Espantos

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Espantos

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Espantos

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Tem um matagal do lado da minha casa que já vi pegar fogo completamente e virar deserto. Me lembro do calor e do estalar das chamas. Com o passar dos anos, vi o matagal crescer ferozmente, violentamente. Agora, pretendem construir um condomínio. Ouço a serra elétrica e as árvores desmaiando.

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Toda vez que vejo o adesivo na janela, me lembro dele. Lembro do seu corpo esguio, do sorriso imenso e dos olhos atentos. Nunca ouvi ele dizer meu nome, mas imagino como sua voz soaria se o dissesse. Lembro que ele chamava adesivo de colante.

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Usa uma aliança dourada no anelar da mão direita. Não deve ter mais que vinte anos. Sempre usa o mesmo tênis e varia pouco de calça jeans. Por cima de uma camiseta preta básica, aquela camisa xadrez.

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Às vezes, acontece enquanto subo as escadas da cozinha para o quarto. Imagino meus pulsos sangrando, imagino que o copo d’água cai da minha mão e não se quebra. Antes de chegar ao topo da escada, desapareço.

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É um homem de gravata listrada, numa moldura branca que me incomoda. Ele fica bem de frente para mim, mas não me enxerga. Mesmo que eu não queira olhá-lo, mesmo que eu feche os olhos, o vejo estampado nas minhas pálpebras. Mas ele não me olha nunca.

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Hoje vi uma borboleta azul voando entre os carros na Rua Humaitรก.

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S達o tantas coisas que preciso carregar! E a vergonha? S達o tantas coisas que preciso carregar! E a vergonha?

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Nadava em um mar esverdiado, numa pequena praia circundada por rochedos brancos. Percebo centenas de pregos boiando na superfície da água. Eram longos e prateados. Aquilo me deixava curiosa, mas parecia não afetar de nenhum modo a diversão dos meus amigos, que continuavam nadando e brincando de afogar uns aos outros.

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O som do relógio antigo que você achou uma boa ideia usar de despertador e que cisma em gritar tic-tac, tic-tac, justamente nos seus últimos minutos de sonho da manhã, te lembrando que tudo tem um ritmo, assim como as cigarras anunciam repetidamente, histericamente, verão após verão, a chegada do nada.

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A palavra impressa na página, a página no livro, o livro na mesa, a mesa na sala, a sala na esquina, a esquina no bairro, o bairro na cidade, a cidade no país, o país no mundo. Me sinto um astronauta.

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Embarcou em um caiaque em Copacabana, em pleno sรกbado de verรฃo. E sรณ parou de remar quando era terรงa-feira de inverno em Oahu.

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A preguiรงa do conflito.

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Depois de um dia longo e cansativo de trabalho, minha mãe chega em casa e logo se acomoda debaixo da coberta para ver televisão. Sem mudar de posição, ela adormece. Às vezes, vou até o quarto falar com ela e a vejo deitada. Seu rosto magrinho, já meio abatido, a boca levemente aberta, quase um prelúdio.

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Um homem descartado numa calรงada, entre duas vias movimentadas no centro da cidade. Ao lado dele, uma placa: 0km.

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Um idoso ofegante usando um guarda-chuva como bengala, aguarda para subir no ônibus. Dois botões da sua camisa estão abertas, mostrando sua barriga redonda a cada respiração mais profunda.

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Roubei, sem querer, um queijo processado da vendinha do indiano. Paguei aos poucos, deixando o troco das minhas compras seguintes.

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caminhões despencam de uma ponte percebo um som histérico decido mudá-lo amanhã mas nunca mudo roupa na pia roupa no chão me acho bonita talvez sejam os olhos embaçados repito ontem shampoo água condicionador sabonete do corpo sabonete do rosto água roupas na cama roupas no chão não me acho mais bonita frustração ele grita, eu desço sou uma criança pirracenta que não quer ir para a natação no inverno tchau sorveteria fechada moço que vende bala e amendoim e usa uma jaqueta militar pizzaria fechada bar fechado

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sol nos olhos espera bom dia tentar dormir mesmo de olhos fechados, eu sei túnel canal igreja casa da menina que só ouvia Celly Campelo e tinha um nome estranho do qual não me lembro colégio hospital ponte ponte ponte ponte ponte ponte tráfego intenso copas de árvore túnel arquitetura pós-moderna preto e vermelho hospital planetário aqui.

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Mariana Medeiros, 29 anos, sonhadora profissional. elephantsandchampagne.blogspot.com

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