Relatório Final - Escultura II

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AGARTHA


Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa Ano letivo 2016/17

Maria Elisa | nÂş 10661 Professores SĂŠrgio Vicente e Marta Castelo


AGARTHA Relatรณrio final de Escultura II


INTRODUÇÃO 7 ESPAÇO 9 CORPO 21 MATÉRIA 31 OBJETO 41 CORRELAÇÃO 51 CONCLUSÃO 59


INTRODUÇÃO

Este relatório visa documentar todo o processo de trabalho da unidade curricular de Escultura II. Aqui vou apresentar e refletir sobre todo o pensamento que desenvolvi ao longo do semestre. A proposta incidiu na escolha inicial de um sítio, sítio esse que seria, para além de ponto de partida, inspiração e referência para todos os exercícios posteriores. Foi feita uma exploração documental sobre o espaço [ESPAÇO, p. 9], uma apropriação e relação do local com o corpo [CORPO, p. 21], uma elevação do sítio a obra plástica, tirando partido de algumas das suas características formais [MATÉRIA, p. 31], um distanciamento visual do espaço, impingindo-lhe conotações metafóricas [OBJETO, p. 41] e um pensamento artístico colaborativo [CORRELAÇÃO, p. 51]. Relatório Final Escultura II AGARTHA

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ESPAÇO



SOLIPSISMO

Concepção filosófica de que nada existe fora do pensamento individual, sendo a percepção (das coisas e/ou das pessoas) uma impressão, uma representação mental sem existência própria. O solipsismo reduz toda a realidade ao sujeito pensante, ou seja, é a consequência extrema de se acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência interiores e pessoais, não se conseguindo estabelecer uma relação direta entre esses estados e o conhecimento objetivo de algo para além deles, ou seja, a sustentação do solipsismo é o empirismo, dado que, segundo o solipsismo, não se pode ter a certeza que algo para além de nós exista, o que se conhece é o que se pensa.

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Imagem 1 - Hotel “Francfort” abandonado, Rua dos Sapateiros. Imagem 2 - Janela do prédio escolhida.


Imagem 3 - Pormenor da tรกbua de contraplacado a ruir. Imagem 4 - Pormenor da tinta a quebrar.


ELEIÇÃO DO ESPAÇO Rua dos Sapateiros, 212 Uma das escolhas mais importantes deste projeto foi a eleição do espaço, pois foi essa eleição que possibilitou o desenvolvimento de todos os exercícios. Os fatores de escolha pelos quais me guiei, foram: as capacidades formais, conceptuais e plásticas do espaço, as suas possibilidades metafóricas e o próprio ponto geográfico do sítio. Este é um lugar que já conhecia e que para além disso, já tinha documentado fotograficamente meses antes do início do semestre, e por isso quando surgiu a possibilidade de o trabalhar mais a fundo, não hesitei em o escolher. É um sítio público e central - na Rua dos Sapateiros - o que me possibilitou o acesso livre a qualquer hora, e a exploração incansável da sua capacidade artística.

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Porém, limitei a minha área de trabalho a apenas uma janela de um dos prédios abandonados da rua. Esse prédio é um antigo hotel [imagem 1] e as suas aberturas térreas estão todas tapadas com tábuas de contraplacado. A janela que escolhi foi a do lado direito da entrada nº 212 [imagem 2]. Para além da riqueza de texturas e da potencialidade plástica daquela parede e daquele buraco [imagem 3 e 4], fascinou-me também e principalmente, todas as “camadas protetoras” e todos os elementos que separam o exterior visível, do interior imaginário. Aquele sítio pequeno e insignificante fez-me questionar sobre as intenções do seu furo. Funcionava como uma entrada ou como uma tentativa de fuga do interior para o exterior? Comecei a refletir sobre a questão de núcleo, centro, interior, e em oposição, sobre casca, camada, pele, exterior. Esses pensamentos levaram-me ao texto de Georges Didi-Huberman, “Ser crânio Lugar, Contacto, Pensamento, Escultura” principalmente ao capítulo “Ser cebola” [citação 1]. Foi explorando a simbologia de buraco, que comecei a fazer a analogia entre o espaço escolhido e a teoria da terra oca que defendia que a Terra era composta por 4 esferas concêntricas, semelhante à morfologia de uma cebola, e que cada esfera era habitável no seu interior e exterior, sendo a entrada feita pelos polos norte e sul. O texto da página 19 conclui o exercício inicial de documentação do lugar escolhido e abre as portas necessárias para os seguintes. Relatório Final Escultura II AGARTHA 01


“Na cebola, de facto, a casca é o caroço: não há mais hierarquia possível doravante entre o centro e a periferia. (...) O exterior, aqui, não é mais que uma muda do interior.” 1 Imagem 5 - Contraste entre a parede falsa e a verdadeira, e respetivos buracos.

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Imagem 6 - Pormenor do buraco e de todas as suas camadas.


Imagem 7 - Pormenor das texturas do sĂ­tio e da moldura da janela.



Ultrapassando a fronteira da janela feita parede, entramos num espaço escondido, protegido, capaz de proporcionar sentimentos completamente diferentes do exterior. Fora, a superfície é rugosa, distante e impessoal pois foi tratada para se assemelhar a uma parede, que simboliza abrigo, proteção, fronteira, visto que esse limite é o repelente aos desafios do exterior, tentando proteger o interior. De alguma maneira, ao tornarem uma abertura algo fechado, tiram a única hipótese de respiração do interior. Dentro havia vida, emoções, ações, pensamentos. Havia uma realidade, agora invisível, agora memória. A consciência da sua existência faz com que tudo volte a existir e de repente o seu núcleo eleva-se e deixamos de saber o que é real, a diferença entre passado e presente fica diluída. Uma experiência semelhante a um déjà vu. A imaginação de uma existência interior, levou-me a entrar dentro das camadas protetoras, para tentar descobrir o que lá estava escondido. Será este furo na fronteira uma vontade de entrar e descobrir ou uma tentativa de fugir do interior? As memórias querem escapar ou a consciência da sua existência fazem-nos querer senti-las?

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CORPO


”Era uma entrada para um universo de dúvida constante, de misantropia voluntária.”

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Com a teoria da terra oca em mente, resolvi explorar a relação interior/exterior do local. Para isso tentei entrar dentro da janela, ultrapassando a fronteira da parede e explorando o seu interior. Tinha como objetivo fazer uma série de fotografias com aspeto intimista, acanhado, quase irreal e confuso. Utilizei um único foco de luz para conseguir encontrar os espaços dentro do espaço e direccionar o ponto de atenção para um determinado local. O ato de espreitar para dentro de algo desconhecido levou-me a refletir também novamente sobre o que é real e a diferença entre imaginação e realidade. Ao tentar aproximar-me do núcleo do lugar, estava a tentar descobrir o seu passado, as suas vivências e tudo aquilo que o tornou real, que o tornou lugar. Isso fez-me também perceber a minha incapacidade de saber a verdade. A fronteira ou as várias fronteiras não me deixaram desvendar as suas memórias e por isso dei por mim a criar possibilidades para o interior. As limitações físicas foram assumidas, pois o espreitar deixou de ser suficiente para descobrir o sítio. O espaço tornou-se portanto, imaginário, um lugar real com memórias imaginárias. Cheguei à conclusão que aquele buraco era de facto uma entrada e não uma saída, uma entrada para um universo de dúvida constante, de misantropia voluntária. Questões relacionadas com a consciência da própria existência começaram a surgir. O solipsismo tornou-se real dentro daquele universo diferente para cada um. O excerto do Livro do Desassossego de Bernardo Soares, de Fernando Pessoa [citação 2] resume este pensamento de existência solitária e a dúvida do que existe para além de nós mesmos. Assim, estava a criar diversas hipóteses para aquele sítio, em vez de tentar descobrir o seu significado verdadeiro. O lugar tornou-se, portanto, imaginário, mas isso não faz com que não seja real. Relatório Final Escultura II AGARTHA 02


“Uma das minhas preocupações constantes é o compreender como é que outra gente existe, como é que há almas que não sejam a minha, consciências estranhas à minha consciência que, por ser consciência, me parece ser única.” 2


“Dentro da Utopia, todas as sementes da ambição, da facção, são erradicadas com todos os outros vícios. (...) O desejo de todos os reis vizinhos seria impotente para agitar ou perturbar o Império.” 3 24


Esse mundo imaginário pode ser tudo aquilo que eu queira que ele seja, portanto é um lugar imaginário ideal. Para compreender um pouco mais sobre os pensamentos de uma sociedade utópica, li o livro de Thomas More, Utopia, do qual selecionei algumas passagens [citação 3]. Focando-me na transição para essa outra dimensão, registei fotograficamente o que conseguia captar, espreitando para lá da fronteira que foi imposta. Quatro das doze imagens conseguidas, influenciaram os exercícios posteriores [imagens 8,9,10 e 11], na medida em que sugeriram novas texturas, materiais e tonalidades. Para além do conjunto de doze fotografias, explorei através da escrita questões relacionadas com a memória e a lembrança de algo inexistente, a passagem para um sítio que mesmo sendo imaginário não deixa de ser real. O cepticismo extremista sobre tudo o que se vê, o que se sente, o que se ouve. Tão extremo que se questiona sobre a sua própria existência. A necessidade de construir um passado para aquele lugar fez com que a noção de tempo se tenha perdido: como criar no presente memórias passadas? Aquele mundo pode ser exatamente tudo aquilo que cada um queira que ele seja, mesmo que na verdade, tenha sido até o seu oposto. Estas doze imagens são a procura do passado, são a criação de memórias, são o conflito entre o atual e o antigo, o choque temporal, a dinâmica entre o real e o imaginário. Esse lugar é acessível mas restrito, a passagem é real e direta, o seu Relatório Final Escultura II AGARTHA 02

interior é fictício e imprevisível. Tudo existe apenas e somente na mente de cada um e por isso qualquer coisa pode ser “criada”. Por ser imaginário todas as possibilidades são válidas e possíveis. Foi nesta fase que nomeei esse lugar imaginário: Agartha, tal como a cidade lendária que existe no interior da terra, segundo a teoria de que a terra é oca. Agartha é uma espécie de paraíso terrestre onde os mais elevados ideais da humanidade são realidades vivas. Assim, tirei partido deste mito de uma sociedade celeste mais evoluída para exemplificar as nossas capacidades imaginárias de criar um universo paralelo utópico, que neste caso vive na nossa mente.

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Imagens 8 e 9 - Fotografias mais importantes para o desenvolvimento do projeto.


Imagens 10 e 11- Fotografias mais importantes para o desenvolvimento do projeto.


Imagem 12 - Buraco natural na SibĂŠria.


Quanto mais tento aproximar-me desta realidade utópica, mais longe dela fico. As camadas que nos separam são mais fortes que a minha vontade de as ultrapassar. Ser unicamente livre num tempo contínuo. Pertencer à terra que nunca ninguém viu - seria egoísta desejá-lo? Com a porta aberta fica difícil recusar a entrada. Interior de solo incerto. Desejado. Espreito e ninguém aparece. Grito e ninguém aparece. Fecho os olhos e uma onda de alternativas emerge. Cada um cria as suas próprias sensações, reações, realidades imaginárias. O interior deste espaço deverá ser a mente de cada um. Lá, apenas o seu eu atemporal existe. A minha própria consciência perturba-me. Será possível que todo o mundo visível exista apenas na minha mente? Cada decisão, cada olhar, cada passo, cada toque e interação, tudo isso imaginação de uma mente perturbada. Nada é real, tudo desaparece. Tudo feito por mim. A consciência da minha existência está a ser posta em causa. Eu existo? Tu existes? Aquela pessoa que passa sem de mim dar conta, existe? Ou é invenção? As minhas memórias fundem-se com as de alguém esquecido, e assim sou teletransportada para um mundo interior passado, agora invisível, mas real. Um espaço tão complexo não pode ser habitado por todos. Um tempo único onde nada mais que eu existe. E o que é a invenção? Se nada para além de mim existe, tudo o resto que vejo é invenção do meu cérebro. Mas se tudo o que vejo existe realmente, então o que aqui escrevo é invenção. Este lugar não é real? Porquê? Eu estou a vê-lo. 29



MATÉRIA



Imagem 13 - Livro final. Imagens 14 e 15 - Pormenores.


REPRESENTAÇÃO Objeto fechado - interior/exterior

”fui representando o exterior do lugar assim como aquilo que para mim ele simbolizava: uma passagem.”

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O terceiro exercício propunha a reprodução escultórica do lugar escolhido. Para tal tirei partido de algumas das características formais e conceptuais do espaço, como por exemplo todas as “camadas protetoras” que impossibilitam a leitura do interior e a própria abertura na parede para a janela, como algo que foi fechado propositadamente e aberto por engano. O texto que concluiu o exercício anterior foi escrito, fragmentado e aplicado em diferentes planos de tecido translúcido. Todos esses planos criaram um livro têxtil [imagem 13] com apontamentos de escrita e as extremidades bordadas de maneira a que seja impossível ler as passagens do interior, para que apenas através da transparência da organza, se possa ter uma impressão da sua existência [imagens 14 e 15]. Relatório Final Escultura II AGARTHA 03


O formato do livro foi escolhido de maneira a refletir o espaço de limite da parede e, tal como o espaço inicial, tem algumas páginas abertas que dão leitura para o seu interior. O texto poético do exercício anterior foi o principal fundamento do livro têxtil e das experiências em papel. Utilizei papel mergulhado em cola para modelar o buraco para um outro mundo que queria representar, a passagem para o outro lado, o percurso. A primeira forma não tinha suficiente volume para simbolizar tudo isto [imagem 20], por isso alterei o molde para que se assemelha-se mais a um túnel e não tanto um buraco, para assim ganhar mais espessura e comprimento [imagem 21]. Por ter usado cola branca sobre o molde de plástico, tive de cortar as peças ao meio para conseguir tirá-las dos moldes, o que deixou uma quebra permanente no círculo. Em vez de a tentar disfarçar, assumi esse corte e utilizei-o em meu favor enrolando o túnel em si mesmo, o que deu mais interesse e dinamismo à peça, enfatizou ainda mais a interpretação de pele ou casca e redirecionou a atenção para o centro do túnel, coisa que com esta solução mais alongada se perdeu, comparando com o grande foco de atenção da experiência anterior. Assim, trabalhando em simultâneo no livro têxtil, do qual fiz dezenas de fotografias ilustrativas [imagens 16,17,18 e 19], e nos túneis de papel, fui representando o exterior do lugar assim como aquilo que para mim ele simbolizava: uma passagem. O critério de escolha sobre os materiais a

utilizar foi a sua fragilidade, leveza e translucidez. O objetivo era criar películas protetoras, frágeis barreiras facilmente destrutíveis, daí escolher a organza e o papel, dois materiais muito fluídos e leves. O limite é o repelente, a proteção, a necessária máscara que esconde a potencialidade elevada do interior. No caso do livro têxtil, essa fronteira está rompida e disponível para ser percorrida e alcançada. No caso dos túneis de papel, essa fronteira tem um ponto fraco facilmente acessível. Tanto na peça têxtil como nas de papel, o aspeto sensorial, o toque e consequentemente a matéria consegue falar por si e mostrar todos os seus lados: a sua pureza e simplicidade e a sua fácil manipulação e malicioso charme.

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Imagem 16 - Interior do livro têxtil com uma página de texto rasgada. Imagem 17 - Sobreposição de camadas de tecido translúcido.


Imagem 18 - Camadas de organza. Imagem 19 - Um dos fragmentos do papel com texto, bordado no tecido.



Imagem 20 - Primeira experiência da forma com papel. Imagem 21 - Transformação da forma criando mais movimento. Citação 4 - Alberto Caeiro , (Fernando Pessoa).

“Sempre que penso uma coisa, traio-a. Só tendo-a diante de mim devo pensar nela. Não pensando, mas vendo, Não com o pensamento, mas com os olhos. Uma coisa que é visível existe para se ver, E o que existe para os olhos não tem que existir para o pensamento; Só existe verdadeiramente para o pensamento e não para os olhos. Olho, e as coisas existem. Penso e existo só eu.” 4 Relatório Final Escultura II AGARTHA 03

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OBJETO


ESPAÇO METAFÓRICO Entrada em Agartha O registo fotográfico do livro têxtil resultou em diversas imagens muito atmosféricas e que me remeteram para as imagens feitas no segundo exercício por causa da sua distância visual entre o que foi realmente fotografado e o resultado final. Essas imagens levaram portanto à criação de um livro de fotografia, apoiado pelo texto que estava espalhado pelo primeiro livro têxtil. O livro de fotografia foi envolvido por duas folhas de organza, costuradas nas extremidades [imagens 23 e 24] e simbolizava o tal mundo interior inacessível ao outro. É um espaço que existe, mas só no imaginário, e ao vê-lo enclausurado outras interpretações do interior surgem e portanto aquele universo individual imaginário torna-se comum de todos mas diferente para cada um.

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Este livro é universal, omnipresente, é algo paradigmático, que serve de padrão e arquétipo para todos poderem interpretá-lo da maneira que querem e se identificarem rapidamente com o seu objetivo. Para traduzir esse objetivo criei uma espécie de “livro em branco” pronto a receber qualquer interpretação, disponível a todas as opiniões. Prossegui fazendo a representação do livro em fotografias, dando assim ainda mais uma hipótese, mais uma pista para desvendar o que se encontrava no seu interior [imagens das páginas 48/49], e decidi utilizá-las como parte do projeto, colocando um leve desfoque em cada imagem [imagem das páginas 46/47]. Muitos foram os artistas de referência que trabalham sobre camadas e a transformação de livros, como é caso de Odires Mlászho [imagem 26]. Ao mesmo tempo que refletia sobre este assunto, trabalhava também nas peças de papel, tentando materializar o túnel de entrada para “agartha” [imagem 22]. Estas pequenas esculturas são a ligação entre o espaço exterior e interior, são o que conduz a mente para o mundo interior, o ponto de partida. E, portanto, não são nem núcleo, nem casca, têm um pouco dos dois, mas são algo diferente. São o que guia do fora para o dentro, são o caminho, o percurso. Com os dois livros e com as fotografias do último livro, fiz a representação da representação da representação, da representação da janela, pois em cada etapa traduzi de novo cada objeto. Relatório Final Escultura II AGARTHA 04


Imagem 22 - Experiência de uma possível entrada para Agartha. Imagem da página 46/47 - Desfoque propositado de uma das fotografias das páginas do livro. Imagens das páginas 48/49 - todas as páginas do livro de artista feito a partir das fotografias do livro têxtil.

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Imagem 23 - Os dois livros finais. Imagem 24 - Capa envolvente do livro de fotografias.


Imagem 25 - “Honey Locust” por Bryan Nash Gill, 2013. Imagem 26 - “Blind books” por Odires Mlászho, 2013.







CORRELAÇÃO


PENSAMENTO COLABORATIVO Ação de reflexão Quando chegou a última fase do trabalho reservada a arte participativa, estava com receio de criar uma tarefa que envolvesse qualquer matéria plástica que não tivesse já utilizado anteriormente, pois não queria quebrar a coerência que tinha criado entre cada exercício. Além disso, não queria que fosse uma participação muito mecanizada, gostava que fosse uma coisa mais contemplativa, algo que fizesse as pessoas pensar realmente, e não criarem uma coisa simplesmente pelo ato de criar. De certa forma tinha como objetivo deixar um pensamento nos participantes e não apenas fazê-los seguir uma série de instruções. Isto foi o que escrevi para os possíveis colaboradores: “Um mundo interior imaginário ideal, puramente utópico. Agartha é o nome da lendária cidade que 52

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fica situada no interior da terra, suportando a teoria de que a terra é oca composta por quatro esferas concêntricas e que a entrada para o seu interior é feita a partir dos seus polos. Nesta fase do exercício, estou a focar-me nos túneis de entrada para esta outra dimensão e no aspeto formal do interior. Utilizei o nome desta cidade “fictícia” como metáfora para abordar questões relacionadas com o imaginário, a reflexão solitária num outro mundo onde apenas o “eu” existe e consequentemente a dúvida existencial. Assim, gostava de agrupar textos, desenhos, pequenos pensamentos, podem ser apenas frases ou até mesmo palavras. Podem ser diagramas ou mapas de ideias, textos em forma de carta ou monólogo, tudo o que ajude a descrever o que vêem e sentem na vossa “agartha”.”. Enquanto questionava diferentes tipos de pessoas sobre a sua visão de um mundo imaginário ideal, continuava a experimentar diferentes formas, tamanhos e relações de túneis de papel, fazendo vários pequenos [imagem 27], outros alongados [imagem 28], reutilizando o primeiro molde, visto que devido à flexibilidade do material, nunca consigo ter dois exatamente iguais [imagem 29] e modificando a leitura colocando vários túneis sobrepostos e aplicando luz no interior [imagem 30]. Para acompanhar as opiniões de cada pessoa, senti que era necessário um “túnel comunitário”, algo por onde as pessoas tivessem de passar para chegar ao outro lado, e as pequenas amostras que tinha até

então feito, tornaram-se insuficientes para abranger tantas novas perspetivas. Portanto, comecei a trabalhar numa nova versão de túnel, desta vez aumentando a escala e consequentemente alterando a forma. Isto trouxe outras questões técnicas que me fizeram ter de arranjar soluções mais definitivas para erguer o túnel. Acabei por utilizar arame revestido a fio, de maneira a que não interferisse com a leitura suave do papel [imagens 31 e 32]. Com todas as respostas que recebi, explorei hipóteses de sobreposição dos textos em computador [imagem 33] mas optei por fazer uma sobreposição real, com cada texto impresso numa folha de acetato tendo o seu espaço individual, mas que quando justapostas criam uma visão coletiva.

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Imagem 27 - Experiência com papel. Imagem 28 - Exploração de formas mais alongadas.


Imagem 29 - Exploração da forma com molde anteriormente usado. Imagem 30 - Experiência de vários “túneis” sobrepostos, com luz no interior.


Imagem 31 - Pormenor do tĂşnel de papel grande. Imagem 32 - Pormenor das transparĂŞncias e das texturas do papel.


Imagem 33 - Sobreposição de todas as reflexões sobre o mundo interior.



CONCLUSÃO

Penso que este semestre foi bem conseguido, explorei campos que nunca tinha explorado e trabalhei tanto com materiais que me eram familiares (a fibra têxtil), como outros que fugiam um pouco à minha zona de conforto (o papel). Para além disso, tive a oportunidade de desenvolver um trabalho mais aprofundado no campo da fotografia, coisa que há muito queria fazer mas que tinha receio em usar no âmbito da escultura, no entanto penso que utilizei a fotografia de uma maneira um pouco diferente e introduzia-a bem no campo escultórico. Consegui criar um universo credível e imponente para aquele recanto outrora insignificante e modesto. Esse foi o desafio que criei para mim mesma, ter um ponto de partida aparentemente fraco e pequeno, e

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de alguma maneira conseguir elevá-lo a algo mais do que ele é. O processo de trabalho nem sempre foi fácil, principalmente por alguns dos exercícios que queria concluir eram bastante morosos com uma técnica muito repetitiva e que demoravam bastante tempo a concluir, daí não ter conseguido produzir mais trabalho e ter me apoiado na escrita para transmitir a minha visão. Gosto muito de trabalhar em ambiente de atelier e por isso tentei trabalhar o mais possível dentro da sala de aula, procurando o auxílio e opinião dos professores sempre que achava pertinente. Os professores foram uma grande ajuda no desenvolvimento deste trabalho, sugerindo opções e soluções que sozinha não imaginaria, e partilhando importantes referências literárias e artísticas. Penso que deveria ter trabalhado mais e sinto que fiquei um pouco aquém do que poderia ter feito, principalmente porque a proposta era bastante desafiante e merecia mais entusiasmo. Contudo, desenvolvi um pensamento claro e coerente ao longo de todo o semestre e penso que isso é visível em todos os exercícios: a exposição de todas as fases pode ser feita em conjunto, visto que existe um fio condutor visual muito forte. Este relatório serve de conclusão deste semestre, tirando partido do relatório em si como possível objeto artístico, relatando todo o pensamento e demonstrando imagens processuais, complementadas com as fotografias anexas da exposição final. 59



Maria ELisa 2017



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