Do natal

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MARIALEOPOLDINA A) 2017

DO NATAL COLECTIVO DE TEXTOS COSTURADOS ON-LINE


As batatas estavam frias e o bacalhau era uma miragem. Fim de consoada. A) 2017

MARIALEOPOLDINA

CATARINA CARDOSO


BU PRENDA NÔZ KULTURA

OFEREÇA PRENDAS CREATED IN CABO VERDE fotos tiradas na URDI: Feira Nacional de Artesanado e Design


A) 2017

Melbourne, 24_XII_2013

Missiva de natal que escrevi para a Rita no nosso 1º natal em Melbourne.

O desenho é da Tamira. Ela tem 5 anos. O desenho chama-se Santa's dance.

Rita meu amor, Este tem sido o natal mais frugal das nossas vidas, sem ter por perto o colo da mãe, o abraço do pai, ou as guloseimas das avós. Em compensação temos a nossa prenda-mor e nossa plena espiritualidade para fazer frente a esta onda consumista em que o natal se transformou. Este formato irá ser o primeiro de muitos natais que juntos iremos passar, alheios à imposição do sistema consumista, mas repletos de amor. Minhas lindas, amo-vos muito bjx do pai natal Mito


com esperança e fé em menino Jesus, ao levantar da enxerga onde dorme, com bons pensamentos acredita piamente que hoje será o dia da sua fortuna, uma cavala e uma cachupa cairá bem hoje véspera de Natal dia em que as pessoas tornam-se caridosas e alegres, augurando feliz natal a todos, mesmo aos párias como ele que esperam há séculos por um milagre de nosso senhor. Sem água para lavar, Antunim em mais um dia de cão na sua miserável vida sai do barraco na ladeira de Cruz, lugar por excelência dos miseráveis de São Vicente, tem que ir a procura de comida na Morada onde é sempre enxovalhado. Descendo da ladeira de Cruz passa por Ponta de Pom onde as pessoas logo cedo já labutam na azáfama do dia a dia furando a vida. Sem pensar em nada vai para o centro de Mindelo e, quando cruza com pessoas, Antunim sem ao menos

Praia 31/11/2017

Saiu da sua barraca logo cedo, num sol fora de comum em Dezembro. Por ser 24 de Dezembro,

desejar-lhes bom dia, num reflexo condicionado da sua perpétua miséria pede-lhes esmola. Mas coitado de Antunim! De tão miserável que ele é, cheirando a urina e fezes é sempre escorraçado e, raras são as pessoas que retendo a respiração atrevem aproximar dele e dar-lhe uma esmola. Depois de atravessar algumas ruas e becos da periferia de Mindelo neste dia esplendoroso de dezembro, chega a rua de Lisboa, a rua das lojas chiques, de gente fingindo de ricos transitando em luxuosos carros, de gente nas esquinas sem trabalho falando de futebol, e nesta época uma música em altos berros em altifalantes no mercado de verduras tocando Boas Festas do saudoso Luís Morais. Esta mesma rua de Lisboa que, nas portas dos comércios estão sempre os mais pobres pedindo esmolas. Antunim que tentando a sua sorte junta-se a eles mas é escorraçado pelos pobres como ele mas que inacreditavelmente sentem ter um estatuto de pobreza superior a de Antunim por ele apestara a urina e fezes. Desanimado de nada conseguir nesta odiosa rua, na boca da noite vai para a rua de Matigim, onde sabe que Nha Custodia do bar Carinhoso,depois de vender comida aos clientes, têm sempre comida reservada para os pobres como ele os coitados da sociedade. Esperando pacientemente pela comida na porta do bar, uns pescadores alegres bem bondosos por ser dia de festa oferecem a Antunim meio quarto de grogue que bebe de um trago. Bêbado e sem força nas pernas decide e vai para a praia de bote dormir num bote,e antes de viajar para os labirintos de Morfeu, escuta a música de Boas Festas e pessoas augurando um feliz natal uns aos outros. Num sono profundo num bote deitado, sonha que NHA Custodia é o menino Jesus ela veio oferecer-lhe um banquete daqueles que se vê na televisão e com comidas que ele nem o nome sabe. Tchale Figueira

a)


CILIAR DA TAÇA SERÁ D’ EPOPEIA ESSE CRUZAR ACHADAS E FAJÃS, PALMILHAR O POEIRENTO CHÃO DESTAS ENCOSTAS, EM HORAS PACHORRENTAS POR LOMBO DE BURRO, PERSCRUTAR O ESTALAR DA RAÇA E NA PREGA FACA? SERÁ DE VALIA, DE TANTA CANTORIA, ESSE RETRATO DE PASTOR PELO DESCAMPADO, DE CABRA E VACA, CAPOTE SOLETRADO NO AGRESTE, O CILIAR DA TAÇA EM COMO TRESANDA À MANJERONA E AGUARDENTE? ÀS VEZES, O ESTAR ASSIM TÃO-SÓ PELOS CAMINHOS É TÃO SISUDO CANTAR ESSA DOR FINA DE NÓS TODOS, O QUE GRITARMOS DIZER ELE, CALADO, PELAS BRISAS… OUTRAS VEZES, É VÊ-LO DEVOLUTO EM SEU NOVELO, COM ARES DE CAPRINO OU DE BOVINO, ESPANTALHO AO FARFALHAR DOS MILHAFRES, EM SEU FARDO E FADO… FILINTO ELÍSIO


UM NATAL SEM NÓ NEM DÓ Dezembro de 1977 (?) Dança de esqueletos sorrisos engravatados morabeza de enganos coraçöes estilhaçados Espora de álcool cristo sem vida crianças agrilhoadas poetas desempregados luzes amaldiçoando a cidade Festival sem música bêbados sem flores namorados mastigando estrelas sopro de morte em 365 dias de pesadelos Teatro sem actores barcos naufragados em mar de desesperança ilusöes vendidas a preço de luxo prostitutas silenciando a revolta irreverente de moluscos Cachimbo sem fumador carnaval de mágoas páscoa de ovos-de-régua em lua-de-mel desiludida ano novo madrugando compassos ritmados de suor Festa sem bandeiras alvoroço de pedra em painel de cinzas presépios lembrando gráficos de soro multidäo rouca em gestos bolorentos. Era Natal. Jorge Carlos Almeida Fonseca


conta-me um conto de Natal, mas um conto diferente. sem bolas, sem fitas parolas e sobretudo, sem presentes. um conto de Natal verdadeiro. que me paralise os membros e que me deixe num frenesim de pele e cheiro de musgo verde. não me contes sobre os reis magos. quero saber o que se passou antes disso. quando os pais do menino deciram fazê-lo. conta-me como se faz um menino jesus, mas não me fales do menino jesus. quero um conto de Natal com carácter urgente de presépios está o inferno cheio e o meu céu é denso nevoeiro. CATARINA CARDOSO


Com votos de que sejamos todos felizes nestas festas. A minha porta está sempre aberta. O café pode ser preparado em dois minutos, e a mesa da cozinha limpa-se num instante .Este é um lugar de paz, onde não se julga. Todos os amigos que precisam de falar são bem-vindos a qualquer momento. Mesmo para estarmos em silêncio. Tenho comida no frigorífico, café, chá ou infusões, vinho, ouvidos para ouvir, ombros para os que precisem chorar e braços para abraçar. São valores antigos que se estão a perder com a tecnologia. Um texto ou um emoji não são o equivalente do tempo que você pode dispensar a quem precisa. Os meus amigos e eu estamos a tentar provar que se há alguém para ouvir-te, nunca estarás sozinho.. Teté Alhinho


23. SAB | O “Livro de Pantagruel” & Christmas Songs Sem pieguice nem saudosismo | mas a recordar a minha infância | quando éramos muitos em torno da mesa | Consoada farta | e 'silêncio desflorado' | de a minha mãe seguir as receitas no “Livro de Pantagruel” | e o meu pai (na altura não se chamava DJ) a cuidar da seleção musical | Dela (era tradição) um pudim de café que exigia ir às bases e ao glossário do livro | para além de homenagear o pai (o avô João Henriques de Almeida Cardoso) pantagruélico | e dele (aficionado em jazz e blues o nosso Anastácio Filinto) comia-se ao som de Louis Armstrong e Ella Fitzgerald | com instantes de Nat King Cole (Merry Christmas to you cantava a meninada) | Agora | não que me aliene da desgraça do mundo | mas para que a ternura não se perca | uma forma com furo central faz subir um pudim em banho-maria | e vou ouvindo com saudade de todos e de tudo | os muitos acordes que propõe Wynton Marsalis | E tal como nuns versos do poeta Jorge Carlos Fonseca (leiam-nos em ‘Sopinha do Alfabeto’: (...) O silêncio desflorou-nos Irremediavelmente (...) 24. DOM | Abraço “concêntrico” e afetuoso Seja o Natal um tempo de paz e de renovação | Com poesia e sem consumismo | Num mundo de privações e desigualdades | com muita gente em provação da perseguição e doença | guerra e ditadura | solidão e pobreza | interpela-nos este período à solidariedade consequente | A todos os Amigos e aos que lhes são próximos | assim como aos muitos ausentes | desejamos um Natal com espírito elevado | amor presente e resistência às novas imposições | Um abraço “concêntrico” e afetuoso para todos. 26. TER | Junk mail Tenho recebido videos chocantes | com imagens explícitas de violência | e de selvajaria humana | vídeos sobre torturas e fuzilamentos | escravatura e holocausto | fascismo e nazismo | estalinismo e outros sucedâneos de ditaduras | Tenho recebido textos racistas e chauvinistas | homofóbicos e machistas | palavras que ameaçam e aterrorizam | e sugerem a morte e a desesperança | No recuo dos meus dias | vá lá que chove lá fora | vou ouvindo (não sem pensar em melhor mundo a ser possível) ao gospel de Mahalia Jackson... Filínto Silva


CONVIDEM ESSE TAL ESPÍRITO DE NATAL PARA FICAR O ANO INTEIRO HELDER DOCA


MARIALEOPOLDINA A) 2017

A) 2017 AGRADECIMENTOS: CATARINA CARDOSO FILINTO SILVA HELDER DOCA JORGE CARLOS ALMEIDA FONSECA MITO ELIAS PRINCE DANSU TAMIRA ELIAS TCHALÉ FIGUEIRA TETÉ ALHINHO COSTUREIROS: PAULO LOBO LINHARES & SAMIRA PEREIRA DESIGN: MARIA LEOPOLDINA


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