Deus no banco dos réus e book amostra

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DEUS NO BANCO DOS RÉUS

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PAULO LEONARDO MEDEIROS VIEIRA

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DEUS NO BANCO DOS RÉUS

PAULO LEONARDO MEDEIROS VIEIRA

DEUS NO BANCO DOS RÉUS Uma resposta da ciência ao ateísmo militante

Visite nosso blog e deixe seus comentários: http://deusnobancodosreus.blogspot.com/

1ª edição LEDIX (Livraria Editora Xavier) Florianópolis – Santa Catarina 2010

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PAULO LEONARDO MEDEIROS VIEIRA

DEUS NO BANCO DOS RÉUS Uma resposta da ciência ao ateísmo militante © Paulo Leonardo Medeiros Vieira e-mail: paulomedeirosvieira@gmail.com Editoração Gráfica Marcos Roberto Rosa

Capa: Lay out e arte-final Mauro Ferreira

Supervisão Editorial Paulo Lehmkuhl Vieira

Impressão: Gráfica Sagrada Família VIEIRA, Paulo Leonardo Medeiros. Deus no banco dos réus: uma resposta da ciência ao ateísmo militante. Florianópolis, SC : LEDIX, 2010. 250 p. 1. Religião e ciência, 2. Fé e razão. I. Título ISBN: 978-85-86251-34-4

CDD 230

Proibida a reprodução total ou parcial (exceto a última, com citação expressa da fonte), sob qualquer forma, meio eletrônico, mecânico ou processo xerográfico, fotocópia e gravação, sem permissão do Editor (Lei nº 5.988, de 14-121973). Reservados os direitos de propriedade desta edição pela Livraria Editora Xavier (LEDIX) Av. Atlântica, 409 - Fone (48) 3240-1642 Florianópolis, SC – 88095-700 editoraledix@gmail.com IV


DEUS NO BANCO DOS RÉUS

“Quando alguém admite que não consegue ver coisa nenhuma atrás da cortina, ele não pode afirmar também que por trás da cortina não existe nada. Aqui também o ateísmo se depara com os seus limites”. (Hans Küng).

“A ciência foi feita para dar ao homem o sentido do mistério. Mas para compreender essa verdade, é preciso ter explorado os limites do domínio científico e tê-los ultrapassado.” (Pierre Termiér) V


PAULO LEONARDO MEDEIROS VIEIRA

S U M ÁR I O

A P R E S E N T A Ç Ã O ............................................. 8 D E D I C A T Ó R I A ................................................... 12 Capítulo 1º DEUS NO BANCO DOS RÉUS .............................................. 14 Capítulo 2º OS LIMITES DA CIÊNCIA ............. Erro! Indicador não definido. Capítulo 3º UMA REVISÃO HISTÓRICA ......... Erro! Indicador não definido. Capítulo 4º DARWIN, A IGREJA E A SELEÇÃO DAS ESPÉCIES .......Erro! Indicador não definido. Capítulo 5º S. TOMÁS & CHARLES DARWIN. UMA PARCERIA? ......Erro! Indicador não definido. DEUS, A NEUROCIÊNCIA, O CÉREBRO QUÂNTICO ......Erro! Indicador não definido. Capítulo 6º FORA DA CIÊNCIA NÃO HÁ SALVAÇÃO?Erro! Indicador não definido. Capítulo 7º A VERIFICAÇÃO DE TODAS AS TESESErro! Indicador não definido. Capítulo 8º NÍVEL DE DESINFORMAÇÃO...... Erro! Indicador não definido. Capítulo 9º VI


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BRASIL – ESTADO REPUBLICANO E LAICOErro! não definido.

Indicador

Capítulo 10 BRASIL–ESTADO REPUBLICANO E LAICO–2 “SÍMBOLOS RELIGIOSOS NO ESPAÇO PÚBLICO”Erro! Indicador não definido. Capítulo 11 A CULTURA DA MORTE CONTRA A CULTURA DA VIDA “ABORTO, EUTANÁSIA, CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS” ............................................. Erro! Indicador não definido. Capítulo 12 AS ALTERNATIVAS ...................... Erro! Indicador não definido. Capítulo 13 A HERANÇA CRISTÃ ................... Erro! Indicador não definido. Capítulo 14 A IGREJA E A UNIVERSIDADE ... Erro! Indicador não definido. Capítulo 15 O ATEÍSMO MILITANTE E A ORIGEM DAS RELIGIÕES .Erro! Indicador não definido. Capítulo 16 O ALVORECER DO CRISTIANISMOErro! definido.

Indicador

não

Capítulo 17 UMA RESPOSTA DA CIÊNCIA AO ATEÍSMO MILITANTE ....................................................... Erro! Indicador não definido. BIBLIOGRAFIA ............................. Erro! Indicador não definido.

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PAULO LEONARDO MEDEIROS VIEIRA

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AP R E S E N T AÇ ÃO

É possível conciliar Ciência e Fé? Uma pessoa poderá estar voltada para a ciência e ser iluminada pela fé? Com a carta encíclica Fides et Ratio (Fé e Razão - FR), o saudoso Papa João Paulo II procurou responder a essas perguntas. Basicamente, afirmou que a Ciência e a Fé, longe de se opor, são duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus que colocou no homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de conhecê-lo. Somente assim o ser humano chegará ao conhecimento de si mesmo. João Paulo II constatou que algumas perguntas atravessam as fronteiras geográficas e o tempo: Quem sou? De onde vim? Para onde vou? Por que existe o mal? O que é que existe depois desta 9


vida? Das respostas que cada um der a essas perguntas dependerá a orientação de sua vida. A Igreja tem uma convicção: o mistério do homem só se esclarece verdadeiramente no mistério do Verbo Encarnado, Jesus Cristo. Está convicta, também, de que o ser humano é aquele que caminha à procura da verdade. A verdade da Revelação, porém, não é o fruto de um pensamento elaborado pela razão. É um dom gratuito de Deus. A Ciência (Razão) e a Fé não são concorrentes: uma supõe a outra e cada qual tem o seu espaço próprio de realização. Santo Tomás de Aquino lembra que “a luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus... por isso, não podem contradizer entre si” (FR 43). Lemos no Livro dos Provérbios: “A glória de Deus é encobrir as coisas e a glória dos reis é investigá-las” (Pr 25,2). A fé constata: no mais fundo do coração do homem foi semeado o desejo e a saudade de Deus. “Em toda a criação visível, o homem é o único ser que é capaz não só de saber, mas também de saber que sabe, e por isso se interessa pela verdade real daquilo que vê” (FR 25) Muitos se perguntam: A vida tem um sentido? Para onde se dirige? Os filósofos do absurdo dizem que ela não tem sentido. Duas verdades se impõem: existimos (o que fazer, pois, com a vida que temos?); morreremos (e o que virá depois?). Se o teólogo se 10


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recusasse a levar em conta os dados da Ciência, teria dificuldade de compreender a própria Fé. Se o cientista excluísse todo o contato com a Teologia, acabaria criando uma nova religião, pois precisaria procurar respostas para as perguntas fundamentais (Por que existo? Por que o mal? Por que a morte?). De maneira didática, clara e objetiva, Paulo L. Medeiros Vieira, em Deus no Banco dos Réus, apresenta “Uma resposta da Ciência ao Ateísmo Militante”. O Autor nos leva pelos caminhos da História; nos faz “escutar” cientistas e teólogos, ateus e pessoas de fé; conduz nossa imaginação em direção do big bang e do cérebro quântico; nos traz para a realidade brasileira e nos obriga a refletir sobre o sentido da laicidade; nos apresenta a herança cristã, da qual somos devedores... e bem que poderia concluir suas pesquisas não com o oportuno pensamento de Thomas Merton (“Seja o fim da obra, não seja o fim da procura”), mas com a conclusão de Agostinho, que aparece em seu interior: “Fizeste-nos para ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti” (Confissões I,1, 1). Deus no Banco dos Réus também poderia terminar com o pedido de João Paulo II: “A todos peço para se debruçarem profundamente sobre o homem, que Cristo salvou no mistério de seu amor, e sobre sua busca constante de verdade e de sentido” (FR 11


107). Afinal, só no horizonte da verdade o ser humano “poderá compreender, com toda a clareza, sua liberdade e seu chamamento ao amor e ao conhecimento de Deus como suprema realização de si mesmo” (id.).

Dom Murilo S.R. Krieger, scj Arcebispo de Florianópolis

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DEUS NO BANCO DOS RÉUS

D E D I C AT Ó R I A

Para

ROSA

MARIA,

com

saudade,

in

memoriam. Afinal, que é a saudade, senão a presença, teimosa, de uma ausência?! Dedico, também, este livro, a nossos filhos, genros, nora e netos: Mônica e Roberto - Carolina e João Pedro. Paulo e Thaís – Leonardo e Catarina. Gisela e José Carlos. Todos sempre tão presentes, tão generosos,

tão

Amigos!

Isto

mesmo:

com

“A”

maiúsculo e gratidão imorredoura. E a todos aqueles – tantos! – que me estimularam nesta empreitada, inclusive enriquecendo a extensa bibliografia, e fazendo sugestões e reparos. 13


Agradeço, especialmente, a Dom Murilo S.R. Krieger, scj, o prefácio, a minuta do Acordo celebrado entre o Brasil e a Santa Sé sobre o estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil, antes mesmo que fosse ratificado pelo Congresso Nacional e um documento pontifício sobre a inseminação artificial. Ao Padre Miron Stoffels, SJ, o excelente trabalho de Michel Schooyans, da Universidade de Louvain, intitulado “Pessoa, Cultura da Vida e Cultura da Morte”; à Dra. Myriam Vieira Heerdt, querida irmã, Procuradora da Fazenda Nacional no R.S., que me brindou com artigo do publicitário Sílvio Medeiros, publicado na imprensa gaúcha,

sobre

pesquisas

com

células-tronco

embrionárias; e a meu filho e colega, Paulo Lehmkuhl Vieira, advogado e jornalista, que colocou em minha biblioteca e minha vida, Ilya Progogine, Hubert Reeves, J. Satinover, André Comte Sponville, Roland Omnés, Jean-Yves Leloup e tantos outros autores, que me ajudaram a desenvolver uma resposta da Ciência ao ateísmo militante.

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DEUS NO BANCO DOS RÉUS

Capítulo 1º

DEUS NO BANCO DOS RÉUS

No livro “Deus, um Delírio”, do biólogo inglês Richard Dawkins, vem sintetizada a dramática experiência de Kurt Wise, geólogo americano cujo sonho era ser professor de biologia em alguma grande universidade dos EUA. Sua carreira de cientista ia de vento em popa. Fora aluno de Stephen Jay Gould - um dos maiores biólogos americanos do século XX e figura exponencial entre os maiores divulgadores da ciência, com dezenas de títulos publicados. Entre estes, o mais conhecido no Brasil é Pilares do Tempo1. Além disso, Wise era diplomado em geologia e paleontologia nas universidades de Chicago e Harvard. Tinha, pois, um currículum vitae que o encaminhava ao sucesso acadêmico.

1

Ed. Rocco, RJ, 2002. 15


Aí veio a tragédia. Ela veio não do exterior, mas de dentro da própria cabeça dele, uma cabeça fatalmente subvertida e enfraquecida por uma criação religiosa fundamentalista que exigia que acreditasse que a Terra – objeto de seus estudos geológicos em Harvard – tinha menos de 10 mil anos de idade. Ele era inteligente demais para não reconhecer a colisão frontal entre sua religião e sua ciência (...). Um dia, sem conseguir suportar mais a 2 tensão, atacou o problema com uma tesoura .

Eis o que fez: tomou uma Bíblia e a percorreu, eliminando com a tesoura, literalmente, todos os versículos que confrontavam com uma visão do mundo verdadeira. Não sobrou quase nada, diz ele, e por mais que tentasse, apesar das margens intactas, tornou-se impossível pegar a Bíblia sem que ela se partisse ao meio.

Como Dawkins mesmo reconhece, a solução de Wise foi radical:

Tive de tomar uma decisão entre a evolução e as Escrituras. Ou as Escrituras eram verdade e a 2

Companhia das Letras, SP, 2007, pg. 364 ss. 16


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evolução estava errada ou a evolução era verdade e eu tinha que jogar a Bíblia fora [...]. Assim, com grande tristeza, lancei ao fogo todos os meus sonhos e minhas esperanças na ciência3. Kurt Wise, para fundamentar o dramático depoimento e dar-lhe credibilidade, não devia limitarse a uma denúncia tão genérica, sem enumerar ao menos aqueles capítulos e versículos que, por incompatíveis com a ciência, foram extirpados da Bíblia. Ao menos aqueles que confrontassem mais estridentemente com seus estudos geológicos em Chicago e Harvard e que provocaram “a colisão frontal entre sua religião e sua ciência”. Ou seja, os trechos incompatíveis com seu saber científico, de modo a justificar, cientificamente, o gesto extremo de atirar ao fogo todos os seus sonhos e esperanças na ciência. Não o fazendo, leva os leitores de Dawkins, que se comoveram com tal gesto, a concordarem com ele, atribuindo o destempero de Wise à sua “cabeça, subvertida e enfraquecida por uma formação religiosa fundamentalista”. Com todo respeito – nomes muito mais ilustres, como, entre outros, os de Isaac Newton, Ampère, Pascal, Halley, Burnet, Gregor Mendel, Pasteur, Francis Collins, Alberto Magno, mestre de Tomás de Aquino, Teilhard de Chardin, Kepler, Leibniz 3

Idem, Ibidem. 17


– revelaram-se respeitáveis como homens de fé e vultos da ciência. Nem jogaram no lixo sua fé nem sua Bíblia; nem suas convicções pessoais nem a ciência. Nem deixaram em aberto seu lugar na academia. A propósito, Newton, segundo depoimento de Gould, consumiu mais tempo no estudo da Sagrada Escritura do que nos laboratórios. Traduziu e interpretou, entre outros, o Livro de Jó, “a resposta dos hebreus aos Diálogos de Platão”, como dizia Jorge Luis Borges, e o Cântico dos Cânticos, de Salomão. Outros tantos cientistas, entre crentes, ateus e agnósticos, emprestaram o brilho de seu gênio ao diálogo inteligente, tendo plena consciência de que há um espaço que pertence à ciência e outro que pertence à religião. Souberam respeitar cada uma em seu domínio, sem buscar uma síntese, impossível, das duas. Ou intentar a desmoralização de uma em favor da outra. Pena, também, que tendo sido aluno de Stephen Gould, Wise não se tenha convertido em seu discípulo. Porque Gould, paleontólogo da Universidade de Harvard, escritor e conferencista, agnóstico, acatado no meio acadêmico internacional, empenhouse incansavelmente na busca de uma solução para o conflito, “artificial e desnecessário”, que opõe a Ciência à Fé. Produziu, em dezenas de livros e centenas de conferências e artigos de divulgação 18


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científica, um apaixonado manifesto contra o sectarismo e a intolerância. Foi, até morrer, em 2002, um apologista do diálogo respeitoso entre a Igreja e a Academia. Pregou a adoção de um princípio que batizou de “Ministérios não interferentes” - os MNI, que ele mesmo tinha na conta de “uma solução maravilhosamente simples”, que permite a coexistência pacífica da ciência com a religião. A ciência, diz ele, define o mundo natural; a religião, nosso universo moral, reconhecendo-se suas esferas de influências distintas. Lembra que as causas da história da vida não são capazes de resolver o enigma do significado da vida. Portanto, pode-se concluir que as causas da história da vida devem ser pesquisadas pela ciência, ao passo que o enigma do significado da vida deve ser buscado pela religião. Cada uma no seu próprio magistério, um não interferindo no outro4. Mas nem todos imitaram sua postura ou adotaram suas teses. Em 2005, o filósofo Sam Harris lançou nos Estados Unidos o livro “O Fim da Fé”, fruto do seu ateísmo militante e pretensioso. Em 2007 lançou sua Carta a uma Nação Cristã, dirigida ao povo norteamericano, uma entusiástica e veemente defesa do ateísmo. Para ele, “a religião agrava e exacerba os

4

Os Pilares do Tempo, cit. 19


conflitos humanos muito mais do que o tribalismo, o racismo ou a política”. Como Dawkins, seu colega de militância, Harris faz suas críticas mais estapafúrdias, sem a mais mínima preocupação em demonstrá-las empiricamente. Ora, quem não admite a existência de Deus porque sua existência não pode ser demonstrada experimentalmente, ao menos por coerência deveria demonstrar experimentalmente sua tese de que a religião exacerba os conflitos muito mais do que o tribalismo, o racismo e a política – conforme afirmou. Harris não o fez, nem se escusou de não o fazer, e, de fato, não podia fazê-lo por se tratar de uma afirmação destituída de fundamento factual. Baste lembrar as duas conflagrações mundiais, 1914-18 e 1939-45, de natureza político-econômica, com suas dezenas de milhões de mortos nos campos de batalha, além dos seis milhões do holocausto nos campos de extermínio, vítimas do nazismo racista. Veja-se, outrossim, o extermínio de dez milhões de indígenas na colonização da América; os milhões de vítimas das guerras, da Coréia, do Vietnã, do Kosovo e da Sérvia; da antiga Yugoslávia. As milhares de vítimas da sanha genocida de Radovan Karadzic, expresidente sérvio da Bósnia, localizado e preso no mês de julho de 2008; os cerca de 40 milhões de vítimas de Stálin e seus sucessores, incluídos os mortos na Revolução comunista de 1917; os milhões 20


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de mortos nos últimos 50 anos, vítimas das guerras tribais africanas; as 800.000 pessoas da etnia tutsi, vítimas do genocídio de Ruanda, 1994, nas mãos de Theonete Bagosora, comandante dos hutus, recentemente condenado à prisão perpétua; os 300.000 mortos no Sudão, sob a ditadura de Omar alBashir, no poder desde 1989, o qual apoia as milícias jaweeds, cuja missão é “limpar” Darfur de outras etnias. A guerra civil no Sudão, que provocou uma crise humanitária de proporções épicas! E que dizer dos milhares de soldados e civis que tombaram nas guerras do Paquistão, do Afeganistão e da Tchetchênia, além das vítimas da invasão e ocupação americana do Iraque! E dos palestinos e israelenses mortos nos conflitos em Gaza; na Guerra dos Seis dias e em confrontos subseqüentes! Sem computar, também, os mortos nas explosões de minas terrestres, os mutilados e os sobreviventes de guerras, que, literalmente, se arrastam pelo mundo numa vida meramente vegetativa, além do morticínio na Geórgia invadida pelas tropas russas. Mais precisamente a Ossétia do Sul, uma província autônoma na qual a maioria dos habitantes é de língua russa. De Kenneth Maxwel, em tradução de Paulo Migliaci:

Nas zonas geográficas de fronteira ocupadas por múltiplas etnias, que o antigo império soviético costumava governar com punho de 21


ferro, ou nos Estados multiétnicos dominados durante a Guerra Fria por sistemas de partido único, como a Iugoslávia, o colapso do domínio comunista centralizado deflagrou confrontos violentos entre minorias étnicas desejosas de 5 afirmar suas identidades .

Eis o resultado, que abalou o mundo: centenas de mortos e milhares de refugiados. “A paranóia russa agora está recheada de uma agressividade militar redescoberta”, acrescenta o ensaísta, concluindo que essas mortes e toda a violência denunciada pela imprensa mundial fazem disso tudo um espetáculo lastimável. A exigência de demonstração empírica, que se reclama a Harris, é justificável, porque a questão por ele suscitada é de índole histórica, factual, suscetível de comprovação. Mas Harris não está nem aí. A premissa que o conduziu àquela conclusão é a seguinte, em suas próprias palavras:

A fé é, intrinsecamente, um elemento que, em vez de unir, divide. A única coisa que leva os seres humanos a cooperar uns com os outros de modo desprendido é nossa prontidão para 5

Folha de São Paulo, 14/08/08. 22


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termos nossas crenças e comportamentos modificados pela via do diálogo. A fé interdita o diálogo, faz com que as crenças de uma pessoa se tornem impermeáveis a novos argumentos, novas evidências. A fé até pode ser benigna (sic) no nível pessoal. Mas, no plano coletivo, quando se trata de governos capazes de fazer guerras ou desenvolver 6 políticas públicas, a fé é um desastre absoluto .

Quando lhe foi perguntado se é possível conciliar ciência com religião, respondeu:

Com freqüência, ouvimos dizer que não há conflito entre razão e fé. É o mesmo que dizer que não há conflito entre fingir saber e realmente saber. Ou que não há conflito entre 7 auto-engano e honestidade intelectual .

Pretensioso, assegurou na mesma entrevista:

Imagino que qualquer pessoa religiosa que leia Carta a uma Nação Cristã com a cabeça aberta

6 7

Cf. A Religião faz mal ao mundo. VEJA, 26/12/07, pg. 84. Idem, Ibidem. 23


descobrirá que os argumentos usados contra a 8 fé religiosa são absolutamente irrespondíveis .

É procedente a opinião de Marcelo Gleiser quando afirma que os “novos ateístas” não representam a comunidade científica e colecionam inimigos pela arrogância. Por isso acha perigoso que sejam vistos como porta-vozes da comunidade científica. Escreveu em sua coluna semanal na Folha de São Paulo:

Do ponto de vista da ciência, a posição de ateu radical não faz sentido. Para se afirmar que Deus não existe, é necessário supor que detemos a totalidade do conhecimento, algo que é inatingível pelo fato de a ciência ser uma criação humana e limitada. (...) A única posição consistente com a ciência é o agnosticismo ou, no máximo, um ateísmo liberal, pronto a aceitar 9 evidência em contrário, caso ela ocorra .

8 Idem, Ibidem. 9 Cientista é professor de física teórica no Darmouth College (EUA), autor, entre outros livros, de “A Harmonia no Mundo”, in F/SP, Ilustrada, 21/07/2007, E6. 24


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Seamus Murphy, SJ, em artigo que intitulou “A Falsa Guerra da Ciência contra a religião”, adverte que:

O assunto de que ciência e religião são incompatíveis é uma tática intelectualmente desonesta para fazer parecer que, como a ciência não faz nenhum uso da hipótese de que existe um Deus, deste modo fornece a prova 10 da não existência de Deus.

Apresentado pelo jornal como “conhecido agitador político de direita” – que, inclusive, apoiou a invasão do Iraque – Christopher Hitchens, em seu livro intitulado “deus não é Grande”, busca nada menos senão provar que “a religião serviu ao homem como explicação do mundo quando a ciência não existia. Depois disso, não só teria se tornado inútil como passado a ser um entrave para o conhecimento”11. Não se sabe qual o conceito de religião em que se apoia, uma vez que não se abalançou em no-lo revelar. Com certeza não é aquele, geralmente aceito, que a vincula ao transcendente, ao invisível, ao 10

La Civiltá Cattolica, vol. 3781, de 5 de janeiro de 2008, tradução de Maria Alves Muller, in Cultura e Fé, Porto Alegre, n. 121, abriljunho/2008. 11 Ediouro, R.J., 2006. 25


abscôndito, ao que vai além da história e, pois, da imanência, em busca do sobrenatural. Para ele, portanto, o único sentido da religião é explicar o mundo. Nessa perspectiva, acrescenta que a existência de Deus é uma impossibilidade pela razão bem simples de que foram os homens que criaram o divino, e não o contrário, ou seja, não foi Deus que criou o homem. Durkheim, em suas “Formas elementares de vida religiosa”, sentencia que “religião é um sistema de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas; crenças e práticas que unem numa mesma comunidade moral, chamada Igreja, todos os que a ela aderem”. André Comte-Sponville, retomando o conceito de Durkheim, define como religião todo conjunto organizado de crenças e de ritos que remetem a coisas sagradas, sobrenaturais ou transcendentais, em especial a um ou vários deuses; crenças e ritos esses que unem numa mesma comunidade moral ou espiritual os que com eles se identificam ou os praticam12. De modo que Hitchens parte da premissa equivocada de que com o advento da ciência, a religião se esvaziou de sentido, além de se haver tornado um entrave para o conhecimento. 12

O Espírito do Ateísmo, Livraria Editora Martins Fontes, São Paulo, 2007. 26


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Pretendendo fundamentar a assertiva, ele pergunta como é possível conciliar a ideia de um criador perfeito com o estado imperfeito do mundo? Ora, como relembra o ensaísta João Pereira Coutinho, um mundo imperfeito não é incompatível com um criador perfeito se a liberdade humana é, simultaneamente, uma dádiva e um princípio de indeterminação. Pondera que se Hitchens houvesse lido Santo Agostinho, saberia disso. Com efeito, Santo Agostinho, nas Confissões, assentou que Deus criou o bem, e que o mal é uma perversão do bem, não é obra de Deus. Em suas palavras:

Procurei o que era o mal e não encontrei uma substância, mas sim uma perversão da vontade desviada da substância suprema – de Vós, ó 13 Deus (...).

Outrossim, sobre Deus ter sido criado pela imaginação humana, a tese, como se sabe, não é de Hitchens, é geralmente atribuída a Feurbach (18041872), esposada por Marx (1818-1883) e Freud (18561939), e, como lembra Coutinho, não deixa de

13

Confissões, Livro VII,16. “Onde reside o mal”. Apostolado da Imprensa, Porto, 1966. 27

Livraria


consubstanciar uma profissão insuscetível de prova racional14.

14

de

fé,

por

isto

Cf. “Em ‘God is not Great`, ateísmo de ensaísta vira nova religião.” F/SP, Ilustrada, E6, cit. 28


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29


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