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SEMBLANTES - Eduardo Henrique
Na Ilha Veneza, Península de Maraú, sul da Bahia, as paredes sem telhados das casas muito velhas fincadas no meio da trilha mostram que lá longe já viveu gente, talvez pouca, mas suficiente um tanto para se escutar ganidos tristes da cachorraria e ainda, quem sabe, a estridência dos meninos debaixo das árvores.
O guia albino Jeferson, dono da pequena embarcação, acompanhado do filho Quévim Lucas, que se dizia ajudante com apenas cinco anos de idade, me levou também às demais ilhas próximas.
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Na região do Sapinho comi no bar de seu irmão também albino e quando perguntei a um funcionário se era parente da dupla, negou com veemência dizendo que "Deus é mais!"
A Cachoeira do Tremembé é considerada a única no Brasil que desagua no mar e por lá os moleques se amontoam para guiar as pessoas através dos caminhos das águas, sempre ao lado das lavadeiras acocoradas junto aos poços, esfregando nas pedras a sua lida de todos os dias.
Rostos afundados na magreza e nas tediosas tardes de sol que exibem o contraste que há entre a ausência da viveza nos olhos daquela gente mais antiga e o riso manifestado de deleite na face do pequeno ajudante Quévim Lucas.
Afinal, prosseguimos carecendo dessa inquietante aceitação que é conhecer mais de nós mesmos sempre impregnados nos semblantes de todos os outros.
APESAR DOS PESARES - Sandra Rodrigues
Agora vamos ao banho, disse ela. Ele já havia se alimentado e dormido um pouco depois.
Ele não respondeu. Apenas a obedeceu. Após um tempo , desceu as escadas já limpo e barbeado.
Na vizinhança já estava espalhado o boato de que o tão esperado marido havia voltado. A guerra havia terminado. Aos que perguntavam: voltou?
Ela respondia: voltou. Não é mais o mesmo. Não é ele mesmo. Mas, após ter servido no fronte, como poderia? Apesar dos pesares, resolvi honrá-lo como merece.
CACOS PELO CAMINHO - ReginaMariass
A franja crespa ajeitada pela adolescente. Espanto O short curtíssimo e apertado nas abundantes coxas da moça tatuada. Inquietação. A mão da m~ee no ombro a jovem cega e falante. Sobressalto A lua redonda, branca e iluminada no entardecer borrado de rosa azulado. Admiração O clarão de luzes em velas acesas para iluminar algum momento de dor. Choque. O incenso perfumando as narinas em fumaças no altar dos amores. Surpresa. O cãozinho que aguarda a senhora, para cruzar o sinal em factível segurança. Fascínio.
AINDA SOBRE CACOS PELO CAMINHO - ReginaMariass
Hoje um salshicinha (raça dachshund preto e canela), bem velhinho se dirigiu a mim e lançou um olhar de desdém. Já tive um animalzinho igual a esse, que viveu ao nosso lado por 15 anos e vê-lo, me alimentou a memória de tanta beleza que nem me importei com o olhar de descaso.
EPISÓDIO DO PRÊMIO DO CONGRESSO EUROPEU DO SONO EM
PORTUGAL OU “O MICO DE RECITAR UMA POESIA PARA UMA PLATEIA DE CONGRESSO DE SONO” - Lígia Lucchesi
Minha amiga Helena, grande estudiosa de sono na mulher, resolveu participar de um concurso de melhor artigo no Congresso Europeu de Sono em Lisboa com seu trabalho. Ganhou. Mas já sabia que ao receber o prêmio deveria recitar um poema de Florbela Espanca, escritora preferida de uma das organizadoras do congresso, a Professora Tereza Paiva. Aliás o nome do prêmio era o nome da escritora. Alguns consideraram que ganhar o prêmio era uma honra, mas recitar o poema “um mico”.
Durante a viagem a Portugal, mais especificamente no Porto, Helena resolveu falar de seu problema conosco: como recitar para uma grande plateia, se nunca havia feito isso? Resolvemos então ajudar e minha filha opinou: que tal treinar?
O começo do treino já provou que toda a expertise de Helena em declamar resumia-se a “ Batatinha quando nasce.”.., mas algum tempo depois começou a melhorar.
Já em Lisboa, congresso cheio, plenária, entrega de prêmios, só o papel tremia, Helena limpou a garganta. Recitou “ Ser Poeta” de Florbela Espanca. E foi um sucesso.