, atravessa horizontalmente a esfera passando exatamente pelo seu centro. A esfera toca o solo a uma distância de 20 m de sua posição inicial. (imagem ao lado) a)A que distância do ponto b)Que quantidade de ener- mica durante a colisão? da colisão o projétil toca o gia cinética do projétil foi Despreze a resistência do ar Confira as soluções dos convertida em energia tér- e considere g = 10 m/s2. desafios na próxima edição. solo?
12 folha do estudante
2009
ESPECIAL - FÍSICA
A teoria não combina com a prática?
A importância do professor na elaboração das teorias científicas para uma abordagem geral Ulisses Antonio de Andreis
A
s aulas de física costumam ser as campeãs entre tantas e frequentes críticas recebidas pelos alunos de ensino médio. Por que uma ciência que durante todo o século XX contribuiu com enormes avanços, tanto na compreensão das leis mais profundas da natureza, quanto no desenvolvimento de tecnologias inovadoras, encontra-se tão distanciada do universo do jovem contemporâneo? É possível discorrer páginas e páginas sobre o desinteresse do aluno, sobre a “eterna dificuldade” que a disciplina apresenta para a maioria, sobre o deslocamento do centro de interesse para as humanidades e muitos outros argumentos de fundamentação duvidosa. Voltando às críticas, situações pouco realistas, idealizadas demais, são consideradas um ponto fraco do ensino da disciplina. A resistência do ar e o atrito são sistematicamente ignorados do estudo da mecânica. O calorímetro sempre está perfeitamente isolado do meio ambiente. O índice de refração do ar é
O problema da queda dos corpos
facilmente aproximado para um, como se a atmosfera da Terra inexistisse. Nesse mesmo sentido, não há diferença entre ar e vácuo para permissividade elétrica. Ao refletir sobre o mundo proposto pelos livros de física de ensino médio, um adolescente poderia chegar facilmente à conclusão de que a vida em nosso planeta é simplesmente impossível (e portanto o curso de biologia estaria totalmente errado - ou nem tanto ao longo de um ou outro capítulo. Contudo, a situação é crítica nos demais). É verdade que muitos livros didáticos exageram nas simplificações e a servidão excessiva em relação aos exames vestibulares subvertem os conteúdos, transformando-os em simples arremedo de ciência.
Simplificar é necessário Apesar dos exageros, existe algum fundamento nas simplificações encontradas nos livros de ensino médio? A essa pergunta, devemos responder com um sonoro sim! É muito
Galileu Galilei (1564-1642): seu trabalho foi decisivo para a construção da ciência moderna. provável que o problema em questão não diga respeito às simplificações excessivas, mas sim ao fato de o professor não discutir sobre os fundamentos da ciência sobre a qual ensina e sobre o método de trabalho do
cientista. É necessário mostrar ao aluno que uma ciência não se constrói de uma única vez e o caminho para o desenvolvimento de uma teoria é bem mais tortuoso que o apresentado nos
te inacessível à uma ciência que ensaiava seus primeiros passos em meados do século XVII. Os antecessores de Galileu, não compreendendo os benefícios da simplificação, não foram capazes de entender corretamente o princípio da inércia e as características do movimento vertical de queda de um corpo que é puxado pela Ter- (fig 1) - Trajetória parabólica constantemente proposta por Galileu. ra, muito menos como o desenho da trajetória realizada de trajetórias desenvolvidas em combiná-los com o objetivo de por um projétil lançado por um modernos computadores dotaestudar a trajetória de projéteis canhão deveria assemelhar-se dos de programas sofisticados, lançados ao ar, por canhões (fig a um triângulo retângulo, cuja capazes de traduzir a complexi1). Como resultado, tornaram base sobre a qual se constrói o dade do movimento de corpos em conhecimento científico, ângulo reto está na superfície lançados próximos à superfície, durante séculos, a afirmação de da Terra (fig 2). Curiosamente, sob os efeitos do ar. Desde aqueque um corpo só pode realizar o muitos desses desenhos que ilus- la época o movimento era bem movimento natural (de gravida- tram os estudos medievais sobre registrado, entretanto, as dificulde ou levidade) quando perder o o movimento coincidem com as dades em analisar um fenômeno seu movimento violento. Assim, representações contemporâneas sofisticado demais para a época
Se Galileu Galilei não tivesse imaginado a queda dos corpos livres da resistência do ar, a teoria do impetus (teoria antiga sobre movimento, segundo a qual um corpo se move enquanto a força que originou esse movimento não se “desgastar” completamente) teria durado muito mais tempo e estaria entranhanda de tal ordem à nossa visão de mundo, que a transição para a teoria mais adequadas seria mais penosa e demorada do que já foi. O conceito do impetus conserva a relação aristotélica entre força e velocidade e nos afasta da compreensão correta do princípio da inércia desenvolvida por Galileu, quando abandonou o efeito das demais resistências e perturbações. Tais simplificações que, a primeira vista, conduziriam a um mundo pobre e idealizado, que, entretanto, levou-nos a grandes avanços quanto a compreensão das leis do movimento, têm sua origem na capacidade do cientista ser capaz de reproduzir em seu laboratório os trechos mais significativos do fenômeno complexo que está analisando. Estudar o movimento dos corpos sujeitos à resistência do ar de maneira realista é tarefa a ser entregue ao físico que domina bons conhecimentos de mecânica dos fluidos e de cálculo diferencial e integral completamen- (fig 2) - Trajetória parabólica de Galileu comparada com a fornecida pela teoria do impetus.
manuais. As aproximações são muito importantes durante a elaboração de um modelo científico. Quando bem feitas, são capazes de produzir avanços sobre o mundo real. conduziu a explicações parciais e pouco consistentes na construção da teoria da física.
Cabe ao professor Falta a nós, professores de física, a disposição de apresentar ao aluno (e discutir com ele) o plano de trabalho de quem trabalha com a ciência. É necessário que ele compreenda que as simplificações não são feitas aleatoriamente. Muitas vezes, custam caro ao cientista, mas são necessárias, pois a complexidade do problema a ser resolvido pode superar facilmente nossa capacidade de compreender a natureza. Todos nós já ouvimos e repetimos (sem refletir sobre o teor da frase) que a teoria na prática é outra. Essa frase não pode ser aceita impunemente por aqueles que conhecem o funcionamento da ciência e a natureza do trabalho do cientista. Se a teoria for outra na prática, então, ou a teoria está mal aplicada, ou estamos diante de uma situação limite que nos exige muito mais atenção e talvez, como resultado, possa haver algum progresso científico relevante. Para delinear com clareza esse novo conhecimento, realizar simplificações bem feitas será um recurso metodológico de grande ajuda.
Ulisses Antônio de Andreis é professor de física
2008 FOLHA DO ESTUDANTE 13
ESPECIAL- história | geografia
Transição do Feudalismo para a Modernidade Um equívoco teórico e ideológico na interpretação do papel da burguesia nessa transição Carlos D’Incao
de que a burguesia estaria pretransição do Feudalismo sente na gênese da formação de para a Modernidade é um todos os Estados nacionais que dos temas mais complexos e remontam à época da baixa Idaimportantes, tanto para a área de Média, principalmente. Karl Marx, enganado de história, como para a área de geografia. Se para a primeira pela produção historiográfica trata-se de um ponto central da de seu tempo, foi levado a tencompreensão do processo his- tar compreender esse processo tórico que levou ao nascimento histórico, que na verdade não do mundo como o concebemos, ocorreu. Desse engano, Marx para a segunda trata-se de um concluiu que a burguesia, na ponto central para a compreen- baixa Idade Média, teria se unisão do capitalismo como proces- do com os reis para apoiá-los na formação dos Estados nacionais. so histórico. Esse tema da transição Dessa forma, teríamos uma múdespertou a atenção de inúme- tua vantagem: os reis retomaros estudiosos, desde Marx até os riam um suposto poder político pensadores da escola de Frank- perdido ao longo da Idade Méfurt e da Nova História. Aliás, é dia, e a burguesia, por sua vez, justamente em Marx que reside teria vantagens econômicas ao A produção feudal continuava a concentrar o cerne da economia nos campos. a maior parte dos problemas e estabelecer um comércio com confusões teóricas a respeito des- menos obstáculos do que aquele séculos posteriores) estará nas Oriental, uma tentativa de redu- abolida em grande escala na Revolução Francesa de 1789 e perealizado ao longo da Idade Mé- mãos da nobreza feudal. Logo, o zir os servos à escravidão pura. se tema. O campesinato resistiu. las invasões napoleônicas. Antes Em primeiro lugar, Karl dia, quando prevalecia um poder epicentro de todas as relações e Marx não era um historiador, descentralizado, nas mão da no- transformações sociais desse pe- Seja fugindo para as cidades, seja disso, a burguesia, com exceção ríodo estará localizado também se rebelando no campo, seja exi- da burguesia britânica, que realimuito embora tenha empreendi- breza feudal. Infelizmente, nós não no campo, local onde se situa gindo novas relações sociais de zará sua revolução em 1640, será do inserções metodológicas bri- lhantes no universo de qualquer fazemos a história do jeito que a nobreza feudal e a verdadeira produção. Nasce aqui o termo uma classe reforçadora do Estaestudo no campo da história. desejamos. E isso também se classe promotora da riqueza do “revolução”, que originalmente do moderno e conservadora em significa “voltar”, isto é, significa suas posições políticas (não por Entretanto, justamente por não aplica à produção historiográfi- período: o campesinato. Nesse momento, revela- a luta de parte dos camponeses acaso, os Estados modernos mais ser historiador, valeu-se da pro- ca. A pesquisa nos obriga, então, dução historiográfica de sua épo- a rever esse ponto de vista e a mos a alta carga ideológica conti- para restaurar seus antigos direi- clássicos, isto é, Portugal e Espada em muitos manuais de histó- tos consuetudinários, que esta- nha, não passarão por processos ca para apoiar-se em sua compre- superá-lo. Na baixa Idade Média, ria, que preferem simplesmente vam sendo usurpados pela no- revolucionários e nunca terão ensão processual da gênese e do desenvolvimento do capitalismo. a burguesia estava longe de ser ignorar o “povo”, a classe traba- breza. Prova-se aqui que, diante uma burguesia contraditória aos Essa produção historiográfica es- uma classe contraditória den- lhadora, o tava permeada, em todos os seus tro do mundo feudal. Ao con- c a m p e s i poros, de uma tradição românti- trário, como classe mercantil, nato como O mundo como o concebemos é um mundo burguês, ca que tinha como instrumento era, de certa forma, reprodutora g r u p o mas não é um mundo criado apenas pela burguesia. Há ideológico principal o naciona- das relações servis de produção, t r a n s f o r uma vez que o comércio, em sua mador da lismo. que se recolocar na história um personagem central: o Sabemos que o nacio- maior parte, era realizado com o sociedade povo. nalismo é uma ideologia sólida campo, através do campo e pela em estudo. e ainda muito presente nos dias produção do campo. Era, pois, A burgueatuais. No século XIX, esse na- um comércio predominante- sia é aqui, por sua vez, ainda uma classe do avanço reacionário, muitas poderes estabelecidos). cionalismo - como ideologia mente de gêneros agrários. O campesinato, enfim, Uma esmagadora par- social insignificante, reforçado- vezes defender antigos direitos é da classe dominante burguesa - fundou-se fortemente na idéia te da renda desse período (e até ra das relações sociais servis e, a posição mais progressista. Nas- resistiu, não venceu, mas transno máximo, consegue imprimir ce aqui, também, o futuro medo formou o mundo. O Estado mouma relativa e efêmera indepen- dos Estados nacionais de esta- derno deve ser visto como uma dência política em relação ao belecerem exércitos nacionais, o reação às lutas do campesinato campo. Trata-se, mais uma vez, que significaria armar o povo (a e ao medo da nobreza de perder de uma burguesia meramente solução foi a formação de exérci- sua posição de classe dominante. mercantil. tos mercenários). Não entender isso é não enten As modernas pesquisas O campesinato resistiu, der o processo histórico de forma historiográficas têm salientado mas não venceu. A nobreza, ate- adequada, o que comprometerá que o campesinato, nesse perío- morizada pelas rebeliões cam- a compreensão futura dos prodo, assumiu uma posição com- ponesas, encontrou formas de cessos revolucionários burgueses bativa com relação às relações defender seus interesses, seja pela que só acontecerão e serão bem servis de produção. Tal posição repressão pura aos camponeses, sucedidos devido ao apoio da é oriunda do aumento da ex- seja pela união com o rei, para a esmagadora maioria da populaploração do trabalho servil na formação de um Estado nacional ção (o campesinato), que verá a época da crise geral, promovida que conciliasse seus interesses de burguesia não como uma aliada por uma nobreza sedenta por au- classe, garantisse sua renda, aca- de classe, mas como uma classe mentar, ou ao menos manter sua basse com a autonomia das cida- com o potencial de derrubar o renda. Além do aumento da ex- des e, enfim, criasse as condições seu verdadeiro inimigo de classe: ploração, temos ainda o avanço para a manutenção de um novo a nobreza. fale com a redação da nobreza sobre as áreas comu- tipo de servidão: o servo do Es- As nascentes cidades eram o destino de muitos camponeses. folhaestudante@gmail.com nais e, como ocorreu na Europa tado - servidão esta que só será
A
14 folha do estudante
2009
ESPECIAL
Um socialismo de face humana e latina Estudo aprofundado percorre a história de cuba em 6 partes Carlos D’Incao
Parte 3
A
Uma verdadeira revolução agrária se sucedeu entre 1959 e 1963, e os esforços e a consciência do país se voltaram para o campo. A Revolução nacionalizou os bancos e quase todo o comércio, o transporte e as empresas de produção e serviços. Milhares de pessoas tiveram de aprender a executar os processos de produção e direção em todos os escalões e entender a economia. Elevaram-se os salários, aboliram-se os aluguéis e assumiu-se o princípio de que a moradia pertencia a quem nela vivia; destinaram-se vultuosos recursos aos serviços sociais e à melhora da situação dos mais pobres. Em 1961 concluiu-se a Campanha de Alfabetização, uma gigantesca proeza cultural, em cujo processo se educaram mutuamente alunos Che Guevara e Fidel Castro comemoram a vitória da revolução cubana, e a expulsão dos imperialistas da ilha. e professores. Em cinco anos, elimi- sentimentos a respeito de toda a Para que Cuba sobrevivesse e do. Fidel foi o primeiro e talvez o as oposições, ataques e resistênnou-se o desemprego. Ante as di- vida cívica e de grande parte da fosse viável dando seqüência ao único líder do mundo que, além cias às mudanças foram derroficuldades, a Revolução assumiu vida cotidiana. Os antigos donos processo de mudanças, foi ne- de conviver diretamente com o tados, assim como as carências, o princípio socialista de “comida de Cuba foram expropriados e o cessário estabelecer um regime povo, realizou uma campanha que eram quase insuperáveis, por igual para todos”; regularizou- povo perdeu o respeito pela pro- forte - o Governo Revolucio- de conscientização pela televi- meios de jornadas e de anos mase a distribuição de alimentos e priedade privada. nário - que partiu de princípios são, consumou sua liderança no ravilhosos e traumáticos. outros produtos básicos a preços As pessoas se apodera- políticos plurais mas que atuou transcurso das jornadas, dos con- Dimensões profundas subsidiados. Ainda que há bas- ram do país aprenderam a se en- com grande decisão e criativida- flitos e dilemas daqueles anos e da dominação selvagem entre os tante tempo seu papel seja muito carregar de seu funcionamento e de, levantando um novo sistema foi o condutor máximo do pro- seres humanos entraram em corelativo em relação ao consumo a viver nele de outra maneira, e de instituições e relações sociais e cesso. lapso, desprestigiaram-se e foram total, o sistema de abastecimenmodificadas. A subordinação da tos subsidiados continua vigenmulher sofreu graves impactos e te. se iniciou um processo que lan Nesses anos, aconteçou as bases para uma ulterior ceram confusões formidáveis transformação da condição fee maravilhosas iniciativas e inminina. venções, privações muito duras As inferioridades sociais e alegrias extraordinárias. As e a discriminação racial de nemudanças nas maneiras de ser gros e mestiços foram superadas, e pensar foram grandiosas, mas não por favores ou por leis, mas acompanhadas por duras e domediante a sua participação no lorosas passagens. Entre 1959 e processo e como parte das tarefas 1965, 230 mil pessoas saíram do da Revolução. Normas e valores país; a Lei de Ajuste Cubano, dos familiares foram impactados pelo Estados Unidos, deu um toque processo, caracterizado também final na politização da emigrapor uma extraordinária mobilição e converteu os cubanos nos dade social e por mudanças noimigrantes mais protegidos datáveis na concepção do mundo e quele país. A contra- revolução da vida no âmbito da sociedade. interna, promovida pelos EstaÉ difícil enxergar o alcance que dos Unidos, incluiu milhares de teve a grande Revolução “dos pessoas de consciência reacionáanos 60” assim como é imposria que se levantaram em armas sível entender a Cuba atual sem na primeira metade dos anos 60. ter em conta a conjuntura munRevolucionários vitoriosos marcham pelas ruas de Havana, libertando a capital. Derrotá-la custou muitas vidas e dial dessa turbulenta década. dispendiosos recursos. tiveram acesso aos bens materiais políticas, recebendo a confiança O novo regime se reco Em um país da Amé- disponíveis ao mesmo tempo em ilimitada da maioria da popula- nhecia como uma “democracia rica Latina, começou a se criar que assumiram a dignidade hu- ção. de trabalhadores” e considerava uma nova maneira de viver e mana, a palavra escrita e o maior Retrocedeu às fronteiras a Revolução como fonte de diuma nova sociedade. O tempo controle sobre a própria vida. do possível, e às vezes a estourou. reito. Marcharam juntos durante O socialismo cubano se tornou denso e se transfor- Começou-se a edificar a pacifica- O elaborado sistema político an- longos anos o espírito libertário não foi conseqüência de um promaram as idéias, as crenças e os ção da existência. terior foi abominado e destruí- e o poder revolucionário. Todas cesso com supostas etapas que
Um socialismo não teleológico
2008 FOLHA DO ESTUDANTE 15
ESPECIAL deviam seguir os países que o capitalismo europeu colonizou, batizados primeiro como “atrasados” ou “coloniais e semicoloniais”, depois chamados países “subdesenvolvidos” ou “em via de desenvolvimento”. Segundo a corrente dominante do pensamento liberal, esses países deviam seguir o mesmo caminho dos classificados como desenvolvidos, como se não houvesse íntima relação entre os dois resultados históricos. Para o movimento comunista e o marxismo liderados pela União Soviética, os “subdesenvolvidos” estavam destinados a fazer “revoluções agrárias e antiimperialistas” ou “democrático-burguesas” e estabelecer “democracias nacionais”, seguindo um modelo teleológico da História - como se tudo devesse passar por um processo seqüencial-lógico com um fim pré-estabelecido. A revolução cubana foi a primeira revolução socialista autóctone em pleno Ocidente, vencedora da dominação burguesa e neocolonial. Teve de ser socialista de libertação nacional desde o inicio, ou não poderia triunfar. Precisou ser socialista para liberar Cuba do imperialismo estadunidense e resistir às agressões sistemáticas da maior potencia mundial.
Fidel fala à multidão, em um de seus famosos e longos discursos de conscientização e resistência. para que a política se relacionasse intimamente com a ética e a administração com a honestidade. A Revolução socialista cubana transcendeu seu âmbito nacional. Proclamou-se sobretudo latino-americana e assumiu um diálogo fraternal com os povos e relações com os estados baseadas em princípios, às vezes
dos Estados Americanos (OEA) ratificou sua submissão aos Estados Unidos ao expulsar Cuba de seu seio. E uma onda de ditaduras de combinação burguesa e imperialista se estendeu pela região, com o fim de esmagar os protestos políticos e sociais e impor uma nova fase de dominação. As ditaduras e a maioria dos
1959 em diante, o significado da Revolução Cubana, exerceu a solidariedade e a defendeu, ou a percebeu como uma esperança certa, um exemplo paupável de que a soberania plena e as mudanças sociais profundas para beneficio popular eram factíveis na América. Essas funções de Cuba na região constituíram umas das conquistas mais valiosas da Revolução, e a solidariedade com Cuba introduziu um avanço notável da cultura latinoamericana.
O socialismo de face humana e latina
Che Guevara, Manuel Urrutia e Camilo Cienfuegos, líderes do povo cubano, recém libertado. Foi um regime que realizou a proeza de motivar todo um povo para lutar e para desenvolver suas potencialidades de libertação em busca da justiça social e da liberdade: objetivos que se condicionaram mutuamente. Teve de ser socialista para que a idéia de desenvolvimento econômico se tornasse um direito de se realizar,
flexíveis, como parte de uma nova diplomacia. A América Latina e o Caribe são a verdadeira região a que Cuba pertence – geográfica, histórica, cultural, de situação compartilhada e de economias, objetivos nacionais e destinos que podem ser comuns. Mas o continente foi afastado de Cuba. A Organização
regimes capitalistas mais ou menos democráticos combateram a Revolução Cubana ou foram cúmplices em seu isolamento e hostilização. Algumas forças capitalistas nacionais estabeleceram relações com Cuba ou estiveram dispostas a isso, mas a tendência geral ficou contra. Foi o povo que reconheceu, de
O conteúdo do regime e dos ideais socialistas estabelecidos em Cuba constituíram uma renovação prática do socialismo no mundo contemporâneo afirmando a necessidade do caráter anticapitalista das revoluções de libertação nacional e para o desenvolvimento de um internacionalismo conseqüente. Cuba significou uma heresia para os poderes que usufruíam até então a representação do socialismo, e também um pólo atrativo e uma alternativa política e ideológica para muitos movimentos que lutavam pela libertação nacional e social. Fidel se converteu em um dos principais dirigentes revolucionários do mundo.
Ernesto Che Guevara fez valer, como raramente ocorre, sua fama póstuma de ser um guerrilheiro completo com uma atuação exemplar como dirigente nos terrenos político, econômico, ideológico e internacional. Che Guevara foi o mais destacado teórico da posição cubana e um renovador do marxismo. Em 1965, Che Guevara encabeçou a ajuda internacionalista cubana à revolução no Congo, à frente de um grupo de cubanos. Posteriormente foi à Bolívia em 66, para apoiar e estender a Revolução. Lá, morreu em outubro de 1967. Lá o homem se transformou em mito, ombreando com personagens heróicos que trazem orgulho a civilização ocidental, como o bravo Aquiles ou o sagaz Ulisses. Na segunda metade dos anos 60, ao mesmo tempo em que tratava de aprofundar seu projeto comunista, Cuba redobrou seus esforços internacionalistas, iniciados em 1959, assumindo todas as conseqüências grandiosas e difíceis que essa atitude implicava. Isso potencializou a cultura de sua população e o alcance de seu empreendimento nacional e de sua posição revolucionária. Como toda grande revolução contemporânea, a cubana teria que transceder suas fronteiras e se tornar ecumênica.
Carlos D'Incao
é Professor de História formado pela FFLCH da USP. Assinante: solicite as edições anteriores e complete a sua coleção.
16 folha do estudante
2009
OPINIÃO - tecnologia & educação
Wiki - Trabalhando de forma colaborativa Pedro D’Incao
P
or muitos anos, a interatividade na Web era limitada a clicar, navegar, ler e buscar informações em sites ou bancos de dados online. Mas essa não era a idéia original de um de seus principais idealizadores, o Cientista da Computação Tim BernersLee. Para Berners-Lee, a World Wide Web traria a possibilidade de criação de espaços colaborativos on line onde, segundo ele, todos poderiam se encontrar, ler e, principalmente, escrever. Foi nesse sentido que, nos últimos anos, presenciamos o surgimento de uma nova era na Internet: a era da Web 2.0. Desde então, a idéia de interatividade passou de clicar e “linkar” para criar e compartilhar. Atualmente as pessoas, além de buscar e ler informações, também criam e compartilham em tempo real.
Wiki: para trabalhos colaborativos.
Wikipedia
E é justamente dentro
desse universo colaborativo que surgiu uma das mais extraordinárias histórias da era da Internet: a Wikipedia, uma enciclopédia online onde qualquer pessoa pode editar ou até mesmo acrescentar novos conteúdos. A primeira reação foi a seguinte: “se qualquer um pode editar qualquer coisa em qualquer momento, como podemos confiar no que está na Wikipedia?” Poderíamos responder a essa questão com alguns exemplos de testes realizados por algumas Universidades americanas, que demonstraram um alto grau de confiabilidade das informações contidas na Wikipedia. Inclusive, um artigo publicado na Revista Nature em 2005 (Internet encyclopaedias go head to head) demonstrou que as informações científicas contidas na Wikipedia possuíam um nível de acuidade extremamente próximo ao da Britannica (considerada mundialmente como a mais precisa e confiável enciclopédia do mundo). Isso mostrou o poder dessa ferramenta colaborativa.
O que é wiki? Wikipedia: confiabilidade comparada à Britannica.
A palavra wiki é uma
abreviação do termo havaiano wiki-wiki, que significa rápido. A Wikipedia é na realidade uma wiki, ou seja, uma ferramenta de trabalho colaborativo online, no qual todos podem editar livremente o conteúdo. Essa ferramenta foi desenvolvida com o intuito de auxiliar grupos de trabalho a desenvolver conteúdos de modo colaborativo. Hoje, as wikis estão sendo incorporadas em muitas empresas e Universidades pelo Mundo. A Sony, o MIT (Massachusetts Institute of Technology) e a Universidade de Stanford são alguns exemplos de instituições que já utilizam essa poderosa ferramenta.
Wiki na Escola Como sempre, a assimilação de novas tecnologias é extremamente lenta no universo educacional. Porém, a wiki é algo que professores e alunos podem começar a utilizar hoje. Mas como? Qual é a idéia? A idéia não é novidade alguma: o velho trabalho em grupo. Mas com a vantagem de que o professor sabe exatamente por quem e quando qualquer parte
Colégio D’Incao Inovação, Seriedade e Profissionalismo
(14)
3227-3524
A 1ª ESCOLA DA AMÉRICA LATINA COM UM LAPTOP APPLE POR ALUNO
do trabalho foi realizado. É algo que seria quase impossível de determinar sem essa ferramenta. Para isso, basta o professor ou a escola disponibilizar uma wiki para os alunos - opções é o que não faltam na internet (vejam o site www.wikispaces.com). Por exemplo, imagine que o professor queira um trabalho sobre um certo tema em História. Ele simplesmente cadastra os alunos em grupos dentro de uma wiki, determina o delineamento e a estrutura do projeto e passa a orientar e a monitorar o desenvolvimento online. Todo projeto wiki possui em sua essência um trabalho colaborativo de escrita e edição. Através desse trabalho colaborativo, o estudante desenvolve a comunicação, a participação construtiva e o espírito crítico. Utilizando a wiki, o aluno irá praticar a auto-organização, desenvolverá o respeito às opiniões dos colegas e aprenderá a debater idéias controversas. Usando wikis podemos começar a mostrar aos nossos alunos o que significa realmente fazer parte de um processo de elaboração e desenvolvimento de conteúdo.
O primeiro passo A Wikipedia é, sem dúvida, o melhor exemplo de wiki para explorarmos. Tentem editar algo, vejam o histórico sobre algum tópico e descubram quantas pessoas contribuíram. Outro site indicado é o www.pbwiki.com, um excelente local para você criar sua própria wiki. Se você se interessou em implementar uma wiki em sua escola e possui dúvidas sobre como realizar esse projeto, nos escreva: tecnologia@folhadoestudante.com.br
Pedro D’Incao é professor de Física, formado pelo IF-USP.
Curso Integral Livros Didáticos Avançados Laboratórios Multidisciplinares Professores Altamente Qualificados Controle Disciplinar Salas Multimídia Acompanhamento Individualizado