Coletânea - Parte 2

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Encontros de Leitura e Escrita Criativa

Programa USP 60+

Coordenação Professora Fabiana Natália Ilário

Coletânea de trabalhos da Vigésima Turma

PARTE 2

Segundo Semestre 2022 h

ESTA PUBLICAÇÃO NÃO TEM FINALIDADE COMERCIAL E NENHUMA VANTAGEM ECONÔMICA ESTÁ ASSOCIADA A SUA EDIÇÃO E DIVULGAÇÃO PELA PLATAFORMA ISSUU.

TODOS OS AUTORES CITADOS ESTÃO CIENTES E DE ACORDO COM ESSA PUBLICAÇÃO.

TODOS OS DIREITOS DE AUTORIA DEVEM SER RESPEITADOS.

MAIO - 2023

hInspiração

Vídeo “Mistério no Capinzal

A PROCURA – Laerte Temple

Glorinha aguardava ansiosa e chorando, ao lado da prima e das amigas, todas observando o valente garoto Nicanor tatear a moita procurando algo que não conhecia, mas sabia pertencer à bela garota.

Ele tateia às cegas, tateia novamente e avisa que encontrou algo, mas era apenas o resto de uma câmera de pneu de bicicleta.

-Não é isso, Nicanor. Continue procurando.

-Como se parece?

- Sei lá, mas é pequena.

Ele continua a busca, ouve o trotar de um cavalo e avista o coronel Bento, pai de Glorinha, no assento da charrete. As moças se cala. Glorinha engole o choro. Só Nicanor responde.

-O que está acontecendo aqui?

-Dia coroné. Tô procurando o que a Glorinha perdeu.

-E que diabos a menina perdeu atrás dessa moita?

-Parece que é a ter de virgindade.

DESFECHO - ReginaMariass

Noca foi chamada às pressas para ir até a moita salvar Mariinha que havia caído na buraço, depois que se desiquilibrou na bicicl eta. Ao tentar puxar, veio a alça de um vestido. Cadê Mariinha?

hInspiração

Um objeto mágico

A CHAVE – Jacyra Carneiro Montanari

Peguei a chave e me encaminhei para aquela porta que sempre via nos meus sonhos. Dei duas voltas na chave e a porta se abriu. Na hora me vi envolvida por uma música. Foi ela que me fez entrar naquele recinto do qual eu sentia um certo medo. Era desconhecido para mim.

Gostei da tranqüilidade que o ambiente passava e, com a chave na mão, me pus a dançar. Eram as músicas de Chopin que me envolviam.

A chave queimava minha mão com a energia que emitia. Eu dançava, dançava muito. Meu vestido azul me fazia flutuar. Mas a chave continuava a energizar a minha mão, me conduzindo para o local de onde vinha a música. Era de um piano que produzia um som gostoso e suave das músicas de Chopin. Vi minha mãe tocando o piano. Fui chegando perto dela e me vendo, ela falou: “Você dança bem. Vai atrás disso”. A chave caiu da minha mão e eu acordei.

O CHARUTO CUBANO – Laerte Temple

Fulgêncio é um cara muito estranho. Detesta o convívio social mas, por ser forte, belo e rico, atrai pessoas e vive rodeado de conhecidos e também estranhos. Seja na praia, no condomínio, no cinema, todos querem se aproximar dele.

Um belo dia encontrou uma caixa de charutos cubanos que era de seu avô. Acendeu um, saiu para espairecer, e reparou que as pessoas que passavam por perto ou vinham em sua direção, imediatamente se afastavam. Creditou o fato inusitado ao charuto e resolveu testa-lo em locais diferentes. Graças ao charuto, ficou mais fácil estender a esteira na praia, esvaziar a fila do cinema, assistir sossegado o futebol no estádio, pegar sozinho o elevador etc. Sua vida melhorou muito, mas aí os charutos se acabarem.

Mas os pulmões estavam tão impregnados que os efeitos persistiram e as pessoas continuaram mantendo distância. Viveu dias de glória até que um AVC o fez cair desmaiado no Shopping. Ninguém, populares, segurança, paramédicos, polícia ou resgate, conseguiu se aproximar e Fulgêncio morreu só, sem socorro. Foi cremado em seu sítio, a fumaça se espalhou, as pessoas fugiram e toda a região tornou-se desértica. Vários anos depois, um agricultou que soube da terra abandonada, quis conhecer o lugar e lá encontrou uma imensa plantação de fumo. Apossou-se da terra de ninguém e pensou: Estou rico. Vou fabricar charutos!

CANETA QUE ESCREVE POESIA - Eurídice Carvalho

" ...é ferida que dói e não se sente/ é um contentamento descontente/ é dor que desatina sem doer..."

"Tem dias que a gente se sente/ como quem partiu ou morreu"...

"Vou-me embora pra Passárgada/ la sou amigo do rei"…

"Eu que andava nessa escuridão/ De repente foi me acontecer"...

" No meio do caminho/ tinha uma pedra"

De todos os objetos mágicos, veio parar nas minhas mãos O que desde a infância perseguia

A magia da Poesia.

REFLEXÕES SOBRE UM OBJETO: UM FONE DE OUVIDO, QUE DEPENDENDO DA FORMA COMO É COLOCADO, VOCÊ SÓ

OUVE COISAS BOAS, OU SÓ COISAS RUINS.. Lígia Lucchesi

Quando coloquei aquele estranho fone de ouvido, comecei a ouvir canções maravilhosas de minha infância e a minha mãe me dizendo, como sempre carinhosamente: “ cutututinha, ela sempre foi a cututinha de minha vida, tão bravinha as vezes que parece uma abelha africana (e merece esse nome) e outras vezes tão meiguinha”...

Depois mudei a frequência desse fone e apareceram sons ruins, tristes e por vezes terríveis. Saí correndo, com medo e mergulhei em um sono profundo. Quando acordei o fone de ouvido havia desaparecido, Todas as coisas boas ouvidas ficaram num canto claro e colorido de minha mente e todos as coisas ruins se esfumaçaram, esfumaçaram e pluff, desapareceram... Foi um sono e se desfez…

SOBRE A LASCA DO LEVY - Regina Mariass

De repente uma lasca rodopiou naquele vagão de metrô o rapaz que já tinha propaganda pronta para vender sua fábrica de chocolates, começou a expressar através do corpo, sons, ritmos e notas musicais.

As tatuagens de borboletas nos braços da menina começaram a voar e pousou na mão da mulher bonita, que começou a dançar.

A lasca continuou a girar e um clarão de luzes espalhou e não se souber de ninguém que não quisesse cantar, potencializando a vida daquele lugar.

O CHAPÉU LILÁS - Márcia Moretti

Chegou pelo correio.

Era uma caixa redonda com fitas coloridas. Chegou em dia de ventania e sem remetente. Pensei, que ventos a trazem ? Não aguentei, curiosa e com muito zelo abri a caixa. Quem iria se interessar em enviar esta caixa ?

Quando abri, veio a surpresa . Um chapéu lilás, aqueles dos posts do Instagram, mas também diferente. Dentro havia um universo de estrelinhas e nano pontinhos… coisa estranha … Sem muita preocupação pelas consequências fui ao espelho e coloquei o sombreiro lilás na cabeça. Inicialmente um formigamento esquisito, depois fui lembrando os objetos perdidos ou esquecidos : as chaves, aquele brinco sumido, a página do livro que fechei, o nome do filme e diretor do filme que lembro e adorei e assisti a semana passada e outros tantos desaparecidos.

Aos poucos fui me familiarizando com seus poderes. Como na instrução estava escrito composição e reabilitação de neurônios, e regeneração celular, também a clorofila foi fazendo a expressão tranquila e serena, as rugas de braveza sumiram e a dificuldade de visão desaparecendo. Oxigênio para o cérebro e leveza para a alma. Mas o remetente não sei. Presente tão sagrado me deu presente para viver e lugar para pertencer.

E lá vou eu com meu chapéu lilás para aproveitar !!!

SMART GLASS : ÓCULOS QUE PERMITE VER A MENTE DAS PESSOAS, O QUE ELAS ESTÃO PENSANDO - Yara Pinaffo

João Mário estava decidido: "Hoje é o dia, não posso mais adiar, preciso ir ao oculista! Ele mal conseguia enxergar a uma distância maior do que um palmo de seu nariz. Chegando ao consultório, foi chamado rapidamente. Ao entrar, notou que o ambiente parecia mais um laboratório do que uma clínica oftalmológica, cheio de objetos de química e um microscópio. À sua frente, um velho barbudo, vestindo um guarda-pó branco surrado e uns óculos com lentes grossas, o cumprimentou e o mandou sentar. O médico examinou seus olhos minuciosamente e, em seguida, fez uma pergunta surpreendente: Você é feliz?

João ficou sem palavras por um momento. Finalmente, ele respondeu: Bem, eu acho que não sou feliz com frequência. As pessoas que me rodeiam costumam me deixar triste, suas mentiras e falsidades me afetam muito.

Então, o médico entregou a João um par de óculos especiais e disse: Estes óculos são um objeto muito especial. A partir de agora, você pode escolher o que ver, o que ouvir e com quem conviver.

João saiu do consultório e colocou os óculos. Ao caminhar pelas ruas, percebeu que seus óculos eram capazes de ouvir os pensamentos das pessoas - desde a moça que flertava com os rapazes até a velha fofoqueira, o mendigo que morava na praça e o menino que jogava bola. Eram tantos pensamentos, que sua cabeça mal conseguia processá-los. Ele então percebeu um botão nos óculos e descobriu que podia escolher o que queria ouvir.

Assim, João passou o resto de sua vida feliz, pois conseguia escolher as pessoas com base no que realmente pensavam e não no que falavam. Com seus óculos especiais, ele podia finalmente ver a verdadeira essência das pessoas e se afastar das que o deixavam triste.

LEMBRANÇAS DE OBJETOS MÁGICOS QUE EVOCAM PENSAMENTOS MÁGICOS –

Márcia Moretti

⁃ O livro de orações da minha mãe….. fazia milagres.

⁃ O assoalho de tábuas da nossa casa a noite estralava , junto com a cadeira de balanço de vime …. provocava calafrios.

⁃ Dormir no meio, entre meus pais … ninho protetor.

⁃ O balanço de madeira na árvore do pomar … encantamento.

⁃ Acordar com cheirinho do café na cozinha e o programa do Zé Bétio no volume alto do rádio…” antes vergonha, hoje saudades.

O anel desencantado Márcia Moretti

“ O anel que tu me deste era vidro e se quebrou. O amor que tu me tinhas, era pouco e se acabou. “

Nem sempre histórias terminam assim. Algumas são as avessas. Esta é uma contação da história de um anel de noivado e de um acreditar. A avó da menina mostrava a ela um anel de rubi . Era seu talismã encantado, cristalizado no vermelho da paixão de outros tempos. Explicava que ali estava pedra muito rara ganha do avô por ocasião do noivado. Quando a neta completou quinze anos ganhou a jóia para

manter na família. O noivo-avô já não existia e era ela a única neta mulher. Esta outra mulher-anciã partiu ano depois, deixando boas memórias. Era ela aquela personagem de livros infantis. Tinha uma casa grande com assoalho de tábuas que estalavam misteriosamente a noite, se sentava junto a máquina de costura e de lá saiam as roupas mais lindas para bonecas e antes dos almoços de domingo, após apurar o molho de tomates , ocava o pão, e com uma concha o preenchia com um caldo de aromas que passeava pela casa, mas tinha que ser devorado na varanda da cozinha, lá era lugar de se lambuzar. Pois a lembrança tem sabor e aroma e a cor rubra da pedra do precioso momento.

Com o tempo a avó foi desmanchado no viver. Nesta época, ao contrário, os sabores foram ficando mais intensos e coloridos, numa mistura de querer ficar e eternizar , quando a última refeição criada foi a massa de uma pizza napolitana, a última e a melhor, mas levou a receita. Assim ela se foi em despedida, apurando tantos sentidos e sentimentos a nos aproximar, e o anel para selar as paixões.

Quando a menina virou mãe e depois avó, soube que o presentearia a primeira neta, na regra do passa anel, sempre de avó para neta. Resolveu então modernizar o invólucro dourado que abrigava o rubi. A surpresa foi que não era autêntico !!!! Assim explicou o joalheiro. Então para a menina - avó a jóia ficou ainda mais preciosa pela história contida, e por seu elo de magia.Na certeza que ali não estaria o fim da história que encantou, desencantou e “reencantou “. Foram tantos os espaços com o valor único que abrigou e outros ainda esperando por vir … a história deve continuar.

O imenso amor desta avó pela neta se registrou no rubi que virou pedra preciosa.

Para Lucia Scaglione Moretti, minha avó, e para Maria Luiza, a Malu, minha neta

UM ANEL DESENCANTADO – Márcia Barrozo

As tias o deixaram guardado junto a rendas, cartas e bordados. Um anel sozinho e gasto separado das outras jóias poucas.

Agora toda casa é silêncio e tempo coagulado em ordem plana... Os retratos nas paredes, a sopeira craquelada, os antúrios. Os lençóis guardados no velho baú a dizer o desencanto de esperar amor.

Pensou que o anel fosse outro vestígio de solidão. Inevitável foi colocá-lo ao dedo... E súbito, compreendeu a magia.

Desfez-se espaço e tempo pra reuniram-se ali as tias, seus pais, avós e ancestrais não conhecidos. Na etérea ciranda lhe sorriam lembrando a ela o maior valor e o melhor presente.

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hInspiração

A Arte de Ser Feliz de Cecília Meireles

MINHAS PEQUENAS FELICIDADES CERTAS – Jacyra Carneiro

Montanari

Minhas pequenas felicidades certas Criança sorrindo deitava no chão

Pra ver pequenas nuvens no céu

Elas vinham e se desfaziam então

Em um grande e branco véu.

Eu sorria e olhava o jardim

Muitas flores o enfeitavam

Cada uma dizia pra mim

Que felizes lá se achavam.

Cresci, muito deixei de olhar

Estudo e trabalho não permitiam

Mas ao ouvir minha mãe dedilhar

Sorrindo e dançando me viam.

Mas o tempo foi passando

E vi cada gato chegar

Sorrindo fui caminhando

Aprendendo com eles amar.

Hoje, quando fico o dia a olhar

Ao meu redor os gatos se deitam

Sorrindo me ponho a criar

Eles e a escrita me deleitam.

PEQUENAS FELICIDADES CERTAS – Laerte Temple

Nem todos gostam da segunda-feira. O gato Garfield, conhecido personagem gordo, preguiçoso e ranzinza dos quadrinhos, gosta da segunda-feira porque é o dia da semana mais distante da próxima segunda-feira.

No meu trabalho, todos os dias, de segunda e sexta, eu sempre recebia um Bom Dia efusivo e o sorriso aberto da Solange, morena bonita, simpática e com histórico de vida peculiar. Mas isso não era privilégio só meu. Ela tratava bem todos os colegas, era muito educada e fazia questão de pronunciar todas as palavras sem comer sílabas, esses ou erres finais.No meu trabalho, todos os dias, de segunda e sexta, eu sempre recebia um Bom Dia efusivo e o sorriso aberto da Solange, morena bonita, simpática e com histórico de vida peculiar. Mas isso não era privilégio só meu. Ela tratava bem todos os colegas, era muito educada e fazia questão de pronunciar todas as palavras sem comer sílabas, esses ou erres finais. Era rica? Saúde perfeita? Amor resolvido? Nada disso. Quando a contratei, tinha menos de 20 anos e ensino médio incompleto. O cargo não exigia muito e ela se dedicou ao máximo. Diabética desde a infância, tomava insulina diária antes das refeições. Mãe solteira aos 16, estava só neste mundo e não contava com a ajuda da família. O tempo passou, a dedicação continuou e sua filha engravidou aos 16 anos. O pai, jovem e responsável, transformou o incidente numa família feliz.

A mais nova vovó que conheci continuou sorrindo e fazendo do trabalho sua terapia. Livre da atenção diária à filha, completou o ensino médio, faculdade, casou e o mundo parecia lhe sorrir, mas uma nova gravidez de alto risco, causou anoxia cerebral no bebê –redução do oxigênio no cérebro.

Quando retornou ao trabalho, quebrou o clima de piedade trazendo de volta o belo sorriso e o vibrante Bom Dia. Procurou todo tipo de tratamento para o menino, mas as sequelas o condenaram à vida vegetativa e, ao contrário do genro, o pai abandonou esposa e filho. Houve um tempo que, ao chegar no trabalho, tinha a certeza de que ouviria o melhor Bom Dia de todos, pronunciado até o fim e emoldurado por um belo sorriso. Houve um tempo que, quando alguém me procurava para choramingar, reclamar do cargo ou justificar-se com a frase “tenho um problema”, eu dizia: Não. Quem tem certamente um problema é a Solange. Os outros casos têm solução.

Solange nunca usou qualquer das tribulações para justificar erros ou suplicar compaixão. Eu nunca soube de onde ela tirava tanta força, mas comparava suas atitudes ao personagem bíblico Jó, que mesmo diante de grandes provações, nunca abandonou a fé. Quando deixei o emprego, meu substituto a demitiu.

PEQUENAS FELICIDADES CERTAS – Laerte Temple em paródia à Cecília Meireles

Houve um tempo em que minha janela se abria para um chalé, ou melhor, para uns 40 chalés, todos com luz vermelha sobre a porta. Naquela época, tinha muita mulher dando em cima de mim. Eu morava no piso inferior de um bordel.

Houve um tempo em que minha janela dava para um canal. Canal de esgoto a céu aberto, fedido, com barcos de caixas de papelão, garrafas PET e lixo boiando rumo ao infinito e além. Aquela água retornava às nossas torneiras como potável.

Houve um tempo em que minha janela se abria para um terreiro. Batuque e Candomblé até altas horas. Ai de quem reclamasse! Um dia chegou a polícia e pensei: vão botar ordem no terreiro, mas foram levar o sargento para tomar passe.

Houve um tempo em que minha janela se abria sobre a cidade que parecia feita de giz, mas eram pichações. Perto da janela havia um jardim quase seco. Rosa brigava com o marido por não regar o jardim e fazia greve de sexo até o cabra se aprumar. Jasmínio suicidou-se com 3 facadas nas costas, Rosa casou outra vez e tornou-se vingativa. E de mulher vingativa, até o diabo tem medo.

Quando falo dessas pequenas felicidades certas que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, mas eu, eteno otimista, digo que quando menos se espera, aí é que nada acontece e não há nada tão ruim que não possa piorar. É preciso aprender a olhar, para poder ver as coisas assim.

INFELICIDADES CERTAS - Sandra Rodrigues

Há famílias  dormindo em barracas improvisadas pelas ruas.  Algumas crianças andam nuas. As pessoas com fome procuram nas caçambas de lixo por algo que nem mais tem nome. Há ainda muitasguerras pelo mundo. Homens poderosos poderiam parar de matar inocentes e bombardear cidades. Mas preferem se manter nas sombras.

As desigualdades aumentam.  O planeta aquece...

Um amigo está doente e ninguém sabe como ele se sente.

Um irmão partiu e nem se sabe quando volta. Um amor se foi.

A saudade caminha em reviravoltas.

As infelicidades certas nos entristecem mais que as tardes vazias que se esvanecem.

MINHAS PEQUENAS FELICIDADES CERTAS - Sandra Rodrigues

Andar sob o pôr do sol

Pés descalços sobre a areia

Ao longe se avista um mar sem fim Estar longe dos percalços

Caminhar na grama sentindo a terra sob os pés

Melhor que escaldapés

Café com amigos numa

tarde de domingo

Depois do cinema Comentar sobre a melhor cena da trama ou se é teorema

Encontrar um amor antigo e perceber que ele ainda gostaria de estar comigo

Ter uma inspiração repentina Caindo sobre o coração como uma

serpentina e Criar poemas na surdina

Sentir presente um amor ausente

Transforma tudo o que se sente

Estar sempre encantado com a vida

Que essa não tem volta

Só ida

Surpresas de um instante Que não fazem o mesmo barulho de um livro caído da estante

Minhas pequenas felicidades certas Às vezes encobertas às vezes só alertas

INFELICIDADES INCERTAS ReginaMariass I

As infelicidades incertas aguardam famintos nas enchentes, nos furacões, nos terremotos, na perversão moral, no diurno da madrugada.

II

Ele se foi e nem me avisou que a vida continua.

NÃO TER A VERGONHA DE SER FELIZ Yara Pinaffo

“Viver e não ter a vergonha de ser feliz Cantar e cantar e cantar a alegria de ser um eterno aprendiz.” Gonzaguinha

Viver significa passar por altos e baixos, subidas e descidas, e nem sempre alcançar o topo. No entanto, será que o topo é realmente necessário?

Cometemos erros e acertos durante nossa jornada, mas temos a certeza de que nada é eterno. São essas situações que enfrentamos que nos fazem aprender durante o tempo em que estamos aqui neste planeta. Santos Dumont, o pai da aviação, passou toda a sua vida estudando, criando protótipos e perseguindo seu sonho de voar. Sua persistência, apesar de tantas derrotas, o fez vencer. Ele planejou seu caminho, estudou e seguiu em frente.

Na vida, o que realmente importa é o percurso, pois é nele que nos reconhecemos através dos olhares daqueles que cruzam nossos caminhos. É nesse caminho que aprendemos a amar, a ser participativos, a viver em comunidade e a ser recíprocos. Não somos definidos por nossos erros ou acertos, mas sim pela habilidade de reconhecê-los e transformar essas experiências em bens preciosos, como perseverança, humildade e fé.

O importante é a jornada em si, e não o destino final. A vida é uma constante evolução e aprendizado, e o sucesso não é medido pelo que alcançamos, mas sim pelas lições que aprendemos ao longo do caminho.

FRUIÇÃO - Yara Pinaffo

Vivemos num tempo onde todos os relacionamentos são efêmeros. A cada dia as pessoas correm desesperadamente a fim de obter sucesso, terem mais likes em suas redes sociais, mostrar-se mais feliz que o outro. Zigmunt Bauman nos fala que vivemos na era da ansiedade, em que a felicidade é procurada a todo custo, mas nunca encontrada de forma duradoura.

Nesta conjuntura, os relacionamentos não são poupados. As pessoas entram e saem da vida umas das outras com a mesma rapidez que atualizam suas redes sociais. As conexões são superficiais, e muitas vezes baseadas em interesses breves. Não há espaço para construir relações mais profundas e significativas.

É fácil perceber que essa cultura do efêmero e da instantaneidade traz muitos desafios para as relações interpessoais. As pessoas se sentem sozinhas, desamparadas e incapazes de construir conexões verdadeiras e significativas com outras pessoas. Além disso, a pressão constante para mostrar-se feliz e bem sucedido pode criar uma imagem distorcida da realidade, que dificulta ainda mais a construção de relações autênticas. No entanto, é possível resistir a isso e investir em relacionamentos duradouros e significativos. Isso exige tempo, paciência e dedicação, mas os resultados podem ser muito gratificantes. Quando nos abrimos para o outro de forma genuína, construímos laços de confiança e intimidade que podem nos trazer grande conforto e segurança emocional. Portanto, mesmo em meio a um mundo que valoriza a instantaneidade e a superficialidade, vale a pena investir na construção de relações verdadeiras e duradouras. Afinal, é nos relacionamentos que encontramos um dos sentidos mais profundos da vida.

É TEMPO DE SORRIR, SORRIA! - Yara Pinaffo

Sorria, sorria. É tempo de sorrir. Sorria. Sorria para a vida, a vida é alegria. É tempo de sorrir, sorria!

Programa Silvio Santos

Rodolfo Cezar afirma que sorrir sozinho é bom, mas sorrir em conjunto é como pintar um arco-íris na alma. Sorrir é benéfico para o corpo, rejuvenesce e movimenta a musculatura facial, para a mente, nos livra do tédio e da tristeza, e para o espírito, nos fortalece. O ato de sorrir nos ajuda a esquecer das tristezas e da monotonia das atividades diárias, bem como do estresse da vida contemporânea. Muitas vezes temos medo de sorrir e parecer ridículos, mas um grupo filosófico oriental-religioso nos ensina exercícios do riso e a importância de sorrir para nosso bem-estar físico e mental. Além de ser benéfico para nós, sorrir também ajuda a melhorar a convivência com pessoas próximas e desconhecidas, pois traz alegria e confiança na humanidade. De acordo com Eibl Eibesfeldt, fundador da etologia humana, sorrir é um meio de comunicação universal que informa alegria, aceitação e afeição. Esse pesquisador aponta que o sorrir é presente em todas as culturas humanas. Em resumo, sorrir é mágico, contagiante e pode trazer a luz onde antes havia escuridão. Portanto, sorria!

MANU - Márcia Barrozo

Porque vem Colibri Pipoquinha Andorinha.

Porque é luz de tanta Lua Estrela Pirilampo

Porque nos dias reinicia o Big Bang! Às cansadas mitocôndrias, Yin e Yang .

Assim, me reencontra

A Deusa mais fecunda _

Felicidade!

Em mote. E substantiva e fluida substância.

hInspiração

Vídeo Cair e Reerguer-se

VONTADE X CAPACIDADE – Jacyra Carneiro Montanari

Na vida temos duas coisas que nos impulsionam e são elas: vontade e capacidade. Vontade pode estar voltada para o ser ou também para o ter. Capacidade é o que conseguimos fazer para alcançar o que queremos. A capacidade está ligada à nossa carga física, psíquica e espiritual, que são transformadas em competências.

A primeira pergunta a se fazer é: para alcançar o que eu quero e o que devo fazer? Quais competências eu preciso desenvolver e quais eu já possuo? Com isso determinar objetivos que não sejam super ou sub dimensionados para que não venha ter frustração.

O vídeo nos mostra um homem querendo atingir seu objetivo de várias maneiras, mas a princípio sem conseguir. Seus saltos superdimensionados estavam longe de sua capacidade de atingir o objetivo proposto. Mesmo quando conseguia chegar ao topo não se mantinha lá. Voltava para a estaca zero. Faltava para ele trabalhar ou desenvolver as competências necessárias para isso.

O homem só consegue ficar no topo quando percebe que precisava construir passo a passo o caminho para chegar lá. Melhor dizendo, desenvolver as competências necessárias para atingir o objetivo. Quando crianças nós tivemos um grande desafio a enfrentar que foi aprender a andar. Quantas e quantas vezes caímos, mas em cada queda levantávamos e tentávamos andar novamente. Foi assim até conseguirmos adquirir as competências físicas, psíquicas e até as espirituais necessárias para caminhar com segurança. Assim é a vida, ninguém nasce sabendo e ninguém consegue realização para o ser e também para o ter, se não tiver as competências necessárias para isso.

O ALPINISTA – Laerte Temple

Baltazar nasceu tão feio que o obstetra mostrou à mãe a placenta em vez do bebê. Ele cresceu, fracassou na escola e em tudo o que fez. A mãe o incentivava dizendo que até um chute no traseiro empurra para a frente. Por ser muito feio, pensou que alguém o namorasse seria por amor, mas ele nunca teve namorada.

No serviço militar, desfile de 7 de setembro, a mãe aplaudia e comentava: como meu bebê marcha bonito! Pena que o batalhão esteja no passo errado. É uma cabeça brilhante, talvez pela careca oleosa. Sua baixa foi das mais baixas e Baltazar partiu para a vida. Tinha muita iniciativa, mas nenhuma acabativa.

Cada tentativa era um tombo, mas ele não desistia. Caia, levantava, tentava outra vez e caia novamente. Todo recomeço era nova oportunidade de fracasso. Baltazar era trainee de alpinista social. Queria porque queria subir na vida, ser reconhecido, influente, fazer a diferença, mas não acertava uma!

Tentou ser Youtuber, coach, harmonizador facial, personal stylist no IML, empacotador de supermercado etc. Foi entregador do iFood, mas durou pouco porque entregava tudo em endereço errado.

Certa dia, seu corpo foi encontrado num petshop. Os médicos suspeitaram de ingestão de veneno para ratos, mas os exames confirmaram ração canina. No seu velório, ninguém apareceu, nem a mãe, nem o coveiro. Ele despertou aborrecido, levantou-se e foi embora. Até na morte Baltazar fracassou.

A tomografia e o teste de Q. I. constataram meros 55% de atividade cerebral. Os médicos se espantaram, pois exames anteriores indicaram em menos de 42%. A melhora intelectual foi atribuída à ingestão de ração para cães.

Baltazar então decidiu ser escritor. Todos julgavam ser impossível, inclusive sua mãe. Mas quando menos se espera, aí é que nada acontece. Por não acreditar que era impossível, ele seguiu em frente e então soube que era. Ao transformar sua experiência no livro “Como fracassar na vida, ser azarado no jogo e infeliz no amor”, o resultado foi outro fiasco retumbante.

Quando soube dos sucessivos fracassos de Baltazar, o Secretário Estadual de Transportes o nomeou para chefiar a construção no Monotrilho de Congonhas. Ele é o nome talhado para a função, pois ninguém espera que a obra da copa de 2014 um dia fique pronta. A vida finalmente lhe sorriu. Não um sorriso tímido, mas uma sonora gargalhada. Era a vida rindo de sua cara.

Moral da história: é fazendo caca que se aduba o jardim da vida!

TERAPIA DE UMA ESCALADA - ReginaMariass

Meu histórico familiar não resiste ao termo “depressão”. Arrumamos contornar circunstâncias nem sempre cativantes, e que não são parcas, pactuando novas condutas e pensamentos. Mas, na contramão da vida, vem a morte escancarada, deselegante e estúpida e pela psicologia, eu estaria na fase 3 do luto (isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação).

1. Isolamento: lagoa, pássaros, calangos, capivaras, frangos d’água, primavera de sussurros dos céus e das ondas do mar. Ler, ler e ler. O livro “ Travessuras da Menina Má, do Mario Vargas Llosa consolou a solidão e trouxe solitude.

2. Raiva. 3. Barganha: Não consegui, porque tive um isolamento solar onde o choro veio acompanhado de água doce da cachoeira e da água salgada do mar. Depois me aproveitei da natação para escoar.

4. Depressão: Angústia visceral seguida de dor física, mas levanto e caminho, (queria fazer que nem minha mãe.Quando a gente era criança e fazia muita bagunça, ela dizia: “vou correr três dias sem parar”) já que tenho medo de correr três dias sem parar. Porque chorar demais é um egoísmo às avessas. Você quer chamar atenção para sua dor, mas isso é egoísmo, pois todos tem suas dores.

5. Aceitação: Então morro com vômitos de saudades e ressurjo sonhos, pesadelos, torno a subir nos oportunos e acertados desacertos, replico a escalada e choro diarreias de saudades, depois sorrio, nem que seja para mim mesma, porque onde vou, não sigo sozinha, carrego o amor que você me tinha.

A ESCADA - Maria de Lourdes

Quando nascemos somos recebidos de braços abertos por mamãe e papai. Eles nos ensinam subir cada degrau da escada da vida. Primeiro ano caímos na cama elástica e vamos aprendendo a subir cada degrau.

Infância é sonho... E vamos subindo… Quando nos deparamos com a primeira decepção, caímos da cama elástica e somos empurrados para a escada do saber… A escola que nós desfia! Aprendemos a ler… Teremos dificuldades e voltamos a cair na cama elástica.

Mas, aprendemos e subimos os degraus. Da formatura às as dificuldades para encontrar o primeiro emprego: outros tombos da cama elástica mas subimos mais um degrau. Na determinação para construir uma família ou construir um futuro brilhante, chegamos no topo da escada e ao perder o equilíbrio colocamos tudo a perder e caímos novamente na cama elástica.

Embaixo a cama elástica representa as dificuldades. Com esperança a escada dará a oportunidade de lutar e vencer sem ter medo de cair.

A cama elástica ensinará quando estamos em baixo e temos que ter coragem pois se não tiver se pode cair mais. Vencer os obstáculos da vida é não ter medo de cair e subir os degraus da vida com fé e esperança.

PERFORMANCE - Eurídice Carvalho

Eu vou

Recomeço

E caio

Outra vez...

Eu vou

Recomeço

E caio

Outra vez

Se você não me queria

Não devia me procurar

Não devia me iludir

Nem deixar eu me apaixonar..."

Eu vou

Recomeco

E caio outra vez

Eu vou

Recomeço

E caio

Outra vez...

hInspiração

Crônica “De que ri a Mona Lisa”

DO QUE VOCÊ ESTÁ RINDO? – Laerte Temple

Ritinha, 17 anos, pediu o carro ao pai para dar um rolê. A negociação foi tensa, ele cedeu, mas desde que ela usasse do GPS. Ritinha aceitou, ajustou o banco, espelhos, cinto de segurança e digitou: Bar Vadias da Praça, Canabis Free. - Vamos começar. Use o cinto de segurança.

‐ Tá bom, agora chega de baboseira e vamos embora.

‐ Em 100 metros, vire à direita na rua Fagundes Dias.

‐ Be-le-za! Balada, Gin Tônica, Canabis, aqui vamos nós!

‐ Em 150 metros, vire à esquerda na avenida Jabaquara.

‐ Esquerda? É para a direita. Eu vi no Google. Aí eu pego a Bandeirantes e chego lá. Bem, talvez o GPS do carro tenha caminho melhor que o Waze.

‐ Siga por 3 quilómetros.

‐ Onde essa doida vai me levar?

‐ Em 200 metros, vire à direita.

‐ Tá maluca? Será que eu digitei o nome errado?

‐ Em 130 metros vire à esquerda. Você chegou ao destino.

‐ O que? Eu digitei Vadias da Praça e essa droga me trouxe na Abadia da Graça! Tá de brincadeira!

Enquanto reprogramava o GPS, o celular tocou. Meu bem, o rastreador indicou que você chegou ao destino. Descobri essa Abadia ecumênica há 3 meses. Tem grupo de oração e excelentes moças de família para você fazer amizade.

‐ Pai, minhas amigas estão me esperando em outro lugar.

‐ Eu sei amor. Mas enquanto você for menor de idade, não trabalhar e usar o meu carro, você vai aonde eu determinar. Aproveite o culto.

‐ Ritinha só voltou para casa às 7 da manhã, com o pai acordado desesperado.

‐ Isso são horas? Onde você se meteu?

‐ Pai, era noite de vigília. Ficamos o tempo todo em retiro, mas valeu!

‐ Ainda bem que deu certo, mas você podia ter telefonado.

‐ Era obrigatório desligar os celulares. Concentração total.

O pai checou a distância e o trajeto no GPS. Tudo dentro do previsto. Ritinha, na cama, escreveu às meninas: Valeu migas. Carro e celular no estacionamento, carona até a balada, nota dez! Brigadu! É isso aí migas, enquanto tiver bambu, tem flexa! O pai e a mãe conversaram durante o café da manhã:

- Alfreda, a Ritinha pensa que eu nasci ontem. Instalei um rastreador no carro e controlo todos os trajetos dela.

- Nossa, Wilmo, como você é esperto! K K K

- Do que você está rindo?

- Você é muito ingênuo! Não viu o carimbo da boate no pulso da Ritinha? Ainda bem que coloquei preservativos na bolsa dela.

Moral duplo da história: Tem pai que é cego e mãe é sempre mãe.

hInspiração

A construção de Personagens

UM HOMEM - - ReginaMariass

O homem se lambuzou, levantou e partiu sem dizer palavra. Ela continua fazendo as compotas, a espera dele ento. SP, 17out 2022

Após se lambuzar de toda a comida, o homem caiu estatelado no chão. O veneno que saia pela boca era o olhar dela de satisfação.

O FANTÁSTICO ENCONTRO DE LULA COM LEILA DINIZ – Jacyra Carneiro

Montanari

Lula faz parte daqueles caras distraídos que não sabem como chegaram aqui ou acolá.

Um dia ele se viu num lugar muito estranho cheio de sombras que se projetavam no seu interior. Ele e as pessoas que ali estavam encontravam-se acorrentados. De repente veio em sua direção uma mulher muito bonita, que foi logo se apresentando:

- Meu nome é Leila Diniz. Você como se chama?

- Lula ele disse. Leila, você sabe por que estamos aqui?

- É o que eu estou tentando descobrir. - Me disseram que aqui é a caverna de Platão.

- Como a gente sai dessa caverna? Ele perguntou.

-Me disseram que raras pessoas perguntam sobre como sair daqui.

- Leila você já perguntou sobre isso?

- Já e me disseram que apenas uma pessoa saiu daqui. Viu coisas lindas, parece que há outro mundo lá fora. Essa pessoa voltou para ajudar os demais, só que foi condenado à morte, por estar corrompendo os habitantes da caverna. Eu acho que esse pessoal é pirado.

- Leila, você pensa em sair daqui?

- Sim quero ser uma das raras pessoas que tentaram fazer isso.

- Olha esta foto aqui, falou Lula, eu achei ela no chão. Veja como ela é estranha. Olha os olhos de um e do outro: “A foto é o retrato do olhar do outro!”

Leila pegou a foto olhou, olhou e falou:

- O tempo vivido na caverna faz com que todos tenham o mesmo olhar. Por isso é que eu quero ir embora daqui. Para mim: “O buraco é mais embaixo”. É onde a saída da caverna está. Eu vou pra lá agora. Já estou descendo.

- Você não tem medo que te matem? Perguntou Lula assustado.

- Quem disse que eu vou voltar? Quer vir comigo? Venha, vamos embora. Deixe os doidos aí.

E Lula seguiu Leila Diniz. Saíram das amarras da caverna para um mundo mais atuante.

Moral da história: “Onde dois ou mais estiverem reunidos, estarão falando mal de alguém.

Minha moral da história: “Deve-se questionar a realidade e não aceitar como verdadeiras, as idéias impostas por quem quer que seja”.

IRMÃO SOL, IRMÃ LUA – Laerte Temple

Pensa num cabra pegador! Odorico Apolo, o Dodô Lábia de Mel, seduziu dezenas de senhoras, moças, tia Cotinha e até Madre Alice. Casamentos abalados, noivados e namoros encerrados, himens rompidos e moças abandonadas em toda a região. A mãe pediu para o Bispo acolher Dodô no Seminário, com as bênçãos do doutor Maurício, ginecologista e pai de Mônica, a namorada do rapaz, dona de bela voz afinada e aveludada, porém mais rodada do que moto de entregador do iFood.

O Bispo conhece muito bem a dupla, ele responsável pela gravidez da Madre e ela pelos strip-teases que tiraram coroinhas do caminho da fé. O religioso erudito viu nos sobrenomes a solução do problema. Odorico é Apolo, o deus Sol e Mônica é Selena, a deusa Lua. Com Dodô no Seminário, vida diurna e reclusa e Mônica como auxiliar de enfermagem à noite, na Santa casa, eles não se veriam e não pecariam. Dodô aceitou a sina para escapar da cadeia e da ira de maridos traídos e mulheres raivosas, mas Mônica nunca apareceu na Santa Casa e foi cantar num cabaré.

Recém ordenado, Dodô foi designado para o paróquia de Cucui. Mas como pau que nasce torto morre torto, ele continuou infiel, inclusive quanto aos votos de obediência, castidade e pobreza. Não obedece o vigário, aposta em briga de galo e a palavra castidade não existe em seu dicionário.

Certa tarde, Padre Odorico, reconheceu a voz de Mônica no confessionário. Ele segurou a onda e ouviu a confissão criteriosa, com vários pecados e detalhes mundanos que desconhecia. Ambos estavam no fundo do poço, ele padre infiel, ela periguete safada. Dodô abriu a cortina do confessionário e a conversa rolou.

- Você disse que ia tomar uma Brahma e depois fugir comigo.

- É verdade, mas só tinha Antárctica.

- Virei sócia do cabaré e enriquei. Nem tudo deu errado prá mim.

- Se não deu errado é porque ainda não acabou.

- Cresça e apareça, cara. Quando tu vai virar homem?

Saudosos das pegações de outrora, consumaram o ato ali mesmo, em tempo recorde e digno do Guiness. O Bispo surpreendeu o casal, expulsou Dodô da ordem e obrigou Mônica a ingressar no convento. Ao perguntar o que faria da vida, Dodô ouviu do Bispo: Seu problema é só seu e de mais ninguém.

Dodô foi viver no cabaré, ganhou muito dinheiro na briga de galo e armou seu plano diabólico. Mostrou ao Bispo e ao dr. Maurício fotos eróticas do ginecologista com sua assistente e vídeos do prelado pelado em orgias com o sacristão. Ficou o erudito pelo não dito. O casal voltou a namorar em paz e todo domingo Dodô vai à igreja ouvir a irmã

Mônica cantar na missa das 10. Que bela voz aveludada!

GAROTA NO AVIÃO - Leonardo Levy

Tinha muitas responsabilidades e sempre aproveitava o tempo para ler relatórios durante o vôo. Corriam os últimos anos do século XX e todos preocupados com o bug do milênio e o mundo podia acabar na virada. O assunto era sério. Tinha uma rotina no avião. Sentava-se sempre numa poltrona do corredor, o mais para a frente possível, embarcava assim que pudesse, sentava-se e olhava os passageiros embarcando como um desfile de histórias imaginárias desenvolvidas em sua mente em poucos segundos.

Naquele dia foram duas passageiras muito elegantes que se sentaram ao seu lado, foi o ritual habitual levantou-se, deu uma ajuda com as malas no porta bagagens, abre espaço para a passagem e está tudo resolvido, voltando ao desfile de histórias imaginárias, além da história e contexto imaginário das duas passageiras. A seguir pode mergulhar nos relatórios até que venha o serviço de bordo com a omelete, pão e bebidas variadas que ele sempre consumia entre uma leitura e outra.

Avião pousado no Aeroporto Santos Dumont e ritual de encerramento, trocando algumas palavras sobre amenidades com as passageiras.

Eram duas passageiras muito bonitas e simpáticas e como o desembarque estava mais lento uma delas perguntou: -Você sabe quem nós somos?

Ele delicadamente respondeu que não.

Aí soube que eram mãe e filha, cuja mais velha parecia irmã da mais nova. Percebeu que devia ter seguido o conselho de Vinícius de Morais:

“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça.

É ela, menina, que vem e que passa…”

hInspiração

Conto de Marcelino Freire “Totonha”

ANA TERRA - Márcia Barrozo

Não. Não serei a voz de Ana. A carne de minha escrita não recompõe os tempos e alma de Ana. E se alguém me lê, recolha os fragmentos dos meus olhos a buscar caminho pros olhos de Ana.

Reiniciou escola já avó. A neta a trazia até a porta da sala antes de tomar rumo pra sua.

Ignorava que o nome estivesse lá nos ‘Tempos e Ventos’ do Veríssimo. Busquei explicar em meio à primeira chamada, mas, olhos sempre baixos, enrubesceu. E mais ainda quando alguém lembrou novela, Tarcísio Meira, Capitão Rodrigo e paixão.

Houve algum tempo até não mais se curvar cobrindo o caderno e acenar pra que eu chegasse a sua mesa. Falava sempre baixinho.  Os olhos sempre evitando.

Pele esticada, ombros comprimidos. Passos curtos, os movimentos todos contidos sugeriam quão pouco prazer hidratou sua vida. Mas, a mão trêmula teimava a letra, o pensar, a palavra.

E, afinal, chegou o dia de pousar os olhos de névoa nos meus. E depois os dias de se encontrar vagalumes lá no fundo.

E houve o dia de contar pra turma o roçado, os bisavós e avós no quilombo. E houve o dia de rir com os causos do Marcílio. E tamborilar dedos com o rap do Rafael.

A cada dia a borracha menos nervosa.  Hora mais hora rompendo, sem perceber, a miserável armadura em que a meteram.

E existiram sim os tantos dias em que os olhos de Ana disseram aos meus o melhor boa noite.

hInspiração

Outros escritos

INVISÍVEL - Leonardo Levy

Olhar sem ser visto

Sonho humano

Anonimato total

Saber de tudo

Fatos pessoais

Invasão de privacidade

Segredos revelados

Onipresença

Pílula da invisibilidade

Lucros astronômicos

Chantagens fabulosas

Governos assusrustadoooooooooooos

Ordem mundial abalada

Revoltas populares

Ilegalidade declarada

Crime e criminosos

Comercialização suspensa

Câmbio negro

Vidas invisíveis

Traficantes de pílulas

Mercados desabam

Selvageria total

Mundo mudado

Uma pílula final

A História tem fim.

SORTE OU AZAR? Leonardo Levy

A cobra abocanhou a pepita de ouro que fora extraída pelo Zé do Garimpo. Ele estava inconformado com sua sorte e seu azar.

O povo sabendo disso, logo organizou um mutirão solidário para encontrar a cobra. Reviraram o campo em torno do vilarejo e um grupo de busca teve a felicidade de encontrar e capturar a cobra. Então aconteceu o inesperado, ou será o esperado? Virou uma disputa pela cobra que picou dois do grupo antes ser despedaçada. Alguém ficou com o pedaço da cobra onde estava a pepita, mas quem será?

Passa o tempo e o mistério continua até que deram pelo sumiço do Seu Pedro, o encanador. Que aconteceu com ele? A mulher dele contou que andava estranho ultimamente e um dia saiu de casa e nunca mais voltou. Ela desconfiou que ele tinha ido ao Rio de Janeiro, onde vivia o seu irmão, mas não queria saber mais do fugitivo.

Zé do Garimpo não teve dúvida ao saber da história. No dia seguinte embarcou em um ônibus para visitar o irmão de Pedro. Foi armado para exigir a devolução de sua pepita. Bela ilusão! O Irmão do Pedro havia mudado para um condomínio de luxo onde ele não conseguia sequer passar da portaria.

Ficou à espreita e eis que surge o Pedro. Estava dirigindo um carro de luxo e ao seu lado Marcela, exuberante garota no esplendor de seus 22 anos, sua nova companheira.

O sangue ferveu a razão cedeu e o instinto fez com que Zé do Garimpo ganhasse uma sentença de duplo homicídio. A pepita maldita desgraçou a vida de muita gente.

Y A N O M A M I - Eduardo Henrique

Y anomami

A flito povo da floresta

N ão há divindade

O nde quer que esteja

M as a morte tão somente

A bocanhando

M ilênios de história

I ncendiada de mercúrio.

O VAZIO E O CRIAR - Yara Pinaffo

O vazio é um estado que muitas vezes associamos tristeza e falta de sentido na vida. No entanto, o vazio também pode ser um lugar de potencial e de possibilidade.

É quando estamos vazios que temos a chance de criar algo novo e transformador, seja na forma de uma poesia, uma pintura, uma ideia revolucionária ou um simples gesto de bondade. Nesse sentido, a arte tem um papel fundamental em nossas vidas, pois nos ajuda a enxergar o mundo de novas formas e a expressar nossa visão de mundo. Como disse o poeta inglês William Wordsworth, a poesia é a emoção recolhida em tranquilidade. Quando estamos em um estado de vazio, temos a oportunidade de acessar nossas emoções mais profundas e transformá-las em arte.

O menino poeta mencionado no texto nos ensina sobre a importância das coisas mais essenciais, como a pureza e a possibilidade infinita de criar um mundo melhor. É como se ele carregasse consigo a inocência e a criatividade que muitas vezes perdemos na vida adulta, quando estamos ocupados demais com nossas obrigações e preocupações.

Ao escrever, pintar ou interpretar, nos permitimos entrar em um mundo sem limites, onde podemos dar asas à imaginação e sonhar com um futuro melhor. Essa é a verdadeira essência da arte: transformar o vazio em algo belo e significativo, que nos conecte uns aos outros e ao divino que existe em cada um de nós.

Em resumo, o vazio pode ser tanto um lugar de dor e solidão quanto de possibilidade e criação. Cabe a cada um de nós decidir como preencher esse vazio e dar sentido à nossa existência. Como o menino poeta, podemos aprender a valorizar as coisas mais simples e essenciais da vida, e transformar nossas emoções em arte que inspire e transforme o mundo.

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