´ CASPER Nº 7 – Setembro de 2012
Gonçalo M.Tavares
O escritor que causou inveja a Saramago Jornalismo cultural Críticos, editores e professores discutem os rumos dessa prática
90 anos de rádio no Brasil Momentos decisivos para o futuro
Congresso Cult
Julio Medaglia
GayTalese, Art Spiegelman, Robert Darnton e Claire Denis
O polêmico maestro declara seu amor a todas as formas de arte
´ CASPER Fundação Cásper Líbero Presidente Paulo Camarda Superintende Geral Sérgio Felipe dos Santos
Faculdade Cásper Líbero Diretora Tereza Cristina Vitali Vice-Diretor Welington Andrade
Revista Cásper Núcleo Editorial de Publicações Coordenador de Ensino de Jornalismo Igor Fuser Editor-chefe Carlos Costa Editora Caroline Mendes Conselho Editorial Adalton Diniz, Carlos Costa, Elisa Marconi, Igor Fuser, Luiz Alberto de Farias, Rodney Nascimento e Welington Andrade Reportagem Amanda Massuela, Caroline Mendes, Gabriela Sá Pessoa, Mariana Marinho, Patrícia Homsi e Tiago Mota Editora de Arte e Fotografia Mariana Oliveira Diagramação Luíza Fazio, Mariana Oliveira e Rafaela Malvezi Colaboraram nesta edição André Silva (cartum) Redação Avenida Paulista, 900 — 5º andar 01310-940 — São Paulo — SP Tel.: (11) 3170-5874 E-mail: revistacasper@casperlibero.edu.br Site: http://www.casperlibero.edu.br Capa José Geraldo Oliveira
Jornalismo e cultura Este sétimo número da revista Cásper que você, caro leitor, começa a ler está bastante focado na discussão dos pontos de contato entre o jornalismo e a produção cultural contemporânea. Segue assim com a proposta e missão de trazer para o centro do debate os principais assuntos da comunicação, num diálogo com os profissionais da área e com o público-leitor, em seu sentido mais amplo. Em edições recentes destacamos temas ligados à publicidade, às relações públicas e ao radialismo; neste número nos debruçamos sobre jornalismo e cultura. A ampla reportagem sobre o 4º Congresso Internacional Cult de Jornalismo Cultural é o ponto de partida dessa reflexão sobre a cobertura dedicada pelos meios de comunicação às práticas culturais de nosso tempo. O Congresso reuniu profissionais como a cineasta francesa Claire Denis (diretora do controvertido Desejo e Obsessão, de 2001); o quadrinista Art Spielgelman, criador de Maus, sobre a vida no campo de extermínio de Auschwitz; o professor de Harvard e historiador da cultura Robert Darnton, autor de ensaios como O Grande Massacre de Gatos e outros Episódios da História Cultural Francesa e o festejado O Beijo de Lamourette; além de Gay Talese, um dos mais importantes nomes do new journalism; e o escritor português Gonçalo M. Tavares – também perfilado nesta edição. A discussão se amplia na reportagem “Quem tem medo de Cultura?”, em que passamos a palavra a Beth Néspoli , crítica teatral e exrepórter do jornal O Estado de S. Paulo, aos editores Armando Antenore e Marcos Flamínio Peres, das revistas Bravo! e Cult, respectivamente, e aos professores Welington Andrade, de literatura, e Heitor Ferraz, de jornalismo cultural. Eles trocam ideias sobre o papel do jornalismo como mediador da cultura. A presença do rádio foi protagônica no Brasil dos anos 1930 a 1950, época em que a Rádio Nacional do Rio de Janeiro povoava nosso imaginário sonoro com seus cantores e programas de auditório, e a Gazeta de São Paulo, “a emissora de elite”, apresentava ao vivo sopranos e tenores em árias inesquecíveis, acompanhados de sua orquestra completa. “Alô, alô!, Amigos, o Rádio Faz 90 Anos” conta um pouco disso tudo. Um habitué dos programas clássicos da Rádio Gazeta daqueles tempos, o maestro Julio Medaglia também fala de cultura. Conhecido por suas ousadias em trilhas inesquecíveis, como a da minissérie televisiva Grande Sertão Veredas – ou a orquestração de Tropicália, de Caetano Veloso –, Medaglia lamenta a queda do nível do gosto médio no País. Há ainda muito para ler nesta revista. “Registros Instantâneos” trata de um dos importantes fenômenos das redes sociais, o Instagram, trazendo à pauta o peso da imagem no mundo atual. Será febre passageira, como preveem muitos? “3D em Cena” comenta a popularidade desse recurso na cinematografia mundial – mas ainda engatinhando por aqui. O portfólio do revisteiro-fotógrafo Hélio Campos Mello, ex-diretor da semanal IstoÉ e atual homem à frente da Brasileiros, mostra algumas de suas fotos favoritas, escolhidas por ele para este número. Outro grande momento desta edição é a entrevista concedida pelo sociólogo Danilo Santos de Miranda, diretor regional do SESC-SP. Cultura e educação trabalhando juntos para um ensino melhor no Brasil é parte de sua utopia. Boa leitura a todos!
Tereza Cristina Vitali Diretora Setembro de 2012 | CÁSPER
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Sumário
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30 6 Jornalismo cultural em debate
Os destaques do 4° Congresso Internacional Cult de Jornalismo Cultural
12 Quem tem medo de cultura?
Os atuais desafios do jornalismo em se desvencilhar da agenda e adequar seu discurso frente à dinâmica da internet
18 O homem que Saramago elogiou
O escritor português Gonçalo M. Tavares fala sobre jornalismo, cultura e sua obra
26 Registros instantâneos
Um dos maiores fenômenos das redes sociais, o Instagram aquece a discussão sobre o papel da imagem no mundo contemporâneo
30 Os 90 anos do rádio no Brasil
A trajetória de um dos mais importantes meios de comunicação da história do país e sua renovação nos dias de hoje
36 3D em cena
O mercado do cinema 3D ganha popularidade mundo afora enquanto engatinha na produção de nossa cinematografia
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48 Medo e coragem 40
Um pouco da vida e do surpreendente trabalho do fotojornalista Helio Campos Mello
Música, maestro! 48
Aos 74 anos, o irreverente Julio Medaglia abre as portas de sua casa para a Cásper e relembra sua história
Com um pouco de utopia 54
Danilo Miranda, diretor regional do SESC-SP, fala sobre como unir cultura e educação para melhorar a qualidade do ensino no Brasil
Notícias Casperianas 60
Os principais acontecimentos da Faculdade nesta temporada
Resenha 63
As aventuras do Delegado Espinosa, por Carlos Costa
Crônica 66
Cidade Interior, por Flávio Aquistapace
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CONGRESSO CULT 6
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Jornalismo em cultural debate Com a presença de personalidades internacionais, o 4º Congresso Cult de Jornalismo Cultural questionou a separação da cultura em popular e erudita por Mariana Marinho imagens Renato dos Anjos Maio de 2012 | CÁSPER
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oi há cinco anos, em meio a uma conversa despretensiosa entre Daysi Bregantini, editora e diretora da revista Cult, e Welington Andrade, vice-diretor da Faculdade Cásper Líbero, que surgiu a ideia de realizar um grande evento para discutir a produção cultural contemporânea. Em 2009, os planos se concretizaram na forma de um congresso internacional de jornalismo cultural. Este ano, ele chegou à quarta edição com o tema “A Dialética do Conhecimento”. Ocorrido entre os dias 28 e 31 de maio no teatro TUCA, em São Paulo, o 4º Congresso de Jornalismo Cultural homenageou a arquiteta italiana Lina Bo Bardi – esposa de Pietro Maria Bardi, com quem trabalhou na concepção do Museu de Arte de São Paulo (MASP), inaugurado em 1968. Sua obra esteve ligada ao improviso, à simplificação e ao lado inventivo, típicos da cultura popular. Nos quatro dias de palestras, o congresso debateu, principalmente, se ainda é possível estabelecer os limites entre cultura popular e cultura erudita diante das novas experiências proporcionadas pelas plataformas digitais. Para Bregantini, “esse congresso definiu que não existe mais um recorte do que é bom ou ruim. Tudo é conhecimento e é absorvido por pessoas de diferentes formações”. A plateia, composta em maioria por estudantes de Jornalismo, assistiu a um desfile de ideias e de personalidades. Na segunda mesa do dia 28, por exemplo, coube a Alcino Leite Neto, jornalista editor da Três Estrelas do Grupo Folha, Sophie Guignard, editora da versão argentina da Los Inrockuptibles, e Marcos Flamínio, jornalista, crítico literário e diretor de redação da Cult, a discussão sobre a revista ser ou não um dispositivo cultural para os leitores. Sophie acredita que “a revista é um dispositivo para o público, mas um filtro para o mercado, que irá determinar o que é visível e consagrado”. Alcino expôs que a revista cultural “deve tirar o leitor da zona de conforto e dos veículos infantilizadores”. Marcos Flamínio, por sua vez, acrescentou que a revista, de algum modo, “deve se 8
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aproximar de um leitor que não seja necessariamente cult”. Já no segundo dia, Frédéric Martel, jornalista e autor do livro Mainstream (Civilização Brasileira, 2012), Mariza Werneck, professora do departamento de Antropologia da PUC-SP, e Joca Terron, autor do livro Do Fundo do Poço Se Vê a Lua (Companhia das Letras, 2010), discorreram sobre os descaminhos da literatura. Num pessimismo bem-humorado, Martel começou sua fala anunciando o final do livro e do jornalismo cultural, já que ambos estão “muito doentes e moribundos”.
A Semana de 22 desmitificada Na quarta-feira, dia 30, Thomas Ostemeier, diretor geral e membro da Direção Artística do Teatro Schaubühne em Berlim, e Antônio Araújo, diretor artístico do Teatro da Vertigem e professor na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), apontaram os novos repertórios do teatro sob mediação de Beth Néspoli, jornalista e doutoranda em Artes Cênicas (ECA-USP). Além dessa abordagem, eles falaram sobre como o jornalismo cultural poderia tratar as montagens teatrais. Ostemeier sente falta de um profissional que saiba descrever o que de fato é aquele espetáculo, pois “muitas ve-
zes o repórter assiste à peça apenas para confirmar a ideia que o editor já pré-estabelecera”. Antônio Araújo foi além, dizendo que o ideal seria que o jornalista cultural acompanhasse a preparação da montagem. Francisco Alambert, professor do Departamento de História da USP, e Marcos Augusto Gonçalves, jornalista e autor de 1922 – A Semana Que Não Terminou (Companhia das Letras, 2012), desmitificaram a Semana de Arte Moderna. “Os modernistas são muito mais filhos dos debates do passado do que proclamadores de um presente. Não há uma história da semana que não seja uma história do século da semana. Ela faz sessenta anos sendo muito velha e muito nova”, afirmou Alambert. Apesar da vasta quantidade de intelectuais, jornalistas e artistas que discutiram os temas propostos pelas 13 mesas, foram as palestras com grandes nomes internacionais que mais atraíram a atenção do público. Veja a seguir como aconteceram os encontros com Art Spiegelman, Robert Darnton, Claire Denis e Gay Talese. Leia ainda uma reportagem sobre escritor Gonçalo M. Tavares, concedida ao jornalista e professor de História da Comunicação da Faculdade Cásper Líbero, Carlos Costa.
Art Spielgelman A primeira noite do congresso começou agitada. Que todos estavam ansiosos para ouvir Art Spiegelman não era novidade. No entanto, a surpresa e o burburinho vieram de um fato desagradável: o laptop do quadrinista, que estava em cima do palco, havia sido furtado. Entre espantos, indignações e pedidos de desculpas, Art começou a palestra. Durante sua fala, de quase duas horas, o quadrinista não poupou ilustrações e protagonizou uma das palestras mais interativas do congresso. Mostrou, por exemplo, quadrinhos propositalmente fora de ordem, fazendo o leitor partilhar do estado de desorientação da personagem. “Os quadrinhos funcionam como o cérebro humano. Por isso são acatados e facilmente compreendidos, mesmo estando circundados por muitas imagens e textos”, garantiu. Falou ainda sobre a história dos quadrinhos, sobre sua formação e, claro, sobre o processo de criação de sua antológica graphic novel Maus.
Nela, Spiegelman conta a vivência de seu pai no campo de concentração nazista de Auschwitz, na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial. Em sua obra-prima, ganhadora do prêmio Pulitzer em 1992, os judeus são representados como ratos, da mesma forma como apareciam nas propagandas nazistas. Na época do lançamento, em 1966, era impensável tratar um assunto como o holocausto em quadrinhos, que eram vistos com olhares tortos e considerados coisa de criança. Art Spiegelman chegou a ser questionado se não achava de mau gosto retratar um tema tão sensível desta maneira. O quadrinista disse que não. Auschwitz, sim, é que era de muito mau gosto. Na hora de responder as perguntas, que chegavam até ele pelas mãos de Fernanda Mena, editora do caderno Ilustrada do jornal Folha de S.Paulo, Art irritou-se com o questionamento do porquê do nome Maus – rato em alemão. “Acho que falei um pouco sobre isso durante essas duas horas.”
Claire Denis Espontânea e enérgica, Claire Denis se atrapalhava com o fone de tradução simultânea. Ora porque se esquecia de colocá-lo, ora porque se arriscava a entender o português do mediador Luis Carlos Oliveira Jr., editor da revista Contracampo e crítico de cinema. Na palestra da tarde do dia 30, Claire explicou a proposta de sua produção cinematográfica. Para ela, não há separação entre o ficcional e o real, pois é de sua natureza não gostar de fronteiras. “As fronteiras são uma espécie de ideia mágica sobre uma visão estanque e sólida do real. O filme não diz ‘Cuidado! Fantasia!’ ou ‘Cuidado! Realidade”. A respeito de seu filme Intruso (2004), a cineasta comentou que mui-
tas pessoas o acharam louco e poético demais. Ela, no entanto, acredita que ele seja um filme muito intelectual, tátil e físico. “Esse rapaz estava fadado a uma realidade mais complexa do que a própria vida. Queria mostrar como seria ter outra chance para viver. Será que isso produz alguma coisa diferente no corpo?”, questionou. Sobre a dinâmica no seu set de filmagem, principalmente em filmes mais densos, como Desejo e Obsessão (2001), que contém cenas de canibalismo, Claire contou que existe a necessidade de sentir a cena. “Há uma relação muito física com os atores, por isso não gosto desses monitores em que o diretor acompanha o filme como na televisão.”
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Gay Talese Há três anos procurava-se uma brecha na agenda de Gay Talese para que ele pudesse participar do Congresso. Datas acertadas, o jornalista só fez duas exigências: queria a companhia da mulher e um quarto com dois banheiros. “Ele disse que seu casamento dura mais de 50 anos porque eles nunca dividiram o mesmo banheiro”, conta Daysi Bregantini. Talese assistira às palestras de Spiegelman e Darnton nos noites anteriores. Quando chegou a sua vez de subir ao palco, trajava a já comentada composição: terno, colete e sapatos. Tudo combinando. Desta vez, a cor escolhida foi o verde-musgo. O jornalista, considerado um dos pais do New Journalism e aclamado pelos perfis da cidade de Nova York e de Frank Sinatra, publicados em seu livro Fama e Anonimato (Companhia das Letras, 2004), provou que é realmente bom em contar histórias. Talese, apesar dos 80 anos e da timidez, mostrou vivacidade nas expressões faciais e na entonação dada às palavras. Afirmou ser produto da Segunda Guerra Mundial e narrou como o menino – que tomou gosto por encontrar boas
histórias em pessoas comuns, como os clientes do ateliê de costura de sua mãe – transformou-se em um ícone do jornalismo. “Eu não ia muito bem na escola, porque nunca houve nenhuma matéria que desse nota para a curiosidade. Eu era, de fato, um garoto muito curioso”, confessa. A curiosidade e a experiência de escrever para o jornal da escola o levaram a cursar jornalismo. Quase formado, um colega lhe disse que seu primo era editor do New York Times e que talvez pudesse lhe dar um emprego no jornal. Talese foi a Nova York e descobriu que o editor do maior jornal do mundo não fazia a menor ideia de quem era o tal primo. Sem graça, Talese voltou para casa e ficou aguardando por uma ligação caso aparecesse uma vaga de contínuo no jornal. A vaga surgiu e, aos poucos, o menino trocou o levae-traz de recados pelo vai-e-vem da máquina de escrever. Mais do que sua história, Talese trouxe para o palco, na última noite do congresso, a certeza de que o bom jornalismo sobreviverá mesmo com a dinâmica da internet.
Robert Darnton O educado Robert Darnton fechou com chave de ouro as palestras do dia 29, o segundo do congresso. Professor na Universidade de Harvard e historiador da cultura, Darnton palestrou de forma serena e espirituosa. Enquanto aguardava a resolução de um problema com a tradução simultânea, dedicou uma piada sobre a relação entre repórter e editor, para Gay Talese, que estava na platéia. O tema central de sua fala foi a Digital Public Library of America (DPLA): uma biblioteca pública digital com dois milhões de títulos que poderão ser acessados de qualquer lugar do mundo. Para Darnton, essa seria uma forma democrática de disponibilizar conhecimento.
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“Eu não ia muito bem na escola, porque nunca houve nenhuma matéria que atribuísse nota para curiosidade. Eu era, de fato, um garoto muito curioso”
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JORNALISMO 12
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Quem tem medo de
cultura ? O jornalismo cultural encontra dificuldade em desvencilhar-se da agenda. No entanto, ao elevar seu discurso, acaba considerado elitista por Mariana Marinho
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jornalismo, em especial o cultural, parece insistir na prática confortável de escrita e de leitura. Nela, tudo permanece no plano do agradável, saciando apenas os desejos momentâneos de entretenimento do leitor, sem oferecer-lhe algo que o faça ir além. Isso pode ser um erro. Afinal, já cantara Gilberto Gil em Rep: “O povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe”. De acordo com Welington Andrade, professor de Jornalismo Cultural da pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero, o exercício do jornalismo cultural vem sendo tratado cada vez mais como entretenimento, fazendo uso de textos breves e superficiais baseados na agenda cultural. “Ler esses textos não acrescenta nada ao leitor. É um jornalismo ligado ao mundo da diversão e da distração”, afirma. Marcos Flamínio, diretor de redação da revista Cult e doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP), concorda com Andrade, mas pondera que não há como um caderno simplesmente ignorar a in-
tensa programação de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. “Os cadernos diários não conseguem fugir da agenda porque as pessoas querem saber o que está acontecendo”, explica. Além disso, Flamínio aponta que há um problema de logística nos jornais que impede o repórter de trabalhar a agenda, dando-lhe um enfoque inusitado, atrativo. “Os jornais têm cada vez menos páginas para dar conta de tudo o que está acontecendo. É difícil dar a agenda e ainda trabalhar em cima dela.” Beth Néspoli, crítica teatral e repórter especializada em teatro do Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo, entre 1995 e 2010, relembra as reuniões de pauta quando Evaldo Mocarzel era editor do caderno. “A reunião de pauta era uma coisa monstruosa. Havia quarenta pessoas e o Mocarzel esbravejava: ‘Eu não vou me pautar pela indústria cultural!’. Estreava um filme do Homem-Aranha, por exemplo, e ele dava uma matéria pequenininha, quase que uma notinha, e colocava na capa o Ingmar Bergman ou o Peter Burke. A direção o chama-
va e perguntava ‘Como você coloca esse tal de Peter Burke que ninguém conhece na capa, quando o HomemAranha está estreando?’.” As coisas não mudaram muito. Assim como à época de Mocarzel, hoje, jornalismo cultural é sinônimo de produão de notícias sobre lançamentos da indústria cultural, pois resenhas e comentários sobre o chamado mainstream ocupam a maior parte dos cadernos e das revistas. Heitor Ferraz, professor de Jornalismo Cultural da graduação da Faculdade Cásper Líbero, afirma que ao mesmo tempo em que a notícia quente tem tudo a ver com a profissão, não há espaço para refletir sobre cultura ou sobre o fazer artístico. “Cadernos e revistas respondem diretamente ao mercado. Não há uma preocupação com a cultura do Brasil e com as suas características”, afirma. Para Armando Antenore, redatorchefe da revista Bravo!, isso tem ocorrido em grande parte por uma exigência das empresas jornalísticas. Ele explica que essa importância dada à indústria cultural vem de um pensaSetembro de 2012 | CÁSPER
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mento antigo. “Cobrir indústria cultural era como cobrir o que havia de mais importante no universo das artes, ou pelo menos havia essa ilusão. Mas isso está mudando, já que estão surgindo outros pólos de produção que ocorrem à margem da indústria. É uma mudança de paradigma que precisa acontecer, na medida em que a própria maneira de fazer e de distribuir cultura está mudando.” Segundo o professor Welington Andrade, há uma enorme falta de criatividade e rigor teórico que faz com que matérias ligadas à dinâmica do prazer, das satisfações imediatas, predominem. “Trouxe para meus alu-
nos um artigo da CartaCapital escrito pelo Alfredo Bosi sobre a abolição do uso de crucifixos em repartições públicas no Brasil. Isso é jornalismo cultural, mas ninguém teve essa ideia. Preferem comentar sempre o filme, o livro, o show. Dessa forma, fica restrito mesmo. Acham que cultura é apenas cultura artística, do artista que você aplaude no final. No entanto, cultura engloba tessituras sociais mais complexas do que isso.”
A necessidade de ser “cult” Nos anos 1990, os cadernos de cultura dos principais jornais diários do eixo Rio–São Paulo abriram espaço BARBARA HECKLER
para textos mais densos escritos por intelectuais. Entretanto, seja porque tratava de temas muito específicos, seja porque a linguagem era muito acadêmica, esse espaço deixou de existir. Para Marcos Flamínio, faltava sintonia entre a natureza desse material extremamente acadêmico com seu público leitor especializado e a forma de como um jornal diário dialoga com seu público vasto. “Houve algo salutar nisso, mas extinguindose esse tipo de texto, extinguiu-se também o que se produzia de inovação na academia. Houve uma clivagem muito grande entre jornalismo e universidade. Digamos que junto com a água do banho foi o bebê”. O bom jornalismo cultural é aquele capaz de abranger os temas relevantes da arte, da cultura e do pensamento e repassá-los para que o leitor ganhe um repertório maior. “A ideia é trazer esse saber acadêmico para um público que não é especialista, mas que é capaz de entender. Essa função de mediação, entre a
“Saber tornou-se mais útil do que conhecer. Não há mais a busca pela compreensão do mundo, já que a sede do homem moderno parece se saciar com fragmentos” Para Antenore, é difícil tratar de maneira rasa assuntos de natureza mais elevada
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ciência mais dura e a ciência mais amolecida, é o que faz o jornalismo cultural, ou o que ele deveria fazer”, explica Flamínio. Para que tal mediação aconteça de maneira eficaz, é necessário que o jornalista tenha uma ótima bagagem cultural e procure se aprofundar cada vez mais. “Ele nunca terá o mesmo conhecimento de um especialista, mas é preciso que ele tenha consciência de seu déficit. A única forma de fazer isso é estudando”, afirma Flamínio. Caso isso não ocorra, o profissional fica fadado a acrescentar à matéria pouca coisa além de um release. “Se você já conhece Roman Polanski, ao assistir a um filme dirigido por ele, conseguirá entender o que esta obra específica significa em relação a outras que ele já realizou. Se conhece a história do cinema europeu, será capaz de estabelecer relações com o enredo. Tudo isso enriquece a reportagem”, exemplifica Antenore. O redator chefe da Bravo! relembra que, certa vez, quando trabalhava na Ilustrada da Folha de S.Paulo, um cineasta recebeu seu colega para uma entrevista. “O repórter começou a fazer as perguntas e ele foi
respondendo. Às tantas, o cineasta falou para meu amigo: ‘Qual é o telefone da sua editora?’. Pois ele ligou para ela e disse: ‘Você mandou um cara muito ruim, muito fraco. Não dava para mandar outra pessoa?’.”
Mais notícia, menos reflexão É comum ouvir que pensar jornalismo cultural de maneira menos facilitadora, exigindo certo repertório do leitor, é ser elitista, pois este conteúdo seria destinado a um público restrito. Antenore acredita que há hermetismos e problemas, mas que também existe resistência por parte das pessoas de querer se aprofundar e elevar a discussão. “Se você está procurando leveza não será sempre no jornalismo cultural que a encontrará. Não dá para falar de determinados assuntos, que são de natureza mais elevada, de uma forma rasa. Do mesmo modo que é um desafio tratá-los de maneira mais acessível, é difícil escrever sem baratear. Às vezes o não baratear para muitos significa ser complexo”, defende. De certa forma, este tipo de jornalismo não é bem recebido porque as pessoas estão habituadas a ler e captar informação e não a refletir e
produzir conhecimento. O ensaísta Neal Glaber, da Universidade do Sul da Califórnia, publicou recentemente um texto no jornal The New York Times em que discorre sobre o excesso de informação na sociedade atual. Se antes, ser informado era o primeiro passo para a construção de conhecimento, hoje a informação funciona como instrumento necessário para sobreviver em nossas “infinitas redes de pseudorrelações”. Saber torna-se, assim, mais útil do que conhecer. Não há mais a busca pela compreensão do mundo, já que a sede do homem moderno parece se saciar com fragmentos. A preferência é por textos cada vez mais enxutos e mastigados para um leitor ávido por informações e detentor de cada vez menos tempo e referencial. Essa agilidade, surgida em grande parte com o advento da internet, assombra o jornalismo impresso. Este parece estar de joelhos diante da mídia digital, tentando mimetizar não apenas a rapidez, mas também a repercussão que tais plataformas conseguem promover. De acordo com Marcos Flamínio, ao tentar mimetizar a internet, o jornalismo cultural acaba Setembro de 2012 | CÁSPER
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“Se não conseguimos estimular a circulação dos bens culturais primários, que são os livros, por exemplo, o jornalismo cultural, que é o mediador, não tem capacidade de superar essa lacuna” produzindo um “jornalismo comportamental”, uma vez que dentro da vasta área de cultura, as declarações dos artistas são o que mais repercutem neste meio. “Lembro-me de que todos os cadernos de cultura noticiaram quando Gianecchini declarou ter câncer. Isto porque ele é um ator de televisão e de teatro e está dentro
do amplo universo cultural. Mas o assunto em si, que ocupou uma página e meia do caderno, não propunha nenhuma reflexão sobre o fazer artístico”, constata. Antenore compartilha a opinião e acrescenta: “O jornalismo cultural deveria se voltar essencialmente à produção cultural, não aos seus proCAMILA LUZ
Marcos Flamínio entende que é difícil para os jornalistas trabalhar de maneira atrativa a agenda cultural, pois eles têm cada vez menos espaço
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dutores. A não ser que essa relação entre a vida do produtor e o produto fique explícita”. Flamínio entende que nenhum jornal precisa dar as costas ao digital, mas que deve assumir sua postura de veículo mais lento, menos efêmero. “Um ser lento reflete, pondera, aponta caminhos. Se o jornal quiser entrar na correria desbravada da internet, estará fadado ao fracasso.”
Um lugar idílico e paradisíaco “O jornalismo cultural é eleito como uma área romântica na qual se pode trabalhar com o que se gosta. O contato com a arte já é por si prazeroso, mas escrever sobre o que nos interessa e mobiliza é ainda melhor”, garante Welington Andrade. No entanto, é cada vez mais difícil para os estudantes de jornalismo que anseiam pelo lugar “idílico e paradisíaco” do jornalismo cultural encontrar espaço no mercado de trabalho. De acordo com Daysi Bregantini, diretora da Cult e promotora do Congresso Internacional de Jornalismo Cultural, “a Cult é uma publicação de pequeno porte e recebe uma média de cinquenta currículos por semana. A Editora Abril, por exemplo, não deve dar conta da quantidade de candidatos que pretendem se engajar na área cultural”. É difícil de entrar e de permanecer no jornalismo cultural. Isto porque “cultura não enche barriga”. “Muitos jornalistas escrevem por paixão ou pela vaidade de ter seu nome publicado. Os 300, 400 reais recebidos pela resenha não compensam o tempo gasto para refletir e escrever sobre a obra”, expõe Heitor Ferraz. É por causa dos baixos salários que, segundo o professor, muitos profissionais acabam ministrando palestras e cursos para conseguir sobreviver.
Bregantini, entretanto, não concorda com essa opinião. “Penso que as pessoas têm muita vontade, mas não têm dinheiro. Elas não compram os livros porque não querem ler, mas sim porque são caros. Posso ser ingênua ou romântica, mas acho que as pessoas têm, sim, interesse em aprender, principalmente os jovens.” Desta forma, a empreendedora pensa que deve haver um investimento maior nas publicações de cultura por parte da iniciativa privada. “A Piauí, que considero uma excelente revista, é do João Moreira Salles, de uma estirpe de banqueiros. Mas são poucos os que fazem como ele. O empresariado brasileiro só quer anunciar e fazer campanha em publicação de massa”, afirma. Atreladas às dificuldades finan-
ceiras, com pouco investimento e publicidade, estão as incertezas de um tempo histórico sui generis, no qual é difícil saber para onde o jornalismo cultural caminha: o conteúdo mais reflexivo pode tanto migrar para os guetos, quanto ser cada vez mais valorizado. “A história é feita de saltos e recuos. Pode ser que voltemos a uma fase mais iluminista que já perdemos. Mas, por enquanto, parece que as publicações impressas estão sendo desmontadas cada vez mais. Não sabemos se este desmonte seguirá até a sua aniquilação, ou se elas serão recompostas em outras bases. Daqui a dez anos, não sei qual será o grau de comprometimento que o sujeito terá com a cultura. Estamos no olho do furacão”, reflete Welington.
Daysi Bregantini defende um maior investimento nas publicações de cultura por parte da iniciativa privada
RAFAELA MALVEZI
A rigor, no eixo Rio–São Paulo, além dos cadernos diários dos principais jornais e dos suplementos Ilustríssima (Folha de S.Paulo), Sabático (Estado de S. Paulo) e Prosa&Verso (O Globo), as revistas Cult, Bravo! e Piauí (esta, em alguns momentos) são as poucas publicações mensais voltadas para a cultura. A Cult tem um pendor aos temas ligados à filosofia e à academia. Já a Bravo! aborda teatro, música, literatura, cinema e artes visuais de um ponto de vista mais comercial. As duas revistas, que completam 15 anos neste ano, têm uma redação enxuta. A Bravo!, com exceção dos colaboradores, conta com um equipe de três pessoas na parte de texto: Antenore, Gisele Kato e uma repórter. O mesmo acontece na Cult, escrita por Daysi, Flamínio e uma repórter. A explicação para uma equipe tão reduzida nasce do fator financeiro. No caso da Cult, por estar vinculada a uma editora independente, a Editora Bregantini. Porém, a realidade da Bravo! não é muito diferente por pertencer ao Grupo Abril. Antenore afirma que não existe uma estratégia interna para trabalhar uma revista tão específica como a Bravo!. “Nós pegamos carona na estratégia comercial da empresa para as revistas maiores. Nem sempre os esforços estão voltados para a captação de recursos e de publicidade para a nossa revista.” Welington acredita que a pequena quantidade de revistas culturais faz parte de um pacote chamado Brasil. “O problema é educação. Nós não temos público leitor: 1/3 dos brasileiros são analfabetos funcionais, 14 milhões são analfabetos totais. Esses números são assustadores. Um jornalismo cultural bem feito exige certa prontidão, certo preparo e repertório.” O professor ainda argumenta: “Se não conseguimos estimular a circulação dos bens culturais primários, que são os livros, por exemplo, o jornalismo cultural, que é o mediador, não tem capacidade de superar essa lacuna”. Flamínio propõe um raciocínio objetivo para entender a questão. “Por que as pessoas vão ler resenhas dos livros se elas não os leem? Em linhas muito gerais, é isso”.
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LITERATURA
O homem
que deu inveja a Saramago Aos 42 anos, o escritor português Gonçalo M. Tavares publicou 30 livros em uma década e tem outros dez em decantação. Uma das atrações do Congresso Cult, ele conversou com a Cásper por Carlos Costa imagens José Geraldo Oliveira
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ma pilha de livros de mais de metro chamava atenção na descida da escada rolante da Fnac do Chiado, em Lisboa. Era o lançamento do mais novo livro de um autor de que nunca ouvira falar, Gonçalo M. Tavares. A capa dura tinha a foto de um manequim impecável, vestido com paletó de tweed cinza, gravata preta, camisa branca, sapatos brilhando, sentado numa cadeira. Na mão esquerda, uma revista enrolada, na direita, um cigarro. E o título: Matteo Perdeu o Emprego (Editora Porto, 2010). Pego um exemplar para folhear, o livro é recheado de imagens de manequins, textos curtos. Compro para ler na sequência da viagem. Uma daquelas criações que fazem o leitor querer voltar e comprar todos os livros do autor, Matteo Perdeu o Emprego estabelece uma espécie de jogo com o leitor, que talvez lá pela metade do livro (infelizmente de rápida leitura) descobre a sequência e o jogo propostos pelo autor. Puro encantamento. Gonçalo M. Tavares recebeu muitos prêmios, cumprindo o vaticínio que sobre ele escreveu o escritor espanhol Enrique Vila-Matas no Magazine Littéraire: “de narrador de raça a gênio de um imenso futuro. É um escritor que não vai continuar muito mais tempo despercebido nessa Europa”. A fama do jovem escritor português já ecoa pelos comentários dos mais inesperados fãs. A atriz francesa Jeanne Moreau afirma, na capa do livro Short Movies (Editora Caminho 2011) que ficou de asa ca-
ída por Gonçalo: “Ele é meu escritor português favorito. Um escritor magnífico, um homem magnífico”. A grande musa dos melhores tempos do cinema francês não está sozinha. Ao entregar o Prêmio Saramago ao melhor romance de 2005 por Jerusalém, Saramago discursou: “Jerusalém é um grande livro, que pertence à grande literatura ocidental. Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!”. Por isso foi um privilégio ser convidado por Daysi Bregantini para mediar a mesa em que Gonçalo M. Tavares se apresentou no 4º Congresso Internacional Cult de Jornalismo Cultural, no final de maio. Após sua palestra, reproduzida a seguir sob o título Embriagar-se para compreender o íntimo das coisas, numa bela transcriação da repórter Caroline Mendes, desobedeci um dos parâmetros apresentados por Gonçalo, o de que o jornalista não deve entrevistar a quem admira. E gravei uma longa conversa para futura publicação. Extraio dali alguns dados sobre o escritor. Anunciado na programação do Congresso Cult como escritor angolano, Tavares se sentiu incomodado. Cidadão português nascido em Luanda, quando seu pai, engenheiro militar, executava ali obras viárias, logo voltou com a família para a sua cidade de infância, Aveiro, no litoral norte de Portugal. “Aos 8 anos, minha dúvida era se eu seria jogador de futebol ou se iria para a matemática
pura – talvez influência da mãe, professora de matemática. Na altura, vivia em Aveiro, que possuía um excelente curso de matemática e eu já tinha uma certa intuição. Matemática era uma coisa muito intuitiva, lembro de que eu tinha os testes todos certos. Portanto, a literatura foi ocupando espaço entre esses mundos, mas eu sempre li muito, livros de filosofia, ensaios, ciência. Minha mochila leva sempre três ou quatro livros completamente diferentes, um ensaio, ficção etc. As leituras foram algo essencial na minha formação.” O pai participou de duas empreitadas em Angola, com um projeto de construir uma ponte que consumiu três anos. “Foi com minha mãe e nesse período eu nasci, em 1970. Meus pais estavam lá construindo pontes. Acho que isso me influenciou muito, é uma imagem que tenho da infância: meu pai a construir casas em Aveiro. E ele fotografava as várias etapas da obra e lembro exatamente de que, quando queria construir uma casa, a primeira coisa que fazia era abrir um grande buraco e depois, passadas algumas semanas, começava a pôr os ferros, que eram as fundações. Às vezes passados três, seis meses, é que chegava o momento de levantar as paredes, e só a partir daí é que a casa começava a crescer em altura. Isso me marcou. Acredito que para fazer alguma coisa sólida, que não abale na primeira ventania, é preciso ligar bem ao solo e sinto que o período entre os 20 e os 30 anos, que não publiquei –
“Hoje, com a tecnologia, uma pessoa pode estar presente pela sua imagem, pela sua voz ou por uma informação. No século XXI, presença tem menos a ver com onde estão nossos pés do que onde está a nossa atenção, nossa cabeça”
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“Minha mochila leva sempre três ou quatro livros completamente diferentes, um ensaio, ficção etc”
só publiquei o primeiro livro aos 31 –, foi o tempo em que criei as minhas fundações. Quando comecei a publicar, sentia certa solidez, sentia que não abanaria ao primeiro vento.” Professor universitário (dá aulas de Cultura e Pensamento Contemporâneo e de Reabilitação Psicomotora), Gonçalo se graduou em esporte, fez mestrado em pintura e o doutorado foi um encontro entre
literatura e filosofia. “Foi uma verdadeira confusão: esporte, pintura, matemática, as disciplinas andaram ali muito misturadas, fiz um percurso diferente [risos]. Mas a minha tese de doutorado é muito literária: Corpo, Literatura e Imaginação. Foi um pouco pensar em imaginação que se cruzasse com literatura, com os estudos do corpo, foi uma coisa realmente muito literária, e muito, digamos assim,
com uma pegada de Wittgenstein...” Muitos projetos em andamento? “Sim, eu estou trabalhando em algumas coisas mais densas. Não sei se disse isso, mas eu escrevo muito e deixo maturar muitos anos. Portanto eu tenho uma ou duas coisas grandes em andamento. Para dar uma ideia, Viagem à Índia foi escrito em 2003 e só saiu em 2010, eu faço muito isso. Eu deixo um tempo para cortar.” Setembro de 2012 | CÁSPER
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Embriagar-se para compreender o íntimo das coisas por Gonçalo M. Tavares
Há uma história da tradição cigana que diz que quando eles viajavam em carroças e encontravam um cruzamento, deviam deixar uma maçã na estrada para indicar o caminho tomado aos que viessem depois – fosse isso dali horas, dias ou semanas. Assim, a maçã funcionava tanto como marca espacial quanto temporal, pois além de dizer que caminho os viajantes haviam tomado, esclarecia há quanto tempo isso se dera – dependendo do grau de degradação da maçã. É possível relacionar essa imagem com a cultura e a história. Eu vejo as carroças como as gerações: uma geração chega a um cruzamento e tem a responsabilidade de deixar para a seguinte uma marca indicando a direção tomada. Quando esta chega ao mesmo lugar e encontra a maçã, tem de saber ler essa marca, saber 22
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que indica a direção tomada – para quem não souber, é apenas uma maçã apodrecida. Por outro lado, a segunda geração tem a liberdade de não seguir no mesmo sentido da anterior, pode refletir e exercer sua liberdade de tomar o próprio caminho. Cada um de nós deve deixar marcas, maçãs nos cruzamentos indicando às próximas gerações os caminhos escolhidos, porque os elegemos e como o fizemos. Há aquela personagem de um escritor alemão que é um paradigma divertido nessa questão de história e cultura. A personagem é vesga, mas tão vesga que na quarta-feira olha para os dois domingos ao mesmo tempo [risos da plateia]. De certa maneira, nós todos devemos ser vesgos. Olhar para o domingo anterior é ver uma história, perceber o que aconteceu e aceitar que o mundo não come-
çou conosco – começou muito antes. Por outro lado, temos a responsabilidade de olhar para o domingo seguinte, ou seja, ter projetos, refletir. O ideal dos jornalistas e escritores é ser vesgos. Não um vesgo espacial, mas temporal: alguém que não tira os olhos do passado, mas ao mesmo tempo tem o olhar no futuro.
O distanciamento do jornalista Uma questão que se impõe aos jornalistas tem a ver com a proximidade e a distância com relação aos fatos. Há uma proposta de Descartes presente na cultura ocidental: afirma que quando não percebemos uma coisa, devemos dividi-la em partes, perceber cada uma das partes, e depois juntá-las e entender o todo, numa espécie de análise. Assim, só percebemos algo se nos aproximarmos. Esta
tradição é muito forte, mas há outra forma de entender um acontecimento – que comumente não é nossa forma de pensar: posso perceber uma cadeira me afastando dela, porque, assim, eu a vejo no contexto em que ela está. Se eu a olho bem de perto, vejo só suas pernas, mas sem saber se ela é a cadeira de um congresso, de
um dentista, uma cadeira elétrica. Ou seja, se olhar muito de perto, não se percebe sua função. O jornalismo e a cultura têm de manter esse jogo entre proximidade e afastamento. Há um texto de Charles Baudelaire que traz a ideia de se embriagar para compreender o íntimo das coisas. Chama-se Embriaga-te [recita a poesia].
Deve-se estar sempre bêbado. É a única questão. A fim de não se sentir o fardo horrível do tempo, que parte tuas espáduas e te dobra sobre a terra. É preciso te embriagares sem trégua. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude? A teu gosto, mas embriaga-te. E se alguma vez sobre os degraus de um palácio, sobre a verde relva de uma vala, na sombria solidão de teu quarto, tu te encontrares com a embriaguez já minorada ou finda,
“O ideal dos jornalistas e escritores é ser vesgos. Não um vesgo espacial, mas temporal: alguém que não tira os olhos do passado, mas que, ao mesmo tempo, tem o olhar no futuro”
peça ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo aquilo que gira, a tudo aquilo que voa, a tudo aquilo que canta, a tudo aquilo que fala, a tudo aquilo que geme. Pergunte que horas são. E o vento, a vaga, a estrela, o pássaro, o relógio, te responderão. É hora de se embriagar!!! Para não ser como os escravos martirizados pelo tempo, embriaga-te. Embriaga-te sem cessar. De vinho, de poesia ou de virtude. A teu gosto.
Deixando de lado a embriaguez alcoólica, a de que fala esse texto significa entrar completamente em um fato e ver duas coisas se transformarem em uma – o objeto e o observador. Nas reportagens jornalísticas de excelência, o jornalista toma uma boa distância do acontecimento a ponto de poder captar cada aspecto e se envolver totalmente. Entretanto, o jornalista não deve nunca realizar uma reportagem sobre algo por que está apaixonado, algo que o encanta enormemente. Se fizer uma entrevista com alguém por quem está apaixonado, fere a questão da distância uniforme. O jornalista deve observar
a tudo com os mesmos olhos, manter-se igualmente distante de todos. Hoje, com a tecnologia, uma pessoa pode estar presente pela sua imagem, pela sua voz ou por uma informação. No século XXI, presença tem menos a ver com onde estão nossos pés do que onde está a nossa atenção, nossa cabeça. Isso é fundamental na literatura. Por que preciso ir à China se posso pensar nesse país? O jornalista, por exemplo, joga muito com presença e ausência, ele é alguém que deve estar presente para ver os acontecimentos de perto e depois relatar os fatos. Mas ao mesmo tempo tem de prezar pela sua não participação Setembro de 2012 | CÁSPER
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“Jornalismo e ficção são dois mundos diferentes, mas há algo comum entre eles: a utilização da linguagem. (...) Ter ciência disso é fundamental porque uma coisa é o que acontece no mundo e outra é o que digo, escrevo” na ação, pela distância, ausência – ele não pode interferir no cenário.
Linguagem e democracia Quando a escrita surgiu e foi se desenvolvendo, havia a oficial – as leis do governo – e o rascunho, a escrita individual, não oficial. Na sua origem, a escrita era a lei, era a verdade. O rascunho era qualquer coisa. Com o passar do tempo, as escritas foram se aproximando e hoje a escrita oficial está colocada ao nível de milhões de escritas individuais, de rascunhos. Uma lei de pena de morte, por exemplo, está colocada oficialmente mas, sob o formato de escrita, está em um blog na internet. Assim, vivemos uma época em que é difícil atribuirmos diferentes valores a coisas que são representadas da mesma maneira, e perceber o que é realmente importante ficou muito difícil. Outra questão é a perenidade da escrita. No começo, entalhava-se o texto em pedras, árvores, ou seja, havia uma superfície e havia um objeto forte para perfurá-la. Roland Barthes fala sobre isso: escrever era um golpe. E era uma grande responsabilidade dar um golpe, porque escrever era como esculpir, mudava-se aquela pedra para sempre. Hoje, a nossa pedra é a internet. E o que escrevemos nessa pedra do século XXI não se apaga mais. Antigamente, escreviamse nas pedras grandes sentenças, leis, datas de nascimento e morte, coisas fundamentais que deviam durar para sempre. No entanto, hoje escrevemos qualquer coisa na internet, e essa qualquer coisa não se apaga. 24
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Jornalismo e ficção são dois mundos diferentes, mas há algo comum entre eles: a utilização da linguagem. Na linguística, há uma frase de que eu gosto: “A palavra cão não morde”. Parece uma coisa muito simples, infantil, mas é fundamental para percebermos que linguagem e escrita são coisas abstratas totalmente desvinculadas da realidade. As letras e palavras dessa frase são traços que nada têm a ver com o cão propriamente dito. Isso é o mundo do abstrato. Bilhões de pessoas nascidas na China, totalmente diferentes umas das outras, são reduzidas à palavra “chineses”. Isso mostra como a linguagem pode ser violenta, realista e ficcional, ao mesmo tempo. Ter ciência disso é fundamental para jornalistas e escritores porque uma coisa é o que acontece no mundo e outra é o que digo, escrevo. Eu não mudo os acontecimentos, mas faço o que quero com a linguagem. Não se deve ter a ilusão de que a linguagem está ligada à realidade, porque frente a uma cena, eu narro o que me interessa, das mais sérias às mais ingênuas das situações. Democracia é: há um acontecimento e há vários olhares sobre esse acontecimento e várias pessoas têm a possibilidade de mostrar seus pontos de vista – quanto mais olhares e frases sobre um acontecimento, mais rica a sociedade. Ao dizermos que a linguagem é objetiva e transmissora da verdade, estamos em um campo muito próximo à violência política ditatorial, que supõe a exclusão dos pontos de vista.
A escrita fervilhante de Gonçalo Tavares O Reino
Um Homem: Klaus Klump. Editora Caminho, 2003. Publicado no Brasil pela Companhia das Letras, em 2010. A Máquina de Joseph Walser. Editora Caminho, 2004. Publicado no Brasil pela Companhia das Letras, em 2010. Jerusalém. Editora Caminho, 2004 (Prêmio José Saramago 2005, Prêmio Ler/Millenium-BCP e Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2007. Publicado no Brasil pela Companhia das Letras em 2006. Aprender a Rezar na Era da Técnica. Editora Caminho, 2007 (Prêmio do Melhor Livro Estrangeiro 2010 na França ). Publicado no Brasil pela Companhia das Letras, em 2008.
O Bairro
O Senhor Valéry. Editora Caminho, 2002 (Prêmio Branquinho da Fonseca da Fundação Calouste Gulbenkian e do jornal Expresso) O Senhor Henri. Editora Caminho, 2003 O Senhor Brecht. Editora Caminho, 2004 O Senhor Juarroz. Editora Caminho, 2004 O Senhor Kraus. Editora Caminho, 2005 O Senhor Calvino. Editora Caminho, 2005 O Senhor Walser. Editora Caminho, 2006 O Senhor Breton. Editora Caminho, 2008 O Senhor Swedenborg. Editora Caminho, 2009 O Senhor Eliot. Editora Caminho, 2010
Epopeia
Uma Viagem à Índia. Editora Caminho, 2010
Enciclopédia
Breves Notas Sobre Ciência. Editora Relógio d’Água, 2006 Breves Notas Sobre o Medo. Editora Relógio d’Água, 2007 Breves Notas Sobre as Ligações. Editora Relógio d’Água, 2009
Diversos
A Perna Esquerda de Paris Seguido de Roland Barthes e Robert Musil. Editora Relógio d’ Água, 2004 Histórias Falsas (contos). Editora Campo das Letras, 2005 A Colher de Samuel Beckett (Teatro). Editora Campo das Letras, 2003 Livro da Dança. Editora Assírio e Alvim, 2001 Investigações. Novalis. Editora Dífel, 2002 (Prêmio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores) Investigações Geométricas.Teatro do Campo Alegre, 2005 Água Cão Cavalo Cabeça. Grande Prêmio de Conto Camilo Castelo Branco, 2006 Short Movies. Editora Caminho, 2011 Canções Mexicanas. Editora Relógio d’Água, 2011 Matteo Perdeu o Emprego. Porto Editora, 2010.
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Registros
instantâneos Uma das maiores febres atuais da internet, o Instagram atrai milhões de usuários pelos quatro cantos do mundo por Amanda Massuela
U IMAGENS MILENE CARDOSO
ltimamente, tornou-se comum encontrar na web imagens cotidianas congeladas em tons que transitam entre o lúdico e o nostálgico. Paisagens, rostos, situações, objetos e diversas banalidades do dia-a-dia espalham-se pela rede em intensa profusão. A mais nova febre do mundo virtual atende pelo nome de Instagram, aplicativo que em menos de dois anos de vida já acumula cerca de 80 milhões de usuários ao redor do mundo. Criado em outubro de 2010, ele foi idealizado pelo paulistano Mike
Krieger, em parceria com o norteamericano Kevin Systrom, para funcionar como um programa gratuito de compartilhamento de imagens. Para isso, conta com um modo de funcionamento simples: a partir de uma câmera acoplada a um dispositivo móvel, basta clicar qualquer imagem, aplicar um dos filtros disponíveis e publicá-la em sua página pessoal ligada ao aplicativo. Instantaneamente popular, o Instagram reúne adeptos ilustres que vão do presidente norte-americano Barack Obama ao ídolo teen Justin Bieber, e
marcas como Pepsi, MTV e Red Bull. “O Instagram é algo lúdico. O que motivou esse sucesso todo é realmente o uso de filtros, que deixa qualquer foto bacaninha. Não é necessário pensar muito, então é quase como uma brincadeira”, comenta Simonetta Persichetti, professora de Fotojornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Os filtros funcionam como um recurso estético capaz de alterar a tonalidade das fotos, algo há muito tempo explorado pela lomografia. “Ela é uma espécie de resistência à fotografia digital, em que as pessoas Setembro de 2012 | CÁSPER
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“O Instagram é apenas uma brincadeira. Não é profissional, não é fotografia, é apenas um brinquedo que traz vários filtros com os quais se pode fingir uma série de estéticas. É divertido, mas não dá para levar a sério”
utilizam câmeras de baixa qualidade técnica, que, quando combinadas a processos químicos de revelação não convencionais, são capazes de explorar recursos visuais interessantes”, explica Renato Targa, que nos últimos 16 anos tem se dedicado ao mercado de internet como jornalista e programador. Ele mesmo admite usar o aplicativo desde o seu lançamento, há quase dois anos. “Já o conhecia e saber que poderia utilizálo ajudou a decidir qual modelo de celular eu compraria para substituir o que eu tinha”, conta. Com suas devidas particularidades, o Instagram conseguiu se destacar não apenas como um aplicativo, mas como uma verdadeira rede social que, em vez da palavra, utiliza a imagem como principal meio de expressão. Para Simonetta Persichetti, isso é apenas o reflexo de uma sociedade que sempre demonstrou essa necessidade. “Basta olhar toda a história da arte, da pintura, especialmente na sociedade ocidental, que é profundamente imagética”, expõe. Renato Targa acredita que este formato é justamente um dos grandes diferenciais da ferramenta, somado à boa estratégia de marketing e ao fato de ser gratuito. “Ele se estrutura como uma rede social aberta na forma de conectar as pessoas, seguindo estruturalmente o Twitter, uma rede sem laços recíprocos”, exemplifica. No Instagram, a interação entre os usuários acontece livremente, ou seja, “solicitações de amizade” e outras for28
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malidades estão dispensadas, uma vez que não é necessário que a conexão que se estabelece seja aprovada.
Fragmentos cotidianos É de maneira despretensiosa que a paulistana Milene Cardoso, de 21 anos, utiliza o Instagram. Desde que entrou em contato com a ferramenta, há cerca de seis meses, ela clicou 330 imagens: uma verdadeira miscelânea pessoal de objetos, lugares e pessoas. “Gosto de fotografar coisas que são bonitas, relevantes, legais e que me despertem algum sentimento na hora.” Além de gostar do contato entre os usuários que o recurso oferece, Milene acredita que com ele “é possível fotografar coisas que antes passariam despercebidas, justamente por você não ter uma câmera à mão”. Em sua opinião, isso contribui para a formação de um olhar mais aguçado do cotidiano. A jovem, que já possuía o gosto pela fotografia, apenas estreitou seus laços com um hábito que antes se restringia a momentos esparsos entre uma viagem e outra. O designer gráfico Bruno Niz, de 27 anos, também se viu mais próximo da fotografia desde que lançou na rede a sua primeira imagem captada com o programa, no dia 6 de março de 2011. “Vi que alguns amigos começaram a postar fotos legais e fiquei curioso. De inicio não procurei, mas um dia li uma matéria com o criador brasileiro, Mike Krieger, e resolvi baixar o aplicativo. Daí em diante, não parei mais.” Além de postar fotos
regularmente, Bruno admite passear pelas páginas dos amigos com certa frequência. “Tem semana que posto muitas fotos, outras eu fico mais de dois dias sem postar. Mas entro todos os dias, até mais de uma vez, para ver as fotos dos amigos”, conta. Assim como Milene, ele acredita que o uso constante da ferramenta trouxe mais atenção ao seu olhar. “Você acaba prestando mais atenção em detalhes que antes não costumava perceber. Por exemplo, um prato sujo de ketchup e mostarda pode resultar em uma foto linda, se somada a um filtro legal.” Os filtros são, em sua opinião, um dos grandes diferenciais do Instagram. “É possível deixar, com muita facilidade, uma foto sem graça com um ar retrô. Até uma imagem tremida pode ficar legal”, conclui Bruno. No entanto, para Milene, os filtros são um tanto perigosos. “Eles criam uma mentalidade errada nas pessoas, pois todo mundo acha que pode ser um fotógrafo. Mas, na verdade, eles consertam qualquer coisa”, afirma. Ainda segundo Simonetta Persichetti, essa avalanche de imagens só demonstra que “nunca se fotografou tanto e nunca se viu tão pouco”. Em sua opinião, o grande valor da fotografia – e ao mesmo tempo, motivo de reclamação dos mais puristas –, é que ela está nas mãos de todos, ainda que longe de qualquer técnica ou habilidade. “O Instagram é apenas uma brincadeira. Não é profissional, não é fotografia, é apenas um brinquedo
Para Simonetta Persichetti, o Instagram deve ser encarado apenas como brincadeira
Milene Cardoso, ao longo de quase dois anos, já acumula cerca de 330 imagens RAFAELA MALVEZI
que traz vários filtros com os quais se pode fingir uma série de estéticas. É divertido, mas não dá para levar a sério”, enfatiza.
Para todos No início, o Instagram estava disponível apenas para a plataforma iOS, sistema operacional dos aparelhos móveis da marca Apple, o que restringia consideravelmente seu grupo consumidor. Em abril deste ano, a ferramenta se expandiu para outro sistema, o Android, mais popular e acessível – o que é considerado por muitos como um retrocesso. A esta altura, o programa deixava de ser uma espécie de privilégio de poucos para se expandir, chegando a somar outros 30 milhões de usuários. No mesmo mês, a rede social mais famosa do mundo, o Facebook anunciou a compra do Instagram pela quantia de um bilhão de reais. Em sua própria página pessoal, Mark Zuckerberg, criador do site de rela-
cionamentos, afirmou estar “animado para compartilhar a notícia de que nós adquirimos o Instagram e que a sua talentosa equipe irá se unir ao Facebook”. Dois meses mais tarde, em julho, o Instagram chegou a ganhar uma plataforma na web, por meio da qual é possível acessar, comentar e interagir com outros usuários. É este mesmo ambiente online que, cada vez mais, muda a maneira com a qual as pessoas se relacionam com a fotografia. Simonetta acredita que “a internet trouxe para todos o reconhecimento verdadeiro do que é a imagem: uma representação, tirando dela o dogma da veracidade, da credibilidade. Mostrou o que realmente ela é: uma expressão, uma opinião”. Para Renato Targa, hoje a fotografia já nasce digital, desde o momento da captura até o seu armazenamento em computadores, celulares ou tablets. “Publicar fotografias na internet tornou-se uma atividade tão corriqueira que seria impossível negar que elas
estão profundamente ligadas”, analisa. Frente à sua intensa popularização, fica difícil prever quando a próxima grande novidade irá ofuscar ou até mesmo substituir o Instagram – especialmente em tempos em que novas opções de redes sociais, aplicativos e sites dos mais variados tipos surgem a cada momento. “É tudo muito rápido, daqui a pouco surge alguma coisa mais legal. São febres, mas ainda acho que não inventaram nada capaz de ultrapassá-lo”, diz Milene que, antes do Instagram, utilizava outra ferramenta de compartilhamento de imagens, o Pixlr-o-matic. Por sua vez, Bruno Niz enxerga a situação com outros olhos. “Não acho que seja apenas uma febre, pelo contrário, acredito que surgirão novas funções para deixá-lo mais atual. Ainda há muito a ser explorado.” Resta saber por quanto tempo o Instagram irá resistir à efemeridade inevitável do mundo virtual ou se – quem sabe? – será capaz de driblá-la. Setembro de 2012 | CÁSPER
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RÁDIO
ACERVO PESSOAL/RONALDO AGUIAR
ALÔ, ALÔ, ALÔ!
AMIGOS, O RÁDIO FAZ 90 ANOS! 30
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A trajetória de um dos mais importantes meios de comunicação da história brasileira e a retomada de seu protagonismo em meio às novas tecnologias por Caroline Mendes
À esquerda a cantora Marlene e o ator Grande Otelo no programa Marlene, meu bem. Acima astros e estrelas da Rádio Nacional
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M
orro Queimado vivia momentos de terror. A presença do Caveira infundia o pânico em todas as almas. Foi quando circulou a notícia da chegada de Jerônimo, notícia que logo foi levada aos ouvidos do Caveira por um de seus cúmplices: – Chumbinho, apresente seu relatório. – Jerônimo... – Que tem Jerônimo? – Ele, a noiva dele, a Aninha, e mais o moleque Saci chegaram a Morro Queimado. – O quê? – Sim! Diz que foram chamados para ajudar a lutar contra você, Caveira. – Oh, pagarão caro por esta ousadia. O Caveira não perdoa seus inimigos!”
Assim começa um dos episódios de Jerônimo, o Heroi do Sertão, radionovela que foi ao ar em 1958 pela Rádio Nacional, no auge da chamada Era de Ouro do rádio no Brasil. “Eu me lembro como se fosse hoje. Numa das cenas, um dos bandidos deveria dizer ‘Ih, Caveira! Caímos numa cilada’, mas ele disse ‘Ih, Caveira! Caímos numa salada!’ e todos nós começamos a rir. Aumentaram a música e nos tiraram do ar na hora [risos]”, recorda-se o radioator Gerdal dos Santos, um dos facínoras do bando do Caveira. “Lembro-me também de um papel que fiz em outra novela da Rádio Nacional chamada Pedro Mestiço em que eu era um moleque caipira chamado Tequinho. Num dos episódios, eu disse assim ‘Das veiz, eu garro a imaginá: tem tanta moça sorteira que tô precisando casá. Mas casá pra quê? Os boi não casa e veja lá, tão contente’ [risos]. Eu sinto saudades”, emociona-se Gerdal, homem Setembro de 2012 | CÁSPER
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Luiz Antonio Mello e a equipe da Fluminense FM, em 1982
ACERVO PESSOAL/LUIZ ANTONIO MELLO
de extrema polidez, voz grave e sedutora – bem como soavam os locutores e artistas da Era de Ouro. Memórias como esta fazem parte da história do rádio desde o seu início, 90 anos atrás. A primeira transmissão radiofônica feita no Brasil aconteceu na festa do centenário da Independência, celebrada em 7 de setembro de 1922. O evento foi tímido, apenas algumas dezenas de pessoas puderam ouvir o que foi um discurso do presidente Epitácio Pessoa e alguns acordes da ópera O Guarani, de Carlos Gomes, apresentada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Nos anos seguintes, aparelhos de rádio se tornaram posse de gente abastada, interessada em óperas, poesias e notícias – que eram lidas pelos locutores diretamente dos jornais impressos do dia. A partir de 1932, entretanto, quando as emissoras ganharam o respaldo da lei para colocar propagandas no ar, elas passaram a ter dinheiro para contratar artistas, cantores, jornalistas 32
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e apresentadores que fariam o sucesso do rádio no Brasil.
A Era de Ouro “Alô, alô, alô! Amigos, estamos iniciando mais um programa César de Alencar. Que o de hoje seja do inteiro agrado de todos vocês são os nossos votos mais ardentes! E vamos ao programa!” Todos os sábados, às 15h, César de Alencar iniciava, com essas palavras, o seu programa de auditório na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a emissora de maior audiência nas décadas de 1940 e 1950. “Segundo o Ibope, em 1944 a Rádio Nacional cravava 70% da audiência enquanto a Rádio Tupi tinha apenas 10%. A Nacional era a Rede Globo de hoje”, afirma Ronaldo Aguiar, autor dos livros Almanaque da Rádio Nacional e As Divas do Rádio Nacional, ambos publicados pela Editora Casa da Palavra. César de Alencar era um dos maiores sucessos de sua época. Ao
lado dos programas de auditório de Manuel Barcellos e de Paulo Gracindo, ambos da Rádio Nacional, e do programa Calouros em Desfile de Ari Barroso na Rádio Cruzeiro do Sul, do Rio, levava aos lares brasileiros vozes doces e imponentes que, aos poucos, foram se tornando as mais famosas do país: Emilinha Borba, Orlando Silva, Cauby Peixoto, Linda Batista, Ângela Maria, Francisco Alves, Herivelto Martins, Dalva de Oliveira, Dorival Caymmi, Marlene. Todos esses astros lotavam os auditórios das emissoras com os fã-clubes e embalavam as noites, mas principalmente as manhãs e tardes dos ouvintes. “Desde aquela época, a audiência do rádio era majoritária pela manhã e pela tarde, horário em que as mulheres estavam em casa cuidando dos filhos, limpando, cozinhando”, explica Magaly Prado, professora de Radiojornalismo da Cásper Líbero e autora do livro História do Rádio no Brasil, da Editora Livros de Safra.
“Na Era de Ouro, novelas e programas de auditório ficavam no ar por horas, enquanto o jornalismo completava a programação com entradas curtas” programação, com entradas curtas. As edições do Repórter Esso, “a testemunha ocular da história”, duravam apenas cinco minutos e iam ao ar três vezes por dia. Do mesmo modo, o jornalismo esportivo só ganhava espaço nas emissoras nos finais de semana. “Ninguém ouvia o rádio para ter informação”, conclui Aguiar.
A TV rouba a cena A partir de 18 de setembro de 1950, o rádio começaria a sofrer um declínio. Nessa data, o empresário Assis Chateaubriand inaugurou a TV Tupi, emissora que roubaria aos poucos os ouvintes das rádios e os transformaria em telespectadores. “Com a chegada da televisão, as famílias passaram a se reunir em frente ao aparelho, à noite, e assim abandona-
ram o rádio”, afirma Magaly Prado. De acordo com Ronaldo Aguiar, a Era de Ouro do rádio conseguiu se estender até o começo da década de 1960 devido às dificuldades que a novíssima telinha encontrava em se alargar na preferência dos brasileiros. “Em primeiro lugar, não havia no Brasil uma só fábrica de televisores, então os aparelhos eram importados e demoravam meses para chegar. Em segundo lugar, a sintonia e a recepção de sinal eram ruins. E finalmente, a televisão não tinha astros e estrelas, nem programas próprios: tudo foi, inicialmente, transplantado das rádios, e isso muitas vezes não funcionou”, expõe. Mas se alguns problemas existiram nos primeiros anos da televisão no Brasil, durante a década de 1960 RAFAELA MALVEZI
Além de abocanharem grande audiência com os programas de auditório e de música, as rádios conquistavam milhares de ouvintes com as radionovelas. A primeira delas, transmitida pela Rádio Nacional em 1941, chamava-se Em Busca da Felicidade, e logo caiu no gosto dos brasileiros. Com o crescimento da audiência, as emissoras passaram a apostar no gênero. “Na Nacional, por exemplo, eram mais de 19 novelas por semana, algumas de trinta minutos, outras de dez e outras de cinco minutos. Os radioatores somavam mais ou menos 180 astros e estrelas. Nem a Globo tem tudo isso em contrato exclusivo hoje”, garante Ronaldo Aguiar. “Ouvir novela nos obrigava a um constante exercício de imaginação: qual seria a ambientação daquela cena? A atriz era loira ou morena, bonita ou feia? Essa magia encantava os ouvintes.” Outros pilares de sustentação do sucesso das rádios brasileiras eram o humor e, claro, o jornalismo. “Na Nacional, os programas humorísticos de maior audiência eram o Edifício Balança Mas Não Cai e a PRK-30. Já na Rádio Tupi, destacavam-se Levertimentos e Rua da Alegria, com Chico Anísio, Antonio Maria e Stanislaw Ponte Preta. Eles eram verdadeiras crônicas da vida cotidiana da população brasileira”, afirma Ronaldo Aguiar. O jornalismo, por sua vez, ao contrário do que se possa pensar, não atraía muitos ouvintes. “As pessoas buscavam notícias nos jornais e nas revistas. Lembro-me bem: nos bondes, a maioria dos passageiros trazia um jornal debaixo do braço”, recorda Aguiar. Na Era de Ouro do rádio, novelas, programas de auditório e de humor formavam a verdadeira espinha dorsal das emissoras, ficando no ar por horas, enquanto o jornalismo era algo que complementava a
Pedro Vaz, gerente da Gazeta AM, relembra o papel da música na ditadura militar
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ACERVO PESSOAL/LUIZ ANTONIO MELLO
A banda Paralamas do Sucesso ns estúdios da Fluminense FM, em 1984
ela foi ganhando espaço nas salas de estar das famílias mais endinheiradas e, aos poucos, nos lares de classe média. O rádio precisava, então, mexer-se para não perder ouvintes. “O rádio à pilha surgiu nos anos 60 e trouxe a mobilidade para o veículo que recupera, assim, uma boa parcela da audiência perdida para a televisão. As pessoas viajavam, iam trabalhar e levavam seus radinhos consigo – coisa impossível de fazer com os grandes aparelhos de TV”, afirma Magaly Prado. Outro ganho importante para o rádio é atribuído ao surgimento da FM. De acordo com Tatiana Ferraz, professora de Radiojornalismo da Faculdade Cásper Líbero, a FM foi um avanço tecnológico que possibilitou às emissoras transmitir sua programação com melhor qualidade, se comparada às antigas ondas curtas. “Com o desenvolvimento da FM, as emissoras passaram a apostar em uma programação musical de peso, justamente pela maior qualidade da transmissão. Além disso, houve um aumento na variedade: foram surgindo diversas emissoras, voltadas para públicos diferentes, inclusive para os jovens, que passaram a ouvir mais rádio nos anos 70, atraídos pela programação musical”, afirma.
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Abertura lenta, segura e gradual “Em 64, e durante as próximas duas décadas, o golpe de estado atingiu a Rádio Nacional, e, claro, outras rádios, emissoras de televisão, jornais e revistas. Entre funcionários e artistas, 36 de nós foram despedidos porque acabamos considerados subversivos, um perigo para a chamada ‘revolução’”, relembra Gerdal dos Santos, que em 2012 completa 70 anos de rádio. “Alguns cabeças da rádio como Oduvaldo Vianna, Dias Gomes, Mario Lago, Paulo Roberto, George Goulart e Nora Ney sofreram, junto comigo, a dor de ter que abandonar a Rádio Nacional. Só em 1980 fomos chamados de volta.” Como contam Gerdal e os livros de história, durante os anos de ditadura militar, a censura era imposta sobre a imprensa, música, teatro, cinema, o jornalismo, enfim, os meios de comunicação e expressão. Filho de preso político, Pedro Vaz, professor de Radiojornalismo e gerente da rádio Gazeta AM da
Fundação Cásper Líbero, relembra as disparidades entre AM e FM dentro do contexto da ditadura militar, levando em consideração uma forma de expressão muito importante para a época: a música. “Nas rádios FM, predominavam as músicas internacionais, que eram as que faziam mais sucesso, encantavam os jovens e ao mesmo tempo os alienavam da realidade da época. Já na programação musical das AM, as canções brasileiras encontravam seu espaço: Chico Buarque, Gilberto Gil, Elis Regina, Caetano Veloso, todos esses artistas que faziam canções engajadas tocavam nas AM. É claro que a censura barrava algumas letras, mas muitas passavam porque não faziam críticas e referências diretas à ditadura.” Também as notícias que diziam respeito aos podres do governo eram proibidas de ir ao ar. “A ditadura censurou violentamente o rádio. Quando trabalhei como repórter na Rádio Jornal do Brasil, entre 1975 e 1981, todos os dias recebíamos três, quatro ordens da polícia para não dar tal e tal notícia”, conta o jornalista Luiz Antonio Mello, um dos fundadores da extinta Rádio Fluminense FM. Apelidada de Maldita, a Fluminense FM foi criada em 1982, num contexto que Mello define como engessado, desinteressante, combalido. “A ditadura acabou castrando a criatividade do rádio como um todo. Nos anos 80, havia o mesmo cardápio musical em todas as emissoras, um playlist quadrado, focado só em hits e que não trazia nada de novo, só repetia o mesmo sucesso 40 vezes por dia. Ninguém fazia produção radiofônica esmerada e pensada”, critica. Com a saída dos militares, começou-se a pensar um novo jeito de fazer rádio. Mello e o jornalista Samuel Wainer Jr. tiveram a ideia de criar a Fluminense FM, uma emisso-
“A ditadura castrou a criatividade do rádio. Nos anos 80, ninguém fazia produção radiofônica”
trunfo do rádio nos anos 80 foi a segmentação. “A Fluminense FM, por exemplo, era uma rádio mais de rock. Muitas outras começaram a se segmentar ou já nasceram segmentadas, foi um verdadeiro boom. Havia segmentação da segmentação – rádio só de rock clássico, por exemplo”, expõe Magaly Prado. A professora Tatiana Ferraz atribui o fenômeno da segmentação das rádios, principalmente nos anos 70 e 80, ao aumento do número de novas emissoras à época. “Foi como aconteceu com as revistas e jornais. Há 20 anos, havia uma meia dúzia de revistas informativas e outras poucas femininas. Hoje, existe uma revista feita especialmente para as pessoas que gostam de correr, outra para quem gosta de pescar, outra só de cultura e artes plásticas... Com o rádio foi a mesma coisa”, afirma. Até hoje presente nas emissoras, a segmentação encontra-se ainda mais forte na internet. “Você pode ouvir rádios de qualquer lugar do mundo que tocam só o estilo de música que
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ra que fosse diferente, irreverente. “Propusemos uma rádio forte em termos de jornalismo e de promoções, que respeitasse e dialogasse com o público jovem, que até então era considerado alienado pela ditadura. Apostamos na locução feminina e em música nacional e internacional de qualidade, não em sucessos. Isso nos tornava diferente das outras.” A Maldita foi uma novidade nos dials – e uma pedra no sapato dos conservadores, mas a revolução que ela propôs já pulsava nos ouvintes e em outras emissoras. “O público estava cansado de paradas de sucesso e gritava por rádios como a Fluminense. Prova disso foi a enorme aceitação entre os ouvintes: em três anos de rádio, chegamos ao terceiro lugar de audiência na Grande Rio. Na rádio Excelsior, o Maurício Kubrusly realizou um trabalho semelhante ao nosso e muito bom em termos de vanguarda. Nós trocávamos muitas figurinhas e fizemos sucesso”, relembra Mello. Uma das características da Maldita que viria a se tornar o grande
A professora Tatiana Ferraz diz que a programação musical da FM atraiu os jovens
você gosta. As rádios na internet têm pequena audiência, micropúblicos, fãs de um tipo específico de música e de programação: as só para surfistas tocam surf music e trazem as novidades sobre o esporte; as dedicadas aos fãs de indie rock; só para gays. As opções são infinitas”, expõe a professora Magaly Prado.
O futuro é agora Nos dias de hoje, é impossível falar em tecnologia da informação sem falar da internet. Dinamizando a comunicação, colocando a mídia impressa em apuros e fazendo do vídeo e do áudio plataformas cada vez mais atrativas, a web é um mar de possibilidades. “Além de poder ouvir a diversas rádios, você também pode fazer a sua rádio, com os programas e o som que quiser, e divulgar nas redes sociais. A máxima de que informação é feita de um para todos está perdendo força”, afirma Magaly Prado. Na opinião da professora, outro ganho para o rádio e a comunicação são os chats abertos dos sites das FM e AM disponíveis na internet. “Com eles, os ouvintes podem não só dar a sua opinião sobre a programação, como interagir com ela.” O jeito de pensar e ouvir rádio vem mudando desde a primeira transmissão, há quase um século. E o velho meio de comunicação de massa hoje conta com uma audiência diferente dos fãs de Emilinha Borba e Marlene, das moças sonhadoras que não perdiam um capítulo das radionovelas e dos apaixonados por futebol. “Hoje, os maiores ouvintes do rádio estão dentro dos carros, ônibus e trens, indo e vindo com seus fones de ouvido sintonizados – são milhões. No dia em que a internet estiver dentro dos veículos, veremos uma revolução, porque a pluralidade das web rádios serão associadas à mobilidade. Quando a internet chegar ao carro, ninguém segura mais”, entusiasma-se Luiz Antonio Mello. “Eu sinto que o rádio está à espera de uma grande mudança. O que é eu não sei, mas dá para sentir que ele está em stand by esperando por algo novo. Talvez seja isso.” Setembro de 2012 | CÁSPER
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TECNOLOGIA
Cada vez mais popular ao redor do mundo, a tecnologia 3D segue tentando firmar seus passos no cenário brasileiro por Amanda Massuela
A
s luzes da sala de cinema se apagam e na tela surgem personagens interagindo com cenários vivos e dinâmicos que parecem estar à distância de um toque. As cenas abandonam a costumeira rigidez bidimensional e passam a se mover em outros dois novos sentidos, ora projetando-se em direção aos espectadores, ora recuando em profundidade. Ao romper a barreira material que separa o público da projeção, a tecnologia 3D, como é comumente chamada, continua atraindo a 36
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curiosidade das pessoas e o interesse da indústria do entretenimento. O termo “3D” é alvo constante de dupla interpretação, algo que ainda pode confundir o espectador. Além de estar ligado às imagens que saltam da superfície da tela, ele também é usado para se referir à animação gráfica. “Na verdade, 3D é o nome da técnica de animação. Por exemplo, existe a técnica 2D, que é a tradicional. Na 3D, é utilizado um software de animação do qual resultam filmes como Procurando Nemo e
Madagascar”, explica Eduardo Gurman, especializado em efeitos especiais pela American Film Institute (AFI), de Los Angeles. “Mas tanto a animação gráfica quanto as produções em 2D podem ter saída estereoscópica”, completa, mencionando o processo por meio do qual é possível criar a sensação de profundidade das cenas, a estereoscopia. O princípio é simples: cada olho humano recebe a projeção da mesma imagem sob ângulos ligeiramente diferentes. Assim, o cérebro
as sobrepõe, gerando a impressão de alto relevo. Apesar de parecer uma descoberta do século XXI, a técnica é antiga e já no ano de 1922 se mostrava ao mundo pela primeira vez em The Power of Love, filme de Nat G. Deverich e Harry K. Fairall. Mas foi a partir da década de 1950 que essas produções começaram a esboçar os primeiros passos na indústria cinematográfica, promovendo o primeiro boom 3D nos Estados Unidos, com o lançamento de títulos como Demônio Bwana, de Arch Oboler, e A Casa de Cera, de André De Toth. “Nesta época, o sistema anaglifo, que usa as cores vermelho e ciano para formar o efeito tridimensional estéreo, causava muita estranheza, dores de cabeça e ânsia de vômito nos espectadores. Por isso essa tecnologia não conseguiu se firmar”, relata Ivã Righini, supervisor do Núcleo de Animação 3D da produtora paulistana Casablanca, uma das pioneiras do ramo e responsável por inaugurar o mercado de estéreo no Brasil. “Era difícil de projetar, produzir e finalizar”, conta o profissional, que já acumula em torno de 26 anos de experiência nessa tipo de atividade. De lá pra cá, o cenário que se desenhou foi marcado por evoluções tecnológicas responsáveis por guiar,
de maneira gradativa, o desenvolvimento desse tipo de produção ao redor do mundo. Elas voltariam a surgir com maior intensidade em 1980 e, mais tarde, nos anos 2000. “Começou a se entender melhor e a dominar mais as leis da ótica e da fisiologia humana, como os olhos funcionam, e assim tornou-se possível reproduzir essas imagens artificiais de uma melhor maneira”, justifica Ivã.
Brasil na rota das produções Logo que se popularizou, o 3D se estendeu aos parques de diversões. “Fazíamos produções em estéreo para o Hopi Hari assim que ele abriu, em 1999. Havia simulador, jatos de água, as cadeiras mexiam, era um negócio emocionante. Para a época foi algo incrível”, afirma Ricardo Bardal, há cerca de 13 anos parceiro de trabalho de Ivã Righini. Desde 2010, a dupla vem atuando no departamento 3D da Casablanca e, neste período, alcançou a marca de 200 trabalhos, entre animação gráfica e estereoscopia, tanto para o cinema, quanto para a publicidade. Dentre os clientes que já firmaram parceria com a produtora, estão as marcas O Boticário, Cinemark, Itaú, Gol e Samsung. Esta, inclusive, foi a primeira empresa brasileira a lançar uma campanha publicitária
captada em 3D, em 2010. Para Ivã, este mercado ainda caminha a passos lentos, pois “todos os equipamentos precisam ser adaptados para este tipo de transmissão, algo que depende de altos investimentos e necessidade comercial”. Ele ainda ressalta que, muitas vezes, “não adianta gastar dinheiro com um comercial em estéreo que será exibido para uma porcentagem muito pequena de público”. A pouca demanda e o alto preço dos televisores especializados – que variam de R$ 2000 a R$ 7000 – impedem que a publicidade utilize este recurso com maior frequência. “Quando os primeiros aparelhos de TV especiais começaram a surgir, houve muitos pedidos. Mas pelo que se pode deduzir ainda não caíram no gosto popular”, completa Bardal. A experiência do cinema brasileiro com esta tecnologia também é recente. Ainda que de maneira tímida, duas produções marcaram a entrada do país neste mercado, nos últimos dois anos: o longa Brasil Animado e o documentário Pela Primeira Vez, que narra os momentos entre o fim do mandato do ex-presidente Lula e a posse de Dilma Rousseff. Lançado em janeiro de 2011, Brasil Animado foi o primeiro filme nacional a ser inteiramente captado
DIVULGAÇÃO/MARIANA CALTABIANO PRODUÇÕES
“Achamos que era possível encarar essa produção. Não seria algo tão complexo, pois as cenas reais eram como cartões postais”, comenta a diretora do filme Brasil Animado Setembro de 2012 | CÁSPER
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Com o filme Brasil Animado, a diretora Mariana Caltabiano acredita ter conseguido uma “bilheteria razoável”
Para Bardal, o 3D é uma tendência para as produções cinematográficas
e transmitido em 3D. “Achamos que era possível encarar essa produção. Não seria algo tão complexo, justamente porque as cenas reais eram como cartões postais das cidades e não cenas de ação”, afirma a diretora Mariana Caltabiano, que construiu toda a narrativa a partir da mistura entre cenas reais e a animação tradicional – ambas produzidas de maneira estereoscópica, ou seja, “capazes de saltar da tela”. Ao longo do filme, as personagens animadas Stress e Relax percorrem as principais cidades brasileiras, mostrando as belezas e curiosidades de cada uma delas. Com o recurso 3D em mãos, uma série de adaptações passa a ser feita, podendo atingir desde o orçamento até a finalização. O custo é imediatamente dobrado, o roteiro é repensado e o processo de filmagem requer mais cuidados, além de surgir a necessidade de contar com profissionais especializados dentro do set, como, por exemplo, o estereógrafo. “Ele é uma espécie de matemático que vai calcular o que o diretor quer
seja, é tudo bem controlado. No nosso caso, foi uma loucura, ainda mais por ser a posse de uma presidente, onde todo mundo está em busca do melhor ângulo”, conta Robson Sartori, que atua como supervisor de efeitos especiais para cinema há dez anos e foi o responsável pela pósprodução do filme. No final de 2010, Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial da Presidência da República desde o primeiro mandato de Lula, procurou a produtora Casablanca com a ideia de realizar a primeira captação em estéreo de uma posse presidencial. “Foi um fato histórico: além de ser a primeira presidente mulher, foi a primeira posse filmada em terceira dimensão”, destaca Robson Sartori. Com direção do próprio Ricardo, o documentário primou pelo cuidado com a estereoscopia: o que prevalece é a noção de profundidade, a separação entre os planos. As perspectivas para o mercado brasileiro permanecem ainda um tanto nebulosas. Embora já existam
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que esteja mais próximo ou mais distante da câmera”, explica Mariana. Para as filmagens, também são necessárias duas câmeras que funcionam, individualmente, como cada um dos olhos do espectador. Com base nos cálculos do estereógrafo, a distância entre elas é ajustada e só então, de maneira meticulosa, são captadas as imagens. “As duas lentes têm que ser idênticas, pois são os seus dois olhos. Você não pode estar com um cisco num olho, por exemplo, pois isso prejudica a visão. Então não há muito espaço para a improvisação”, ressalta Mariana. Para Ivã Righini, “tanto a direção quanto a montagem e a fotografia do filme têm que ser realizadas pensando na estereoscopia”.
A posse de Dilma Rousseff Já na produção do documentário Pela Primeira Vez, a imprevisibilidade das cenas se revelou o principal desafio. “Se você está num ambiente previsível, há todo o controle de distância, o quanto a imagem sai da tela e o quanto é agradável aos olhos, ou
profissionais qualificados e uma boa evolução de tecnologia, a demanda é baixa. “No mercado todo há muita coisa acontecendo, mas no caso específico do cinema é mais complicado: o processo é grande e envolve muita gente”, conclui Ricardo Bardal. Para a diretora Mariana Caltabiano, o panorama se complica um pouco, pois “ainda competimos com gigantes como a Pixar e DreamWorks. Mas em nosso caso é um pouco mais difícil porque os personagens de Brasil Animado não são conhecidos como Shrek ou o Buzz Lightyear e a nossa verba para divulgação é muito menor”. No entanto, ela se mantém otimista: com um custo de produção de 3 milhões de reais, Brasil Animado alcançou a marca dos 200 mil espectadores e um faturamento de, aproximadamente, 5 milhões de reais, algo que, levando em conta todas as dificuldades, ela considera uma “bilheteria razoável”.
Indústria ascendente Basta observar os números para entender que existe, em torno do 3D, uma indústria mundial em ascensão. Segundo os estúdios da Fox, em apenas seis semanas de exibição, o filme Avatar (2009), do diretor norte-americano James Cameron, arrecadou
cerca de 1,85 bilhão de dólares, algo em torno de 3,4 bilhões de reais. De lá para cá, a quantidade de lançamentos e remakes disponíveis em 3D só tem aumentado. “Há a vantagem de poder cobrar um ingresso mais caro. Economicante faz muito sentido, pois você consegue o dobro do faturamento”, diz Mariana Caltabiano. Em homenagem ao centenário da tragédia do famoso transatlântico, o filme Titanic (1997) foi relançado, este ano, depois de ser adaptado à tecnologia 3D. Um processo “trabalhoso e praticamente artesanal”, de acordo com Ricardo. Ele consiste, basicamente, na separação em planos diferentes de todos os personagens e cenários do filme, quadro a quadro. Feito isso, as imagens são colocadas num software de composição, onde, por meio de uma câmera, é feita a convergência das imagens. Apesar de já ter um enredo bem conhecido pelo público, a produção voltou a lotar as salas de cinema pelo mundo afora. Para Ricardo Bardal, num futuro próximo, isso será uma tendência. A maioria dos filmes – senão todos – passará a ser captada em estereoscopia. “Eu acredito que isso vá virar um padrão futuramente, como virou o HD.” A previsão divide opiniões. Eduardo Gurman acredita que “não vai deixar de haver filmes normais, mas
é provável que todos esses hits, os blockbusters, venham nas duas versões, estéreo e normal”. Ele ainda adverte: “Eu não gostaria de ver Woody Allen, por exemplo, em versão 3D estereoscópico, porque não faz sentido. Não agrega e não agrada”. No entanto, até mesmo os diretores mais puristas, como Martin Scorsese e Jean-Luc Godard, têm se rendido à tecnologia: Scorsese com o aclamado A Invenção de Hugo Cabret, vencedor em cinco categorias do Oscar 2012, e Godard com Goodbye to Language, ainda em produção. Previsões à parte, o que determina a qualidade de uma produção, para além dos seus efeitos visuais, continua sendo um bom enredo. “O 3D não salva nenhum filme, é apenas um recurso. Pode deixar mais legal, mais bonito, mais gostoso de ver, mas ele não é o que faz o filme em si”, afirma Mariana Caltabiano. Para Eduardo Gurman, ele “precisa funcionar como uma ferramenta, da mesma maneira que a fotografia, a direção de arte e a edição”. Em 1952, o filme Demônio Bwana era lançado sob o seguinte anúncio: “O que você quer? Um bom filme ou um leão no seu colo?”. Hoje, passados 60 anos, está mais do que provado que o primeiro não deve excluir, necessariamente, o segundo. MARIANA OLIVEIRA
Estudio de criação de animação 2D da “Mariana Caltabiano Produções”. Após serem feitas manualmente, as cenas são transferidas para o computador, onde têm seus planos separados
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Medo e coragem Referência do fotojornalismo brasileiro, Hélio Campos Mello hoje se dedica à direção da revista Brasileiros, enquanto relembra os dias de guerra. É dele a seleção das imagens deste portfólio por Tiago Mota
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Autorretrato em um avião Tucano, 1992
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Lula assiste à dança em São Bernardo, 1979
“
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H
oje eu sou um são-paulino heavy.” Essa foi a primeira declaração de Hélio Campos Mello à reportagem da revista Cásper, numa quarta-feira atipicamente agitada na cidade de São Paulo, inclusive na Vila Madalena, de onde Hélio dirige a revista Brasileiros desde 2006. Ele trocou o cotidiano frenético e perigoso das coberturas jornalísticas – como a que fez na Guerra do Golfo, em 1990, ou durante a invasão americana no Panamá em 1989 – por uma rotina mais burocrática, de reuniões e tardes de trabalho num escritório. Mas aquela quarta, 5 de julho, era a final da Libertadores entre o Corinthians e o Boca Juniors – partida que acabou rendendo um título inédito ao clube paulistano. Apesar de risonho, era evidente que os festejos corintianos incomodavam o tricolor fanático, principalmente a queima ininterrupta de fogos de artifício. Foram tantos estouros que o fotojornalista chegou a relembrar a experiência de seus dias de guerra.
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“Pela noite parecia uma cena de Apocalypse Now: muitas luzes e barulho. Bem como esses fogos”, compara Hélio. Quem o escuta relembrar os momentos mais tensos que viveu durante a Guerra do Golfo pode até pensar que foram dias descontraídos. Ao eclodir o conflito, em 1990, Hélio se impressionou com a “solenidade do evento”. Ligou para o jornalista William Waack – com quem a parceria rendeu o livro Mister, you Bagdad (S.A. O Estado de S. Paulo, 1991) – e os dois partiram para Riade, capital da Arábia Saudita e centro de comando das tropas aliadas. De lá, só conseguiram realizar uma cobertura meia boca da guerra, por meio de relatos das tropas americanas. “Nós nos incomodamos por estarmos gastando dinheiro do jornal e realizando um trabalho tão ruim, longe do Brasil e da família.” Fartos daquela situação, os amigos alugaram um Toyota Cressida e foram em direção à guerra. Ou melhor, às guerras. “Durante dois meses,
Retrato de Neymar, atacante do Santos Futebol Clube, maio de 2012
travei uma guerra contra o relacionamento entre mim e o William, contra a minha carga de 70 quilos de equipamentos para revelar filme e uma lente teleobjetiva que só me serviu para ameaçar jogar na cabeça do William. E, é claro, teve a guerra mesmo”, ironiza. Com o mesmo carro, cruzaram um campo minado tentando chegar ao Kuwait. “Numa hora como essa, você não tem medo ou coragem, você tem as duas coisas. Não dava para voltar, tínhamos que seguir em frente. O William estava guiando e bateu no carro da frente, em pleno campo minado! Eu dei um puta grito: ‘Porra! Vai explodir o carro aqui, cacete!’. Contando essa história agora, chega a ser engraçado.” Apesar de ter passado por essas experiências – inclusive a de ser preso por tropas iraquianas, Hélio Campos Mello não se considera um correspondente de guerra. “Conheci gente presa comigo em Bagdá que ia de guerra em guerra. Não é a minha praia. Tenho bastante amor pela profissão, mas não é esse tipo de amor”, sorri.
“Se um fotojornalista vai fazer uma matéria, ele precisa encontrar uma síntese em termos imagéticos daquela história que será contada”
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“Aquilo é a guerra, é o ser humano em guerra. É o palhaço olhando para aquele cara com a arma como quem diz: ‘Vem para o circo comigo, cara! Sai daí’”
O soldado e o palhaço durante a invasão do Panamá, dezembro de 1989
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Retrato do banqueiro Gastão Vidigal baforando seu cachimbo, maio de 1979
Morto no Kuwait durante a Guerra do Golfo, fevereiro de 1991
“A guerra tem cheiros e eu ainda os tenho na memória. Cheiro de morte. Há uma estrada entre Kuwait e Iraque que ficou conhecida como a Milha da Morte (Dead Mile) O cheiro daquele lugar me acompanha” Setembro de 2012 | CÁSPER
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“Eu tenho um viés plástico, gosto das coisas bem compostas. Se você puder vestir uma imagem eficiente com um belo acabamento, é melhor ainda. Mas a prioridade não é essa. Eu não deixo de fazer a foto por isso”
Retrato do jornalista Cláudio Abramo, julho de 1984
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Operários em assembleia em São Bernardo, abril de 1980
“Aqueles eram momentos mais fáceis de trabalhar [ditadura militar], por mais cretino que isso possa parecer. O trabalho era mais objetivo. Havia uma ditadura a ser derrubada e os jornalistas estavam naquela luta. A imprensa ajudou muito a mudar a situação” Setembro de 2012 | CÁSPER
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PERFIL
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Música, maestro! E televisão, cinema, rádio... O maestro, compositor e escritor Julio Medaglia relembra sua trajetória, critica o cenário atual da música brasileira e fala sobre sua admiração por todos os tipos de arte por Patrícia Homsi colaboração André Silva 48
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à vida veio de meu pai, que era um homem muito firme”, comenta. Seu primeiro contato com a música veio por meio de uma pessoa inusitada: a empregada doméstica da casa dos pais, dona Maria Teresa. “Ela vinha do interior de Minas Gerais com o sonho de ser radioatriz. Trazia na bagagem um violino ¾, que é menor do que um violino convencional. O instrumento tinha uma corda só. Eu comecei a brincar com aquele violino e consegui comprar as cordas que faltavam. Minha irmã, que estudava piano com uma vizinha, me ajudou a afiná-lo e cheguei a tocar Noite Feliz, sem nunca ter estudado música.” Medaglia começou a ter aulas de violino com a tia de segundo grau, dona Julieta, que participara da orquestra de um antigo cinema. Quando menino, o verdadeiro sonho de Medaglia era ser jogador de futebol no seu time do coração, o Palmeiras. Porém, diferentemente do que imaginara, sua entrada no clube não veio pela desenvoltura com a bola, mas pelo seu talento para a música: em vez de jogador do Palmeiras, o adolescente se tornou violinista da orquestra amadora do time, em meados dos anos 1950. “Meu pai não permitia que eu fosse aos treinos de
futebol. Queria que eu fosse médico, engenheiro ou dentista. Na verdade, a família achava que eu seria um fracassado. Cheguei a repetir dois anos na escola.” O maestro conta que teve que enfrentar o pai para poder estudar música. “Existia, entre as avenidas São João e Ipiranga, um ponto onde músicos ficavam sentados no chão esperando quem procurasse pelos seus serviços. Meu pai me imaginava ali, na esquina, esperando uma oportunidade de emprego. Ele não me apoiava, foi um desastre”, relembra. Mas o jovem violinista amador estava prestes a dar orgulho ao pai. Precisando de um oboísta para tocar em uma das apresentações da orquestra amadora do Palmeiras, Medaglia convidou um amigo conhecido de outra orquestra amadora do bairro paulistano da Lapa, o jovem Isaac Karabtchevsky. Assim, por meio desse amigo, que se tornaria um dos maestros brasileiros mais importantes, Medaglia conheceu a Escola Livre de Música – na época, formadora dos melhores músicos de São Paulo. Após seis meses de estudo de Regência Coral, Medaglia regeu uma pequena peça numa apresentação da Escola Livre, que contou com a presença de um fotógrafo de um dos
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a sala de estar de uma casa envidraçada e cercada por um grande jardim, localizada no bairro do Morumbi, em São Paulo, Julio Medaglia guarda um museu de sua própria história. São prêmios, diplomas, objetos e fotos que contam a trajetória profissional e pessoal do maestro e encantam as visitas. As relíquias vão de um enquadrado título de palmeirense ilustre a um pedaço de viga de mármore de uma das catedrais em que tocou Johann Sebastian Bach, passando pelo brasão da família Medaglia, além de presentes e cartazes repletos de assinaturas de visitantes famosos. Millôr Fernandes e Maurício de Souza deixaram caricaturas do amigo maestro como lembrança, Walter Jorge Durst, seu autógrafo. Mas o que chama mais a atenção é um magnífico piano de cauda preto que, quando tocado pelo maestro, contrasta com a quietude da casa. Acima do piano, há um busto de Medaglia que lembra os dos grandes compositores europeus, mas com uma diferença para lá de brasileira: um chapéu de palha. Assim, rodeado de lembranças, conciliando o prazer do silêncio ao deleite de tocar Beethoven ou Mozart e misturando erudito e popular, vive o maestro, compositor e escritor Julio Medaglia, de 74 anos e uma carreira admirável. Bravíssimo para o inquieto maestro.
Primeiros acordes Nascido em 1938, na rua Apa, bairro da Barra Funda paulistana, Julio Medaglia Filho passou a infância e a adolescência sem se preocupar muito com os estudos. Nem o clima de sala de aula, professores ou colegas, nem as disciplinas despertavam interesse e prazer no jovem. De ascendência italiana, sua família não fazia parte do meio artístico da época. Muitos de seus parentes eram médicos abastados, mas seus pais eram pessoas simples: a mãe costureira e o pai vendedor de peças automobilísticas. “A minha veia artística veio da minha mãe, que fazia roupas belíssimas. Já o meu pulso de liderança numa orquestra e até mesmo com relação
Aos 19 anos, em seu primeiro concerto como regente na Universidade da Bahia
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maiores jornais da época, A Gazeta. “Para a minha sorte, no dia seguinte saiu uma foto minha regendo. Meu pai comprou dezenas de exemplares do jornal e saiu distribuindo pela Lapa inteira, para que todos soubessem que eu não era qualquer músico da esquina da Ipiranga com a São João”, conta. A partir daí, Medaglia passou a ter o apoio do pai e mergulhou de cabeça na música. Ainda na Escola Livre de Música, conheceu Hans-Joachim Koellreutter – maestro e musicólogo alemão que ensinou música popular e erudita a personalidades como Tom Zé, Caetano Veloso e Gilberto Mendes. O professor o convidou para seguir com ele para a Salvador, onde participava de um projeto cultural na Universidade Federal da Bahia. “Naquele momento, senti que possuía uma lacuna cultural muito grande. Comecei a me interessar por outras matérias e ler furiosamente para recuperar os anos perdidos com relação à cultura.” Em 1958, Artur Hartmann, diretor da Escola Superior de Música da Universidade de Freiburg, esteve na Bahia dando aulas, conheceu o talento de Medaglia e lhe ofereceu uma bolsa para estudar na Alema50
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nha. Assim que conseguiu terminar o curso no Brasil, Julio Medaglia foi para Freiburg, onde foi aprovado no teste de admissão, no começo dos anos 1960. Ali teve aulas com Karlheinz Stockhausen, Pierre Boulez e John Barbirolli. Estudando Regência Sinfônica, Medaglia viajou por toda a Europa até o exame final, em 1965. “Fiquei seis meses trancado num quarto estudando mais de vinte matérias e, para me formar, tive que defender uma tese em alemão. Confesso que meu alemão era macarrônico, um vergonha. Precisei da ajuda de um professor”, recorda-se.
O regente é pop Formado regente e compositor musical e casado com Sabine – sua esposa até hoje, de quem prefere falar pouco – Medaglia voltou ao Brasil e começou a se envolver com o efervescente ambiente cultural do final da década de 1960, orquestrando canções da MPB e compondo trilhas sonoras para filmes e programas de televisão e rádio. Foi depois de ouvir a gravação de Isso Devia Ser Proibido, peça teatral estrelada por Cacilda Becker e Walmor Chagas com trilha composta por Julio Medaglia, que Caetano Veloso
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decidiu procurar o maestro em busca de pitacos sobre o arranjo de uma de suas canções, a Tropicália. Misturando música de vanguarda com falas e ritmos populares, batidas e sons inusitados, Medaglia introduziu na paisagem sonora brasileira combinações até então desconhecidas. Logo em seu lançamento, em 1968, a música de Caetano apresentou ao Brasil um novo modo de fazer música popular e inaugurou o Tropicalismo. Engajado na MPB, Julio Medaglia participou dos famosos festivais da Record que revelaram astros como Chico Buarque e o próprio Caetano Veloso. Ainda na emissora, o maestro criou, em 1968, o programa Opus 7, que transformava a música erudita num verdadeiro show. No ano seguinte, fundou a Orquestra de Cordas de São Paulo, participou de projetos de oralização de poesia concretista por meio de leituras e composições musicais juntamente com Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos e ganhou o Prêmio Roquette-Pinto como o maior músico brasileiro. Mesmo tendo voltado para a Alemanha, onde residiu entre 1970 e 1975, Medaglia não se afastou da
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Acima, Julio Medaglia em sua casa, aos 74 anos, e à direita com 3 anos de idade
série Grande Sertão: Veredas, produzida pela Rede Globo em 1985 e dirigida por Walter Avancini, além das produções Anarquistas, Graças a Deus e Avenida Paulista, também produzidas pela emissora. “Sempre me interessei por trilha sonora pelo fato de que o som tem uma semântica própria muito rica
e forte. O som pode ser usado como elemento de narração”, defende. No cinema, destacou-se pelo trabalho no longa O Segredo da Múmia, de 1982, dirigido por Ivan Cardoso numa época em que o cinema era uma forma de contestação e vanguarda. Medaglia ganhou por esta trilha sono-
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cultura brasileira. O maestro levou à Orquestra Filarmônica de Berlim peças de Villa-Lobos e Tom Jobim, revelando à Europa a qualidade artística de nosso país. “Até hoje componho peças com o espírito brasileiro. Os alemães adoram a sonoridade das valsas paulistanas”, afirma. Com o programa A Hora e a Vez do Samba, na Rádio Roquette-Pinto, Medaglia foi convidado a participar de desfiles de escolas de samba, cujas referências aparecem aos montes no cômodo além da escadaria de sua casa. Ali o maestro preserva suas lembranças. Entre um pedaço do Muro de Berlim, um cartaz de sua apresentação com a Orquestra Filarmônica de Berlim – considerada a maior do mundo – e outro da ópera afro-brasileira Lidia de Oxum, apresentada na Lagoa do Abaeté, destaca-se uma casaca rosada vestida num manequim antigo. A casaca e os apetrechos foram do mestre Cartola, dadas como pagamento a Medaglia na ocasião de sua apresentação do Samba Concerto, no Grêmio Recreativo Estação Primeira de Mangueira. Como compositor, Medaglia criou trilhas sonoras memoráveis como a da
“Foi depois de ouvir a gravação de Isso Devia Ser Proibido, peça teatral (...) com trilha composta por Julio Medaglia, que Caetano Veloso decidiu procurar o maestro em busca de pitacos sobre o arranjo de uma de suas canções, a Tropicália” O maestro com Cartola, Bira, presidente da Escola de Samba Mangueira, e Altamiro Carrilho. No alto, Medaglia no programa Opus 7, da TV Record, em 1968
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ra o prêmio do Festival de Gramado, e o prêmio da Associação Paulista de Críticos da Arte por sua atuação como assistente do médico da trama. “Parei minha carreira [de ator] por aí. Quando você começa no auge, é bom parar para não decair”, brinca.
Uma conquista fora da área musical foi sua aprovação unânime para a Academia Paulista de Letras, onde desde 2009 ocupa a cadeira nº 3. Tomando a antiga posição de Mário de Andrade, o maestro se reúne com o grupo às quintas-feiras, para um “chá das cinco”. “Nunca fui de academismos, mas me aproximei da Academia Paulista de Letras e percebi que pessoas da maior atividade cultural da sociedade brasileira estão reunidas ali. Fico muito feliz com o nível de discussão intelectual dos
A influência artística de Medaglia se deu também nos bastidores de importantes emissoras de televisão e rádio brasileiras. Em 1975, foi convidado por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, para ocupar o cargo de diretor musical da TV Globo. Aqueles foram tempos conflituosos. “Eu achava que chegaria na Globo e poderia mudar tudo, mas me enganei. Na Record, com o programa Opus 7, fazia as coisas mais absurdas e modernas. Na Globo não tive esse espaço, mas consegui produzir algumas coisas interessantes. Mexi muito com esquemas de sonoplastia em novelas, especiais, participei de várias edições do programa Fantástico.” Apesar de ter trabalhado durante anos para a emissora, Medaglia não tece elogios à Rede Globo: “É uma TV de altíssimo nível dramatúrgico, mas há muito tempo não revela mais nada de bom com relação à música”. Também critica a falta de composições originais e o uso das trilhas para divulgar certo artista e induzir a venda de mais discos. Em seu livro de artigos publicados e entrevistas, Música Impopular (Global Editora, 2009), o maestro expõe a passividade da TV Globo com relação à produção de conteúdo e a adaptação aos padrões da indústria cultural. Atualmente, após ter participado da TV Cultura com Prelúdio, que misturava o tradicional formato de programa de calouros com a música erudita, Medaglia permanece somente na Rádio Cultura FM com o programa Fim de Tarde. “Eu tenho pena do paulistano que tem de voltar às seis da tarde para casa. Então, o programa traz poucas informações e músicas bem leves para que o cidadão chegue em seu lar cheio de amor, sem querer matar a mulher ou atirar no vizinho”, brinca. 52
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Mestre das Comunicações
Cena do filme O Segredo da Múmia, em que Medaglia atua com Wilson Grey. À direita, foto posada para uma entrevista concedida na época do Tropicalismo
acadêmicos. Estou meio cansado da mediocridade da cultura popular nos dias de hoje.” Dado também às letras e ao teatro, o maestro possui uma coluna mensal na revista Concerto e foi diretor artístico do Theatro São Pedro até agosto deste ano.
Gigantescas Parafernálias Apreciador de arte em todas as suas manifestações, Julio Medaglia acredita que o músico deve se aperfeiçoar amplamente dentro do universo cultural. Do cenário musical atual, critica
“Chico, Gil, Caetano, todo esse pessoal fez uma revolução cultural no Brasil por meio da música questionando a ditadura e depois virou pop star. Hoje, eles só querem ganhar um milhão de dólares por concerto e pronto!” ACERVO PESSOAL
o hip hop – ou como ele mesmo classifica, uma “verborragia insuportável” – e o sertanejo universitário. “Mesmo na Europa, não posso deixar o rádio ligado. Não há quem toque alguma coisa minimamente audível! No Brasil, 90% das rádios só tocam música sertaneja, que não é música caipira, é um bolerão brega. As pessoas estão totalmente desatualizadas quanto à música brasileira de qualidade e estão ouvindo esta porcaria”, indigna-se. Outra realidade que incomoda o maestro é a utilização exagerada da tecnologia aplicada à música. Segundo ele, os efeitos especiais e a facilidade técnica disponível no mercado nem sempre auxiliam o músico nas suas criações. “Os artistas se apoiam totalmente na criatividade tecnológica e se esquecem da composição de ideias. O talento criador está cada vez mais afastado da produção final. Toda essa gigantesca parafernália traz um excesso de efeitos especiais e poucas ideias simples e brilhantes.” Ao assistir a um show do Rock in Rio, Medaglia se surpreendeu com a quantidade de apelos visuais e sonoros. Nas suas palavras, o escândalo e as gigantescas cargas de emoção mostram que o ser humano já não se deixa emocionar com algo mais leve. “Era uma gritaria, uma barulheira, instrumentos a mil, fumaça... Para se emocionar precisa de tudo isso? Onde está a sensibilidade da juventude? Meus cachorros, Feliz e Pretinha, são muito mais sensíveis do que muita gente nos meios de massa”, brinca. “Mas e os nossos artistas do Tropicalismo e da MPB? Ainda fazem
música boa?” Questionado, Medaglia responde que dentre os músicos que se consolidaram nos anos da MPB e do Tropicalismo, somente um se manteve criativo e irreverente: Tom Zé. De acordo com o maestro, os grandes nomes da MPB se acomodaram econômica e culturalmente. “Foi n’O Pasquim, principalmente, que eu desci o sarrafo no Chico, Gil, Caetano, todo esse pessoal que fez uma revolução cultural no Brasil por meio da música questionando a ditadura e depois virou pop star. Hoje, eles só querem ganhar um milhão de dólares por concerto e pronto! O Brasil se tornou uma das maiores economias do mundo, no entanto é um país de miseráveis, inclusive no quesito cultura. Falta a essa ‘ala intelectual’ da música brasileira uma visão crítica da realidade atual”, desabafa. Medaglia aponta que o caminho da música erudita vem sendo trilhado pelos projetos de desenvolvimento e capacitação de jovens carentes, que muitas vezes encontram ali uma oportunidade. “A música erudita vai muito bem devido aos movimentos de inserção social. Há diversos projetos de incentivo à música direcionados aos jovens”, destaca. Ele acredita que o ensino de música é importante mesmo para quem não deseja ser oboísta, violinista, pianista, regente. “Não é para todo mundo tocar Mozart, mas quem aprende música erudita tem todo o know-how de sons do Ocidente e então pode fazer qualquer tipo de música. Além disso, a música traz uma disciplina a ser aprendida para toda a vida.” Setembro de 2012 | CÁSPER
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ENTREVISTA
com um
utopia poucode
Diretor regional do SESC-SP, Danilo Miranda é quase um utopista. Em meio a especulações sobre assumir o Ministério da Cultura, ele prefere deixar o assunto de lado e defende que a educação aliada à cultura é a chave para um Brasil melhor por Gabriela Sá Pessoa imagem Mariana Marinho
O
sociólogo Danilo Santos de Miranda levanta-se de sua cadeira para receber a reportagem na porta de sua sala, localizada no último andar da sede paulistana do Serviço Social do Comércio, o SESC. Na sala de Danilo, onde se veem livros, pequenas esculturas, lembranças de viagens e um Lasar Segall na parede, há uma janela que oferece uma bela vista de boa parte do SESC Belenzinho, incluindo o complexo aquático da unidade. Um dos mais relevantes produtores culturais do país, Danilo é, há 28 anos, o diretor regional do SESC-SP. Nessa função, administra um orçamento bilionário – até março deste ano, a receita total da instituição já ultrapassara 1,3 bilhão de reais – destinado a oferecer opções acessíveis de programas culturais e esportivos a milhões de frequentadores. Em 2011, mais de 17 milhões de pessoas cruzaram as catracas das unidades do SESC no estado de São Paulo. Ele acompanha esses números de perto: do monitor do seu Mac tem acesso à
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quantidade exata de matriculados na instituição que dirige – confere até mesmo aqueles que se tornaram sócios naquele minuto. Seu currículo é extenso: é conselheiro do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), da Fundação Itaú Cultural, do Museu de Arte de São Paulo (MASP) e do Art for the World, na Suíça. Além disso, presidiu o Conselho Diretor do Fórum Cultural Mundial, em 2004, e o lado brasileiro da comissão organizadora do Ano da França no Brasil, em 2009. A essas experiências, especulouse adicionar a de ministro da Cultura do governo Dilma Rousseff. Houve até um manifesto da classe artística em favor de sua candidatura, encabeçado pelos atores Fernanda Montenegro, Lázaro Ramos e Regina Duarte. Ele diz não ter recebido nenhum convite oficial ou algo parecido. “Você ouviu isso em algum momento?”, brinca. Nesta entrevista, ele fala entusiasmadamente sobre políticas culturais e explica alguns dos fundamentos do bem-sucedido modelo de gestão do SESC-SP.
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DIVULGAÇÃO/MINISTÉRIO DA CULTURA
Acreditando no intercâmbio de ideias, Danilo Miranda presidiu, em 2009, o Ano da França no Brasil
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O Brasil costuma receber grandes exposições e eventos culturais de peso, como a recente mostra do artista plástico suíço Alberto Giacometti, na Pinacoteca. Mas o público usufrui dessa programação? Como aliar boa educação com tudo isso? Com mais educação ainda. Nós estamos preparados, sim, mas podemos e devemos nos tornar bem mais preparados a partir da educação, que anda sempre junto com a cultura – uma é fundamental para a existência e manutenção da outra. Ainda falta muita informação e instrução para a maioria do nosso povo, justamente por culpa da nossa precariedade educacional. Temos uma população imensa com uma parcela razoável de analfabetos, temos um nível de ensino e um padrão de infraestrutura baixos, porque não investimos nisso. Enquanto a educação é entendida apenas como “escola, professor e aluno”, a cultura – que é educação permanente, a que vem antes e depois da escola – não pode se desenvolver. Cultura não é apenas atividade artística, mas tudo o que nos relaciona com o mundo, que nos faz entender a realidade e perceber as coisas que acontecem a nosso redor. É muito mais que a questão da arte e do patrimônio. Nós estamos no caminho, mas ainda falta muito.
E o que falta, especificamente? Falta, sobretudo, os brasileiros terem consciência do que nós somos, de nossas limitações e potencialidades. Falta, por exemplo, uma melhor educação do ponto de vista social e ambiental em uma grande cidade. Falta uma visão ampla de nossa diversidade e riqueza natural e falta capacidade para aproveitarmos tudo isso de maneira inteligente, superando problemas como o desperdício, a corrupção e a evasão de recursos. Precisamos melhorar nossa relação com o público e o privado que, para nós, ainda é uma mistura perigosa, pois nos aproveitamos das coisas públicas para tirar vantagens próprias. Isso tudo só será superado quando a sociedade tiver mais educação, mais informação e cobrar atitudes e resultados de seus governantes. Falta muito, mas estamos caminhando. Sou otimista! Nesse “falta muito”, como avalia a atuação do SESC? O SESC lida exatamente com o bem-estar social e com a qualidade de vida das pessoas, tanto no plano pessoal quanto no social, procurando desenvolver uma proposta em que a educação se dá por meio da cultura, da atividade física, da educação ambiental e da relação com os outros.
Qual é o segredo de uma civilização mais avançada? É lidar com o diferente de maneira igual, tratar a todas as pessoas igualmente – e o SESC busca isso. Não tratamos ninguém com distinções, então estamos favorecendo uma visão avançada de civilização. Nesse sentido, estamos dando um caráter educativo a nosso trabalho. Tratar a todos como iguais exclui políticas afirmativas? Não. Com relação a políticas afirmativas, tratar a todos de maneira igual significa buscar o equilíbrio. Para isso, muitas vezes é preciso forçar o que por muito tempo foi desequilibrado. Então, se formos uma nação que tratou uma determinada faixa da população de maneira desigual, injusta – embora legal – durante séculos, o esforço que você tem que fazer para equilibrar essa população talvez seja uma política afirmativa. Trata-se de buscar a igualdade. O SESC é muitas vezes a única opção cultural para moradores de regiões mais carentes. Como é pensada a programação para atender a diversidade de origem desse público? A programação é sempre pensada em função da qualidade e da acessibilidade, tentando ser o mais universal possível. Dentro de nossos critérios, buscamos levar à nossa programação atrações de peso, que atinjam um número maior de pessoas. Mas nunca é de maneira gratuita, porque a gratuidade absoluta não é sempre educativa. Temos uma preocupação no sentido de que a participação da pessoa no evento se dê por meio daquilo que ela tem de precioso, que é o seu dinheiro, mesmo que em uma quantidade pequena, quase simbólica. O SESC oferece eventos culturais de alta qualidade por preços acessíveis. Por exemplo, a apresentação de Ron Carter realizada na unidade de Pinheiros, em 2011. Um dos maiores baixistas do jazz pode ser visto por, no máximo, 40 reais. No entanto, quem detém capital cultural também possui capital financeiro. Ou seja, o público de Ron Carter teria condições de pagar valores mais altos para ver seu show. Como inverter essa lógica? É verdade que a acessibilidade, muitas vezes, está vinculada ao poder aquisitivo. Mas nós procuramos superar essa questão, pois recebemos contribuições de empresas privadas para manter o SESC. Então, temos de retribuir, devolver para a sociedade aquilo que a instituição recebe pelas mãos das empresas. Nós não recebemos para guardar, para pagar os salários dos funcionários
e ficar numa boa, não. Devemos realizar uma ação em benefício da acessibilidade e da democratização com todo tipo de proposta, desde o erudito ao popular. A programação vai da ópera ao hip hop, sem problemas, porque não temos nenhum preconceito contra qualquer forma de manifestação artística. Tudo o que procuramos fazer é facilitar ao máximo esse acesso. O objetivo do SESC, de certa forma, se confunde com o que o poder público deveria fazer? O SESC é uma instituição mantida com recursos que vêm da comunidade. Não é propriamente um imposto, mas é muito próximo disso. Portanto, retribuir para a comunidade o que recebemos é cumprir uma missão de caráter público. Isso nos aproxima daquilo que o poder público deve fazer, mas existem posições diferentes. O SESC realiza essa ação prioritariamente para os trabalhadores da área de comércio e serviços, em empresas mantenedoras do SESC. É, portanto, uma instituição com uma missão diferente do poder público, que não tem clientela preferencial. Mas é claro que também estamos abertos a ações destinadas ao público em geral – é inimaginável uma instituição que tenha um caráter educativo e cultural voltada para uma clientela realmente restrita. Ao fazermos isso, cumprimos a missão de pagar a sociedade e, ao mesmo tempo, nos abrimos à comunidade inteira. Outra diferença é que o poder público tem de se preocupar com a parcela mais carente da população, ele deve equilibrar a sociedade. A igualdade exige ações afirmativas. Além disso, o SESC atua em cooperação com o poder público. Há um programa de férias voltado para as escolas públicas estaduais e municipais, por exemplo. Em uma entrevista à Folha, o senhor disse que o orçamento do SESC dobra a cada seis anos... É verdade [risos]. Dobrou nos últimos anos porque a economia brasileira cresceu. Com isso, o mercado informal diminuiu e o formal aumentou. Vivemos um momento de desemprego relativamente baixo, em comparação com o resto do mundo. Isso significa que as empresas contratam mais trabalhadores com carteira assinada. Assim, a contribuição com o SESC e com a previdência aumenta. A forma de recolher o dinheiro que mantém o SESC é juntamente com a previdência. Conclusão: nossa arrecadação cresceu. É uma questão técnica e econômica. Como a instituição se adequou a essa maior liberdade financeira? Setembro de 2012 | CÁSPER
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“Qual é o segredo de uma civilização mais avançada? É lidar com o diferente de maneira igual, tratar a todas as pessoas igualmente”
Ampliando e tendo maior responsabilidade com o uso do dinheiro. Temos um plano de expansão do ponto de vista físico e conceitual, da capacidade de desenvolver o trabalho. Temos várias unidades para serem inauguradas nos próximos anos. Hoje em dia, temos 1,3 milhão de pessoas que passam por mês nas catracas do SESC no Estado de São Paulo. [Mostra, na tela de seu computador, esses dados sendo atualizados a cada segundo.] É parecido com o Impostômetro, instalado no centro de São Paulo, só que do bem. Pois é, mas temos de analisar essa questão com calma. Imposto funciona como algo que tem que ser pago. Uma parte é certa, outra parte é excesso que acaba mal gasto em meio à corrupção. Pagar imposto não pode ser uma coisa tão ruim porque está relacionado com um sentimento de brasilidade: você faz parte de uma nação e tem que ajudar a pagar as contas dela. No ano passado, foi inaugurada uma unidade do SESC no Bom Retiro, uma região de onde todo mundo parece fugir. O senhor considera esse um fato icônico da atuação do SESC? Se não é, eu gostaria que fosse. Nossa intenção foi instalar essa unidade próxima ao Bom Retiro exatamente para melhorar a vida da clientela daquela região. Ter unidades em regiões “problemáticas”, para usar uma palavra mais genérica, é um pouco a vocação do SESC. Nossa intenção é colocar unidades em lugares de fácil acesso, perto de estações de metrô e de terminais de ônibus. Não foi determinante ir aonde estava a cracolândia, era somente parte do plano de expansão do SESC, mas também não há problema nenhum que seja ali. É um problema que está sendo enfrentado, às vezes de maneira não muito hábil, mas está sendo enfrentado. Tudo faz parte de um projeto em que os caráteres republicano, democrático e laico são o fundamento. 58
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É meio utópico... É utópico, mas realizamos um pouquinho de utopia aqui. Em suas viagens ao exterior, que políticas culturais o senhor considerou interessantes para serem aplicadas no Brasil? Nós temos muito que aprender e muito que ensinar. Acredito verdadeiramente no intercâmbio permanente de ideias. Quando presidi o Ano da França no Brasil pelo lado brasileiro, vi que os franceses são avançados em alguns aspectos, se comparados a nós. A França dispõe de um patrimônio cultural e histórico importantíssimo e eles têm uma política estabelecida de muitos anos para conservar, melhorar, tornar acessível e divulgar sua cultura e sua história. Eles têm um tratamento, uma forma muito inteligente e antiga de lidar com esse material, mas eles também sabem transformar isso em valor, em economia. O turismo é a maior fonte de receita da França e nós temos de aprender com eles a lidar com nosso patrimônio, criar uma rede nacional de museus, por exemplo. Eles têm muito a nos ensinar. É claro que não são perfeitos, têm problemas como a intolerância com os diferentes, enquanto temos problemas econômicos graves, que se refletem na distribuição de renda entre a população. O grupo de pobres tem um maior número de negros do que a parcela média rica. Por quê? Porque a escravidão terminou 140 anos atrás. Em Nova York, por exemplo, há um bairro judeu, um bairro árabe, um latino. Não temos essa separação, a não ser entre pobres e ricos. O que nós temos a ensinar para eles é sobre tolerância e convivência, apesar de todas as nossas dificuldades. Na favela você encontra branco, negro, mulato, descendente de índio. O Brasil é admirado pela tolerância, pelo multiculturalismo, pela alegria de viver. Podemos ensinar isso. Agora a pergunta inevitável. O que o senhor pensa da especulação do seu nome para assumir o Ministério da Cultura? Preciso mesmo falar sobre isso? [Dá um suspiro bem humorado, acompanhado de uma breve risada]. Como repórter, devo perguntar... Você ouviu isso em algum momento? [Risos] Não é uma questão que me preocupa de maneira especial porque isso não está colocado em pauta, para valer. Se vier uma proposta, vou pensar. Mas, na realidade, não tenho uma perspectiva resolvida previamente, porque depende de tantos fatores... Desejar, pessoalmente, não desejo. Mas vou pensar com toda a seriedade, no momento em que esse convite vier – se algum dia vier.
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notícias CASPERIANAS RÁDIO E TV
Cursos, ciclos de palestras, debates e encontros compõem o calendário de atividades da Faculdade Cásper Libero VI Semana do Audiovisual promove encontro entre profissionais e alunos Pensando na importância do contato entre os estudantes e profissionais da área, a Coordenadoria de Rádio e TV organizou, entre os dias 13 e 18 de agosto, a sexta edição da Semana do Audiovisual. O Teatro Cásper Líbero recebeu profissionais ligados aos
mais diversos ramos do audiovisual, que revelaram, em meio a palestras e bate-papos, os detalhes e dificuldades da rotina de trabalho – seja ela relacionada à dublagem, animação ou cinema. “A semana abrange temas diferentes dos que são abordados em
aula e aprofunda os conhecimentos. É uma oportunidade para os alunos trocarem experiências com profissionais de destaque e estabelecerem contatos”, explica Mariana Pescutti, aluna do quarto ano de RTV e uma das organizadoras do evento.
Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now, de Ninho Moraes, leva o prêmio Kikito O mais recente trabalho de Ninho Moraes, cineasta e professor de Produção de TV e de Administração e Planejamento do curso de Rádio e TV da Faculdade, levou o prêmio de melhor trilha musical no 40º Festival de
Cinema de Gramado. O documentário Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now, produzido em parceria com o diretor Francisco Cesar Filho, busca lançar um olhar atual sobre um dos movimentos mais importantes da cultura brasileira:
o tropicalismo. Por meio de entrevistas, esquetes e um show liderado por André Abujamra – responsável por toda a estrutura musical –, o filme tenta localizar, nos dias de hoje, referências daquela época.
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Danilo Gentili na VI Semana de Audiovisual falou sobre seu novo projeto, o late show Agora é Tarde
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Ciclo de Palestras de Publicidade: os desafios da Era Digital Com o tema “A propaganda e os meios digitais”, a faculdade realizou, entre os dias 28 e 30 de agosto, o Ciclo de Palestras de Publicidade. Profissionais de grandes agências publicitárias de São Paulo reuniram-se com alunos para discutir os rumos da profissão, frente a um processo de digitalização cada vez mais intenso. Para Walter Freoa, coordenador do curso de Pu-
blicidade, “aproximar-se da realidade do mercado é essencial para a carreira e a busca pelo novo, tanto por parte dos alunos como dos professores, é o principal saldo de um evento que tem conteúdo e informações atualizadas”. Em meio ao debate, os palestrantes abordaram tópicos como a presença digital em empresas brasileiras e a comunicação no nosso século.
Cultura Judaica é tema de mostra na faculdade
Rodrigo Almeida, da agência Talent
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Diniz, coordenador de Cultura Geral. Houve exibições de filmes, mesas de debates e uma visita monitorada às litografias de Marc Chagall para A Tempestade, de Shakespeare, localizadas no auditório do Centro da Cultura Judaica. Refletiu-se sobre as principais questões relacionadas com a sociedade israelense e o papel do jornalismo cidadão. “É esse tipo de formação que você leva para toda a vida, pois mexe com sua capacidade de enxergar o diferente como ser humano”, completa.
Entre 20 e 24 de agosto, e também no dia 29, uma série de atividades integrou a Mostra da Cultura Judaica, uma parceria entre a Coordenadoria de Cultura Geral e o Centro da Cultura Judaica de São Paulo. “Nosso objetivo foi mostrar aos alunos a diversidade cultural e falar sobre a importância de exercitar a tolerância com o diferente, algo fundamental para qualquer formação, mas principalmente na área de Comunicação Social”, comenta o professor Adalton
Locução e aprendizado Aquecimento de voz, interpretação de texto e clareza na apresentação de notícias. Todos esses fundamentos do telejornalismo integraram o segundo módulo do Curso de Locução para Telejornalismo, ministrado por Celso Cardoso, narrador e apresentador do
programa Gazeta Esportiva, além de apresentador e editor de esportes do Jornal da Gazeta. De 23 de julho a 3 de agosto, os alunos inscritos tiveram a oportunidade de elaborar um telejornal, por meio de conhecimentos prévios e exercícios práticos.
Carlos Gutierry comanda o debate “Desafiando a Cultura Judaica”
Observatório de Relações Públicas traz Antoni Noguero i Grau à faculdade Em comemoração aos 40 anos do curso de Relações Públicas da Faculdade Cásper Líbero, foi realizado, no dia 28 de agosto, o Observatório de Relações Públicas. Sob o tema “Relações Públicas globais: conceitos e análises”, o evento trouxe ao número 900 da Av. Paulista, o Prof. e Dr. Antoni Noguero i Grau da Universidade Autônoma de Barcelona.
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RELAÇÕES PÚBLICAS
JORNALISMO
CULTURA GERAL
PUBLICIDADE E PROPAGANDA
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Antoni Noguero i Grau, professor da Universidade Autônoma de Barcelona
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RESENHA
As aventuras do
Delegado Espinosa por Carlos Costa imagens Divulgação/Cia das Letras
F
ui apresentado ao então jovem Delegado Espinosa em 1996, pelo escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza, um professor universitário e psicanalista do Rio de Janeiro nascido em 1936. Formado em Filosofia e Psicanálise, escreveu obras acadêmicas na área de psicologia, como Freud e o Inconsciente, Introdução à Metapsicologia Freudiana: Sobre as Afasias (volume 1) e A Interpretação do Sonho (volume 2), todos pela Editora Jorge Zahar. Mas ao se aposentar da academia, aos 60 anos, Garcia-Roza decidiu dedicar-se à literatura. Escolheu escrever romance policial, um gênero praticamente inexistente em nossa ficção. Pois foi com O Silêncio da Chuva (Companhia das Letras, 1996), primeiro trabalho de Garcia-Roza em sua proposta de se tornar romancista, que conheci o Delegado Espinosa, na época um inspetor policial. O livro de estreia ganhou um dos principais prêmios literários do país, o Jabuti. E Garcia-Roza conquistou um fiel leitor, que acompanhou o trabalho desse delegado que trata bem seus suspeitos, tem paciência de Jó em dar tempo ao tempo, nunca usando de expedientes escusos para obrigar um menino de rua a contar o que sabe. Naquele 1996, telefonei para Garcia-Roza na tentativa de agendar uma entrevista, pois achava que o frescor de sua narrativa e a criação de um delegado amante de livros – que os fareja em sebos, empilhando-os uns sobres os outros, de modo a formar improvisadas estantes – interessava à
proposta editorial que tentava imprimir à revista Elle, última publicação que dirigi na Editora Abril. Mas a visão da secretaria editorial da empresa naquele momento era outra, queriam a Tiazinha na capa – aquela instant celebrity que com um chicotinho castigava os garotos que erravam alguma das tarefas insólitas propostas pelo estreante Luciano Huck nas tardes da TV Bandeirantes. Nesse desencontro de visões, fui cuidar de nova carreira na academia, ingressando no mestrado aos 50 anos. E a entrevista com Garcia-Roza continua pendente, passados dezesseis anos. Ao longo desse período fui colecionando os títulos saídos da criativa urdidura de Garcia-Roza. Achados e perdidos, em 1998; Vento sudoeste, 1999; Uma janela em Copacabana, 2001; Perseguido, 2004; Espinosa sem saída, 2006; Na multidão, 2007; Céu de origamis, 2009, todos pela Companhia das Letras. Com esse trabalho quase bienal de construir uma narrativa inteligente, Garcia-Roza se consolidou como o nosso Georges Simenon, com histórias de leitura agradável e de escrita leve, narrando as idas e vindas desse delegado, solteirão empedernido, metódico sem ser rabujento, um tanto carente com suas lasanhas congeladas, quase sempre dormindo no sofá da sala em meio à leitura, no apartamento simples e em aparente desordem em que reside no tranquilo enclave de Copacabana conhecido como Bairro Peixoto. Há anos Espinosa cultiva uma relação meio aberta
com a bela Irene, com quem se encontra nos finais de semana, quando o trabalho não o requisita. Suas histórias acontecem no Rio de Janeiro, mas escapam dos chavões ao mostrar uma cidade sem o glamour das novelas da Globo, e a atividade policial sem as perseguições implacáveis de carros em alta velocidade – quase sempre o delegado anda a pé, mais focado na tarefa cidadã de proteger os perseguidos. Nas diligências de Espinosa não há traficantes, invasão de morros, helicópteros, tráfico de armas, como nas peripécias do Capitão Nascimento de Tropa de Elite. São casos que tratam dos pequenos dramas pessoais, com personagens em que GarciaRoza revela seu lado humanista de psicólogo e filósofo da existência. Agora, às vésperas de uma longa viagem, comprei o mais recente episódio dessa consistente construção de Garcia-Roza, Fantasma, lançado no final do primeiro semestre. Foi daquelas leituras de que a gente sente pena por chegar logo ao final: poderia ter uns tantos capítulos mais. Espinosa em Fantasma já não é o bacharel jovem que estreara como inspetor em 1996, mas segue usando a inteligência e não a prepotência para resolver os casos intrincados de extermínio de menores de rua, de assassinatos, de perseguições misteriosas e de roubos que envolvem e expõem as pequenas misérias humanas. Ele envelheceu, é agora um cinquentão, como envelhecemos Garcia-Roza e eu. Setembro de 2012 | CÁSPER
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Em Fantasma, Espinosa deixa por uns dias seu apartamento no Bairro do Peixoto e se transfere para um hotelzinho ali perto, para finalmente realizar a reforma do banheiro e da cozinha do pequeno local onde sempre viveu. Jamais foi um supertira disposto a fazer a faxina dos maus elementos da corporação com palavras de ordem (“Pede pra sair!”), pois para ele a realidade não se resume a um jogo maniqueísta que divide ou separa os bons dos maus. O centro dessa história é Princesa, uma mulher beirando os 30 anos. Com sério problema de obesidade mórbida, ela vive numa calçada da Avenida Nossa Senhora de Copaca-
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bana, a duas quadras da delegacia comandada por Espinosa. Loura e de gestos delicados, fala mansa, Princesa testemunha, numa madrugada, o assassinato de um estrangeiro que chega de táxi e desce em frente a um prédio a poucos passos do local onde ela está estirada, talvez dormindo. O recém-chegado tenta se comunicar pelo celular, para poder entrar no prédio, mas é esfaqueado por dois meninos de rua, que arrastam o corpo para um canto, roubam os pertences da vítima e desaparecem na madrugada chuvosa. E o que foi feito da mala que trazia o estrangeiro? Tudo indica que Princesa sabe mais do que admite. Mas ao viver
num mundo criado por ela, a frágil obesa confunde desejos e fantasias com a realidade. Garcia-Roza se vale do estoque interpretativo que trouxe da psicanálise para pintar com maestria alguns personagens. Além de Isaías, o namorado platônico da Princesa, outra bela caracterização é a da falsa irmã do estrangeiro, que vem de São Paulo reclamar o corpo e, sobretudo, recuperar a mala, revelando-se uma dissimuladora de primeira. A história termina, o autor respeita a inteligência do leitor e não se perde em explicações didáticas. Como se Garcia-Roza buscasse a meta proposta por Pier Paolo Pasolini de usar imagens e não a fala para “entregar” a narrativa. Fechado o livro, vem a reflexão. Diante da truculência de nossos policiais, leio no jornal O Estado de S. Paulo que a “Polícia Militar pretende definir, em parceria com a Universidade de São Paulo, uma nova matriz curricular para os cursos de praças e oficiais”. Esse currículo buscará criar condições para mudar a postura e a forma de agir dos novos policiais que forem treinados para a corporação, priorizando o serviço de proteção social da PM. Segundo o coronel Luiz Eduardo Pesce Arruda, diretor de Ensino e de Cultura da Polícia Militar, a corporação discute atualmente as competências e o perfil que pretende buscar entre aqueles que querem trabalhar na PM. Depois desse perfil ser definido, “serão discutidas as disciplinas a serem ensinadas para conseguir formar o profissional com as características almejadas”. Com quase dez livros narrando histórias tão humanas, os títulos de Garcia-Roza bem poderiam ser contemplados nessa revisão do programa de treinamento da Polícia Militar. Seria um excelente material didático para nossas academias de polícia. Os jovens aspirantes teriam no delegado Espinosa um belo espelho para se formar “guardadores da pólis”. Uma postura de serviço para o cidadão, sem a truculência que normalmente campeia quando esses avalistas da segurança do homem comum entram em cena, atirando para qualquer lado.
Os livros de Garcia-Roza O silêncio da chuva, 1996 (Prêmio Jabuti 1997; edição de bolso em 2005) Um executivo é encontrado morto com um tiro, sentado ao volante de seu carro num edifício-garagem no centro do Rio. Além do tiro, nenhum sinal de violência. Ninguém viu nada, ninguém ouviu nada. Encarregado do caso, o inspetor Espinosa tem difícil tarefa, que se complica quando ocorre outro assassinato e pessoas começam a sumir. Achados e perdidos, 1998 Um delegado aposentado, Vieira, se envolve com a insinuante Flor, uma prostituta que também mostra as asas para o jovem delegado Espinosa – que se ressentirá por falhar na proteção de um dos meninos de rua, personagens constantes nos livros de Garcia-Roza. Vento sudoeste, 1999 Espinosa recebe um estranho pedido de um homem: investigar um assassinato ainda não cometido e cujo autor seria ele próprio. Mais estranho: o homem não sabe o motivo do crime, como será cometido e quem será a vítima. O que de início parece delírio persecutório assume contornos brutais, um desafio à perícia do titular do 12ª DP em Copacabana. Uma janela em Copacabana, 2001 Dois policiais são executados em pouco tempo e as mortes têm muito em comum. Ambos são policiais de segundo escalão, com carreiras medíocres, eliminados pelo mesmo homem, que dispara à queima-roupa sem deixar rastro. Se matar um tira não é nunca um bom negócio, o autor dos crimes deve ter eliminado dois por estrita necessidade. Espinosa, antes de elucidar a trama, enfrenta outras mortes e uma mulher enigmática, casada com um figurão do governo federal. Perseguido, 2004 O psiquiatra do complexo universitário hospitalar da Urca sente-se perseguido por um jovem paciente. A sensação de perseguição aumenta e passa a ser vivida por pessoas ligadas ao médico. Misteriosamente, o paciente desaparece e, após alguns meses, é dado como morto. Outras mortes se seguem. E o agora delegado Espinosa tem de separar o que é real do que é criação mental – e aí Garcia-Roza mostra que é bom no terreno das fantasias psicóticas. Espinosa sem saída, 2006 O assassinato de um sem-teto no alto de uma ladeira de Copacabana poderia ter virado apenas um boletim de ocorrência a mais na rotina da delegacia. Mas não é assim com Espinosa, que vai atrás do caso. No meio do caminho, outro assassinato, de uma psicóloga do “andar de cima”, se embaralha com o primeiro. A história entra pelos labirintos da mente humana, e Garcia-Roza põe em ação sua vasta expertise psicanalítica, mostrando que há conexões entre o trabalho do psicanalista e o do investigador policial. Na multidão, 2007 A pensionista do INSS Laureta Sales Ribeiro morre atropelada. Acabava de sair do 12ª DP, em Copacabana, onde tentara conversar com Espinosa. Depoimentos de testemunhas levam à hipótese de homicídio. E as investigações conduzem a uma agência da Caixa Econômica Federal e a um suspeito: um funcionário exemplar com o estranho hábito de fundir-se à multidão nas ruas do Rio. Quando tudo parece esclarecido, novo assassinato surpreende a polícia e lança outra luz sobre a investigação. Céu de origamis, 2009 Cecília é a competente secretária do dentista Doutor Marcos. Depois que o patrão sai do consultório ela guarda o equipamento, desliga os aparelhos, tranca a porta e vai embora. O dentista é homem tranquilo, de rotinas definidas. Hoje ele e a mulher irão jantar em casa de amigos, algo fora do habitual. No dia seguinte, a polícia vem ao consultório em busca de informações sobre o dentista, que sumira sem deixar rastro.
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CRÔNICA
Cidade
de dentro
por Flávio Aquistapace
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hamado para um reencontro de ex-colegas da faculdade, ele, de última hora, despista o convite já confirmado e decide descobrir – pelas ruas do centro, que é onde mora – o que há na cidade para viver ao acaso, já que o acaso é, possivelmente, o único dos atributos da vida cotidiana que não está à venda – a alegria, o sexo, o sonho, e até mesmo a angústia ou a tristeza, todos existem de acordo com os impulsos, as vontades e o bolso. Então decide sair de casa só e a esmo, na tentativa de não pensar no que deixou para trás – a grita dos reencontros, a atualização das atividades, os beijinhos na face, a memória dos eventos passados, as aulas ausentes, os trabalhos malfeitos, as festas espetaculares, o TCC quase recusado, fora do prazo. Pela cidade, a metrópole congestionada, embora o sábado no começo da noite, ele observa a mudança de aparência que a luminosidade proporciona com o correr das horas aos prédios históricos, no percurso do final da tarde até o auge da noite, antes de a madrugada avançar por sobre os corpos. Enquanto anda, pensa por palavras, e é assim que caminha menos tensionado, talvez para não topar com as razões que ora desconhece ao deixar para trás aquele encontro entre amigos, por ele confirmado. Certamente mal notarão sua ausência, inebriados pelo álcool e também pela sedução dos olhares, num reencontro sem dúvida entusiasmado, a despeito das diferenças do passado e da maior ou menor proximidade, para um ou para outro, desde aquela última semana de atividades na faculdade. Fazem todos parte do mesmo mercado e é comum se reencontrarem nas redes sociais, nas redações, na comu66
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nidade. “A cidade é um ovo”, “Não, a renda que é muito concentrada.” A dispersão de energia é que não muda, e o que se faz com a vida entediada? Apanhados pelas notícias, inebriados pelas novidades, o êxtase da desmedida ronda o corpo e o prazer; sem dúvida, vive-se também na ressaca. Enquanto isso, certamente faz noite, e ele pensa que o ar está finalmente cortante e gelado – do jeito que gosta e como quase nunca mais se conheceu nestas praças. Então lembra-se de que – para qualquer um – são nos momentos de frio que o calor se faz mais necessário. A cidade vibra ao seu redor e prescinde de suas palavras. Ele segue em frente. Diante da Prefeitura, ao avistar um trabalhador, em seu uniforme, saindo lá dos bueiros, com metade do corpo para fora, ele novamente se dá conta de que algo nos tubos da via, longe dos olhares, se transforma. A cidade vai bem sem suas palavras, é do que se recorda. Nesta mesma cidade, na qual dificilmente se experimenta o silêncio, como descobrir qual fala está deslocada? O vento frio sopra sobre os citadinos que se aventuram e traz, num volume rarefeito, antigas palavras desaparecidas do vocabulário corrente, misturadas ao grito de jogos de crianças, e então ele torce silenciosamente para que a salvação – qualquer uma, no que sobrar do tempo – jamais seja uma presente ameaça. ______________________________________________ Flávio Aquistapace é jornalista formado pela Cásper Líbero em 2005, com pós em Língua Portuguesa e Literatura pelo Mackenzie. Digerindo Penas, publicado em 2012 pela Editora Patuá, é o seu primeiro livro de ficção.