Estratégias do
SMART Tavírio Villaça
Tavirio de Lima Villaça Pinto, nascido em Mogi das Cruzes-SP, é casado com Angela, pai de três filhos, e avô de cinco netos. Na Unicamp, cursou Licenciatura e Bacharelado em Química, e Informática Aplicada à Educação Construtivista. Formado na Academia Militar das Agulhas Negras, e pós-graduado na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, especializou-se em Orientação Educacional, tendo lecionado durante trinta anos na Escola Preparatória de Cadetes do Exército. tavirio@gmail.com
Ta v í r i o V i l l a ç a Estratégias do Smart
GRÁFICA MUNDO VOLUME I | 1º EDIÇÃO | 2015 Projeto gráfico e diagramação: Skanner Projetos Gráficos
Copyright @ 2015 - Tavírio Villaça Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei dos Direitos Autorais 9610. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, sob quaisquer meios (eletrônico, fotográfico e outros), exceto breves citações com indicação de fonte. 1º Edição – Agosto de 2015 ISBN: 978-85-61850-12-8
“O humor é irmão da poesia, o humor é quem denuncia, eu não tenho possibilidade de consertar nada, mas eu tenho a obrigação de denunciar tudo, o humor é tudo, até engraçado.” Chico Anysio
Ofereço este livro à minha amada esposa, Angela (“Chuchu”), a quem devo grande parte do aprendizado que me fez chegar a esta aventura. E, também, aos nossos adorados filhos, Analú, Zé e Nina, e netos Dunguinha, Big John, Fofinha, Comandante e Caçulinha. Não posso deixar de incluir, neste oferecimento, os meus queridos e inesquecíveis colegas da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, motivadores, juntamente com os abnegados trabalhadores do Centro Infantil Boldrini, da elaboração desta obra.
Agradecimentos Primeiramente àquele que, na falta de maiores recursos, eu chamo de Pai Criador, causa inteligente desta obra inteligente, o Universo, do qual todos fazemos parte. Ao Oswaldo Benvenuti Filho, ex-aluno e prezado amigo de todos nós, pioneiros da “Escola de Cadetes”, em Campinas, pelo seu decisivo apoio para que este projeto beneficente se concretizasse. À Dra Silvia Regina Brandalise, Diretora do Centro Infantil Boldrini, pela sua dedicação e respeito à saúde das crianças e jovens, exemplo que se tornou o maior incentivador de todos os esforços que nos permitiram chegar a este ato de solidariedade.
Prefácio Você, caro (a) leitor (a), é meu (minha) convidado (a) de honra para escrever o Prefácio deste livro. Fique à vontade nos seus comentários. Terei imenso prazer, caso mereça, em receber suas críticas. Grande e fraterno abraço.
Sumário Apresentação..............................................................12 Introdução..................................................................14 Na academia de musculação.......................................17 Na corretora de imóveis..............................................35 No condomínio...........................................................50 Técnico de futebol......................................................60 Publicitário.................................................................75 No Carnaval................................................................92 Empresário de telemarketing....................................129 Candidato a vereador................................................158 Smart regenerado......................................................213
Apresentação Esta é uma obra de ficção, com personagens criados aleatoriamente. Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais deve ser vista como mera coincidência. O presente trabalho tem, como primeira pretensão, servir de passatempo, tipo palavras cruzadas, ou sudoku. Chegamos até a pensar na mudança do seu título para “Leitura de Banheiro”. Compõe-se de contos, se assim podemos chamar, independentes, embora tendo sempre, como personagem principal, o Smart, cujo perfil poderá ser conhecido após a leitura do 1º Capítulo (Introdução). A ideia deste livro vinha amadurecendo desde os primeiros incentivos do Sr Oswaldo Benvenuti Filho, empresário paulistano, por ocasião de lançamentos de livros por ele patrocinados, escritos pelo nosso colega Nelson Mesquita, que motivaram diversos encontros de confraternização entre ex-alunos da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, da qual o Sr Oswaldo também foi aluno. Com certeza, foi o seu espírito extremamente altruísta, aliado a uma das “Estratégias do Smart” (título desta obra), por sinal a mais feliz delas, que lhe fez aderir a este sonhado projeto, e aqui, sim, com a pretensão maior de fazer, desta singela obra, um potente instrumento de auxílio a uma obra infinitamente maior que se desenvolve no Centro Infantil Boldrini, em Campinas-SP, cujo vídeo institucional-2009 se encontra na internet (http://www.youtube.com/watch?v=HmogX8DQ8OY). Sob a coordenação atual de sua Diretora, a Dra Silvia Regina Brandalise, 12 E s t r a t é g i a s d o S m a r t
mais de trinta e três mil crianças vêm sendo curadas de câncer, desde 1978, das quais, cerca de dez mil neste ano de 2015, a grande maioria, como apoio ao Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, dentro desta pretensão otimista, a ideia não é fixar um preço para cada exemplar, exceto no caso de livrarias ou entidades que desejem também colaborar, intermediando a venda. Preferimos distribuí-los, solicitando a parceria de cada leitor na formação de uma gigantesca e infindável corrente, que jamais pare de canalizar para o benefício daquelas crianças, e de suas famílias, um prestimoso auxílio, valorizado menos pelo dinheiro, e mais pelo sentimento de fraternidade, que lhes leve o ânimo e a coragem para superarem essa difícil fase das caminhadas que lhes foram destinadas nesta vida. Estamos, então, propondo, a cada leitor que não possa ter comparecido às reuniões de lançamentos, uma avaliação para o valor monetário desta obra, e, em seguida à sua leitura, o depósito desse valor na conta bancária do Centro Infantil Boldrini, de nº 7510-8 da Ag 3360-X do Banco do Brasil, que aparece, no recibo, com o título “CENTRO INFANTIL DE INVESTIGAÇÕES HEMATOLOGICAS DR. A. BOLDRINI” (em caso de dúvida, consultar o site, ou telefonar para 19-37875115). Mas a sua ajuda, caro leitor, visando à expansão dessa grande e fraterna corrente por nós almejada, pedimos não parar por aí. Precisamos do seu compromisso de emprestar ou passar este livro, ou cópia dele, para outra pessoa que queira, também, entrar na corrente, na forma como acabamos de descrever. Que esta leitura possa, senão agradar a todos, pelo menos, ser um nobre instrumento de solidariedade, altruísmo e fraternidade. E s t r a t é g i a s d o S m a r t 13
Introdução Silvio Martins de Almeida Randal Teixeira, nascido num bairro de alta malandragem do Rio de Janeiro, passou, depois de certa idade, a ser resumidamente chamado de SMART (suas iniciais). Esta alcunha alcançava os objetivos de, não só reduzir o esforço da pronúncia do seu extenso nome, mas, principalmente, por incrível coincidência, fazer justiça à sua maior característica que era a extrema esperteza, particularmente na solução dos mais diversos conflitos, uma vez que smart significa “esperto”, em Inglês. Situações, normalmente difíceis para qualquer dos mortais, eram contornadas facilmente por ele. Toda vez que pedia um quilograma de carne, o açougueiro se excedia no corte e o constrangia, perguntando se não tinha problema ter ultrapassado em cem gramas. Para não se incomodar mais com isso, Smart passou a pedir novecentos gramas, e acabou dando certo pois, no final, saía com o um quilograma desejado. Ao completar sessenta anos, Smart passou à classificação de idoso, segundo a legislação federal. Com isso, tinha direito a atendimento preferencial em várias situações. Contudo, começou a observar que, na farmácia, havia muito mais atendentes para os outros, e um só para os idosos. Passou, então, a pegar duas senhas: uma normal e uma preferencial. Em seguida, era só aguardar a que fosse chamada primeiro. Em determinada época, quando já residia no interior do estado, Smart fazia muitas viagens diárias, de ônibus, entre sua cidade e a capital. O percurso durava entre uma hora e meia e duas horas, dependendo do dia da semana. Como o seu retorno era sempre no final da tarde, o ônibus saía lotado. O problema era que noventa por
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cento dos passageiros adorava uma conversinha ao celular, o que perturbava a sua pretensa soneca, particularmente quando o cara usava o tal de “viva voz”. Aí que o bicho pegava, no saco do Smart. Aquela percentagem se reduziu bastante desde que Smart passou a simular conversas, no seu celular, sempre em voz alta, e temperadas por escandalosas gargalhadas, toda vez que crescia a quantidade de conversas dos seus concorrentes telecomunicantes. Uma vez a mulher do Smart o surpreendeu se masturbando, no banheiro. Antes de qualquer advertência da parte dela, ele já se adiantou afirmando: “Meu bem, você não morre tão cedo, pois agora eu estava pensando justamente em você!” Teve uma época em que Smart se meteu a comerciante, e até que se deu bem, devido à sua criatividade. Sabonete, por exemplo, se custasse um real, já com bom lucro, ele alterava o preço para dois reais e fazia uma promoção “leve dois e ganhe um”. Dizem que foi ele quem inventou essa artimanha dos noventa e nove centavos. Tudo que custasse cinquenta e cinco reais, saía, na loja do Smart, por cinquenta e quatro e noventa e nove, e assim por diante. Com isto, segundo ele, as pessoas eram induzidas a valorizar sempre o fato de o produto custar menos do que cinquenta e cinco, o que se tornava um fator psicológico positivo. Se bem que, na realidade, o freguês acabava mesmo é tirando do bolso os cinquenta e cinco, pois nunca havia a moeda de um centavo, que seria o troco. Animado com o aumento das vendas nas datas nobres, como Dias das Mães, dos Pais, das Crianças, e até da Vovó, decidiu criar o Dia do Cunhado, mas nessa não se deu muito bem. Outra artimanha: a sua casa comercial era única, mas mostrava, no letreiro, a inscrição “Loja 3”, como se ele tivesse mais duas. E, quando alguém desejava saber os outros endereços, ele pedia para
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aguardar, pois estavam em obras, para melhor servir aos clientes. Sabia ser cara de pau. Certa vez faturou uma nota ao oferecer, para uma empresa funerária, a ideia de publicidade envolvendo uma loura, de biquíni, anunciando a venda de urnas mortuárias. Quando trabalhava numa seguradora, Smart vivia dando o golpe no horário, se atrasando para o início do expediente com relativa frequência. Certo dia seu chefe chamou-o para a seguinte advertência: “Assim não dá... Você chega sempre atrasado!”. Smart deixou o cara uma semana pensando no que fazer com ele, após a sua lacônica resposta: “Péra aí, Chefia... Em compensação eu saio mais cedo!” Só que nessa ele se deu mal pois, enquanto os salários dos outros vinham acrescidos de pagamentos de horas extras, o seu passou a vir reduzido de horas devidas. Smart, além de golpista criativo, ainda era impaciente com os erros e ingenuidades dos outros. Supõe-se que esse fato foi que deu origem ao rótulo de “Tolerância Zero” que começou a ser aplicado a pessoas desse tipo. Smart, mesmo, passou a ser conhecido também por “T-Zero”. Essa característica da sua personalidade, consequentemente do seu comportamento, muitas vezes o deixou em situação difícil perante seus interlocutores, alguns até ameaçando partir para a agressão verbal e, em alguns casos, física. Este, resumidamente, é o perfil do nosso principal personagem, que poderá ser conferido no decorrer da leitura.
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Na academia de musculação Smart, sempre atento às tendências modernas, certa época passou a cuidar melhor do seu físico. Estabeleceu, então, a meta de ser também um integrante do clube dos “sarados”, termo da moda, empregado pelas mulheres, quando se referem às qualidades dos que poderiam se candidatar a uma parceria em seus programas. Passou a frequentar a Golden Body, que, sendo a única academia de fitness do bairro, não possuía uma diversidade tão grande de aparelhos, provavelmente devido à falta de concorrência. Com a escassez de equipamentos, era no seu interior que, aí sim, havia concorrência, por sinal frenética, visto que na busca ansiosa por um lugar na galeria dos “sarados”, valia tudo na disputa pelas milagrosas ferramentas. E por falar em ferramenta, a mais poderosa do Smart, como já salientado, era a sua esperteza. Assim que percebeu o vulto da batalha, planejou montar uma “panelinha” no âmbito da turma que rotineiramente o acompanhava no mesmo horário. Mas, quem escolher? Não poderia ser um “bolha” qualquer. O importante seria encontrar primeiramente um cara também esperto para, juntos, acabarem de compor a tal “panela”, uma vez que dois, em princípio, pensam mais, salvo em alguns casos em que é melhor ficar só do que mal acompanhado. A descoberta desse primeiro não foi fácil. Enquanto aguardava pacientemente, entre o término de um exercício e o início de outro, Smart ia observando seus concorrentes, tentando identificar o de melhor perfil para integrar a sua quadrilha. Chegou a se entusiasmar por um, muito falante e extrovertido, mas desistiu devido à frescura do cara, que se preocupava exageradamente com a concordância de detalhes do seu traje. Quando ia com calção vermelho, a listinha do tênis e a camiseta também eram dessa cor. Além
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disso, embora nem a chuva e nem os fortes raios solares invadissem o recinto, o infeliz ainda usava um bonezinho, evidentemente que também vermelho. Mas Smart desistiu, mesmo, quando notou a cor da pulseira do relógio, mais forte e rubra do que a de um tomate maduro. E assim, continuou sua difícil busca. Na verdade, por ser afetado pelo defeito do preconceito, qualquer gesto ou aparência física, meio fora de esquadro, já era motivo para o descarte. Um, porque era adepto do penteado “rabo de cavalo”, outro, porque usava piercing na língua, mais um outro, porque tinha a tatuagem do Che Guevara nas costas. Sem contar aquele que exagerava no abraço à sua garrafinha de água. Aquela mania de se preocupar com a vida dos outros. Logo ele que, vez por outra, vestia uma camisa com os dizeres “Campanha pela Vida”, na frente e, atrás, “Cada um cuida da sua”. Enfim, o que Smart tinha de preconceituoso tinha de persistente, virtude esta que o ajudou, finalmente, a encontrar o parceiro para o grande projeto. No momento julgado oportuno, aproximou-se do cara para um primeiro contato. - E aí, campeão? Malhando um pouco? Tô te conhecendo de algum lugar. (Inédita esta abordagem, não?) - Pode ser, “ô meu” (percebe-se que a cena se passa em São Paulo). - Meu nome é Silvio, mas aqui na comunidade sou muito conhecido por Smart. - Prazer imenso, cara. O meu é Mário Salgado Junior, mas pode me tratar por Salgadinho. É como me conhecem, devido à minha baixa estatura. Contudo, nem pensar em me chamar de “Tira-gosto”, pois já saí na porrada várias vezes por esse motivo. A bem da verdade, baixa estatura era um exagero, para mais, pois dizem que o cara, quando se sentava no meio-fio (guia da calçada, para os paulistas), ainda ficava com as pernas balançando! - Que é isso? Fica tranquilo. Salgadinho tá de bom tamanho. Mas, é justamente p´ra gente não ter de estar saindo na porrada com uns e outros aqui, que estou te procurando. - Péra aí, “meu”... Não percebo onde quer chegar. - É o seguinte: neste horário nobre fica difícil manter o ritmo. Volta e meia precisamos esperar um molengão desses liberar o aparelho. 18 E s t r a t é g i a s d o S m a r t
Minha ideia, então, é formarmos um grupo, de pelo menos uns cinco, mas de caras rápidos no gatilho. - Epa... Tô fora... Depois da aprovação do estatuto do desarmamento isso vai dar cadeia p´ra nós. - Acorda, “Tira-Gosto”, ops... Desculpa... Salgadinho. Deixa de ser erudito. Não percebeste ainda que a língua portuguesa está bem mais flexível? Hoje somos mais ricos em expressões, digamos, um tanto idiomáticas. Gatilho é simbólico. Em seu lugar poderíamos usar, por exemplo, orgasmo. Ou seja, nossa escolha não pode recair num desses negos aí que só veem p´ra paquerar. Enfim, o plano é fazermos rodízio, só entre nós. - Isso vai ser impraticável, “meu”... Pela diversidade dos aparelhos, é improvável que todos os cinco terminem seus exercícios sempre no mesmo momento. Isto, sem considerar a possibilidade de, em determinado dia, um ou outro chegar mais cansado, ou com cãibras nas panturrilhas (antigas “batatas das pernas”). - Já pensei nisso, e a solução é simples. Só levantaremos dos aparelhos, para as trocas entre nós, no momento em que todos estiverem prontos. Os que terminarem primeiro, se necessário, simularão estar em recuperação, fingindo uma respiração ofegante. - É... Parece viável essa estratégia. Mas, só mais um detalhe... Quem vai comandar essas correrias? - Pô... Até parece que não serviste ao Exército. Nunca ouviste falar em escala de serviço? E mais... Lembras que lá, na caserna, viviam nos falando na tal de liderança e chefia? Pois é... Liderança será o principal critério na seleção dos três que completarão nosso time. - Eu sou bom nesse troço de mandar, e você? - Salgado... Esquece essa história de mandar. Flexiona um pouco, e raciocina mais com coordenar, ok? -Tá bom... Eu topo. - Então, vamos combinar assim. Cada vez que um candidato for plotado, nós dois nos reunimos logo para planejar a abordagem. Agora já é tarde mas, amanhã, sem falta, iremos à caça. Após a primeira adesão, seremos três a pensar, o que trará facilidades, que só aumentarão à medida que o grupo for se formando. Lógico que cinco pensarão E s t r a t é g i a s d o S m a r t 19
bem melhor, apesar do grande risco de sairmos na porrada entre nós, antes da hora. Digo isto porque, como sabes, sociedade de dois já é problemática, que dirá de cinco. Enfim, não custa tentar. Se der merda, aí cada um que se cuide. Logo no dia seguinte uma luzinha da temida merda já pintou no fim do túnel, pois Salgado não apareceu. Smart, assediado por uma vontade de desistir de tudo, ainda encontrou disposição para persistir e, para ganhar tempo, iniciou suas primeiras observações. Lembrando de um velho ditado da sua avó, de que “não dá p´ra chupar cana e assobiar”, convenceu-se de que o melhor seria primeiramente terminar seus exercícios. Feito isto passou, então, a girar o seu radar. Um fator, que muito o ajudou, foi a mania, que o brasileiro tem, de falar gesticulando, certamente assimilada dos imigrantes italianos. Reparou que uns revelavam, nas conversas, uma capacidade maior de convencimento e, mais importante, de querer levar vantagem. Como estava se perdendo um pouco nessa escolha, resolveu dar uma refinada, acrescentando na sua avaliação o quesito força física. Sim, pois no caso de encrenca futura, teriam um ou dois belos “argumentos” para as negociações. Com esse refinamento, ficou mais fácil pré-selecionar uns três para sugerir ao Salgado. No dia seguinte, Smart, até para ser exemplar, chegou mais cedo, com isso dando uma jogada de mestre em favor da sua aceitação como líder, mesmo porque Salgado, com sua “pisada na bola”, já se viu na obrigação de, ao chegar, ir logo apresentando uma justificativa. - Olhe aí, chefia (já soou bem para o Smart)... Ontem o despertador me traiu, e não deu para vir pois, como você sabe, minha agenda é toda ajustadinha e... - Pó pará, cara... Dá um jeito nisso, pois assiduidade e pontualidade são os principais requisitos p´ra esse projeto ir em frente. Não sei que raio de despertador é o teu. Se é mecânico, compra um eletrônico. Se não te deres bem com este nem com o outro, então te vira. Pede pro padeiro te acordar ou, como último recurso, compra um galo. Este nunca falha. Mas, vamos em frente. Tá vendo aqueles três ali? - Ô meu... Tô vendo cinco! 20 E s t r a t é g i a s d o S m a r t
- Para de frescura... Os dois “guarda-roupas” serão nossos “argumentos” na hora que a galera criar muito caso. - Bem bolado, chefia (olha o ego do Smart se agigantando). - Façamos o seguinte. Fica atento p´ra hora que eles pararem. Ontem reparei que não dispensam uma aguinha de coco lá na lanchonete. Será a nossa grande oportunidade. Enquanto isso, vamos malhar. Minutos depois, foram os dois à lanchonete para a abordagem, e nisso o Smart era bom: - E aí, moçada... Dando uma hidratada?... Podemos levar um papo, digamos, visando à melhora das nossas condições de trabalho? Um dos mastodontes, com aquelas sobrancelhas não muito amistosas, e com voz rouca, menos amistosa ainda, já foi logo retrucando. - Por que? Vocês, por acaso, são os gerentes desta pinoia? - Só um momento, amigão... Ainda sequer nos apresentamos. Vocês estão diante da dupla SS, Smart e Salgado, baluartes da campanha de moralização desta pinoia, esposando sua feliz definição. Fonseca, o grandão, conhecido por Myke Tyson, pensou com seus botões: “Pelo galope de apresentação, esse aí só tem a cara de bobo, mas, vale a pena conhecer a tal campanha”. Pela sua avantajada estatura, lógico que preferiu tratar diretamente com Smart, até porque teria que gritar muito para ser ouvido pelo Salgadinho. - Ok, “sangue bom”... Aqui estamos, eu, o Tonelada (já dá para imaginar o tamanho), cujo nome de batismo é Alédio, e o Jair, apelidado de Jacaré. A gente se conheceu há pouco tempo, aqui mesmo, na academia. Puxem duas cadeiras, e vamos logo ao assunto. As peças estavam começando a se encaixar. O apelido Jacaré jogava bem com o olhar sorrateiro do próprio, indicando tratar-se de cara esperto na observação e na ação. Smart já vislumbrava uma equipe tendo dois combatentes, com alto poder de intimidação, e três no apoio logístico, com alta capacidade de planejamento e tomada de decisões.Tratou logo de assumir a palavra, com a ideia de não se deixar interromper tão cedo, tática fundamental para sua pretensão de se impor como líder da patota que estava em vias de se formar. E s t r a t é g i a s d o S m a r t 21
- Não querendo ser curto e grosso, mas já sendo, o plano é montarmos um esquema que nos garanta acesso contínuo aos aparelhos preferidos, sem o risco de espera que nos faça perder o ritmo. Antes que Alédio, o Tonelada, conseguisse abrir a boca, provavelmente para sugerir soluções na base da porrada, Smart seguiu dando tratos à bola, ou melhor, à língua. - Tenho notado uma semelhança muito grande entre as máquinas que nós cinco normalmente procuramos. Isto, com certeza, irá facilitar a execução do plano. A proposta é selecionarmos dez aparelhos e montarmos um esquema de rodízio entre nós de modo, como disse, a garantirmos não só a continuidade, como a otimização no aproveitamento do tempo. Então, tudo bem, podemos começar pela relação dos instrumentos a utilizar. Nisto, Fonseca, o Myke Tyson, já ameaçou a primeira pancadaria entre os cinco, dando um murro na mesa. - O que é isso? Só você falou, e já está decidindo partirmos direto para a escolha dos aparelhos? Esta é uma etapa que pode acabar em tapa (agora deu poesia). Tem coisa p´ra resolver antes. Smart sentiu que iria ser difícil assumir a liderança, visto que o cara só não rachou a mesa pelo fato de a mesma ser de ferro. Teria que recordar muito seus tempos de malandragem, lá no Rio, para dobrar seu concorrente na base do jogo de palavras, sua especialidade. - Calma aí, “mermão”... Já dizia Voltaire, “Posso não concordar com o que dizes, mas defenderei sempre o teu direito de expressar a tua opinião”. Pronto... Com essa tirada, ganhou o cara e, de tabela, o restante do grupo. - Diz aí... Que coisa precisamos resolver antes? - Precedendo à escolha dos aparelhos, há que se ter um acordo quanto aos músculos que pretendemos fortalecer. E aí o bicho pode pegar, pois dificilmente coincidirão nossas pretensões corporais. - Bem... Tudo tem seu preço na vida, não? Acho que as pretensões individuais devem se sacrificar em benefício da meta coletiva, que, lembrando, é a otimização do tempo. Assim, o melhor é dar uma generalizada e, democraticamente, fazermos um sorteio de cinco aparelhos dirigidos para as pernas, e cinco para os braços e tórax. 22 E s t r a t é g i a s d o S m a r t
- Pô, “meu”... Meus bíceps estão com aparências não muito condizentes com o restante da minha arquitetura corporal. E se o sorteio não contemplá-los? - Até aí, cara, eu também corro o risco de não manter a estrutura desta minha região peitoral, desenvolvida a duras penas. Neste caso, o jeito será fazer hora extra. Não tem outra alternativa. Quando pareciam chegar a um acordo, Jacaré, até então calado, e por isso em melhores condições de pensar, assumiu a palavra. - Segundo o que aprendi de aritmética, não há como cinco se revezarem entre dez aparelhos. Não seria bom dar uma equacionada nisso? - Taí – bradou Mike Tyson – Acabo de me convencer de que jacaré, no olhar, dá de dez a zero na águia. Não fosse a categoria do Smart, a reunião se estenderia bem mais. Sua solução foi rápida. - Elementar, meu caro Jacson (evolução do apelido “jacaré”). Executamos, de segunda a sábado, os cinco de pernas num dia, e os outros no dia seguinte, e assim alternadamente, conforme aconselham os fisiatras que, em seus estudos universitários, comprovaram a necessidade de um descanso de pelo menos quarenta e oito horas, entre os exercícios com o mesmo músculo. - Tô fora - retrucou Jacaré – Não quero vir até aqui p´ra fazer só cinco exercícios. - Insisto na elementaridade, meu caríssimo Jacson (Smart ameaçava perder a paciência). Faremos os cinco duas vezes cada. Será melhor do que se arriscar a enfrentar listas de espera, para cada aparelho. Enfim, após umas duas horas de discussão, fizeram o sorteio, e Jacaré, mais uma vez acertando em cheio o saco do Smart, disse que só permaneceria no grupo se substituíssem o “supino”, pelo “peitoral”, por muitos chamado de “crucifixo”, pois sua caixa torácica ainda destoava um pouco da esbeltez restante do corpo. A essa altura, já estava consolidada a liderança de Smart que, imediatamente, e com a sutileza de um rinoceronte, retrucou: - Sabe de uma coisa, Jac, vai te catar. Esta, positivamente, não é a tua turma. Vai lá te abraçar com o teu “peitoral” e, quando a caixa E s t r a t é g i a s d o S m a r t 23
torácica estiver tinindo, manda uma foto p´ra nós, ok? Seguiu-se o famoso “estado pastoso”, com todos a pensar na procura de um substituto para o Jacaré. Antes que os mais preconceituosos falassem, eis que surge uma brilhante intuição na cabecinha do Salgadinho, que, timidamente, mesmo porque assustado com a própria ideia, levantou a mão. Os restantes da tropa, já irritados, dirigiram-lhe os olhares, como não acreditando que algo de útil pudesse vir daquele que, até o momento, se limitara a aplaudir. - Diga lá, ô “meia porção”, falou Smart, cada vez mais se sentindo o poderoso chefão. Isso mexeu com os brios do menor da turma que, antes de fazer sua sugestão, resolveu iniciar com uma lição de moral. - Olha aí, senhor Silvio (Smart se aprumou melhor na cadeira)... “Tamanho não é documento” (provérbio da era paleozoica)... Se estás pensando que só a estatura avantajada resolve tudo, acorda, porque essa época já passou. Meia dúzia de palavras, bem colocadas, derrubam qualquer “argumento físico”. Equilíbrio entre força e razão, com tendência maior para esta, certamente poderá fazer muito bem para o sucesso do nosso plano, e blá, blá, blá... Por essa, nem Smart, e muito menos a dupla Tyson-Tonelada, esperavam. Smart acusou o golpe e, antes que sua liderança pudesse ser ameaçada, agiu rápido, embora com um cinismo próprio do seu cardápio de espertezas. - Mil desculpas, senhor Mário Salgado... Minha intenção foi apenas quebrar o gelo da nossa reunião, com uma brincadeirinha ingênua, sem outras pretensões que não fortalecer nossas intimidades, e, blá, blá, blá blá... (este, maior do que o do seu interlocutor) Salgado absorveu a ironia, e tratou logo de exteriorizar a ideia, ou melhor, o seu “feeling”, embora sabendo do risco que correria de ser expulso do grupo, tal o choque que, imaginava, abalaria as rígidas estruturas mentais dos três parceiros gigantes. Confiando na sua maior intelectualidade, encorajou-se e partiu para a fala definitiva. - Pessoal, dentro daquela ideia do equilíbrio, creio que podemos, com grande chance de melhorar o custo-benefício (isto impressiona 24 E s t r a t é g i a s d o S m a r t
qualquer um), aceitar uma mulher no nosso grupo. Estava certa a imaginação de Salgado. Tonelada teve imediatamente um surto de engasgo, com seu frasco de água de coco, e precisou levar muita pancada nas costas para se recuperar. Uma vez aliviado (não confundamos com “ali, viado”, porque o cara era fortão mesmo!), já assumiu o discurso. - Olha aí, ô “filhote de beija-flor”... Brincadeira tem hora, tá? Smart, com sua percepção de líder, interferiu logo, antes que perdessem mais um e a coisa degringolasse (o mesmo que “a vaca fosse para o brejo” ou “ a maionese desandasse”). - Salgadinho, não se rebaixe às trevas do parceiro aqui. Ele, e nós todos, ainda vamos aprender muito com você. P´ra mim, já (foi providencial esta vírgula) temos eleito o mentor intelectual do grupo. Chama-se Mário Salgado Júnior. Desejamos que aceite também o cargo de Recrutador de Recursos Humanos. Sim, porque esta sua impressionante demonstração de lucidez não nos deixa dúvidas. Finalmente surgiu uma luz que, com certeza, fará nosso barco, ou melhor, avião, decolar de vez. Smart era craque mesmo. Jogava no ataque, na defesa, e, agora, estava mostrando ser bom também no meio de campo. - Ok - serenamente falou Salgadinho – Depois desta palestra, não precisa nem passar a borracha. Nem me lembro mais da referência elogiosa vinda do cara aí... O da bunda grande. Lá vem de novo Smart apagar outra ameaça de incêndio. - Pô, Salgado. Acabei de me referir à luz vinda com a sua pessoa, e você dá uma pisada dessas na jaca? - Calma aí, chefia (aprendeu a massagear o cara)... Foi lição sua. Eu só quis, brincando ingenuamente, quebrar o gelo e fortalecer nossas intimidades! Um pouco de humor também é bom para o grupo. Ainda bem que o Tonelada entrou nessa. Mas, Smart tratou de ficar um pouco mais esperto, pois percebeu logo o potencial psico-políticocognitivo do seu eleito apoiador logístico. - Mas - ponderou Smart – precisaremos de muita psicologia sobre o perfil feminino para, nesse palheiro, encontrar a agulha que tope E s t r a t é g i a s d o S m a r t 25
entrar numa sacanagem destas. Isto, sem falar na competência para nos ajudar nas horas difíceis, que certamente ocorrerão. Quais os requisitos em que nos basearmos? - As intuições nunca me chegam incompletas, chefia... Se quiser, deixe que eu resolvo logo isso, mas preciso de autonomia, ok? Quando eu apresentar a candidata, já será uma escolha definitiva. Nada de questionamentos. Tudo bem? - Em princípio sim. (resposta de mestre) - Ô Smart... Não venha com essa de “em princípio”, porque p´ra mim, que já tive um bom tempo para observá-lo, não cola mais. - Tá bom, cara. Também, se pensarmos numa CPI para aprovar a menina, aí que a coisa não sairá tão cedo. Mas, pelo menos, dê uma ideia dos tais requisitos. - Dois “guarda-roupas” já está de bom tamanho. Você até que está indo bem no comando. Modéstia à parte, creio que posso, junto com a tal menina, ser o setor pensante da equipe. Por favor, não me interpretem mal. Sei que vocês três não são tão burros. - Epa... Como assim? Não tão burros? - É só uma questão de semântica, meu caro. Não era bem essa a palavra. Não quis dizer burros, e sim, digamos, desprovidos intelectualmente. Fica bom desta forma? - Deixe p´ra lá, e vamos logo para os tais requisitos. - Ora, não são tantos. A nossa interferência, quando necessária, certamente será apenas para passar uma vaselina, não? Assim, vou atrás de uma que revele um mínimo das seguintes qualidades: extroversão, bom papo, cinismo e capacidade de sofismar. Assim como os políticos. - Só um detalhe... - observou Tyson – Não me venha com uma halterofilista. Considerando que o mais “bem apanhado” de nós não está lá com a bola toda, seria bom, não digo uma Barbie, mas algo que possa ser a cereja neste nosso bolo. - Não precisa responder, Salgado – interferiu Smart – Vá e resolva isso logo, porque até agora só vi muito papo e pouca ação. Não se passaram dois dias, e já estava sendo apresentada a derradeira componente do grupo. 26 E s t r a t é g i a s d o S m a r t
- Olha aí, rapaziada. Gostaria que conhecessem nossa nova companheira, a Ritinha. Smart estranhou essa intimidade do Salgado, que chegava com a mão no ombro da moça. Pelo jeito a cantada não teria sido tão sucinta. Mais espantado ainda ficou, com a atitude dos dois mastodontes que, na maior cara de pau, se curvaram para dar as boas-vindas à irmãzinha, beijando-lhe a mão. Tratou de agir rápido, iniciando logo aquela, que desejava fosse a última reunião de planejamento. - Prestem bem a atenção p´ra eu não ter de repetir. A partir de amanhã, todos aqui quando da abertura das portas, antes que os fominhas tomem conta do pedaço. Começaremos pelos aparelhos para os braços. No dia seguinte ocuparemos os que desenvolvem pernas e tórax. Faremos o alongamento preliminar, cada um no aparelho que tiver ocupado. Aliás, o ideal seria já chegar tendo feito isso em casa. Conforme combinado, eu darei sempre o comando para o rodízio, que será na sequência que planejamos. É bom toda a concentração na velocidade e no ritmo, de preferência sincronizados, para que aquela encenação de respiração ofegante não se demore muito. Salgado, a Ritinha está sabendo que o nosso rodízio será feito duas vezes? - Sim, mestre (Haja ego para tanta massagem!), inclusive sobre a importância do binômio assiduidade-pontualidade. - Muito bem lembrado, garoto. E volto a repetir. Testem seus despertadores, alarmes, ou coisa que o valha, tipo galo no quintal ou gorjeta pro padeiro. A partir do dia que um falhar, teremos de adotar um plano de chamada, que já conhecemos do quartel. Depois o Salgado explica isso para a Ritinha. Aproveitem que hoje é o último dia sem o rigor da disciplina, e até amanhã. Ah... Ninguém se preocupou em sugerir um nome pro nosso time, e isso tem grande importância, pelo status que nos dará. Afinal, significará uma identidade sumamente importante para a união do grupo. Fonseca (Tyson), com a delicadeza de um dinossauro, sugeriu o nome “OS FURACÕES SANGUINÁRIOS”, já apoiado pelo Alédio (Tonelada) que emendou com a ideia de todos usarem uma camisa vermelha contendo, como símbolo, uma foice, mas sem o martelo (teve E s t r a t é g i a s d o S m a r t 27
um lampejo de inteligência). Antes que Smart interviesse para acabar com essa maluquice, Salgado entrou no vácuo e completou, sugerindo também uma bandeira. Afinal, é um fator que, em situações difíceis, pode elevar o moral da tropa. Num momento de confronto, imaginem a força que não daria, um dos dois, Tyson ou Tonelada, empunhando essa bandeira? Segundo o “pai da criança”, seria também vermelha, com a inscrição: “MATAR OU MORRER”, que acabou não vingando, mesmo com o esforço da Ritinha, tentando amenizar para “MALHAR OU MORDER”, e, de quebra, sugerindo a troca da foice por uma faca de passar manteiga que, mesmo sem a potência de uma foice, com boa vontade, serve para produzir algum corte. Surgida uma pausa nessa inócua discussão, Smart reassumiu o comando, já com uma decisão. - Com todo o respeito ao surto belicoso de que todos foram afetados, podem esquecer essas frescuras de camiseta e bandeira. Basta, para nossa identidade, um nome, que passa a ser RS2T2. Os quatro ficaram se entreolhando por alguns minutos até que Salgado e Ritinha, fizeram sinal positivo com o polegar. Diante das fisionomias inseguras dos dois restantes, Smart, p´ra ganhar tempo, explicou logo. - Suponho terem percebido tratar-se de uma criptografia para as cinco iniciais de Ritinha, Smart, Salgado, Tyson e Tonelada, não? - Cripi o que? - perguntou Tyson, apoiado pelo olhar indefinido do Tonelada. Smart, com a paciência de mãe trocando fralda do primeiro filho, encerrou o papo, embora com certa ironia. - Olha aqui, particularmente vocês dois. Realmente a palavra criptografia talvez espante, além de ser antipática, não? Encaremos, então, como uma homenagem que presto ao grupo, usando uma sigla composta por letras vinculadas aos nossos nomes de guerra, ok? Uma homenagem, certo? E, sigla, vocês sabem o que é, pois estão carecas de ver por aí. Dá um exemplo de sigla, ô Tonelada. - Ah... Ah... (coçando intensamente a cabeça)... Já sei... PQP - Não vai me dizer que, p´ra variar, resolveu esculhambar com mais uma reunião. Se é o que estou pensando, vou fazer uso dessa 28 E s t r a t é g i a s d o S m a r t
expressão aqui e agora. - Chefia... Sigla, p´ra mim, é de partido político. Não conheço outros tipos. - Tudo bem. E que partido é esse. Pelo visto é de outro país, não? - P´ra falar a verdade, chefia, é só um exemplo que me veio à cabeça. Partido Quase Popular! Smart, chegou a pedir um tijolo baiano para o Salgado, mas desistiu a tempo. - Esse é o grande Tonelada, gente! Bom... Depois dessa, fui, hem? Não se esqueça das orientações à menina aí – completou, se dirigindo ao RRH do grupo. Salgado, percebendo que Ritinha ainda estava um pouco insegura, foi logo lhe descrevendo a filosofia da turma. - Olhe só. Estamos num projeto que não é dos mais honestos, mas que se encaixa bem nesta floresta de animais ferozes e espaçosos. A turma aqui é muito alegre, sorri bastante, mas ninguém abre mão da briga pela vantagem. Então, minha filha (arrependeu-se de não ter dito, pelo menos, “minha prima”), guerra é guerra e, se der encrenca, saberemos usar nossas ferramentas. Vá preparando, devagar, o seu cardápio de verbetes e expressões, de preferência as mais idiomáticas possíveis, ok? Embora se achando macacos velhos na malandragem, o fato é que nenhum deles teve uma noite de sono tranquila, devido à ansiedade. Até parecia que iriam estrear na Taça Libertadores da América. No dia seguinte, todos cedo na porta da Golden Body, recebendo os elogios de Smart, pela pontualidade. Papo daqui, papo dali, e nada de se abrirem as portas. A sorte foi a passagem de um surfista com sua prancha na caçamba do carro, que lhes informou sobre a não abertura da academia naquele dia, pois era feriado. - Feriado? – perguntou Smart – P´ra comemorar o que? - Ué! – respondeu o da prancha – Nunca ouviu falar em consciência negra? - Claro que sim. E também da parda, da amarela, da cor de rosa. Mas, e daí? - Daí que o nosso prefeito considerou a negra mais importante, e decretou feriado para que as pessoas possam passar o dia fazendo E s t r a t é g i a s d o S m a r t 29
reflexões sobre o tema. - E o que é que você vai fazer com essa prancha? Reflexões em alto mar? - Eu só, não. A praia lá no Guarujá, a estas horas, já está cheia de gente meditando sobre essa tal consciência, na base da cerveja e da caipirinha. E quer saber? Tchau p´ra vocês. Salgado tentou dar uma esticada no papo, lembrando situações piores, pelo menos para quem leva a sério a tal da malhação. - É... Existem lugares mais complicados. Lá no Rio, por exemplo, a tacada foi de mestre. Aproveitando o bom ibope de São Jorge com a moçada, um dos prefeitos decretou feriado no dia vinte e três de abril (dia do santo), encaixando como luva com o feriado nacional em homenagem a Tiradentes, dois dias antes. Perceberam a jogada? E a turma se emociona muito, mesmo, quando o primeiro cai numa terçafeira, consequentemente o segundo numa quinta. Como sexta-feira é o Dia Nacional da Cerveja, e não há clima para trabalho entre dois feriados, a negada começa a rezar p´ra São Jorge, e a refletir sobre o heroi da Inconfidência Mineira, desde a semana anterior até o final da seguinte. Burros, mesmo, foram, até agora, os prefeitos de São Paulo, que ainda não souberam explorar o tamanho da torcida corinthiana, e assinar decreto semelhante por aqui. Com certeza seria garantia de reeleição no pleito seguinte. Nisso, interveio o Tonelada, até aquele momento mais ouvinte do que falante. - Já que é p´ra resmungar, é bom nos acostumarmos com interrupções desse tipo. Agora mesmo, cerca de três semanas atrás, não consegui mesa em nenhum restaurante, tal a quantidade de pessoas celebrando o Dia de Finados. Mas, esses discursos não refrescaram nada, pois todos continuavam perplexos e nervosos, como naquela história do “pum” no elevador, cada um procurando a culpa no outro. Diante do estado pastoso reinante, todos com suas respectivas caras de bundões, antes que a estreia da equipe na Libertadores se tornasse um torneio de Full Combat, ocorreu, de forma brilhante, a estreia de Ritinha. 30 E s t r a t é g i a s d o S m a r t
- Meus irmãos... Não façamos a vida assim tão amarga. Logo agora que nossos laços de amizade estão se fortalecendo, não é sensato nos digladiarmos. Desarmemos nossos corações e abramos os sorrisos, um solidário com o outro, em benefício do bem coletivo. Procuremos descobrir a semente de sabedoria e bondade no interior das nossas mentes. Sejamos unidos, saibamos nos tolerar e nos perdoar. Vamos retornar em paz para os nossos lares, e lá meditarmos um pouco mais e nos harmonizarmos, porque amanhã será outro dia, e o sol voltará a brilhar, e nada nos impedirá de seguir em frente. Agradeço muito por pertencer a este valoroso grupo. Fiquem em paz. Já estou indo, pois lá em casa me espera uma pilha de roupas p´ra passar. Amanhã a gente se fala. Tchau. O silêncio predominou alguns minutos, com os quatro ainda hipnotizados pelas surpreendentes lágrimas de emoção escorrendo no rosto do Tyson. Tonelada foi o primeiro a reagir, começando com uma porrada nas costas do chorão. - Ô meu... Se cada vez que essa freirinha fizer uma palestra a gente agir cardiologicamente, acho que não vai sair porra nenhuma, e vamos acabar é dando beijinhos e abraços em todo mundo, indo às favas todo o nosso planejamento. - Taí, Alédio... Brilhante intervenção – falou Smart – Isto é que é uma equipe eclética. Tem a bela p´ra harmonizar, e a fera p´ra não deixar a coisa esfriar demais. Está perfeito. Os terroristas têm suas mulheres-bombas, e nós a nossa mulher-pomba. Por favor, sem outras interpretações senão a de que a pomba é o símbolo da paz, hem? Salgado não deixou passar a chance. - Quer dizer, então, que gostaram da minha escolha? Os outros levantaram o polegar em sinal de aprovação, mas Smart não abriu mão de um conselho. - Só é bom, como perceberam, ninguém alimentar outros planos com relação à garota. Creio que com a história da pilha de roupa p´ra passar ela já deu o recado, não? E agora, liberdade de ação. Quem quiser me seguir, vou passar o dia lendo e refletindo sobre a tal consciência negra, lógico que acompanhado de uma cervejinha, p´ra iluminar as ideias. E s t r a t é g i a s d o S m a r t 31
Todos se despediram, com a promessa de abrirem a porta da academia no dia seguinte. Após uma noite calma, só para alguns, pois a dupla T-T não era lá essas coisas no controle da ansiedade, estava a patota batendo o ponto bem cedo, como combinado. Tonelada já manifestava impaciência, tantas eram as vezes que consultava o relógio, um desses usados por alpinistas. O porteiro estranhou aquele inédito movimento mas, percebendo a animosidade do mastodonte, tratou de abrir logo a porta. A essa altura, outros usuários já tinham se juntado. Contudo, a tribo RS2T2 foi rápida ao assumir os aparelhos já definidos anteriormente como seus alvos. O primeiro dia seria dedicado aos braços e ao tórax. Pela rapidez com que assumiram seus postos, parecia terem treinado durante um mês. Tonelada nos halteres, Tyson no “supino”, Ritinha no “peitoral”, Salgado no “polia superior” e Smart no “remador”. Preferiu começar por este, pela melhor visibilidade, fator importante para o comando da largada. Realmente, tiveram muita competência para passar à prática de todo o processo mental desenvolvido nos dias anteriores. A coisa fluiu maravilhosamente por vários dias. De repente aconteceu o que não queriam, embora dentro das probabilidades. Um cara, tamanho na média entre Tyson e Tonelada, percebendo a manobra dos espertinhos, postou-se ao lado da Ritinha, supondo ser a peça mais vulnerável do esquema. Aparentava ser daqueles encardidos. Cabelão de jogador de futebol argentino, e uma tatuagem enorme nas costas com o nome completo da namorada (Raimunda Dilcinéia dos Santos Nonato). Ritinha, tendo terminado o exercício, fez o combinado para disfarçar. Iniciou uma respiração ofegante, como se estivesse em pausa antes de prosseguir. Só que o cara era “carne de pescoço”, formado na Universidade de Harvard nessa especialidade, e dava a entender que não desistiria tão cedo. A menina, passando a suar ainda mais, devido ao nervosismo, ainda assim, respirou fundo e começou o diálogo. - Por acaso estás a fim de usar este aparelho? - Não, querida... Estou aqui esperando o próximo ônibus. A freirinha se transformou em Dama de Ferro, e deu-lhe logo o merecido troco. 32 E s t r a t é g i a s d o S m a r t
- Olha aqui, ô cara... Se queres fazer gracinha vai procurar tua turma, tá? Com um tom de voz mais agressivo, o antagonista se mostrou um tanto decisivo. - Quem vai usar esta máquina agora sou eu, e vai tratando de se desembuchar logo daí. A jovem se encorajou e, apontando para o Tonelada, perguntou. - Conheces aquele cara ali? Ele já reservou este aparelho para seu próximo exercício. - Não quero saber. A vez é minha. Smart, vendo a situação se agravar, apressou-se em sinalizar o início do rodízio para moçada. Tonelada quase esmagou a moça, tal a fúria com que mergulhou para ocupar o novo lugar. Mas isto ainda não intimidou o “carne de pescoço”, que novamente assumiu a palavra, ou melhor, o grito. - Vai saindo daí, porque eu estava na fila de espera - Ô meu... Você sabe o nome deste aparelho? Aproveitando para se mostrar conhecedor do pedaço, o da Raimunda respondeu. - Nomes dessa parafernália toda é comigo mesmo. Este é o peitoral, que alguns, erradamente, chamam de crucifixo. Tonelada, então, com uma psicologia que era só dele, deu o seguinte recado: - Então pirulita logo daqui, antes que eu use este crucifixo p´ra fazer com você o mesmo que fizeram com o Cristo. O cabeludo até que ameaçou encarar, mas resolveu sair honrosamente, animado pela chegada do Tyson. Ou seja, funcionaram os argumentos vitaminados, tão bem lembrados por Salgado e Smart, quando do início da composição do grupo. Mas, no planejamento, ninguém tinha pensado na hipótese de se defrontarem com um cricri (chato que dá no saco do chato). Não demorou muito, e estava de volta o da tatuagem gigante, só que acompanhado do gerente da Golden Body que, já sabedor de tudo, inclusive das manobras escusas do Smart, chegou acompanhado do BOPE (Batalhão de Operações Especiais) da academia. Não teve jeito, mesmo tendo Ritinha aprontado outro E s t r a t é g i a s d o S m a r t 33
discurso de freira. Caiu a casa da RS2T2, e, conforme combinado, cada um passaria a se cuidar, e bolar seus próprios estratagemas para aquele objetivo de otimização no aproveitamento do tempo. Smart ainda se deu bem por mais algum tempo, devido ao seu vasto repertório de estratégias. Certo dia, por exemplo, fazia seus exercícios, e só faltava um para terminar a série, justamente no aparelho onde se encontrava aquela velhinha encardida, já sua antiga conhecida. Ela parecia fazer exercício mais para a língua, do que para qualquer outro músculo, de tanto que fofocava, sem liberar os aparelhos. Smart não teve dúvidas. Simulou estar atendendo o telefone da recepção e, como sabia o nome da dita cuja, de lá convocou-a, dizendo ser uma chamada para ela. Com isto, conseguiu a esperada vaga para concluir seus exercícios daquela manhã, embora ao preço de ter de armar uma boa explicação, à sua saída, diante da careta da velha. Existem velhas até simpáticas, mas essa, que encarou o Smart, era mais feia do que o diabo chupando limão. Imaginem, então, raivosa e fazendo careta. Resumo, nosso heroi ficou bem umas três noites com insônia, tais os pesadelos em que a protagonista principal era a imagem da tal velhinha. Smart bem que tentou evitar encontrá-la nos dias subsequentes, mas a idosa levava a sério pontualidade e assiduidade, descendente que era de alemães. Não teve jeito. Para se livrar de vez daquela obsessão, Smart encerrou esta fase de malhação, e preferiu passar para o ciclismo e as caminhadas. Mas ele era um cara que sabia tirar lições das suas experiências e, assim, sentiu-se vitorioso ao concluir essa etapa, seguindo, assim, mais capacitado para levar vantagem diante de outros obstáculos que pudessem surgir mais adiante.
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“A ideia deste livro vinha amadurecendo desde os primeiros incentivos do Sr Oswaldo Benvenuti Filho, empresário paulistano, por ocasião de lançamentos de livros por ele patrocinados, escritos pelo nosso colega Nelson Mesquita, que motivaram diversos encontros de confraternização entre ex-alunos da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, da qual o Sr Oswaldo também foi aluno. Com certeza, foi o seu espírito extremamente altruísta, aliado a uma das “Estratégias do Smart” (título desta obra), a mais feliz delas, que lhe fez aderir a este sonhado projeto, e aqui, sim, com a pretensão maior de fazer, desta singela obra, um potente instrumento de auxílio a uma obra infinitamente maior que se desenvolve no Centro Infantil Boldrini, em Campinas-SP”. “... solicitando a parceria de cada leitor na formação de uma gigantesca e infindável corrente, que jamais pare de canalizar para o benefício daquelas crianças, e de suas famílias, um prestimoso auxílio valorizado menos pelo dinheiro, e mais pelo sentimento de fraternidade, que lhes leve o ânimo e a coragem para superarem essa difícil fase das caminhadas que lhes foram destinadas nesta vida.”
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