Revisitando os playgrounds de Aldo van Eyck, 1947-2011. Marcos L. Rosa

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m a rce l i n a | ar tista-arquiteta publicação semestral

ano 3 n o 6 2011


Presidente da Mantenedora Superiora Rumilda Maria Cesca Longo Diretora Ir. Valéria Araújo de Carvalho Vice-Diretoras Ir. Luzia Vanz Ir. Zenaide Sallete Pagnoncelli Pró-Diretoria Acadêmica Vera Lígia Pieruccini Gibert Paulo Cobellis Gomes Pró-Diretoria Administrativa Financeira Antônio Luiz Queiroz Silva Arnaldo Cersóssimo Assessora Pedagógica e Comunitária Ir. Maria de Fátima Lima Sousa Assessora Administrativa Financeira Ir. Roseni Peixoto Coordenação do Mestrado em Artes Visuais Mirtes Marins de Oliveira Corpo Docente do Mestrado Christine Mello Lisette Lagnado Luise Weiss Maria Aparecida Bento Mirtes Marins de Oliveira Ricardo Basbaum Shirley Paes Leme Secretaria Geral Ir. Maria de Fátima Lima Sousa Secretaria da Pós-Graduação Marina Noguti

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A Faculdade Santa Marcelina é uma instituição de ensino superior com 80 anos de tradição. Mantém-se fiel ao carisma fundacional do Instituto Internacional das Irmãs de Santa Marcelina, projetado pelo seu fundador, o beato Luigi Biraghi, com a missão de contribuir para a renovação da sociedade por meio de educação. A preocupação com a qualidade de ensino e com a formação humana, cultural, espiritual e profissional de seus estudantes tem contribuído para que a Fasm tenha, ao longo dos anos, formado profissionais de destaque em seus campos de atuação, reconhecidos nacional e internacionalmente. Isso se dá graças à percepção de que os bons resultados só são alcançados com o empenho de um corpo altamente qualificado, composto, em sua maioria, por mestres, doutores, aliados a currículos, equipamentos e espaços físicos modernos e adequados. Paralelamente a isso, mantém um ambiente acolhedor, no qual múltiplas vivências e trocas de experiência entre os vários cursos proporcionam práticas criativas e diferenciadas, as quais, indo além da mera possibilidade de aprendizado profissional, permitem plena formação dos indivíduos. Além de ampla atividade filantrópica, a Fasm oferece na unidade Perdizes: bacharelados em Artes Plásticas, Desenho de Moda, Música – Canto, Composição, Instrumento e Regência – e Relações Internacionais; licenciaturas em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas e Música; pós-graduação lato sensu em Moda e Criação, mestrado em Artes Visuais e também inúmeros cursos de extensão. Na unidade Itaquera, mantém os bacharelados em Administração e Enfermagem, o curso tecnólogo em Radiologia, bem como cursos de extensão e especialização.

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S U M Á R I O marcelina | artista-arquiteta

© 2011 Faculdade Santa Marcelina – Unidade Perdizes Coordenação do projeto e edição Lisette Lagnado Mirtes Marins de Oliveira Conselho editorial Dawn Ades (University of Essex-UK) Ricardo Basbaum (UERJ/Fasm-SP) Maria Aparecida Bento (Fasm-SP) Sheila Geraldo Cabo (UERJ-RJ) Celso Fernando Favaretto (FE-USP) Esther Hamburger (ECA-USP) Shirley Paes Leme (Fasm-SP) Maria Angélica Melendi (EBA-UFMG) Christine Mello (Fasm-SP) Luiz Camillo Osório (Unirio/Puc-RJ) Beatriz Rauscher (UFU-MG) Sandra Rey (Instituto de Arte-UFRGS) Pareceristas Suzana Avelar Eliana Asche Ana Letícia Fialho Claudia Marinho Marly de Menezes Paulo Zuben Agradecimentos Fabiana Oda e Malu Villas-Bôas (Instituto Lina Bo e P. M. Bardi) Iván Ivelic e Jaime Reyes (Arquivo Histórico José Vial Armstrong, e[ad], PUCV) Regina Stocklen Capa e contracapa Nicolás Robbio Projeto gráfico Regina Parra

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ED ITORI AL

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Revisitando os playgrounds de Aldo van Eyck, 1947-2011 Marcos L. Rosa

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Arquitetura pobre: Lina Bo Bardi e o vernacular brasileiro Kiki Mazzucchelli

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Tácticas de invisibilidad. Arquitectura, juego y desaparición María Berríos

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Inginiería utópica y Neo-Constructivismo Orgánico; en, y desde, el extremo cono sur David F. Maulen de los Reyes

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El arte proyectual de Alonso + Craciun Veronica Cordeiro

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Quintais urbanos Tainá Azeredo

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VI SEMINÁRIO DE CURADORIA

Fontes usadas Minion e Whitney Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Sonho da casa própria – journal de bord María Inés Rodríguez

(FASM–Perdizes. Biblioteca ‘Ir. Sophia Marchetti’) MARCELINA. Revista do Mestrado em Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina. - Ano 5, v. 6 (1. sem. 2011). – São Paulo: FASM, 2008 - .

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Semestral ISSN: 1983-2842

MESTRADO EM REVISTA

O estrangeiro global em permanente passagem Mirtes Marins de Oliveira

1. Artes Visuais - Periódicos. I. Faculdade Santa Marcelina. CDU-7(05)

140 Marcelina é uma publicação da Fasm. As opiniões expressas nos artigos são de inteira responsabilidade de seus autores. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização dos autores. Para os critérios de publicação acesse: http://www.fasm.edu.br 4

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CADERNO DE ARTISTA

Nicolás Robbio


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SUMÁRIO

E D I TO R I A L

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tema do número atual da revista marcelina se impôs de maneira categórica. Foram tantas discussões em torno de experiências urbanas de caráter efêmero, pesquisas artísticas explorando as áreas de convivência e lazer na cidade, até mesmo com várias instalações de Olafur Eliasson, que nos pareceu necessário aceitar uma pauta incitada a partir desses índices externos às convencionais reuniões da redação de uma revista acadêmica. E não deveria ser desse modo? Não deveríamos ouvir mais atentamente o ritmo dos acontecimentos que escapam do controle, assim como a ira de jovens descontentes que acabou ecoando em palcos públicos até então inesperados? Afinal, qual seria a pertinência de um programa de formação em arte contemporânea sem um vácuo produtivo apto a acolher a intervenção concreta? Essa dimensão pedagógica se encontra no programa da Escuela de Arquitectura de Valparaíso (Chile), que a autora María Berríos apresenta aqui como um exemplo feliz de encontro entre arquitetos e escultores, filósofos e poetas. Entende-se na figura do “artista-arquiteto” a potência de encaminhar utopias artísticas no espaço comum sem entretanto negar-lhe a tensão do real. É um pouco nessa direção que o presente conjunto de artigos constitui um momento particular no desenvolvimento de uma linha editorial cada vez mais afinada com o compromisso de observar demandas por um conhecimento polissêmico. Com o lançamento, em agosto de 2011, do Curso de Especialização em Práticas Curatoriais e Gestão Cultural, o Programa de Estudos de Pós-Graduação da Fasm redimensiona tanto o lugar da pesquisa do artista como assume sua obrigação de olhar e dialogar com um circuito muito mais complexo que a comercialização de objetos que já chegam obsoletos na próxima feira de arte. No mundo inteiro, o nome de Lina Bo Bardi vem acumulando prestígio, e marcelina lhe dedica novas páginas, com o artigo de Kiki Mazzucchelli, a fim de repensar seu papel no entendimento de uma modernidade brasileira. Essa expressividade culminará no segundo semestre de 2012 com uma mostra internacional de artistas e arquitetos, ocupando a casa que construiu no bairro do Morumbi, em São Paulo (1951). Para além dessa

bem-vinda celebração, cabe sempre ficarmos alerta aos motivos de uma homenagem que se converte em unanimidade. Agradecemos vivamente os demais autores envolvidos nessa tarefa de levar adiante o desdobramento do papel do artista na esfera social: Marcos L. Rosa revisitando literalmente os playgrounds de Aldo van Eyck em Amsterdã (entre 1947 e 1948); David Maulen, ao colocar à disposição uma inédita pesquisa sobre o Neoconstrutivismo Orgânico de Abraham Freifeld, um capítulo ainda desconhecido das genealogias histórico-estéticas na América do Sul; Veronica Cordeiro, com uma defesa apaixonada do coletivo artístico uruguaio Alonso + Craciun; a curadora María Inés Rodríguez, que veio apresentar no VI Seminário Semestral de Curadoria da Faculdade Santa Marcelina as inquietações de artistas que pedem mais do que a sala de exposição de uma instituição; enquanto Tainá Azeredo encaminha sua dissertação de mestrado (com orientação do prof. Ricardo Basbaum) para a ressignificação dos terrenos baldios, Regina Parra debruçou-se sobre a natureza do trabalho de Anri Sala no processo de uma globalização desterritorializante. Nicolás Robbio é o convidado do CADERNO DE ARTISTA . Nascido em 1975, (Mar del Plata, Argentina), Robbio, que também assina a capa e contracapa de marcelina I artista-arquiteta, vive e trabalha em São Paulo desde 2002. Aprende-se, acompanhando o itinerário de seus desenhos sobre papel para outros suportes, que a experiência de viver no espaço real da cidade deve contemplar – fundamentalmente – o espaço para o jogo1.

1 Por questões orçamentárias, a presente edição da revista marcelina não conseguiu ainda ser impressa em papel, nem a verba necessária para traduzir os artigos que recebeu em espanhol. Tomou-se, contudo, a decisão de publicar o material em pdf e colocá-lo à disposição na internet, por respeito aos autores que nos cederam graciosamente seu tempo de escrita.

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Revisitando os playgrounds de Aldo van Eyck, 1947-2011 Marcos L. Rosa* Palavras-chave Espaço coletivo; lugar; playground; as found; Urbanismo situativo. Key words Collective space; place; playground; as found; Situational Urbanism.

Resumo: Este artigo tem como objeto de estudo os playgrounds de Aldo van Eyck, construídos em Amsterdã entre 1947 e 1978, e pretende dar continuidade a um esforço de documentação e atualização presentes desde 2002. Em viagem a campo (abril de 2011), alguns desses playgrounds foram revisitados à luz da “teoria dos lugares” de Marc Augé, da introdução do termo “situação” pela Internacional Situacionista, assim como dos ensaios fotográficos e proposições de P. & A. Smithson e N. Henderson que introduzem o conceito de as found (“encontrado”). A investigação resultou aqui em um ensaio fotográfico: na qualidade de ready-mades, caracterizados pela simplicidade e neutralidade de seu desenho, os playgrounds revelam seu entorno próximo (que se torna fundo e parte articulada em cada um deles), assim como foi encontrado (as found). Vistos em série, estruturam uma rede de lugares com capacidade de transformação e recodificação constante, garantida pela participação de seus usuários. Abstract: The object of study of this article are Aldo van Eyck’s playgrounds, built in Amsterdam between 1947 and 1978, and it intends to give continuation to an effort of documentation and updating present in an exhibition and a series of publications that started in 2002. In a field trip (April 2011) some of these playgrounds have been revisited. The reading of these spaces has been guided by the questionings organized by Marc Augé in the “theory of places,” by the introduction of the term “situation” by the International Situationist, as well as by the photo essays and propositions that introduce the “as found” concept. As a product of this questioning and investigation a photo essay is delivered: it shows how the playgrounds, as “ready-mades,” characterized by the simplicity and neutrality of their design, reveal their surroundings (that becomes background and articulated element in each one of them), “as found.” As a series of events, they structure a network of places with capacity of transformation and recodification, constantly guaranteed by participation in several levels.

Bertelmanplein, 1947. Primeiro playground de Aldo van Eyck em Amsterdã. Foto: Marcos L. Rosa, 2011

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*Marcos L. Rosa é arquiteto (FAU-USP 2004), leciona e pesquisa no Departamento de Arquitetura e Desenho Urbano da ETH Zürich. Organizador de Microplanejamento, práticas urbanas criativas (2011), coeditor da revista ARCH+ 190 (São Paulo, 2008), participou da Bienal Internacional de Arquitetura de Roterdã (2009-2010) com “práticas urbanas criativas em São Paulo”.

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ertelmanplein, 1947. O arquiteto Aldo van Eyck (19181999) constrói seu primeiro playground em Amsterdã. Nas três décadas seguintes (até 1978), mais de 700 playgrounds foram erguidos, 90 dos quais sobreviveram e chegaram ao século 21 com seu desenho original (Merijn Oudenampsen, 2009). Em 2002, a exposição “The Playgrounds and the City”1 celebrou essa rede criada, compilando a documentação e tornando-a legível no mapa de Amsterdã. Naquele mesmo ano, a revista Archis publicou o “Psychogeographic Bicycle Tour of Aldo van Eyck’s Amsterdam Playgrounds”2, que, assim como as imagens da exposição3, tinha como objetivo revelar uma série de fotos mostrando o “antes” e o “depois”, atualizando a condição dos playgrounds entre 1976 e 2002. Em 2009, Jonathan Hanahan e Rory Hyde publicaram na revista Volume (nº 22) um tour pelos mesmos playgrounds. A intenção: explorar o guia produzido em 2002 e revisitar os playgrounds, atualizando novamente seu estado. Em continuidade a esse esforço de atualização, minha viagem a campo (abril de 2011) foi guiada por uma outra questão. Além de dividir o interesse sobre o uso atual desses playgrounds, quais foram e quais não foram modificados, é importante investigar em que medida os playgrounds criam “lugares” urbanos4. Dado um certo caráter de neutralidade – já que sempre são constituídos pelos mesmos elementos: a caixa de areia, os brinquedos de barras metálicas, piso de areia/pedras – pretendeu-se averiguar se os playgrounds podem ser lidos como uma ferramenta que revela seu entorno, como ready-mades que mostram um lugar as found5, uma rede de lugares articulados. Van Eyck concebeu esses espaços temporários como medida emergencial. A cidade encontrava-se em grande parte destruída, com alto déficit habitacional e de equipamentos de uso coletivo e serviços; o Novo Plano para Amsterdã (Cornelis van Eesteren’s Algemeen Uitbreidingsplan, AUP, 1934) apoiava-se no ideal da separação funcional, segundo a qual habita1 Cf. Exposição no Stedelijk Museum, Amsterdã, 15 junho –18 setembro, 2002. 2 Lefaivre, Liane; Boterman, Marlies; Loen, Suzanne; Miedema, Merel, 2002. 3 Cf. Arquivo do Departamento de Desenvolvimento Urbano de Amsterdã. 4 No sentido de “lugar” como definido por Marc Augé. 5 Cf: as found, Peter and Alison Smithson: A. & P. Smithson, “The ‘As Found’ and the ‘Found’”, in David Robbins, ed., The Independent Group: Postwar Britain and the Aesthetics of Plenty. Cambridge, Mass., MIT Press, 1990, pp. 20-25.

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ção, trabalho, circulação e recreação deveriam ser separados. Terrenos não utilizados entre os blocos residenciais – blocos esses criados segundo os princípios do modernismo funcionalista da arquitetura e do urbanismo sob a pressão imposta pela falta de habitação no período pós-Guerra6 – deveriam ser reprogramados em playgrounds por meio de operações de fácil execução. Crítico7 do plano funcionalista, Van Eyck argumentou em nome de uma arquitetura posta à disposição da atividade humana e que promovesse uma interação social8. Desenhou com esse objetivo um glossário simples para definir cada parte presente nos playgrounds: uma caixa de areia circunscrita por uma borda de concreto, blocos arredondados, uma estrutura de barras curvas, árvores e bancos. Ainda assim, a estandardização não pretendia repetir a monotonia dos blocos funcionalistas modernos. Pelo contrário, tratava-se de uma forma de ação tática na cidade existente como encontrada (as found) que tirava partido de terrenos que ofereciam a chance de uma função temporária. O diálogo desses elementos no espaço ilustra uma série de práticas sem estrutura hierárquica (Merijn Oudenampsen, 2009). Os elementos básicos são recombinados em conjuntos diversos dependendo dos arredores. Isto faz com que os playgrounds sejam recriados em cada nova locação como um suporte à espera de um uso, uma interação – play9. Da reivindicação dos equipamentos, construção e até a utilização dos playgrounds, a simplicidade é um ato consciente no sentido de estimular a imaginação e participação. Desenho e materiais empregados geraram composições de traço homogêneo que destacaram o entorno, mantido tal como encontrado (as found). O ambiente se torna o elemento mais importante, transformando espaços abertos em “lugares” conectados à especificidade de cada ponto. Os playgrounds não eram apenas objetos a serem escalados, mas um lugar de encontros, para perceber o próprio cotidiano de forma nova, repropor a relação com a vizinhança, a partir de uma natureza intersticial comum. Seus espaços foram criados pela circunstância, apropriação e utilização temporárias, por instantes e situações, um conceito que tangencia 6 O planejamento urbano nos Países Baixos consistiu principalmente na implementação rápida e econômica dos ideais do pré-Guerra de arquitetos modernistas como Le Corbusier, Giedion e Gropius. In: Oudenampsen, 2009. 7 O Team X, do qual Aldo van Eyck era membro, posicionou-se contra os Congrès Internationaux d’Architecture Moderne (CIAM), que aconteceram pela última vez em 1959. O Team X tomaria o lugar do antigo pensamento racionalista e funcionalista para propor algo novo. A nova arquitetura deveria ser modular, aberta à participação e deveria estruturar práticas criativas. 8 Aldo van Eyck, “Het Verhaal van een Andere Gedachte” (The Story of Another Thought). In: Forum 7, Amsterdã e Hilversum, 1959. In: Oudenampsen, 2009. 9 No sentido definido pela Internacional Situacionista (IS).

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a teoria dos momentos10, de Henri Lefebvre, na qual a cidade é definida como uma estrutura aberta a diferentes temporalidades que constantemente estabelecem novos códigos no espaço físico. Essa noção de cidade como estrutura aberta indica uma rede de terrenos a serem reprogramados, mudando sua vocação no mesmo instante e adicionando significado com base no conceito de “lugar”11. Lemos em Liane Lefaivre: Como seus amigos artistas Piet Mondrian e Constant Nieuwenhuys, Van Eyck pensava na cidade ideal como um labirinto de pequenos territórios íntimos ou, mais poeticamente, como uma constelação casual de estrelas. Um playground em cada esquina era apenas um primeiro passo para a “cidade lúdica”: a cidade da brincadeira (play). “O que quer que tempo e espaço signifiquem”, ele dizia para criticar seus colegas arquitetos modernistas, “lugar e ocasião significam mais”12.

Todos esses argumentos apontam para a ideia de uma outra cidade a ser produzida, de forma distinta de como se estava fazendo a reconstrução no pós-Guerra. Tratava-se de realizar a leitura do existente, reinterpretando-o – um elogio ao trivial retratado nos playgrounds, de Van Eyck, de 1947, que coincide com a primeira publicação da Crítica da vida cotidiana de Lefebvre, publicada no mesmo ano13. O uso de terrenos baldios revela uma operação tática, que tira vantagem do potencial oferecido por situações de mudança em momentos de reconstrução urbana. Esses playgrounds ocuparam espaços que estavam vazios e em mau estado de conservação. O primeiro playground, em Bertelmanplein, foi um experimento bem-sucedido. Se o sucesso em 1947 foi medido pela intensidade do uso e livre apropriação, em 2011 ele é expressável na capacidade de adaptação do

desenho em se articular com o local. Percorrer alguns desses playgrounds hoje revela um importante objeto (construído) de estudo, que antecipa a discussão e teorização desenvolvidas nas duas décadas seguintes em torno da ideia de “lugar” (place, site, as found), de redes atreladas a ele (structuralism, open networks) e do play como forma de subverter e modificar os espaços cotidianos.

Referências bibliográficas AUGÉ, Marc. Introdução a uma antropologia da supermodernidade. São Paulo: Papirus, 1994. HANAHAN, Jonathan; HYDE, Rory. “Aldo van Eyck playground tour 2009”, in: Volume Magazine, nº 22, Amsterdã, 2009, pp. 36-39. LEFAIVRE, Liane; DE ROODE, Ingeborg; VAN EYCK, Aldo. The Playgrounds and the City (catálogo). Stedelijk Museum Amsterdã, Roterdã: NAi Publishers, 2002. __________; TZONIS, Alexander; VAN EYCK Aldo. Humanist Rebel, 010 Publishers, Roterdã, 1999. __________; LUDENS, Puer. In: Lotus International, nº 124, Milão, 2005, pp. 78-85. __________; BOTERMAN, Marlies; LOEN, Suzanne; MIEDEMA, Merel, “A psychogeographical bicycle tour of Aldo van Eyck’s Amsterdam playgrounds”, in: Archis, nº 3, Amsterdã, 2002, pp. 129-135. OUDENAMPSEN, Merijn. Aldo van Eyck and the City as Playground. In: www.flexmens.org/ drupal, 10/10/2009. VAN DEN BERGEN, Marina, Aldo van Eyck, trad.: Billy Nolan. In: http://www.classic.archined.nl/news/0207/AldovanEyck_playgrounds_eng.html, 13/04/2011.

10 Desenvolvida em paralelo à Internacional Situacionista, para a qual o elemento play e o playful man (homo ludens) prepararam o campo para uma cidade cheia de possibilidades lúdicas. Para a IS, play é uma estratégia subversiva para mudar a cidade moderna, do espetáculo. 11 Marc Augé descreve lieux (“lugares”) como espaços definidos através de sua relação com sua história e a identidade formada a partir dessa relação. 12 Cf. Lefaivre, 2002. “Like his artist friends Piet Mondrian and Constant Nieuwenhuys, van Eyck thought of the ideal city as a labyrinth of small, intimate territories, or more poetically, a random constellation of stars. A playground on every street corner was just a first step on the journey to the ‘ludic city’: the city of play. ‘Whatever time and space mean,’ he used to thunder at his modernist architectural colleagues, ‘place and occasion mean more.’” 13 A teoria de Lefebvre tinha como objeto a periferia de Paris.

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Ensaio fotográfico: construídos nas três décadas seguintes (1947-1978), os playgrounds orquestram os mesmos elementos – a caixa de areia, os brinquedos de barras metálicas, piso de areia/pedras – operando como um ready-made que revela o entorno próximo. Fotos: Marcos L. Rosa, 2011

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Arquitetura pobre: Lina Bo Bardi e o vernacular brasileiro Kiki Mazzucchelli*

Palavras-chave Arte contemporânea; curadoria; Lina Bo Bardi; Masp; museografia. Key words Contemporary art; curating; Lina Bo Bardi; Masp; museography.

Resumo: O presente artigo traça algumas considerações sobre a contribuição de Lina Bo Bardi para o pensamento curatorial contemporâneo, por meio da análise de seu projeto para a pinacoteca do Museu de Arte de São Paulo (Masp), em que criou um inovador sistema de cavaletes de vidro. Tomando a questão do vernacular como característica fundamental em sua obra, examina, ainda, seu estreito envolvimento com a cultura popular durante o período que passou no Nordeste do Brasil. Abstract: This article presents some initial considerations about Lina Bo Bardi’s contribution to contemporary curatorial thinking through the analysis of her project for the Museu de Arte de São Paulo’s picture gallery (Masp), in which she created an innovative glass easel hanging system. Taking the vernacular as a fundamental characteristic in her work, it also examines her close involvement with popular culture during the period spent in the Northeastern region of Brazil.

Lina Bo Bardi, Estudo de perspectiva de cavaletes de vidro, 1957/1968. Aquarela, grafite e colagem sobre papel offset. Masp, Museu de Arte de São Paulo. 26

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*Kiki Mazzucchelli, curadora e crítica independente, desenvolve seu doutorado junto ao centro de pesquisa TrAIN-University of the Arts, Londres, com um projeto que examina o legado de algumas exposições fundamentais para a expansão da arte brasileira no circuito internacional na última década. É curadora de “Mythologies-mitologias” Cité Internationale des Arts, Paris, 2011. 27


E

mbora figure entre os grandes inventores da modernidade brasileira, Lina Bo Bardi foi autora de uma obra até muito recentemente pouco difundida fora do Brasil. Se em termos programáticos sua arquitetura encontra uma profundidade e uma sofisticação ímpares, transbordando inclusive os limites da própria disciplina, talvez justamente esta característica tenha feito com que tivesse poucas obras construídas, já que pressupõe um envolvimento estendido no tempo, para além da finalização do projeto arquitetônico. Resulta, portanto, que seu legado tanto material como imaterial – pois Lina foi também uma prolífica ensaísta –, por sua própria abrangência, permite uma abordagem a partir de diferentes campos do saber. No contexto de uma reflexão a respeito de sua possível contribuição para o campo relativamente novo da curadoria como disciplina autônoma1, este breve artigo pretende traçar algumas considerações iniciais a respeito do pensamento curatorial na obra de LBB. Como sabemos, sua trajetória é caracterizada, com a mudança para o Brasil em 1946, por uma relação estreita e constante com a arte, desde a concepção do primeiro Museu de Arte de São Paulo na Rua 7 de Abril (Masp, 1947), passando por sua experiência em Salvador, a construção da nova sede do Masp na Paulista e a criação do Sesc Pompeia, onde chegou a realizar diversas exposições temáticas. Vale ressaltar que, no contexto do presente artigo, o “pensamento curatorial” deve ser entendido não apenas como o quadro teórico subjacente a seus projetos de exposições temporárias, mas no sentido mais amplo da “criação de uma atmosfera, de uma conduta”2, que envolve desde a seleção das obras, o modo como são apresentadas e sua disposição no espaço, as relações estabelecidas entre elas, os materiais teóricos e didáticos produzidos, e evidentemente, o projeto arquitetônico. Assim, este primeiro exame se deterá sobre a questão do vernacular no trabalho de LBB e em como este traço característico se manifesta no seu mais conhecido projeto, o Museu de Arte de São Paulo (Masp). Tendo recebido uma formação tipicamente racionalista na Itália no período que antecedeu sua vinda ao Brasil, seus projetos datados do final da década de 40 e início da década de 50, como a museografia e o mobiliário da primeira sede do Masp (1947) e a Casa de Vidro (1951), são ainda 1 Refiro-me aqui, especificamente, à crescente influência da figura do curador nas duas últimas décadas. 2 Lina Bo Bardi, “Museu de Arte de São Paulo”. In: Marcelo Ferraz. Museu de Arte de São Paulo. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi e Editorial Blau, 1997.

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fortemente marcados pelo estilo internacional do modernismo europeu3. No entanto, é durante sua estadia no Nordeste do país, longe do processo de “desculturação” ocasionado pela “industrialização abrupta não planificada, estruturalmente importada”4, que LBB começa a reexaminar a cultura brasileira a partir de uma produção local e a formular alternativas ao que identifica, especialmente na Região Sudeste, como uma crescente dependência cultural em relação às nações hegemônicas. Consequentemente, sua obra sofre um processo de profunda transformação em que passa a incorporar técnicas, materiais e conhecimento popular característicos da “civilização do Nordeste”. Ora, sabemos que o problema da identidade nacional e a apropriação de expressões culturais locais está no cerne da modernidade brasileira em seus vários desdobramentos ao longo do século 20 mas, no caso de LBB, como bem observa a curadora venezuelana Julieta González, é notável como o vernacular passa a ser incorporado como elemento organizador de sua obra: De fato, a favela está inscrita no imaginário artístico do Brasil desde as linhas de abertura do Manifesto da poesia pau-brasil: “A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos”. No entanto, na arquitetura de Bo Bardi, o vernacular passou por uma transformação, de fato estético a ocorrência programática e ideológica5.

Portanto, o interesse em examinar sua obra hoje repousa precisamente nessa transformação do vernacular, de algo para ser apreciado de fora como um “fato” ou “objeto” estético em elemento constitutivo da arquitetura, que vai gerar formas e usos originais a partir do que ela identifica como as necessidades e recursos específicos de cada local6. Esta operação aparentemente simples é na verdade a chave para uma ideia expandida de arquitetura não apenas focada no aspecto material da construção, mas igualmente preocu3 Ver Guilherne Wisnik, “Anthrophagia in Reverse”. In: Lisette Lagnado. Drifts and Derivations – Experiences, journeys and morphologies. Madri: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, 2010, p. 181. 4 Lina Bo Bardi, “Um balanço dezesseis anos depois”. In: Suzuki, M. (org.) Tempos de grossura: O design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1994, p. 11. 5 Julieta González, “Extranjeros en todas las partes”. In: Adriano Pedrosa. Mamõyguara Opá Mamõ Pupé – 31º Panorama da Arte Brasileira. São Paulo: Museu de Arte de São Paulo, 2009, p.50. 6 A respeito da adequação do projeto de museu ao contexto em que é criado ver, por exemplo: Lina Bo Bardi, “Balanços e perspectivas museográficas – Um museu de arte em São Vicente”, texto originalmente publicado na Revista Habitat, no. 8, 1952 e reproduzido na revista marcelina, ano 3, v.4 (1o. sem. 2010).

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pada com as atividades que ali acontecem e seu impacto sobre noções de cidadania e espaço público. Numa cidade como São Paulo, onde interesses privados ostentosa e descaradamente determinam a formação da paisagem urbana e das relações de classe por ela produzidas – invariavelmente baseadas num princípio de segregação –, estas preocupações assumem um caráter urgente. Assim, apesar do crescente interesse de pesquisadores, artistas e curadores de diversos países pela obra de LBB, o Masp, sem dúvida um dos mais importantes edifícios da cidade, tem sido sistematicamente violado desde a gestão de Júlio Neves (1994-2008) e encontra-se hoje conceitualmente destruído. Em vista disso, cabe aqui tentar rever parte da trajetória de LBB e tentar compreender, ao menos em parte, a originalidade de sua proposta para o Masp e o radicalismo de seu olhar curatorial.

A experiência-Nordeste: primeiro contato Em 1958, LBB é convidada pelo governo estadual para dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia em Salvador, onde permanece até 1964, quando o golpe militar vem encerrar bruscamente um intenso processo de efervescência intelectual e criativa no país. Salvador, em particular, viveu nessa época um período em que a Universidade Federal reuniu, sob a direção do visionário reitor Edgard Santos, importantes figuras da vanguarda, como o diretor da escola de teatro Martim Gonçalves, o compositor alemão Hans-Joachim Koellreutter e o crítico de cinema Walter Silveira, cujo trabalho contribuiu para a formação de jovens como Maria Bethânia, Caetano Veloso e Glauber Rocha. Já em setembro de 1959, LBB organiza junto com Martim Gonçalves a “Exposição Bahia”, apresentada na V Bienal, que seria a primeira grande exposição de arte popular nordestina em São Paulo. Com uma abordagem mais antropológica do que artística (em sua acepção tradicional), a exposição incluía documentação fotográfica de Marcel Gautherot, Enneas Mello, Silvio Robatto e Pierre Verger, entre uma variedade de objetos cotidianos como colchas de retalhos em tecidos de cores vibrantes que se assemelhavam a pinturas geométricas abstratas, imagens de Orixás, objetos construídos a partir de materiais reciclados, redes, potes de cerâmica entre muitos outros. Esses objetos eram exibidos sobre painéis isolados e conjuntos de bases dispostos sobre um chão coberto de folhas secas. O teto foi revestido de um leve tecido de cor clara e, servindo para organizar o espaço expositivo e criar um fundo para as peças dispostas sobre bases, havia ainda

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divisórias de tecido escuro que se assemelhavam a cortinas de teatro. Sobre a mostra, LBB declarou: (...) A Exposição Bahia apresentada na V Bienal de São Paulo (...) e que tanto despertou o interesse dos meios artísticos e sociais do Brasil e do estrangeiro, foi pensada, planejada e realizada pelo diretor da Escola de Teatro da Universidade da Bahia, prof. Martim Gonçalves, que procurou revelar, com meios estéticos de uma apresentação teatral, as raízes populares da cultura baiana, em contraste com as correntes de importação que caracterizam a grande manifestação paulista. Minha colaboração foi especialmente na parte arquitetônica, estreitamente ligada ao conteúdo da exposição. A descoberta daqueles elementos da cultura baiana, por mim antes desconhecidos, fora resultado de minha aceitação de dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia.(...)7

Evidentemente, como ela mesma coloca, o vasto acervo mostrado na “Exposição Bahia” não poderia ter sido reunido em apenas um ano de pesquisa, mas resultou de um trabalho que Gonçalves já vinha desenvolvendo há alguns anos. Ainda assim, a mostra assinala uma nova direção na trajetória de LBB, que descobre a originalidade e o aspecto vivo da cultura nordestina, características que afirma serem inexistentes no Rio e em São Paulo e que se manifestam através de um “problema da simplificação, não da indigência”8. Com sua qualidade teatral, a expografia não usual para os padrões da época – e que hoje evoca a lembrança de eventos menos desejáveis, como a extravagância cenográfica da Mostra Brasil 500 Anos (2000) – distanciava-se manifestamente do tradicional formato moderno do cubo branco comumente adotado em mostras desse tipo. A opção pelo piso recoberto de folhas secas de eucalipto de cheiro, por exemplo, parece configurar uma clara tentativa de trazer “realidade” para dentro do espaço expositivo, de 7 Carta aberta de Lina Bo Bardi publicada no jornal A Tarde, em 11 de setembro de 1961, a fim de esclarecer a participação de Martim Gonçalves na mostra, que havia sido omitida pela imprensa local. Ver J. Santana, “Cumplicidades e parcerias: Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves na Escola de Teatro da Universidade da Bahia, na Escola da Criança do MAMB e na Expo Bahia da V Bienal de São Paulo”, artigo disponível em http://www.docomomobahia.org/linabobardi_50/8.pdf, último acesso em 2 de abril de 2011. 8 Declaração de Lina Bo Bardi no documentário dirigido por Aurélio Michilis, 1993.

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aproximá-lo da vida, trazendo, de certo modo, os objetos mundanos ali apresentados de volta ao registro cotidiano a que pertencem. Contudo, não há aqui a pretensão de trazer a realidade de fato, mas de romper com uma concepção do espaço expositivo como templo da arte a partir de uma representação ou “encenação” da realidade. A disposição dos painéis, soltos individualmente no espaço, além de permitir uma circulação menos determinada do visitante, evita criar a ilusão da existência de paredes permanentes ou a emulação do cubo branco obtida por meio do alinhamento lado a lado. As fotografias foram instaladas em cavaletes construídos com materiais comuns e com extrema simplicidade formal: apenas uma estrutura ortogonal feita de sarrafos, com larguras variáveis para acomodar os diferentes grupos de fotos e alturas idênticas, apoiados sobre bases de concreto que envolvem os pés. Apesar de pouco dispendiosa, a solução encontrada por LBB para a exibição das fotografias era leve e elegante, antecipando, através do uso do concreto como base e da eliminação da parede, o projeto dos cavaletes do Masp9. Assim, sem uma parede de fundo e despidas de molduras, as fotografias pareciam quase que flutuar no espaço, efeito que será aperfeiçoado mais tarde com a estrutura de vidro, que elimina inclusive a grade aqui ainda existente. Sua experiência no Nordeste de aprofunda com o trabalho no Museu de Arte da Bahia, inicialmente instalado no foyer do Teatro Castro Alves, que havia sido destruído por um incêndio. Em sua proposta para o MAMB, LBB segue a lógica do museu-escola que havia desenvolvido tanto no Masp da 7 de Abril quanto em seu projeto para o museu de São Vicente, trazendo para o museu desde obras canônicas do acervo do Masp (Degas, Van Gogh), o trabalho de artistas contemporâneos locais (Mario Cravo) até as manifestações de arte popular (Carrancas do Rio São Francisco). Sublinha a impropriedade do uso do termo “museu”, pois o MAMB ainda não possuía uma coleção: “Este nosso deveria chamar-se Centro, Movimento, Escola, e a futura coleção, bem programada segundo critérios didáticos e não ocasionais, deveria chamar-se Coleção Permanente”10. Assim, o Museu de Arte Moderna da Bahia não foi um museu no sentido tradicional. 9 Vale lembrar que no projeto do Masp da 7 de Abril, Lina Bo Bardi já havia criado um sistema de fixação de pinturas que, instaladas sobre dois tubos paralelos verticais que corriam do chão ao teto, eliminava a necessidade de fixá-las na parede. Ainda assim, grande parte dessas estruturas eram posicionadas bem próximas às paredes, o que reduzia um possível efeito de transparência obtido através de eliminação do fundo. 10 Texto de Lina Bo Bardi sobre o Museu de Arte Moderna da Bahia, reproduzido em: Marcelo Ferraz, Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, 2008, p.139.

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Tendo, desta vez, adotado o título de “moderno” para o museu – título que havia refutado quando da criação do Masp11 –, LBB esclarece que, naquele momento, a arte moderna já havia sido aceita por todos e que, portanto, o período de contestação das forças reacionárias na arte através da destruição já havia passado. Segundo ela, agora se fazia necessário construir, “sob a pena de se fazer parte das vanguardas retardatárias e de ser colocado fora da realidade moderna”. Alerta, mais uma vez, contudo, para o risco da mera emulação de uma modernidade externa. E continua: “A natureza e o mundo das coisas é a matéria que encontramos”12. O programa desenvolvido no MAMB assumia explicitamente os valores de uma cultura historicamente pobre, mas absolutamente original, apoiando-se na experiência popular para produzir uma verdadeira cultura moderna. Assim, a convivência com a civilização do Nordeste situa definitivamente, no pensamento de LBB, a ideia do moderno na busca por uma cultura autônoma brasileira: O Brasil, hoje, está dividido em dois: o dos que querem estar a par, o dos que olham constantemente para fora, procurando captar as últimas novidades para jogá-las, revestidas de uma apressada camada nacional, no mercado da cultura, e o dos que olham dentro de si em volta procurando fatigadamente nas poucas heranças de uma terra nova e apaixonadamente amada, as raízes de uma cultura ainda informe, para construí-la com uma seriedade que não admite sorrisos. Procura fatigada, no emaranhado de heranças historicamente desprezadas por uma crítica improvisada que as define drasticamente regionalismo e folclore. É uma aristocracia ligada ao mundo popular, às civilizações do litoral ou do sertão, uma inteligência camponesa e artesanal que procura na terra e na condição humana sua expressão13.

É este olhar interno, ou mais precisamente o olhar de uma estrangeira que se naturalizou brasileira, que dará origem a sua “experiência de simplificação”, servindo de base para o conceito de “arquitetura pobre” que caracterizará projetos ulteriores como a nova sede do Masp na Avenida Paulista 11 Idem, p. 139. 12 Idem, ibidem. 13 Idem, p. 141.

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(1957-68) e o Sesc Pompeia (1977), ambos em São Paulo. Em vários momentos, LBB insiste em rechaçar qualquer acepção da Arquitetura Pobre como arquitetura da miséria. Em depoimento sobre o projeto da Igreja do Santo Espírito do Cerrado, em Uberlândia (1976/82), por exemplo, afirma que se trata de uma “arquitetura pobre, mas não no sentido da indigência e sim no sentido artesanal, que exprime comunicação e dignidade máxima através dos menores e mais humildes meios”14. A ideia de simplificação característica da Arquitetura Pobre se baseia naquele conhecimento que determina, entre outros, a engenhosa confecção dos utensílios cotidianos que visam atender às necessidades específicas de uma determinada população assolada pela escassez. A produção popular é entendida, portanto, como um fazer progressivo que responde a problemas reais do país. “É o nordestino do couro e das latas vazias, é o habitante das vilas, é o negro e o índio. Uma massa que inventa, que traz uma contribuição indigesta, seca, dura de digerir.”15 Com a criação do centro de estudos do Solar do Unhão (1963), LBB aspirava contribuir para a passagem do “pré-artesanato” primitivo à indústria dentro do quadro de desenvolvimento do país, “uma indústria a partir do artesanato, a partir das habilidades manuais do povo”, como coloca Darcy Ribeiro16.

O Masp da Paulista: experiência-Nordeste em São Paulo O envolvimento de LBB com o Masp se inicia bem antes da inauguração do edifício da Avenida Paulista, em 1968. Ao chegar no Rio de Janeiro com seu marido, o marchand Pietro Bardi, o casal é convidado por Assis Chateaubriand, um magnata das comunicações e empresário de sucesso, a permanecer no Brasil e criar um museu de arte, que acabou sendo estabelecido em São Paulo. Em 1947, o museu foi inaugurado na Rua 7 de Abril, com uma coleção ainda incipiente. LBB projetou os espaços do primeiro andar, eliminando paredes e detalhes decorativos do projeto original e criando um ambiente estritamente funcional. Nos anos seguintes, o museu promoveu cursos de história da arte, exposições temporárias de artistas brasileiros e estrangeiros, apresentações de teatro e música, sendo um dos primeiros a lançar um modelo de museu multidisciplinar. O objetivo era criar

um museu de arte dedicado ao público em massa, não se dedicando portanto a colecionar somente obras-primas. (...) Não é um museu de arte antiga nem um museu de arte moderna: é um museu de arte e busca formar uma mentalidade para a compreensão da arte, uma atmosfera. As mostras didáticas inauguram uma nova maneira de expor, apresentando através de fotografias, reproduções e documentos uma síntese do panorama histórico das artes. Os cursos incentivam o desenvolvimento das artes e sua integração ao parque industrial em expansão17.

As reproduções fotográficas dos espaços expositivos do Masp da 7 de Abril revelam uma ordenação museográfica que parece se basear no que poderíamos designar como “lógica da revista”. É sabido que uma das primeiras experiências profissionais de LBB, ainda em Milão, foi junto à Domus, e é possível que, de alguma forma, tenha influenciado a criação dos painéis didáticos, em que ilustrações e fotografias acompanhadas de legendas e textos eram organizadas como em uma grande página de revista. A opção por este tipo de projeto expográfico é defendida com base na afirmação de que “(...) nos países de cultura em início, desprovidas de um passado, o público, aspirando a instruir-se, preferirá a classificação elementar e didática”18. Assim, no edifício da 7 de Abril foram lançadas as bases para o desenvolvimento do que viria a ser a original pinacoteca do Masp da Paulista. A origem do projeto da nova sede remonta ao final dos anos 50, quando o edifício da 7 de Abril se torna pequeno demais para abrigar as novas aquisições da coleção e todas as atividades paralelas que ali se realizavam. Nessa época, havia um terreno disponível na Avenida Paulista que havia sido doado à prefeitura por Joaquim Eugênio de Lima – engenheiro que idealizou a Avenida Paulista – sob a condição de que a vista do vale da Avenida 9 de Julho fosse preservada. Assim, o famoso vão livre de 74 metros de comprimento no piso térreo do museu não era apenas uma “frescura arquitetônica”, como colocava LBB, mas uma solução engenhosa que encontrou para cumprir com a condição imposta pelo antigo proprietário do terreno: O terreno foi doado por uma antiga família de São

14 Documentário Lina Bo Bardi dirigido por Aurélio Michilis, 1993. 15 Lina Bo Bardi, “Um balanço dezesseis anos depois”. In: Suzuky, M. (org.), op.cit., p. 11. 16 Documentário Lina Bo Bardi dirigido por Aurélio Michilis, 1993.

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17 Depoimento de Lina Bo Bardi no documentário Lina Bo Bardi dirigido por Aurélio Michilis, 1993. 18 Texto de Lina Bo Bardi sobre o Museu de Arte de São Paulo, reproduzido em: Marcelo Ferraz, op. cit., p. 44.

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Paulo, que deixou o belvedere do Trianon, que deveria ter permanecido para sempre na história da cidade e não poderia ter sido destruído, porque nesse caso o terreno teria voltado aos herdeiros. Aí em certo momento o belvedere foi destruído. Liguei para Edmundo Monteiro, diretor dos Diários Associados e disse: “Passei lá no Trianon. A prefeitura vai fazer uns toaletes públicos ali, é um terreno maravilhoso, eu queria fazer um museu lá”19.

Apesar de ser considerado um dos maiores ícones da arquitetura moderna de São Paulo, o Masp da Paulista é um edifício pautado pela simplicidade aprendida por LBB em sua experiência no Nordeste do Brasil, que ela própria qualifica como “uma lição de existência popular, não o romantismo folclórico, mas uma experiência em simplificação”. E acrescenta: “Sinto que no Museu de Arte de São Paulo eu eliminei todo o esnobismo cultural tão prezado pelos intelectuais e arquitetos de hoje, optando por soluções diretas e cruas. O concreto como vem das formas, a falta de finalização podem chocar todo um grupo de pessoas”20. Isto não significa que tenha renunciado a sua formação racionalista (princípios como funcionalidade e transparência são ainda predominantes nesse projeto), mas foi da cultura brasileira que apropriou uma linguagem adaptada às necessidades locais, combinando esses elementos na criação de um museu nos trópicos para uma população que não possui o peso do passado. O significado político dessa nova concepção de museu se torna mais claro se buscarmos examinar o problema do preconceito de classe e sua relação com a cisão entre o popular e o moderno no imaginário cultural brasileiro. A esse respeito, Darcy Ribeiro escreve: As enormes distâncias sociais que medeiam entre pobres e remediados, não apenas em função de suas posses mas também pelo seu grau de integração no estilo de vida dos grupos privilegiados – como analfabetos ou letrados, como detentores de um saber vulgar transmitido oralmente ou de um saber moderno, como herdeiros da tradição folclórica ou do patrimônio cultural erudito, como descendentes de famílias bem situadas ou de origem 19 Depoimento de Lina Bo Bardi no documentário Lina Bo Bardi dirigido por Aurélio Michilis, 1993. 20 Idem, Ibidem.

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humilde –, opõem pobres e ricos muito mais do que negros e brancos21.

Assim, quando LBB afirma que “o Museu de Arte de São Paulo nunca foi bonito”, parece estar explicitando que muitas das escolhas estéticas ali adotadas se fundam sobre uma cultura historicamente refutada pelas elites nacionais, e voltada de modo exclusivo para o modelo europeu. Do ponto de vista museográfico, o Masp representa a antítese do paradigma do cubo branco do museu de arte moderna, concebido como um templo para a arte isolado do mundo. Olívia de Oliveira observa: “Se no Sesc utiliza-se da ideia de fábrica para subverter o trabalho em lazer, no Masp, Lina irá trabalhar a ideia do sagrado associada à do museu, justamente para dessacralizá-lo: ‘tirar do museu o ar de igreja que exclui os iniciados, tirar dos quadros a ‘aura’ para apresentar a obra de arte como trabalho”22. Rompendo mais uma vez com as convenções museográficas de seu tempo, LBB projeta para a pinacoteca do Masp um sistema de cavaletes de vidro sustentados por uma base de concreto onde seriam exibidas as obras da coleção. Dispostas dentro da vasta “caixa de vidro” do segundo andar, essas estruturas transparentes visavam uma experiência mais livre das obras pelos visitantes, em contraste com os museus europeus clássicos, onde as obras são normalmente arranjadas de acordo com critérios cronológicos. Na planta livre do segundo andar do edifício, conviviam simultaneamente obras de períodos distintos. Como ela mesma declara, “o fim do museu é o de formar uma atmosfera, uma conduta apta a criar no visitante a forma mental adaptada à compreensão da obra de arte, e nesse sentido não se faz distinção entre uma obra de arte antiga e uma obra de arte moderna. No mesmo objetivo a obra de arte não é localizada segundo um critério cronológico mas apresentada quase propositadamente no sentido de produzir um choque que desperte reações de curiosidade e de investigação”23. O sistema criado por LBB tinha como objetivo criar uma apresentação padronizada das obras, que estariam livres de molduras elaboradas e outros ornamentos, colocadas sobre um fundo transparente, mais neutro, (re) adquirindo seu caráter de “trabalho”. A preocupação de se mostrar a materialidade da pintura é sem dúvida uma das grandes questões da arte moderna, e 21 Darcy Ribeiro. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 240. 22 Olivia de Oliveira. Lina Bo Bardi: Sutis substâncias da arquitetura. São Paulo: Romano Guerra, 2006, p. 266. 23 Lina Bo Bardi, “Museu de Arte de São Paulo”. In: Ferraz, M. C. (org.), op. cit., p. 4.

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é precisamente esta preocupação que ela traz para o campo da museografia. Refletindo sobre o caráter revolucionário da pinacoteca do Masp, Aldo van Eyck comenta que “num certo sentido – sentido errado – pinturas em paredes tendem a ser vistas como janelas para um outro mundo, mas isto nega a realidade tátil de sua superfície pintada, i.e., a existência física de algo realmente feito – com tinta e pincel, pincelada após pincelada – NO ESPAÇO”24. Esta estratégia visava transferir autoridade ao visitante, a quem não era mais “sugerido” – através de um posicionamento cronológico ou hierárquico das obras, ou por meio de molduras e bases especiais – o que deveria ser admirado. Apesar de prezar um certo grau de liberdade na convivência com as obras, como podemos observar em sua trajetória, LBB tinha uma forte convicção de que o museu deveria ter um papel didático. Portanto, para que pudesse cumprir essa função, desdobra o pensamento já existente no Masp da 7 de Abril, desta vez incluindo as legendas no verso de cada painel, exatamente na escala de cada pintura, sem que interferissem diretamente na visão frontal da obra, mas ali disponíveis para aqueles que buscam saber mais sobre algo que lhes desperta o interesse por si só. Durante a gestão de Júlio Neves como diretor do Masp começa a se desencadear um processo de desmantelamento do projeto original de LBB. Apesar das inúmeras queixas por parte de respeitados profissionais da cultura, o sistema revolucionário dos cavaletes de vidro foi removido no início da década de 90. O vão livre, cujo propósito sempre foi de abrigar manifestações efêmeras de todo tipo e de preservar a vista do vale da Avenida 9 de Julho, hoje se encontra semipermanentemente obstruído por uma bilheteria, uma chapelaria e alguns painéis de sinalização. Além disso, os espelhos d’água que circundavam o edifício foram desativados, e a iluminação, o mobiliário e outros materiais – como o piso de pedra Goiás do Hall Cívico, substituído por granito polido –, foram gradualmente e silenciosamente removidos. Em declaração à revista Veja, à época da eliminação do piso original, o então diretor do Masp, Júlio Neves (19942008), disse: “É demais. Toda essa poeira poderia ser muito moderna, mas enchia as pinturas de sujeira”.

levância do trabalho de LBB hoje, particularmente no campo das artes visuais. Como anteriormente mencionado, na última década percebemos um crescente interesse por seu legado. Entre os vários artistas contemporâneos que produziram trabalhos referenciando sua produção encontram-se o venezuelano Juan Araújo, que realizou uma série de pinturas baseadas em seus edifícios (Casa de Vidro e Casa do Jardim de Cristal), o britânico Cerith Wyn Evans, cujo “Museu de Arte de São Paulo por Lina Bo Bardi (1957-68)” consiste numa luminária projetada pelo designer italiano Achille Castiglione que pisca de acordo com uma tradução em código Morse de um texto de LBB sobre seu projeto para o Masp25. Recentemente, um dos projetos mais interessantes que recupera o legado de Lina de que tomei conhecimento foi “Lina Bo Bardi Didactic Room” (2011) de Wendelien van Oldenburgh, realizado no Van Abbemuseum, em Eindhoven, no contexto de uma série de mostras que examinavam como diferentes museus exibem suas coleções. A instalação previa atividades mais ou menos espontâneas, como o “Dia dos fãs de Lina Bo Bardi”, uma aula de conversação em holandês para estrangeiros que moram em Eindhoven e um encontro de jovens góticos, que geralmente frequentam os arredores do museu. Oldenburgh, que trabalhou junto com Grant Wilson, curador e escritor baseado em Londres, para produzir o conteúdo dos painéis didáticos no verso dos trabalhos da coleção do Van Abbe em exibição, combinando imagens e fragmentos de texto relacionados ao trabalho e aos interesses de LBB, bem como textos e imagens relacionados de autoria de outros escritores e artistas, explica: Queríamos destacar que suas ideias eram muito variadas, mas que seu pensamento e trabalho sobre exibição e criação de possibilidades para a atividade humana e o aprendizado estavam alinhados a seu pensamento e talento para criar espaços arquitetônicos. Que seu trabalho é implicitamente político, mas também que seu interesse sobre coisas mais triviais como colecionar objetos, seu interesse por joias e moda etc., também fazia parte desse todo26.

Durante o processo de desenvolvimento do trabalho para o Van Abbe, Wendelien escreveu: “Em um projeto, que ainda está em desenvolvimento, estou LBB hoje: uma possibilidade? À guisa de conclusão, eu gostaria de retornar rapidamente à questão da re24 Aldo van Eyck.“Um dom superlativo”. In: Marcelo Ferraz, op. cit., p. 51.

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25 Ambos integraram a mostra “Mamõyguara opá mamõ pupé” – 31º Panorama da Arte Brasileira, curadoria de Adriano Pedrosa, no MAM-SP, 2009. 26 Declaração da artista em e-mail enviado à autora em 18/01/2011. Traduzido para o português pela autora.

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tomando o trabalho de Lina Bo Bardi e seu interesse na realidade social e no popular para refletir sobre a relação de produção cultural e espectador ativo. Em seu projeto para o Masp, Lina fala sobre ‘remover a aura da pintura, para que se possa mostrar a arte como um trabalho com alta reputação, mas ainda como trabalho’. Seu modelo expositivo revolucionário propõe que as pinturas e o espectador sejam atores num espaço de relações. Em meu trabalho, é justamente esse espaço de relações entre atores, participantes e espectadores que cumpre um papel fundamental”27. A artista vê esse projeto como uma colaboração com LBB: “Os painéis de vidro são dela; eu reproduzi o design, mas a seleção de trabalhos da coleção do Van Abbe é minha. Escolhi trabalhos que imaginei que tivessem uma relação próxima com Lina, artistas que sabia que ela apreciava, como Beuys, mas também os surrealistas, em que parte de seu pensamento se baseia em trabalhos que se relacionam a suas sensibilidades artísticas/ políticas, como Constant.” Os painéis didáticos foram confeccionados na escala da obra exibida na frente, de acordo com o design proposto por LBB para o Masp, permitindo que o trabalho pudesse falar por si próprio, livre de quaisquer preconceitos. O conteúdo dos painéis didáticos, por sua vez, não segue estritamente o modelo original, pois a informação tem apenas uma relação tangencial com o trabalho exibido no verso. Oldenburg e Wilson utilizaram este espaço para explorar vários tópicos relacionados à vida e ao trabalho de LBB, entre eles: natureza e arquitetura, surrealismo, dadá, erotismo, trabalho, colecionismo, violência, descolonização e espaço público. Incluiu textos de autores como Walter Benjamin, Antonio Negri, Hannah Arendt, Guy Brett, Leo Bersani, Guy Debord e da própria LBB; mostrados junto a imagens de tecidos, trabalhos de artistas como Rasheed Araeen, KG Subramanyan, Sheela Gowda, Reba Hore e Hélio Oiticica, bem como imagens de exposições, objetos colecionados, produções de teatro, desenhos e colagens de LBB. Oldenburg conta que utilizaram “um método similar ao de fixar informações em um quadro de avisos, inspirado pelas colagens que ela realizava para desenvolver suas ideias. Isto permitiu que um material diverso fosse reunido com um certo grau de licença, combinando uma abordagem racional e pedagógica com outra mais associativa e lúdica”.

contrário, ao sugerir novas relações de afinidade com a produção contemporânea, “Lina Bo Bardi’s Didactic Room” aponta para novas possibilidades de experimentação do pensamento curatorial que caracteriza o projeto original da pinacoteca do Masp hoje. Uma pena que tenhamos ainda que buscar essa possibilidade do outro lado do Atlântico, especialmente quando consideramos que São Paulo vive um período de expansão acelerada do circuito da arte contemporânea.

Referências bibliográficas BO BARDI, Lina. “Balanços e perspectivas museográficas – Um museu de arte em São Vicente”. Reproduzido em marcelina, ano 3, v. 4 (1º sem. 2010). ___________. “Um balanço dezesseis anos depois”. In: SUZUKI, M. (org.) Tempos de grossura: O design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 1994. __________. Carta ao jornal A Tarde reproduzida em: J. Santana. “Cumplicidades e parcerias: Lina Bo Bardi e Martim Gonçalves na Escola de Teatro da Universidade da Bahia, na Escola da Criança do MAMB e na Expo Bahia da V Bienal de São Paulo.”, artigo disponível em http://www.docomomobahia.org/linabobardi_50/8.pdf, último acesso em 2 de abril de 2011. FERRAZ, Marcelo Carvalho (org.). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, 2008. (3a. edição) __________. “Museu de Arte de São Paulo”. In: Museu de Arte de São Paulo. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi e Editorial Blau, 1997. GONZÁLEZ, Julieta. “Extranjeros en todas las partes”. In: PEDROSA, A. (org.) Mamõyguara Opá Mamõ Pupé – 31o Panorama da Arte Brasileira. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2009. OLIVEIRA, Olívia de. Lina Bo Bardi: Sutis substâncias da arquitetura. São Paulo: Romano Guerra Editora, 2006. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. WISNIK, Guilherme. “Anthrophagia in Reverse”. In: LAGNADO, Lisette (org.) Drifts and Derivations – Experiences, journeys and morphologies. Madri: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, 2010.

Certamente, o interesse de um projeto desta natureza não repousa sobre a simples tentativa de se reproduzir o sistema de cavaletes no âmbito de um museu europeu tradicional, pois sabemos que sua concepção está intimamente ligada ao contexto no qual e para o qual foi projetado. Pelo 27 Idem.

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Tácticas de invisibilidad. Arquitectura, juego y desaparición María Berríos*

Palavras-chave Desaparição; arquitetura; atos poéticos; Phàlene; Escuela de Valparaíso. Key words Disappearence; architecture; poetic acts; Phalène, Escuela de Valparaíso.

Resumo: A Escuela de Valparaíso e sua concepção heterodoxa da arquitetura é o ponto de partida para compreender o fenômeno da desaparição como forma de ação. Os atos poéticos da Escola são também considerados como um possível lugar alternativo para revisitar a história cultural do Chile dos anos sessenta e setenta. Assim, fornecem uma mudança de perspectiva que permite a consideração do humor lúdico, a importância política da espontaneidade, assim como uma estética – e sonoridade – da invisibilidade como trunfos relevantes daquela história cultural. Abstract: The Valparaiso School and its heterodox conception of architecture is the starting point for the disappearance as a form of action. The poetic acts of the School are also considered as a possible alternate place for revisiting Chilean cultural history of the sixties and seventies. They provide a shift of perspective that allows the consideration of playful humor, the political importance of spontaneity, as well as the aesthetics – and acoustics – of invisibility as relevant assets of that cultural history.

Escuela de Valparaíso. “Exposición de los 20 años de la Escuela de Arquitectura de la UCV” Museo Nacional de Bellas Artes, Santiago de Chile, 1972. Arquivo Histórico José Vial Armstrong, e[ad], PUCV.

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*María Berríos é socióloga, com mestrado em Estudos Latino-Americanos pela Universidad de Chile. É doutoranda, também em Sociologia, pela Goldsmiths College, em Londres. Foi curadora da seção da Escuela de Valparaíso e Juan Borchers na mostra “Desvíos de la Deriva”, com curadoria-geral de Lisette Lagnado para o Museo Reina Sofía (Madri, 2010). Publicou “Undocumented Rumours and Disappearing Acts from Chile”(www.afterall.org), entre outros artigos.

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o que presentaré aquí proviene de una investigación itinerante, multiforme y de largo aliento que he llamado “Rumores indocumentados y actos de desaparición”. Surgió de la decisión de rastrear la desaparición de ciertos acontecimientos, que me parecían productivos pero informulables, de mis propios trabajos de investigación sobre arte y política en Chile entre los años 1960 y 1980. Comencé armando una colección de curiosas formas de acción que persisten en la memoria colectiva como rumores. Como tal son capaces de funcionar simultáneamente como ficción e historia, ya que en rigor no corresponden completamente ni a lo uno ni a lo otro. Un rumor es también un ruido, pero no se trata únicamente de esa negativa a ser visto o comprendido, sino que al no admitir un nombramiento claro, al no contar con un registro y un origen definido, asegura y perpetúa su propia circulación. Algo que no tiene nombre obliga a que para enfrentarlo, para evitar caerse al tropezar con él, debemos hablar sobre ellos. Nos obligan a buscar palabras para acercarnos y rondarlos. Estos rumores pertenecen a una constelación que podría denominarse anecdótica en que coexiste lo histórico y lo fantástico, frustrando de antemano cualquier intento de fijarlos en formatos tradicionales de representación. Aunque la falta de visibilidad que comparten estos rumores es a veces accidental, en cada uno de ellos, de modo más o menos intencionado, se practica y concibe el anonimato y la desaparición como un lugar social críticamente productivo. La ironía – de intención o circunstancia – está también presente al asumir el riesgo de autoanulación que conlleva la desaparición. Aún así, al mismo tiempo puede percibirse entre estos rumores una confianza excesiva, en parte proveniente de la certeza de que en el extremo sur incluso la más explorada fórmula se volverá creativa (en realidad en cualquier lugar, pero es necesario darle algo de crédito a la obsesión chilena respecto de su situación remota). Todavía cuando se invierte gran voluntad y esfuerzo en hacer una copia, los deseos de imitación son abatidos por esta intuición de que el resultado terminará siendo una impredecible otra cosa. Así, estas historias se vinculan además en la conciencia de que el atolondramiento y la torpeza son también constitutivas de la acción colectiva; expuestas a la imposibilidad de un resultado controlado y abiertas a la impudicia y la vergüenza de sencillamente hacer algo1. 1 Entre los Rumores que he trabajado con anterioridad se encuentran acciones contraculturales del poeta Enrique Lihn, como “Adiós a Tarzán” y la novela rosa/ melodrama político – “Batman en Chile”– (Ediciones de la Flor, 1973); el documental virado a western de Carlos Flores “Idénticamente Igual. El

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En esta ocasión en particular me gustaría enfocarme en un grupo excepcional de arquitectos y poetas, que mediante grandilocuentes expediciones geo-poéticas por territorios – más y menos vastos – de América, me han ayudado a entender la desaparición como forma de acción2. Dichos arquitectos me han motivado a revisar esta colección de Rumores tomando en consideración sus tácticas de invisibilidad, en que logran conjugar la desaparición como forma en una apuesta lúdica por algo que podría denominarse “humor conceptual”3. Intentaré imaginarme la formulación de una estética de la invisibilidad en que la desaparición activa y el humor conceptual operan como prácticas emancipatorias capaces de desestabilizar, o al menos erosionar jerarquías sociopolíticas reales y proveer nuevos horizontes para la vida colectiva4. En una suerte de nota epígrafe he decidido infiltrar un contraejemplo histórico, un acontecimiento futbolístico fantasmal de mediados de los setenta, que intuyo podría funcionar como advertencia acerca de la imposibilidad de reclamar el monopolio de este tipo de prácticas como arma de resistencia para una ideología particular. Da cuenta de un momento que en Chile marcó un antes y un después irreversible, y apunta a la evidente e inevitable connotación política de hablar de desaparición en América Latina. Algo de lo que no puedo hacerme cargo aquí, pero que considero un subtexto ético, siempre presente. El humor y lo político no son puntos de partida evidentes o usuales para aproximarse a la Escuela de Valparaíso. Sin embargo me parece relevante analizar en ellos el uso de estéticas que obligan al intelecto a tropezarse con el absurdo, potenciado encuentros inusitados con el mundo para su transformación. En mi caso hay también una razón egoísta al enfatizar la relevancia del humor lúdico en la historia cultural chilena, que hago en consciente oposición al tono grave con que se suele relatar esta, sobre todo cuando se piensa en arte y política, y particularmente en relación al conceptualismo de los setenta5. Para mi el humor es algo serio, que se vincula con Charles Bronson Chileno” (1984), historias íntimas de ciertos edificios, además de algunas acciones políticas anónimas que incluyen un animal de granja disfrazado de general conocido como “Operación Chancho” (1980). Un primer esfuerzo por incorporar la Escuela de Valparaíso a estos rumores la realicé en una conferencia sobre arte y política organizada por la curadora Pip Day en el Centro Cultural Tlatelolco el 25 de marzo de 2011, como parte de su proyecto “Not I”. 2 Me refiero a la Escuela de Valparaíso. 3 Este es un término robado a un poeta mexicano, que lo concibe para aproximarse a Macedonio Fernández y a su obra. Ver: Carlos Pineda, “El humor conceptual de Macedonio Fernández”, en: Casa del Tiempo, n º 92, septiembre de 2006, UAM, pp.47-49. 4 El concepto de desaparición activa es mi traducción, adaptada a las condiciones locales, de un concepto propuesto por Peggy Phelan: “active vanishings (…that constitute a) deliberate and conscious refusal to take the payoff of visibility”, p.19. 5 Con esto me refiero a la Escena de Avanzada dada a conocer en gran parte gracias al minucioso

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Escuela de Valparaíso. Travesía de Amereida, 1965. Alberto Cruz, Escuela de Puelches. Arquivo Histórico José Vial Armstrong, e[ad], PUCV.

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la frecuentemente olvidada importancia política de la espontaneidad.6 Entiendo el humor también como metáfora de lo informe y escurridizo, que da cuenta de dificultad de fijar ese momento de encuentro con el absurdo y la necesidad, por tanto, de considerarlo como un proceso. En los casos que trabajo esto tiene que ver con su carácter preformativo, que escapa cualquier lógica de política identitaria representacional (volviendo a poner en cuestión, como lo hizo ya cierto feminismo, la problemática y frecuente asociación que se suele establecer entre visibilidad y empoderamiento)7. Propongo dilucidar aquí algo – nada nuevo, por cierto – que a veces considero más radical: el riesgo y atrevimiento de exponerse al desvanecimiento.

Lecciones de futbol El día del Golpe militar, la selección de futbol chilena debía subirse al avión que los llevaría al encuentro que tenían programado en el Estadio de Lenin, en Moscú, para enfrentarse a la Unión Soviética como parte del proceso clasificatorio para el Mundial de Alemania en 1974. Ese día debieron regresar a sus casas. Algunos días después partieron, en medio de un clima de desinformación y violenta represión, a su encuentro con la selección soviética. Ahí jugaron el 26 de septiembre, apenas dos semanas después del golpe, un partido tenso ante la noticia de que Estados Unidos reconocía la Junta Militar chilena como gobierno legítimo de la nación, lo que convertía a los jugadores chilenos en enviados de un Estado enemigo, jugando casi paralelamente a la ruptura de la Unión Soviética de sus relaciones diplomáticas con Chile. El juego terminó en un empate a cero, lo que significaba que habría otra eliminatoria a jugarse en Chile en el mes de noviembre. trabajo realizado por Nelly Richard durante más de una década a partir de mediados de los setenta. No es mi intención cuestionar o poner en duda el valor de la escena de Avanzada, sino más bien plantear otras maneras de ver la historia política cultural de Chile, incluyendo ciertas omisiones de las que la historiografía local no ha querido o podido hacerse cargo. Sobre la Escena de Avanzada el trabajo de Richard continúa siendo como el más lúcido y vigente. 6 En – “Que hacer”– (1902) Lenin rescatará a la “espontaneidad noble” (que distingue de la espontaneidad reaccionaria de resistencia) como la fuerza revolucionaria que permite romper con el pasado y pasar a la esfera del presente. Esto a pesar de que luego argumentará que la tarea de la social democracia será combatir la espontaneidad del movimiento de la clase trabajadora, y pasar así a la organización. 7 Peggy Phelan señala: “As the Left dedicates its energy ever more to visibility politics, I am increasingly troubled by the forgetting of the problems of visibility so successfully articulated by feminist film theorists of the 1970s and 1980s. I am not suggesting that continued “invisibility” is the proper political agenda for the disenfranchised, but rather that the binary between the power of visibility and the impotency of invisibility is falsifying. There is real power in remaining unmarked; and there are serious limitations to visual representation as a political goal”. Phelan, p.8.

Mientras tanto, el Estadio Nacional, construido en los años treinta y símbolo del futbol en el país tras haber sido sede para el mundial de 1962, fue convertido por la Junta en lo que sería el más grande campo de concentración de la dictadura. Era una zona de tránsito en que se identificaba a los prisioneros y se decidía su destino inmediato que se repartía entre la liberación, el traslado a otro campo de concentración, y la desaparición. No sin antes haber pasado por un extremadamente eufemístico proceso denominado “interrogatorio”. Aún no existe claridad respecto a la cantidad de detenidos políticos que pasaron por ahí pero se calcula que superaron las 10 mil personas8. Tampoco existen cifras oficiales de la cantidad de personas que fueron ejecutadas en el recinto. El Estadio Nacional fue el único centro de detención que aceptó la visita de periodistas extranjeros, los esfuerzos de la Junta por limpiar su imagen internacional. La Unión Soviética anunció que no iría a jugar un partido a un país en que acababa de instalar una represiva y sangrienta dictadura militar. Ante lo que se designó una delegación de la Fifa (integrada por el vicepresidente Abilio D’Almeida, brasileño, y el secretario general Helmuth Kaeser, suizo) que llegó a Chile el día 24 de octubre de 1973 y se quedó en el país durante 48 horas para determinar si existían o no condiciones para el futbol. Según un periodista deportivo: Los inspectores visitaron el estadio en el que permanecían aún unos 7 mil detenidos. Finalmente, estos emisarios ofrecieron una conferencia de prensa con el ministro de defensa, almirante Patricio Carvajal, a quien le obsequiaron un traba-corbata y un prendedor de oro con el logo de Fifa: “El informe que elevaremos a nuestras autoridades será el reflejo de lo que vimos: tranquilidad total”. El emisario brasileño se permitió aconsejar a los militares: “No se inquieten por la campaña periodística internacional contra Chile. A Brasil le sucedió lo mismo, pronto va a pasar”9.

Así se aprobó el local para el partido, a realizarse el día 21 de noviembre. A pesar de la insistencia de las autoridades de las instituciones futbolísticas nacionales, no lograron convencer a los militares de que se jugase el partido 8 Según la Cruz Roja Internacional el día 22 de septiembre de 1973 habían 7 mil detenidos en el recinto. Ver: Informe Valech, Comisión Nacional sobre Prisión Política y Tortura, Gobierno de Chile, Santiago, 2004. p.181 (disponible en http://www.comisionvalech.gov.cl/InformeValech.html). 9 Pablo Aro Geraldes, “El gol más triste de Chile”, Fox Sports, octubre de 2008, http://futbolrebelde. blogspot.com/2008/11/1973-el-gol-ms-triste-de-chile.html, consultado el 15 de marzo, 2011.


en otro estadio, la Junta –determinada a demostrar que en Chile las cosas estaban bajo control– dictaminó que el partido se jugaría en el Nacional. Sin embargo, en la madrugada se le informó a los jugadores que la selección Soviética efectivamente no había viajado a Chile. Situación relativamente prevista por lo que el equipo brasileño de Santos (sin Pelé) venía a jugar un amistoso en su reemplazo. Chile perdió 4-0. Por reglamento el equipo Chileno debía marcar para ganar por walkover. Lo que dio lugar a una extraña y torpe escena en que los jugadores de la paradójicamente apodada “Roja” (por el color de la camiseta oficial) junto al árbitro, salen del medio pasándose la pelota con incomodidad ante el arco vacío. Francisco – el Chamaco – Valdés llega con la pelota al arco, se detiene en la línea – como se asume se le había instruido – a la espera de las cámaras, y la empuja con la derecha. Para algunos se consolida un triunfo espectral contra el ejercito rojo. La no-participación soviética se negó a afirmar la realidad siniestra del campo de deporte convertido en campo de concentración, ofreciendo su invisibilidad activa a los 18 mil espectadores que habían comprado sus boletos para asistir al partido10. En el mundial de 1974 el equipo de Chile no ganó una sola vez . La historia de la desaparición en Chile, sin embargo, tiene otras vueltas, en que el juego se configura ya no como una economía de la competencia basada en un imaginario jerárquico de la división entre triunfadores y vencidos, sino como una praxis lúdica en cuya experimentación encontramos una reflexión acerca de cómo vivir juntos.

Arquitectura y poesía de la acción Se sabe que ya a fines de los años treinta tres jóvenes poetas argentinos y tres jóvenes poetas brasileños conspiraban en un bar respecto a la desaparición de sus propias obras. Ellos querían liberar a la poesía de la escritura y pasar a la poesía de la acción. Para esto reunieron sus “obras” completas y las quemaron en un acto público en una plaza cercana al local en que juraron su adhesión de por vida a la Santa Hermandad de la Orquídea. En lo que denominaron “El pacto de la Victoria” en honor al bar en que dieron inicio a la poesía de la praxis, tomaron la determinación de liberar la poesía a la vida misma. Además decidieron que esta quema literal de las naves – como punto iniciático de no retorno – debía consumarse en una 10 Hay disputas al respecto, de acuerdo a Aro Geraldes esta es la cifra, según una nota de Felipe Victoriano fueron 11 mil. Ver: http://www.idelberavelar.com/archives/2005/05/blogueiro_convi_1.php.

expedición poética a tierras lejanas. Poco tiempo después estalló la segunda guerra mundial y obligados a reformular su aventura, optaron por lejanías más próximas. Así, finalmente en 1941, los hermanos orquídeos partieron rumbo a la Amazonía. De lo que sucedió ahí no hay registro alguno. Solo sabemos que dos meses después uno de ellos, Godofredo Iommi, contrajo malaria y tuvo que abandonar al grupo. Salió de la selva vía Perú desde donde pretendía emprender camino a Buenos Aires. No obstante, su estado de salud lo obligó a detenerse involuntariamente en Santiago de Chile donde una serie de acontecimientos lo mantuvieron en el país. En los años cincuenta Godofredo Iommi ya recuperado de su malaria se había unido a otros poetas, de profesión arquitectos. Para ellos la arquitectura consistía en la experiencia misma de recorrer la ciudad. Uno de los más visibles protagonistas del grupo de arquitectos-poetas de la acción, un joven profesor universitario llamado Alberto Cruz provocó a inicios de los años cincuenta la sublevación de un número substancial de apoderados de sus estudiantes de arquitectura de la Universidad Católica de Santiago donde daba clases: alarmados al enterarse que dicho profesor instaba a sus hijos a vagar por la ciudad y experimentar la vida urbana, exigieron al rector que lo despidiera. Hay que considerar que en los años cincuenta la idea de vagar por calles desconocidas de la capital resultaba infinitamente más escandaloso que la creencia, por ejemplo, de que a cierta edad era necesario que los jovencitos de buena familia se hicieran hombres en un burdel ubicado ojala en alguna zona de mala muerte de la urbe (o mejor aún de provincia), idea que cualquier padre de familia respetable habría aconsejado en ese entonces a su hijo universitario. En esos años andar sin rumbo por la calle era algo que sólo hacía la gente pobre y de mala reputación, la “gente que es gente”, grupo al que evidentemente pertenecían en aquel entonces los estudiantes de arquitectura, debía pasear (y no vagar) únicamente en los lugares delimitados para ello. Tras el escándalo, el polémico profesor fue convidado en 1952 a trasladarse a la Universidad Católica de Valparaíso para refundar su escuela de arquitectura conocida a partir de entonces como Escuela de Valparaíso. Su respuesta fue “o todos o nada”, por lo que se trasladó al puerto acompañado de un grupo de ocho poetas-arquitectos con los que ya había realizado algunas expediciones de arquitectura y poesía por la ciudad de Santiago. Sin embargo, mientras que Santiago tiene un trazado urbano basado en el damero español, una cuadrícula perfecta donde había que hacer enormes esfuerzos para perderse; el puerto de Valparaíso es resultado de un crecimiento topográfico, casi anárquico, que dio lugar a una


Escuela de Valparaíso. Ato poético em Ciudad Abierta, 1971. Arquivo Histórico José Vial Armstrong, e[ad], PUCV.


ciudad orgánicamente expansiva, cuyas construcciones trepan desde a costa hacia los cerros 11. La nueva Escuela concibió el puerto como terreno para una experimentación lúdica y (auto)pedagógica. Ahí lejos de las “fuentes” del modernismo en boga, la ciudad se convertía en un laboratorio para sus acciones poéticas que concebían como la única manera de vivir (aprender) la arquitectura. En 1959 Alberto Cruz proclamaría en un acto oficial de la Universidad que “la arquitectura no se aprende en las aulas, sino recorriendo la ciudad, exponiéndose a la vida intima de la urbe”12. De esta íntima relación con la ciudad-puerto surge que otros se refieran al grupo como “Escuela de Valparaíso”. En taller de primer año a los alumnos se les entregaba una pequeña fotografía de una fachada, el encargo era sencillo: encontrar la casa, asumiendo de modo concreto que había que perderse en el laberinto de la urbe para gatillar un encuentro. Por su lado los profesores se exponían también al puerto, continuamente salían a realizar recorridos y acciones poéticas en espacios públicos – puentes, plazas, trenes, playas y bosques; actos que posteriormente denominarían “Phalènes”13. Se trataba de un tipo particular de acto poético que, en cierta afinidad con la deambulación surrealista, expande el campo de la poesía a la escritura en el espacio, pero se diferencia en tanto es una intervención concreta aquí y ahora (y no en el mundo onírico o inconciente, en ese sentido es un “anti-sueño”). Aunque la phalène, más que liberar a la poesía de la esfera de la literatura, busca desatar la acción que da lugar al juego poético (en ese sentido es también un “anti-teatro”)14. Saber si un acto poético logra convertirse en phalène implica que pueda activar la participación, involucrando a los transeúntes interrumpidos por la acción. En la phalène no existe guión, y se está abierto al resultado indeterminado de lo colectivo. El acto puede tener ciertas directrices pero sobre todo está dispuesto a la improvisación. La phalène irrumpe en el espacio para trans11 Aquella ciudad reconocible en el corto-documental “A Valparaíso” (1962) que realizó Joris Ivens, con guión de Chris Marker, junto sus estudiantes cuando ambos viajaron a Chile a realizar clases en la Universidad de Chile. 12 Ver: Alberto Cruz, “Improvisación del señor Alberto Cruz” (1959). Publicado en Desvíos de la Deriva, Madrid, 2010, pp.158-166. 13 Existen diversas historias respecto al origen del nombre de la Phalène, según algunos fue una palabra elegida al azar en el diccionario. El testimonio de Francisco Méndez es el siguiente: “En una reunión, el filósofo Francisco Fedier propone el nombre Phalène (polilla) para nombrar ese acto poético. G. Iommi y otros participantes acordaron ese nombre porque era algo que el vuelo de esta mariposa es en lo que el poeta pretende”. Véase: Francisco Méndez, La Phalène. Santiago de Chile, 2004 (texto inédito facilitado por el autor). 14 Ver: Godofredo Iommi, Carta del Errante. Publicado por primera vez en la revista Ailleurs, no 1, París, verano de 1963.

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Escuela de Valparaíso. Ciudad Abierta, Ritoque, Torres de Agua, 1974. Arquivo Histórico José Vial Armstrong, e[ad], PUCV.

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formarlo a través del juego lúdico de la poesía en acción y en ese sentido es un acto arquitectónico: transforma la manera de estar, el modo de habitar un tiempo-espacio particular. Constituye para ellos un modo de intervenir, participar en y transformar la vida pública, en tanto para ellos la vida pública toda consiste en “actos que se deshacen mientras que se hacen”15. Fue a partir de la experiencia de sus actos poéticos que la Escuela fue desarrollando su metodología constructiva y proyectiva “en ronda”. Se enfrentaban a un cometido arquitectónico de la misma manera que enfrentaban la ciudad, el encargo (y el terreno mismo) se concibe como un laboratorio a explorar – idealmente construían en etapas, proyectando únicamente un rincón del sitio, para luego crecer de modo orgánico por el terreno en un proceso en que todos participaban, tomando decisiones por medio de un sistema de prueba y error in situ: en el proceso de la obra se concretaba el proyecto. Esto por cierto complicaba en cierta medida los encargos (las primeras obras construidas por el grupo fueron casi exclusivamente a miembros de sus familias extendidas). En la Phalène lo que importa es la experiencia, habitar el acto, por eso no hay un afán de documentación o registro (lo que hay son fotografías del evento, como las instantáneas de un álbum de familia o notas de campo como bitácoras). Pero sí son experiencias que marcan el cuerpo colectivo y en ese sentido se convierten en metodología de trabajo. Esas marcas son susceptibles de ser reanimadas, y constituyen una vivencia práctica y poética que se pone en ejercicio al momento de realizar un proyecto en conjunto. El proyecto, el proceso y la experimentación son la obra. Es como si para la Escuela cada proyecto fuese un viaje.

Travesía En 1965 un grupo de arquitectos, poetas, filósofos y escultores, autoproclamados delegación Universitaria – en representación de la Escuela de Valparaíso – emprenderán una nueva expedición, ahora sobre la cartografía viva del continente sudamericano16. En un viaje “geo-poético” que denominaron Travesía se dirigen hacia Tierra del Fuego, para posteriormente subir a través de la Pampa, rumbo a la ciudad que el grupo había declarado capital 15 En rigor, Iommi hace referencia a la desaparición como forma moderna de la belleza. Entrevista a Godofredo Iommi en Teleduc, s/f. Material en VHS disponible en Biblioteca de la Escuela de Arquitectura y Diseño, PUCV, Valparaíso. 16 Participaron del viaje: Jonathan Boulting, Alberto Cruz, Fabio Cruz, Michel Deguy, François Fédier, Claudio Girola, Godofredo Iommi, Jorge Pérez Román, Edison Simmons, y Henri Tronquoy.

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poética de América: Santa Cruz de la Sierra, frontera con la cuenca amazónica. Esta expedición, por la violenta topografía y el paisaje imponente del sur, lejos de ser una heroica road movie del Far South parece más bien una serie de aventuras provocadas por la arbitrariedad propia de problemas de mecánica automovilística. Los pocos kilómetros avanzados por día se alternan con la división del grupo en comisiones que parten en busca de mecánicos, y la espera por la llegada de sus compañeros en compañía de grúas, cadenas o piezas de repuesto. Mientras unos cambian llantas otros se dedicaban a la realización de diversos actos poéticos en el pueblo de turno. Aunque a veces las acciones sucedían en parajes desolados, frecuentemente se convertían en actos oficiales de las pequeñas localidades que se aparecían en el camino, ya que el grupo se preocupaba de invitar no sólo a las autoridades sino también al público general. La Travesía de 1965 pretende refundar poéticamente América a través de la experiencia misma de su expedición, para encontrar en ese andar un lenguaje propio, que aparecerá y revelará una nueva palabra: Amereida, una Eneida para América. El grupo se destacaba en todos los lugares que visitaban, sobre todo por el aspecto extravagante de Iommi (ya un señor medio calvo, de aspecto bien alimentado, que en ocasiones poéticamente demandantes portaba unas inconfundibles y apretadísimas medias rojas). A lo largo de su ruta el grupo va dejando signos vinculados a la realización de diversos actos poéticos, más o menos efímeros, aunque siempre cargados de espontaneidad e improvisación. El primer “documento” de la Travesía de Amereida (y de la Escuela propiamente tal) es un poema colectivo publicado en 1967, en cuya última hoja – casi en blanco – una frase solitaria afirma, en una suerte de axioma poético-pedagógico, que “El camino no es el camino”17. A pesar de las huellas trazadas en su expedición, el grupo descubre que no hay planificación ni cartografía posible. La misión peregrina se detiene en Bolivia, cuando las autoridades militares no dejan pasar al grupo con una serie de excusas que poco tiempo después descifran que tiene que ver con la presencia de la guerrilla del Ché en la Sierra Boliviana. A su regreso a Valparaíso, habiendo fundado oficialmente la Escuela con esta “expedición geo-poética por el continente americano”, que 17 Se trata de un documento que, desde entonces y hasta el día de hoy, se entrega a los alumnos de la Escuela de Valparaíso, y en base al cual se trabaja en Taller de Amereida, curso común a toda la Escuela. Amereida, el poema, se le suele atribuir exclusivamente a Godofredo Iommi, su redacción fue colectiva, aunque no participaron todos los que estuvieron en la Travesía sino Boulting, Simmons, Fedier, Deguy, Iommi y Cruz. En el volumen segundo, publicado en 1984 junto con la bitácora del viaje, pero redactado muy probablemente al mismo tiempo o poco tiempo después que el primero (antes de 1968), habrían colaborado todos los que participaron de la Travesía.

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apareció en todos los diarios locales, la Escuela pasó a su etapa más pública en que su modo de hacer política coincidió con lo que sucedía en el contexto regional. En 1967 tras unos altercados con las autoridades locales, en el aniversario del inicio del movimiento de Reforma Universitaria en Córdoba (1918), la Escuela da a conocer públicamente un documento titulado “Manifiesto del 15 de Junio de 1967”18. Abre diciendo: “Una ola de cobardía cubre nuestra América. Cobardía que nos oculta ya en la frustración o el complejo de inferioridad o en la desesperación de las violencias”. Denuncia ante la que parecieran autoresponder con la propiedad otorgada por la experiencia de la Travesía: “(…) nuestra América existió, existe e irrumpe invitándonos sin tregua al coraje. Coraje para abrirnos a su realidad, coraje para aceptar su historia y sus medidas, coraje para conformarnos en el riesgo y la aventura de ser lo que podemos ser”. Cierran su comunicado declarando “(…) acéfala la Dirección de nuestra casa de estudios y proponemos su reestructuración, a fin de que, por ejemplo, la vivienda, la sociedad, la historia y el urbanismo en América Latina puedan ser vistos con ojos propios; el desierto y los desiertos como las selvas, las floras y las faunas y los grandes ríos americanos; las Patagonias y sus montañas, se hagan patentes en la contemplación o libre estudio y sea en un futuro próximo (…) materia viva de nuestras Universidades, que así, y no de otro modo, la Universidad cumple su objeto en la sociedad de sus hombres”. El manifiesto, que aparece publicado al día siguiente en el principal diario del puerto, termina anunciando el inicio de una toma de la escuela “de común acuerdo” de parte de profesores y alumnos, dando inicio al proceso de reforma universitaria que pronto adquiere carácter nacional. En 1969 la Escuela vuelve a hacer portada debido a su férrea oposición a un proyecto vial del Ministerio de Obras Públicas, una vía elevada que correría por el borde costero y que conectaría a Valparaíso con la ciudad argentina de Mendoza, considerado el proyecto estrella del gobierno de turno. La Escuela reacciona con la iniciativa de un contraproyecto en el que participaron alumnos y profesores, sobre el que crearon una inmensa maqueta a escala de la ciudad. Su propuesta, a diferencia del proyecto del Ministerio, buscaba reconocer y respetar la condición de orilla de Valparaíso (algo que cobra mayor relevancia aún si se toma en consideración que geográficamente Chile entero no es más que una gran orilla). Las soluciones propuestas por la Escuela a los problemas de conectividad incluían la

construcción de una vía exclusiva para peatones y bicicletas, además de una vía exclusiva para los automóviles que desean pasear al ritmo de la costa. De ese modo las personas con o sin auto podrían seguir tranquilamente – por ejemplo – una puesta de sol en el mar. También habría otra autopista que alejaría de la orilla a los camiones transportistas y los autos “funcionales”, cuyo propósito es simplemente llegar de un punto a otro. La Escuela realiza una exposición del proyecto protagonizada por la exuberante maqueta que amenazaba con cobrar vida propia, rebalsando la sala de exhibición, trepando el techo y escapando literalmente por las ventanas (una ciudad imaginaria que se autoproclama como una utopía posible y como tal, amenaza con crecer y reemplazar a la ciudad real). A la apertura invitan al Presidente de la Republica de la época Eduardo Frei Montalva. A raíz del proyecto la Escuela de Valparaíso encabezó una de las marchas más grandes de la época en el puerto, en que una gran multitud recorrió en un silencio fúnebre las calles costeras cuya vida sería ultrajada por el proyecto de la megacarretera. Tras la marcha silenciosa que apareció en la portada del periódico como “Protesta de arquitectura”19, al Presidente no le quedó más remedio que viajar al puerto y asistir a la inauguración-protesta de la maqueta-escultura. Cómo la mayoría de los proyectos “profesionalmente” identificables como arquitectónicos de la Escuela su propuesta alternativa a la vía elevada no se realizó.

18 “Manifiesto 15 de Junio”, El Mercurio de Valparaíso, domingo 16 de Junio de 1968, pp. 52-53.

19 Portada de El Mercurio de Valparaíso, domingo 25 de mayo de 1969.

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Ciudad Abierta Dos años más tarde el grupo adquirió unos terrenos ubicados pocos kilómetros al norte de Valparaíso donde fundarían la Ciudad Abierta, un lugar al que cualquiera pudiese ingresar y que se convertiría en un sitio privilegiado para la experimentación pedagógica-constructiva del grupo. Pero sobre todo sería un lugar en que finalmente pudiese coexistir vida, arquitectura y poesía. Soñaban con tener miles de habitantes de todo el mundo. El año 1972 realizaron una nueva exposición en Santiago, que consistía en una serie continua de pizarrones que rodeaban el perímetro de una sala en vías de construcción en el subterráneo del Museo Nacional de Bellas Artes. Ahí en 59 pizarrones negros con tiza blanca describieron los fundamentos de la Escuela en tono de manifiesto. Respecto a Ciudad Abierta, en una proclama visionaria, escribieron: “NO a las ‘viviendas’, SI al habitar”. En gran medida el golpe militar truncó el proyecto de su ciudad,

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metáfora de un modo poético de vivir, aprender y trabajar en conjunto. La dictadura fue en gran parte responsable también por la pérdida de su primer gran encargo que consistía en una casa en la cordillera en el borde de Santiago para los gerentes en Chile de la empresa Olivetti. Trabajaron en el terreno y concibieron una casa que abrazaría la topografía en pendiente, recorriendo un gran patio interior conectaría los espacios autónomos circundantes mediante un circuito de terrazas-paseos que convertía los techos en pasillos abiertos. Tras el golpe un representante de la empresa visitó el terreno, en que las huellas visibles consistían únicamente en los cimientos. El señor enviado consideró que no se veían avances significativos, por lo que estaban a tiempo de abortar el proyecto. La frustración del proyecto Olivetti basado en la invisibilidad del proyecto en términos constructivos marcó el momento en que las energías de experimentación material del grupo pasaron a concentrarse cada vez más en Ciudad Abierta. En un contexto en que el uso del espacio público y las acciones colectivas eran consideradas actitudes sospechosas y peligrosas, Ciudad Abierta pasó de ser el horizonte de una utopía, a un refugio apartado de la vida urbana, un espacio recluido para la realización de los actos poéticos de la Escuela. A fines de los sesenta y principio de los setenta ya habían sido objeto de sospecha de parte de algunos sectores de izquierda, ya que para cierto marxismo en boga en ese momento la mera idea de una acción colectiva no-organizada era considerada derechamente anti-revolucionaria. Eso de andar en la calle perdiendo el tiempo no sólo le parecía peligrosamente burgués sino un hipismo de ricos alienados fruto del imperialismo. Políticamente la Escuela era mirada con perspicacia desde todos los frentes; sus extraños atuendos, su persistentes interrupciones de la vida ciudadana, incluso eran acusados de románticos por tomarse en serio “frases absurdas de poetas adolescentes que escribían sobre barcos ebrios”20. No obstante, lo que más alteraba a sus detractores era la insistencia en llamar todo aquello arquitectura a pesar del flagrante hecho de que apenas construían (y cuando lo hacían los edificios tenían un aspecto irremediablemente chueco e inestable). Ese enorme cuerpo de arquitectura literalmente invisible resultaba, incluso en los convulsionados años sesenta y setenta, de una heterodoxia incomprensible. La Escuela de Valparaíso tuvo

(y aún mantiene) el coraje de exponerse continuamente al riesgo y caos experimental de lo colectivo. Su humor radica en el ánimo lúdico abierto a la espontaneidad, manteniendo esa fuerza – algo delirante – de creer con irreverencia, y algo de terquedad, que el mundo debe y puede cambiarse.

Referências bibliográficas Amereida. Santiago de Chile: Lambda, 1967. BERRÍOS, María. “Epígrafe - a partir de cinco ejemplos conocidos - de una estética de lo informe o Humor conceptual y desaparición”, en: RICHARD, Nelly (org.). Coloquios. Santiago: Fundación Trienal de Chile, 2010. __________. “Almost Lost But Still Tall Tales. Undocumented Rumors and Disappearing Acts from Chile”. Afterall, nº 21, verano 2009. CRUZ, Alberto. “Improvisación del señor Alberto Cruz” (1959), en: LAGNADO, Lisette (org.). Desvíos de la Deriva. Experiencias, travesías y morfologías. Madri: Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, 2010. IOMMI, Godofredo. Carta del Errante. Valparaíso: Talleres de Investigaciones Gráficas, Escuela de Arquitectura, Universidad Católica de Valparaíso, 1976. PENDLETON JULLIAN, Ann. The Road That Is Not a Road and the Open City, Ritoque, Chile. Cambridge, Mass.: MIT Press, 1996. PÉREZ DE ARCE, Rodrigo y PÉREZ OYARZÚN, Fernando. Escuela de Valparaíso, Ciudad Abierta. Madri: Tanais, 2003. PHELAN, Peggy. Unmarked. Londres: Routledge, 1993. RICHARD, Nelly. “Margins and Institutions”. Art & Text, Melbourne, 1987.

20 Esta frase se le atribuye quién fue decano de la Facultad de Arquitectura de la Universidad Católica de Chile de Santiago, Sergio Larraín García-Moreno. Hacía alusión al gusto de los arquitectos de Valparaíso por la poesía de Rimbaud. Le debo esta anécdota -probablemente sucedida a principios de los años setenta en un encuentro en el Museo Nacional de Bellas Artes, al poeta y ciudadano abierto Carlos Covarrubias.

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Ingeniería utópica y Neo-Constructivismo Orgánico; en, y desde, el extremo cono sur David F. Maulen de los Reyes*

Palavras-chave Neoconstrutivismo orgânico; física e psicologia; sinestesia/ cinestesia; teoria dos campos unificados; modernidade sulamericana. Key words Organic neo constructivism; physics and psychology; sinaesthesya synesthesia; unified fields theory; modernity South America.

Abraham Freifeld com o Ciclo elástico. Foto: Larrain, 1964

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Resumo: Abraham Freifeld foi engenheiro civil do Ministério de Obras Públicas do governo chileno e um dos postulantes da “cidade como um organismo vivo” (1954-1958). Como integrante das gerações posteriores a 1945, segue as concepções de física quântica, as previsões sinestésicas da Gestalt pós-formalista e a abordagem japonesa dos processos energéticos (o Ki). Assim, confere significado ao contexto excepcional sul americano ao formular uma matriz epistemológica construtiva para um projeto de modernidade alternativa. Abstract: Abraham Freifeld was a civil engineer of the Ministry of Public Works of the Chilean government and one of the proponents of a “city as a living organism” (1954-1958). As a member of the generations after 1945, Freifeld followed the ideas of quantum physics, the predictions of synesthetic post formalistic Gestalt, and the Japanese approach on the processes of energy (Ki). Thus, gave meaning to the exceptional context of South America in the formulation of a constructive epistemological matrix for an alternative project of modernity.

*David F. Maulen de los Reyes é professor do curso “A Reforma da Arquitetura Integral e a Bio Arquitetura, 1945-1963”, na Faculdad de Arquitectura y Urbanismo, Universidad de Chile.

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“(…) La base de todo crecimiento de la forma está en el principio de la Ruptura y del Desarrollo Continuo, a partir de un Elemento Nuclear” Abraham Freifeld (1967)

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rocedente de Rumania, Abraham Freifeld llegó a Chile como hijo único, protegiéndose de la persecución a los judíos, en la época del Gobierno del Frente Popular. Sus padres eran de orígen ruso, y decidieron emigrar a Sud América, gracias a las gestiones de un diplomático chileno de apellido Madrid, sobre todo por la seguridad del primogénito. En Chile entró al colegio politécnico (Liceo de Aplicación), aprendiendo pronto el castellano gracias a su formación de latín (uno de los 5 idiomas que aprendió a utilizar). Freifeld inició sus estudios de ingeniería civil en la época que otro pionero, Juan Carlos Martinoya, los finalizaba. No hubo influencia directa sobre las propuestas interdisciplinarias de Arte, Ciencia y Tecnología; a pesar de que este último incluso fue profesor asistente del primero, pero en sí mismo representan un sentimiento de época, de una parte de los técnicos sudamericanos, por construir una alternativa de modernidad integral. Mientras Freifeld estudiaba en la Escuela de Ingeniería Civil, ingresa al mismo tiempo a estudiar en la que por apenas cinco años sería llamada Facultad de Artes y Ciencias Plásticas. Cuando cursaba cuarto año de ingeniería decide terminar la carrera y luego compartir un período en ambas facultades. Esta actitud, si bien en lo particular no tiene otros ejemplos, como actitud también se observa en los primeros músicos concretos, dodecafónicos, y electrónicos de esos años, que compartían la formación de ingeniería con la formación del conservatorio de música en la Facultad de Artes y Ciencias Musicales, y de la Representación (1947-1981). Uno de ellos (José Vicente Asuar) crearía el primer laboratorio de música electrónica en 1958, y mucho después la carrera de Licenciatura en Ingeniería del Sonido, y uno de los primeros computadores producidos en el país: el Comdasuar. En este clima por una utopía del conocimiento integral, en el que algunos jóvenes técnicos se sentían identificados, el joven casi ingeniero Freifeld plantea como trabajo de titulación final, una proposición de remodelación de la principal arteria vial de Santiago, analizando los flujos de energía contenidos en ella. Para la proyección de futuras congestiones plan-

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tea una serie de vías alternativas de flujo descentralizado, y más dinámico, que la tradicional solución de ensanchar un tramo, y la falta de previsión que eso solo provocaría: congestión vehicular en los extremos de la vía. Este concepto innovador respecto a los flujos energéticos contenidos en las vías ya se plantea como un cambio respecto a un concepto formalista del planeamiento urbano, el que se basaba en ideas de la física que no variaron, mayormente, desde la época de Newton; y que hoy aún permanecen en el sentido común. Freifeld ingresa a trabajar al Ministerio de Obras Públicas, aproximadamente en 1954, con un grupo de arquitectos que venía del movimiento reformista por la Arquitectura Integral, y compartió los planteamientos que de diferentes visiones proyectaban: “La ciudad como un organismo vivo, todo conectado con todo”. Estos jóvenes arquitectos, Pastor Correa, Juan Honold (el otro coautor, Martinez-Camps, trabajaba en otras dependencias), habían diseñado un innovador mega estudio para un plan que integraría la ciudad a partir de recorridos orgánicos, dinámicos y descentralizados; el que sería transformado en decreto ley para el año 19601. A Freifed no lo expulsaron del Ministerio de Obras cuando cambió el Presidente, por su inclinación de izquierda le dan a escoger entre quedarse pero no con un puesto directivo nacional como el que había logrado, o irse con un año con sueldo. Y él dice: “que me han dicho”. Abandona el Ministerio y se dedica desde entonces a la investigación, específicamente empieza a desarrollar las intervenciones para la Unidad Vecinal Providencia. Sin embargo, y sin esperarlo, su ex profesor de Urbanismo de la Universidad de Chile, lo va a buscar personalmente para que se integre a la Facultad de donde había salido diciendo que nunca volvería. Freifeld será profesor de Urbanismo en la tradicional Facultad de Ciencias de la Universidad de Chile, pero como profesor es muy particular. Saca a los alumnos a la calle haciéndoles tocar los edificios, y diciendo: “tienen que sentir, la ciudad como un organismo vivo”. Muchos años después, décadas, se encuentra con un ex alumno de ingeniería civil que le dice: “yo a usted le tengo que agradecer que me enseñó a pensar”, a lo que Freifeld contesta: “entonces fracasé, lo que yo quería era que aprendiera a sentir.” ¿Qué sientes?, si puedes contestar eso luego te pregunto: ¿Qué haces? Gestalt posformalista. En este contexto, y compartiendo su formación y práctica como 1 En el equipo del Ministerio también participó el arquitecto Jorge Poblete.

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escultor, Freifeld se adentra en lo que sería su matriz epistemológica entre las relaciones de la biología constructiva, con los vínculos hacia las teorías de los campos unificados; tanto de la física contemporánea como los planteados por las nuevas generaciones de investigadores de la Gestalt.

Neo-Constructivismo Orgánico Al dejar el Ministerio de Obras Públicas a inicios de los años sesenta Freifeld ya puede enunciar sus planteamientos fundamentales para el neo-constructivismo orgánico, respecto a la importancia de las relaciones de percepción y construcción como un todo integrado, sobre las teorías de la sinestesia, encontrándose tanto las ideas de físicos como Moëbius y Albert Einstein, así como con representantes de la Gestalt como Fritz Perls. Aunque también explora con los psicólogos transpersonales, y la antisiquiatría. La ingeniería civil, la terapia gestáltica, y el arte marcial aikido, llamados por él “las artes del retorno”, se conjugan para definir la búsqueda definitiva del neo-constructivismo orgánico. Al mismo tiempo relacionándolo con concepciones “contenidistas” de los proceso constructivos, poniendo atención en la formulaciones orientales de la energía: el Ki japonés, y como en una nueva etapa del constructivismo planteado antes por la Bio Arquitectura, el sigue más allá, a través de una “ingeniería utópica” que incorpora directamente el arte marcial Aikido. Ki, o Chi, es energía, como en la construcción de casa, y todas las actividades tradicionales vivas, del movimiento, se trata de operar con la energía que ya esta presente. Tal vez toda la arquitectura simbiótica nipona después de 1945 sea heredera de esta concepción que en el caso de Freifeld, coincidentemente con los neoconcretos de Sao Paulo, también tienen que ve con sus lecturas de Susan Langer y Maurice Merleau-Ponty. Esta idea “contenidista”, de la energía, las emociones, los deseos, lo llevan a profundizar en la etapa que el llama “pre neurótica” de los niños. Freifeld dice, “ellos siempre saben”, antes de entrar a la escuela están mucho más conectados con sus emociones. A esta derivación de la sinestesia (cinestesia para algunos), se dedicará en adelante, sobre todo dirigido a: “los que siempre saben (los niños)”. Como un diálogo interior - exterior, exterior - interior con el conocimiento surgido emocionalmente. A inicios de los años sesenta entonces, Freifeld ya había plante-

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ado las bases de lo que denominó neo-constructivismo orgánico: la física cuántica y su teoría de los campos unificados, las teorías de la sinestesia y la terapia gestática según las nuevas ideas de Fritz Perls, la ingeniería civil, y la aproximación oriental a la idea de energía contenida (Ki), a través del arte marcial Aikido. Pero este paso fundamental, de este encuentro de las “artes del retorno”, se unifican aún más con la búsqueda trazada por Pesvner y Gabo, inicialmente, y luego por Tatlin, sobre todo en su torre a la internacional socialista de 1918. En esta solución Tatlin planteaba la búsqueda de otra ciencia, de otra tecnología diferente a la tecnología occidental, de la fracasada modernidad “capitalista” que había llevado a la primera guerra mundial. Lo que él mismo llamará constructivismo orgánico para 1923. En el caso del proyecto de monumento, que intentaba superar a la Torre Eiffel, Tatlin contrapone figuras geométricas propias del sistema diédrico ortogonal de ángulos cerrados, estable, centralizado. Una dislocación a partir de la otra, hasta llegar la media esfera de arriba. Luego los recubre con una serie de láminas, que procede a llevar al límite de su forma, transformándolos en filiformes, condición en que el material expone el máximo de sus capacidades. La idea de Tatlin era ir contraponiendo estos dos sistemas constructivos, el diédrico ortogonal contra uno dinámico, filiforme, en esa contraposición se produciría un nuevo sistema a partir de la “síntesis dialéctica”, una nueva física constructiva, orgánica. Un modulo es una unidad de un sistema, una función en particular. La suma de un conjunto de funciones o partes hace un sistema o estructura. Pero si falla uno de los elementos este sistema no funciona. En el sistema orgánico, idealmente como en la naturaleza, con el ADN (ácido desoxirribonucléico), en cada unidad está potencialmente todas las funciones del sistema. Es decir si falla una las otras lo pueden suplir porque potencialmente cada unidad “orgánicamente”, es el sistema en si (potencialmente). Es como una semilla o una hoja de árbol es código genético, esta toda la información paras “rehacer” tantas variaciones del árbol como sea necesario. En el caso del “super nodo”, o rotonda circunvalación, se contraponía la visión organicista con la de la de progreso tradicional, lineal. Concebido más para “objetos modernos”, que para “flujos de energía”, y-o procesos. En Estados Unidos de los años cincuenta era común la solución vial de “tréboles”. Pero un trébol es un “despilfarro” de energía. En el sentido que cada calle es para cada función. Además no sigue principio humanista de planificación vial. Es una solución pensada para los autos y sus necesidades. En cambio una rotonda, para empezar, no olvida que la calle es del peatón,

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que los autos lo auxilian y no a la inversa el peatón se supedita a los autos. En un sistema de rotondas el peatón no pierde la visión de la línea del horizonte. Además si es necesario otras intersecciones, o aumenta o disminuye el flujo de vehículos, la rotonda simplemente se ensancha en su diámetro o se disminuye. Sin tener que agregar más líneas, a esto se sumaban los estudios de Freifeld y su equipo, sobre los problemas de personas que se perdían en los tréboles viales de EUA. Así además desde estas concepciones integrales de la ciudad, las rotondas eran nuevos centros propuestos alternativos a la idea de plaza ortogonalista, centralizada, estática. Eran nuevos centros descentralizados y dinámicos. Pero desde esa misma óptica Freifeld proyectó este complemento al plan regulador para la prioridad social de la comuna de Pedro Aguirre Cerda, sin embargo con el cambio de Presidente (1959) él dejó el Ministerio y la primera rotonda se hizo en un barrio de clase media alta. Esta concepción no es exclusiva de él. El proyecto de división intercomunal de Pastor Correa, Juan Honold y Jorge Martínez, de manera casi inédita, consideraba la ciudad integramente como sistema vivo. Fue un proyecto investigado por dos años (1952-1953), donde vieron cada una de las partes que componían Santiago, analizando flujo de agua potable, alcantarillado, comercios, lugares de esparcimiento, centros vecinales y teatros, escuelas, servicios médicos etc. La idea era, por ejemplo, si una persona en un extremo de la ciudad se toma 3 horas en llegar a su trabajo todos los días, inevitablemente eso repercutirá en toda la ciudad, por lo tanto, de manera inédita, se consideraban todos los factores que componían la ciudad de manera que se produjera un equilibrio completo, como en un cuerpo humano donde cada parte debe estar funcionando para que el cuerpo funcione, no sirve un pulmón y un brazo, si la sangre y el oxígeno no pueden pasar por otro lado. Está todo integrado. Esto significaba una revolución en la planificación vial donde históricamente solo se pensaba el centro de la ciudad y los barrios de clase media, y clase acomodada como una superposición que no se hacía cargo de un funcionamiento sistémico de ciudad. Más bien era una concepción escenográfica de donde estaban los poderes políticos y económicos.

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FIGURA I: NODO basado en el diseño de Abraham Freifeld para la ciudad como organismo vivo, 1952-60. Maqueta cruce de calles Avenida Vitacura y Avenida Presidente Kennedy, Santiago, Chile, 1970. Foto: Revista Chilena de la Construcción.


En el Chile de inicios de los años treinta, aparece publicado el “Club Obrero” del arquitecto constructivista K. Melnikov, en un artículo sobre los planes “quinquenales” de la URSS, en la revista Mástil, editada por el Centro de Estudiantes de Leyes de la Universidad de Chile, en 1931. Es la época de la crisis económica en que es derrocado el dictador Carlos Ibáñez, el que sin embargo, había intentado en 1928 un proyecto “corporativista” donde hubo mucha experimentación en educación y en el vínculo de arte, ciencia y tecnología, antes de inclinarse por un régimen más represivo.

FIGURA II: Club Comunista de Moscù.

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La obra Caída, de Waldo Parraguez, fue parte de las experimentaciones que hoy podríamos llamar “arte concreto”, en las que profundizaron los estudiantes reformistas de la Escuela de Arquitectura, entre los años 1932 y 1934. Parraguez en ese tiempo se destacaba como uno de los líderes del movimiento. Esta obra, que de manera particular investiga en la noción de campo, fue expuesta por el grupo “Decembristas” (nombre que alude al frustrado intento republicano de los rusos de fines del siglo XIX), en diciembre de 1932, en el edificio Oberpaur.

FIGURA III: Caída, de Waldo Parraguez.

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La portada del libro El sindicalismo funcional es un reflejo del intento de los años treinta de diversos movimientos de los años veinte de reagruparse. Sobre todo por parte de los profesores que habían, en 1928, logrado insertar todo un plan de reformas a partir de las ideas de la “escuela nueva” o “escuela activa”, donde relacionaban ideas del socialismo con la biología. Los planteamientos de esta postura se asemejan mucho a lo que hoy día es considerado constructivismo en pedagogía y psicología, un conocimiento activo a partir del reconocimiento de las variables culturales propias, de manera sistémica más que ilustrativa. Apuntando siempre a la autonomía del sujeto, en colaboración con su medio. El punto de partida era la estructura básica de todas las manifestaciones humanistas.

FIGURA IV: Portada del libro El sindicalismo funcional, Curicó, 1935.

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FIGURA V: Ingeniero Carlos Martinoya presente en la inauguración del acelerador de partículas de la Facultad de Ciencias, 1954. Reproducción digital: Centro de ex alumnos Facultad de Ciencias Fisicas y Matematicas, Universidad de Chile.

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Juan Carlos Martinoya y Nahum Joel, exponen en la feria de artes plásticas de 1960, el abstraptoscopio cromático, o robot de la pintura abstracta desde una idea muy poética: que cualquier transeúnte, a través de unos cristales birefringentes, pudiera proyectar su “obra abstracta”. Martinoya será clave en el vínculo interdisciplinario de esos años. Antes ingeniero con una gran vocación social, trabaja en el Ministerio de Obras Públicas, después en la instalación del acelerador de partículas en la Facultad de Ingeniería, en 1954. En 1960 empieza el proyecto de crear las Escuelas de Física y Matemáticas, independientes de la Facultad de Ingeniería (llamada tradicionalmente Facultad de Ciencias Físicas y Matemáticas de la Universidad de Chile). Además estudia sobre percepción visual y fisiología como académico de la Facultad de Medicina. Para fines de los años sesenta organiza una agrupación con psicofisiólogos, gente de teatro, de artes visuales, sociología, biología y antropología, para seguir estas investigaciones en la Escuela de Psicología y en la Escuela de Teatro de la misma universidad.

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En el primer cuadro hay un dibujo de un cardo, el que era utilizado por Johannes Itten con sus alumnos para estimular la percepción “áptica”, es decir sentirse estimulado sin tocar el cardo, a través de la observación. Luego se sintetiza la estructura de este con recursos de síntesis constructiva entre la geometría euclidiana occidental, la geometría indígena diaguita y/o mapuche. Finalmente queda una “forma nueva”. Esta secuencia fue preparada por Beatriz Danitz, esposa de Carlos Isamitt director de la reforma de la nueva escuela de arte durante 1928.

FIGURA VI: Ejercicios de primer año común de la reforma de 1928, de la “escuela nueva” o “escuela activa”.

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Carlos Isamitt era parte del movimiento de profesores que durante 1920 y 1924 crearon una red educativa paralela al Estado, según las ideas de la “escuela nueva”. En 1924 partió a Europa y estudió más de 300 planes de enseñanza, donde para él se destacaban las escuelas de Europa central, donde se hacía énfasis en la estructura de las cosas, de oda manifestación humanista. En estos ejercicios de la escuela cuando él la dirigió, en 1928, se observa la aplicación de las teorías de la Gestalt de 1915, publicada por Köher y Koffka sobre relaciones formalistas de las formas “pregnantes”. Pasaron 40 años hasta la época en que Abraham Freifeld era parte de los profesores de la Reforma de 1968 en la Facultad de Bellas Artes, para que ejercicios parecidos de forma y espacio, y forma y color, fueran reintroducidos en la misma escuela.

FIGURA VII: Ejercicios de la “escuela nueva”, 1928.

rcicios de la escuela

cuando él la dirigió, en 1928, s 80

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En la Unidad Vecinal Providencia se puede ver claramente como se siguen las directrices del movimiento moderno para integrar a las personas con la naturaleza, entre los requerimientos básicos de una unidad entendida como organismo vivo. Además de estar considerado el espacio de encuentro común, está también el lugar médico cercano, la escuela, el lugar donde comprar alimentos etc.

FIGURA VIII: Vista general Unidad Vecinal Providencia (UVP), 1964. Foto: Abraham Freifeld.

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Casa en el árbol, hecha con uniones naturales, sin clavos, aprovechando la flexibilidad de cada elemento como tensión estructural a inicios de los años sesenta. Así como Freifeld es admirador de los puentes pretensazos de Robert Mailart, también lo es de la frase de los realistas Pevsner y Gabo: “Nosotros construímos nuestros puentes, así como la naturaleza construye sus formas…”. Este es además un juego – construcción, desarrollado para estimular las percepciones de los niños, a quienes siempre les dedica sus obras.

FIGURA IX: Construcciones flexibles de madera ensamblada para niños, 1963. Foto: Abraham Freifeld.

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Este juego con arena, diseñado con arena de playa que él mismo artista trajo, está pensado también para que los que “siempre saben” (los niños), desarrollen su capacidad sinestésica a través del recorrido de las formas genéricas elementales. Es un juego hecho en el Estadio Israelita de Santiago de Chile, a inicios de los años sesenta, junto a otros diseñados para nadar por debajo del agua, pasando por una esfera metálica. Desde los puntes, hasta los “juguetes sinestésicos” del arquitecto Calatrava, también servirán de guía. Como también los “móviles” de Alexander Calder.

FIGURA X: Motivación sinestésica para los que saben, los niños, 1960. Estadio Israelita en Santiago, Chile. Foto: Abraham Freifeld.

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Prototipo (“Proto”) de lámina curvada y filiforme (con forma de hilo) alambre resorte: respuesta de Abraham Freifeld al critico de arte argentino Jorge Romero-Brest, en su vista como presentador de la exposición de Claudio Girola en el MNBA de Santiago de Chile (1960), luego que le dijera “o modela o construye”, después de ver sus trabajos de entonces. Este es el principio fundamental donde el material llega al filo de forma y al máximo de sus cualidades. A decir de Freifeld, este “proto” (prototipo es una palabra muy larga) “le salvó”, quebrando el sistema diédrico con dos construcciones dinámicas.

FIGURA XI: Prototipo (“Proto”) de lámina curvada y filiforme. Foto: Archivo Abraham Freifeld, inicios de los años sesenta.

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Hay dos aspectos en la obra de Girola. Una que nos atrevemos a llamar “constructiva”, que se caracteriza por la dinámica espacial, realizada generalmente en alambres delgados; y la otra, propiamente concreta, en que predomina cierta volumetría y en que los objetos se realizan en general con bloques y planchas de metal de cierta consistencia. El crítico Romero Brest, en un reciente análisis de la obra de Girola, quizá demasiado fiel a un antiguo esquema, consideró ambos rasgos como esencialmente contrapuestos. En especial caracterizó a las obras en alambre como destructoras del volumen y opuestas al afán constructivo de las demás. Es efectivo que en el pasado el tratamiento espacial pertenencia al repertorio de barrocos y románticos, pero no es menos cierto que los suprematistas y constructivistas modernos han redescubierto este valor y lo han “trasladado”, dialécticamente, al campo clásico, en el cual ya no refleja afán destructivo alguno, sino la construcción de un mundo espacial semejante a la moderna concepción del universo físico, en el cual el énfasis se ha trasladado de la materia a los procesos energéticos. Es precisamente debido a este neo-constructivismo de estructura más compleja, como muchas de las “inmateriales” esculturas espaciales de Girola a veces exaltadas por una presentación demasiado enfática, llegan a contraponerse, sin por eso oponerse en espíritu, a aquellas de raíz claramente concreta1. 90

1 Freifeld, Abraham. “El realismo escultorico en la obra de Claudio Girola”, Revista Ultramar. Santiago, de u i te t a m arcel i n a | 2ª a r Quincena t i s t a - a rq Mayo de 1961.

FIGURA XII: Ángulo oblicuo en progresión continua, 1956. Valparaiso, Chile. Foto: Claudio Girola

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“Tensor espacial”, relaciones del campo (de la teoría de los campos unificados de la física relativa) desde y hacia el núcleo: se asume ya que el vació no existe, solo hay distintas concentraciones del campo, que además es dinámico. Esta obra se perdió en el incendio de la Facultad de Bellas Artes en 1968.

FIGURA XIII: Tensor desde el núcleo-campo, Facultad de Bellas Artes, Universidad de Chile, 1968. Foto: Abraham Freifeld.

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En este proceso de reforma Abraham Freifeld sentía que podía conjugar muchas de sus voluntades. En el primer período de reforma, 1968–1970, fue nombrado director del Instituto de Extensión Artística y Cultural (después de 1971 este se transforma en Instituto de Arte Latinoamericano), donde junto al historiador Alberto Pérez, decidieron suprimir los Salones de Bellas Artes, y además hacer un convenio con la Central Nacional de Trabajadores (CUT), para compartir actividades culturales. Freifeld además se integra a la recién creada Facultad de Arte y Tecnología de la Universidad de Chile de Valparaíso, y como profesor de “Forma y espacio”, una innovación en la Facultad de Bellas Artes de 1968 que había olvidado por completo la reforma de 1928. En ese momento aprovecha de introducir, o reintroducir las ideas de la Gestalt al estudio del arte, a partir de las referencias sobre todo de Rudolf Arnheim, en paralelo a sus otras actividades de investigación. Después de septiembre de 1973, Freifeld fue expulsado de la Facultad de Bellas Artes, y permaneció en la Facultad de Arquitectura hasta 1981. FIGURA XIV: Portada del libro La reforma en la Universidad de Chile, 1973. Foto: Central de Perfeccionamiento Universitario (CPU) y Carlos Huneeus Madge.

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Intervenci贸n en dos columnas del edificio de Santiago Centro. Una gran cinta de Moebius, que a la vez, simult谩neamente, expone distintas situaciones, y/o momentos de su recorrido. L谩minas de metal trabajadas manualmente por el artista.

FIGURA XV: Intervenci贸n de una cinta de Moebius en el edificio Santiago Centro, 1982. Foto: David F. Maulen.

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El arte proyectual de Alonso + Craciun Veronica Cordeiro*

Palavras-chave Performance; arte relacional; capitalismo globalizado; processos de individuação e subjetivação; alteridade. Key words Performance; relational art; global capitalism; processes of individuation and subjectification; otherness.

Alonso e Craciun, Se Considera un Asesinato Dispararle a un Cadáver? Projeto composto de ações, publicação, arquivo e residência artística Zurique, Basileia, Madri.

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Resumo: O coletivo uruguaio composto por Sebastián Alonso (Montevidéu, 1972) e Martín Craciun (Montevidéu, 1980) constrói sua metodologia de trabalho no intercâmbio disciplinar entre arquitetura, performance, linguagem audiovisual e documental, arquivos (áudio) visuais e históricos, edição de periódicos e livros, música, e colaboração com diversos profissionais, os quais, por sua vez, vão integrando o arquivo-documento em contínuo progresso. O presente ensaio encontra no texto seminal de Hal Foster, “O artista como etnógrafo” (1996), um campo fértil e pontual para analisar o trabalho de Alonso + Craciun. Abstract: The artistic collective from Uruguay composed of artists Sebastián Alonso (Montevideo, 1972) and Martín Craciun (Montevideo, 1980) approaches artistic production in terms of project-based work. They base their working methods on a disciplinary interchange between the fields of architecture, performance, audiovisual and documentary language, the creation of historical and (audio)visual archives, the edition of journals and books, music, as well as the collaboration of various professionals who, in turn, integrate their document-archive in continuous progress. This essay finds in Hal Foster’s seminal text “The artist as ethnographer” (1996), a fertile ground from which to analyse Alonso and Craciun’s work, seeking to situate it vis-à-vis contemporary art production that focuses on the real.

*Veronica Cordeiro é curadora, escritora e antropóloga visual. Atualmente, vive em Montevidéu, Uruguai. É formada em História da Arte e Literatura pela University of Edinburgh, Escócia (1997) e tem mestrado em Antropologia Visual pelo Centre for Visual Anthropology, Goldsmiths, University of London (2007).

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i el mito es un habla despolitizada, existe por lo menos un habla que se opone al mito: el habla que permanece política. […] Existe por lo tanto un lenguaje que no es mítico: es el lenguaje del hombre productor. Toda vez que el hombre habla para transformar lo real y no para conservar lo real como imagen, cuando liga su lenguaje a la elaboración de cosas, el metalenguaje es devuelto a un lenguaje-objeto, el mito es imposible. Por eso el lenguaje verdaderamente revolucionario no puede ser un lenguaje mítico”1. La palabra clave en el universo productivo del polifacético colectivo artístico uruguayo, Alonso-Craciun, es proyecto. Ellos se definen como un colectivo que “genera, da forma y lugar a iniciativas proyectuales de diferente orden”. Dentro del confronto proyectual con la realidad que les circunda y concierne, además de ser la realidad que les ubica, toman en consideración tres principios de trabajo. El primero tiene que ver con la noción de “pensar la fenomenología de lo real”, como algo que se puede formalizar y contextualizar a partir de múltiples relaciones y técnicas de representación/presentación. En esta dimensión de su práctica piensan y desarrollan estrategias de aproximación hacia el otro, sea este un individuo, grupo, edificio, historia o paisaje, y no necesariamente el Otro pre- y pos-colonial, primitivo, diferente, objeto de la otredad. De esa manera, pensar la metodología de confronto con el otro, y crear dispositivos poéticos y simbólicos para introducir un dialogo que atraviese la superficialidad – más allá de una mera curiosidad panfletaria o descriptiva – es crucial en la naturaleza de sus proyectos. El segundo principio dice respecto a una “preocupación por los modos de relación con el llamado público y la construcción de los mismos”; es decir que la manera con que instauran una primera relación con el otro es determinante para el desdoblamiento de todo el proyecto. Al revés del clásico antropólogo, que asume un lugar de poder intelectual incontestado, lugar este que se inscribe en el academicismo de la escuela decimonónica de pensamiento occidental-blanco, Alonso y Craciun se abren hacia el campo individual, cultural, sensorio y político del otro, permiten mezclas y contaminaciones y concluyen no con un diagnóstico antro-sociológico, sino con múltiples formas de expresión, intercambios, y resultados dialógicos, muchos de los cuales preparan el campo para el próximo encuentro. Sin embargo, se aproximan al antropólogo cuando mantienen una postura 1 Roland Barthes, Mitologías. México: Siglo XXI Editores, 1980.

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ética, respetuosa y responsable hacia el otro, cuando desarrollan encuentros que perduran y se profundizan a lo largo del tiempo; la seriedad con que estructuran y engendran sus proyectos los distingue de muchos artistas que trabajan con “lo real”, pero en cuyos proyectos se evidencia la estrategia de apropiación de lo real como alzaprima de propulsiones más bien estilísticas o narcisistas, que en el fondo poco tienen que ver con el contexto adquirido. He aquí un campo brillantemente estudiado, y cuyos desafíos fueron muy bien pronosticados en los años 1990, por el crítico cultural norteamericano, Hal Foster, en su ensayo “El artista como etnógrafo” (1996). Foster argumenta que la problemática relación entre continuidad y discontinuidad histórica era un problema central de la vanguardia, y que el desafío principal para ambos, la producción y la crítica del arte contemporáneo, reside en una negociación continuada entre la crítica socio-política y el compromiso histórico. Aquí entra una primera característica del artista que se dedica a lo real: estudio comprometido con la historia. Argumenta que el postmodernismo se mueve mas allá de una tendencia de crítica sobre y contra la institución del arte (el museo/ la galería), lo que hicieron con tanta fuerza visceral artistas de los Happenings en los años 50 y 60 en Nueva York, como Allan Kaprow, Yves Klein, Fluxus etc. El postmodernismo se abre en cambio hacia el campo público mas ampliado y, además, al moverse mas allá del mecanismo institucional del arte, pasa también a cuestionarlo; ya no toma más el espectador como un cuerpo neutro, ahora cuestiona todos los aspectos de este cuerpo, su género, su raza, clase social, experiencia, etc. El postmodernismo crítico se propone no volver a caer en la práctica predominante institucional – intentando, de esta manera, concretar una forma de pensar y hacer arte profesionalmente autónoma. Sebastián Alonso (Montevideo, 1972) y Martin Craciun (Montevideo, 1980) se arman de todos los dispositivos y formatos necesarios para acceder a múltiples realidades, y a la vez que amplían y suman, logran concretar instancias de expresión ambos poética y documental, a medida en que buscan continuamente forjar su autonomía político-artística, sin perderse; o mejor, abriéndose completamente al riesgo, dentro de una consciente búsqueda y construcción de su propia identidad2. Incursio2 Subjetividad e individualidad son términos comúnmente leídos hoy en día, y a menudo confundidos, o entendidos como aludiendo a la misma condición. Si bien ambos conciernen los procesos de buscar y encontrar-se, de estar-se abierto a las posibles confrontas con la pregunta, ¿quién soy?, tienen diferencias importantes. La subjetividad, o el proceso de subjetivación, envuelve una relación sensorial, afectiva, psíquica del individuo con el mundo que le circunda, incorpora, en otras palabras, todo aquello que se siente y que por lo tanto influye enormemente en la construcción del yo, pero que se hace más difícil racionalizar y teorizar por tratar-se de toda la dimensión impalpable de la experiencia del ser en

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nan por diversos territorios de acuerdo a las necesidades de cada proyecto: entran y salen del campo del arte así como de la arquitectura, la docencia, la performance, y la edición y publicación de textos. En este contexto es fundamental el tercer principio que informa sus acciones: “el interés en los formatos de difusión y socialización de los procesos y resultados de los proyectos”. Publicaciones, blogs, sitios en Internet, volantes, documentales y otros registros audiovisuales, entrevistas, textos de pared, además de exposiciones que adoptan generalmente el formato de instalaciones site-specific donde es común encontrar archivos de textos y fotos expuestos paralelamente a alguna intervención arquitectónica/escultórica. Todo ello surge en una instancia determinada, y luego puede venir a ser reutilizado, revisitado, y reeditado en otra, de modo que crean una suerte de lógica circular en su trayectoria.

amplio del modernismo uruguayo (de los años 1920 a los 1960) a partir de un evento muy particular: la última visita de Le Corbusier a Montevideo, en 1929, y el encargo de una nueva alfombra de piel vacuna para su esposa.

Un libro como la sofisticada publicación trilingüe realizada en ocasión de la XII Muestra Internacional de Arquitectura de la Bienal de Venecia (2010), “5 narrativas, 5 edificios”, organizado y editado por los cuatro autores-curadores de la muestra (el colectivo del proyecto ganador instalado en el pabellón uruguayo estuvo compuesto por Emilio Nisivoccia, Lucio de Souza, Sebastián Alonso y Martín Craciun) es una obra autónoma, pero como todos los elementos que componen sus proyectos, dependiendo de su contexto puede formar parte de un conjunto más complejo. En este caso, los cinco edificios históricos de Uruguay elegidos por el colectivo, documentados y analizados en gran detalle visual y textual en el libro, están complementados, a la vez, por sus respectivos dobles audiovisuales en la instalación, aunque los videos ofrezcan otra perspectiva, con impresiones fotográficas de sus visitas – interpretadas desde lo alegórico, lo anecdótico o lo puramente documental. Objeto de investigación subjetivo-arqueológica, las cinco narrativas corresponden a las siguientes edificaciones modernas: el Palacio Salvo, la Represa Rincón del Bonete, el Edificio Panamericano, el Estadio Centenario y el Frigorífico Anglo. Si bien la elección de cinco construcciones modernistas haya causado polémica por parte de la crítica local, la cual acusó la falta de algún ejemplo contemporáneo de la arquitectura uruguaya, como si “representarse en el exterior” sin un ejemplo contundente de la actualidad transmitiera la imagen de un país parado en el tiempo (lo cual no deja también de ser un asunto pertinente y disparador de importantes reflexiones), el colectivo subscribió a un periodo relativamente

Generalmente, el territorio de actuación ya sea en el arte como en la mayoría de los campos profesionales, es el elemento que se mantiene fijo, como un eje, plano o soporte/fondo. En el caso de Alonso y Craciun, el territorio de actuación es un campo vivo, en continua transición, y lo único que se mantiene fijo, conceptualmente, es la lógica del proceso proyectual en su estrecha conexión con el impulso vital de entablar diálogos con la propia historia, a través de acciones que activan circunstancias dialógicas en el presente. “Lugar y espacio son nociones que nos remiten a ubicaciones dentro de lo grupal, lo colectivo, lo social; pero esas ubicaciones deben ser necesariamente móviles como para permitir(nos) la acción creativa y la crítica cultural desde los posicionamientos diversos de nuestras múltiples pertenencias cotidianas”3.

el mundo. Ya la individualidad, o el proceso de individuación, refiere más específicamente al aspecto material de ese mismo proceso: los elementos documentales, nacionales, culturales, económicos, cívicos, sociales, políticos que afectan el desarrollo de una determinada persona.

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Para Venecia los artistas crearon una alfombra de cuero vacuno uruguayo compuesto de decenas de módulos rectangulares acolchonados. El modelo de la alfombra, hecha con paños de cuero natural cosidos, si bien es un elemento local e incluso folklórico, alude directamente al diseño de la alfombra que Victoria Ocampo había regalado a Le Corbusier en 1929. Vista desde arriba, la instalación asemeja un enorme mapa satelital de mares y tierras, mientras que vivenciada con el cuerpo, invita al espectador a participar y actuar, para poder apreciar mejor los cinco videos instalados en rasos soportes apoyados sobre la alfombra.

Amorir, 2007-2008 La posibilidad de un arte relacional (un arte que toma como horizonte teórico el reino de las interacciones humanas y su contexto social, en lugar de la afirmación de un espacio simbólico independiente y privado), apunta hacia un trastorno radical de los objetivos estéticos, culturales y po3 Fernando Miranda en “Estimado y culto público”, Público: Posiciones en un mundo real, ed. no. 1, agosto 2009

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líticos introducidos por el arte moderno. […] Entonces lo que se está colapsando frente a nuestros propios ojos nada mas es que esta falsa concepción aristocrática respecto de la disposición de obras de arte, lo cual está asociado al sentimiento de adquisición territorial. En otras palabras, ya no es más posible entender la obra contemporánea como un espacio a través del cual incursiono (el “tour del dueño” es igual al tour del coleccionista). Es presentado, en cambio, como un periodo de tiempo por el cual vivir, como la apertura hacia una discusión ilimitada4.

Ejemplo paradigmático del grado de energía y compromiso con su trabajo y sus investigaciones estéticas, relacionales, sociales, políticas es el proyecto debidamente titulado Amorir. La inauguración se dio un sábado primaveral, el 17 de noviembre de 2007, a las 13 horas. Vivienda personal de uno de los artistas abrió sus puertas unificándolas temporalmente con las del taller Cerámica del Carrito, en la esquina donde se encuentran las calles Durazno y Martínez Trueba, Palermo, Montevideo. Treinta y dos sábados consecutivos entre fines de 2007 y todo 2008. Amorir invitaba un artista o colectivo para protagonizar el espacio-tiempo a cada sábado – una programación intensa, fervorosa, algo catártica, me imagino. Sin reglas institucionales, condiciones formales, limitaciones dimensionales etc. – por encima de las restricciones burocráticas impuestas por las instituciones en sus llamados concursables, sin las amarras de lo que busca un determinado salón o jurado – Amorir proponía un verdadero “ejercicio experimental de la libertad”.5 Concomitantemente a las presentaciones estéticas que ocupaban/articulaban el espacio de planta baja (un “cubo negro”), se realizaban y desplazaban por la calle comidas hechas en grandes hoyas y sartenes, paellas, cazuelas de mariscos, hoyas de porotos vegetarianas, risottos, acompañados de vino y agua, charlas, proyecciones, discusión y apertura. Actuaron en Amorir desde grandes personalidades del arte uruguayo, como Ernesto Vila, Clemente Padín y Mario D’Angelo (en homenaje) hasta artistas, músicos, arquitectos, fotógrafos, performers, poetas, uruguayos, argentinos, alemanes, entre los cuales Cecilia Vignolo, Juan Angel Urruzola, Ian Lester y Seida Lans, Vittorio Cacciatore, Martín Vergés, Nuño Pucurrul, entre tantos otros. En 4 Bourriaud, Nicolas. Relational AEsthetics, (1998/2002), Les presses du réel. 5 Conclusión a la cual llega el crítico de arte brasilero, Mario Pedrosa, en los años 1960, acerca de una descripción del hacer artístico.

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Alonso e Craciun Público. Posiciones en un mundo real. Plataforma do MEC, Montevidéu, Uruguai

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palabras de sus dos autores, Amorir, Lugar de prácticas artísticas, estéticas y políticas “surge de un espacio que fue reconfigurado hacia una propuesta de lugar… Nuestra vocación por lo relacional, por lo co-organizacional, por la horizontalidad en los procesos de construcción de las actividades… Nuestra vocación por la arquitectura y la construcción como hecho simbólico y como afectación de lo material, de lo estructural… Nuestro interés por la acción directa, o la acción en directo… ¿o el acto? […] Como en las obras de Gordon Matta-Clark procuraremos hacer más visible y denso el tiempo efímero que nos convoca, que nos reúne con las propuestas…Amorir como comunicación, arte y supervivencia económica.” Amorir partía desde el diálogo instaurado en el espacio del encuentro – se transformaba en una plataforma de discusión, reflexión, debate: o sea, los artistas invitados por Alonso y Craciun presentaban sus propuestas y estas eran estudiadas en conjunto con los organizadores, los cuales muchas veces desfasaban sus propias ideas para ampliar el espectro de participantes y la naturaleza de sus proyectos. Esos desfasajes diluían un poco la responsabilidad de lo que finalmente sucedía. Alonso y Craciun no pierden tiempo buscando categorías identitarias preestablecidas – es decir: ¿somos artistas conceptuales, performers, documentalistas, artivistas? Al contrario, ponen en marcha procesos de individuación a través de la propia producción proyectual, quizás por ello sean tan prolíficos. El colectivo crea proyectos juntos desde 2003, cuando se conocieron realizando estudios avanzados en la Facultad de Arquitectura de la Universidad de la República. Ejecutan proyectos que, en general, comprenden formatos de considerada complejidad; después van observando y luego documentando y socializando los resultados que a su vez, comienzan a forjar nuevos “públicos” y nuevos “lugares”. Son quizás una versión contemporánea (posmoderna) del artista que buscaba Walter Benjamin, como declara el filósofo alemán en una charla realizada en 1934, en el Instituto para el estudio del fascismo en Paris. En “El Autor como Productor”, Benjamin llama al artista para que se alíe al proletariado. En la Paris de 1934 esto evidentemente no era un llamado radical; como recuerda Foster, quien cita este acontecimiento, lo que si era extremado, era la metodología que el intentaba elucidar. Benjamin urgía al artista avanzado que interviniera, al igual que el trabajador revolucionario, por medio de la producción artística – para que cambiase su técnica de medios tradicionales y transformase el aparato de la cultura burguesa. Una tendencia correcta no era lo suficiente, eso significaba asumir un lugar al lado del proletariado.Y que tipo de lugar es ese?, pregunta Benjamin.“El lugar de un benefactor, de un patrono ideológico – un lugar IMPOSIBLE.”

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Por mas difícil que fuera, la única solidariedad con el trabajador que contaba para Benjamin era solidariedad en práctica material, no en tema artístico o actitud política por si misma. Foster explica que una mirada al texto de 1934 de Benjamin revela que las dos oposiciones que aún atormentan la recepción del arte – calidad estética versus relevancia política, forma versus contenido – eran tan familiares y fructíferas hacen mas de 70 años atrás. Benjamin proponía vencer estas oposiciones en la representación a través del tercer término – la producción (el artista como productor). Paradójicamente, ninguna de ambas oposiciones ha desaparecido. Al enfocar su práctica artística dentro de la lógica misma de lo proyectual, Alonso y Craciun devienen productores críticos, a medida en que resignifican aspectos de la historia oficial creando continuamente, dentro del tejido urbano, social y político de la experiencia actual, “una política del aquí y ahora, de contestación inmanente”6.

La obra como una forma de sentirse siendo en el mundo7 2010 fue un periodo intenso para el dúo artístico. Entre otras propuestas locales, los artistas se concentraron a fondo en los cuatro proyectos que los llevó a pasar la mayor parte del año en diferentes ciudades europeas. Estos cuatro proyectos recientes ejemplifican y abarcan el amplio espectro formal y relacional inherentes a su visión de arte, sociedad, individuo, historia y mundo/vivir. En mayo participaron del Workshop Constructions of narratives-subjectivities about the real. The contemporary territory through the image [Construcciones de narrativas-subjetividades sobre lo real. El territorio contemporáneo a través de la imagen] en la Staatliche Akademie der Bildenden 6 Foster, Hal. “The artist as ethnographer,” in The Return of the Real. The MIT Press, 1996. 7 El doctor psicoanalista Marcelo N. Viñar cita al psicoanalista Abel Fernandez en su definición de la subjetivación: “Subjetivación son las formas de sentirse siendo en el mundo”. Me gusta su definición porque es breve, lacónica, económica en sus términos. “Sentirse siendo en el mundo”, se le puede reprochar un exceso de amplitud, pero reúne en “sentirse” (el afecto, la vivencia –erlebnis-), con el gesto cognitivo de aproximación de un sentido. Extracto de texto publicado bajo el titulo ¿Qué tiene que ver el Inconsciente freudiano con la Subjetivación? Algunos problemas terminológicos y conceptuales. In Debates sobre subjetivación, IV Congreso APU, agosto 2006.

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Kunste, Stuttgart, Alemania. Una experiencia beuysiana cuya relación coloquial y vivencial entre docentes y alumnos sorprendió el bagaje sistémico que traían los artistas uruguayos, herencia del modelo racional y empírico de la Facultad de Arquitectura. Percibieron, entonces, la sintonía que aún se podía encontrar, desde una visualidad contemporánea y teorización rigurosa, entre lo real y la actitud relacional, entre lo educacional y lo vivencial, y entre la Academia y Amorir, por ejemplo. Un lugar que va de encuentro al alma del impulso relacional desarrollado por artistas como Gordon Matta-Clark mucho antes de la teorización sobre la Esthétique relationnelle (1998) de Nicolas Bourriaud. Antes de sus espectaculares cortes de edificios abandonados realizados en los años 1970 (Building Cuts), Matta-Clark reside en Paris en el 1968 y vuelve a Nueva York profundamente marcado por las huelgas estudiantiles de ese año. Y a partir de su conexión con Guy Debord y el Situacionismo, y con el concepto de détournement – la reutilización de elementos artísticos preexistentes dentro de un contexto/composición nueva – surge la Anarquitectura de Matta-Clark. Entramado reticular de política y arte mediante el cual Matta-Clark irrumpirá en la escena artística de Nueva York, la Anarquitectura buscaba emplazar críticas institucionales a partir de experiencias colectivas en el espacio urbano. “Su preocupación se centró en los nuevos modos de vida y las nuevas subjetividades e identidades políticas posteriores a 1968: trabajando con basuras, ofreciendo oxígeno a los transeúntes de Nueva York, abriendo un restaurante gestionado y dirigido por artistas, poniendo en tela de juicio la propiedad privada del suelo o subiéndose a la Clocktower para, colgado de su reloj, proceder a afeitarse, ducharse y lavarse los dientes”8. Entre 1971 y 1973, Matta-Clark cofundó Food, un restaurant gestionado por artistas en Soho que transformaba la cena en un evento con cocina abierta e ingredientes exóticos que celebraban el acto de cocinar. Food transformaba el paisaje de Soho, y ese cambio estaba en el fervor que la experiencia colectiva, abierta e informal, traía a la zona, y a un local – un restaurante comúnmente tenido como un espacio delimitado por sus propias condiciones social y económicas – que si en teoría es público, en realidad es un lugar privado. Es en ese ámbito de la apertura a través de lo procesual (cocinar a cocina abierta, por ejemplo, desmitificando la labor del chef y compartiendo la experiencia sensoria), que Alonso y Craciun mantienen el énfasis en la comida, como sustituto a la formalidad de los cocktails que acompañan los vernissage de exposiciones. Además de abrir cada uno de los 32 sábados consecutivos de Amorir con

Sebastián Alonso, Martín Craciun, Lucio de Souza, Emilio Nisivoccia: 5 narrativas, 5 edificios XII Mostra Internacional de Arquitetura, Bienal de Veneza.

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8 Dr. Adolfo Vásquez Rocca, “Anarquitectura y deconstrucción”, publicado en Escaner Cultural, Revista de Arte Contemporáneo y nuevas tendencias, nº 107, agosto 2008.

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un menú desarrollado por el artista invitado, en sus proyectos subsecuentes Alonso y Craciun mantuvieron el interés en la comida como ritual de inauguración, de acercamiento entre la experiencia de lo colectivo y lo sensorial, y de esa manera vitalizando la formalidad hermética inherente al ámbito de las exposiciones de arte. De regreso a Montevideo, y apenas concluido el proyecto para la Bienal de Arquitectura de Venecia en agosto, el colectivo vuelve a Europa por tercera vez, invitado para formar parte de la tercera edición del proyecto Arte es Acción, organizado por el Ministerio de Cultura español. La propuesta de este proyecto involucra la ocupación de una antigua fábrica, La Tabacalera, ubicada en el centro de Madrid, del 25 al 31 de octubre de 2010. En la descripción del proyecto, los organizadores manifiestan:

Nuestra propuesta es poner en funcionamiento por unos días la maquinaria de la Tabacalera, teniendo en cuenta que en una fábrica de tabacos la maquinaria eran las trabajadoras, y que las trabajadoras no sólo actuaban dentro de la fábrica sino también fuera de ella, y que el potencial industrial que los muros encerraban se transformaba en potencial social fuera de ellos. Se trabajará con el espacio, se trabajará con materiales encontrados, se colaborará con otros artistas o se buscará un lugar de acción en espacios de relación en el entorno. … El arte es acción en cuanto produce experiencia compartida. La acción es arte cuando produce discurso.

En La Tabacalera Alonso y Craciun definieron su propuesta en términos de la creación de una instalación site-specific cuyo proceso es una acción. Pasaron una semana moviendo el mobiliario de la vieja fábrica en la paulatina construcción de una instalación arquitectónica, que integró objetos del antiguo mobiliario y cajas de filtros de tabaco vacías. Cuando no estaban registrando el proceso-acción, organizaban eventos con charlas, comidas, y mostraban obras anteriores en video, integrantes de su archivo en continuo progreso, como entrevistas al artista Ernesto Vila, el arquitecto Marcelo Danza, y el músico Marcelo Rila. Migrando como de costumbre elementos

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de su historia y experiencia cultural uruguaya, los jóvenes artistas habían preparado, para este proyecto español, una publicación titulada ¿Se considera un asesinato dispararle a un cadáver? De formato tabloide, edición similar al proyecto editorial iniciado un año antes con Público – Posiciones en un mundo real, este impreso de 31 páginas contaba con 6 textos, entre los cuales un editorial de Alonso y Craciun, y un ensayo del célebre arquitecto y artista libanés Tony Chakar. La publicación abre con las siguientes palabras de sus editores:

Esta publicación pone a consideración un proyecto editorial que pretende comenzar haciendo potencialmente visible nuestra vocación por intentar construir colectivamente y en relación con diferentes actores lo que Paolo Virno denomina una nueva esfera pública.

Salieron de La Tabacalera de Madrid para entrar en la antigua fábrica de cerveza de Basilea, del proyecto Arte es Acción al Euro-Latin Performance Tour. En noviembre del año anterior, 2009, Alonso y Craciun habían recibido un mail electrónico del curador holandés radicado en Berlín, Harm Lux. Durante casi un año estuvieron en contacto por mail, discutiendo cuestiones filosóficas acerca de la realidad latinoamericana y uruguaya, la urbanidad, lo político, lo académico etc. Inspirado en Cita a Ciegas: Encuentro Internacional de Performance en Cusco (2009), organizado por el artista conceptual peruano Emilio Santisteban, Harm Lux arma un proyecto en forma de recorrido performático con nueve artistas latinoamericanos y nueve europeos itinerando por las ciudades de Basel, Zurich, Hannover y Berlín. El Euro-Latin Performance Tour se realizó durante el mes de noviembre de 2010; Alonso y Craciun presentaron la misma publicación diseminada pocos días antes en Madrid y mostraron videos de obras anteriores, priorizando, de esta vez, ediciones del proyecto Amorir. Incluyen también registros de instalaciones y performances realizadas en Montevideo entre 2006 y 2009, como Público, posiciones en un mundo real, instalación site-specific realizada en el espacio Plataforma del MEC (2009), y el proyecto-performance-intervención urbana/social Hombre Invisible, realizado en el Museo de Arte Precolombino e Indígena (MAPI, 2008), y luego presentado en otras acciones en el espacio público.

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Hombre Invisible deviene del acercamiento que los artistas le propusieron a una comunidad de inmigrantes latinoamericanos situada en el casco viejo de la ciudad de Montevideo. La comunidad consiste en una mayoría de peruanos y colombianos en situación de margen socio-económica, y diversas minorías que incluyen, hoy, uruguayos en situación de calle, los cuales han encontrado apoyo material, logístico, y psicológico en la Asociación Cultural y Casa de los Inmigrantes Cesar Vallejo. La casa es dirigida por Carlos Valderrama, peruano y asilado político que llegó a Montevideo hace diecisiete años buscando asilo, luego de un aprisionamiento de tres años en Perú por exponerse en contra la política de Fujimori. Sebastián y Martín comienzan a propiciar el acercamiento de mundos supuestamente alejados con el intuito de instaurar un diálogo, guiados por el interés y la curiosidad; piensan la posibilidad del acercamiento – la dilución de las fronteras raciales, clasistas, a la vez que en esa época ya les interesaba el mapeo de zonas urbanas de compleja historia y reconfiguración circunstancial. Así es que a lo largo de muchos encuentros los artistas crean el proyecto del Hombre Invisible utilizando como objeto disparador de (des)encuentros, una máscara en látex moldeada sobre el rostro de Valderrama. Dicha máscara pasa a ser utilizada por los artistas y otros actores en inauguraciones museales, en el espacio público, y en puestas en escena fotografiadas formalmente. Un confronto performático intervencionista de tenor más violento, de estrategia de choque con el otro, Hombre Invisible busca vivificar el estigma del racismo en una sociedad cuya historia y cuyo proceso formativo le han devuelto una composición bastante homogénea (europea). El otro en este caso es tomado por los artistas como el propio binario: tanto el yo como el otro ambos son Otro. La máscara cubre la individualidad de uno instaurando la súper-presencia del otro; y al hacerlo, desvela y denuncia, simultáneamente, la otredad – una otredad asimilada dentro de cada uno y cada vez más acrecida de la complejidad de la era del capitalismo globalizado. Una otredad que invoca leyes locales e internacionales acerca de la inmigración, la historia, derechos civiles y humanos, una otredad que revuelve el sentimiento de seguridad instaurando la diferencia, amenazando ambas partes y a la vez, exigiendo apertura, tolerancia y, grandes esfuerzos de crecimiento personal y espiritual. Como la mayoría de sus proyectos, Hombre Invisible es un trabajo en progreso; las máscaras están, fueron realizadas a partir de, y con el protagonismo de, Carlos Valderrama; más allá de una afectación simbólica, el dispositivo de confronto sirve como un instrumento de ataque y de dialogo que atraviesa las fronteras entre sujeto y objeto, Alonso e Craciun, Isla de Ratas. Cerâmica, terra, blocos e escombros.

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el arte y lo real. Las máscaras de Hombre Invisible pueden seguir siendo empleadas de acuerdo a las necesidades e inquietudes de los artistas y del propio Valderrama, en la medida en que acompañan su propia recreación de la historia, en su intento de afectar algunos destinos del presente. En la exposición “Público, posiciones en un mundo real” (Plataforma, Montevideo, 2009), los artistas prepararon una cena in-situ y festejaron la apertura con una orquesta de cuerdas – violines y violoncellos. Habían pasado días construyendo un monumental cilindro de bloques de cemento, dentro del cual instalaron un auto amarillo, en destrozos. A la vez juego formal-arquitectónico con la apertura circular del entrepiso del espacio, la instalación alude a la contención y protección institucional de maquinaria vieja y oxidada – maquinaria como metáfora de modelos estancados de ser y estar en el mundo? Maquinaria vieja como alusión a sistemas de gobernabilidad y estructuras estatales obsoletas? A pocos metros de esa instalación, una alegoría escultórica proveniente de su visita a la Isla de Ratas9, donde huyen desde una caja de madera, tierra y escombros, las ratas (hechas de cerámica) que prosiguen en desplegarse por el espacio circundante, posible pronóstico de lo que deviene de las ruinas mal-atendidas, de todo aquello que por conservadurismo y anacronismo se pierde en el tiempo y fosilizado, se multiplica y disemina apenas en su condición más pútrida. Además de las instalaciones, una serie de fotografías, retratos de individuos vistiendo la máscara-referente de una visualidad andina-peruana (Hombre Invisible), y un espacio circunscrito dedicado a documentaciones audio/e visuales del proyecto Amorir.

nuevos significados de aquello que se designaba lo real, y lo público. Suman y se ramifican sin dispersión, conjugan y sintetizan, colectivizan y se mantienen sensibles a los procesos de subjetivación e individuación, aluden al ahora accediendo a fuentes del pasado, estudian incansablemente y vuelven a encontrar, cada vez más, la posibilidad de re-visión, y reconstrucción de su propia historia – y lo mágico, y posiblemente paradójico de todo esto, es que lo hacen guiados por un innato y politizado sentido de la estética.

Referências bibliográficas BENJAMIN, Walter. “The Author as Producer”. New Left Review I/62, July-August 1970. BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009. FOSTER, Hal. “The artist as ethnographer”, in: The Return of the Real. MIT, October, 1996.

Alonso+Craciun proponen, se abren, dialogan, y a medida en que construyen situaciones sociales, poéticas y objetuales, descubren y crean 9 La Isla de Ratas es un islote de piedras de unos 100 metros por 50 en una zona muy baja del centro de la bahía de Montevideo donde apenas se puede navegar. Es también llamada isla Libertad desde 1843, cuando en el transcurso de la Guerra Grande, la escuadra dirigida por los nacionales que apoyaban a Manuel Oribe fue rechazada de allí por la escuadra naval del gobierno de Montevideo, dirigida entonces por el italiano Giuseppe Garibaldi. En diferentes etapas históricas recibió los nombres de: isla de la Guerrilla, isla de las Gaviotas, isla de los Franceses e isla de los Conejos. En el transcurso del siglo XIX la isla fue arrendada a la estación naval británica surta en el Río de la Plata, y fue también utilizada como lugar de aislamiento para las tripulaciones y pasajeros en cuarentena. En 1931 se construyen en la isla un hangar y una rampa de hidroaviones y pasa a depender de la Armada Uruguaya como base aeronaval, inaugurándose como tal el 21 de febrero de 1933. En 1938 se tienden entre tierra firme y la isla los cables de electricidad y teléfono. La Armada utilizará la base hasta el año de 1950, cuando deja las instalaciones que se convertirán en depósito portuario, para mudarse a la nueva base aeronaval de Laguna del Sauce. http://es.wikipedia.org/wiki/Isla_de_Ratas

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Quintais urbanos Tainá Azeredo*

Palavras-chave Espaço público; arquitetura; espaço urbano; lazer; convivência. Key words Public space; architecture; urban space; leisure; living together.

Resumo: O presente ensaio procura colocar em evidência os pontos de contato entre a arquitetura e o fazer artístico dentro de uma configuração de metrópole urbana, pensando trabalhos que proporcionam a ampliação do convívio a partir da ocupação dos espaços públicos. Para tanto, como base para a pesquisa, foi escolhido o projeto Lotes vagos dos artistas e arquitetos mineiros Breno Silva e Louise Ganz, iniciado em 2005 na cidade de Belo Horizonte e desenvolvido em 2008 também na cidade de Fortaleza. O trabalho trata da ocupação e transformação dos lotes vazios e privados em espaços públicos temporários, os quais, com o auxílio de um grupo de artistas e da população, foram reconfigurados conforme um desejo ou uma necessidade local, estabelecendo novas relações com a comunidade. Abstract: This essay aims to highlight the points of contact between architecture and art within an established urban metropolis, thinking in works that provide the extension of living together from the occupation of public spaces. To reach that goal, the artistic project Lotes vagos by artists- architects Breno Silva and Louise Ganz, initiated in 2005 in Belo Horizonte and extended to Fortaleza in 2008, was chosen as starting point. The work deals with the occupation and transformation of vacant private spaces into temporary public spaces, reconfigured with the assistance of a group of artists and the local people, according to a desire or a local necessity, thus creating new relations with the community.

Lotes vagos – Topografia, de Ines Linke e Louise Ganz

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*Tainá Azeredo é mestranda em artes visuais pela Faculdade Santa Marcelina, sob orientação do Prof. Dr. Ricardo Basbaum.

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aproximação entre população e espaço urbano se dá por meio da construção de ambientes que dão ensejo ao convívio e às trocas entre as pessoas. Planejamento, loteamento, reconfiguração do espaço urbano, ocupação, construção, comunidade, moradia, lazer. Estas palavras fazem parte de um glossário propriamente arquitetônico, que dá sustentação à possibilidade de transformar lugares e desenhar novas estruturas onde os espaços se encontravam vazios. No entanto, o mesmo vocabulário é transferido com naturalidade da arquitetura ao plano artístico nos enunciados de Breno Silva e Louise Ganz, artistas-arquitetos, cujos trabalhos são voltados para o espaço público. Formados em arquitetura, a dupla transita pelos dois campos sem delimitar fronteiras. Para eles, a prática artística é pensada seguindo o mesmo plano de ação implantado em um canteiro de obras. Em 2005, quando vagueavam por uma área periférica da cidade de Belo Horizonte, o bairro Urucaia, notaram o grande número de apropriações de lotes vazios para o cultivo de hortas divididas entre a população local. A partir dessa observação, fizeram um mapeamento dos lotes vagos em Belo Horizonte, o que equivalia (em 2005) a 10% da propriedade privada da cidade. Com esses números e uma prévia catalogação desses espaços abandonados, colocaram em prática o projeto Lotes vagos – ocupações experimentais. Tratava-se de negociar empréstimos temporários dos espaços, numa tentativa de devolver ao uso comum aquilo que, nas mãos de um único proprietário, havia ficado abandonado e perdido qualquer funcionalidade – como se fossem espaços mortos na cidade. Graças à colaboração de outros grupos de artistas e arquitetos, foi efetuada uma negociação com os proprietários dos lotes e implementados diversos tipos de ações que tinham como proposta a criação de novas relações entre a população local e os espaços vazios. A ideia aqui não é pensar o público e o privado como duas vertentes separadas, mas pensar paralelamente duas instâncias do espaço urbano e questionar a possibilidade de traçar um plano dinâmico entre elas. Mas, como evocar as noções de público e privado, quando os espaços examinados se apresentam vazios e sem uso, ainda que cercados e murados? Com o crescimento acelerado do capitalismo no fim do século 18, e a mudança de um eixo de vida rural para o sistema de fábricas dos grandes centros urbanos, as cidades passaram a receber um número muito maior

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de habitantes do que podiam comportar. E por conta do caos urbano instalado, muitos modelos de reestruturação urbana foram criados e aplicados. Cada cidade procurou seguir traçados e estruturas diferentes, diante das distintas relações sociais e políticas de cada lugar. Mas todos os modelos planejavam uma coisa em comum: discernir aquilo que seria público daquilo que seria propriedade privada e de acesso restrito. É preciso saber que reconfigurações urbanas não trazem somente mudanças no plano estrutural, mas levam consigo o peso das relações previamente estabelecidas pela população. Louise Ganz enxerga seu ambiente de trabalho e criação a partir de conceitos que reestruturam as relações de propriedade: “Por trás desse desenho da superfície da terra, que delimita e separa a propriedade privada do espaço público, revelam-se questões importantes para o entendimento das relações e lutas da humanidade, sobretudo a da posse de terras. Privatizar, cuja origem da palavra é privare, quer dizer roubar”1(Ganz, 2008). Com um processo de maciça privatização, foram concebidos parques e bulevares, praças e calçamentos, e, posteriormente, shoppings, condomínios e parques temáticos, com o objetivo de proporcionar encontros e práticas comuns. Dessa forma, as atividades domésticas (lavar roupa, cozinhar, comer, assistir televisão) foram restritas às moradias enquanto, na esfera pública, poderiam ser praticadas outras atividades de forma controlada e com políticas preestabelecidas, como jogar em espaços reservados para jogos, comer em espaços reservados para tal fim, festejar se houvesse espaços para isso etc. Dando uma falsa sensação de liberdade, tais espaços, que deveriam ser chamados de públicos mas são totalmente vigiados por câmeras de segurança, acabam camuflando diferenças sociais e espetacularizando a vida cotidiana. Louise Ganz, em um texto sobre os Lotes vagos, comenta a diferença de comportamento da população de Xangai, onde os habitantes usam as calçadas como extensão de suas próprias casas e transformam as ruas graças a sua ocupação, em vez de aguardar que lhes sejam dadas regras ou autorizações de uso: “Muitos dos espaços de uso público oficial não nos permitem um uso cotidiano, uma expansão da democracia e uma autonomia para escolher o que fazer no local. Portanto, essa mobilidade se dá pelo modo como as pessoas usam, pelo tipo de espaço, pela capacidade de permanência, pelo burlar de certas determinações legais” (Ganz, 2008). Além de controlados, esses espaços oficialmente destinados ao uso 1 Lotes vagos: ação coletiva de ocupação urbana experimental por Louise Ganz, 2008. Em http://www. scielo.br/scielo.

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público são escassos e de difícil acesso. Em uma grande cidade que foi planejada, como é o caso de Belo Horizonte, chegar até um parque requer um deslocamento difícil. Por outro lado, lotes vagos se encontram com maior facilidade. No Brasil, o plano de ocupação do solo não está necessariamente ligado ao plano de ocupação arquitetônica: “As cidades são construídas de acordo com o modelo de ‘loteamento sem edificação’, ou seja, o parcelamento do solo é desvinculado da construção imediata. Os loteamentos – ruas, quadras, saneamento e iluminação – são construídos, mas não imediatamente habitados, e muitas vezes levam-se anos para que tal ocupação ocorra”(Ganz, 2008). Isso explica os inúmeros espaços vagos e disponíveis, ainda que não visíveis, em qualquer região. A questão é: estariam tais lotes prontos a serem ocupados e usados efetivamente? Ou seja, aptos a abandonar esta falsa sensação de liberdade, para provocar uma experiência de liberdade em si? Por meio do prazer de erguer algo partindo de necessidades reais, conquista-se a potencialidade de autodeterminação. Aqui mora o ponto-chave desta reflexão: a possibilidade de criar junto com a população local um espaço público aberto a práticas de lazer, estudo, descanso e convívio, tendo em vista a finalidade de intervir na vida. O sentido de responsabilidade social, que funciona como uma das bases para o projeto, está intimamente ligado a uma aproximação com o cotidiano das pessoas que residem em áreas vizinhas. Desse modo, todas as propostas sugeridas pelos artistas e arquitetos que participam do projeto Lotes vagos surgem de uma configuração que une topografia e condições de vida. O que o lote oferece: declive, sombra, estruturas em concreto? E quais as necessidades da população? São estas perguntas, entre outras, a serem levantadas no momento de lançar qualquer proposição, enquanto, em paralelo, discute-se o que se tem e do que se precisa. A partir dessa prática de negociação do espaço, que envolve proprietário, população e agente propositor, diversas ações foram feitas em pontos diferentes da cidade de Belo Horizonte, no ano de 2005, e na cidade de Fortaleza, em 2008. Cada lote ganhou um nome específico conforme sua utilização. Por exemplo: 100 m2 de grama, terreno de 500 m2, onde foram plantados, junto com os vizinhos, 100 m2 de grama para descanso, banho de piscina, cultivo de sementes, entre outras atividades; Cabeleireiro aproveitou o alto índice desse tipo de estabelecimento na região e o número de edifícios residenciais para estabelecer um dia de SPA gratuito com cabelo, unha e massagem para os moradores da região; Topografia tirou partido de

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um terreno em declive acentuado com vista para a cidade e instalou sofás topográficos para contemplação ou descanso. Entre inúmeros outros exemplos, Lotes vagos se constituiu a partir das trocas entre o fazer e o desfrutar, e, principalmente, proporcionou um convívio maior entre habitantes de uma mesma região, fortalecendo laços imprescindíveis em quaisquer eventuais ações da comunidade: Aquele que antes era espectador passa a ser o sujeito integrante, ativador. Aquele que era público não se reconhece no lugar do espectador, pois não lhe é oferecido esse lugar distanciado. Não é uma obra para ser visitada, é uma situação a ser vivida e construída. Tampouco é o lugar da participação entendida no campo da arte, pois não há uma “obra”. Simplesmente, vive-se ou age-se segundo os próprios desejos. Desse modo, a questão relevante é que, no trabalho Lotes vagos, somos propositivos e não apenas uma provocação artística ou resistentes ao sistema (Ganz, 2009).

Uma experiência dessa natureza, proposta por Louise Ganz e Breno Silva, talvez devesse ser a base de toda “boa” arquitetura: compreender necessidades locais e construir em parceria com a população um espaço simultaneamente funcional e comum. Assim, o arquiteto, o urbanista e, no caso, o artista, também, trazem a noção de responsabilidade compartilhada com a comunidade, na reestruturação dos ambientes, a partir de um sentido de coletividade. Ações desse tipo proporcionariam maior conservação de áreas que deixariam de ser “áreas públicas sem dono” para ser “espaços públicos de todos”. Sabendo que a arquitetura urbana é uma questão de políticas públicas e, sobretudo, de grandes negociações com os governos locais, a arte é uma forma de entrar nessas lacunas políticas, apontando falhas sociais e urbanas. Esta construção de território denota o limite tênue entre o plano artístico e o plano arquitetônico. Breno e Louise usam aqui a arte como estratégias de micropolíticas urbanas. Trabalhando no mesmo âmbito e tomando por foco a microescala humana em metrópoles, Marcos L. Rosa documentou cerca de dezoito projetos de micropráticas na cidade de São Paulo durante o ano de 2008. Em seu livro Microplanejamento – práticas urbanas criativas, Rosa mostra os campos de ação em diferentes partes da cidade, sempre com a participação da comunidade, tanto na negociação sobre o tipo de prática a ser inserida

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quanto na própria construção. A ideia de “microplanejamento” provém da necessidade de criar sistemas alternativos de planejamento urbano e proporcionar o encontro e a colaboração entre os habitantes do local a ser transformado: “Esse viés de leitura elege a cidade como um laboratório e campo de experimentação” (Rosa, 2011). Como nas ocupações experimentais de Louise e Breno, as práticas urbanas criativas levantadas por Marcos L. Rosa procuram tornar visíveis e ativos espaços em desuso e mal aproveitados. Trabalhando sempre com a população local que constrói a partir de sua experiência do espaço – o que permite evidenciar uma nova formatação da vida coletiva na cidade – , ambos fortalecem a rede de relações e fazem a população se sentir participante da constituição de um determinado espaço, a ponto de ter vontade de conservar as áreas ou proporcionar mudanças nesses espaços comuns. Dentro desse contexto de micropráticas urbanas a partir do contato com a comunidade, o plano de ação arquitetônico também deve ser repensado, uma vez que não tem início com práticas comuns de planejamento, mas com um questionamento do papel do arquiteto e do urbanista, que aqui se encontram em meio a um jogo de interesses da própria comunidade, e em um campo aberto à interdisciplinaridade: Se definirmos o arquitetônico como um espaço aberto à intervenção e, se entendemos o arquiteto como todo aquele que age em seu ambiente, apontamos para a possibilidade de uma outra investigação da cidade e para outra forma de se planejar o urbano. Aceitamos a cidade real, como um produto de decisões políticas, projetos e vontades coletivas e pessoais e acreditamos existir nessa cidade enorme potencial para reorganização, rearticulação e recodificação (Rosa, 2011).

“Microplanejamento”, para Rosa, é a tarefa de reunir a população e fazer essa negociação e construção coletiva. Sem pensar o tempo como fator limitante, Rosa acredita que pequenas ações podem mudar o cotidiano, não só porque houve uma transformação do espaço, mas, principalmente, porque possibilitaram a formação de novas relações. Pode-se dizer que corresponde ao que Breno Silva chama de “microação política”, quando conjuga arquitetura e arte. A pergunta que Louise coloca na experiência de Lotes vagos encontra resposta na pesquisa de Rosa: “Poderiam os lotes vagos, ocupados

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temporariamente, ser o embrião, em uma microescala, da experiência dessa outra cidade inventada a partir dos vazios, gerando novas espacialidades e modos de viver?” (Ganz, 2008). Em todos os projetos documentados, a participação dos habitantes é nitidamente o fator mais importante. E mais uma vez traçando um paralelo entre a pesquisa de Marcos L. Rosa e a ação proposta por Breno e Louise, “a construção da paisagem se faz assim, por uma microação política, gerando microalegrias” (Ganz, 2009). Tanto no caso dos artistas-arquitetos quanto no caso do arquiteto strictu senso, as ações apresentadas foram uma busca para encontrar na cidade espaços subutilizados e com potencial para a criação de coletividades, já que o acesso aos espaços públicos oficiais está cada vez mais complicado, devido à escassez e à falta de liberdade: “O lote vago tem uma potência evocativa sobre a percepção da cidade contemporânea, pois expõe a ausência de uso, de atividade e, ao mesmo tempo, o sentido de liberdade e de expectativa”(Ganz, 2008). Este espaço em potencial foi trabalhado também por Lara Almarcegui, artista espanhola, em sua vinda ao Brasil para a participação na 27a Bienal de São Paulo. Com infinitas possibilidades que uma cidade como São Paulo oferece e tantos espaços preenchidos, Almarcegui volta seu olhar novamente para os terrenos baldios e extrai da metrópole aquilo que lhe é mais raro: o vazio. Como resultado de seu período na Residência Artística Faap, a artista elaborou um Guia de terrenos baldios de São Paulo, que trouxe um mapeamento dos terrenos encontrados na cidade, segundo ela de maior interesse e de maior especulação imobiliária. A falta de arquitetura e a falta de planejamento desses espaços localizados nos lugares mais inesperados da cidade funcionam como respiro em meio ao caos e se apresentam como lugares independentes do conjunto arquitetônico urbano e, nas palavras da artista, são “paraísos para a vegetação, nos quais estranhamente o tempo parece ter parado” (Almarcegui, 2006), enquanto a cidade continua em seu ritmo acelerado. Tal deslocamento temporal em relação ao entorno se torna mais evidente quando, através de sua catalogação, conseguimos ver terrenos baldios ao lado de grandes empreendimentos imobiliários delineando uma antipaisagem. Ou, poderia se dizer, em posição antiespetacular onde domina a natureza esquecida pela cidade. O trabalho de Lara difere do trabalho da dupla apresentada anteriormente por não se preocupar em estabelecer espaços de relação, nem construir propostas que sustentem micropolíticas, porém aproxima-se da

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ideia de ir ao encontro desses espaços subutilizados e potencialmente transformáveis em mais um empreendimento capitalista. Fica, porém, o desejo da permanência do vazio. Criticando a falta de cuidado com esses espaços e chamando a atenção para sua existência, a artista escreveu: “Quase todos os terrenos baldios deste guia são lugares sem proteção, que podem desaparecer com construções, reorganizações urbanas ou projetos. No guia, procura-se mostrar quais são os terrenos baldios mais ameaçados”. Atentou ainda que “é muito importante visitá-los o mais rápido possível” (Almarcegui, 2006). Fugindo do espetáculo e apontando para a construção de uma microescala urbana, os três projetos apresentados rapidamente aqui retiram da invisibilidade lugares potenciais para a criação de novas relações na cidade. Quando tais espaços são deslocados do anonimato e postos em evidência, é possível atribuir um valor estético vinculado ao valor de uso e transformar lugares aparentemente ordinários em “lugares da possibilidade em que o cidadão pode se sentir livre” (Almarcegui, 2006).

Referências bibliográficas ALMARCEGUI, Lara. Guia de terrenos baldios de São Paulo: uma seleção dos lugares vazios mais interessantes da cidade [publicação especial que acompanhou o trabalho de residência artística da artista na 27ª Bienal de São Paulo, em parceria com a Residência Artística Faap, Edifício Lutetia]. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2006. GANZ, Louise. “Lotes vagos: ação coletiva de ocupação urbana experimental”. Revista ARS, vol. 6, nº 11, São Paulo, 2008. ROSA, Marcos L. Microplanejamento: práticas urbanas criativas. São Paulo: Cultura, 2011. SILVA, Breno, GANZ, Louise. Lotes vagos: ocupações experimentais. Belo Horizonte: ICC, 2009.

Lotes vagos – Banquete coletivo, de Ines Linke e Louise Ganz

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VI SEMINÁRIO DE CURADORIA

Sonho da casa própria journal de bord María Inés Rodríguez*

Palavras-chave Espaço público; cidade contemporânea; arquitetura; utopia. Key words Public space; contemporary city; architecture; utopia.

Resumo: O VI Encontro Semestral de Curadoria da Faculdade Santa Marcelina abordou diferentes agentes do sistema cultural como mola de desenvolvimento urbano. Ao lado de María Inés Rodríguez, cujo artigo reproduzimos aqui, o curador Rodrigo Moura trouxe um caso extremo e oposto: Inhotim, Instituto de Arte Contemporânea e Jardim Botânico, em Brumadinho (Minas Gerais). De fato, a cidade contemporânea deixa a descoberto o esqueleto de sociedades que crescem em velocidades diferentes e convivem sem possibilidade de trocas efetivas. Seriam os curadores “arqueólogos urbanos” que nos revelam as evidências de um estrondoso fracasso? Abstract: The VI Semiannual Curatorial Seminar of Faculdade Santa Marcelina approached different stakeholders of the cultural system as boost for urban development. Along with María Inés Rodríguez, whose article is reproduced here, the curator Rodrigo Moura brought an extreme and opposite case: Inhotim, Institute of Contemporary Art and Botanic Garden, in Brumadinho (Minas Gerais). In fact, the contemporary city leaves uncovered the skeleton of societies that grow at different speeds and live without the possibility of effective exchanges. Are the curators “urban archaeologists” that reveal evidence of a huge failure?

Desenho da exposição Sueño de casa propia por Pablo Léon de la Barra

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*María Inés Rodríguez assumiu em julho o cargo de curadora-chefe do Museu Universitário de Arte Contemporânea do México (Muac), depois de dois anos na curadoria do Musac (Castilla y León, Espanha). Foi curadora convidada da programação Satellite no Jeu de Paume (Paris) e editora do jornal Point d’Ironie. Desde 2006 integra o Comitê Curatorial do Artist Pension Trust América Latina. Como curadora independente e crítica de arte tem promovido projetos em torno de estratégias de apropriação do espaço público.

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brigada a todos pela presença. É um prazer estar nesta mesa e poder compartilhar experiências. Hoje, por ser um seminário, me parece mais interessante apresentar um estudo de caso de curadoria independente para abordar o tipo de dificuldade que esse curador enfrenta até conseguir levar adiante as propostas dos artistas. É preciso primeiro encontrar uma ideia e que essa ideia gere um projeto que, por sua vez, desperte interesse em outras pessoas: nos artistas (os mais importantes) e nos lugares ou instituições onde o projeto pode acontecer. Depois, o processo continua bastante complicado, porque esse curador independente precisa trabalhar com uma equipe diferente em cada espaço; isso o obriga a aprender a adaptar-se, a fazer com que suas ideias sejam compreendidas para que o projeto não se “desnaturalize”, mas também aprende a não impor opiniões. Vale a pena falar de um projeto que teve uma longa elaboração. Depois de quatro ou cinco anos de pesquisa, a ideia inicial foi se transformando até se tornar um projeto que não encontrava casa, não encontrava lugar. Somente quando havíamos desistido de realizá-lo, e já íamos passar para outra coisa, justo nesse momento outros começaram a se interessar e, finalmente, foram cinco exposições em cinco lugares diferentes. A concepção, construção e realização do “sonho da casa própria”1 tem implicado um longo processo de trabalho e pesquisa. Uma construção determinada pela urgência do real e levada a cabo com a colaboração de um grupo de pessoas. A pesquisa que levei a cabo, em colaboração com Pablo León de la Barra, caracterizou-se pela criação de “pontes”, em muitos casos de frágil e precária construção, mas que permitiram criar comunidades temporais de trabalho com as quais tentamos dar forma a nossas ideias. Os antecedentes da exposição “Sonho da casa própria” têm a ver com uma série de eventos consecutivos que se foram dando através do tempo: projetos realizados, encontros com pessoas que tinham seu próprio sonho de casa, atualidade política e social, momentos particulares em nossas vidas. O primeiro passo remonta à pesquisa iniciada em Paris em 2002 com a exposição “Instant City ”2 e com o seminário “De lo mismo a lo de siem1 “Sueño de casa propia”. Projeto realizado com a colaboração de Pablo León de la Barra. Andreas Angelidakis, Alexander Apóstol, Raúl Cárdenas / Torolab, Santiago Cirugeda, Aldo Chaparro, Ronan y Erwan Bouroullec, Sergio Cabrera, Jakob Kolding, Josep-Maria Martin et Raphael Nussbaumer, N55, Marjetica Potrc, Gabriel Sierra, Jimmie Durham, Yona Friedman, Pablo León de la Barra, Hans-Walter Müller, María Papadimitriou, Pedro Reyes, Pia Rönicke, Mapa Teatro y Tercerunquinto. 2 Instant City, Instituto de México, 2002.

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pre” na UNIA – Sevilha, no mesmo ano. Foi a ocasião para configurar uma zona de ativação e especulação que permitisse conhecer de perto os movimentos informais de apropriação do espaço público através da arquitetura, da música, da arte, do escambo ou da literatura. Trinta e cinco anos depois de o grupo de arquitetos de Archigram colocar o projeto Instant City, paradoxalmente, a cidade sobre rodas, ativa e em constante movimento, tomou forma de maneira espontânea e instantânea em muitos assentamentos urbanos das periferias de cidades como México, Bogotá ou Tijuana, evidenciando outros contextos e outras formas vitais e complexas de urbanismo. A seguinte etapa, e uma das mais importantes, foi o encontro com José Ivanildo, um habitante de Brasília que Pablo León de la Barra conheceu na Estação Rodoviária daquela cidade. José Ivanildo, por ser portador de necessidades especiais, tinha escassas possibilidades de conseguir um emprego. Porém, impulsionado por amigos, decidiu mudar da Bahia para Brasília, e uma vez lá chegado, decidiu iniciar seu projeto de sonho de casa própria. Com essa finalidade criou uma pequena instalação com fotografias, som, letreiros, na qual explicava seu projeto e pedia aos passantes dez centavos de real. Como ele mesmo o disse: “Passei seis meses lutando por esta casa. E foi pouco tempo, porque há gente que passa anos construindo a sua casa...”3. O projeto de José Ivanildo e a convicção que o moveu a criar sua própria estratégia para concretizar seu sonho de casa própria nos impulsionaram a formalizar a proposta e a tomar de ali o seu nome.

A exposição como dispositivo de apropriação do espaço social Foi constituído um grupo de trabalho composto por pessoas afins, que tinham desenvolvido outro tipo de estratégias e que provêm de contextos diversos e tentam dar respostas à problemática do acesso à moradia ou que, pelo menos, desejam responder à pergunta: Onde viver e como? A ideia não era fazer um catálogo com múltiplos projetos de casa; era, mais propriamente, construir uma equipe virtual de trabalho para compartilhar projetos, ideias e novas formas de apropriação do espaço social. A maioria localiza-se na intersecção da arte com a arquitetura, da utopia com a realidade. Como já foi assinalado em várias ocasiões por Yona Friedman, “as verdadeiras utopias são aquelas realizáveis. Crer numa utopia e, ao mesmo tempo, ser realista, não é uma contradição”4. 3 “Se busca a José Ivanildo”. In: Sueño de casa propia. A Casa Encendida, CEC, CACG. 2007, p. 5. 4 Yona Friedman, “Tu ferais ta ville”. “Exposición Pliant”. CAPC, Arc en rêve, Bordeaux, 2008.

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A exposição que viajou de 2007 a 2009, passando por Genebra, Madri, México D.F. e Córdoba foi materializando-se pouco a pouco à maneira de um patchwork, no qual se vão reunindo pedaços de pano de diferentes cores e tamanhos. Para cada cidade, Pablo León de la Barra desenhou um dispositivo específico, levando em conta o contexto, o espaço e as obras. Sempre me interessou a ideia de trabalhar a exposição como um campo estético e político ativo. É assim com o dispositivo, neste caso em particular, converte-se numa zona de ativação que reúne, ao mesmo tempo, as obras, uma biblioteca de consulta, uma mesa de trabalho na qual se podem desenvolver as conferências programadas. Em resumo, torna-se um espaço aberto, em contínuo movimento e evolução. Os projetos apresentados respondiam a necessidades específicas de contextos particulares e, nesse sentido, correspondiam a nosso desejo de manifestar que não existe uma solução-modelo, que se possa aplicar em qualquer lugar. Existe um problema habitacional em nível internacional, e é imprescindível que ele seja abordado levando em conta todos os atores que intervêm: arquitetos, urbanistas, dirigentes políticos, usuários e outros profissionais que possam contribuir com suas ideias. Entre as propostas apresentadas, gostaria de enfatizar os projetos “Escultura na periferia urbana de Monterrey” e “9 famílias”, de Raúl Cárdenas e “Receitas Urbanas”, de Santiago Cirugeda. Os três envolvem a comunidade como parte fundamental de um processo do qual ela não pode estar ausente, e põem em evidência formas urbanas emergentes de intensa atividade, que implicam problemáticas econômicas, sociais e políticas de grande complexidade, que escapam às noções tradicionais de urbanismo. “Escultura na periferia urbana de Monterrey” consistia em construir uma placa de concreto de 40 m2 disposta sobre uma superfície. Esta plataforma se foi convertendo ao longo dos meses num espaço gerador de laços sociais, num espaço da comunidade para realizar todo tipo de atividades (campanhas de vacinação, reuniões políticas, refeições, missas etc.). Um lugar de todos e de ninguém em particular, um experimento de apropriação de um espaço público. Passado certo tempo, algum vizinho decidiu aproveitar esta placa de concreto para construir em cima dela sua própria casa, convertendo-a, graças a algumas paredes, num espaço privado. Por sua parte, Raúl Cárdenas, de ToroLab, laboratório de arquitetura com sede em Tijuana, parte da ideia de que “a arquitetura (o uso clássico do ofício) se converte em parte do espectro, como um sujeito de análise e uma ferramenta para alcançar o núcleo do projeto junto com o

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Entrada da exposição Sueño de casa propia, Casa del Lago, Cidade do México, 2008

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urbanismo e um sistema de construção adequado”, ToroLab desenha uma casa utilizando uma série de elementos que se podem reciclar, provenientes das “maquiladoras”, ou simplesmente dos detritos que a cidade gera (pneus, telhas, portas de garagem etc.). O módulo que resulta pode ser adaptado às necessidades de espaço, e se adapta à precária economia de seus usuários. “Consideramos que estas técnicas de construção, que foram sendo desenvolvidas para melhorar a qualidade de vida destas famílias, dentro de suas possibilidades, e que, portanto, as dotam de poder para realizar este propósito, são a base do projeto”5. Tal qual nosso projeto, o de Raúl e sua equipe também foi evoluindo à medida que a pesquisa e o trabalho de campo avançavam, de maneira que aquilo que começou sendo uma casa para a família Durán se converteu num pequeno bairro de nove famílias, todas compostas por mulheres trabalhadoras de “maquiladoras”, chefes de família, com seus filhos. A passagem se deu quando a senhora Durán não aceitou construir a casa, pois, inscrita em seu bairro, geraria mais problemas do que benefícios ante seus vizinhos. O contexto se convertia de repente num elemento importante e decisivo que deveria ser levado em consideração. O desenho final e as características e dotações deste conjunto residencial foram discutidos e desenvolvidos com os integrantes das famílias que passaram a fazer parte da equipe de ToroLab. Seguindo esta linha de trabalho, que se inscreve na ideia de autoconstrução e de uma importante militância, o projeto de Santiago Cirugeda nos interessou particularmente. Este arquiteto de Sevilha tem desenvolvido propostas que procuram mudar o entorno urbano mediante intervenções pontuais. Noutro contexto geográfico e econômico, Cirugeda e sua equipe elaboraram um catálogo de receitas urbanas que permitem ao usuário seguir uma série de conselhos práticos e técnicos para a construção de uma casa (www.recetasurbanas.net). Sua proposta evoca, embora formalmente seja diferente, os manuais de autoconstrução elaborados por Yona Friedman nos anos 60 e distribuídos na Índia e em alguns países da América Latina, como parte de um projeto da Unesco. Seria interessante ver se estas propostas podem transformar ou pelo menos questionar a forma pela qual o problema do hábitat é abordado pelos especialistas, o Estado e seus residentes. Nesta ordem de ideias, conforme assinala Juan Herreros, “a moradia pública não mais pode ser concebida a partir da perspectiva de sua sistemática expulsão às margens da cidade. Se este é suporte, os programas de moradia têm envergadura suficiente

para se converter num motor de transformação do uso e da imagem do espaço público. Portanto, não se trata somente de construir edifícios. Assim, moradia e espaço “político” compõem uma ordem dupla de transformação, que deveria ser considerada simultaneamente para ensaiar aquelas variáveis cujos limites ficam por transitar e, entre elas, a densidade é sem dúvida um tema relevante”. Estabelecer conexões e criar redes de intercâmbio entre os envolvidos (artistas, arquitetos, dirigentes políticos e habitantes) pode gerar novas estratégias em matéria de hábitat.

Referências bibliográficas ANSAY, Pierre, SCHOONBRODT, René. Penser la ville. Bruxelas: Archives d’Architecture Moderne, 1998. CIRUGEDA, Santiago. Situaciones urbanas. Barcelona: Editorial Tenor, 2007. FRIEDMAN, Yona. Théorie et images. Paris: IFA, 2000. _______________. Pro Domo. Barcelona: Actar, 2003. _______________. L’architecture de survie: une philosophie de la pauvreté. Paris: L’Éclat, 2006. GUALLART, Vicente. Sociopolis: Project for a City of the Future. Barcelona: Actar, 2004. PEREC, Georges. Espèces d’espaces. Paris: Galilée, 2000. ROUX, Jean-Michel. Des villes sans politique. Nantes: Gulfstream, collection Génération urbaine, 2006. TOPHAM, Sean. Move House. Munique: Prestel, 2004. WILLEMIN, Véronique. Maisons mobiles. Paris: Editions Alternatives, Collection Anarchitecture.

5 “9 familias”. In: Sueño de casa propia. La Casa Encendida, Madri, CEC, CACG, 2007, p. 21.

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M E S T R A D O E M R E V I S TA

O estrangeiro global em permanente passagem Mirtes Marins de Oliveira*

Palavras-chave Pesquisa artística; estrangeiro; Anri Sala. Key words Artistic research; foreigner; Anri Sala.

Anri Sala, Làk-kat, 2004. Cortesia do artista; Galeria Chantal Crousel, Paris, Marian Goodman, Nova York; Hauser & Wirth; Londres, Zurique; Johnen/Schöttle, Berlim, Colônia, Munique. © 2011 Anri Sala

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Resumo: Elaborado a partir da dissertação de Regina Parra, Anri Sala: territórios de passagem e reconhecimento da alteridade1, o texto reflete sobre o papel da pesquisa artística dentro da universidade e sobre a noção de estrangeiro, presente na produção de Anri Sala. Abstract: The article is about Regina Parra’s essay, Anri Sala: passing territories and recognition of otherness, and reflects on the role of artist and artistic research within the university, and the notion of foreigner, present in Anri Sala’s work.

1 Dissertação orientada pela Profª Drª Lisette Lagnado na linha de pesquisa História, crítica e pensamento curatorial. *Mirtes Marins de Oliveira é docente e coordenadora do Mestrado em Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina.

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ada vez mais é difícil encontrar um consenso para o lugar do artista dentro da universidade. Aluno, professor ou pesquisador, qual o papel que se espera que o artista cumpra? No caso específico da pesquisa em nível de mestrado, o que esperar como trabalho final? Uma dissertação teórica? Um modelo que se impõe com frequência é o de estudar sua própria obra, apesar de, ainda muito jovem, não ter um corpo de trabalho que justifique um estudo aprofundado autorreflexivo. No entanto, tal modelo (aparentemente) favorece o artista e seu trabalho artístico, além de (supostamente) reafirmar seu lugar na instituição artística. Quem orienta conhece as dificuldades desse percurso, assim como a difícil defesa do resultado final. Assim, levanto aqui uma questão bastante pragmática: “de quem e do que o artista pode falar quando se propõe refletir sobre seu trabalho em um processo de investigação acadêmica?” Sem nenhum constrangimento e ciente das muitas vozes contrárias, insisto em pensar a questão de forma ampliada e sugiro não circunscrevê-la apenas ao campo artístico: de quem e do que o jovem pesquisador pode falar quando se propõe refletir acerca de seu trabalho em um processo de investigação acadêmica? A resposta parece-me única: de si e de seus interesses. Longe de propor o consagrado formato egotrip, presente em inúmeras produções acadêmicas de diferentes disciplinas, minha percepção é a de que, ao tomar para si um problema, mesmo que longínquo no tempo e no espaço, visões de mundo já estão presentes no simples gesto de escolha. Essa perspectiva é também presente no desenvolvimento da investigação, ao escolher autores, recortar e colar citações, desenhar a pesquisa. É nesse espaço entre objeto e problema abordado, e o horizonte para onde olha o pesquisador que se constrói todo o trabalho. A tradicional definição de pesquisa como construção de conhecimento novo pode e deve ser constantemente revisitada: propõe que o pesquisador reconstrua o que já é conhecido, mas que atente para o como já foi feito e o como pode ser feito de outra forma e, agindo ali no como, apresente o já conhecido como novo1. Essa concepção traz como pressuposto o desenvolvimento de uma ação crítica, e pode ajudar a pensar a pesquisa como algo que não se circunscreve ao âmbito da vida acadêmica, mas que aponta para seus aspectos epistemológicos e políticos, uma vez que desmonta co1 Toda fundamentação para os aspectos conceituais e formais articulados na pesquisa acadêmica é apresentada de forma crítica no livro de Antônio Joaquim Severino, Metodologia do trabalho científico.

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nhecimentos cristalizados em formas hegemônicas. A digressão é necessária para compreender melhor a operação realizada por Regina Parra em sua dissertação Anri Sala: territórios de passagem e reconhecimento da alteridade e localizar esta investigação em meio aos processos dialógicos entre gerações que o ambiente escolar tem a obrigação de proporcionar. Proposta educacional (escola) é projeto, e exige posicionamento de todas as partes envolvidas. Para longe da burocracia que entende a escola como comunicação informativa a serviço do mercado de trabalho e da falsa ingenuidade ideológica que dita vivências – supondo o pluralismo no lugar do exercício da crítica –, como pensar um lugar de ensino e procedimentos que instiguem no outro o que não é possível de ser transmitido: o conhecimento e seus processos de construção e crítica permanentes? Creio ser esta a árdua missão de rever o papel da escola na vida do cidadão contemporâneo, em todos os seus níveis, para não correr o risco de deixar à internet e à capacidade sensível de cada um resolver o entendimento e a proposição de mundos. O não dito, como se apresenta no trabalho de Regina Parra, faz toda a diferença. Sua investigação caminha na contramão daquela que a grande parte dos artistas costuma desenvolver quando segue um programa de pós-graduação, isto é, escrever sobre si mesmo. Parra elabora uma investigação sobre um outro, no caso, um artista de outra geração e lugar: Anri Sala. Leitora de Walter Benjamin, para quem olhar para o passado diz mais do presente do que do passado, ela desdobra estas assertivas, e seu trabalho mostra que a escolha de pensar o outro passa a dar significado às relações entre pesquisador e objeto de pesquisa, uma reflexão em diálogo. Nesse jogo, dois polos se estabelecem como ferramentas críticas: as teorias benjaminianas da linguagem e da história. Em Benjamin, as duas amarram vários aspectos de sua obra: a teologia; a aceitação da posição ideológica do autor/pesquisador/historiador; a ideia do passado iluminando o presente em um processo sem fim de uma história sempre aberta à reescritura. Em ambas, Benjamin aponta para o constante inacabamento e abertura para novas influências, variáveis, perspectivas. Nessa constelação, a noção de alegoria é central e serve para estabelecer o eixo Parra/Sala. O significado de alegoria, em sua origem etimológica, allegoria, é “dizer o outro”, e substituiu o termo hypónoia, “significação oculta”, “utilizado para interpretar, por exemplo, os mitos de Homero como personificações de princípios morais ou forças sobrenaturais” (Ceia, p. 1). Para Jeanne

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Marie Gagnebin (1982, p. 47), na relação alegórica, “o elo entre imagem e significação é arbitrário, fruto de uma laboriosa construção intelectual. (...) a alegoria, na concepção benjaminiana é reabilitação da historicidade em oposição ao ideal de eternidade que o símbolo encarna” (Gagnebin, 2007, p. 39). Assim, o oculto, a impossibilidade de interpretação alegórica é de natureza histórica. Não seria esta exatamente a limitação que Sala faz funcionar em seus trabalhos? Nos três trabalhos analisados por Regina Parra, Intervista (Finding the words) (1998), Làk-kat (2004) e Promises (2001), surge a distância que se faz desentendimento ou estranhamento, proporcionada pela tradução e pelo deslocamento histórico. Assim, emerge a noção de estrangeiro, portadora de identidade coletiva e dos complexos intercâmbios culturais possíveis em tempos globais. A dissertação traz para a cena, por meio do trabalho de Sala, as relações entre culturas historicamente desiguais e todo o esforço para a reinterpretação da história e da sociedade em nova chave interpretativa, da qual o estrangeiro é a personagem principal e talvez única. A circulação de artistas e obras sempre foi internacional. Para Gielen, no século 19 essa internacionalização significava a relação com a Europa ou Estados Unidos sob a forma do reconhecimento e ênfase no aspecto nacional da origem. A ideia do confronto multicultural possível, com a internacionalização, serviria para reforçar identidades nacionais. O autor aponta que o artista nacional internacionalizado desaparece com a globalização, e a regra é a mobilidade física e mental. Luiz Camnitzer chama essa situação de extranjeridade, estar dentro e fora ao mesmo tempo (Camnitzer, 2009, p. 90):

de Anri Sala: a interação não ingênua, nem submissa, entre culturas. Espaço que pode ser o lugar fértil para novas percepções críticas e intervenções políticas. Assim, o “lugar das passagens” está instaurado como lugar específico da ação, e não mais como lugar transitório que liga estações fixas. O lugar do entre, e suas distâncias incontornáveis, ocupou tudo.

Referências bibliográficas CAMNITZER, Luis. De la Coca-Cola al arte boludo. Santiago de Chile: Metales pesados, 2009. CEIA, Carlos. “Sobre o conceito de alegoria” in Matraga, nº 10, agosto de 1998. Disponível em http://www.pgletras.uerj.br/matraga/nrsantigos/matraga10ceia.pdf. Acesso em 27 de novembro de 2011. GAGNEBIN, Jeanne Marie. Os cacos da História. São Paulo: Brasiliense, Coleção Encanto Radical, 1982. _____. História e narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2007. GIELEN, Pascal. The murmuring of the artistic multitude: global art, memory and post-Fordism. Antennae series. Volume 6 de Kunstpraktijk in de samenleving. Amsterdã: Valiz, 2010. SEVERINO, Antônio J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 23a ed., 2007.

Minha velha definição de estrangeiro se baseava na geografia tradicional. Com a desaparição da geografia – a desterritorialização –, a única forma de manter-se estrangeiro é não chegar ou não estar em nenhum lado. Com essa ideia clara, pode-se dizer que sou de uma nova categoria, a de estrangeiro global.

Instala-se dessa forma, na relação crítica, ou melhor, na relação com o mundo, uma espécie de alegoria permanente que, a todo instante, aponta sua impossibilidade interpretativa de natureza histórica e geográfica. Afinal somos todos estrangeiros globais. Nesse espaço do desterritório global, Regina Parra mostra a ação

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struturas são necessárias. Estruturas são necessárias para pensar. Estruturas são necessárias para pensar qualquer sistema ou coisa. Sobre uma mesma estrutura rígida, podem ser criados inúmeros sistemas diferentes. Existem milhões de estruturas e para cada uma delas milhões de sistemas a serem criados. Essas estuturas podem ser econômicas, físicas, culturais etc. Se pensarmos em estruturas irremovíveis, por exemplo a gravidade (saber que as coisas caem), como imaginar tal realidade estrutural? A observação de condicionantes ou problemas nos permite criar possibilidades que tiram proveito dessa obrigação para jogar a nosso favor, como as cúpulas que, aproveitando a força que as atraem para baixo, ficam suspensas no céu. O trabalho sobre a “grade Excel” é uma metáfora de tudo que acabo de dizer. Excel é uma trama de linhas paralelas e perpendiculares que forma uma

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estrutura rígida sobre a qual podemos criar sistemas. No presente caso, a representação de um edifício. Além disso, é um sistema que nos permite estruturar os cálculos de uma economia, como os custos de construção de um edifício. O paradoxo do edifício transposto sobre uma página Excel expõe aquilo que acredito. Que não existem sistemas sem estruturas. Criar sistemas novos para estruturas existentes nos leva naturalmente, em algum momento, a perceber que os novos sistemas irão precisar de novas estruturas.

Referências bibliográficas GUERRA, Sílvia. “Isabel Carvalho / Nicolás Robbio. Emissores reunidos: o amanhã de ontem não é hoje”. In: Artecapital. Porto, 03 de julho a 20 de setembro de 2009. Link: http:// artecapital.net/criticas.php?critica=252 NICOLAU, Ricardo. “+ que a tus ojos, by Nicolás Robbio”. Berlim: Galerie Invaliden 1. 25 de julho a 22 de agosto de 2009. Link: http://www.invaliden1.com/mas-que-a-tus-ojos PEDROSA, Adriano. “Nicolás Robbio: Galeria Vermelho”. ArtForum, Verão de 2007. Link: http://findarticles.com/p/articles/mi_m0268/is_10_45/ai_n27500401/

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Marcos L. Rosa I Kiki Mazzucchelli I María Berríos I David F. Maulen de los Reyes I Veronica Cordeiro I Tainá Azeredo I María Inés Rodríguez I Mirtes Marins de Oliveira I Nicolás Robbio


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