Notas sobre a emergência de espacialidades contemporâneas - TCC - DAU PUC Rio - 2017

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Notas sobre a emergência de espacialidades contemporâneas Mariana Netto



Notas sobre a emergência de espacialidades contemporâneas Mariana Netto


Departamento de Arquitetura e Urbanismo PUC-Rio Projeto Final ARQ 1110 Orientação: Ana Paula Polizzo Co-orientação: Ligia Saramago Capa, projeto gráfico e texto: Mariana Netto Revisão de texto: Beatriz Rodrigues e Marilia Salles


Notas sobre a emergência de espacialidades contemporâneas Mariana Netto



À longa jornada de leituras e descobertas acadêmicas que me trouxe até aqui.



AGRADECIMENTOS

A Ana Paula Polizzo, minha orientadora, por ter embarcado nessa jornada comigo e pelos conselhos “desorientadores”, que me deram força para seguir em frente. A Ligia Saramago, minha co-orientadora, pelas inúmeras conversas sobre o mistério do espaço e tantos outros tópicos, que muito inspiraram o meu trabalho. Aos professores Ana Luiza Nobre, Guilherme Lassance, João Masao Kamita e Verônica Natividade pelos comentários e críticas fundamentais ao desenvolvimento desta pesquisa. A Celso Rayol, professor e parceiro de trabalho, que me proporcinou a oportunidade de vivenciar na prática os ensinamentos da faculdade e a toda equipe da Cité Arquitetura, pelo companheirismo e aprendizados cotidianos. Aos amigos André Passos, Marjorie Lange, Beatriz Rodrigues, Felipe Marques, Franklin Gaspar, Laura Horta e Vinícius Andrade pela paciência de ouvir minhas ideias e reclamações, pelas sugestões e, principalmente, pela amizade. E, finalmente, a Paulo Bastos, Marilia Salles e Manuela Netto, minha família, a quem eu devo tudo, que tanto me apoia e incentiva a perseguir os meus sonhos e que tem suportado as longas horas que eu dedico a este TCC.


“Com o advento do ciberespaço, somos portanto alertados para o fato de que nossa concepção de mundo, e de nós mesmos, tende a mudar” 1 . Margareth Wertheim, Uma história do espaço: de Dante à Internet

WERTHEIM, 2001, p. 225. É importante frisar que determinadas referências bibliográficas utilizadas nesta pesquisa, assim como esta, de Margareth Wertheim, publicada em 2001, encontram-se desatualizadas em alguns aspectos, principalmente, em relação à especificações de aparatos tecnológicos e à serviços operacionais de computação, como a internet, por exemplo. Ainda assim, a leitura de tais textos é crucial para entender o desenvolvimento do discurso teórico em torno das tecnologias digitais ao longo do tempo. É notável que, apesar de algumas informações já terem sido substituídas por outras mais recentes, como é o caso do ciberespaço, por exemplo, a importante colocação de Wertheim sobre o impacto do surgimento de tal entendimento de espaço em uma nova concepção de mundo e, por consequência, de nós mesmos, continua válida para a elaboração teórica. 1


RESUMO Assim como fez Michel de Certeau em A invenção do cotidiano, publicado originalmente em 1980, foi a partir de observações do meu próprio cotidiano que se iniciou esta pesquisa. Diante de um mesmo percurso repetido diariamente, comecei a notar a variedade de cenas que se desenrolavam nos mesmos espaços a cada dia. Nelas havia um elemento onipresente em quase todas as situações: o celular ou, melhor dizendo, o smartphone. Apesar das pessoas observadas estarem presentes ali fisicamente, elas pareciam estar em uma outra realidade, comandada pelo virtual. E esse pensamento me fascinava: seriam elas que estavam atentas a outras dimensões da realidade para além do espaço físico ou seria eu, apegada à concretude física do espaço? Estava decidido, iria investigar sobre a relação entre a virtualidade das tecnologias digitais e a percepção do espaço. E mais: como a arquitetura é afetada por essas novas dinâmicas de um cenário (que parece) incontornável. A partir das inquietações relativas, principalmente, à noção de espacialidade, que varia de acordo diferentes perspectivas, este trabalho se propõe a desenvolver o tema da emergência de espacialidades contemporâneas construídas pela virtualidade dos dispositivos tecnológicos móveis e seus desdobramentos para a arquitetura. Nesse sentido, a pesquisa apresenta uma investigação das mudanças que a inserção das tecnologias da informação e da comunicação (TIC), disseminadas globalmente, tem provocado na vivência e, consequentemente, na apreensão dos espaços contemporâneos. Experiências essas vividas por seus habitantes ou visitantes, a partir de percepções individuais, que levam a padrões de percepção coletiva. Como forma de discutir essa emergência busquei, inicialmente, por respostas em outras observações do mundo à minha volta, que se tornaram cada vez mais críticas e atentas à medida que as leituras dos mais diversos campos do conhecimento me trouxeram novas perguntas e inquietações. Os exemplos de comportamentos percebidos cotidianamente, à princípio de maneira empírica, instigaram a pesquisa a se estender por fenômenos contemporâneos mundiais que deflagram questões sobre paradigmas de percepção espacial, como é o caso do Pokémon Go e do Airbnb. Por fim, a investigação se concentrou na análise de textos de autores reconhecidos tanto por sua produção arquitetônica, quanto teórica, como Bernard Tschumi e Rem Koolhaas; e também de campos afins, que me abriram novos horizontes de pensamento, como Pierre Lévy.



ABSTRACT As Michel de Certeau did in his The practice of everyday life, originally published in 1980, it was through observations of my own daily routine that this research began. Facing the same route everyday, I noticed a variety of scenes happening on the same spaces repeatedly. There was one element present in almost every situation, smartphones. Even though those people were physically there, they seemed to be also in some sort of other reality, ruled by virtuality. That thought was fascinating because I didn’t know if it was them who were somewhere else or it was me watching them. After those first questions, I decided to study the realtionship between virtuality provided by digital and techonological devices and spatial perception. More so, I wanted to understand how Architecture was being affected by new dynamics of an inescapable scenario. This reasearch intends to discuss the emergence of contemporary notions of spatiality built over the last few decades thanks to global dissemination of mobile technological devices, such as smartphones, which vary according to different perspectives. And also the way it unfolds for Architecture. In this sense, it develops an investigation on how information and communication technologies have been changing the way we experience, use and understand individually and collectively contemporary spaces. As a methodological process, I began with attentive observations of everyday people around me, which became more critical as readings from other areas were moving forward and inspiring new questions. Those behavioural patterns observed in my daily routine were only examples of a global phenomenon, such as with Pokémon Go and Airbnb, that are defining new spatiality patterns. At last, theoretical contributions from authors as Bernard Tschumi and Rem Koolhaas, respected in the field of Architecture, but also, Pierre Lévy and others from different areas guided this research while opening interesting lines of thought.


SUMÁRIO


01

SINAIS DE MUDANÇA NA PERCEPÇÃO DO ESPAÇO P. 14

CONTEMPORÂNEOS COMO 02 FENÔMENOS DEFLAGRADORES DE QUESTÕES

P. 44

03 PROBLEMATIZAÇÕES PARA A ARQUITETURA

P. 72

04 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS P. 98


01


SINAIS DE MUDANÇA NA PERCEPÇÃO DO ESPAÇO


Josh Pulman, Somewhere Else, 2015. 18


19


Josh Pulman, Somewhere Else, 2015. 20


21


Antoine Geiger, Sur-Fake, Paris 2015.



Antoine Geiger, Sur-Fake, Paris 2015.



Sentindo os efeitos

“Hoje, mais do que pensar sobre o funcionamento e os efeitos particulares de novas máquinas ou redes específicas, importa avaliar como a experiência e a percepção estão sendo reconfiguradas pelos ritmos, velocidades e formas de consumo acelerado e intensificado” 2 . Jonathan Crary, 24/7: capitalismo tardio e os fins do sono

Este trabalho consiste de uma investigação teórica sobre a ideia de espaço a partir da influência cada vez mais constante das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) e, de modo geral, das tecnologias digitais no nosso cotidiano. A pesquisa concentra suas análises críticas nos efeitos da onipresença tecnológica para a experiência da espacialidade contemporânea 3 emergente, influenciada pela abundância de informação disponível, pela lógica da obsolescência e pelo consumo desenfreado – algumas das características dominantes no capitalismo tardio, segundo o crítico de arte e professor da Universidade de Columbia, Jonathan Crary. Efeitos tais como a interpenetração dos mundos e dos espaços 4 , virtual e físico, a relativização das noções de distância e proximidade, os deslocamentos e as formas de agir no espaço, que são cruciais para a discussão do tema. Neste estudo, eles são explorados sob pontos de vista teóricos e também empíricos, abordados a partir da problematização de conceitos propostos por autores de diferentes áreas e da análise de situações explícitas no dia a dia e nas obras de ficção.

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CRARY, 2014, p. 48.

Importante observar que tendo o momento presente como pano de fundo de análse, ou seja, analisando a contemporaneidade como contexto histórico, coloca-se em questão também a própria noção de contemporâneo, termo esse que usualmente é utilizado para se referir à atualidade. Porém, como propõe Francisco Bosco, a conotação de contemporâneo como referente ao que pertence ao mesmo tempo, foi atualizada para acompanhar a lógica capitalista e pós-industrial de consumo desinfreado e, consequentemente, obsolescência constante. Agora, contemporâneo parece significar um “presente híperefêmero”, contínuo, destituído de futuro, como um produto da aceleração técnica que traz sempre mais e mais novidades passíves de serem consumidas, junto com a equivocada sensação de mudança, mas que é apenas de uma incessante atualização. Não é de se estranhar que essa lógica tenha emergido justamente numa época em que a supremacia da virtualização encontra seu par correspondente no processo de atualização, segundo o filósofo Pierre Lévy (1996). 3

4 Neste trabalho, as conotações de mundo e de espaço são complementares. Ainda que a definição de cada termo seja, por si só, objeto de estudo digno de aprofundamento, a pesquisa pretende focar na desnaturalização do conceito de espaço. Mundo será entendido com toda sua complexidade física e abstrata a partir da definição geral do Dicionário Aurélio, como “1 O espaço com todos os seus corpos e seres. 2 Universo. 4 Globo terrestre. 8 A gente; a humanidade. 9 A vida terrestre. 11 Sociedade”. Já espaço é uma das principais temáticas a serem discutidas aqui a partir da problematização colocada por alguns autores em diferentes épocas, estudados mais a frente.

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Observando o espaço ao meu redor

A partir da observação mais atenta ao meu próprio entorno 5 durante minhas viagens diárias de ônibus pela cidade, pude perceber situações que me chamaram a atenção. Eram pequenos gestos de carinho de um avô com seu neto atravessando a rua, a caminho da escola (eu imagino) e ambulantes montando suas barracas em pontos das calçadas da Rua Jardim Botânico. A maioria das pessoas na rua andavam com a pressa de chegar ao seu destino ou esperavam entediadas nos pontos de ônibus, olhando para baixo. Mesmo nos raros momentos de desvio do olhar para checar se o ônibus estava vindo, ou para não esbarrar em outra pessoa, a maior parte delas tinha fones plugados aos seus smartphones e o rosto voltado para baixo em direção à tela do celular, quase sempre à mão. Essas cenas cotidianas, independente da hora do dia, acontecendo não somente nas ruas, mas também dentro do ônibus com os passageiros ao meu lado me faziam questionar a influência exercida por esses dispositivos móveis. Me perguntava como aquelas pessoas estavam deixando de prestar atenção aos detalhes da vida, deixando de enxergar a beleza nas pequenas situações que observava. De fato, sintia que naqueles momentos eu era uma “flâneur sobre quatro rodas”, com a liberdade e a despreocupação de olhar e perceber cada detalhe a minha volta. A dúvida que me vinha constantemente à cabeça, no entanto, era: será que era eu que estava em “outro mundo”, inventando roteiros para as cenas que se desenrolavam na minha frente, ou eram as outras pessoas, constantemente conectadas à internet através de seus smartphones? A intuição inicial que guiou meus pensamentos diários ao perceber situações como as descritas acima geraram dúvidas, que me levaram a procurar informações sobre a tendência atual de hiperconectividade, ou seja, da facilidade de conexão à rede a qualquer hora e em qualquer lugar com acesso à internet. Quis entender a lógica que determina o porquê das pessoas confiarem tanto nas tecnologias digitais de uso pessoal, nas mídias sociais, nos aplicativos de geolocalização e nas comunidades virtuais, muitas vezes, em detrimento à sua presença física

5 E aqui incluo não só a paisagem construída, como também as pessoas e seus hábitos cotidianos no Rio de Janeiro.

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no mundo, ou no mínimo, à sua interação ativa com o mundo físico. Mais ainda, eu quis entender como esse fenômeno onipresente está mudando e reconfigurando a maneira como nos relacionamos com o espaço que ocupamos fisicamente. Junto a observação das cenas nas ruas, pesquisei notícias, livros, filmes e – através da tela do meu próprio computador, imersa em um mundo paralelo – descobri fontes interessantes, que me puseram a pensar sobre o assunto de maneira mais criteriosa. Algumas delas serão trabalhadas no decorrer no texto, que, para minha surpresa, incitaram mais e mais perguntas ao invés de me trazer respostas. E essa é uma postura que persiste ao longo do trabalho – como aos poucos percebi –, que não tem a pretensão de solucionar ou encontrar uma resposta, mas, ao contrário, problematizar e colocar em questão inquietações, que desde o início da pesquisa, tiveram interlocutores das mais diversas áreas. Uma das primeiras, foi a elaboração teórica do filósofo Pierre Lévy, que se manteve como um “mantra” sobre a essência do que é o virtual durante toda a pesquisa e será explorada mais a frente:

“[...] o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto, ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização. Esse complexo programático pertence à entidade considerada e constitui inclusive uma de suas dimensões maiores” 6 . Pierre Lévy, O que é o virtual?

6

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LÉVY, 1996, p. 16.


Descobrindo ressonâncias

Uma dessas descobertas foi a série fotográfica Somewhere Else, do britânico Josh Pulman, iniciada em 2015 e ilustrada nas primeiras páginas deste capítulo. Ela parte de uma análise do ponto de vista dos usuários, ou seja, de pessoas comuns como aquelas observadas no meu dia a dia. As fotos mostram os efeitos de dispositivos tecnológicos de uso pessoal na percepção individual de espacialidades contemporâneas. Ele captura cenas do cotidiano de cidades do Reino Unido, no qual pessoas interagem com seus smartphones, sem se dar conta das outras ao redor e do ambiente que as cerca. O olhar voltado para a tela do celular é uma constante na série, que tem o propósito de “documentar o estado de desconexão em que nos encontramos” 7 . Segundo o fotógrafo, essa é uma consequência da nossa atual condição social, em que mesmo operando no espaço físico, na verdade, estamos “em algum outro lugar” ou somewhere else. As fotos, mesmo que concentradas em cidades britânicas, registram momentos triviais do dia a dia e evidenciam um comportamento que está se tornando a marca do século XXI, percebidos em muitas outras metrópoles, inclusive no Rio de Janeiro: a conexão virtual, na maior parte, em detrimento à experiência do espaço físico. A hiperconectividade facilitada pelos dispositivos tecnológicos digitais de informação e de comunicação, como os smartphones, é problematizada pelo colunista da BBC, Tom Chatfield. Com base na série de Pulman, ele propõe a pergunta “Como lidar com a nossa hiperconectividade?” 8 . Segundo sua descrição, as imagens delineiam as implicações da onipresença do celular para as relações interpessoais nos espaços públicos de grandes cidades e ajudam a propor questionamentos sobre as consequências do uso das TIC. De acordo com o colunista, desde o surgimento do telefone, no final do século XIX, foi possível observar a emergência de uma nova forma de sociabilidade, que se manifesta, hoje em dia, em nível global. Naquela época, a infraestrutura necessária ao funcionamento do telefone era robusta e ocupava espaços físicos visíveis, como laterais de estradas e ruas, passando por buracos nas

Descrição do projeto pelo próprio fotógrafo, “Somewhere Else is a project documenting the disconnected state we are in. It is a look at one particular activity we all do: observing this normal, everyday action, reveals a more profound truth about our social condition — namely, that while we seem to operate in an apparent world, we are all, in fact, Somewhere Else”. Disponível em seu site: < http://www.joshphoto.com/projects/somewhere-else/> Acessado em: 12/10/2016. 7

Matéria para a versão brasileira do site BBC, a BBC Brasil (Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/ noticias/2015/05/150513_vert_fut_overconectados_ml> Acessado em: 12 de outubro de 2016.), cujo título original “Are you over-connected?” foi traduzido e a notícia (Disponível em: <http://www.bbc.com/future/ story/20150310-are-you-over-connected> Acessado em: 12 de outubro de 2016.), publicada originalmente em 10 de março de 2015 na sessão sobre tecnologia da BBC Future, adaptada e reduzida. 8

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paredes das casas, que tinham que se adaptar para receber a fiação dos cabos telefônicos. Ou seja, a possibilidade de se comunicar exigia a presença significativa de estruturas materiais. Com o aprimoramento tecnológico, esses meios diminuiram consideravelmente de tamanho, e alguns até desapareceram. A transição da infraestrutura “visível” à “invisível”, trouxe também a possibilidade do alcance de distâncias cada vez maiores, abordado também pelo conceito do fim da geografia 9 , que propôs novas percepções de próximo e longe. Com a evolução técnica e a redução de custo de produção e de comercialização do telefone e, depois do celular, mais e mais pessoas adquiriram dispositivos móveis de comunicação, que se tornaram populares em muitos países. Por isso, o fim da geografia veio não só com uma aparente desmaterialização da infraestrutura, mas também com a disseminação em massa das tecnologias digitais de comunicação no mundo. Os cabos telefônicos, que invadiam as casas do século passado, foram aperfeiçoados e, atualmente, quilômetros de dutos subterrâneos cruzam oceanos para a passagem de cabos de fibra ótica para conectar virtualmente milhares de pessoas. Assim como não vemos esses dutos, também não enxergamos a olho nú os inúmeros satélites que circundam a órbita terrestre para enviar “ondas” de dados para nós. E, a cada ano, as desenvolvedoras de celular lançam modelos novos e mais atualizados, fazendo filas se formarem nas portas das lojas nos dias de lançamento. Essas são algumas evidências do paradoxo existente entre a dependência ainda hoje de interfaces materiais para atingir o ciberespaço, mesmo que disfarçada de dispositivos menores, e a naturalização da invisibilidade da rede por parte dos usuários. A possibilidade de conexão estendeu e ampliou os círculos de contato virtual através da rede digital, do aumento da capacidade de memorização de dados, do estabelecimento de padrões de pesquisa em sites de busca, da automação dos mapas, influenciando o modo como nos localizamos no espaço virtual, mas também como nos orientamos no espaço físico. Desse ponto de vista, a conexão ocorre, predominantemente, na abstração do espaço virtual com repercussões diretas na experiência do espaço físico. Emergem, assim, vulnerabilidades da capacidade cognitiva humana inundada de informações; ou, como Chatfield (2015) aponta: “Mídias-lixo,

9 Proposta pelo filósofo Paul Virilio, autor de A máquina de visão (1994) entre outros livros sobre a influência da velocidade das máquinas na percepção do mundo e da predominância da visão e das imagens na forma de comunicação humana. Segundo o sociólogo Zygmunt Bauman esse termo é citado em seu livro Globalização e as consequências humanas (1999, p. 19), onde ele faz referência ao fim da geografia, como sendo explorado por Virilio, mas como origem em outro autor, Richard O’Brien; de acordo com a seguinte fonte descrita em nota de rodapé: . “4.Ver Paul Virilio, ‘Un monde superexposé: fin de l’histoire, ou fin de la géographie?’, Le Monde Diplomatique, agosto de 1997, p. 17. A idéia do ‘fim da geografia’ foi formulada pela primeira vez, que eu saiba, por Richard O’Brien (ver sua obra Global Financial Integration: The End of Geography, Londres, Chatham House/Pinter, 1992)” (BAUMAN, 1999).

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informações-lixo, tempos-lixo – espasmos ininterruptos de algoritmos que demandam atenção constante visando fazer parte dos padrões da nossa mente” 10 . A abundância de dados disponibilizados a

todo o instante expõe esses limites cognitivos e reflete o paradoxo fundamental explorado neste trabalho: as fronteiras entre o virtual e o físico. Para o colunista, o problema está na habilidade de manipulação devido ao excesso de conexão e de informação, e a solução, na conscientização desse excesso. Mas para fins desta pesquisa, esse mesmo excesso se trata de um dos sintomas do entrelaçamento entre virtualidade e concretude física, que estão cada vez mais conectados. O curioso da série Somewhere Else (2015) é a exposição da possível irreversibilidade da nossa condição social contemporânea na conjunção do virtual e do físico. Nós já absorvemos as tecnologias digitais no cotidiano da vivência dos espaços humanos e parece não termos nos dado conta das consequências disso para o modo como interagimos com os outros e com o espaço ao nosso redor. As imagens alertam para o fato de que a disseminação do celular de uso pessoal, em particular, o smartphone, dotado de inúmeras funções além de fazer e receber ligações, contribui para um isolamento físico dos indivíduos hiperconectados virtualmente, ainda mais evidente em espaços físicos de convivência coletiva. A questão do isolamento, junto com a postura dócil e individualizada, é proposta por Jonathan Crary (2014), como uma das estratégias de autoregulação e controle adotadas pelo capitalismo. Esse ponto de vista políticoeconômico de Crary abrange uma direção diferente que não é o foco deste trabalho, contudo, o fato é que esse isolamento físico, consciente ou inconscientemente, está construindo uma percepção desatenta dos espaços concretos habitados. E essa é uma questão a ser pensada pela arquitetura e pelo urbanismo enquanto disciplinas, considerando que nós, arquitetos, somos por tradição, responsáveis pela concepção de tais espaços. Quanto ao isolamento gerado pela hiperconexão, a segunda série fotográfica, Sur-Fake de Antoine Geiger, – ilustrada no início deste capítulo, também de 2015, registrada em Paris, na França – consegue explicitar e tornar ainda mais visíveis as inquietações de Somewhere Else. Baseada em uma de suas primeiras séries de Geiger, Sur-Face (2014) que teve como proposta ressaltar os rostos anônimos e a crise de identidade causada pela super exposição emergente

“Junk media, junk information, junk time – attention-seeking algorithmic twitches seeking to become part of the patterns of our minds”. Os termos junk media, junk information, junk time, citados por Chatfield, fazem lembrar o conceito de junkspace, lançado por Rem Koolhaas, em 2001, para explorar a natureza do espaço criado pela cidade genérica, que ele propõe em 1994. Enquanto Chatfield se restringe a uma aplicação do prefixo junk ou “lixo” para explicitar os meios influenciados pela introdução de códigos capazes de modificar nosso padrões mentais e, consequentemente, nossa percepção do mundo, Koolhaas apresenta uma crítica contundente e, por vezes, irônica, do terceiro milênio contaminado por e produtor de “espaço-lixo”, abordados mais a frente. 10

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com as mídias sociais. Com Sur-Fake, ele deu um passo adiante e mostrou o poder de sedução e, quase literalmente, de abdução das telas de gadgets eletrônicos. O fotógrafo francês de 20 anos de idade, que é também estudante de arquitetura, radicalizou e, com técnicas de edição de imagem, distorceu o rosto dos personagens como se eles estivessem sendo sugados para dentro de seus próprios celulares. Nas fotos, é possível ver o quão impactantes são os efeitos das interfaces digitais, em especial, dos smartphones na experiência do espaço físico hoje em dia. No entanto, a ênfase visual desses efeitos nas pessoas favorece a uma leitura pejorativa da hiperconexão, levando a uma tendência de aumento da dualidade generalizada de separação entre virtual e físico, como se ambos se anulassem mutuamente. A intenção desta pesquisa foi justamente desnaturalizar essa visão dual e investigar a emergência de espacialidades contemporâneas devido à interdepêndencia e entrelaçamento do virtual com o físico e vice-versa. Portanto, a pergunta que se colocou foi: como nós, arquitetos, devemos abordar a emergência de uma ou mais possíveis espacialidades contemporâneas construídas pela virtualidade das tecnologias digitais? Esse foi o ponto de partida para esta pesquisa, levando em consideração que, inicialmente, se supôs que o gradativo isolamento da experiência física estava diretamente atrelado à possibilidade de conexão, através das redes sociais, dos aplicativos de mensagem instantânea, dos sites de relacionamento online e dos jogos de realidade virtual. Enquanto essa assunção se torna cada vez mais comum em todo o mundo, fica cada vez mais claro que as fronteiras entre o virtual e o concreto estão aos poucos se mesclando. Virtual complementando e ampliando a experiência física, e o espaço físico, geolocalizado forncendo informações cruciais ao virtual. Será que a tendência é de que haja uma redução cada vez mais intensa da nitidez entre os limites desses dois espaços? Se sim, em que isso afeta a maneira como nós, arquitetos, observamos e interpretamos o espaço ocupado? De que forma, então, nossas ações são limitadas e/ou coerentes com essa emergente espacialidade do século XXI? Será que pensar sobre as condições espaciais da maneira como fizemos até agora, ainda faz sentido?

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Buscando respaldo teórico

“A imaginação, a memória, o conhecimento, a religião são vetores da virtualização que nos fizeram abandonar a presença muito antes da informatização e das redes digitais.” 11 . Pierre Lévy, O que é o virtual?

Depois das divagações iniciais frente às primeiras descobertas da pesquisa, encontrei na escritos filosóficos de Pierre Lévy, que desde o final da década de 1980 se dedica a discorrer sobre implicações culturais e cognitivas das tecnologias digitais, conceitos como o espaço virtual, o ciberespaço, a cibercultura, inteligência coletiva, virtual e real, por exemplo. Segundo o autor, as evidências de que o virtual está inserido nas diferentes sociedades humanas, ao longo da história, datam desde os primórdios da nossa civilização, como aponta em O que é o virtual? (1996). O digital, portanto, é apenas a interface mais recente disso. Contudo, a velocidade de atualização dos dados informatizados reflete-se diretamente na profusão de situações cotidianas impactadas pelo processo de digitalização e, por consequência, de um novo tipo de virtualização pelo qual está passando a sociedade atualmente. Para embarcar em uma análise da contemporaneidade com suas repercussões tecnológicas recentes, instigadas pela citação de Lévy, comecei por uma reconstrução histórica sob a ótica dos conceitos de rede, da virtualidade e da internet, do espaço e da espacialidade. Essa investigação cronológica teve a finalidade de delinear os caminhos trilhados pelas sociedades humanas para chegar ao século XXI. Apesar de, aparentemente, separadas em três categorias distintas, a relação entre as ideias de rede, de virtualidade e de espacialidade são

11

LÉVY, 1996, p. 20. 33


bastante próximas e interligadas. A função dessa divisão metodológica foi o aprofundamento em cada um desses conceitos, que passaram por algumas ressignificações ao longo da história e refletem as sociedades, as disciplinas e os pontos de vista que definiram seus significados. Esse processo contribui para nos alertar que os sentidos atuais de rede, de virtualidade e de espacialidade são reflexos da maneira como enxergamos o mundo a partir desses conceitos. Então, como lidamos com o mundo, com os espaços, com os outros indivíduos nos dias de hoje? Entre os três termos apresentados anteriormente, rede, a princípio, parecia ser o mais fácil de definir, de entender ou até mesmo de visualizar. Talvez pelos referenciais físicos a que, geralmente, associamos a ideia de rede: uma trama, uma rede de pescador, uma rede de descanso, uma rede de vôlei. Todas essas imagens remetem a padrões geométricos repetidos que, em geral, formam uma superfície, um tecido. Desde a Antiguidade Clássica, a noção de rede atrelada às imagens da tecelagem, e também do labirinto, era contada na mitologia grega, mesmo que o termo como conhecemos hoje, ainda não houvesse sido inventado. Foi a partir da palavra em latim retiolus, que significava “redes de caça ou pesca e tecidos, uma malhagem têxtil que envolve o corpo” 12 , que o termo rede surgiu no século XII, na França. A partir da Antiguidade até o século XVII, a conotação de rede estava diretamente relacionada a algo exterior ao corpo. Algo que, de certa forma, protegia o corpo, envolvendo-o através dos tecidos, como uma segunda pele. A proximidade dos significados de rede com a tecelagem persistiu até o momento em que a medicina se apropriou do termo, por meio de Marcello Malpighi (1628-1694). Seu significado passou, assim, a ser associado ao sistema sanguíneo e as fibras no interior do corpo humano. Do entendimento de rede como tecido para parte do nosso organismo foi possível perceber uma clara transição da rede como um material visível e externo ao corpo para uma noção biológica, interna ao corpo. Quase um século depois, o filósofo francês Denis Diderot (1713-1784) inaugurou o seu uso na literatura, sugerindo a figura da teia 13 de aranha, com seus fios invisíveis e imperceptíveis capazes de se estender a todos os lugares, ocupando todos os espaços possíveis do corpo. 14 Foi nesse momento, do final do século XVIII para o início do XIX, que o dentro e o fora do

12

MUSSO apud PARENTE, 2004, p. 18.

Importante notar que a imagem de teia é usada até os dias de hoje para remeter à noção de rede (WERTHEIM, 1999). 13

Essa imagem também faz alusão à dualidade entre centro e periferia, entre um controle central original e a necessidade de deslocamento às fronteiras da periferia para aumentar a rede. 14

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corpo se confundiram na identificação da noção de rede. Não havia mais consenso sobre uma única definição do termo, que naquele período já não dizia respeito somente a algo exterior ou interior. A dúvida persistia até que a rede, que servia como segunda pele e que, simultaneamente, era a própria pele, segundo a lógica orgânica do corpo humano, foi definida como um “limite sensível que liga a existência a tudo que a rodeia” 15 . Fosse dentro ou fora do corpo, o significado de rede ainda estava aprisionado à condição corporal necessariamente física, material e sensível. A verdadeira ruptura do conceito veio com a evolução e autonomia técnicas para a construção dessa rede através da engenharia. Assim, a conotação antes associada a um processo natural, a partir do século XIX, passou a ser um retrato da artificialidade técnica. Esse entendimento de rede como algo artificial ainda persiste, no entanto, ela já não é mais visível a olho nu. Desde as primeiras investidas da criação da internet, a rede é um termo que faz parte do sistema virtual e do universo da computação: as redes mundiais de computadores, as redes de telecomunicação, as redes de dados. Seus subprodutos ou dispositivos móveis são visíveis, mas a conexão entre eles não. A rede que conecta pessoas via computadores e celulares é invisível como os fios da teia, e artificial como as técnicas da engenharia. A princípio nessa genealogia, foi possível perceber um processo de desmaterialização do conceito de rede. Primeiro, havia uma percepção dos seus efeitos ou paradigmas, colocados sobre ou dentro do corpo; depois, foi interpretado como um modelo de racionalidade sistemático. Na evolução histórica do termo, rede passou da escala do corpo para a geometrização e controle do território. Desde a Antiguidade, o vínculo do conceito era material, até que a Revolução Industrial inverteu essa lógica, desmaterializando seu significado. Essa mudança de escala e de materialidade pressupõe que, atualmente, rede pode ter múltiplos sentidos, mas a noção de superfície original não foi esquecida. Ao contrário, talvez a percepção contemporânea de rede como superfície, seja ela material ou imaterial, visível ou invisível, concreta ou abstrata, esteja diretamente relacionada à força da horizontalidade. 16

15

MUSSO apud PARENTE, 2004, p. 19.

Força essa que domina sobre o território e segue a lógica da expansão e do espraiamento, presente nos debates sobre os dilemas das cidades no século XXI.

16

35


O uso do conceito de rede como operação de dominação e deslocamento sobre o território leva a uma modificação da nossa relação com o espaço e com o tempo. Como “uma estrutura de interconexão instável, composta de elementos em interação, e cuja variabilidade obedece a alguma regra de funcionamento” 17 , rede pode ser entendida como uma matriz espaço-temporal. Tal matriz

é formada por nós ligados entre si, estruturas transitórias e normas ou padrões funcionais, capazes de suscitar questões sobre as dinâmicas de espacialidade e temporalidade atuais. Nesse sentido, rede deixa de ser simplesmente um sistema virtual de conexão aparentemente invisível e passa a ser um modo de transitar, de enviar e receber informações, de agir e também, para aqueles mais atentos, de enxergar o mundo em que vivemos, de encontrar os nós, de identificar as estruturas fluidas e de decifrar as regras vigentes. O processo de desmaterialização da noção de rede é comum a conceitos criados e depois reinterpretados por diferentes sociedades, de diferentes épocas, por isso é uma característica possível de ser aplicada a outros termos explorados aqui, como o de espacialidade e de virtualidade. Assim como várias disciplinas do conhecimento se apropriaram e reformularam o significado de rede, em períodos específicos, outras palavras podem ter sofrido o mesmo. O fato é que certas imagens descritas acima na evolução de rede caracterizam o contexto sócioespacial contemporâneo que vem sendo moldado desde meados do século passado. Justamente por isso, o sociólogo espanhol Manuel Castells, 18 chama de Sociedade em Rede, a sociedade contemporânea que configura uma nova estrutura social e que vive as mudanças tecnológicas acompanhadas pelas transformações sociais e econômicas atuais. As características de desmaterialização, de horizontalidade, de globalização, de conexão, de fluidez, de comunicação, de velocidade, de liquidez, de dispersão, de espraiamento 19 são um reflexo evidente das mudanças radicais provocadas pela inserção das TIC no nosso cotidiano. Essa inserção é de tamanha radicalidade que sequer cogitamos a possiblidade de sair de casa sem celular e quando acontece, em geral, a sensação é de perda de rumo ou do eixo, num primeiro instante. Depois nos adaptamos. Mas esse exemplo expõe a atual dependência identificada, principalmente, nos jovens nascidos a partir da década de 1980, conhecidos como millenials. Desde esse período da história, houve a consolidação da internet e a disseminação em massa de

17 18

MUSSO apud PARENTE, 2004, p. 31. Ele é uma das referências no meio acadêmico em temas como a globalização e suas repercussões informacionais.

De forma geral, esses são conceitos compartilhados pela maioria dos autores estudados nesta pesquisa, como por exemplo a escritora Margareth Wertheim (2001), a socióloga Saskia Sassen (2001), o arquiteto Ângelo Bucci (2005), o filósofo Paul Virilio (1994), os também sociólogos Zygmunt Bauman (1999) e Manuel Castells (1999), o historiador Ignasi de Solà-Morales (2003). 19

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dispositivos tecnológicos de uso pessoal, como os computadores pessoais e os celulares. Nas décadas de 1980 e 1990, a expansão da internet e dos microcomputadores foi dos EUA em direção à Europa e ao Japão, contribuindo para a “interpenetração, alianças estratégicas e formação de redes entre empresas de diferentes países [...]. Isso tornou a distinção por nacionalidade um pouco menos importante” 20 . Como consequência dessa difusão mundial, ocorreu o que Castells

defende como o surgimento de uma nova economia formada por três ordens primordiais: informacional, global e em rede. A primeira característica diz respeito à dependência da capacidade básica de “gerar, processar e aplicar de forma eficiente a informação baseada em conhecimentos” 21 . A segunda, é definida como significativa por causa da escala dimensional em que ocorrem as atividades produtivas, de consumo e de circulação de pessoas, de dados, de bens e de capital. E a terceira, é justamente a interconexão que proporciona a interação entre pessoas ao redor do mundo e as redes de computadores. Quando a internet se tornou mais acessível, através de investimento e aprimoramento tecnológico, além da comercialização em massa de dispositivos móveis, como os celulares e smartphones, os sinais de percepção da aceleração do tempo, da conquista das distâncias e o fim da geografia como conceito reverberado no espaço tomaram forma em ações cotidianas. Os efeitos desse movimento mundial, que atualmente parecem ter sido naturalizados, revelam o modo como a virtualidade inerente aos meios digitais está inserida na nossa rotina diária. O espaço virtual, entendido como território de redes, é o paradoxo do momento presente. Ele evidencia a instabilidade das verdades, a simultaneidade dos acontecimentos, a fragilidade do ser humano e as limitações do espaço físico, colocando em dúvida as certezas persistentes até aqui e abrindo possibilidades múltiplas de convivência e transposição entre dualidades enraizadas e enrijecidas por tradição. A virtualidade das tecnologias digitais inserida no uso, dia a dia, do espaço físico mostra a quebra da rigidez das fronteiras entre virtual e físico, entre digital e não-digital, que surge como uma oportunidade para discutir a posição do arquiteto diante desse cenário. É uma oportunidade de se repensar e se refletir sobre os limites transgredidos entre o virtual, invisível, infinito trazido à tona e com força total pela onipresença da internet, e o espaço físico, concreto, habitado e repleto de limitações geográficas.

20

CASTELLS, 1999, p. 99.

21

Ibid., p. 119. 37


Da mesma forma que a rede, como “lugar visível e vínculo invisível” 22 , ou o espaço virtual, ao mesmo tempo, como território e rede, a espacialidade tem apresentado sinais de que também é um diálogo entre aspectos que se intercalam e se sobrepõem. Ela é uma disputa permanente entre espaços de fluxos, ou seja, espaços onde a fluidez é a lógica dominante, e espaços de lugares, onde impera a permanência, a partir da definição de Castells (1999). Segundo o sociólogo, os primeiros têm se imposto aos demais, por isso não haveria mais fixidez espacial ou temporal e seria onde “a cultura da virtualidade real, onde o faz-de-conta vai se tornando realidade” 23 . A tensão entre o dentro e o fora, o aqui e o acolá, o perto e o longe, o local e o global, a imobilidade e a mobilidade, turistas e refugiados 24 é, portanto, constante e dilui os limites entre um e o outro. Assim, o conflito emerge, expondo suas dualidades complementares. Dualidades essas que já não são tão claras e talvez nem pudessem mais ser chamadas desta maneira, porque uma interpenetra a outra, assim como o espaço virtual interpenetra o espaço físico e vice-versa. Para Saskia Sassen (2001), socióloga e professora da Universidade de Columbia, a cidade global é exatamente o espaço de diálogo entre tais dualidades, em especial, entre as escalas do híper-local com o híper-global, o velho e o novo, o digital e o não-digital, entre o embate da identidade dos lugares versus a condição genérica das metrópoles, que também é investigada de forma irônica por Rem Koolhaas (1994). Para ele, a cidade contemporânea é a cidade genérica, marcada pela presença de espaços genéricos, como é o caso dos aeroportos, símbolos da sociedade atual estimulada e condenada ao trânsito, à velocidade de locomoção, ao turismo, à perda da identidade local, à homogeneização de espaços e comportamentos. Diante de uma cidade genérica, sedada e inerte apesar de extremamente movimentada, resta aos arquitetos agir ou aceitar, como sugere Koolhaas de maneira implícita e irônica, considerando que essa condição é um castigo que temos que lidar. A questão seria, no caso da ação, como agir frente a essa situação, uma vez que, como ele diz, os arquitetos nunca foram capazes de entender o espaço e que, por isso, estariam sofrendo as consequências de ter que lidar com os espaços-lixo originados por essa falta de habilidade. Como agir com os recursos arquitetônicos tanto de ordem teórica, quanto de ordem prática disponíveis e utilizados até o momento?

22

MUSSO apud PARENTE, 2004, p. 24.

23

CASTELLS, 1999, p. 462.

Assim como é comum autores que abordam temas semelhantes utilizarem termos e até conceitos similares, nesse caso, as palavras referentes a posições geográficas e condições sociais relativas e opostas ou, melhor, complementares são investigadas por autores como os sociólogos Zygmunt Bauman (1999) e Saskia Sassen (2001), e o arquiteto Rem Koolhaas (1994, 2001). 24

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O contexto de hiperconectividade e hipermobilidade, que reflete o século XXI, expõe também o estado de liquidez característico do que o sociólogo Zygmunt Bauman (2001) denomina Modernidade Líquida. Nessas condições, o processo de digitalização, que liquidifica os espaços, impele à necessidade de criação de novos conceitos ou categorias conceituais, na medida em que a experiência do espaço cotidiano já não é ditada pelas rígidas dualidades de digital e não-digital, móvel e fixo. As fronteiras estão se tornando mais fluidas, mas isso não quer dizer que as dualidades não existam, apenas que elas foram afrouxadas, flexibilizadas. Por isso, ainda que a arquitetura se torne líquida, como propõe Ignasi de Solá-Morales (2003), o caráter material da arquitetura e da cidade permanecerá, da mesma maneira que o caráter imaterial do espaço virtual. No entanto, a arquitetura também está sujeita à flexibilização das fronteiras, principalmente, em relação à complementaridade do virtual e do físico na experiência espacial. A partir dessa premissa, foi possível perceber que essa flexibilização pode acontecer em diferentes âmbitos e em partes distintas do processo arquitetônico. No que diz respeito ao momento inicial de concepção, as técnicas de representação desempenham um papel importante de concretização primeira de uma ideia. Mas, continuar usando técnicas de desenho e representação, que não conseguem captar a fluidez entre o espaço virtual e o físico, a experiência sinestésica dos espaços de fluxos, parece tolir o processo de flexibilização da arquitetura. Até porque ainda que haja uma distância notável entre o desenho e o objeto construído, o segundo resulta do primeiro. Portanto, uma das formas de se alterar a arquitetura é a partir de sua representação abstrata, ou seja, do desenho; e sendo esse um subproduto do pensamento espacial do arquiteto, mudando-se o pensamento, modifica-se, consequentemente, a maneira de se representar. Nessa ordem, pensar nas supostas espacialidades emergentes pode ser uma alternativa para que, depois, a arquitetura possa de fato responder às mudanças de interação com o espaço, próprias deste século.

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Definindo objetivos

Seja sociedade em rede, cidade global, cidade genérica ou modernidade líquida, o fato é que diversas áreas como a sociologia, a antropologia, a geografia, a filosofia estão se debruçando sobre questões que também são do interesse da arquitetura, indicando uma ampliação significativa dos campos. Por isso, o norte desta pesquisa foi investigar as situações cotidianas, não necessariamente arquitetônicas, mas espaciais, em que os impactos das tecnologias digitais são evidentes. A partir disso, questionar noções como deslocamento, proximidade e distância, memória e expectativa, familiaridade e estranhamento. Para tal, foi necessário pesquisar conceitos que pertencem ao universo arquitetônico de modo quase intrínseco e que tem sido banalizados por esse mesmo motivo. Um deles é a noção de espaço, que é fundamental para investigar as espacialidades emergentes. Porém, a importância dada a esse conceito resultou de um interesse surgido, com mais ênfase, na Alemanha dos fins do século XIX. 25 De acordo com Adrian Forty (2000), espaço só veio a ser incorporado ao vocabulário da arquitetura a partir de 1890, através das pesquisas de Gottfried Semper, Adolf Hildebrand e Sigfried Giedion, com repercussões diretas na arquitetura moderna. A partir da segunda metade do século XX, o conceito já havia sido naturalizado no universo teórico da arquitetura. Como um dos expoentes dessa discussão, o arquiteto Bernard Tschumi aponta seu interesse pelas questões do espaço de forma mais explícita em seu livro Architecture and Disjunction (1996). Sua atenção se voltou para o assunto no final dos anos 1960, mais precisamente, em decorrência dos eventos de maio de 1968, quando a arquitetura se mostrou falha na resolução dos problemas sociais. Dali em diante, ele se dedicou a pesquisar a natureza dos mecanismos que formavam as cidades e a própria arquitetura, através de seu “fascínio pela habilidade da metrópole em gerar manifestações sociais e culturais inesperadas (e até sistemas microeconômicos)” 26 . Sua observação atenta e sua ânsia investigativa, o incentivaram a pensar na

possibilidade de estimular tais manifestações por meio do desenho de “condições favoráveis”.

Ainda que alguns autores usem a palavra espaço para caracterizar diversos períodos da história (Assim como é o caso do espaço da alma, espaço físico, espaço celeste, espaço relativístico, hiperespaço, ciberespaço, ciberespaço da alma e ciberutopia, utilizados por Margareth Wertheim, em Uma história do espaço: de Dante à Internet (2001), na arquitetura, o interesse pela discussão acerca do tema foi influência direta da estética alemã. 25

26

40

TSCHUMI, 1996, p. 6.


Com isso, Tschumi passou a escrever intensamente sobre a questão do espaço. Em especial, dois textos, escritos entre 1975 e 1976, se mostraram importantes para a presente pesquisa: O paradoxo da arquitetura (1975) e Questões do espaço (1976). No primeiro, o arquiteto recorre às figuras da pirâmide, como forma ontológica de análise da desmaterialização da arquitetura e do labirinto, como experiência sensorial dos seus aspectos materiais, para explicar essa contradição. Ele conclui afirmando que o grande paradoxo da arquitetura é a “impossibilidade de se questionar a natureza do espaço ao mesmo tempo em que se projeta ou se experiencia o espaço físico” 27 . Ou seja, para ele, a arquitetura é constituída pela realidade da experiência material, enquanto essa mesma realidade obstrui a noção abstrata do todo; sendo a recíproca verdadeira, de que a arquitetura enquanto abstração da verdade absoluta, também entra no caminho das sensações do corpo e da presença física. Diante desse contrassenso, Tschumi enxerga a fusão imaginária, entre as regras e os conceitos abstratos da disciplina, com o prazer da experiência arquitetônica como uma possível solução. Apesar dessa proposta, o arquiteto amplia a discussão no segundo texto, Questões do espaço (1976), em que apresenta sessenta e cinco perguntas relacionados ao tema. Partindo de questões mais abrangentes, como “o espaço é algo material, onde todas as coisas devem ser alocadas?” e “se o espaço é algo material, ele tem fronteiras?” 28 , ele desenvolve perguntas mais complexas, como é o caso de “incidentalmente, a experiência da materialização do conceito de espaço, é a experiência do espaço em si?” 29 . Nesse texto, diferente do primeiro, não há conclusões, somente a colocação de questões. A adoção dessa posição se reflete de maneira mais evidente na investigação teórica presente em Manhattan Transcripts (1976-1981) e no projeto do Parc de La Villette (1982-1998), já que admite a imprevisibilidade do movimento dos corpos no espaço, sem tentar propor uma solução, mas ao contrário, suscitando perguntas a partir de situações inesperadas. Assim como Tschumi expõe perguntas, este trabalho não visa propor soluções, mas questionamentos.

27

TSCHUMI, 1996, p. 47.

28

Ibid., p. 53.

29

Ibid., p. 55. 41


Construindo uma metodologia

Para investigar a emergência de espacialidades contemporâneas e o modo que a possibilidade da híper conexão, a qualquer hora e em qualquer lugar, interfere na nossa visão de mundo, na construção mental da noção de espacialidade, distância e proximidade, e do modo de ocupação, deslocamento e interação nos espaços humanos, foi desenvolvida uma metodologia particular, seguindo o fluxo empírico das descobertas desta pesquisa. Como alerta Tschumi, a arquitetura possui um paradoxo, aparentemente insolúvel, se não fosse pela sua sugestão de vivenciar os espaços arquitetônicos com os conceitos abstratos em mente e os sentidos do corpo ativados ao mesmo tempo. Habilidade essa, que além de complexa, exige certo equilíbro entre a atenção plena (da mente) e o se deixar-se levar pela experiência da arquitetura (através dos sentidos). Por isso, impulsionada por ele, comecei com a tentativa de um olhar investigativo primeiro como indivíduo (do ponto de vista de habitante desses espaços físicos) e depois como arquiteta (responsável por pensar tais espaços), mas seria possível fazer essa distinção? No meu ponto de vista, essa foi uma questão que contribuiu para desestabilizar a enraizada ideia de projeto vigente na arquitetura e no urbanismo e nos faz repensar no que estamos criando através da arquitetura. Isso porque, antes de tudo, somos seres humanos beneficiados pelas mudanças que as TIC têm provocado mundialmente, mas também vulneráveis às transformações geradas e por isso, a tendência, com a velocidade de dobra do conhecimento, é que sejamos todos “engolidos” pela abundância de informações disponíveis através da Internet das Coisas de alguma forma. Como arquitetos, desenvolvendo a sensibilidade do olhar e a capacidade de observar atentamente nosso entorno, se assim escolhermos, temos a oportunidade de participar desse processo de maneira mais ativa.

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Foi justamente essa habilidade de equilibrar uma percepção atenta munida de conhecimentos prévios (tanto como indivíduo, quanto como arquiteta), mesclada à maleabilidade de se deixar envolver por eventos imprevistos, que tomou posição central nesta pesquisa. Os sinais que temos visto atualmente tanto no ambiente acadêmico, quanto em escritórios de arquitetura mostram que há ainda um longo caminho a se percorrer para atingir tal equilíbro. Levando isso em consideração, a investigação das sobreposições e das mesclas entre o mundo físico e o mundo virtual buscou entender os porquês desse desequilíbrio. A problematização das referências espaciais contaminadas pela virtualidade das tecnologias digitais foi um dos caminhos adotado aqui, tendo como ponto de partida algumas perguntas já apresentadas antes e colocadas de modo mais direto abaixo:

Como as tecnologias digitais estão afetando e modificando a nossa apreensão e uso do espaço contemporâneo? Como a interpenetração dos mundos virtual e físico no cotidiano está alterando a nossa percepção espacial? Como as tecnologias digitais estão penetrando no dia a dia dos usuários e influenciando os deslocamentos diários e os referenciais geográficos e marcos de orientação nos espaços físicos? Que reverberações essas modificações trazem para a arquitetura e o urbanismo, no sentido de ampliá-lo? Quais os impactos da lógica fluída, onipresente e invisível do mundo virtual no espaço concreto das cidades? Faz sentido, na era da informação, a dureza das dicotomias entre público e privado, individual e coletivo? Qual o lugar de projeto para a arquitetura na era da simultaneidade, da obsolescência e da constante atualização?

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Depois das observações do cotidiano, da descoberta de ensaios fotográficos, ilustrados nas primeiras páginas deste capítulo, e da busca por respaldo teórico inicial, foram escolhidos seis casos reais e fictícios para aprofundar os questionamentos da pesquisa, que constituem o capítulo dois. Entre eles estão o jogo de realidade aumentada Pokemón Go!, lançado em julho de 2016; o sistema de hospedagem Airbnb, fundado em 2008; a produção cinematográfica, Her, do diretor Spike Jonze, lançado em 2013; e a série de televisão britânica Black Mirror, escrita e dirigida por Charlie Brooker, que teve sua primeira temporada lançada em 2011. Eles evidenciam a nebulosidade das fronteiras entre o espaço virtual/imaterial e o espaço físico/ material, além de suscitar questões sobre os efeitos da interpenetração desses espaços para a vivência do cotidiano físico na contemporaneidade. De formas diferentes, esses exemplos se complementam e retratam as mudanças, que estão (re)configurando o contexto sócio-espacial desse começo do novo milênio. Mais à frente, no terceiro capítulo, a exploração de questões levantadas por outros campos do conhecimento 30 , que não somente a arquitetura – em especial, da filosofia e da geografia – foram essenciais para a discussão da ideia de prática e projeto, diante das emergentes espacialidades contemporâneas; além da influência de tais espacialidades para a arquitetura, com o surgimento de problematizações novas e com a reinterpretação de questões já conhecidas, e pouco exploradas, para a disciplina. A contribuição de áreas afins à arquitetura foi crucial no sentido de apontar diferentes caminhos para esta pesquisa, que se concretizaram – ou não tanto – na parte final deste texto. Durante as leituras, foi comum me deparar com conceitos novos provenientes de outras áreas, como por exemplo, os conceitos filosóficos de virtual, atual, real e possível propostos por Pierre Lévy. Alguns deles, recorrentemente, sendo citados por mais de um autor. Mas mesmo aqueles já naturalizados pela teoria e história da arquitetura, também mereceram atenção, por suas ressignificações ao longo do tempo, como foi o caso de dois dos conceitos mais difíceis e desafiadores de se trabalhar, espaço e espacialidade. Por isso, quase que de forma natural, foi proposta a construção de uma coletânea de termos, a partir da identificação, da compilação e

É o caso do arquiteto e professor de arquitetura, Fábio Duarte, autor de A crise das matrizes espaciais (2002), o filósofo Henri Lefebvre e seu célebre A produção do espaço (1974), o sociólogo Manuel Castells, autor de Sociedade em Rede (1999), a historiadora e crítica de arte Rosalind Krauss, autora de A escultura no campo ampliado (1979), o filósofo Pierre Lévy, autor de O que é o virtual? (1996), o arquiteto Bernard Tschumi, autor da série de artigos Arquitetura e limites (1980-81), a socióloga Saskia Sassen, autora de Escala e amplitude num mundo digital global (2013), o antropólogo Marc Augé, autor de Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade (1992), o arquiteto Rem Koolhaas, autor de Cidade genérica (1994) e o geógrafo Rogério Haesbaert, autor de O mito da desterritorialização: do ‘fim dos territórios’à multiterritorialidade (2004). 30

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do mapeamento desses conceitos 31 , reunidos em formato de cartas avulsas. A ideia de separar a coletânea do corpo principal deste trabalho, foi de utilizá-la como uma consulta rápida e complementar à esse texto, colocando lado a lado significados e proposições de diferentes autores associados aos insights emergentes para cada um dos cinquenta termos escollhidos. Acredito, assim, que problematizar esses termos, como potenciais articuladores de novas formas de se pensar a arquitetura e as cidades na atualidade pode colaborar na discussão sobre a noção da emergência de espacialidades contemporâneas. A organização dessa coletânea foi um trabalho contínuo, que se estendeu por toda a pesquisa e funcionou como ferramenta no processo de elocubração de questões e inquietações, portanto, não teve a finalidade de ser um produto acabado, mas um processo de reflexão. Como metodologia de estudo e pesquisa, a construção da coletânea foi essencial para organizar o meu pensamento no momento da escrita, mas acredito que a leitura conjunta das cartas com este texto sejam complementares e enriquecem as problematizações levantadas aqui. No mesmo conjunto de cartas, está o que chamei de “rede de pensamentos”, que nada mais é do que a tentativa de expressar visualmente a confusão mental que foi durante o processo de pesquisa. Seguindo a lógica de rede, e mais especificamente, uma lógica sem hierarquia, o fluxo de pensamentos e conexões, que surgiu a partir das descobertas feita ao longo de toda a investigação, foi organizado de maneira suscinta (apesar da profusão de informações) para facilitar na medida do possível a sua leitura. No entanto, o objetivo foi refletir de fato a construção de pensamentos em rede, que permitiram a escrita do texto que está agora em suas mãos. Por isso, mesmo que você não entenda exatamente qual foi a linha cronológica de quais dados vieram antes ou depois, não se preocupe, eu também não entendi no início, mas as informações começaram a fazer sentido quando eu fui escrevendo esse texto. Espero que também faça para você. Dessa forma, este trabalho procurou explodir algumas bolhas, que já estavam na iminência de eclodir, mesmo que a atenção ainda não estivesse voltada para elas no meio da arquitetura. Mas esse foi apenas um (re)começo.

Entre os conceitos e termos escolhidos para constituir a coletânea estão: virtual, virtualização, real, atual, atualização, possível, realidade virtual, realidade aumentada, ciberespaço, cibercultura, cibercidades, cidade digital, comunidade virtual, inteligência coletiva, inteligência artificial, interface, campo ampliado, estranho familiar/uncanny, rizoma, desterritorialização, reterritorialização, multiterritorialidade, fronteira, rede, conectividade, limite, disjunção, evento, prazer da arquitetura, fragmento, sociedade em rede, espaço de fluxos, site, link, lugar, não-lugar, escala, amplitude, cidade global, cidade genérica, arquitetura líquida, transarquitetura. Outros conceitos foram incluídos ou eliminados, conforme o desenvolvimento da pesquisa. 31

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FENÔMENOS CONTEMPORÂNEOS COMO DEFLAGRADORES DE QUESTÕES


Deflagrando questões

Por esta pesquisa tratar de um tema extremamente atual – impossibilitando um distanciamento histórico capaz de gerar discernimento crítico frente aos fatos e suas possíveis repercussões frente ao conceito de espacialidade nos dias de hoje – consequentemente, a condição de incerteza imperou na discussão sobre um assunto ainda em fase de transição. Por isso, os estudos de caso escolhidos acerca dessa discussão na atualidade32 surgiram tanto da vida cotidiana e não se restringiram ao âmbito da arquitetura. O propósito disso foi traçar uma leitura abrangente das diferentes manifestações que os fenômenos da globalização e, portanto, da hipermobilidade e hiperconectividade, estão fazendo emergir na teoria, na prática e na ficção. Assim, este capítulo aborda, justamente, exemplos de algumas dessas manifestações como modo de problematizar as questões levantadas por essas vias, através do estudo de alguns casos do cotidiano, aqui chamados, de deflagradores de questões. Essa seção explora a análise de seis deflagradores, que evidenciam a influência das tecnologias digitais no século XXI. Entre os exemplos da ficção estão o filme Her, do diretor Spike Jonze, lançado em 2013 e a série de TV britânica Black Mirror, escrita e dirigida por Charlie Brooker, que, até o início de 2017, estava na terceira temporada e teve sua estreia em 2011. Também está incluída a análise de três jogos, Geocaching, Geoguessr e Pokémon Go, e um sistema de hospedagem global colaborativa, o Airbnb. Esses dois últimos, por critério metodológico, foram analisados de maneira mais profunda, devido à grande e rápida adesão de usuários em nível mundial e, em consequência disso, pelo impacto gerado no modo de percepção espacial. Num primeiro momento, esses casos podem não parecer conectados e o que pertence ao mundo da ficção não parece se misturar ao mundo “real” e vice-versa. Mas o que esta pesquisa pretendeu ao colocá-los lado a lado, foi justapor e comparar as questões afloradas por cada um de modo a problematizar a atual maneira como lidamos com o espaço, a partir da ótica desses deflagradores.

32 Apesar do atual e da atualização serem termos explorados na coletânea, a atualidade, assim como outros termos que possuem uma conotação temporal, como contemporâneo ou agora, hoje em dia, nos dias de hoje, são bastante relativos, pois dependem de período a que estou me referindo. Por isso, é comum me apropriar desses termos como se fossem sinônimos, mas estando ciente de que essas informações podem ser atuais no momento da escrita do texto e se desatualizarem com o tempo. Ou seja, no momento em que você, leitor, estiver lendo isso, é possível que a atualidade a que me refiro já tenha se tornado passado.

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Começando pelos exemplos oriundos da ficção, nesse caso, duas produções cinematográficas, tomei a liberdade de escolher entre tantos outros exemplos, dois que foram produzidos recentemente e abordavam temáticas de interesse para esta pesquisa. A opção pelo cinema e não tanto pela literatura, se deu graças à contribuição que os cenários criados para ambientar o roteiro, os personagens e as cenas geram na percepção espacial do espectador, ainda que isso possa variar. Não que os clássicos literários de ficção científica e particularmente, as obras distópicas,33 como 1984, de George Orwell (1949) ou Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxely (1932) não pudessem se encaixar na temática explorada aqui e muito menos, que os temas levantados em meados do século passado por esses autores não permaneçam atuais ao contexto das primeiras décadas deste milênio. Mas, de certa forma, a literatura permite uma interpretação mais subjetiva para imaginar os ambientes descritos em palavras.34 No entanto, para o propósito desta pesquisa, foi importante manter exemplos nos quais não haveria dúvida das qualidades espaciais narradas. Por isso, os cenários de Her e de Black Mirror serviram como um significativo elemento de análise em conjunto com o contexto narrativo de cada um. Também é importante ressaltar que a ficção dispõe de uma capacidade de exagerar, extrapolar certos limites para evidenciar determinadas situações. Essa habilidade de explicitação torna algumas cenas do nosso dia a dia mais visíveis e possibilitam novas perspectivas, até mesmo insights acerca de aspectos da vida cotidiana. É a mesma capacidade que as séries fotográficas mostradas no primeiro capítulo têm de capturar e destacar cenas que passam despercebidas aos olhares distraídos da rotina diária. Para cada caso, a análise se iniciou com uma pergunta, uma questão deflagrada, à princípio de forma empírica e depois discutida criticamente.

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O tema da distopia é um dos termos abordados na coletânea.

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Aliás, talvez isso seja exatamente o que mais me encanta na leitura dessas obras.

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Confundindo ficção e realidade

Qual a relação que se estabelece entre nós, indivíduos, e as tecnologias digitais e como isso se transfere ou se reflete na maneira como interagimos uns com os os outros e com o espaço físico, enquanto fruindo da virtualidade dos dispositivos móveis? Num futuro não mencionado, o filme de ficção científica Her (2013), escrito, dirigido e produzido por Spike Jonze, gira em torno da relação amorosa que se desenvolve entre o personagem Theodore35 e seu recém-adquirido sistema operacional OS1, Samantha.36 A história é contada através do ponto de vista subjetivo e solitário de Theodore. Como mostrado ao longo do filme, ele é apenas um exemplo entre as outras milhares de pessoas que também acabam desenvolvendo relacionamentos com seus novos sistemas operacionais. A primeira cena mostra Theodore falando em voz alta o que parece ser uma declaração de amor, que logo se anuncia como a função que seu trabalho exige: a elaboração de cartas com teor extremamente pessoal para os clientes que compram seus serviços. Os primeiros cinco minutos evidenciam os tipos de relacionamentos entre seres humanos e seus dispositivos tecnológicos, especificamente, os fones de ouvido, que predominavam nessa sociedade antes mesmo do lançamento do sistema de inteligência artificial OS1. Theodore e os outros indivíduos que estão ao seu redor, tanto no trabalho, quando no elevador, na rua e no metrô, não interagem entre si, mas, principalmente, com seus fones e com seus celulares. Essa postura individualizada e solitária se evidencia nos espaços públicos, na convivência da multidão anônima que compartilha de experiências similares, especialmente, no que diz respeito à desatenção aos outros e ao ambiente. Seja no trabalho, em casa, na rua ou na praia, Theodore está na maior parte do tempo fisicamente sozinho, exceto pelo fato de estar acompanhado, virtualmente, pela voz de Samantha. A presença do virtual em sua vida não se limita ao seu sistema operacional, mas

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Interpretado por Joaquin Phoenix.

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Com voz da atriz Scarlett Johansson.


inclui também seu videogame, com narrativas que ora não tem objetividade aparente, ora imitam a vida real, e seu próprio trabalho como escritor de cartas para pessoas que ele sequer conhece pessoalmente. Essa questão da virtualidade é explorada através dos questionamentos que a própria Samantha desenvolve, ao longo do enredo, com relação a ela não ter um corpo, mas que por outro lado se mostra como uma vantagem, já que ela não tem limitações físicas, é imortal e pode ir a diversos lugares ou falar com dezenas de pessoas simultaneamente. É certo que os altos e baixos que Theodore e Samatha vivem como casal, replicam os desafios enfrentados por qualquer relação interpessoal da vida cotidiana, o que sugere uma tentativa de aproximação da inteligência artificial com as características humanas, em particular, os sentimentos. Sentimentos esses que sistemas operacionais, com tecnologias pré-programadas, à princípio não poderiam desenvolver. (Até mesmo, a falta de um corpo para Samantha é contornada pela escolha de uma mulher para representála fisicamente, o que se mostra bastante estranho para Theodore.) Contudo esse relacionamento, baseado nas conversas entre os dois personagens, se desenrola através da fala, da voz e não tanto na visão, apesar dele mostrar o mundo para Samantha por meio da câmera de seu celular em cenas externas. São os estímulos auditivos que conectam os O personagem principal, Theodore, em cenas de dois e liberam o sentido da visão de Theodore interação com os dispositivos móveis, que o permitem manter uma comunicação e até um relacionamento para uma experiência mais completa, nesse com Samantha, a voz do sistema operacional de seu caso do espaço físico habitado por ele. computador.

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A condição puramente virtual, desprovida de corpo de Samantha, não os impede de terem uma relação amorosa. E indica, em determinados momentos, a sensibilidade e até a carência de Theodore pelo fato de ter uma vida tão solitária, que se demonstra ser o status quo dessa sociedade. Sua sensibilidade, já enfatizada pela beleza com que escreve as cartas no trabalho, se expande durante seu relacionamento com Samantha, visível em uma das conversas em que ele conta as histórias inventadas para as pessoas que ele cruza na rua. Essa atitude de percepção aguçada pode ser uma sugestão de que apesar de parecer alheio ao seu redor, Theodore está atento e sua solidão, sua insatisfação são sintomas desse estilo de vida individualizado. Porém, o fato de estar a todo momento em comunicação com seu sistema operacional, através de comandos de voz, libera sua vista para perceber seu entorno, situação que aparece de forma mais evidente no final do filme, quando ele parece estar “acordado” para o ambiente que o cerca, do alto da cobertura de seu prédio. Se o filme começa com o foco total sobre o rosto de Theodore voltado para a tela do computador, numa clara associação à individualização que domina essa sociedade, ao final, o foco de seu olhar se vira para a cidade e se distancia do personagem principal. Essa reviravolta sugere uma retomada da percepção de Theodore antes, extremamente, individualizada e até egoísta, para uma mais atenta ao espaço físico e para o ambiente que ele habita. Esse personagem levanta questões interessantes de sociabilidade em um contexto onde as tecnologias digitais já foram absorvidas, da consequente solidão causada pela redução das relações interpessoais, supostamente devido à crescente relação entre pessoas e sistemas operacionais. A crítica da modificação da experiência física de um indivíduo no espaço por causa da inserção das tecnologias digitais vai se tornando explícita à medida que problematiza o relacionamento entre homem e máquina. Mas talvez o mais interessante seja o fato de que entre vantagens e desvantagens, a virtualidade representada por Samantha contribuiu para abrir os olhos de Theodore, que apesar de liberados pelos comandos de voz, estavam cegos pela individualidade predominante. Por isso, a questão que se apresenta é: quais são as oportunidades que as tecnologias digitais trazem para permitir uma percepção espacial mais atenta, ao invés de atrofiá-la? Talvez um caminho seja o comando de voz...

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Quais as consequências da tensão entre as noções de público e privado com o domínio das mídias sociais e a disseminação em massa da tendência de hiperconectividade? A série de TV Black Mirror (2011), também de ficção científica, dirigida pelo britânico Charlie Brooker, conta com três temporadas, lançados até o final de 2016, e um total de treze episódios. Cada um deles narra histórias independentes das outras, com um mesmo fio condutor que une todas: a influência da tecnologia digital no dia a dia de quem vive em sociedade – sejam elas sociedades verdadeiras, ou melhor, baseadas e localizadas em cidades existentes; ou fictícias, sem qualquer associação geográfica ou temporal com cidades reais. Em relação ao conteúdo e a estrutura da série, o diretor destacou que “cada episódio tem um elenco diferente, um set diferente e até uma realidade diferente, mas todos eles são sobre a forma como vivemos agora – e a forma como nós poderemos viver em 10 minutos se formos desastrados.” 37 . Diante dos trezes episódios, os três, aqui comentados – Quinze milhões de méritos, Toda sua história e Queda livre, sendo os dois primeiros da primeira temporada e o terceiro, da terceira temporada –, foram escolhidos por evidenciarem momentos intrigantes e situações interessantes para se pensar criticamente em relação à noção de espacialidade contemporânea. Essa é uma das características que fazem dessa série, como um todo, um instrumento de análise de grande valia para se repensar a sociedade, as condições espaciais e as formas de interação atuais. De fato, nenhum dos três episódios escolhidos se passa em lugares existentes no mundo, ou pelo menos não foram identificados, mas isso não faz deles referências muito distintas da nossa realidade, principalmente pelo conteúdo pertubadoramente semelhante. 38 O primeiro deles, Quinze milhões de méritos, narra a história de uma sociedade vivendo em pequenos cubículos cercados por telas que subsituem as quatro paredes de um quarto, localizados em grandes complexos que sugerem uma escala industrial de repetição em série dessas “cidades verticais”. O único meio de transporte entre os níveis superiores, onde ficam os “quartos-cubículos” e as áreas comuns, é o elevador 39 . Para essa sociedade, o único objetivo de vida, que pode também ser encarado como o único meio de produção, é pedalar bicicletas

Brooker, Charlie. “Charlie Brooker: the dark side of our gadget addiction”. The Guardian, 1 de Dezembro de 2011. Disponível em: < https://www.theguardian.com/technology/2011/dec/01/charlie-brooker-dark-side-gadget-addiction-black-mirror> Acessado em: 28 de setembro de 2016. 37

No entanto, existem outros episódios em que o contexto histórico e geográfico são determinados, como é o caso do episódio de estreia da série, Hino nacional – não analisado neste trabalho –, em que o roteiro se passa em Londres, em tempos atuais, mas esse não é o padrão da maioria dos episódios, que, em geral, não tem contexto geográfico determinado. 38

Lugar esse (ou seria um não-lugar, termo que também se encontra problematizado na coletânea?) onde, assim como no filme Her, não ocorre nenhum contato físico ou verbal entre os indivíduos na maior parte das vezes. A figura do elevador é interessante, pois retoma a abordagem que Rem Koolhaas faz desse elemento arquitetônico em tantos textos, desde Nova York Delirante, publicado originalmente em 1978. 39

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fixas por horas a fio em troca de créditos ou, melhor dizendo, méritos. A todo momento, esses indivíduos estão cercados por telas e isso dá a entender que eles não conhecem outra realidade que não aquela mediada por realidade virtual; apesar de parecer massante e até um regime escravocrata, em que não há alternativa ou saída para esse tipo de ordem ou hierarquia social. 40 Como um misto de utopia e distopia, 41 a esperança de ascensão nessa sociedade está Cenas em ordem cronológica do 2º episódio da embutida nas formas de interação virtual a primeira temporada de Black Mirror, chamado Quinze Milhões de Méritos. A diferença de ambiência entre a que esses indivíduos estão acostumados: é primeira e a última cenas dizem muito à respeito das o programa Hot Shot, um show de talentos questões trazidas à tona pela história. com um corpo de jurados e um público de avatares constituido pela “classe dos ciclistas”, que estão aptos a se inscrever caso disponham de quinze milhões de méritos. Aqui esperança está associada à meritocracia. No segundo episódio, Toda a sua História, a inteligência artifical e a evolução tecnológica chegaram a tal ponto que a possibilidade de extinção da violência se torna real com o advento e comercialização de um dispositivo individual implantado sob a pele do pescoço dos indivíduos dessa sociedade, o Grain. O que esse aparato faz é registrar e guardar memórias. Com isso, a possibilidade de revisitar o passado está estabelecida. Entre momentos de alegria, de risadas e até de nostalgia e recordação, o presente se dissolve em lembranças de um tempo que não existe mais. Mais importante é o fato de que essa revisitação é predominantemente visual. O Grain explora técnicas de realidade aumentada, com o auxílio de uma lente de contato, e projeta filmes e cenas do passado através do campo de visão sobre o meio físico. No entanto, de recurso vantajoso, que abrange desde decisões pessoais até profissionais, ele se revela uma

Por exemplo, a “classe dos ciclistas” ainda é “superior” e mais bem vista pelo seu padrão fitness do que os indivíduos gordos, a quem restou o serviço de limpeza, pois, devido à falta de esforço físico, perderam o “direito” de pedalar para acumular méritos.

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Dois dos termos explorados na coletânea.


excelente estratégia de controle, considerando que as informações armazenadas pelo dispositivo também são utilizadas na revista de segurança do aeroporto e podem afetar até mesmo relações interpessoais. No terceiro e último, Queda livre, o destaque do enredo é o formato de sociabilidade que determina o grau de popularidade dos indivíduos da sociedade em questão. As redes sociais comandam as atitudes desses personagens de tal modo que não são mais valores como honestidade e sinceridade que são perseguidos, mas, ao contrário, em troca de curtidas e avaliações positivas, a falsidade e pretensa amizade imperam como posturas adotadas por (quase) todos. A posição na hierarquia social equivale à pontuação nas redes sociais, que têm o poder de influenciar onde cada indivíduo deve morar, trabalhar, circular, almoçar, ou seja, viver nessa sociedade. Essa cidade perfeita42 é reflexo da sociedade moldada pela perfeição exigida pela imagem a ser passada através das redes sociais, que entra em grande contraste na cena final do episódio, quando as selas de uma prisão, parecem mais libertadoras e menos claustrofóbicas, mesmo que num ambiente fisicamente confinado. Nos dois primeiros episódios apresentados, Quinze Milhões de Méritos e Toda a sua História, não há menção a quando ou onde se passam seus enredos, mas podemos supor que é um futuro não tão distante assim. No primeiro, o personagem principal encontra-se preso a uma rotina que se resume basicamente a dois ambientes enclausurados e a mediação com o “exterior”43 se dá sempre através de telas. No segundo, essa clausura está sob a pele. Cenas do 3º episódio da primeira temporada da série, Em ambos, a tecnologia aparece de denominado Toda a sua história, que suscita questões sobre a vigilância e o controle 24 horas por dia, 7 maneira diferente, mas contribuem para dias por semana, através dos personagens adeptos ao levantar questões sobre a percepção do espaço sistema do Grain.

Curiosamente, as representações espaciais das ruas, da arquitetura das casas, do ambiente de trabalho e de encontros sociais perfeitamente limpos e bem cuidados, numa clara semelhança ao padrão americano de vida, lembram o cenário perfeito do filme O show de Truman, lançado em 1998 e dirigido por Peter Weir.

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Exterior esse que é sempre representado como um cenário de desenho animado. 55


e do tempo, cada um a seu modo. Enquanto em um, o espaço habitado é configurado por um ambiente confinado e a passagem do tempo é sentida artificialmente por cenários virtuais, no outro, a restrição não é física nem espacial, mas psicológica e temporal, pois os personagens têm a capacidade de rever e reviver cenas passadas a qualquer momento. Por vezes, a sensação de claustrofobia é gritante no primeiro caso, principalmente, por não haver janelas ou qualquer contato com o exterior,44 mas a clausura também é sentida pelo personagem principal de Toda a sua História, que não consegue fugir de suas memórias. 45 No primeiro, o espaço é o limite físico, que condena os personagens à uma determinada forma de vida comandada pelos jogos online, pelos programas de entretenimento, pelas propagandas exibidas nas telas que circundam os espaços habitados por eles. As telas são metaforica e literalmente, ao mesmo tempo, o cárcere e a posibilidade de liberdade, já que a recompensa para aqueles que forem aprovados no show de talentos ganha o direito de ascender nessa sociedade e viver em um quarto no topo desse complexo com vista para uma paisagem “natural”46 ampla, que constrata com o “exterior” artificial dos “quartoscubículos”. No segundo, é o excessivo controle do tempo que estimula conflitos entre indivíduos, justamente, por causa da possibilidade de se revisitar momentos passados. O Grain deixa de ser somente aparato de segurança, utilizado como prova em casos de criminalidade por autoridades jurídicas, e passa a invadir a vida privada dos personagens.47 Mas o pior, é o fato dessa tecnologia facilitar o retorno ao passado Cenas do 1º episódio da terceira temporada da série, e retirar dessas pessoas a vivacidade do chamado Queda Livre. A sociedade retratada vive em momento presente. Ambos, são limitadores função de rankings controlados por mídias sociais, que determina a forma de interação entre os indivíduos. em termos de percepção e noção de espaço e

A não ser através dos avatares virtuais, que representam cada um dos personagens no programa de talentos televiosionado Hot Shot e funcionam como um espelho desses personagens. 44

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A ponto dele retirar o implante Grain na cena final do episódio.

Aqui, é importante notar, que não fica claro, no final do episódio, se essa natureza é verdadeira ou se é apenas mais uma representação virtual; o fato é que eessa paisagem, que aparece como recompensa pela ascensão de vida nessa sociedade, é nitidamente diferente da dos andares inferiores. 46

Como por exemplo, quando policiais no aeroporto checam momentos íntimos na revista dos últimos sete dias dos passageiros.

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tempo. A espacialidade vivenciada nestes dois casos é condicionada, mediada e construída via tecnologia digital. Já Queda Livre, coloca em questão a superficialidade das relações entre indivíduos dominados pelas mídias sociais.48 As manifestações desse estilo de vida levam a repercussões espaciais, como é o caso dos bairros separados pela pontuação de seus moradores. Na história, Lacie, a personagem principal, tem um bom ranking, mas para se mudar para a casa dos sonhos,49 ela precisa alcançar um patamar a mais e para isso, encara o casamento de sua amiga de infância como uma oportunidade de subir alguns pontos. Ao longo do percurso até a cerimônia, inúmeros atrasos e imprevistos vão apresentando situações de desconforto para a personagem, que todavia precisa fingir simpatia para não ser penalizada em seu ranking social, o que ainda assim acontece, independente de seu “esforço”. Com uma pontuação mais baixa, ela não tem acesso ao aeroporto e nem ao último modelo de carro de aluguel para chegar ao casamento. Mesmo assim, ela não desiste. E ao chegar lá, depois desse caminho, que além de físico também demonstra um processo de reconhecimento do mundo de farsas e máscaras em que ela vive, Lacie é presa por ameaçar esse estilo de vida. Na prisão, em discussão com um outro prisioneiro, ela tem o momento mais livre de toda sua vida, evidenciando que a verdadeira prisão era a das mídias sociais. Para efeito desta pesquisa, as duas obras de ficção exploradas, Her e Black Mirror, contribuem para deflagrar questões para o tema da virtualidade contaminando a percepção da espacialidade e conformando novas dinâmicas, novas experiências espaciais das sociedades apresentadas, mesclando a percepção entre ficção e realidade. Apesar do tênue limite entre uma sociedade utópica, aparentemente perfeita, e uma distópica, com falhas e contradições, ambas trazem à tona um alerta sobre a direta influência das tecnologias digitais e suas variações técnicas nos modos de vida em sociedade e na atenção ou desatenção dos personagens em relação ao espaço habitado. Mensagem essa que pode ser aplicada à nossa sociedade. A liberdade poética adotada pelos diretores Spike Jonze e Charlie Brooker, nos respectivos roteiros cinematográficos, permite a explicitação de sinais de modificação do uso e da percepção do espaço que, de certa forma, já têm repercussões semelhantes na nossa vida cotidiana. É o que a próxima parte deste capítulo pretende colocar em questão.

A invasão dessas redes na vida cotidiana chega ao ponto de haver um personagem cuja profissão é aconselhar sobre posturas e ações que podem favorecer a elevação do ranking social da personagem principal, Lacie. 48

Detalhadamente preparada pela corretora de imóveis para simular uma vida perfeita, inclusive com o recurso de uma projeção holográfica da própria Lacie, morando na casa e sendo abraçada por um marido perfeito.

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Nos limites do real com novos referenciais geográficos

Se por um lado, os casos até então analisados nos influenciam subjetivamente, os exemplos agora apresentados afetam de forma mais objetiva nosso cotidiano. Eles resultam de inquietações e facilidades técnicas da contemporaneidade, com a diferença de que podem interferir na interação com o mundo físico habitado por nós. A intenção aqui foi justamente evidenciar os efeitos do uso desses dispositivos e aplicativos no nosso deslocamento diário e, principalmente, na nossa percepção do espaço físico. Lembrando que essas situações colaboram para nos atentar ao fato de que dispositivos móveis, como os celulares e, em especial, os smartphones por sua multifuncionalidade – incluindo desde a função de fazer e atender ligações, passando por mensagens de texto e de voz, até pesquisas na internet e acesso às redes sociais – são capazes de impactar diretamente nossa vida e nossa relação com o espaço ao redor. Resta saber como.

Notícia do dia 03 de agosto de 2016 sobre o lançamento do jogo de realidade aumentada Pokémon Go, no Brasil. Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/ games/noticia/2016/08/pokemon-go-comeca-funcionar-no-brasil. html> Acessado em: 04 de setembro de 2016.

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Como a confiança e quase dependência dos aplicativos de geolocalização afetam o deslocamento, o senso de distância e proximidade, e orientação no espaço físico? Antes do frenesi causado pelo lançamento do Pokémon Go, em julho de 2016 – analisado mais a frente – outro jogo com os mesmos preceitos de “caça ao tesouro” já havia inaugurado a tentativa de incorporar a tecnologia digital ao mundo físico, o Geocaching, comercializado a partir do ano 2000. O jogo utiliza o sistema de geolocalização via satélite, mais conhecido como GPS, como dispositivo de deslocamento para encontrar os geocaches, “prêmios” ou “tesouros” dentro de cápsulas escondidas em parques, praças e lugares públicos de áreas centrais urbanas ou áreas mais afastadas da cidade.50 O jogo é constituído por 3 etapas: primeiro, um cadastro no site do Geocaching para ter acesso à lista de geocaches; depois, através do aplicativo ou do próprio site, escolhe-se um geocache e navega-se com o GPS até a localização geográfica do objeto escondido para procurá-lo a partir das dicas dadas pelos outros jogadores, compartilhadas online; por último, ao encontrar o geocache, o jogador assina a lista de logbook com a data em que foi encontrado, e o esconde exatamente onde e como o objeto estava, depois a descoberta pode ser compartilhada na plataforma virtual do jogo. Ou seja, o jogador é chamado a ocupar e desbravar o espaço físico a partir da premissa da imagem e da virtualidade, em que para encontrar os geocaches, há que se utilizar as coordenadas precisas, apesar de abstratas do navegador virtual. Apesar desse contato físico momentâneo, a interação com os outros jogadores é através de uma comunidade virtual, em contrapartida ao prêmio físico. Nesse caso, cada vez mais pessoas estão se utilizando da virtualidade de dispositivos móveis de geolocalização e se sentindo confortáveis para se deslocar no espaço físico a partir de coordenadas virtuais. A adesão a aplicativos desse tipo, inicialmente para diversão se tornou uma constante na prática de locomoção diária, como é o exemplo do uso massivo do (Acima, à esq.) Menino se guia pelo GPS na procura Google Maps e outros mapas virtuais no cálculo pelas geocaches, em Londres. (Acima, à dir.) Jogadode rotas. É a interpenetração do virtual no físico, ra registra seu nome na lista dos geocaches achados. (Abaixo à dir.) Geocache encontrada sob uma pedra, a diluindo suas fronteiras no espaço. partir das coordenadas do celular.

50 Existem 2 milhões de geocaches ou tesouros ao redor do mundo. No Rio de Janeiro, são 145 desses tesouros escondidos.

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Pode o conhecimento de um lugar ocorrer a priori no espaço virtual e seu reconhecimento a posteriori no espaço físico correspondente? Se sim, como isso muda a percepção espacial desse lugar? Com um conceito inteiramente diferente do caso anterior, o recente jogo de adivinhação de lugares, Geoguessr, lançado em 2013, explora localizações do mundo inteiro, a partir das imagens do Google Street View como referência para identificar os locais “visitados” virtualmente. Organizado em mapas temáticos, segundo países, continentes e mapas criados por outros jogadores, as dicas fornecidas são exclusivamente visuais e se limitam aos lugares já registrados pelo Google Maps. Apesar desse estudo de caso se reduzir a uma interação exclusivamente virtual, através da tela do celular ou do computador, o conteúdo do espaço virtual visitado pelo usuário é baseado em lugares existentes ao redor do mundo, e, por isso, capaz de transportá-lo mentalmente para uma possível lembrança daquele espaço físico, caso ele já o tenha visitado, ou mesmo de estimular sua imaginação, construindo pontos de referência e recordações virtuais, que poderão ser ativadas caso ele visite o lugar alguma vez. Aqui, a interação entre sujeito e espaço virtual ou espaço geográfico físico se dá de maneira diferente. Em vez de o usuário iniciar sua jornada de busca a partir do virtual, em direção ao desbravamento do espaço físico através do movimento do próprio corpo, com o Geoguessr, o objetivo é partir de inputs geográficos reais, mas capturados e registrados virtualmente, para que o usuário no conforto de seu lar (ou qualquer outro lugar) e na inércia do olhar voltado para a tela possa, através de um clique, “interagir” com o mundo físico. A questão levantada por esse caso reassalta a influência da memória na construção imagética espacial. Em ambos os exemplos de jogos, que se utilizam da premissa da diversão para motivar e atrair usuários, os referenciais geográficos se alternam ora entre o virtual, ora entre o físico. A grande diferença, no entanto é a relação dos sentidos estimulados: no primeiro, o Geocaching, há uma alternância entre os estímulos visuais associados à capacidade cognitiva de interpretação das coordenadas do mapa, que é completamente abstrato, e os estímulos táteis de contato com

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os objetos do espaço físico; enquanto no segundo, o Geoguessr, a menos que o jogador dê sorte de cair em um lugar que já tenha visitado previamente, a imagem na tela do computador ou do celular é só isso, uma imagem, ou seja, um estímulo puramente visual. Nesse último caso, a visão e até o passeio virtual através de imagens estáticas de um lugar proporcionado pelo jogo online, fica num meio termo entre o incentivo da memória e da imaginação, dependendo da experiência do lugar físico ou da falta dela por parte do usuário. Aqui, a possibilidade de controlar esse passeio garante a falsa sensação de imersão física, só que é preciso lembrar que devido à limitação fotográfica, mesmo que seja 360o e registrada com uma câmera de última geração do Google, a imagem está congelada no tempo, o que suscita a questão sobre a verdadeira apreensão desse lugar somente através da imagem. Será que a conquista de avanços tecnológicos como esse, que permitem diminuir distâncias e dar acesso virtual a lugares antes inacessíveis fisicamente, não está nos tornando preguiçosos e acomodados a experienciar alguns segundos de um lugar via uma tela ao invés de conhecê-lo de fato, concretamente, por meio do deslocamento do corpo no espaço, com toda a imprevisibilidade inerente a essa experiência? Quanto ao excesso do estímulo da visão, o filósofo Paul Virilio (2002), defende que desde o advento da fotografia, com a instantaneidade das imagens e a gradativa aceleração dos meios de comunicação, houve um comprometimento da formação da nossa memória natural. Um processo, segundo ele, da “máquina tomando o lugar, de uma vez só, dos movimentos dos olhos e dos deslocamentos do corpo” 51 , citando o fotógrafo Jacques-Henri Lartigue e sua independência da visão natural, substituida pela lente de sua câmera. Essa é uma das formas de interpretar o efeito que tanto o Geocaching, quanto o Geoguessr têm sobre seus usuários, que para o bem ou para o mal, alteram a maneira como enxergam e se deslocam sobre um determinado espaço. Assim, a construção imagética dominante hoje em dia é um dos principais recursos digitais utilizados por aplicativos como esses, contudo, ainda que esses dois exemplos pareçam absurdos o suficiente, outros dois estudos de caso levam esse limite para um nível ainda mais inacreditável, tanto do ponto de vista da tecnologia, quanto do ponto de vista da mobilidade global.

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VIRILIO, 2002, p. 31. 61


Discorrendo e problematizando fenômenos contemporâneos

“De fato não se pode falar hoje do desenvolvimento do audiovisual sem interrogar igualmente este desenvolvimento da imagerie virtual e sua influência sobre os comportamentos ou ainda sem anunciar também esta nova industrialização da visão, a instalação de um verdadeiro mercado da percepção sintética com o que isto supõe de questões éticas, não somente as do controle e da vigilância com o delírio de perseguição que isso supõe, mas sobretudo a questão filosófica daquele desdobramento do ponto de vista, daquela divisão da percepção do ambiente entre o animado, o sujeito vivo, e o inanimado, o objeto, a máquina de visão” 52 . Paul Virilio, A máquina de visão

Os dois últimos casos já deram indícios de que a relação do ponto de vista sobre os espaços físicos têm sofrido influência direta das tecnologias digitais. Elas trazem novas informações à experiência da mente e do corpo no espaço cotidiano, alterando assim a nossa percepção espacial. Na citação acima Virilio defende a contaminação da percepção a partir da condução tecnológica da experiência, através da máquina de visão, distorcendo a experiência do sujeito vivo. No entanto, a dualidade entre uma experiência e outra é, assim, fortalecida, enquanto, nesta pesquisa, acredita-se que essa dualidade está sendo diluida devido à aproximação cada vez maior entre virtual e físico. Por isso, os próximos dois deflagradores foram escolhidos justamente por exemplificar situações dessa natureza. Diferente do Geocaching e do Geoguessr, que não atingiram um público de grande relevância mundial em termos de usuários ativos,53 os casos a seguir apresentam importância devido à capacidade de motivar e movimentar milhões de pessoas em todo o mundo em um curto espaço de tempo. É o caso do Pokémon Go! e do Airbnb. Na leitura deste trabalho, esses dois últimos exemplos tiveram o maior impacto entre os seis deflagadores selecionados e têm o maior potencial de revolucionar a maneira como interagimos com o espaço.

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52

VIRILIO, 2002, p. 86.

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Apesar de serem interessantes na discussão sobre novos referenciais geográficos nos últimos 17 anos.


Com as tecnologias de realidade aumentada aproximando o espaço virtual do físico, que limites se colocam e ainda que fronteiras se deslocam nessa interação? O jogo Pokemón Go!, criado pela Niantic e comercializado pela Nintendo, foi lançado no dia 6 de julho de 2016, nos Estados Unidos, e teve uma imensa adesão de jogadores nas primeiras semanas de seu lançamento. Em um mês, já haviam 37 servidores no mundo todo, com disponibilização do jogo na Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Alemanha, Brasil, Argentina, Chile, entre outros. Em todos os países onde o jogo foi lançado, o sucesso foi quase instantâneo, com constantes registros de multidões peregrinando e se concentrando em pontos específicos de cidades como Nova York, onde havia se divulgado o aparecimento de pokémons raros. Essa capacidade de movimentar milhões de pessoas em prol de um objetivo único, capturar pokémons, pode ser explicada por alguns fatores, como o apelo comercial a uma franquia bem-sucedida na década de 1990 entre a geração de millenials,54 a da marca Pokémon, que começou como desenho animado e deu origem a inúmeros subprodutos no ramo do entretenimento infanto-juvenil, combinada a facilidade de uso através de uma interface intuitiva e amigável, acessível a qualquer smartphone. Mas mais importante, a possibilidade de sobrepor uma camada digital ao mundo da realidade concreta, criando um novo formato de interação entre os jogadores e o meio virtual, mesclando-o ao meio físico, foi a grande revolução do Pokémon Go para a geração de uma nova espacialidade. O fenômeno do jogo alerta para a grande novidade da atualidade: a realidade aumentada, que permite a justaposição dos pokemóns virtuais no ambiente concreto, através das telas de celular. Apesar da dependência do dispositivo móvel, ou seja, de um smartphone, a junção do virtual com o físico abre novas possibilidades de percepção do espaço e também cria novas referências e marcos espaciais. Além disso, a captura dos personagens só é possível quando se tem as pokébolas, que estão contidas virtualmente nas pokéstops, localizadas geograficamente em pontos de interesse no espaço urbano público, como estátuas, monumentos, esculturas, placas comemorativas, o que obriga os jogadores a caminhar pela cidade em busca desses elementos. Para um sujeito desavisado, esses pontos são invisíveis. É preciso estar conectado ao jogo virtual para tornar “visíveis” essas pokéstops e qualquer outro elemento. Também é preciso estar próximo fisicamente para ter acesso e capturar os benefícios contidos em cada pokéstop.

54 Millenials é o termo criado pelo historiador e economista Neil Howe na década de 1990 para se referir à geraçnao Y ou geraçãode pessoas nascidas a partir do início dos anos 1980.

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Nessa experiência, surge uma nova possibilidade de vivência do espaço, na convergência do virtual com o físico e vice-versa. Essa tecnologia de realidade aumentada difere da realidade virtual pela substituição da simulação digitalizada pela sobreposição do digital no real. Por isso, ela é considerada por especialistas como a virada da Terceira Revolução Industrial, junto com a Intenet das Coisas, inaugurando um novo tipo de experiência imersiva. No entanto, ela não começou com o Pokémon Go. A realidade aumentada vem sendo estudada e aperfeiçoada desde 2010. 55 Mas somente no último ano (2016), que ela teve uma adesão significativa em escala global. O potencial da realidade aumentada ainda está em um nível inicial de pesquisa e, com os indícios de maior aceitação pelos usuários, principalmente de smartphones, pode vir a atingir novas formas de interação entre digital e não-digital, inclusive sem a dependência das interfaces de dispositivos móveis. Pode ser a fusão definitiva da relação homem-máquina, mas isso ainda é incerto. Enquanto ainda dependemos dessas interfaces físicas para interagir com o meio digital, precisamos analisar os efeitos desse fenômeno que deu o pontapé inicial para a interferência da realidade aumentada no nosso cotidiano. É o caso da possibilidade de imersão, já mecionada de maneira indireta no primeiro capítulo com as séries fotográficas de Josh Pulman e Antoine Geiger, em que as pessoas retratadas parecem paralisadas, sugadas pelos seus smartphones. Nas imagens, a intensão dos fotógrafos foi evidenciar tais comportamentos gerados pela atenção capturada pelas telas dos celulares, que impede as pessoas de se atentarem para seu entorno, pelo menos pelo tempo em que estão voltadas para seus smartphones. Essa sensação de imersão está diretamente associada à atenção plena devotada a uma certa experiência, que exige uma representação de uma persona ou de um avatar e o respectivo controle desse personagem ou perfil no mundo digital. Esse tipo de imersão conduzido principalmente por imagens e por estímulos visuais, é o que o

Freitas, Ana. Como Pokémon Go pode mudar a maneira como interagimos com o mundo. Nexo Jornal. 19 de julho de 2016. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/07/19/Como-Pokémon-Go-pode-mudar-a-maneira-como-interagimos-com-o-mundo. Acessado em: 14 de agosto de 2016. 55

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doutor em filosofia, Geert Gooskens (2014), chama de experiência pictórica, que com a realidade aumentada ganha novas variedades. De acordo com ele, a imersão, que é a sensação de estar presente num dado espaço representado, não é uma experiência ilusória e nem imaginária, mas um tipo especial de experiência pictórica. Ela permite aos usuários de tecnologias de realidade virtual e aumentada se sentirem imersas e capazes de definir relações espaciais específicas com o meio em que estão inseridos, devido à projeção de imagens. No caso da realidade virtual, essa imersão pode parecer mais “natural” se considerarmos que os video-games já estão no mercado do entretenimento digital há bastante tempo. 56 No entanto, com o fenômeno do Pokémon Go, ainda não sabemos até que ponto essa imersão se dará. Ainda mais, se adicionarmos o fato de que já não há limites certos entre virtual e físico em se tratando da sobreposição de camadas que a realidade aumentada proporciona. Em consequência, a capacidade

Realidade aumentada: técnica utilizada pelo jogo Pokémon Go para “inserir” os personagens virtuais em ambientes reais, criando a ilusão de imersão do virtual no mundo físico.

56 Os primeiros consoles domésticos datam da década de 1970, mas experimentações com jogos eletrônicos já estavam sendo feitos desde os anos 1950.

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que o digital está ganhando em se colocar ou, melhor dizendo, se projetar sobre superfícies físicas pode alterar substancialmente a maneira como vemos e percebemos o espaço ao nosso redor. Incluindo especificamente a arquitetura, que está sendo afetada diretamente a partir dessa tecnologia. A pergunta que surge é, se num futuro em que informações digitais poderão se sobrepor, em até múltiplas camadas, à arquitetura e ao espaço físico, que importância terá essa superfície sólida em vista de todas as camadas digitais que aparecem antes na visão dos passantes? Ainda que haja a opção de “ligar” e “desligar” as imagens digitais, seja através de um anteparo visual, de uma lente de contato ou até mesmo de um dispositivo implantado no cérebro, a questão que se coloca como alarmante para o futuro da arquitetura é o papel que ela terá numa realidade onde já não existem barreiras entre o virtual, por meio do digital, e o construído, o físico. É possível que a arquitetura se torne mais um pano de fundo dessa experiência imersiva do que fonte de imersão em si. E essa mudança de paradigma é crucial para quem irá projetá-la diante desse cenário da realidade aumentada, retratado de maneira especulativa no curta Hyper-Reality (2016), do designer e cineasta Keiichi Matsuda 57 . Com respeito a forma como enxergamos o espaço, essa tecnologia está sendo usada também por outros aplicativos em menor escala, como por exemplo, Lapse (2016), criado pelo artista e arquiteto Ivan Toth Depeña, que se utiliza da realidade aumentada para projetar obras de arte no espaço público de Miami, único lugar testado efetivamente, até o momento. Segundo a definição de Depeña, o aplicativo é um “decodificador ou lente de aumento que revela joias escondidas por todo o ambiente construído”58 , e permite visualizar aquilo que a olho nú não é visível: a arte que só existe no espaço virtual e só aparece para aqueles que tem acesso ao aplicativo. Mesmo com as limitações do aplicativo, a proposta evidencia a variedade de conteúdo passível de ser projetado no espaço físico. Além disso, a figura da lente de aumento para caracterizar o potencial da realidade aumentada dá pistas de como essa tecnologia está influenciando a nossa percepção espacial. O que nos leva a um ponto em comum entre o Pokémon Go e o Lapse: o fator surpresa do encontro com o inesperado no espaço físico, mas que não está lá de fato, a não ser virtualmente.

Keiichi Matsuda é mestre em Arquitetura pela The Bartlett School of Architecture UCL, cuja dissertação foi premiada com a Medalha de Prata do RIBA (Royal Institute of British Architects) em 2010. Ele trabalha na interseção da tecnologia, do design e da arquitetura e iniciou uma campanha de crowdfunding para produzir a série Hyper-Reality, em 2013, realizado com sucesso em 2016. Para saber mais sobre sua prática profissional, seu site é bastante informativo (http://km.cx) e para assistir à série de vídeos Hyper-Reality, basta acessar diretamente o site do projeto: http://hyper-reality.co. 57

Tradução livre da frase original “decoder or magnifying glass that reveals hidden gems throughout the built environment”. KIM, Demie. An Artist’s Augmented Reality App Reveals Virtual Art across Miami, and Incites Imagination. Artsy. 31 de julho 2016. Disponível em: https://www.artsy.net/article/artsy-editorial-this-augmented-reality-app-reveals-art-in-public-spaces. Acessado em: 1 de agosto de 2016. 58

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No caso do primeiro, o encontro com os pokémons e no segundo, com as obras de arte. A surpresa intensifica a experiência e a torna uma lembrança também mais intensa. Nenhum dos dois interfere concretamente no espaço da cidade, ou seja, não deixa marcas físicas, e ainda assim ambos são capazes de transformar a maneira de perceber e reconhecer o espaço. Dessa forma, transforma-se não o espaço físico, mas as imagens mentais que se fazem dele. Essa transição do olhar que a realidade aumentada é capaz, pode mudar completamente o modo como observamos e interagimos com o espaço, criando novas referências e novas memórias associadas agora a uma camada não física, mas digital. E para alcançar esse nível de imersão, diferente dos video-games do passado, que implicavam em uma postura passiva do jogador, a diversão do Pokémon Go é justamente se colocar no espaço da cidade, ser um jogador ativo não só virtualmente, mas também e acima de tudo, fisicamente. Por isso, é inevitável o ato de caminhar, incentivado tanto pelo Pokémon Go, quanto pelo Lapse. Em especial, para os milhões de usuários do Pokémon Go, a necessidade de sair às ruas, às praças e parques é um incentivo à formação de comunidades que extrapolam os limites do virtual e ganham a realidade. Na união do caminhar pela cidade, por lugares conhecidos ou dsconhecidos, com a surpresa e ansiedade do encontro, modifica-se a experiência do deslocamento no espaço. No entanto, para desenvolver os mapas, os criadores do “aplicativo-fenômeno” adaptaram a base de dados de geolocalização construída a partir de dois anos de acumulação de informações geradas pelos ususários do Ingress, outro jogo lançado em 2013 pela Usuários do jogo de realidade aumentada Pokemón própria Niantic. Com um princípio de Go! interagindo com o jogo em grupo: paradoxo?

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programação semelhante, mas em fase de testes, o Ingress ajudou a mapear todos os lugares que os jogadores julgavam ser propícios para criar e controlar portais de energia – objetivo do jogo. Ou seja, através dos passos e dos caminhos traçados pelos usuários do aplicativo foi possível estabelecer padrões de deslocamento de pessoas em todo o mundo. Isso não é novidade se pensarmos que o Uber também se utiliza dessa estratégia, assim como o Google, o Facebook e tantas outras grandes empresas do setor de tecnologia. Ou seja, essa situação mostra que a informação digital é, portanto, altamente dependente de inputs do meio físico. A matériaprima dos dados veiculados na rede são, dessa forma, materiais ou, no mínimo, oriundos e manisfestados no espaço físico. Essa estreita relação de retroalimentação entre virtual e físico, digital e não-digital destaca padrões de interações cotidianas em diversos aspectos, como por exemplo, diferenças culturais e socio-econômicas expostas e marcadas no espaço físico, contribuindo para a recíproca influência que convenções abstratas têm sobre o espaço concreto e vice-versa. Assim, na mesma medida em que esse mapeamento torna evidente áreas com maior ou menor interesse para o posicionamento de uma pokéstop ou ginásio pokémon, também mostra a desigualdade espacial existente em tantas cidades. Em contrapartida, é uma visualização clara dos lugares com maior acessibilidade à conexão de internet. E faz surgir a questão sobre como o espaço pode ser interpretado por diversos pontos de vista. Para aqueles que têm o poder aquisitivo para ter um smartphone, a visão de mundo pode ser distinta daqueles que não têm acesso a essa tecnologia. Mas ainda assim, com um ápice de 25 milhões de jogadores ativos diariamente logo que foi lançado, o Pokémon Go se destaca por ter conseguido tal feito em pouco tempo. Mesmo com uma queda de público, o frenesi global causado pelo jogo possibilitou a emergência de um fenômeno mundial, nunca visto até então por um aplicativo de realidade aumentada, levando a crer que a tecnologia tem potencial de crescimento e adesão em massa. O Pokémon Go abre as portas de um futuro que pode atingir e, a seu modo, já está afetando, em cheio o espaço da arquitetura e da cidade e a forma como lidamos com o espaço físico construído.

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No contexto contemporâneo da hipermobilidade, qual o papel da casa, do bairro, da unicidade local quando se pode viajar o mundo e “viver” em diversas cidades? Fundado em 2008, em São Francisco, no Vale do Silício, berço das inovações tecnológicas desde a invenção dos computadores pessoais, o Airbnb tem como princípio a lógica do trânsito, da viagem para qualquer lugar do mundo. É talvez a síntese da hípermobilidade do século XXI, com o slogan “Não vá para Paris, viva em Paris...”, “Não vá para Tóquio, viva em Tóquio...”, “Não vá para Nova York, viva em Nova York... mesmo que seja apenas por uma noite”. Assim como outras empresas, como o Facebook e o Uber, que são baseadas na conexão de pessoas através da rede invisível da internet, o Airbnb não tem propriedade sobre as instalações de temporada anunciadas em seu site ou no aplicativo, mas provê o sistema que conecta residentes e hóspedes do mundo todo, sem as burocracias de um hotel convencional. Assume-se que essa é a lógica de funcionamento das empresas bem sucedidas no século XXI. A particularidade vendida pelo Airbnb, e talvez o segredo do seu sucesso e expansão – atualmente possui mais de dois milhões de acomodações disponíveis em 191 países – é a possibilidade de se hospedar em casas de moradores locais, o que por si só garantiria a experiência real de uma rotina local, diferente daquela experienciada pelos turistas hospedados em hotel. Esse caso em especial permite a interlocução com outros dois conceitos, apresentados por dois dos autores estudados Imagem de propaganda da empresa, com o slogan “Sinta-se em casa em qualquer lugar”. aqui: Zygmunt Bauman e Rem Koolhaas.

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O primeiro aborda a figura do estrangeiro em dois de seus livros, Globalização: as consequências humanas (1998) e Confiança e Medo na Cidade (2009) como uma realidade a qual é consequëncia direta da tendência globalizadora de mobilidade em escala mundial. Outro efeito exposto pela onipresença do estrangeiro é a diferenciação entre aqueles que viajam por escolha, os turistas, e aqueles que são obrigados a deixar sua cidade natal por conflitos ou por falta de opção, os vagabundos, o que poderíamos supor que se encaixa no perfil dos refugiados. O segundo apresenta o hotel como edificação característica da Cidade Genérica (1994). Como edificação-símbolo dessa cidade contemporânea, Koolhaas (2010) defende que estamos todos condenados ao trânsito e por isso, a acomodação provisória, temporária do hotel seria a resposta mais adequada para abrigar essa população móvel. Juntando essese dois conceitos de estrangeiro e do hotel, econtramos a razão de ser do Airbnb, que promete a vivência de uma experiência “local” para um turista não tradicional. Mas o fato é que para esse turista ser hospedado o residente tem que deixar sua casa, ou seja, o local também se torna um estrangeiro quando sai da sua rotina para ceder sua moradia a terceiros. Esse movimento gera uma mobilidade não só em escala global, mas também local e coloca em questão a tal “experiência local” prometida pela empresa, até porque já existem casos de pessoas que alugam apartamentos no Airbnb como negócio e não como forma de hospedar alguém pelo prazer da troca cultural em si. Essa modificação de valores em função do business da hipermobilidade e do turismo em massa disfarçado de experiência local evidencia a fragilidade da propaganda, que encanta à primeira vista seu público alvo, os turistas. O fato é que a lógica do movimento nunca é unilateral, para um se mover, outro deve abrir espaço e portanto também deve se mover para algum outro lugar. Isso pode ser bom ou ruim, dependendo do ponto de vista, mas a questão é que se o hotel é o abrigo modelo da contemporaneidade, não há mais necessidade de se fixar em lugar nenhum, o mundo é a nossa casa e as acomodações do Airbnb podem ser nossas casas temporárias, onde aparentemente podemos ter uma rotina local e não turística. Será mesmo? O que as imagens abaixo mostram como parte desse viver em um lugar novo, “mesmo que só por uma noite”, reflete o que Koolhaas chamou de genérico.

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Seria, então, o resultado de uma espacialidade genérica, uma experiência genérica? Se essa experiência é genérica ou não, alguns usuários poderão concordar ou discordar, o fato é que se trata de uma experiência em si, que inclusive é vendida pela própria marca como um acréscimo de valor. Essa “economia da experiência”, que no caso do Airbnb está diretamente associada ao turismo local em escala global – já que até o ano passado já havia quartos da franquia disponíveis em mais de 34 mil cidades ao redor do mundo – é o que o crítico de arte Propagandas do Airbnb veiculadas com a linguagem Jonathan Crary cita mais de uma vez (2014, visual que lembra a rede social de fotos, Instagram. 59 Essas imagens induzem estilos de vida de turistas 2013) em relação à espetacularização e agindo como locais, num retrato claro de experiência comodificação de experiências. agradável e feliz, mas que também levanta a questão da superficialidade e até montagem dessas vivências e Por falar em economia, o Airbnb não é momentos aparentemente perfeitos. de todo inovador, levando em consideração que sua nomenclatura deriva do tradicional conceito de B&B, ou Bed & Breakfast. com a lógica de uma hospedagem local em pequenas casas de família por um baixo custo. A diferença é que o Airbnb se apropriou da internet, como forma de atualizar esse serviço. E se tornou uma das empresas mais bem-sucedidas no ramo da “economia compartilhada” ou “economia colaborativa”, da qual também surgiram o Uber, Vélib entre outras. A lógica agora não é mais de posse, mas de troca, de compartilhamento. A questão que surge, no entanto, é se esse compartilhamento é mesmo espontâneo ou se é incentivado por um marketing digital massivo e disfarçado de “experiências” insubstituíveis e memoráveis. Para essa questão – assim como para, possivelmente, todas as questões desta pesquisa – não há uma resposta única. Pode ser que

59 Crary, Jonathan. 24/7: capitalismo tardio e os fins do sono. São Paulo: Cosac Naify, 2014. E Crary, Jonathan. Suspenções da percepção: atenção, espetáculo e cultura moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

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usuários tenham experiências realmente incríveis, em contato direto com a cultural local, mas também pode ser que outros não levem as mesmas lembranças positivas de um determinado lugar. Mas nesse aspecto, a subjetividade da experiência da viagem não é o foco deste trabalho. Por isso, vamos deixar essas questão de lado por um momento. O que interessa em relação ao marketing digital usado pelo Aribnb é a sua capacidade de criar expectativas sobre uma experiência e, nesse sentido, a infinidade de possibilidades que a virtualidade permite é implantada e explorada com maestria. Quando um novo usuário acessa o site do Airbnb e, em uma busca rápida, se depara com imagens de pessoas sorrindo, famílias aparentemente felizes e se divertindo em cidades do mundo todo, logo ele irá associar essa experiência do lugar com sensações positivas, gerando inevitavelmente uma expectativa. Consequentemente, no momento da viagem em si, aquele ususário vai buscar aquela memória da expectativa, aquelas imagens mentais que foram vendidas para ele e tentar procurar pelas mesmas experiências. Em seus passeios locais, em seu contato com o host, 60 a expectativa vai estar lá à espera de ser correspondida, o que faz com que seu olhar já esteja de certa forma “corrompido”, e talvez até viciado, mesmo sem nunca ter visitado aquele lugar antes – ao menos não fisicamente. Esse é um exemplo da influência das TIC na prática, em que a noção de “descoberta” se perde em meio a tantas informações que prometem antecipar sensações e desejos condicionados ou pré-estabelecidos.

60 A figura do host surge como um novo personagem nesse cenário e abrange o papel de ora morador de sua residência, ora anfitrião de seus hóspedes, na sua própria casa.

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Imagens estereotipadas de turistas tradicionais veiculadas nas propagandas do Airbnb, como forma de salientar que esse é o tipo de turismo não visado pela empresa. Muito pelo contrário, a mensagem passada é de que através do Airbnb o visitante vai usufruir de uma experiência diferente, menos superficial.

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PROBLEMATIZAÇÕES PARA A ARQUITETURA


Entendendo os tipos de espaço

“Aqui se defende que não há uma substituição, ou mera suplementação, entre o espaço material e o virtual, mas que essas ‘bolhas’ estariam explodindo e engendrando-se nas fissuras mínimas dos espaços cotidianos, abrangendo do mundo telecomunicacional às mais corriqueiras atividades que se dão em ambientes materiais” 61 . Fábio Duarte, Crise das matrizes espaciais

Ainda que, em determinando momento, tenha se acreditado na substituição ou suplementação do espaço físico pelo espaço virtual, essa não será a postura adotada nesta pesquisa. Ao contrário, a investigação parte do estudo de manifestações atuais, como as citadas no capítulo anterior, com o objetivo de refletir sobre questões relativas à emergência de espacialidades contemporâneas construídas pela confluência entre virtualidade e o espaço físico. Nesse contexto, um dos focos da pesquisa é a resignificação da noção de proximidade e distância que surge no século XXI, em relação ao deslocamento físico e mental, comandada pelo senso de orientação no espaço, a partir de informações virtuais e abstratas. Sobre o espaço físico se coloca a dimensão do virtual, facilitada e mediada pelas tecnologias digitais; é a dinâmica relação entre o espaço físico material e o espaço virtual imaterial tornada evidente nessa citação de Bauman: “Sobre esse espaço planejado, territorial-urbanístico-arquitetônico, impôs um terceiro espaço cibernético do mundo humano com o advento da rede mundial de informática.” 62 . Mas como vimos no capítulo

anterior, a construção do espaço virtual também é diretamente informada por dados físicos e geográficos. É uma via de mão dupla. As espacialidades contemporâneas emergem justamente nesta confluência, na qual virtual e físico estão mesclados e se confundem, se complementam.

61 DUARTE, 2002, p. 237. Essa posição contrapõe o que Paul Virilio e Christine Boyers defendem sobre a relação entre os espaços virtual e concreto, em referência à definição do conceito de ciberespaço. “Enquanto Christine Boyers (1996: 242) refere-se ao ciberespaço como um ‘espaço eletrônico invisível’, que ‘substitui’ o espaço e a experiência urbana, Paul Virilio (1995: 356) considera os mundos virtuais como uma bolha que acrescenta ao espaço tridimensional, uma ‘dimensão suplementar do real’”(Ibid., pp. 236-237). 62

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BAUMAN, 1999, p. 24.


A questão que surge é: de que modo e por quais meios ocorre essa convergência entre o espaço territorial-urbanístico-arquitetônico e o cibernético? E para tentar responder a essa pergunta, é preciso entender de que forma o espaço é utilizado e interpretado, dentro da lógica espacial contemporânea. Para isso, este trabalho recorre aos conceitos filosóficos de espaço percebido, espaço concebido e espaço vivido propostos por Henri Lefebvre, em A produção do espaço (197463). Apesar de se tratar de uma referência teórica elaborada em um contexto histórico espacífico, a intenção é encarar esses conceitos do ponto de vista tanto físico, quanto virtual, expandindo e atualizando a aplicação original do filósofo francês, restrito ao espaço social. Essa tríade filosófica tem rebatimento direto com os termos espaciais de prática espacial, representações do espaço e espaço representacional, respectivamente, e contribuem para questionar a diluição das fronteiras entre o físico e o virtual. O primeiro conceito diz respeito às práticas sociais da realidade cotidiana individual impactadas pela realidade urbana coletiva, ou seja, aos hábitos diários de cada indivíduo no espaço físico, guiados por costumes ou padrões de comportamento social no convívio com o outro. O segundo traz a imagem do espaço, através do que Lefebvre chama de sistema de sinais verbais, com sua arquitetura, infraestrutura e elementos físicos capazes de transpor as várias formas de representação do espaço atreladas a noções universais de profundidade, distância, cor, textura, material. O terceiro conceito está ligado ao sistema de sinais não-verbais, segundo denominação do autor, na medida em que se baseia no conjunto abstrato de significados a partir das situações experienciadas no espaço material, isto é, interpretações dos sinais verbais e das dinâmicas espaciais, como encontros, discussões e acidentes. Esses três conceitos de espaço têm, em comum, a capacidade de identificar um tipo de espacialidade vigente, que nesse caso específico partiram da análise do espaço social. Para entender a espacialidade contemporânea, essa trilogia filosófica é particularmente útil, na medida em que possibilita a investigação teórica do espaço a partir da experiência do corpo. Dessa forma, também importante em tratando-se de uma experiência espacial, é considerar o corpo na convergência do físico e do virtual.

63 O ano de publicação da versão original em francês é 1974, mas a versão lida para esta pesquisa foi a tradução para o inglês, lançada em 1991.

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Para Lefebvre, a produção sócio-espacial é sempre resultado de uma experiência vivida coletivamente, aspecto comum ao que temos experimentado com as tecnologias digitais. Ou seja, é possível interpretar que a experiência individual do corpo em interação com o meio, seja ele físico ou virtual, também impõe certa noção de proximidade e interação com o outro, mais uma vez, físico ou virtual. Usando como exemplo a narrativa passada em Medellín, Colômbia, criada em Hyper-Reality (2016), por Keiichi Matsuda, uma pessoa está dentro de um ônibus e ao mesmo tempo em que está se movimentando fisicamente, sua mente, guiada pela visão, transita entre ligações e dados projetados digitalmente em sua frente. São camadas e mais camadas de informações baseadas nos lugares, nas pessoas e nas coisas que ela cruza o olhar, além de seus próprios anseios, como se “auto-ressetar”. Surge um aviso visual de que seu destino chegou. Ela desce do ônibus, agora seu movimento físico depende de seus próprios passos na rua, mas as camadas de informações continuam lá, visíveis somente para ela. Seu trabalho é fazer compras de supermercado para um cliente e para isso, ela depende de seus pontos virtuais. Já dentro do mercado, a projeção das informações digitais parece estar com defeito. Por alguns instantes, as imagens virtuais se apagam e ela fica paralisada, esperando sua conexão ser retomada: sem isso, ela não pode voltar ao trabalho. O sistema volta a funcionar temporariamente e ela é avisada de que precisa ter sua identidade verificada em local especificado para ajustar seus pontos. No meio do caminho em direção ao tal local, ela sofre um ataque físico, identificado digitalmente como um estímulo para se “auto-ressetar”. Por isso, ela perde seus pontos e, com a mensagem de “reiniciar” ativada, seu sistema é desligado automaticamente. Em aparente desespero, enxergando nada além do espaço físico sem as camadas digitais e esperando seu sistema ser reiniciado, ela atravessa a rua. Com a reconfiguração de seu novo sistema, as projeções virtuais retornam justamente no momento em que, se depara com uma porta que, ironicamente, possui uma imagem religiosa na frente. As imagens digitais se sobrepõem à estátua religiosa com promessas de um novo recomeço, de descoberta do seu caminho e da sua identidade através da religião. No momento do desespero, ela aceita a proposta apresentada ali e se junta à comunidade religiosa.

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Nesta narrativa, é possível identificar certa ironia e provocação de Matsuda, mesclando um questionamento atual da fragilidade da identidade humana diante de um cenário comandado pela virtualidade de sistemas digitais, em especial, de tecnologias como a realidade aumentada. No exemplo, as espaços percebidos, concebidos e vividos pela personagem principal poderiam ser interpretados com uma lente atualizada a partir dos conceitos dos tipos de espaços a que Lefebvre se refere e ir além, colocando em questão o virtual nesta nova dinâmica. Assim, pretendo propor uma atualização dos termos cunhados pelo filósofo, mas aplicados a um novo contexto, mais especificamente, o contexto que vem se delineando com mais força desde o início dos anos 2000. Começando pelo espaço percebido ou prática espacial: a pessoa de Hyper-Reality, decide descer do ônibus por um aviso virtual; mas por que aquele ponto e não outro qualquer? Talvez porque tenha sido programado de acordo com o seu sistema digital de georeferenciamento. O fato é que a partir do momento em que ela decide ir até o supermercado, sua rota já foi calculada da maneira mais eficiente e influenciada por uma série de fatores construídos coletivamente e transmitidos a ela por costumes definidos socialmente, mas programados digital e virtualmente. Isto é, sua atitude individual foi previamente determinada, entre inúmeras possibilidades, por convenções coletivas que acabam por impactar diretamente seus hábitos cotidianos guiados por projeções digitais à sua frente. Passando para a análise através do ponto de vista do espaço concebido ou representações do espaço, de acordo com os conceitos de Lefebvre: dentro do supermercado, quando seus sistema apresenta defeito e é desligado, pela primeira vez, ela enxerga seu espaço ao redor sem as camadas de imagens virtuais. Nesse momento, é possível perceber a diferença da representação do espaço com e sem projeções digitais. Para cada uma dessas opções, existem percepções diferentes de informação, de velocidade, de atenção, de profundidade, de tempo, de detalhe a ser visto, percebido, apreendido, assimilado e compreendido. A beleza disso é que esse processo pode definir uma experiência espacial particular com sensações e percepções diferentes. Sua interação com os sistemas de sinais verbais, como Lefebvre denomina, estavam sendo definidos

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de maneiras distintas em ambas as situações: a personagem se sentia desconfortável ao ter suas projeções desligadas. São as representações do espaço que informam sobre a sua posição no espaço e de acordo com a reação que ela teve, seus próximos movimentos só poderiam ser determinados caso seu sistema de realidade aumentada fosse reativado. Ela entrou em desespero, porque sem os comandos, sem as informações digitais, se percebeu desorientada. Por fim, em relação ao espaço vivido ou espaço representacional64 : na rua, depois de sair do supermercado para ir ao local determinado e ter sua identidade confirmada com o objetivo de ajustar o funcionamento de seu sistema, ela é atacada fisicamente por outra pessoa. Esse outro não é reconhecido digitalmente, por isso a identidade dele não é visível a partir da camada virtual. Fato que provavelmente não aconteceria caso ela não tivesse as camadas de informações e projeções digitais a sua frente. Essa interferência física afeta também a interpretação que o sistema digital confere ao ocorrido: entendido como uma ameaça, seu sistema de identificação é reconfigurado. O desespero toma conta de sua percepção. Ela se sente confusa e abalada tanto pelo ataque físico, quanto pela sua reconfiguração virtual. Sua experiência daquele momento e daquele lugar foi marcada, portanto, pelo contato com o outro, com o inesperado, afetando diretamente sua interação com o físico e com o virtual, simultaneamente. Nesse sentido, Lefebvre contribui com a investigação de dinâmicas atuantes sobre qualquer indivíduo pertencente a uma sociedade, aplicado no contexto de hoje com atualizações. A começar pela introdução da virtualidade, possibilitada pelas tecnologias digitais acessíveis em diversos formatos e, atualmente, de qualquer lugar. Também é preciso entender que o contexto a que o filósofo se referiu ao escrever seu livro, publicado originalmente, em 1974, com conotação política e direta influência marxista, é diferente: o uso do termo produção talvez não se aplique nos dias de hoje da forma que foi pensada originalmente. Em substituição à palavra produção, talvez pudéssemos pensar em, programação, ou programação do espaço. No entanto, se há correlações, duas delas estão expressas nessa frase de Fábio Duarte (2002), a partir de uma leitura da teoria da produção do espaço de Lefebvre: “[Espaços sociais] São espaços compartilhados, que possuem a orientação de sua vivência gravada em seus objetos e condutas. [...] que vão dos ambientes domésticos aos Estados nacionais” 65 . Se estendermos essa consideração aos efeitos e à abrangência

das TIC na contemporaneidade, podemos relacionar esses objetos e condutas, aos dispositivos

Aqui, vou me restringir à análise das dinâmicas no interior da cafeteria, mas também poderia analisar o percurso mencionado anteriormente. 64

65

80

DUARTE, 2002, p. 39.


móveis, como smartphones por exemplo, e a conduta que nós, indivíduos vivendo no século XXI, temos estabelecido com eles, contribuindo para delinear padrões de comportamento coletivo. Isso quer dizer que a imersão nas espacialidades emergentes a partir da convergência entre o mundo virtual e o mundo físico, têm sido uma conduta comum a milhões de pessoas ao redor do planeta, como ficou explícito nas séries fotográficas mostradas no primeiro capítulo e de forma ainda mais acentuada na narrativa de Hyper-Reality (2016). Isso nos leva à necessidade de entender melhor o significado por trás do termo ciberespaço.66 Se o contexto contemporâneo é diferente da segunda metade do século passado, como chegamos a esse ponto? Se atualmente vivemos um ou mais tipos distintos de espacialidades, é porque por algum motivo, ela foi sendo modificada. Aqui, é importante manter em mente que as mudanças de percepção espacial não acontecem de forma abrupta, do dia para a noite. É necessário um processo de adaptação. Uma adaptação da nossa capacidade cognitiva de ver, perceber, apreender, assimilar e compreender o espaço. Mas se conseguimos “ver” espaços que não estão imediatamente próximos de nós, no sentido de uma proximidade física, nossa capacidade cognitiva se expande para além das sensações do corpo, para as percepções da mente. E, assim como os espaços percebido, concebido e vivido são complementares e simultâneos, as sensações do corpo e as percepções da mente também o são, se alternando e construindo leituras espaciais. Estamos simultaneamente vivendo no espaço físico e no ciberespaço, com alterações cognitivas, comunicacionais e subjetivas altamente impactantes sobre a arquitetura. Nesta pesquisa, o caráter político da teoria de Lefebvre sobre a produção do espaço não é o foco principal, por isso optou-se por uma aproximação e interpretação desses termos espaciais, que levaria a uma atualização de tais conceitos e permitiria enxergar similaridades da aplicação da tríade de Lefebvre aos dias de hoje, somando à equação o fator da onipresença do ciberespaço. Lembrando que a existência desse espaço virtual, facilitado pelas tecnologias digitais, é ainda dependente dos meios não-digitais, o que reforça a mútua relação entre a materialidade do espaço físico com a virtualidade do ciberespaço. Em relação à prática espacial, às representações do espaço e aos espaços representacionais, como conceitos filosóficos aplicados ao espaço social, a partir de Lefebvre, podemos acrescentar as novas dinâmicas próprias da confluência do espaço virtual com o espaço físico, ou seja, próprias das espacialidades contemporâneas.

66 Termo cunhado pelo escritor William Gibson, em seu livro Neuromancer, um dos precursores do gênero ciberpunk, originalmente publicado em 1984. Ver ciberespaço na coletânea de termos.

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Situando corpo, movimento e evento

“Espaços de movimento – corredores, escadas, rampas, passagens, soleiras; é aí que começa a articulação entre o espaço dos sentidos e o espaço da sociedade, as danças e os gestos que combinam a representação do espaço e o espaço de representação. [...] Os corpos não somente se movem para seu interior, mas produzem espaços por meio e através de seus movimentos. Movimentos – de dança, esporte, guerra – são a intromissão dos eventos nos espaços arquitetônicos” 67 . Bernard Tschumi, Arquitetura e limites I

Considerando os tipos espaciais explicitados anteriormente, que permitem questionar sobre a emergência de tais espacialidades contemporâneas, seguimos agora pela investigação da relação dos nossos corpos com esses espaços. Bernard Tschumi (1980)68 aborda as diversas formas de interatividade do sujeto através dos conceitos de espaços de movimento e de evento.Em busca da essência da arquitetura, o arquiteto explicita, em sua série de artigos Arquitetura e limites (19801981), sua inquietação e seu entusiasmo sobre o espaço. Em busca da essência da arquitetura, ele propõe que a verdadeira materialidade da arquitetura “está em seus sólidos e vazios, em suas sequências espaciais, suas articulações e colisões”69 . Ou seja, essa afirmação pressupõe a ideia de movimento do corpo e sua dimensão temporal no espaço. Na sua definição de espaço como movimento, ele pondera sobre a permanência da tríade vitruviana de venustas, firmitas e utilitas na arquitetura ao longo dos séculos. Seriam essas condições, “possíveis constantes arquitetônicas, os limites intrínsecos sem os quais a arquitetura não existe? Ou sua permanência é a consequência de um mau hábito mental, de uma preguiça intelectual que persiste através da história?” 70 . A partir de uma

crítica ao modernismo, que se viu pressionado a romper com a trilogia vitruviana, ele defende a ideia de que longe de ser apenas uma representação mental e abstrata, o espaço pode ser

67

TSCHUMI apud NESBITT, 2006, p. 181.

Apesar do contexto da década de 1980 ter servido de inspiração para Tschumi propor tais conceitos, seus questionamentos e indagações se mantêm atuais ao contexto das primeiras décadas deste século. Por isso, seus textos foram escolhidos como referências teóricas possíveis de serem aplicadas hoje em dia, assim como com os conceitos de Lefebvre.

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TSCHUMI apud NESBITT, 2006, p. 180.

70

Ibid., p. 179.


sentido e é onde se age. Para ele, é exatamente a articulação desse estímulo a agir combinado à capacidade de ser sentido que configura os espaços de movimento. Essa proposta de articulação entre as sensações do corpo e a cultura abstrata é evidência de que o material e o virtual também se articulam e mais do que isso, estão em constante conflito e fricção. Retomando o caso da pessoa em Hyper-Reality, ao atravessar as portas do ônibus, do supermercado, que separam interior do exterior, ela está passando por espaços de movimento, que conclama ao movimento do corpo, mas também gera a sensação do atravessamento, de transição de uma ambiência para a outra, que é, ao mesmo tempo, física e mental. Assim, Tschumi define o conceito de evento para arquitetura, através do desenrolar de atividades e ações, em que os corpos são responsáveis pela construção do espaço por meio do movimento e a arquitetura em si promove o movimento quando constrói espaços de passagens para que esses corpos possam se mover. Para ele, “a arquitetura pode ser definida como ‘a confrontação prazerosa e, às vezes, violenta entre espaços e atividades’ (TSCHUMI, 1998, p.4)” 71 , em que as atividades podem ser interpretadas como eventos de diversas naturezas, que ocorrem constantemente e simultaneamente, desestabilizando o espaço e, por consequência, a arquitetura. Aqui, articulação e confrontação são quase sinônimos na medida em que exprimem a relação tensa existente entre os corpos em movimento no espaço. Trata-se do problema da transgressão de fronteiras. Apesar de sua colocação se referir especificamente ao espaço construído, será que podemos transpor essa mesma tensão ao ciberespaço? Ou seja, na relação de movimento corporal e percepção mental entre o físico e o virtual? É provável que sim, dado que tanto o movimento no espaço construído, quanto no espaço virtual são complementares e geram instabilidades. 72 Aqui, é possível estabelecer uma conexão com os conceitos de Lefebvre (1991), no sentido de que Tschumi (1981) também interpreta o espaço a partir de sua própria tríade: a do espaço físico, social e mental, recorrendo a seus conhecimentos de teoria linguística, do pós-estruturalismo e da psicanálise. 73 Para ele, os espaços físico, social e mental equivalem à linguagem, à matéria e

71

FARINA; BARBOSA, 2010, p. 95.

É possível até mesmo dizer que existe uma interdependência entre ambos os espaços e suas dinâmicas, principalmente, do espaço virtual em relação ao espaço construído, como aponta Saskia Sassen (2013), quando enfatiza a ligação entre digital e não-digital.

72

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NESBITT, 2006, p. 178. 83


ao corpo, respectivamente, podendo de maneira esquemática corresponder às noções de espaço concebido, percebido e vivenciado, como o próprio autor destaca no ensaio Arquitetura e limites II (1981). No entanto, ele garante que, embora esses conceitos sejam “categorias de análise reais e convenientes” podem levar a “diferentes abordagens e diferentes modos de notação arquitetônica”. Por isso, Tschumi (1981) aponta o problema da articulação desses três espaços como sendo a principal questão da prática da arquitetura na contemporaneidade 74 . Ainda que ele não se refira diretamente à virtualidade, pode-se fazer um paralelo da linguagem como sendo o aspecto abstrato da tríade. E esse problema da articulação física, social e mental é perfeitamente adequado para se pensar sobre a relação tensa entre as fronteiras do espaço concreto e do espaço virtual. Talvez, na geração de movimento, na criação de espaços, segundo a lógica de Tschumi, na confrontação entre corpos, entre espaços e atividades, a noção de programação, em substituição à de, produção, seja mais apropriada. Para o arquiteto, o conceito de programa – assim como de conceito, contexto e conteúdo – se destaca na arquitetura e também é um dos principais tópicos explorados tanto em sua prática projetual como em sua pesquisa teórica, em que ele considera cenas e ações que podem se desenrolar no espaço. Mas esse é um termo bastante utilizado também pela área da computação, em que sistemas e aplicativos são decodificados e programados virtualmente, para responder a um determinado comando. Na definição de um programa arquitetônico, o arquiteto se propõe a tarefa de estabelecer a priori as atividades que acontecerão em determinado espaço, em contraposição à tradicional significação funcionalista do programa de necessidades. Espaço este delimitado por linhas no papel, à princípio, que são absolutamente virtuais, mas que representam uma materialidade física ainda a ser construída. O próprio processo de fazer arquitetura passa também pela articulação entre o material e o virtual. É o que diz Tschumi, quando afirma que a “arquitetura é vista como a materialização de conceitos, em oposição à materialização da forma. ((TSCHUMI, 2001, p. 11)” 75 . E na maior parte das vezes, se mantém somente na virtualidade dos desenhos no papel ou na tela do computador, não atinge concretude física, apesar de se concretizar como conhecimento.

Importante ressaltar que o texto foi escrito em 1981, porém o que Bernard Tschumi contextualiza como contemporâneo, se referindo às últimas décadas do século XX, pode ser entendido neste trabalho como fundamental para a construção das bases teóricas para o desenvolvimento da prática arquitetônica atual. Nesse sentido, a ideia de contemporaneidade aplicada aqui, não possui data exata de início, mas considerando que as questões colocadas desde os anos 1960 estão repercutindo até os dias de hoje com extrema relevância para abordar a arquitetura produzida atualmente, então a ideia de contemporâneo colocada por Tschumi ainda é significativa para o entendimento do contexto das primeiras décadas do século XXI.

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84

FARINA; BARBOSA, 2010, p. 96.


Transgredindo limites e fronteiras

“O jogo entre limites e transgressões parece ser regulado por uma dependência mútua. O limite não existiria se fosse absolutamente intransponível, e a transgressão seria inútil caso atravessasse um limite apenas ilusório e nebuloso. A transgressão leva o limite até seu próprio limite, mas não é uma violência nem uma vitória sobre o limite, é a intensa experiência do limite.Transgredir é traçar uma linha veloz capaz de fazer o limite emergir, de tornar o limite visível. O momento de transgressão expõe, portanto, a fronteira transgredida”76. Sônia Hilf Schulz, Estéticas urbanas

Quando Tschumi fala sobre os espaços de movimento, ao mesmo tempo, ele está se referindo às transgressões aos limites estabelecidos pela arquitetura no espaço. Ao desenhar as primeiras linhas no papel, em geral começa-se a definir limites e a criar espaços, que seriam estanques, estáticos caso não houvesse a transgressão dessas mesmas linhas, ou seja, caso não fossem criados também espaços de movimento. No primeiro ensaio da série, Arquitetura e limites I (1980), ele desenvolve a ideia de limite como sendo essencial para a prática arquitetônica, como a base para uma reflexão crítica das condições existentes da arquitetura. E afirma que as transformações pelas quais a disciplina está passando ainda são mal compreendidas. Justamente por se tratarem de mudanças recentes e profundas, ele se coloca a pergunta: “Até que ponto essas explosões, essas mudanças nas condições da produção de arquitetura deslocam os limites das atividades arquitetônicas a fim de se adequarem a tais mutações?”77 . Nessa passagem, é possível resgatar a

figura das bolhas explodindo, de Fábio Duarte, mencionadas no primeiro capítulo e associar as mudanças provocadas pelas revoluções ideológicas de maio de 1968, citadas por Tschumi, com

76

SCHULZ, 2008, p. 57.

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TSCHUMI apud NESBITT, 2006, p. 182. 85


as transformações que as tecnologias digitais estão trazendo para a sociedade do século XXI e, consequentemente, para a prática arquitetônica contemporânea. Nesse caso, a pergunta que ele faz em 1980 se mantém atual nos dias de hoje. De fato, quais seriam essas bolhas explodindo atualmente? Talvez possamos supor que em alguns anos pode ser que os casos apresentados aqui como deflagradores de questões, como o Pokémon Go, ou o Airbnb possam ser vistos como “divisores de água” na maneira como interagimos com o espaço que nos cerca e precursores no modo como transitamos entre o mundo virtual e o mundo físico. É possível que essas bolhas ou deflagradores já estejam em curso de modificação desses limites, de alteração das fronteiras entre o espaço construído e o ciberespaço. Para Tschumi (1981), uma possibilidade de alargamento da arquitetura é extrapolar esses limites através dos eventos, dos desenhos e dos textos, que, segundo o autor, “expandem as fronteiras de construções socialmente justificáveis”78 e fazem da arquitetura algo além da construção, para tornar-se conhecimento. E na articulação do virtual e do físico, por meio desses três aparatos – os eventos, os desenhos e os textos – o arquiteto tem certo domínio, considerando o desenvolvimento de sua capacidade de transitar entre um e outro de maneira (quase) natural. Nesse sentido, a própria noção de fronteira é evidenciada quando há a transgressão de seus limites, expondo sua passagem, sua vulnerabilidade, ao mesmo tempo em que é revelada sua origem e sua trajetória, como propõe Michel Foucault (2008). Aqui, a correlação existente entre a interpenetração dos espaços concretos e virtuais inerente à diseminação em massa de dispositivos móveis de comunicação conectados à rede, e a essência do fazer arquitetônico, articulando a abstração do desenho com a materialidade que virá a ser executada, parece mais fácil de entender. Em ambos, as fronteiras já não são mais claras. Os espaços já não possuem barreiras definidas. O físico estimula o virtual, tanto quanto o virtual incentiva e influencia o físico.

78

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TSCHUMI apud NESBITT, 2006, p. 178.


Construindo e ampliando territórios

“A territorialização é o ato do ritmo tornado expressivo, ou um dos componentes do meio tornados qualitativos. As qualidades expressivas são passagens que se deslocam dos componentes do meio para os componentes do território. A qualidade, ou propriedade, permanece funcional e transitória enquanto está vinculada a uma ação, porém adquire expressividade quando ganha constância temporal e alcance espacial, convertendo-se em uma marca territorial, uma marca territorializante, uma assinatura. Logo, não uma medida, mas um ritmo faz no território uma marca dimensional” 79 . Sônia Hilf Schulz, Estéticas urbanas

Nessa noção de transgressão das fronteiras considerou-se dois entendimentos possíveis: um físico, em termos de expansão e movimento territorial, que os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guattari80 conceituam como o processo de territorialização, marcado por constantes desestabilizações e estabelecido por configurações provisórias no tempo e no espaço; e outro abstrato, de ordem intelectual, que apresenta uma proximidade com o conceito de campo ampliado, sugerido originalmente pela crítica de arte Rosalind Krauss. Nessa comparação, território e campo se aproximam, contribuindo para o alargamento da noção de ambos os conceitos, com manifestações físicas e virtuais, geográficas e abstratas. Em seu artigo A escultura no campo ampliado81 (1979), ela propõe a ampliação dos campos em referência às esculturas produzidas desde a década de 1960, em especial às obras de sitespecific e landart, que já não comportavam a definição tradicional de escultura e se aproximavam de campos com a arquitetura e o paisagismo. Além disso, Krauss também constrói os binômios

79 80 81

SCHULZ, 2008, p. 60. Apud SCHULZ, 2008; apud HAESBAERT, 2005, 2016. Ver o termo na coletânea para maiores explicações. 87


‘não-paisagem’, ‘não-arquitetura’ e ‘não-escultura’ para conseguir ampliar a abrangência de cada um desses segmentos, nos quais Anthony Vidler se baseia para propor seus próprios termos, atualizando-os. Em seu texto O campo ampliado da arquitetura (2005), ele abrange mais diretamente a arquitetura, quando propõe quatro relações – arquitetura-paisagem, arquiteturabiologia, arquitetura-programa e arquitetura-arquitetura –, que atualmente seriam as principais combinações vigentes para a prática arquitetônica. Sobre essa ampliação do limites e das fronteiras, Bernard Tschumi (1988) diz que “a noção de limite é evidente na obra de [James] Joyce, de [Georges] Bataille e de Antonin Artaud, que trabalharam na fronteira entre a filosofia e a não filosofia, a literatura e a não literatura” 82 , o que de fato lembra a proposta de Krauss sobre as ideias de

‘escultura’ e ‘não-escultura’, na discussão do campo ampliado. A partir desse conceito de campo ampliado, a interpenetração de disciplinas e a colaboração com outras campos é fundamental para esta pesquisa, em que a visão de múltiplos ângulos e pontos de vistas se fazem importantes, como uma das características mais marcantes da lógica de rede. Se na arquitetura é impossível querer projetar ou exeperienciar o espaço e concomitantemente, questionar sobre sua natureza – o paradoxo da arquitetura proposto por Tschumi (1996), apresentado no primeiro capítulo – é possível que a simultaneidade de contradições não seja exclusividade da arquitetura e do urbanismo. É o que prova a historiografia da crise da modernidade e da autossuficiência do papel do planejador. Por isso, a importância e necessidade da arquitetura como disciplina se abrir para outros campos. E quem sabe também, essa seja uma condição básica para outras disciplinas e, por quê não, considerar que essa seja uma premissa inerente da nossa condição como seres humanos, vulneráveis ao espaço e ao tempo, e as dinâmicas de cada um? Nesse contexto de diluição de fronteiras, despertado de maneira avassaladora pela internet e pela ubiquidade das TIC, o conceito de territorialização sempre estará acompanhado pelo de desterritorialização e de reterritorialização. Não há como pensar na construção de um território sem suas permanentes desestabilizações, que emergem através de movimentos de desterritorialização e reterritorialização, num constante ir e vir, construir e destruir, em um fluxo que torna evidentes os contrastes entre dentro e fora, perto e longe, sem, contudo, demonstrar exatamente aonde estão localizados os seus limites. Quanto à identificação dessas características que nos auxiliam no deslocamento espacial e incentivam a formação de identidades territoriais,

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TSCHUMI apud NESBITT, 2006, p. 190.


Bauman escreveu sobre as distinções entre proximidade e distância, que contribuem para a emergência de novos paradigmas das espacialidades contemporâneas: “Próximo, acessível é, primeiramente, o que é usual, familiar e conhecido até a obviedade, algo ou alguém que se vê, que se encontra, com que se lida ou interage diariamente, entrelaçado à rotina e atividades cotidianas. ‘Próximo’ é um espaço dentro do qual a pessoa pode-se sentir chez soi, à vontade, um espaço no qual raramente, se é que alguma vez, a gente se sente perdido, sem saber o que dizer ou fazer. ‘Longe’ por outro lado, é um espaço que se penetra apenas ocasionalmente ou nunca, no qual as coisas que acontecem não podem ser previstas ou compreendidas e diante das quais não saberia como reagir: um espaço que contém coisas sobre as quais pouco se sabe, das quais pouco se espera e de que não nos sentimos obrigados a cuidar” 83 . Zygmunt Bauman, Globalização: as consequências humanas

É a lógica transparente e fluida da virtualidade, onde não há fronteiras, se inserindo no espaço concreto e ressignificando a nossa maneira de enxergar, perceber, interagir e compreender as espacialidades. Se atualmente “vivenciamos” lugares geograficamente distantes, mas que nos parecem próximos, devido à internet – tal como fazem o Airbnb e o Geoguessr, para citar dois dos deflagradores do capítulo anterior –, estamos fadados a encarar a acessibilidade promovida pelas tecnologias digitais como um alargamento de nosso âmbito familiar. Experimentamos espaços através da imersão virtual, que abalam as certezas do que é real e do que não é. Presenciamos obstáculos e maravilhas que podem ultrapassar as fronteiras do ciberespaço e ganhar concretude, se projetar no espaço físico. E é essa relação de perto e longe, que é colcada em questão, que permite novas territorializações, transgredindo os limites do físico e do virtual. Segundo essa lógica é que devemos questionar as maneiras de atuação do arquiteto frente à essa novas espacialidades que surgem de novas experiências físicas e virtuais.

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BAUMAN, 1999, p. 20. 89


Navegando pelo território

“A esta reterritorialização complexa, em rede e com fortes conotações rizomáticas, ou seja, não-hierárquicas, é que damos o nome de multiterritorialidade. [...] Multiterritorialidade (ou multiterritorialização se, de forma mais coerente, quisermos enfatizá-la enquanto ação ou processo) implica assim a possibilidade de acessar ou conectar diversos territórios, o que pode se dar tanto através de uma ‘mobilidade concreta’, no sentido de um deslocamento físico, quanto ‘virtual’, no sentido de acionar diferentes territorialidades mesmo sem deslocamento físico, como nas novas experiências espaço-temporais proporcionadas através do ciberespaço” 84 . Rogério Haesbaert, O mito da desterritorialização: do ‘fim dos territórios’ à multiterritorialidade

Segundo o geógrafo Rogério Haesbaert (2004), a internet e os meios de comunicação móveis trouxeram não o fim dos territórios, isto é, uma desterritorialização85 sem volta; mas na verdade, a implementação da rede sobre o território, no que ele chamou de território-rede, que pode ser constituído ao mesmo tempo por territórios geograficamente próximos, como também por territórios conectados em rede. Nessa nova configuração, surge o termo multiterritorialidade86 ou multiterritorialização, que compreende a simultaneidade de territórios e é capaz de incorporar diversos tipos espaciais. É justamente nesses múltiplos territórios que o mundo físico e o mundo virtual convergem e se dilatam; onde as fronteiras se diluem, os campos se mesclam e se complementam, as certezas se tornam líquidas, as percepções espaciais se transformam e uma nova espacialidade emerge.

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HAESBAERT, 2016, pp. 343-344.

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Ver o termo na coletânea para maiores explicações.

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Ver o termo na coletânea para maiores explicações.


Local e global agora se confundem, público e privado já não são valores ou espaços tão diferentes assim, dentro e fora ou perto e longe são relativos. As dicotomias do passado perdem força, entram em uma zona nebulosa em que não há estabilidade, só movimento. E cada vez mais movimento, cada vez mais veloz, cada vez mais dados circulando. Esse é o contexto do século XXI, a abundância de informações disponíveis e acessíveis a qualquer um com um smartphone, e a ubiquidade da internet e da facilidade de conexão em rede. Nesse mundo sem limites claros, muito possivelmente, sem fim, entra o fator do excesso, considerado pelo antropólogo Marc Augé (1994) como um sintoma da supermodernidade, da crise de representação no mundo contemporâneo. Em um cenário repleto de excessos – que lembra o conceito de junkspace ou espaço-lixo87 – ele diagnostica o surgimento de um tipo específico de lugar, o não-lugar,88 como por exemplo, autoestradas, supermercados e aeroportos, que estão também presentes no conceito de cidade genérica,89 de Koolhaas (1994) trabalhado no primeiro capítulo. Em comparação ao seu duplo, o lugar, onde sobra identidade, mas falta liberdade, segundo Fábio Duarte (2002), ao não-lugar sobra liberdade individual, mas falta identidade e sentido. Entre lugares e não-lugares, múltiplos territórios se sobrepõem alterando nossa percepção espacial, particularmente, em momentos de deslocamento no espaço. Ao navegar por essas multiterritorialidades, perdemos a clareza de onde estamos, nos desestabilizamos – como aconteceu com o exemplo de Hyper-Reality. No entanto, o arquiteto, em especial, desenvolve (ou deveria desenvolver) a habilidade de observar o território e sobre ele visualizar ou imaginar um mapa mental ainda não construído. Ou ainda de perceber o território como um todo, como num voo de um pássaro, a partir de uma rápida viagem aérea da mente, como forma de decodificar determinados signos dos sistemas de sinais verbais e não-verbais – para usar as expressões de Henri Lefebvre citadas no início desse capítulo – do território. Essa tendência de fazer uma leitura do território a partir de códigos espaciais, baseado em marcos e referências, é característica do pensamento humano, desenvolvido pela ótica de diversos campos e disciplinas e também pelas lentes da arquitetura. É possível até que essa seja uma estratégia de sobrevivência como forma de se orientar e se deslocar no território. Entretanto, para o

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Ver o termo na coletânea para maiores explicações.

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Ver o termo na coletânea para maiores explicações.

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Ver o termo na coletânea para maiores explicações. 91


arquiteto, essa estratégia se tornou racionalizada e institucionalizada. Esse pensamento é parte inerente à primeira tentativa “intuitiva” do arquiteto ler o território, para sobre ele ser capaz de projetar. Atualmente, e principalmente com o advento da internet e disseminação do uso de mapas online para a navegação no território – especialmente, por lugares desconhecidos – qualquer pessoa com conexão à rede tem a possibilidade de acessar essa visão aérea. Isso, pode ajudar outros indivíduos, que não somente arquitetos, a criar memórias visuais prévias que facilitem o descolamento espacial, no seu sentido físico. Assim, é benéfica a utilização de aplicativos como o Google Maps, por exemplo. Pois, de uma forma ou de outra, oferece oportunidade, a qualquer um com acesso ao aplicativo, de criar mecanismos de orientação no espaço, mesmo que ainda não se tenha visitado fisicamente esse lugar; tornar familiar e próximo algo que estava longe, que era desconhecido.90 Pela facilidade de acesso a tais aplicativos de georreferenciamento, sua utilização para se deslocar no espaço se tornou um recurso constante. Algumas pessoas, de forma geral, antes de tentar desvendar os códigos espaciais, interpretando os sistemas de sinais verbais e não-verbais pelo simples ato de andar, recorrem a mapas para não correr o risco de se perder, ou de cair no desconhecido. Ou seja, um dispositivo tecnológico acaba se transformando em um instrumento de quase dependência para se orientar no espaço, sem o qual, gera uma ansiedade que pode chegar a níveis de desespero, como exemplificado em Hyper-Reality (2016). Dependência essa que se baseia fundamentalmente na confiança depositada nessas tecnologias, tornandoas familiares ao nosso cotidiano. Aí entra um conceito oriundo da psicologia, cunhado por Sigmund Freud (1919), em seu ensaio Das Unheimlich, o estranho familiar, e trazido para a arquitetura por Anthony Vidler (1990). Como uma categoria especial e obscura do sublime, o estranhamente familiar “coloca em primeiro plano o corpo e o sujeito em relação à experiência vivida da arquitetura e da cidade. [...] é, portanto, o lado horripilante do sublime, o medo de ser privado da integridade do corpo”91 . Da forma como as tecnologias digitais vêm sendo utilizadas, o lado estranho do

estranhamente familiar tem sido evitado de todas as maneiras possíveis. Foi o que aconteceu com a personagem principal de Hyper-Reality (2016) ao ter seu sistema de realidade aumentada desativado: a tecnologia digital se mostrou estranhamente familiar, a partir da sua ausência.

E aqui vale enfatizar que, para muitos, a conotação de desconhecido é quase sinônima a de perigoso. Por isso, a possibilidade de quebrar com essa distância e desconhecimento permite a transformação de uma percepção do espaço, de modo a torná-lo mais dócil. 90

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NESBITT, 2006, p. 617.


Os aplicativos de mapas virtuais servem, assim, como um “amuleto” e, concomitantemente, como um “veneno”. Ao mesmo tempo em que aniquilam ou, no mínimo, tentam mascarar e controlar as surpresas da experiência física, incentivam a criação de expectativas e construções mentais comprometidas pelas imagens estáticas capturadas por câmeras superpotentes e transpostas para o virtual. Esse é o paradoxo de aplicativos como o Google Street View, por exemplo. Como um recurso virtual dependente de interfaces (ainda) estanques, em particular, a fotografia, ele não é capaz de capturar todo o dinamismo dos tipos de espaços atuantes nos lugares fotografados, apesar de trazer informações adicionais dificilmente disponíveis através da experiência puramente física. Esse é um reflexo do paradoxo da tensa relação entre o espaço físico, construído e o ciberespaço, que ao convergirem fazem emergir novas espacialidades e novas formas de perceber tais dinâmicas. Talvez, daqui a alguns anos, essa fricção seja intensificada pela evolução das tecnologias digitais, do avanço da Internet das Coisas e das técnicas de realidade aumentada ou não. Por ora, ainda estamos vivendo essas modificações. Quem sabe com certa distância histórica, poderemos retomar essa discussão. Ainda assim, por mais que se queira ter domínio total ou uma sensação de comando sobre o território, sobre os dados, através de recursos tecnológicos de posicionamento geográfico de última geração, a experiência do deslocamento no espaço em si, na sua concretude física, não é controlável. Encontros e situações inesperadas acontecem e surpreendem. Objetos, coisas, pessoas e lugares familiares podem se tornar estranhamente familiares a partir de tais acontecimentos. Sob a lógica de um transeunte usuário e, até mesmo dependente, de mapas online, qualquer situação imprevista pode ser tida como uma experiência negativa. Mas quando se está aberto a situações inesperadas, que nunca poderão ser antecipadas ou previstas por qualquer aplicativo tecnológico que seja, novas leituras e novas referências espaciais surgem, sobrepondo-se àquelas já pré-concebidas virtualmente. Essa é a postura talvez mais coerente com a confluência do virtual e do físico. Se as tecnologias digitais forem usadas de maneira cuidadosa e consciente, elas são capazes de expandir a percepção do espaço. Postura essa que se praticada pelo arquiteto pode levar a uma leitura inteiramente nova do espaço, do território e do lugar. Modificando-se essa leitura, modifica-se o pensamento e quem sabe, também a forma de se enxergar, pensar e propor arquitetura hoje.

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Nesse cenário, o arquiteto pode procurar equilibrar as vantagens proporcionadas pelas tecnologias digitais, sem se deixar levar por sua imersão total, a ponto de se deixar manipular. De certa forma, é saber equilibrar consciência crítica, ou seja, um saber prévio do poder de influência das TIC, com as facilidades que o virtual, atrelado às tecnologias digitais, pode trazer. Como por exemplo, ao visitar um terreno de projeto pela primeira vez: a internet possibilita um contato primeiro antes mesmo da visita física, o que garante uma familiarização com o lugar, com informações sobre a história, a demografia, os dados estatísticos, entre outros; no entanto, devido às limitações tecnológicas ainda vigentes, sentir a atmosfera do lugar e perceber sua dinâmicas vai exigir atenção plena e sensibilidade na visita física. Assim, a informação prévia proporcionada pela tecnologia digital e a sensibilidade da experiência física podem ser um caminho para um entendimento mais aprofundado do terreno, do lugar, do território, do espaço.92 Dessa maneira, aprender a dosar as formas tradicionais de observação e deslocamento com as novas possibilidades virtuais de navegação no espaço pode ser uma postura emergente a partir das espacialidades contemporâneas. Ainda assim, se o paradoxo da arquitetura, de acordo com Bernard Tschumi (1996), existir, é muito provável que a nebulosidade entre virtual e físico, entre ciberespaço e espaço construído só ajude a complexificar ainda mais as relações de sentir o espaço e pensar sobre ele, simultaneamente. Está aí um dos maiores desafios que a inserção das tecnologias de comunicação e de informação impõe sobre a percepção espacial para qualquer indivíduo, mas com maior intensidade ainda, para àqueles que trabalham com a projetação do espaço, nós, arquitetos. Já me aproximando do final desta pesquisa, caminhando para as considerações finais, 93 me pergunto a que conclusão cheguei depois desse percurso de intensa investigação crítica e teórica. Eu não tenho uma resposta conclusiva, essa é a verdade. Mas entre tantas dúvidas e incertezas, que não diferem muito do cenário global, posso dizer que encontrei alguns insights, divagações livres sobre o impacto que todas essas mudanças para nós, arquitetos, que compartilho a seguir.

Mesmo que atualmente já tenhamos sido alforriados dessa obrigação de contextualizar toda e qualquer instalação física, seja ela arquitetônica, artística ou de outra natureza, como provocou Koolhaas em vários textos, como Cidade genérica (1994), Bigness (1994) e Junkspace (2001) em que afirma que o contexto já não tem mais importância diante do cenário genérico das cidades contemporâneas. 92

Ainda que elas sejam chamadas de conclusões finais, porque estão na parte final do texto, seria mais adequado falar em abertura de um diálogo pertinente à arquitetura; poderiam ser, com isso, proposições de discussão e debate a partir das questões abordadas por esta pesquisa.

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Considerando diálogos

Herdamos do Renascimento, um processo racional de projeto. Os desenhos bidimensionais de plantas, cortes e fachadas, desenvolvidos por Filippo Brunelleschi (1377-1446), se utilizam de uma conversão em escala das dimensões reais para representar a arquitetura a ser construída. E, essas inovações estabeleceram um novo método de trabalho para o arquiteto, que se tornou responsável pela fase da criação e desenvolvimento do projeto, diferente da mão-de-obra, que executa a obra. É a partir do século XV, que o ofício da arquitetura ganha autonomia e certa mobilidade de atuação:

“Nos primeiros decênios do século XV, alguns artistas florentinos – arquitetos, escultores e pintores – descobrem uma nova maneira de projetar os edifícios, de pintar e de esculpir, que muda a natureza do trabalho artístico e suas relações com as outras atividades humanas. [...] Ao mesmo tempo se modifica sua posição profissional; eles já são especialistas de alto nível, independentes das corporações medievais e ligados aos comitentes por uma relação de confiança pessoal.Tornamse agora especialistas autônomos, desligados da comunidade da cidade, e aptos a trabalhar em qualquer local aonde sejam chamados (Brunelleschi é enviado em 1434 para Ferrara e Mântua; Paolo Uccello trabalha em Veneza de 1425 a 1430). [...] Deste modo, a arquitetura muda de significado: adquire um rigor intelectual e uma dignidade cultural que a distinguem do trabalho mecânico, e a tornam semelhante às artes liberais: a ciência e a literatura” 94 . Leonardo Benevolo, História da cidade

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BENEVOLO, 2011, pp. 401-403. 95


A racionalização do ofício do arquiteto contribuiu para a criação de códigos específicos, como os desenhos técnicos. Desenhos esses, que só podem ser decifrados por arquitetos e engenheiros treinados a lê-los e interpretá-los. Em suma, a arquitetura desenvolveu uma linguagem própria e altamente abstrata, virtual. Essa abstração constitui um tipo de virtualidade diferente das tecnologias digitais. Nesse sentido, os desenhos arquitetônicos exigem certo grau de imaginação para enxergar espaços construídos, que ainda não foram realizados. Essa é, justamente, a definição de possível, segundo o filósofo Pierre Lévy (1996), que faz parte de seu argumento para desconstruir a oposição entre real e virtual. Alegando que real se opõe e se assemelha ao possível, ele diz que o virtual tem como complementar, o atual. Na medida em que o processo de realização é a concretização de uma possibilidade já construída conceitualmente de natureza estática, o processo de atualização, por outro lado, se apresenta como a invenção, a criação de uma forma, que surge a partir de forças dinâmicas invisíveis e fluídas, ou seja, a partir do virtual. O que Brunelleschi fez foi a virtualização da arquitetura. Ele estruturou e padronizou um processo de retorno às problematizações do virtual em busca de atualização constante. O que me deixa inclinada a dizer que a arquitetura é uma permanente negociação entre virtual e atual, mas com a computação eletrônica e os programas digitais de desenho, principalmente, os de fabricação digital e das impressoras 3D, também há a transição do possível para o real. No entanto, a condição de vir a ser, tanto do virtual quanto do possível, é similiar e pode levar a alguma confusão inicial. Poderia se supor, então, que os desenhos arquitetônicos podem ser virtuais e possíveis. Talvez. E essa é uma discussão interessante, que coloca em questão a própria noção tradicional de projeto. A pergunta que surge é: será que existe alguma situação em que um desenho de arquitetura é, ao mesmo tempo, virtual e possível. Segundo Lévy, isso não é concebível, já que o virtual é um emaranhado de questões em constante ebulição à espera da atualização, enquanto o possível, é uma construção imutável pronta para ganhar realidade. Entretanto, como o mesmo filósofo aponta: “A virtualização é um dos principais vetores da criação de realidade” 95 , o que leva a crer que virtual, atual, real e possível estão todos interconectados e se complementam de maneira inexplicável. Quando levada para o campo da arquitetura, essa confusão é pertinente e oferece uma oportunidade de se desnaturalizar a ideia enraizada de projeto. 96 Para tanto, é preciso pensar nos desenhos técnicos, como uma virtualidade ou como um possibilidade. No meu entendimento, aqueles desenhos que 95

LÉVY, 1996, p. 18.

Essa questão é abordada na palestra “Project or practice?” de 2011, proferida por Peter Einsenman, na Universidade de Syracuse, EUA (Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TnyJRYyuhHU&t=3082s> Acessada em: 23 de julho de 2016). Ele argumenta que em sua visão, a prática envolve o dia a dia da profissão, com os afazeres necessários para de fato fazer arquitetura; no entanto, projeto tem uma conotação diferente do que estamos acostumados a aprender na faculdade. Em seu entendimento, projeto está relacionado a ter uma pauta ou uma agenda maior que guia as ações práticas do arquiteto. Assim, para Einsenman, o verdadeiro arquiteto é aquele que tem um projeto e não somente a prática. 96

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sugerem problematizações de ideias, podem ser chamados de virtuais, por evocar imagens de forma indefinida, e aqueles, que indicam puramente soluções prontas, com sugestões formais estáticas, constituem as possibilidades. Ambos fazem e devem fazer parte da arquitetura. No entanto, o que esta pesquisa pretende problematizar é que a noção de projeto talvez possa ser aplicável apenas àqueles desenhos virtuais, que pressupõem o desenvolvimento de múltiplas alternativas conceituais e formais em resposta à questões diversas, enquanto os desenhos possíveis podem ser parte inerente da prática arquitetônica, que é a mera aplicação das técnicas aprendidas durantes os anos de formação do arquiteto. Essa é uma das questões primordiais investigadas aqui, porque se trata da relação problemática entre o pensar e o fazer arquitetônicos, entre a concepção abstrata da ideia e sua transposição para a concretude física. A correlação existente entre realização, atualização e virtualização que tem se tornado cada vez mais evidente com a emergência das espacialidades contemporâneas na convergência do virtual e do físico, coloca em questão essa mesma correlação na arquitetura. No processo comunicacional da arquitetura, em que a mensagem é a arquitetura em si, emissor e receptor se alternam constantemente, em geral, sendo o arquiteto o emissor inicial e o usuário como receptor final. Logo, se o meio é a mensagem como propõe Marshall McLuhan e Quentin Fiore (1967), devemos ficar atentos aos ruídos que estão sendo trasmitidos hoje em dia pela arquitetura diante desse cenário. Considerando ainda que esse ruídos, da mesma forma que os deflagradores de questão, podem ser sinais de que mudanças estão em curso, a alienação a eles já não deve ser encarada como um postura aceitável. Se, retomando Tschumi (1981), o principal problema da arquitetura contemporânea é justamente a falta de articulação entre linguagem, matéria e corpo, ou espaço concebido, vivido e percebido, podemos supor que diluição entre espaços construídos e e espaços virtuais é mais um sintoma desses ruídos. Se por um lado, as tecnologias digitais facilitaram o nossa prática, por outro, elas complexificaram ainda mais o que afinal queremos dizer com a ideia de projeto em arquitetura. Por fim, o uso da palavra emergência no título deste trabalho foi determinante para dar conta da ambiguidade inerente ao termo, que por um lado aponta para o alerta de uma situação incontrolável, e pega a todos de surpresa, impactando em proporções avassaladoras; por outro lado indica o nascimento inevitável e a todo vapor de novas formas de perceber, apreender e compreender o mundo, do surgimento de novas espacialidades.

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Notas sobre a emergência de espacialidades contemporâneas Mariana Netto Orientadora: Ana Paula Polizzo Co-orientadora: Ligia Saramago Projeto Final ARQ 1110 DAU PUC-Rio 2017.1


Este texto foi composto em Adobe Garamond Pro, Gill Sans e Menlo. Impresso em papel A4 90g/m2, no primeiro semestre de 2017, no Rio de Janeiro. As dimensĂľes finais do livro sĂŁo 21 x 29,7 cm.


Departamento de Arquitetura e Urbanismo PUC-Rio 2017.1



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