Entrevista Manuela Bacelar

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MANUELA BACELAR Manuela Bacelar nasceu em Coimbra, em 1943. Realizou os seus estudos secundários no Porto, na Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis. Continuou os seus estudos artísticos, em Praga, na Escola Superior de Artes Aplicadas, onde foi bolseira de 1963 a 1970, concluindo o Curso de Ilustração. Em 1971, fixou-se na cidade do Porto, onde reside desde então.

Dedicando-se à ilustração desde 1988, e tendo ilustrado mais de meia centena de livros com textos da sua autoria e não só, tem colaborado com diversas editoras nacionais e estrangeiras. Considerada uma das mais importantes ilustradoras contemporâneas, conta já com inúmeras exposições individuais e colectivas, participando regularmente em Bienais

de Ilustração – Barcelona, Bratislava e Belgrado –, assim como em Exposições Internacionais de Ilustração – Itália, França, Áustria, Espanha, Eslovénia, Japão, Singapura, etc – tendo sido seleccionada pela Diesertina Veriag para o livro Modernos Ilustradores Europeus.(...) Carina Rodrigues


MARIANA BALDAIA - Quando penso na Manuela Bacelar, o que me vem automaticamente à cabeça é o nome Tobias. Como público alvo que fui desses contos, sempre imaginei o Tobias a passear pelos seus cadernos, aquele amigo imaginário que a acompanhou durante o processo criativo, chamando-a à narrativa. Ilustrar textos pessoais torna a visão do livro muito nossa, para logo depois a oferecer ao leitor. Será esta a grande diferença entre ilustrar um texto seu e um texto de outro autor? MANUELA BACELAR - Ilustrar um texto meu? As coisas acontecem simultaneamente. As palavras reduzidas ao mínimo, e o adjectivo está no desenho. E é tanta a liberdade que prefiro fazer os livros a 100%: Texto e desenho, ou só desenho como acontece em “Tobias os 7 anões e etc”. M.BAL. - Voltando ao imaginário, um ilustrador nunca se desprende da imaginação infantil? M.B - Bom a história do “Tobias” tem uma história que não será muito romântica: Tinha acabado de ganhar a “maçã de ouro” e achei que isso me daria outra força perante os editores. Então reuni cá em casa uma série de jovens que queriam fazer ilustração e fui à Porto Editora propor uma colecção de livros feitos por ilustradores a 100%: história e desenhos. O dono da P. E. ficou lá com o projecto e tempos depois marcoume uma reunião para me fazer

uma contra- proposta: Uma colecção de histórias com uma personagem. E assim andei os tais 9 meses de que falo no “Tobias” nº 1, a pensar. Esteve para ser LUIS e muito abrilhantinado e acabou e acabou careca e Tobias. Mas claro que me desprendo da imaginação infantil…aliás a minha imaginação já não é a infantil. A minha imaginação é feita do que fui acumulando em leituras, musica, viagens, cozinhados enfim tudo. Até namorados. E não é raro estar sentada ao estirador a pensar no que farei para o jantar…ou estar a fazer o jantar e vir-me um tema à cabeça para uma historia, ou uma frase, uma fala de uma personagem. A imaginação quando se tem, não nos larga…mas há que fazer uma selecção e muitas vezes fechar-lhe a porta na cara.

tros. Há técnicas de que gosto mais do que outras, etc. No “Tobias” usei uma técnica em cada livro. Estava com medo que a monotonia me fizesse desistir e partir para outra… Do Tobias, o que mais me agrada é o 1º Leonardo e o 2º Leonardo. Pelo desenho, pela imensa pesquisa que tive que fazer e por ter conseguido chegar ao ponto de tratar o Leonardo por tu, de tão bem que o fiquei a conhecer. Quanto ao texto “Este é o Tobias” e “Tobias e o leão” são quanto a mim os melhores. O primeiro pela simplicidade e ritmo do texto , o T. e o Leão, pelo humor e, não é para me gabar, está muito bem contado.

M.BAL. - Quando está a desenhar, sente que vive no mundo do Fauno e das fadas?

M.B - O gosto que tenho pelo óleo, que na minha cabeça só se adequa a um certo tipo de escrita que não é a minha, leva-me a dizer que os melhores são “Silka” de Ilse Losa e “A Sereiazinha” de Andersen. Mas também me deu muito prazer e entusiasmo o “Cimo de Vila” a meias com o Carlos Tê. “Silka” e “A Sereiazinha” por serem histórias com um lado onírico bastante acentuado, fundos de mar e um enorme imaginário. O “Cimo de Vila” por ter como personagem principal o Porto, e por ter encontrado na Carlos Tê uma pessoa que sente o Porto de uma maneira praticamente igual à minha maneira de o sentir.

M.B - Quando estou a desenhar, a pintar, a história já está esboçada na minha cabeça. Por vezes já tem principio e já tem fim. E à maneira que vou passando as ideias para o papel no story-board, vai-me surgindo o meio que une o princípio e o fim. M.BAL. - Qual foi o seu livro, isto é, o seu texto que gostou mais de ilustrar? Porquê? M.B - Cada livro meu tem por trás uma história diferente. E depois há uns materiais que gosto mais de usar do que ou-

M.BAL. - Qual foi o livro que gostou mais de ilustrar com texto de outro autor? Porquê?


M.BAL. - Quando se ilustra textos de outros autores, ou se fazem trabalhos por encomenda, o imaginário do ilustrador é violado pelos autores ou editoras? M.B - Ou seja, tem liberdade ou sente-se mais como uma máquina de produção do imaginário de outrem? Tenho liberdade sim, mas há textos que nos cortam essa liberdade: está tudo no texto desde o mais ínfimo pormenor. Ou seja, há textos que foram escritos, sabendo o escritor à partida que que vão ser ilustrados, e no entanto descrevem tudo. Esses são os textos que em geral recuso. M.BAL. - Tendo passado por experiências de falta de liberdade, tanto no Portugal de antes de Abril como na Checoslováquia, isso também se reflectiu no seu trabalho? M.B - Antes de ir para Praga ainda não ilustrava livros, nem cartazes, nem fosse o que fosse. Em Praga andei numa escola onde os bons professores eram contra o regime e havia por isso uma grande liberdade. Além disso os ilustradores e os escritores que escreviam para crianças eram quase na sua maioria autores que estavam sob vigilância, autores que eram impedidos de escrever para adultos. A censura na literatura para crianças era muitíssimo mais branda. Nos fins do ano de 69, após a invasão, a minha escola levou uma grande “limpeza”, os bons professores saíram ou foram expulsos e eu regressei a Portugal. Continuei no entanto a ir a Praga, e vou sempre que posso. Diferentes ou iguais as ditaduras que existiram cá e lá, a grande diferença são a enorme tradição cultural que há lá e que não há cá. Lá a escolaridade era obrigatória já desde o séc. XlX, aqui havia analfabetismo. Por Biografia Carina Rodrigues

outro lado as prisões politicas de cá eram brandas, comparadas com as de lá. M.BAL. - Alguma vez pensou em utilizar o seu trabalho como meio de intervenção, por ser de uma geração que assistiu e participou em mudanças ideológicas e alterações políticas e sociais? M.B - Fui uma activista ferrenha na divulgação do livro para a infância. Partiu de mim o prémio de ilustração do M.C. e fui eu que o redigi. Mais tarde foi-lhe tirado um item que era “O ilustrador premiado fará parte do júri no ano seguinte”. Bati-me em encontros de literatura para a infância por bibliotecas escolares quando ainda as não havia etc, etc…enfim pela profissão e pela sua dignidade. No entanto vejo com pena minha, a geração mais nova a ir por caminhos muito errados e superficiais. M.BAL. - Como é que a Manuela tem encarado a evolução tecnológica, onde já se veem muitos livros ilustrados digitalmente? M.B - Sigo-a atentamente, e como em tudo há bom e mau. Por mim não tenho nada contra. M.BAL. - Já pensou em utilizar as novas tecnologias, tanto na execução como no suporte do seu trabalho? M.B - Já. Mas tenho ainda muito para aprender. E para já estou a praticar alguma coisa nos “adob’s” como base, como fundo sem prescindir do lado manual da coisa. M.BAL. - Quais eram as suas maiores influências há 40 anos? Porquê? M.B - Tudo, tal como hoje. Tudo o que está a minha volta, tudo o que vejo e oiço seja na Entrevista Mariana Baldaia

rua, no autocarro ou no concerto. Há 40 anos estava eu a regressar de Praga e tinha a minha luta: fazer alguma coisa de qualidade para as revistas, filmes e livros para crianças. Essa luta é permanente, embora vá sendo diferente. M.BAL. - Quais são as suas influências hoje? Porquê? M.B - As mesmas de há 40 anos…mais as que fui acumulando. Para mim não são influências, mas sim fontes de inspiração; na brincadeira chamo-lhe “a minha sopa”. M.BAL. - Podemos saber em que está a trabalhar neste momento? M.B - Vou começar a ilustração de um livro de poesia e acabei de ilustrar um CD livro, com 12 ilustrações. M.BAL. - E agora para acabar, vamos falar sobre coisas mais práticas, sendo a Manuela uma ilustradora reconhecida não só em Portugal como no estrangeiro, acha que um ilustrador, para além do prazer que sente com o seu trabalho, tem hipótese de viver quase/ou exclusivamente disso? M.B - Teria. Para isso era urgente fazer uma tabela de preços, os ilustradores recusarem-se a ilustrar por menos que x, os editores usarem os seus 45% e as mais-valias, TAMBEM para a promoção dos autores e dos livros, em vez de se ficarem pelo dia do lançamento. E era urgente que tivessem alguém com um curso de artes, que soubesse distinguir o trigo do joio no que diz respeito á ilustração. Porque numa mesma editora serem publicados o bom e o péssimo, não me entra na cabeça.

Ilustração Mariana Baldaia


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