REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA FACULDADE CÁSPER LÍBERO #52 – 2º SEMESTRE DE 2012
O QUE VAI PELA CABEÇA DOS JOVENS? Das manifestações às baladas, as caras e as cores da juventude de hoje
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ESQUINAS – 1º SEMESTRE 2012
EDITORIAL Revista-laboratório do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero
Fundação Cásper Líbero Presidente Paulo Camarda Superintendente Geral Sérgio Felipe dos Santos Faculdade Cásper Líbero Diretora Tereza Cristina Vitali Vice-Diretor Welington Andrade Coordenadora de Jornalismo Daniela Osvald Ramos
Dos protestos às baladas
Professor responsável Heitor Ferraz Mello Monitoria Editora Mariana Marinho Assistente editorial Patricia Homsi Editora de Arte e Fotografia Mariana Oliveira Diagramação Luíza Fazio, Mariana Oliveira e Rafaela Malvezi Revisão Amanda Massuela, Caroline Mendes e Patrícia Homsi Participaram desta edição Alessandra Freitas, Amanda Martins, Amanda Massuela, Ana Bardella, Ana Beatriz Barbosa, Ana Luísa Vieira, André Baldini de Melo, André de Oliveira, André Silva, Bárbara Pires, Beatriz Atihe de Oliveira, Beatriz Avila, Beatriz Coppi, Beatriz Pietros, Bianca Castanho, Brenda Amaral, Bruno Passos Cotrim, Camila Sander, Caroline Luchesi, Caroline Mendes, David Alves, Débora Fiorini, Elioenai Paes Gonçalves, Elisa Bentivegna, Gabriel Fabri, Gabriel Oliveira, Gabriela Bocaccio, Gabriela Sá Pessoa, Gabriela Zocchi, Giovana Rabbath, Giulia Ebohon, Guilherme Burgos, Gustavo Jazra, Isabela Duarte, Izabella Mayumi, Jaqueline Gutierres, Jéssica Fiorelli, Jéssica Miwa , Jéssica Tabuti, Júlia Barbon, Julia Latorre, Juliana Causin, Juliana Matsuoka Pasta, Karen Goulart, Ketlyn Taddeucci, Letícia Larieira, Laura Gallotti, Leonardo da Silva Lima, Letícia Dias, Letícia Yazbek, Lucas Paulino, Marcela Lima, Maria Beatriz Gonçalves, Maria Cortez, Mariana Diello, Mariana Luz, Mariana Moreira, Mariana Zóboli, Mayara Moraes, Nathalie Provoste, Pamela Vespoli, Paola Perroti, Patrícia Homsi, Patrícia Rodrigues Alves, Petrus Lee, Rafaela Malvezi, Rafaela Merchetti, Renato Machado, Ricardo Archilha, Samanta Esteves Nagem, Stella Borges, Suellen Fontoura, Talles Braga ,Tatiana Carvalho, Thaís Helena Reis, Thaís Varela, Vinícius de Vita, Vinícius Giglio e Vinícius Pessoa
HEITOR FERRAZ MELLO
Este número da Revista Esquinas procura investigar, por meio de vários caminhos, a vida dos jovens de hoje: sua atuação política, seus sonhos, seus hábitos, suas transformações etc. Virou lugar-comum dizer que os jovens são alienados e pouco se importam com o destino coletivo do país; que estamos diante de uma juventude que, no máximo, protesta protegida por um teclado e uma tela de computador, e que prefere as luzes piscantes de uma casa noturna, numa das tantas baladas que acontecem em São Paulo. Verdade, ou apenas uma dificuldade de compreender o que se passa na cabeça dos jovens de hoje? Talvez nem uma coisa, nem outra, como revelam as matérias reunidas nesta revista. Para este número, feito por alunos de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, principalmente pelos estudantes do primeiro e do segundo ano, procuramos montar uma pauta que abarcasse todos esses lados. Demos especial atenção aos movimentos coletivos, com suas manifestações de rua, como os protestos no ano passado contra a desocupação violenta de Pinheirinho, em São José dos Campos, a Marcha da Maconha, os “escrachos” em frente à casa de torturadores do período militar, a Marcha das Vadias, contra o machismo que ainda impera no país; também procuramos co-
nhecer os anseios da chamada “nova classe C”, a partir de entrevista com o cientista político André Singer; dedicamos algumas páginas com matérias e fotos aos movimentos culturais do centro e da periferia. Também conversamos com personalidades de outras gerações, buscando sua memória de juventude e como eles veem os jovens de hoje. E, como não poderia deixar de ser, numa juventude fortemente visual, incluímos também uma reportagem em quadrinhos. É uma pequena mostra da vida dos jovens nesse primeiro decênio do século 21. Há muito ainda para sonhar e lutar num país como o nosso, que só agora começa a superar, ou a procurar superar, suas mazelas históricas. Ainda haveria, certamente, muitas outras pautas, mas que não couberam nestas páginas. Este número abre com um Especial Holanda, trazendo matérias de nossos alunos feitas na Holanda por meio do intercâmbio entre a Faculdade Cásper Líbero e a Christelijke Hogeschool Ede, coordenado em São Paulo pela correspondente holandesa Stijntje Blankendaal. Os jovens de cá vendo os jovens de lá. Como tem sido uma prática da revista, a edição ficou a cargo dos próprios alunos da faculdade, especialmente da estudante Mariana Marinho, que substitui Tiago Mota, no cargo de editor, e fez um belo trabalho.
Imagem de capa: Guilherme Burgos Agradecimentos Carlos Costa, Daniela Osvald Ramos e Helena Jacob
Na edição # 52, a Revista Esquinas foi às baladas, estudou com os gênios, consultou os mais vividos, entrou na luta em manifestações sociais, mergulhou no som da periferia e investigou os anseios da ‘nova classe C’. Tudo isso para produzir um panorama do que move o jovem hoje.
GUILHERME BURGOS
Núcleo de Redação Avenida Paulista, 900 — 5º andar 01310-940 — São Paulo — SP Tel.: (11) 3170-5874 E-mail: revistaesquinas@gmail.com www.casperlibero.edu.br
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SUMÁRIO
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14 06 ESPECIAL HOLANDA
26 ME PROCUREM NAS RUAS
14 ...E ELAS CONTINUAM MARCHANDO
30 SE NÃO SENTE SAUDADE, NÃO TEVE INFÂNCIA
19 GERAÇÃO BALADA
32 SEMPRE EM FORMAÇÃO
22 SOFRO DE JUVENTUDE
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Dez alunos foram para a Holanda por meio do programa Beyond (y)our World com um propósito: sujar os sapatos. O resultado dessa experiência você confere nas oito primeiras páginas da revista
Marcha das Vadias, Femen, Marcha Contra a Mídia Machista: as mulheres saem às ruas e entoam novos gritos de protestos
Do sertanejo ao eletrônico, a Esquinas descreve as características e o comportamento dos baladeiros da noite paulistana
Bernardo Kucinski, Ênio Gonçalves, Ronaldo Correia de Brito, Pedro Martinelli, Gerson Conrad e Francisco de Oliveira contam como era a juventude dos anos 1960 e opinam sobre a atual
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A geração de hoje, conhecida pelas revoltas relâmpago, mostra seu engajamento em mobilizações e protestos de fôlego
Apegados a sucessos do passado, jovens encontraram nas redes sociais uma forma de compartilhar sua nostalgia
Luisa Geisler, escritora gaúcha de apenas 21 anos, conta sua rotina de trabalho e como lida com o título de revelação da literatura brasileira
O blogueiro Guilherme Cury e o grafiteiro Thiago Mundano fugiram do tradicional utilizando ferramentas alternativas para realizar seus projetos
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46 DE TODOS E DE NINGUÉM
Conheça os coletivos: grupos horizontais formados por jovens que buscam soluções criativas para o caos urbano
50 FORA DO QUÊ?
O Circuito Fora do Eixo atua em 25 estados brasileiros defendendo a produção musical de bandas independentes
52 SEÇÕES 36 SOMPERIFA 56 O CAMPO É DELAS 64 QUADRINHOS 68 ALI NA ESQUINA 70 CRÔNICA
52 FÁBRICA DE GÊNIOS?
Na USP, o curso de Ciências Moleculares forma alunos com habilidades interdisciplinares
58 MUITO PRAZER, CLASSE C
André Singer, cientista político e professor de Ciência Política da USP, comenta as características da chamada nova classe C. Nas páginas seguintes, 103 milhões em ação mostra o cotidiano e os anseios dos jovens desse estrato
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HOLANDA
ESPECIAL HOLANDA “SERÁ QUE ELES são legais? Vamos entender o sotaque? Quando eles chegarem, damos as mãos ou beijamos?” Essas eram as perguntas que alguns dos alunos de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero faziam ao aguardar ansiosos a chegada de estudantes do mesmo curso da Universidade de Ede, na Holanda. Meio ano depois, dez estudantes da Cásper Líbero fizeram uma contra visita à Holanda. Na chegada em Schiphol, em maio, já sabiam que os colegas eram legais, mas lhes aguardava toda uma experiência nova nos Países Baixos. A missão dos holandeses e dos brasileiros era levantar e publicar - uma série de reportagens. Assim puderam viver uma experiência curta e intensa de correspondente internacional, por meio do programa Beyond(y)ourWorld da organização holandesa Lokaalmondiaal. Durante os meses de preparação, os estudantes do Brasil e da Holanda se comunicaram por e-mail e Facebook. Pautas foram lançadas e discutidas em várias reuniões. Foram realizados encontros com lideranças comunitárias de favelas, jogadores de futebol, cientistas e artistas. O processo de aprendizagem aconteceu dos dois lados. Amizades nasceram. Leia agora alguns dos resultados deste intercâmbio, neste especial da Esquinas. E esperamos que este programa continue no ano de pré-Copa!
STIJNTJE BLANKENDAAL correspondente do diário holandês Trouw, coordenadora em São Paulo do projeto de intercâmbio Brasil – Holanda, entre Faculdade Cásper Líbero e Christelijke Hogeschool Ede
PETRUS LEE
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G500:
o espelho da
FORÇA dos JOVENS holandeses
O movimento está decidido a mudar os rumos de um congresso velho e pouco audacioso REPORTAGEM MAYARA MORAES (4o ano de Jornalismo)
formas, em vez de formar um novo partido. Isto porque formar outro partido em um sistema político já fragmentado como o holandes provocaria ainda mais segmentação.
rias no país onde se vive é responsabilidade de todos. “Nós estamos tentando achar novas formas de trabalhar antigas estruturas. Para isso temos que colocar a juventude no centro da política para que ela proponha novas ideias e soluções para os problemas que estamos enfrentando.” Ele ainda complementa: “Com o aumento da perspectiva de vida do holandês, nosso país está ficando cada dia mais velho. Não podemos ficar quietos enquanto isso acontece.”
PROPOSTAS DO MOVIMENTO Visando aprimorar o sistema de educação, para que o país se torne mais competitivo e mais forte economicamente, o grupo defende que 2,5% do PIB holandês seja investido nesse setor. Com relação ao sistema de sáude, o grupo acredita que aqueles que podem pagar pelos serviços devem fazê-lo. Além do mais, de acordo com o G500, uma reforma no mercado imobiliário se faz necessária para que os cidadãos de menor poder aquisitivo possam comprar habitações a preços mais acessíveis e mais próximas ao local de trabalho. A jornalista Kim Holla, 22 anos, acredita que o G500 conseguiu despertar, não só na juventude holandesa, mas em toda a sociedade, a vontade de se posicionar e atuar ativamente na política do país. “Nós sempre nos interessamos por política, mas não participávamos porque era entediante e chato. Víamos sempre as mesmas pessoas velhas e negativas no poder, mas o G500 nos fez compreender que podemos fazer a diferença”, diz.
MAYARA MORAES
“NÓS SOMOS OS G500 e estamos prontos para fazer a diferença.” Assim poderia ser traduzido o lema do jovem movimento político holandês. Formado em abril de 2012, o projeto pretendia reunir pelo menos 500 jovens entre 18 e 35 anos para que, em conjunto, solicitassem a participação nos três principais partidos políticos da Holanda: Cristãos Democratas (CDA), partido Liberal (VVD) e Partido Trabalhista (PVDA). O número de inscrições foi atingido em cinco dias. A proposta é ousada: rejuvenescer o governo holandês e colocar problemas que precisam de solução imediata na agenda da discussão nacional, como educação, saúde pública e habitação. Sywert Van Liendem, 21 anos, um dos criadores do movimento, conta que não esperava o apoio recebido do povo holandês. “A princípio pensávamos apenas em recrutar 500 pessoas e publicar uma carta de opinião no jornal.” Após duas semanas do lançamento do G500, mais de 200 mil pessoas passaram a apoiar o movimento na internet. Como resposta à ampla participação do povo holandês, o grupo resolveu abrir as inscrições para cidadãos que tinham mais de 35 anos. O movimento foi novamente surpreendido com o número de inscritos e então surgiu o G500 +. Hoje, os dois grupos contam com a participação de 1000 pessoas, 200 delas envolvidas em debates, comícios, comunidades e congressos. Liendem explica que o grupo participou ativamente das conferências realizadas pelos partidos até setembro de 2011, já que é durante essas cerimônias que as linhas partidárias são decididas. O principal ponto de discussão do G500 é a idade avançada dos políticos que estão no poder e que ocupam as 150 cadeiras do parlamento. De acordo com o grupo, “a reforma dentro do centro político pode servir como base para os futuros governos e tornar a Holanda pronta para o futuro”. Segundo Liendem, o grupo considera as estruturas partidárias já existentes para aplicar as re-
NOVAS POSSIBILIDADES Ao que parece, o empenho desses jovens vem dando resultados. O partido VVD, por influencia do G500, pensa em ajustar o sistema de cálculo de pensão e convencer as empresas a fecharem contratos temporários com seus funcionários (dois jovens do G500 terão a incubência de supervisionar o cumprimento do acordo), além de estimular o uso de 14% de energia renovável até 2020. O partido CDA já prometeu preservar a bolsa de base para licenciatura e mestrado, reduzir em 20% a emissão de CO2 até 2012 e convencer as empresas a fecharem contratos de trabalhos mais flexíveis e com um prazo de cinco anos. Liendem defende que promover melho-
Sywert Van Liendem acredita que a juventude deve estar no centro da política, propondo soluções para os problemas
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ESPECIAL HOLANDA
África branca, África preta
A fotógrafa Ilvy Njiokiktjien fala sobre as dores e a glória de produzir o multimídia Afrikaner Blood, uma história sobre o racismo vencedora do 2º World Press Photo Multimedia Contest 8
ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2012
REPORTAGEM CAROLINE MENDES (3o ano de Jornalismo) e JÉSSICA FIORELLI (4o ano de Jornalismo) IMAGENS ILVY NJIOKIKTJIEN
O SOL AINDA não nasceu por detrás da rala vegetação da região da Carolina, na África do Sul. Cerca de quinze meninos afrikaners, descendentes de holandeses e alemães, descarregam de um caminhão madeiras, lonas, cordas e mantimentos. Vestem-se com antigos uniformes do exército sul africano e armam um acampamento onde aprenderão, durante nove dias, como ser um “homem de verdade”. Um homem branco de verdade, capaz de defender a sua família dos violentos, inferiores, bárbaros e indignos negros.
Essa é uma das primeiras cenas de Afrikaner Blood, produção multimídia holandesa feita a quatro mãos pela jornalista Elles van Gelder e a fotógrafa Ilvy Njiokiktjien vencedor do 2º World Press Photo Multimedia Contest – maior prêmio do gênero multimídia. Herança do apartheid, o acampamento Kommandokorps para jovens afrikaners foi descoberto por acaso por Elles e Ilvy e, depois de um ano, tomou a forma de um multimídia envolvente, rico tanto em técnica quanto em crítica. À Esquinas, Ilvy Njiokiktjien, 27 anos, fala como foi produzir o Afrikaner Blood, viver o racismo tão de perto e ganhar o 2º World Press Photo Multimedia Contest.
Como você e Elles tiveram a ideia de fazer um multimídia sobre o acampamento Kommandokorps?
Nós estávamos na África do Sul cobrindo o funeral de Eugène Terre’Blache, um líder extremista do apartheid, e vimos um homem usando um uniforme antigo que nós sabíamos ser da época do apartheid. Ficamos curiosas. Fomos até ele e ele se apresentou como coronel Franz Jooste, líder de um acampamento que ensinava meninos brancos a se defenderem dos negros. Perguntamos se poderíamos ir ao acampamento fazer algumas fotos. Mesmo ele não se mostrando muito receptivo, nós decidimos manter contato até ele aceitar. Várias mídias de língua inglesa haviam tentado fazer reportagens sobre o acampamento – a BBC, por exemplo, mas só nós conseguimos. Acho que o que tornou o processo todo mais fácil foi o fato de eu e Elles falarmos africâner fluentemente. De certo modo, o coronel confiava em nós por causa disso.
Como você disse, vocês tiveram que se manter neutras. No multimídia, muitas vezes os meninos estavam sofrendo, chorando, e vocês não podiam fazer nada, não podiam ajudá-los. Como foi isso?
Elles sentia pena dos meninos e não conseguia filmar o sofrimento deles em algumas ocasiões. Já eu era quem dizia “Vamos lá, nós temos que filmá-los porque precisamos mostrar isso para as pessoas!”. Algumas cenas foram difíceis de filmar porque tínhamos que ficar com a câmera muito perto do rosto deles enquanto eles choravam. Eles só comiam carne e legumes enlatados e em pouquíssima quantidade. De vez em quando, dávamos alguma comida nossa para eles para tentar fazê-los mais fortes. Durante as entrevistas, eles ficavam felizes porque podiam entrar na nossa barraca, sentar e comer alguma coisa. Nós cuidamos deles um pouco, por baixo dos panos. Não podíamos fazer isso sempre porque colocaríamos tudo a perder, não podíamos intervir tanto, mas tentamos ser legais com eles, pelo menos.
Como foi a preparação para passar nove dias no acampamento e produzir o Afrikaner Blood?
Normalmente, Elles escreve e eu faço as fotos – tem sido assim pelos últimos cinco anos. Mas essa foi a primeira vez em que nós duas filmamos, gravamos e fotografamos tudo ao mesmo tempo. Usamos microfones, câmeras, cabos, luzes e tínhamos que registrar cada momento, cada frase que o coronel ou os meninos diziam. Nunca tínhamos feito um multimídia antes, então fiz um curso de três dias onde me deram uma lista enorme dos equipamentos de que iríamos precisar. Compramos tudo que estava na lista e começamos a fuçar na aparelhagem para descobrir como eles funcionavam. Mas mesmo nos primeiros dias do acampamento, nós não sabíamos direito como usar os microfones, câmeras e luzes. Pesquisamos na internet, levamos os manuais dos equipamentos para o acampamento e de madrugada nos debruçávamos sobre eles. Não tínhamos um roteiro porque não sabíamos como seria o acampamento, não tínhamos como preparar nem prever nada. Por isso ficamos felizes e surpresas por vencermos o 2º World Press Photo Multimedia Contest. No dia em que nossa vitória foi anunciada o Afrikaner Blood tinha cerca de 30 mil views no Youtube.
E eles foram legais com vocês?
No começo nós ficamos com medo porque só havia homens e tínhamos que dormir na mata, sem segurança alguma. Mas, sim, eles foram muito gentis e amigáveis. Se você os conhecesse fora do acampamento, não imaginaria o quão racistas são.
Na sua opinião, por que o acampamento existe?
Esse tipo de acampamento existe na África do Sul porque há muita violência. É fácil alguém tomar a palavra e dizer que são os negros que causam os males ao país e que é preciso se defender deles. O coronel dizia o tempo todo que os negros roubavam, matavam, que eram biologicamente menos inteligentes e que por isso, era preciso evitá-los. Os meninos acreditavam em tudo o que o coronel dizia porque eles vivem a violência. Um deles tinha apenas 15 anos e já havia matado quatro pessoas sendo que uma delas estuprou sua mãe e sua irmã. Se uma coisa dessas acontece com você, você reage sem pensar.
O quão importante você acha que é fazer multimídias, documentários, reportagens sobre racismo e xenofobia?
É importante, sim, mas por outro lado é preciso tomar cuidado para não fazer o problema maior do que realmente é. É claro que existem racismo e xenofobia na África do Sul, mas grupos como o do acampamento são bem pequenos. Tão importante quanto a mídia retratar o racismo na África do Sul é fazer um balanço, mostrar o dia-a-dia do país, a vida real longe desses grupos extremistas.
Sobre a experiência em si, como foi estar em um acampamento com aqueles homens e meninos reafirmando a todo o momento um ódio imenso pelos negros?
Foi muito difícil para nós porque moramos na África do Sul por um bom tempo, então temos muitos amigos negros. No acampamento, o coronel dizia coisas horrorosas sobre negros, judeus, gays, japoneses – sobre todos os que não são brancos. Eu e Elles queríamos dizer para os meninos que tudo aquilo era mentira e que eles não podiam pensar como o coronel. Mas não podíamos fazer isso ou estragaríamos a nossa história, colocaríamos tudo a perder. O tempo todo eles exaltavam a raça ariana e usavam Elles como exemplo, porque ela é branca, loira e tem olhos azuis. O coronel e os pais dos meninos, que os colocaram no acampamento, são totalmente loucos. Mas tínhamos que ficar caladas.
Cena do multimidia Afrikaner Blood em que os meninos aprendem técnicas de defesa e ataque ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2012
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ESPECIAL HOLANDA
Um país
sem várzea Amantes do futebol, holandeses crescem praticando o esporte em quadras bem estruturadas REPORTAGEM e IMAGEM RENATO MACHADO (3o ano de Jornalismo)
QUARTAS-DE-FINAL da Copa do Mundo. Estádio Nelson Mandela Bay, África do Sul, dois de julho de 2010. Brasil e Holanda duelam pela fase final da competição. O gol de Wesley Sneijder – o segundo dele na partida – decreta a eliminação brasileira e coloca a Holanda, país que nunca venceu a competição em que somos os únicos pentacampeões, na semifinal da Copa. Na Holanda, assim como no Brasil, o futebol começa cedo na vida das crianças. No entanto, a diferença abismal é notada na estrutura disponível. Enquanto jogamos no asfalto, em campos de terra ou de areia da praia, no país europeu, em quase todos os bairros das cidades grandes – ou nos principais bairros das cidades menores – há uma quadra pública e bem conservada, seja num bairro abastado ou na periferia. Aberta à população, com iluminação e redes protetoras, são nessas pequenas quadras que os holandeses desenvolvem sua paixão pelo esporte.
LIBERATION DAY Durante as comemorações do Liberation Day, em cinco de maio, a população holandesa saiu às ruas para exercitar suas atividades favoritas. O futebol, é claro, não ficou de fora. Com o apoio da Straatvoetbal Bond Nederland (SVBN) – uma federação criada somente para a prática do futebol de rua – crianças e jovens se reuniram nas praças próximas às suas re-
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sidências na disputa do Nationale Straatvoetbal Kampioenschappen (Campeonato Nacional de Futebol de Rua). Na competição, dividida em categorias entre 12 e 16 anos, as partidas eram disputadas com equipes de três jogadores – forma comum de se praticar o futebol de rua na Holanda. O evento ainda contou com a presença do patrono da SVBN, Edgar Davids, exjogador da seleção holandesa e, atualmente, embaixador do futebol freestyle pelo mundo. Entre os espectadores, além de familiares e amigos, estavam presentes alguns dos organizadores do esporte local. Na quadra do bairro de Zeeburg, leste de Amsterdã, Joost Hartman, 44 anos, responsável por equipes juvenis da região, acompanhava as partidas e apontava a importância para a prática esportiva durante a juventude. “Especialmente para os mais jovens, o esporte é fundamental para uni-los. Em nossas equipes, além dos eventos esportivos, nós damos cursos e educação. Assim, no futuro, esses garotos estarão mais preparados para o mercado de trabalho”, comenta. No outro lado da cidade, Ayoub Oulahiane, 21 anos, que ajudava na organização do evento na Lambertus Zijlplein, oeste de Amsterdã, explica como as partidas são marcadas entre seus amigos. “Muitas vezes nem precisamos nos falar, nós vamos até a quadra, por volta das 19h, e estão todos aqui”,
afirma Oulahiane, que nasceu no Marrocos e se mudou para a Holanda aos dois anos.
FUTEBOL SOCIAL Como no Brasil, o esporte tem grande importância social para os jovens da periferia. Hartman é enfático ao dizer que seu trabalho é focado na formação de cidadãos com caráter e exalta a importância da atuação de seus ex-alunos na continuação do projeto. “O futebol acaba sendo o primeiro contato desses jovens com educação e, muitas vezes, a primeira oportunidade de emprego. Para as crianças da periferia é muito bom ter um rosto familiar dizendo o que é certo ou errado. É a forma mais eficiente de atingi-los.” No entanto, ele não deixa de alimentar os sonhos daqueles que anseiam o profissionalismo. Este é o caso de Youssef Morabiri, 19 anos, que atua profissionalmente em um clube de futebol de salão. “Hoje estamos participando deste campeonato, mas foi o futebol de rua que me deu essa oportunidade”, conta. Oulahiane ainda destaca o esporte informal como uma boa ferramenta para o combate à xenofobia, uma realidade nas periferias dos grandes centros. “Jogamos juntos: quando estamos em quadra focamos no jogo e não na cor de pele ou na religião do cara ao lado. É algo muito positivo. O esporte une as pessoas, as culturas. Nós nos divertimos uns com os outros.”
Sem fronteiras ou nacionalidade Mesmo num país considerado liberal em sua essência, jovens homossexuais precisam enfrentar padrões sociais e vencer o preconceito REPORTAGEM e IMAGEM SUELLEN FONTOURA (3o ano de Jornalismo)
“ALGUMAS SEMANAS ATRÁS eu beijei um cara numa rua de Amsterdã. Apenas um beijo na boca, mas algumas pessoas gritaram com a gente e me senti ameaçado.” A fala é de Dieder de Vries, jovem holândes homossexual de 21 anos. O tom da confissão pode parecer inesperado já que Holanda é conhecida mundialmente como o paraíso da liberdade. Os quase 34 mil quilômetros quadrados são lembrados por seus Coffee Shops, Red Lights e por serem livres de preconceitos contra gays. Certo? Dieder explica: “Viver em Amsterdã não é perfeito. Ainda assim, as grandes cidades da Holanda são menos preconceituosas do que as pequenas, porque as pessoas são mais jovens e mais abertas.” Rik-Jan Briukman, 28 anos, professor de Ciências Políticas da Universidade de Amsterdã, nasceu em Overrijssel Tuk, uma pequena vila com 1500 habitantes no interior do país. Ele se lembra das dificuldades enfrentadas. “Quando estava no Ensino Médio sofria bullying porque as pessoas achavam que eu era gay”, relembra. Foi em 2003, aos 19 anos, que Rik-Jan passou a viver na capital como homossexual assumido. “Quando eu entrei na faculdade, aos 20, ainda ficava um pouco tímido em relação a isso, não sabia o que dizer. Mas na semana de apresentação, um estudante veterano mostrava os bares da cidade e, em uma dessas noites, estava bêbado e disse: “Olhe para todas essas garotas. Eu não curto garotas.” O professor Rik não esconde de seus alunos que é homossexual. “Eles sabem, mas nunca cheguei a assumir minha orientação sexual na vila em que nasci”, conta.
A RELAÇÃO COM A MÍDIA A Holanda do Bible Belt, uma região não muito popular entre os turistas, é composta por uma faixa de terra habitada por protestantes conservadores que vai da província de Zeeland até Overjiss. O jovem Dieder vive atualmente em Ede, uma das principais cidades do cinturão. “Todos ao meu redor sabem que sou homossexual, mas as pessoas aqui são muito religiosas e não muito tolerantes. A princípio elas dizem que aceitam os gays, mas quando se fala mais sobre o assunto, elas logo mudam de ideia.” Mesmo na capital, a relação entre segurança, sexualidade e preconceito tem sofrido alterações. “Muitas pessoas vinham até Amsterdã para se emancipar, para se libertar do peso familiar e religioso. Isso vem mudando gradualmente nos últimos 25 anos”, explica Dennis Boutkan, presidente da COC-Amsterdã, conhecida como a mais antiga organização LGBT do mundo. Boutkan exemplifica algumas das mudanças: “Dez anos atrás era mais normal ver casais de mãos dadas, assim como era mais comum não falar nada sobre isso, agir de um modo politicamente correto. Hoje, se você perguntar para gays ou lésbicas se eles se sentem menos seguros do que anos atrás, eles vão dizer que sim por causa de toda atenção da mídia.” Para o presidente do COC, a atenção da mídia se tornou crucial a partir de 2007, após uma coletiva de imprensa com a presença de quatro homossexuais vítimas de violência. “Decidimos ser visíveis porque se você não é visível, você não existe. E se você não existe, não pode mudar as coisas”, destaca.
No entanto, a decisão provocou reações diversas e deixou claro que ainda será preciso muita luta para combater o preconceito. “Por um lado, a divulgação na mídia faz com que as pessoas fiquem mais acostumadas e digam ‘gays e lésbicas são parte da nossa sociedade’. Mas, por outro lado, existem pessoas que continuam lutando contra, seja por meio de debates ou com uso da violência”, conclui Boutkan. Para o jovem Dieder, o destaque na mídia é positivo. “Pelo menos não somos ignorados e as pessoas se confrontam com a sua própria intolerância”, enfatiza.
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ESPECIAL HOLANDA
Slotervaart: que caminhos trilhar?
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Com maioria imigrante, o bairro já foi considerado um dos mais violentos de Amsterdã. Hoje, divide opiniões e emprega projetos de melhoria REPORTAGEM GABRIELA ZOCCHI (2o ano de Jornalismo), LUCAS PAULINO (3o ano de Jornalismo) e JAQUELINE GUTIERRES (4o ano de Jornalismo) IMAGEM GABRIELA ZOCCHI (2o ano de Jornalismo)
DEIXÁVAMOS O CENTRO de Amsterdã esperando por uma longa viagem, convictos de que saberíamos distinguir pelo cenário o momento em que chegaríamos ao destino final. Slotervaart é um bairro no oeste da capital holandesa, com aproximadamente 45 mil habitantes – cerca de 60% deles imigrantes. “A maioria das pessoas que mora em Amsterdã nem considera Slotervaart parte da cidade”, conta Paul Andersson Toussaint, escritor e jornalista holandês, autor de um livro sobre a região: Staatssecretaris of seriecrimineel: Het smalle pad van de Marokkaan. O bairro é considerado, até pelos mais entusiastas, pobre e perigoso. Como brasileiros, a imagem do bairro que nos vinha à cabeça era definitiva: ruas sujas e estreitas, invadidas por construções ilegais e pequenas casas amontoadas umas sobre as outras. Além da falta de transporte público, de comércios de bens básicos, de escolas ou áreas de lazer. Longe disso, o que encontramos foram prédios bem estruturados – seguindo toques do padrão de construções do centro –, abundância de ônibus e uma linha de trem próxima. No final da tarde, mães passeavam com seus filhos numa grande praça com uma fonte central. Tudo calmo, com ar de cidade do interior, em que as pessoas se reconhecem nas ruas.
Baixos por causa de benefícios como saúde pública completa, boas universidades e melhor qualidade de vida. “No entanto chegam com uma cultura contra os nativos. Acredito que xenofobia, no sentido de pessoas brancas descriminando imigrantes não é um grande problema na Holanda.” Com discurso inverso ao de Paul, Ibrahim Wijbenga, membro do Partido Democrata Cristão (CDA) e assistente social, defende que a xenofobia está presente na Holanda e é voltada contra muçulmanos, em especial, marroquinos. “As pessoas pensam que os holandeses são livres, abertos. Eu estou de acordo, mas existem algumas questões das quais o povo holandês não fala e que deveriam ser tratadas, como o alto índice de criminalidade entre jovens marroquinos e descendentes”, declara Ibrahim. Ele afirma que a discriminação se dá por várias razões e acusa o Partido da Liberdade (PVV) de agravar ainda mais os problemas já existentes. Geert Wilders, líder do partido, é contra a imigração de muçulmanos e pessoas do leste europeu, e associa muitas das dificuldades atuais da sociedade holandesa aos imigrantes. “O PVV diz que todos devem ser iguais na Holanda, mas eles simplesmente não discutem os problemas dos imigrantes”, diz Ibrahim.
DE ONDE VEM A XENOFOBIA?
BOAS E MÁS INTENÇÕES
Para realizar seu trabalho, iniciado em 2006, Toussaint passou dois anos visitando Slotervaart duas ou três vezes por semana. Ele fazia uma série de reportagens sobre o tema, quando percebeu que o assunto poderia render muito mais. Turcos, marroquinos, surinameses e antilhanos, principalmente vindos de Curaçao, são os maiores grupos imigrantes da área e, na visão de Toussaint, não se esforçam para se integrarem na sociedade holandesa. “Eles assistem à televisão turca, ao Al Jazeera, e não olham para a própria vizinhança, mas sim para o Oriente Médio, que está tão longe daqui.” Para o escritor, a situação é como um apartheid não organizado, já que não há integração. “É claro que não se pode generalizar, existe um grupo que se sente holandês”, contrapõe o jornalista para, logo em seguida, completar: “mas a maior parte é racista”. Para ele, os estrangeiros vão para os Países
Mesmo com visões contrárias sobre a questão da xenofobia, Toussaint e Wijbenga concordam num assunto: a diminuição da criminalidade em Slotervaart e o principal ator dessa melhoria: Ahmed Marcouch. “Ele tenta uma integração maior, pois sabe que se os imigrantes ficarem isolados, eles acabam não conseguindo um emprego”, afirma Toussaint. Marcouch foi o primeiro subprefeito marroquino e islâmico da Holanda e realizou ações em Slotervaart especialmente nas áreas de segurança e educação. Hoje, é membro do parlamento holandês e acredita que as questões ligadas à xenofobia, ou à “islamofobia”, como se refere ao preconceito sofrido pela comunidade muçulmana nos Países Baixos, não é um problema apenas do bairro. Para o político, as questões históricas são importantes quando se trata do assunto. Após a independência das colônias holandesas e com o crescimento econômico do pequeno
país europeu, muitos imigrantes se mudaram para a Holanda. Por estabelecerem-se em bairros mais afastados do centro das cidades, como Slotervaart, os imigrantes acabaram não interagindo tanto com a sociedade holandesa. “Existem comunidades imigrantes que têm medo de perder sua identidade ao se misturar com as pessoas locais. Não se trata de perder nada, mas sim agregar ainda mais coisas para a sua vida”, defende.
CENTRO DE JUVENTUDE Em uma avenida arborizada de Slotervaart encontra-se o Argan Youth Center, fundado como um centro de juventude marroquino, mas que hoje dá assistência a jovens de qualquer nacionalidade. Por meio de festivais, aulas e debates, ele tenta fazer com que os adolescentes aprendam a expressar e respeitar opiniões. De acordo com Taoufik Yahia, diretor de projetos do centro, “o objetivo é dar aos jovens uma força no debate político e ensiná-los a ser tolerantes com as minorias e pessoas que têm ideias diferentes. ” Taoufik é filho de marroquinos, nasceu na Holanda e cresceu em Slotervaart. Ele afirma que o bairro mudou muito de dez anos para cá. “Antigamente, se você andasse nas ruas, tinha chance de ser assediado ou roubado, pois muitos criminosos viviam na região. Hoje, o bairro tornou-se urbanizado e está muito mais seguro”, relata. A região conta com uma delegacia de polícia e algumas organizações comunitárias, que ajudam a conter os jovens que estão fora das escolas, levando à diminuição da criminalidade no local. O centro comunitário Argan organiza encontros e palestras regularmente. Num salão amplo, moderno e colorido, pessoas de diferentes origens e regiões de Amsterdã são recebidas para debater assuntos que vão desde o papel do jovem dentro do próprio bairro até a Primavera Árabe. “Para nós, é muito importante que compareçam pessoas com diferentes pontos de vista, assim as vozes podem ser ouvidas em harmonia. No centro ninguém nunca foi atacado por sua opinião”, afirma Taoufik, que busca principalmente fazer com que os jovens muçulmanos e descendentes encontrem seu lugar na sociedade holandesa. “Nós queremos fazer de Slotervaart um lugar melhor, do qual todos possam participar.”
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FEMINISMO
GABRIELA BOCACCIO
... e elas
continuam
marchando 14
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Com uma nova explosão de protestos e luta pelos direitos do gênero feminino ao redor do mundo, os preceitos do sexismo entram novamente em discussão REPORTAGEM BEATRIZ COPPI, GABRIEL HENRIQUE, GABRIELA BOCACCIO, LETÍCIA DIAS, MARIANA ZÓBOLI, BEATRIZ CANO (1o ano de Jornalismo)
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“Ser vadia é ser livre, então todas nós somos vadias. Não sou puta. Não sou santa. Sou mulher. Sou livre!” nistradora da página do Facebook intitulada Feminismo na Rede, “muita violência, seja ela física, sexual ou patrimonial é cometida embasada na ideologia machista que a propaganda ajuda a veicular.” Já o segundo, compartilhado pela empresa por meio das redes sociais, contabilizava quantas calorias eram gastas em diferentes posições da prática sexual. Uma das tabelas continha a informação de que um homem gasta 160 calorias para tirar o sutiã de uma mulher sem o consentimento dela. Propagandas de outras empresas, como a marca de desodorantes Axe e de cervejas Schin, também foram alvo das reclamações dos protestantes. Para Lívia Podda, participante da marcha, tais comerciais reforçam os estereótipos e preconceitos de gênero em que a mulher é vista sob lentes machistas como um objeto de manuseio. Há ainda o fato da propaganda de pro-
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NO DIA 25 de agosto deste ano, mulheres e homens tomaram a Avenida Paulista para protestar contra a mídia machista. Tímida, mas significativa, sem o contingente necessário para a dominação e interrupção do trânsito da avenida, a manifestação foi pela calçada, com cerca de cinquenta pessoas que, aos gritos, entoavam “A nossa luta é todo dia, somos mulheres e não mercadoria.” A Praça do Ciclista foi o ponto de partida da Marcha, assim como o local de confecção dos cartazes que estampavam frases como: “O machismo na mídia não é natural, é opressão! Questione”, “Mulher não é objeto sexual. Não à mídia machista” e “Respeito e igualdade é nossa pretensão, somos todas mulheres da revolução”. Homens presentes erguiam dizeres: “Homens também boicotam o machismo.” A marcha aconteceu em resposta às diversas propagandas que, segundo considerações, fariam apologia ao estupro. Dois dos comerciais mais criticados pelos presentes foram os veiculados pela rede de lojas Marisa e pela fabricante de preservativos Prudence. O primeiro, feito para a televisão, demonstra de maneira “satírica” a ideia de que há apenas um homem para cada noventa e seis mulheres no Brasil. Para a manifestante Katia Gomes da Costa, 21 anos, admi-
A Marcha Contra a Mídia Machista trouxe reflexões importantes a respeito de crimes envolvendo mulheres
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dutos de limpeza ser direcionada especificamente para consumidores do sexo feminino, explicitando a visão machista do papel doméstico da mulher. De acordo com uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 98% do serviço doméstico é realizado por mulheres, sejam elas contratadas ou donas da casa. “Não se espera que o homem contribua com os afazeres domésticos”, diz Sueli Feliziani, documentadora de software e tradutora. “Tanto é assim que quando se quer dizer que um homem realiza esse tipo de atividade, sempre se fala que ele ‘ajuda’ em casa, e não que ele divide as tarefas com sua mulher. É esperado que a mulher faça tudo sozinha, apesar de ambos terem a mesma carga horária de trabalho”, conclui.
MACHISMO EM PAUTA Na quarta-feira que antecedeu a marcha, houve no Espaço Cultural Latino Americano um debate sobre a mídia machista e seus efeitos. “Um comercial diz que nós estouramos o cartão de crédito dos outros, como se não trabalhássemos de oito a 12 horas por dia. Comercial de cerveja ignora totalmente as consumidoras: a mulher é retratada como a gostosa que está servindo a bebida a um homem”, argumentou Feliziani, que participava da discussão. A documentadora ainda explicou a reação das mulheres contra a mensagem propagada pela mídia. “Pessoas que já estavam indignadas com essa representação consideraram as propagandas que faziam do estupro uma piada a gota d’água. Por isso decidimos nos reunir e marchar para chamar a atenção da sociedade para esse problema.” De acordo com ela, já houve tentativas legais de combater tais propagandas por meio do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). No entanto, “a junta diretiva que decide o que fica no ar ou não, é composta por 12 homens caucasianos do meio publicitário acima de 40 anos. Eu não me sinto representada por essas pessoas”, diz. Por quase três horas, o debate discutiu assuntos relacionados ao feminismo. Luciane Castro, especialista em futebol feminino e parceira da Comissão Geral de Futebol Feminino do Ministério do Esporte, expôs o sexismo nas coberturas dos esportes femininos, em especial nas últimas Olimpíadas. “Os comentaristas são quase 100% homens e a maioria fala sobre a aparência e o corpo das atletas. Se jornalistas mulheres fizessem comentários similares, seriam consideradas sem profissionalismo.” A blogueira e jornalista Letícia Fernandez (pseudônimo), criadora da página Cemmaisum (antiga Cem Homens) – em que comenta sobre experiências sexuais, contou
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Para os manifestantes, muita violência é cometida embasada na ideologia machista que a propaganda ajuda a veicular
suas tentativas de falar com a mídia. “Sempre me arrependo das entrevistas que eu dou. Já confiei numa repórter que era mais jovem e em outra que escrevia sobre sexo. Imaginei que seriam mais tolerantes, mas acabei decepcionada. Sempre me retratam como uma piranha, ou como uma mulher insegura. É misoginia internalizada.”
CAUSAS BRASILEIRAS Além da Marcha Contra a Mídia Machista, outros movimentos em prol da igualdade feminina expuseram suas bandeiras nos últimos anos. Mesclando feminismo e maternidade, a marcha a favor da realização do parto em casa eclodiu no Rio de Janeiro após o Centro Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) proibir os médicos de realizarem partos domiciliares. Em junho de 2012, várias cidades brasileiras protestaram contra a decisão. Mães, pais e crianças tomaram as ruas para reivindicar os benefícios do parto em casa e defenderam o poder de escolha da mãe quanto ao ambiente em que seu filho irá nascer. Frases como “meu corpo, meu parto” apareciam em cartazes e crianças usavam camisetas que traziam os dizeres “eu nasci em casa”. A vara do Rio de Janeiro suspendeu a decisão do Cremerj em 30 de julho alegando que a decisão não era compatível com os dispositivos constitucionais ou legais que garantem à mulher o direito de escolha do local do parto, como a Lei n 7.498/86, que
garante o direito de enfermeiras obstetras e obstetrizes a realizar todos os procedimentos necessários para garantir a segurança da mulher e do bebê, seja o parto no hospital, em casas de parto ou em domicílio. Outro movimento em prol dos direitos das mulheres é o Mamaço. As mulheres que aderem a essa organização lutam contra a censura imposta às mães que amamentam seus filhos em lugares públicos. Essas repreensões são geralmente baseadas no argumento de que a mulher que expõe os próprios seios em público – mesmo que para alimentar o próprio filho – está cometendo o crime de atentado ao pudor. As defensoras da causa do Mamaço rebatem, alegando que a amamentação é um direito fundamental de toda mulher, um ato que faz parte da criação básica de toda criança e que não causa constrangimento a terceiros. A última edição do Mamaço em São Paulo, ocorrida em maio de 2011, foi impulsionada pelo fato de uma mulher ter sido impedida de alimentar seu filho na exposição do artista plástico Leonilson, em cartaz no Itaú Cultural da Avenida Paulista. A direção da exposição se desculpou e disse que não haverá mais esse tipo de reprimenda no espaço.
DOMINAÇÃO FEMININA? O Femen é uma organização nascida na Ucrânia em 2008 com a proposta de erradicar práticas como a exploração das mulheres, o turismo sexual e a luta pelos direitos feministas.
O movimento é frequentemente acusado de radicalismo e de promover uma “dominação” feminina em vez de igualdade de direitos. O grupo foi recentemente implantado no Brasil. Sua líder por aqui é Sara Winter, militante feminista que se destaca por seus ideais radicais. No site oficial brasileiro, ela expõe sua postura: “Nós somos mulheres simples, não temos poder, influência ou dinheiro. Mas temos nossos corpos e vozes e iremos usar isso como armas de guerra”. Seus protestos são famosos pela presença em massa de mulheres enérgicas – algumas de topless – que trazem consigo cartazes com frases impactantes relacionadas ao feminismo como “Brasil, colônia do machismo” e “Aborto ilegal não é democracia”. A Marcha das Vadias, movimento mundial que, de acordo com o blog oficial, luta “pelo fim da violência de gênero e da culpabilização das vítimas de violência sexual”, é um conhecido exemplo de discussão dos padrões de feminilidade. O nome da manifestação surgiu a partir da fala de um policial canadense que, em uma palestra ministrada em Toronto no ano passado, responsabilizou as vítimas de violência sexual, alegando que elas incentivam o agressor ao se vestirem como “vadias”. A estudante Marília Botelho, 25 anos, participou do manifesto ocorrido em São José do Rio Preto, em julho deste ano. Botelho conta que a intenção do nome da marcha é ressignificar a palavra “vadia”, dando-lhe uma
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concepção de liberdade. “Afirmamos que ser vadia é ser livre, então todas nós somos vadias. A palavra de ordem entoada pela marcha é: ‘Não sou puta. Não sou santa. Sou mulher. Sou livre!’”, explica a estudante. Na manhã de 31 de maio, quando questionada sobre a Marcha das Vadias durante o evento Mulheres rumo à Rio+20, Eleonora Menicucci, ministra das mulheres, manifestou seu apoio à mobilização, declarando que considera o movimento importantíssimo. "O bonito dela [da Marcha das Vadias] é que é
feita por jovens. Homens e mulheres jovens que despertaram para questionar a violência contra a mulher, no corpo da mulher. Eu acho que ela merece a divulgação que está tendo."
E ENTÃO? O ativismo feminista luta, ainda, pela fuga dos estereótipos de beleza impostos pela sociedade. A mídia perpetua o slut shaming – ideia de que a mulher deve se culpar por demonstrar sua sexualidade na maneira como se veste –, que vai contra todas as conquistas
em relação à integridade do corpo feminino. Para a socióloga Lenina Vernucci, “As mulheres incorporam esse discurso [machista] e não reconhecem isso como machismo. É tão incorporado que vira uma regra naturalizada.” Talvez o maior obstáculo encontrado pelas militantes é a negação do machismo por um discurso enraizado na mente de muitas mulheres que poderiam endossar essa luta. Enquanto isso, as guerreiras continuam marchando e entoando: “a nossa luta é todo dia.”
LIVRAI-NOS DO MAL
LETÍCIA DIAS
Em 21 de fevereiro de 2012, três integrantes da banda punk feminista Pussy Riot entraram mascaradas na Catedral de Cristo Salvador, a maior de Moscou. As garotas cantavam, “Virgem Maria, livrai-nos de Putin”, pedindo à protetora da Rússia que se convertesse numa feminista e que livrasse o país do autoritarismo. Maria Alyokhina, Yekaterina Samutsevich e Nadezhda Tolokonnikova foram interrompidas pela polícia e acusadas de vandalismo. As jovens foram condenadas a dois anos de prisão pelo crime de ofensa por ódio religioso. Seu julgamento denunciou ameaças à liberdade de expressão no governo Putin. O grupo, composto por mais de dez garotas, atuava anonimamente protestando contra o autoritarismo na Rússia.
Manifestante pede a libertação das integrantes da banda punk feminista Pussy Riot
HINOS DE LIBERDADE Confira abaixo uma seleção de canções que transformaram os ideais feministas em letras de libertação
You Don’t Own Me – Lesley Gore Em 1964, Lesley Gore gravou You Don’t Own Me, canção que questionava a situação da mulher em uma época onde sequer o termo feminismo era conhecido. Express Yourself– Madonna Madonna inspirou debates feministas desde o começo da carreira. Em Express Yourself, de 1989, a cantora discute as declarações de amor por parte dos homens e a valorização da mulher.
GABRIELA BOCACCIO
Cor de Rosa Choque – Rita Lee Cor de Rosa Choque, de Rita Lee, é lançada em 1982 – uma década depois do auge dos movimentos feministas – e exalta o sexo feminino, contrariando os estereótipos da mulher.
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Rebel Girl – Bikini Kill As norte-americanas do grupo Bikini Kill inspiraram grande parte das bandas feministas da década de 1990, no movimento chamado Riot Grrrl. Rebel Girl trata do novo tipo de mulher, que foge dos padrões e luta por igualdade. Cherry Bomb – The Runaways No final da década de 1970, The Runaways, composta por cinco mulheres, lançou Cherry Bomb, que trata da liberdade sexual das jovens da época. A banda ganhou um filme em 2010.
BALADA
Geração
balada Programa noturno preferido dos jovens, a balada é palco de histórias regadas à bebida e diversão. Mas afinal, o que a faz ser tão querida? REPORTAGEM ANDRÉ BALDINI DE MELO, IZABELLA MAYUMI, JULIA LATORRE, LETÍCIA LARIEIRA, MARIANA MOREIRA (1o ano de Jornalismo), TALLES BRAGA (2o ano de Jornalismo) IMAGEM JULIA LATORRE (1o ano de Jornalismo)
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Em um dos ambientes da Bubu Lounge Disco, o DJ comanda a música eletrônica
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QUINTA-FEIRA, dia de chegar em casa cansado, assistir à novela e cair na cama o quanto antes. Certo? Errado. São 23h30 e a Rua Augusta está movimentada. Aqui não tem essa: todo dia é dia de sair com os amigos. Jovens se aglomeram na porta das baladas, esperando para entrar no local. Já é possível observá-los com copos de bebidas nas mãos. Na Inferno Club, localizada no Baixo Augusta, os tímidos frequentadores se desalinham fugindo do centro da pista. No começo da noite, ninguém dança. Só se ouve a batida da música eletrônica ao fundo das conversas de balcão de quem compra bebidas. Uma pessoa ou outra começa a dançar timidamente. Outra turma observa e vai no embalo. Os ainda desambientados desenham figuras e símbolos no corpo com tinta neon, tentando se incorporar à festa psicodélica Neon Party. Questionada sobre o propósito da pintura, Juliana, 20 anos, explica: “Se não fizer jus ao nome da festa, não tem graça. Se a pessoa não se pintar por bem, a gente pinta por mal”, brinca. Passados quarenta minutos de festa, os jovens, em sua maioria vestidos com jaqueta de couro e roupas escuras, já estão todos coloridos. Na sexta-feira, o traje é bem diferente nos arredores do Jardins. A casa sertaneja Wood’s Bar, no bairro do Itaim, revela um código entre as mulheres: roupas mais justas, salto alto e batom na boca são quase um uniforme feminino por lá. O tema sertanejo parece não importar na hora de se vestir. Início de balada segue quase sempre o mesmo protocolo: grupos de amigos se reúnem perto do bar e olham a casa, analisando as pessoas - especialmente as mulheres - que chegam. Elas, por sua vez, se revezam no banheiro para retocar o batom, ajeitar a roupa e conversar com as amigas. Seguindo a tendência masculina está o baiano Pedro, 23 anos, de passagem pela cidade a trabalho. Ao seu lado, Tiago, 21 anos, acompanha-o na bebida. Com um sorriso no rosto, confessa: "Estou estudando a área". O soteropolitano, contudo, não é radical, pois para ele a balada não é só motivo de “pegação”. Se a música do local for de seu agrado, ele sai para curtir o som. Com o mesmo clima de azaração, a Bubu Lounge Disco tem sua casa repleta de baladeiros. Gays e héteros se misturam na pista e protagonizam divertidas histórias. É o que conta o barman Rogério: “Havia um cliente que sempre vinha com um Garfield de pelúcia para cá e não o largava para nada. Era engraçado, porque ele não se importava com os olhares estranhos.”
DA SIMPLICIDADE À LUXÚRIA Música boa, gente bonita e um ambiente bem pensado fecham o pacote do que faz uma boa balada, na opinião de Vivian Mamed, 22 anos, e Marjorie El Dib, 23 anos, frequentadoras do Wood’s Bar.
Isso é nítido na Bubu Lounge Disco, que conta com três ambientes. No primeiro, as pessoas se divertem ao som de MPB ao vivo. Logo adiante, somos embalados por I will survive e Like a virgin. Por último, o espaço da música eletrônica, decorado por luxuosos lustres que mudam de cor, neblina artificial e luzes piscantes. Mãos ao alto, brindes, beijos, abraços e sorrisos a solta. Danças conjuntas ou em casal em cima da caixa de som. É quase impossível encontrar alguém parado. A batida se mistura à arte circense de um casal contorcionista que se apresenta em lençóis. No Wood´s Bar, o piso e o palco de madeira, lei nesse tipo de casa, são as únicas coisas que remetem à temática sertaneja. No restante, a decoração é sóbria, sem muitos adornos. Com apenas uma pista e um camarote no piso superior, a casa é pequena e aconchegante. A pista é modesta, mas ideal para o público que quer se aproximar das duplas sertanejas.
O CAMPUS TAMBÉM É PARA BADALAR A Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) se transforma na sexta-feira à noite. O “buraco da FAU”, apelido dado pelos alunos à parte externa da faculdade, que durante a semana é apenas um gramado, já está equipado com tendas, refrigeradores e banheiros químicos. Os frequentadores vêm dos mais diversos cursos e faculdades. “O mais legal é a integração, é conhecer o pessoal de outros lugares”, comenta Laura, 19 anos, que estuda na PUC-SP, mas sempre frequenta festas de outras faculdades. O som é eclético e divertido: desde rock até os sucessos da internet. Além de a entrada ser gratuita, outro motivo que atrai muitos baladeiros são os baixos preços das bebidas. Um copo de vodka com refrigerante custa cinco reais, enquanto em uma casa noturna não sairia por menos de dez. A consequência do preço baixo é a grande quantidade de pessoas embriagadas além de conta. Mas o estudante Vitor, 21 anos, considera isso normal em uma festa universitária: “As pessoas vêm para beber.” Por que a balada e não um restaurante, um barzinho com música ao vivo ou até mesmo, uma reunião na casa de amigos, regada a bebida e música? Para Bruno e Guilherme, fãs de carteirinha do sertanejo, o motivo é mulher: “Se fôssemos colocar em um gráfico, 70% da razão de ir para a balada é mulher.” O que já não acontece no caso de Roberta e suas amigas, que resolveram encarar o sertanejo da Wood’s Bar para comemorar sua despedida de solteira: “Balada é para extravasar e relaxar dos compromissos da semana.” Chega a ser contraditório, mas essa geração do século XXI se escuta melhor num lugar com música alta, se vê mais facilmente na iluminação irregular e se sente planando sozinha numa multidão de pessoas.
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DEPOIMENTOS
Sofro de
JUVENTUDE Durante as décadas de 1960 e 1970, os brasileiros viveram a repressão e a censura impostas pela ditadura militar. Passados cerca de 40 anos, eles contam suas experiências e falam sobre a situação dos jovens de hoje REPORTAGEM BRENDA AMARAL, PAMELA VESPOLI, BEATRIZ AVILA, KAREN GOULART (1o ano de Jornalismo), AMANDA MASSUELA, MARIA CORTEZ (2o ano de Jornalismo) e ANA LUÍSA VIEIRA (3o ano de Jornalismo)
MILHÕES DE PESSOAS reunidas numa praça, atitudes capazes de transformar o rumo de um país, rostos comprometidos, movimentos a favor da paz: tais cenas foram vivenciadas com frequência pela juventude dos anos de 1960 e 1970. Em meio a militares e artistas, notícias do Vietnã e dos Beatles, estas décadas fervilharam pelos quatro cantos do mundo. No Brasil, a ditadura militar mostrou suas garras; o Tropicalismo despontou como um dos movimentos mais importantes da nossa cultura; a economia cresceu exponencialmente e o chamado “Milagre Econômico”
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parecia render seus frutos. No panorama mundial, a Guerra Fria manifestou-se intensificando a dialética capitalismo/comunismo. A cada geração, ser jovem possui novos significados e ambições – mas há sempre algo em comum: a juventude é um período conturbado, repleto de decisões, dúvidas, perspectivas, sonhos, medos e responsabilidades. Inconstante, tal como Tom Zé traduziu em Sofro de Juventude, canção de 1992: “[...] juventude, essa coisa maldita/que quando tá quase pronta/desmorona e se frita”. Quarenta anos depois, aqueles jovens
que utilizaram as mais variadas formas artísticas para contestar a ditadura já são adultos cheios de bagagem para refletir a respeito da juventude de seu tempo. Quais eram seus anseios, medos e planos? Afinal, o que faz com que essa época impressione tanto as gerações posteriores? Nas próximas linhas, você confere o depoimento de seis personalidades à Esquinas. Elas, que viveram toda a efervescência dos anos de chumbo, dividem particularidades de sua vida e opiniões a respeito da juventude contemporânea.
BERNARDO KUCINSKI, 75 ANOS Jornalista, escritor e ex-professor da Universidade de São Paulo (USP)
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Enxergo a juventude de hoje com estupefação, pela facilidade com que mexem nos gadgets; com inveja, pela liberação sexual de que desfrutam; com pena, pelas dificuldades de emprego e clima de competição exacerbada que enfrentam; com lástima, pela carência cultural e ideológica que a caracteriza.”
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ÊNIO GONÇALVES, 69 ANOS Ator, diretor e dramaturgo
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Quando jovem, estudava jornalismo e arte dramática em Porto Alegre, onde nasci. Gostava de ler e escrever, além de namorar. Passava grande parte do tempo assistindo a filmes - sempre fui cinéfilo - e atuando. Em 1961, mudei-me para o Rio de Janeiro, onde trabalhei como jornalista e ator, profissão, esta última, que exerço até hoje. Naquela época vigorava o regime da ditadura, e jovens politizados, como eu, tinham poucas opções: ou mantinham o espírito e a revolta em silêncio ou partiam para a ação – muitos foram mortos pela repressão. Por estar na imprensa, tinha acesso a notícias terríveis, mas que não podiam ser publicadas devido à censura. Eu via a situação brasileira com algum receio. Por exemplo: apenas por citar o nome do ditador de plantão, numa conversa entre amigos, podíamos correr o risco de ir em cana. Muitos porteiros de edifício, motoristas de táxi, garçons e até um técnico iluminador de teatro que conheci eram informantes do DOPS. Conversar sobre política nacional em público era um gesto de ousadia. Para driblar a censura, nosso trabalho, escrevendo e atuando, exigia de nós uma criatividade muito estimulante. De um modo geral, o comportamento
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da juventude mudou muito – o que é perfeitamente natural. Acho que a intensa e banal comunicação eletrônica, o consumo desenfreado, a necessidade de ser uma celebridade – e tantas coisas mais – tornaram o jovem mais superficial, menos inquieto com relação ao mundo que o cerca e mais centra-
do em si mesmo. A internet, as novelas, os filmes americanos de ação e etc, têm muito a ver com essa situação. Entretanto, devo lembrar que a geração que antecedeu a minha também fazia uma série de críticas aos jovens daquele tempo, por causa das drogas e da liberação sexual.”
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RONALDO CORREIA DE BRITO, 62 ANOS
Escritor, médico e psicanalista
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Eu achava que seria bem mais fácil servir aos meus semelhantes por meio da medicina. Não possuía uma medida do que fosse literatura e demorei a compreender de que maneira eu também poderia estar a serviço das pessoas por meio do que produzia como escritor. Esse conflito, ao mesmo tempo em que era paralisante, me despertava cada vez mais para a leitura e a escrita. Apesar de ser psicanalisado durante anos e investir numa formação, nunca atuei como psicanalista, pois achava que a escuta psicanalítica atrapalhava a minha escuta de narrador. O cinema foi uma brincadeira de juventude, um projeto que não toquei para frente. Hoje, posso escrever para cineastas, mas nunca frequentar um local de filmagens como diretor. É possível trabalhar bem com a literatura e a medicina, num convívio sem conflitos – muitos escritores fizeram isso, como Guimarães Rosa, Scliar e o russo Tchekhov. A ditadura militar era uma realidade sombria, da qual não se podia fugir. Nunca ingressei em partidos, mas nem por isso deixei de indignar-me e reagir, do meu modo, ao terror que nos cercava. O ambiente universitário da época tornou-se medíocre por
conta do afastamento dos melhores professores e do medo de transgredir uma normalidade estabelecida pela censura. Da mesma maneira que acontece hoje, havia vários tipos de jovens, mas os insubmissos não representavam a maioria. Muitos rapazes de classe média não estavam preocupados com a Primavera de Praga, nem com as revoltas estudantis na França, muito menos com as Ligas Camponesas ou o Movimento de Cultura Popular. Preocupavam-se com a garantia de seus direitos ao bem-estar e ao consumo, como acontecia desde os tempos do Brasil Colônia. Havia os engajados na resistência à ditadura, na luta armada e na contracultura. E também os que pensavam em ganhar dinheiro e viajar à Disney. Hoje, mudaram as maneiras de olhar o mundo, assim como mudaram os interesses: o humanismo já não possui significado e o sucesso pessoal é mais desejado do que o engajamento numa causa social. Mas sempre existiram pessoas desinteressadas pela política. No entanto, quando surge uma questão mobilizadora, como a do impeachment de Fernando Collor, por exemplo, os jovens dão uma resposta muito positiva e eficaz.”
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PEDRO MARTINELLI, 62 ANOS
Fotógrafo
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Fui um jovem com pegada de adulto, muito prematuro em tudo. Aos 17 eu trabalhava em jornal, com 20 vim para São Paulo e logo em seguida fui para a Amazônia, onde vivi por 3 anos. Minha vida era trabalhar: a delícia, o grande tesão, minha grande aventura. Meu barato era subir e descer do avião, cobrir acontecimentos, guerras, viajar. Eu tinha responsabilidade porque trabalhava em veículo de comunicação. Naquela época, você trabalhava escondido, contra o sistema. Tentava esconder o filme com as fotos, chegava no jornal sabendo que sua foto não sairia. As pessoas hoje não têm nem ideia de como era trabalhar sob aquele tipo de pressão – o medo de ser preso, torturado, morto. E nós éramos todos meio de esquerda. Tive
vários problemas com censura, mas nós, fotógrafos, tínhamos um truque: tirávamos fotos, pegávamos o filme e jogávamos em qualquer lugar na rua, meio escondido, e colocávamos um filme virgem. Quando éramos presos, pegavam o filme virgem e a câmera. Assim que éramos libertados, voltávamos para o lugar onde as fotos foram abandonadas e recuperávamos todo o material. Não sei o que os jovens fazem hoje, e não os acho interessantes – são cômodos, não têm história, não viajam. Não sinto mais vontade de fotografar esse jovem estereotipado, que é praticamente igual em todo o lugar do mundo. Como eu posso acreditar no jovem de hoje se tem esgoto dentro da raia olímpica da USP, considerada melhor universidade do país?”
RENATA DE ALMEIDA
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GERSON CONRAD, 60 ANOS
Músico e ex-integrante da banda Secos e Molhados
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É claro que ser jovem na década de 1970 era diferente, principalmente se você imaginar que naquele tempo não tinha a tecnologia de hoje. Havia rádio e televisão, mas estes meios ainda estavam no início, as coisas eram muito cruas. Acho que antes a juventude tinha uma formação cultural muito mais embasada – isso fica perceptível na música, na qualidade de criação. A década de 1970 ficou conhecida como uma década muito criativa, artística e culturalmente falando, inclusive fora do país. Hoje, percebo que essa música jovem está culturalmente pobre. Isso é muito triste para mim, que tive a sorte de ser um dos integrantes de um grupo musical com embasamento cultural – tanto que o Secos e Molhados virou um mito. Acho essa questão [da cultura pobre] triste para os jovens dos dias de hoje. Afinal, atualmente existe um
leque de informações e muito mais alternativas. Antigamente, nós jovens só tínhamos espaço em televisão, rádio e jornal diário. Hoje, dentro da sua casa, você pode colocar uma nota num blog e ter milhões de acessos na internet. A postura do jovem deve ser de buscar novos espaços. Nós vivíamos um regime de ditadura militar. A censura era acirrada e nunca se sabia que consequências os seus atos trariam. Até acho que existe repressão hoje, mas ela é muito mascarada. Existem limites, não tão diferentes dos que existiam na minha juventude, só que mascarados. Claro que, se você conversar com pessoas da minha idade, elas vão dizer que no passado era melhor – porque dá aquele saudosismo, aquela nostalgia da juventude. Eu acho que toda época tem sua própria realidade, suas particularidades.” BIA AVILA
FRANCISCO DE OLIVEIRA, 79 ANOS Sociólogo, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e escritor
“
Sempre fui um leitor voraz, decidi fazer Ciências Sociais por influência das minhas leituras. Com 16 anos já militava no Partido Socialista, lia autores internacionais e me interessava por eles. A ditadura me salvou de ser um burocrata. Eu era funcionário da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, a Sudene, e tinha uma carreira promissora. Durante a ditadura trabalhei em dois jornais, Jornal Opinião do Rio de Janeiro e o Jornal Movimento de São Paulo. Foi uma época muito contraditória, uma época de florescimento, com produções no cinema e produções intelectuais. Fui preso duas vezes. No Recife, em 64, por ser substituto temporário do Celso Furtado na Sudene e em São Paulo, em 74, por escrever nos dois jornais de oposição. Uma vez disseram meu nome completo e um torturador prestou atenção. Ele abriu a minha cela, perguntou se eu sabia que dia era e me falou que era sexta-feira da Paixão.
PÂMELA VESPOLI
Me entregou uma tangerina com um sonho de valsa e perguntou ‘Você acredita Nele?’. Respondi: ‘Dá para acreditar?’. Ele disse que sim e fechou a cela. Luis Roncari quis saber o que estava se passando, contei a ele. Luis ficou ansioso esperando sua tangerina e seu sonho de valsa, mas a única coisa que recebeu foi um pontapé na grade da cela, por ser descendente de italiano. Os DOPS eram mundos completamente irracionais, a única racionalidade que existia era que nós éramos os presos. Depois não terminou em
nada, quando saí da cadeia, eu e o Antonio Tota saímos a pé. Perguntei a Tota: “O que vamos fazer agora?”, ele respondeu: “Vamos tomar uma cerveja?”. E assim fomos. Não vejo diferença entre os jovens de minha época e os de hoje. Por que os jovens fazem isso e não aquilo, não sei dizer, talvez porque não tenha mais a ditadura, não há essa pressão. Tenho 8 filhos, nenhum deles tiveram a militância que tive. Acho que depende como cada um vive, como as coisas te penetram, te envolvem.”
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PROTESTOS
ME PROCUR
“Somos a favor da democracia direta, pois os interesses dos partidos beneficiam somente uma pequena minoria”, diz Gabriela Ferreira, participante do Ocupa Sampa
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NAS REMRUAS Gritando em plenos pulmões ou tomando a cidade silenciosamente, o jovem brasileiro marca seu espaço
REPORTAGEM CAMILA SANDER, GABRIEL FABRI, GIULIA EBOHON, JULIANA CAUSIN, RAFAELA MARCHETTI, SAMANTA ESTEVES NAGEM e THAÍS VARELA (1o ano de Jornalismo)
GUSTAVO JAZRA
A ASSEMBLEIA ESTAVA marcada para às 15 horas do dia 26 de agosto - um domingo quente e ensolarado. Uma hora depois do combinado, 13 jovens militantes organizavam suas ideias no jardim suspenso do Centro Cultural São Paulo. Intitularam-se 15-o, mas ficaram conhecidos como os jovens do Ocupa Sampa. Em roda, discutiram primeiramente a paralisação das obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. A vontade era fazer uma “pressão positiva” no ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres Britto, capaz de decidir se a obra continuaria estagnada ou se voltaria a ser ativada. Planejavam fazer vigília em frente à casa de Britto, que, na visão dos presentes, não os ignoraria. Passada a fase de discussão, começou o acerto de questões logísticas da ida a Brasília naquela mesma noite. Eles foram. Quatro manifestantes entraram no plenário do Supremo Tribunal Federal com cartazes estampando a seguinte mensagem: “Belo Monte: é a hora de julgar o mérito dessa questão”. Os jovens lá permaneceram por apenas quatro segundos antes de serem retirados por seguranças. Infelizmente, a mobilização não obteve êxito, uma vez que as obras foram retomadas. São esses mesmos jovens, e centenas de outros, que ficaram acampados no Vale do Anhangabaú, abaixo do Viaduto do Chá, no
Ocupa Sampa. A ocupação teve início no dia 15 de outubro de 2011 e durou 50 dias. Segundo Gabriela Ferreira, 22 anos, estudante de Jornalismo e jovem participante ativa, o movimento se inspirou no M15M, mais conhecido como Indignados da Puerta del Sol. O grupo espanhol acampou no mês de março na famosa praça de Madri – que deu nome ao movimento de indignados – durante um protesto nacional contra as políticas realizadas para conter a crise econômica do país.
QUEBRA-CABEÇA DE INFORMAÇÕES Os dois movimentos, assim como o 12M, em Portugal, os insatisfeitos da Praça Syntagma, na Grécia, os jovens que invadiram o centro financeiro de Wall Street, em Nova York, prezam pela democracia horizontal. Nela, não há influência partidária ou a figura de um líder. “Somos a favor da democracia direta, pois os interesses dos partidos beneficiam somente uma pequena minoria. Defendemos a autogestão e a permacultura como forma”, exalta a estudante de Jornalismo. “Procuramos manter sempre os três pilares: apartidarismo, não violência e decisão por consenso”, reforça Gabriela. A ativista ainda expõe que há um “quebra cabeça de informações”, já que o Ocupa não é um grupo com características marcadas, mas sim um coletivo que engloba desde
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(CC BY-SA) FORA DO EIXO
punks até hippies.“Tive que me inserir no movimento para saber como ele funcionava e o que era. Ficamos com um pouco de receio ao definir algo relacionado ao Ocupa para não passar por cima da vasta gama de vozes e ideias que o compõe”, diz. Embora não haja divulgação expressiva na imprensa, o Ocupa Sampa está em constante atividade. Uma delas é o Cine Ocupa, que ocorre a cada quinze dias. O evento consiste na apresentação de filmes seguidos de debates com o objetivo de construir o pensamento em coletividade. A escolha das obras exibidas segue ciclos temáticos com quatro sessões por tema. O espaço, conhecido como Porão, localizado na Rua Frei Caneca, foi cedido pelo grupo Tortura Nunca Mais São Paulo (GTNM-SP). O GTNM-SP surgiu com a luta dos familiares mortos, torturados e desaparecidos durante o regime militar implantado no país em 1964.
LIVRE PRODUÇÃO, LIVRE CONSUMO Outro grande movimento organizado é a Marcha da Maconha. Foi criado nos Estados Unidos, em 1998, pelo ativista Dana Beal. A marcha acontece em 40 países e tem ensaiado sua consolidação no Brasil, que desde os anos 1980 é palco de algumas manifestações sobre o assunto. O objetivo da marcha é legalizar a produção, bem como o uso da erva para consumo e uso medicinal. Com protestos dispersos em todo o território, apenas em 2007 a causa idealizada por Beal ganhou expressão nacional. O movimento teve um início conturbado no país: as decisões judiciais o consideraram anticonstitucional, acusando-o de fazer apologia às drogas. Segundo Júlio Delmanto, um dos organizadores da manifestação, em São Paulo “qualquer movimento social que ouse ir às ruas e desafiar a ditadura privatista da nossa sociedade, já é naturalmente punido pela polícia. No caso da nossa manifestação, a PM estava salvaguardada por decisões judiciais grotescas, que ignoravam a livre expressão e a livre manifestação.” De forma horizontal, sem lideranças ou hierarquia, a marcha pretende mudar a política de drogas em vigor no país, mostrando para o governo e para população que a proibição da maconha é uma medida falha, que só aumenta a violência e o tráfico. Érico Detali (nome fictício), integrante dos protestos contra o violento despejo do Pinheirinho, em São José dos Campos, e participante da Marcha da Maconha, ressalta que apoia a causa por considerar a droga proibida por uma questão cultural: “ela é considerada uma droga de negro e de índio. Essa atitude é um etnocídio contra essas minorias. É como a proibição de usar burca na França.” Ele esteve presente em outra revolta – em que a maconha também foi assunto discutido – ocorrida na Universidade de São Paulo (USP), no final do ano passado. O estopim da revolta dos estudantes se deu quando três alunos foram detidos pela
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Polícia Militar por estarem fumando maconha dentro da universidade. Em novembro, um grupo de alunos invadiu a reitoria para protestar contra a presença da Polícia Militar no campus. Seis dias após a invasão, os manifestantes foram tirados a força pela PM. Para o jovem, a USP tem uma “estrutura oligárquica de poder, por causa da escolha do reitor num esquema de lista tríplice. Quem manda na USP é a minoria. É uma ditadura muito bem elaborada”. “A escolha para reitor, decidida por poucos integrantes da universidade, fica à mercê da palavra final do governador”, comenta. Detali foi um dos estudantes detidos pela polícia durante a ocupação da reitoria, mas não se arrepende de ter feito parte da revolta. “Me arrependo de ter sido pego”, afirma. “Se não tivesse ocorrido a ocupação, estaria tudo pior, pelo clima de silêncio em torno da questão”, acrescenta.
COLHERES VEGETARIANAS A POSTOS Além de movimentos impulsionados por causas sociais ou políticas, há também os que entram no campo da vida privada. É o caso
da Revolução da Colher, movimento internacional que, segundo Bruno Carmo, um dos integrantes ativos do grupo, tem “o intuito de aumentar a consciência das pessoas sobre o vegetarianismo e o impacto que nossa alimentação tem no meio ambiente e na vida dos animais”. A Revolução da Colher teve sua origem na Colômbia, surgindo apenas em 2005 no Brasil. Hoje, ela também existe na França, Suécia, Alemanha, Índia e em países latino-americanos. De acordo com Carmo, apesar dos objetivos do movimento serem “bem genéricos” – sendo os principais deles, ampliar a consciência do mundo sobre o vegetarianismo e levar informação às pessoas – eles trabalham com uma “metodologia bem específica”. Para divulgar suas mensagens, o movimento se organiza em passeatas, intervenções nas ruas, divulgações de conteúdo na internet e palestras em escolas. O grupo se reúne todo sábado, pela manhã no Vrinda, um templo Hare Krishna, para discutir o vegetarianismo e as formas de divulgá-lo. Nessas reuniões, definem quais serão os próximos eventos, sejam eles festas para arrecadação e propagação das mensagens, in-
“É normal que a mídia diga que a juventude só faz manifestações por ser rebelde sem causa. Acredito que um dos motivos para a grande mídia querer encobrir essas demonstrações de insatisfação é o fato de a juventude ser um setor perigoso à medida que pode gerar mudanças”
tervenções na rua ou cursos. A participação é aberta para todos que se interessem pelo tema e queiram ajudar a divulgá-lo. “Somos um grupo aberto. Qualquer pessoa pode participar, basta integrar-se ao movimento já existente em sua cidade ou formar um, caso ainda não exista”, diz Carmo.
CONTRA O SISTEMA
Ao lado, a Marcha da Maconha toma a Avenida Paulista. Abaixo, os integrantes da Revolução da Colher em sua reunião semanal
O Fórum Popular da Saúde é uma entidade que luta contra as diversas formas de privatização da saúde pública. Desde 2009, o Fórum vem combatendo a lógica de lucratividade que impera por trás das Organizações Sociais e da Fundação Estatal do Direito Privado. O movimento é pluripartidário e luta por um sistema de saúde de qualidade, público e estatal. “Em 2004 surgiu uma lei que permite que os hospitais antigos geridos pelo serviço público de maneira direta passassem para as mãos das Organizações Sociais”, afirma Lívia Rodrigues, estudante de Medicina que se engajou na luta do Fórum. Em setembro, ocorreu uma ocupação conjunta ao Movimento dos Trabalhadores sem
CRÉDITO
Teto (MST). O ato se deu num prédio abandonado na Região de Capela do Socorro, onde há 14 anos a construção de um hospital é prometida. A manifestação protestava contra as promessas não cumpridas pelo então prefeito Gilberto Kassab, que se comprometeu a inaugurar três hospitais e 50 serviços odontológicos que não se tornaram realidade. Segundo Lívia, a ideia da ocupação surgiu em um contexto de “crescimento dos movimentos que lutam por saúde no estado de São Paulo”. Para a estudante, isso reflete o procedimento do modelo de gestão que vem sendo colocado em prática desde o governo FHC. “O Fórum Popular de Saúde surge em um momento em que víamos na prática a política do Estado mínimo”, diz. Dessa forma, “as Organizações Sociais de Saúde vão na contramão de pensar saúde como garantia e responsabilidade do Estado. Apesar de muitas delas serem ditas sem fins lucrativos, na prática isso não acontece.” A respeito da grande mídia classificar muitos movimentos como manifestaçõesrelâmpago, Lívia é enfática ao dizer que “a mídia interpreta as manifestações como se fossem pontuais. Os movimentos são vistos como passageiros, apesar da dimensão que têm”. Para exemplificar de que maneira isso acontece, a estudante cita um caso recente: “Vimos a greve das universidades federais, quanto tempo durou e o pouco espaço que ocupou na mídia.” Para Sâmia Bomfim, estudante de Letras na Universidade de São Paulo e envolvida em movimentos sociais como o Ocupa Sampa, “é normal que a mídia diga que a juventude só faz manifestações por ser rebelde sem causa. Acredito que um dos motivos para a grande mídia querer encobrir essas demonstrações de insatisfação é o fato de a juventude ser um setor perigoso à medida que pode gerar mudanças.” Sâmia ainda faz uma consideração a respeito das revoltas brasileiras e das manifestações espalhadas pelo mundo: “No Brasil, por não estarmos sentindo tanto os efeitos da crise econômica, as rebeliões acabam parecendo pequenas gerações espontâneas, mas, a meu ver, os movimentos ao redor do mundo dizem respeito a uma mesma indignação: com o sistema capitalista em que vivemos.”
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COMPORTAMENTO
se não sente saudade, não teve
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Nas redes sociais, jovens encontram um espaço para trazer à tona os ícones e símbolos que os marcaram REPORTAGEM ANA BARDELLA, ANA BEATRIZ BARBOSA, ISABELA DUARTE, KETLYN TADDEUCCI, MARIANA DIELLO, NATHALIE PROVOSTE e THAÍS HELENA REIS (1o ano de Jornalismo) ILUSTRAÇÃO THAÍS HELENA REIS (1o ano de Jornalismo) IMAGEM NATHALIE PROVOSTE (1o ano de Jornalismo)
CRIANÇA DOS ANOS 1990 que não teve bichinho virtual, não se lembra dos Power Rangers, do chocolate Tortuguita, das bonequinhas Fofoletes ou do pirulito Push Pop, não teve infância. Pelo menos, é essa a ideia que aparece nas publicações nostálgicas sobre objetos e recordações da infância que circulam pelo Facebook. Aryane Sanches, 21 anos, se inspirou nessa tendência para criar a página “Querida Infância” na rede social. Nela, a jovem posta fotos de artigos e ícones populares de quando era criança. “O intuito da página é trazer lembranças de momentos que passaram, dos quais é gostoso recordar”, afirma Aryane. Você provavelmente se lembra dos tazos que vinham nos salgadinhos Elma Chips, de comer o chocolate Surpresa e de assistir Chiquititas e Castelo Rá-Tim-Bum. Para Heloisa Antonelli, psicóloga do Instituto de Psicologia da USP (IP-USP), é por causa da lembrança coletiva e do sentimento saudosista de grupo que páginas como a de Aryane fazem tanto sucesso.“Querida Infância”, por exemplo, tem mais de 19 mil fãs. “Carregamos a nossa história para encontrar aquilo que queremos na vida”, diz Antonelli.
VOCÊ SE LEMBRA? Por meio do compartilhamento de memórias online, os internautas acabaram chamando a atenção de algumas empresas. É o caso da Nestlé, que em setembro trouxe de volta ao mercado o chocolate Lollo. “Sempre monitoramos as redes sociais e vimos que muita gente citava o Lollo com saudades”, reconhece Ricardo Bassani, gerente de marketing da Nestlé. No Facebook, uma campanha do Portal Administradores manifesta a vontade dos fãs de ver o chocolate Surpresa – aquele que vinha com figurinhas sortidas – de volta às prateleiras. O link da campanha já conta com quase 7 mil compartilhamentos. A rede de fastfood McDonald’s também acabou se beneficiando da nostalgia de seus clientes. Por volta do fim do mês de setembro, os brindes do McLanche Feliz foram bonecos do jogo Pokémon Black and White. A versão da série é nova e a maioria dos personagens também. No entanto, o queridinho da saga, Pikachu, é o que faz mais sucesso. O personagem tornou-se famoso e amado pelo público entre o fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000, quando as primeiras temporadas da série foram ao ar no Brasil.
Adriana Santiago, 19 anos, é fã da série e, apesar de não ter mais costume de comprar novos itens do Pokémon, fez uma exceção à promoção do McDonald’s só para ganhar o Pikachu. A jovem vestibulanda ainda guarda outros brinquedos da série, como as miniaturas que acompanhavam o refrigerante Guaraná Caçulinha, que eram vendidas no começo dos anos 2000. Adriana afirma que não consegue se desfazer deles. “É minha infância. Minha mãe queria jogá-los fora, mas eu falei ‘Não! Nunca!’. Quero mostrar isso para os meus filhos.” Os jovens também demonstram carinho pelos ícones da infância de outras formas, como Breno Gomes, 19 anos. O estudante de Publicidade tem em suas pernas tatuagens de símbolos do jogo Zelda. “Ele foi mágico na minha infância e continua sendo. Do mesmo modo que pessoas amam livros por suas histórias, eu amo Zelda”, conta.
NOSTALGIA COMPARTILHADA A psicóloga Heloisa Antonelli vê esse compartilhamento de memórias na internet como um “momento coletivo de se encontrar num outro espaço”. O fato de a internet estar muito presente na vida da juventude atual faz com que o compartilhamento e a nostalgia sejam mais evidentes e constantemente lembrados. De acordo com Antonelli, essa saudade que todos sentem dos itens e programas que marcaram a infância não seria propriamente dos objetos em si, mas da época que eles representam. Resgatar as boas memórias do passado traz segurança por meio de um sentimento de pertencimento. As mensagens que circulam no Facebook, como as criadas pela página de Aryane, implicam que a infância de hoje pode não ser tão boa como aquela vivida nos anos 1990. “A infância é a melhor parte da nossa vida. Sinto saudade da inocência que nós tínhamos. Não havia toda essa tecnologia que há hoje”, diz Aryane. Adriana concorda: “As crianças querem iPhone, tablet, videogame. Eles têm internet, não brincam mais na rua. É totalmente diferente de antigamente”. Mas não são todos que estão de acordo com o fato de uma geração se sobrepor à outra, de achar que Caverna do Dragão é melhor do que Ben 10. Breno é um deles. “Acho que não existe a infância certa, a que cada um vive vale a pena. Pode ser brincando na rua ou jogando videogame.”
Adriana Santiago, fã do Pokémon comprou um MC Lanche Feliz só para ganhar o Pikachu
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ENTREVISTA
Sempre em
formação Revelação da literatura brasileira, a escritora Luisa Geisler tem apenas 21 anos e já foi indicada ao Jabuti. Como todos de sua geração, é ansiosa por resultados REPORTAGEM GABRIELA SÁ PESSOA (3o ano de Jornalismo) e JÉSSICA TABUTI (1o ano de Jornalismo) IMAGEM ACERVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO
PENSE EM UM escritor premiado. Provavelmente, no seu imaginário, ele deve ter mais de 30 anos, extensa lista de publicações e, talvez, um doutorado. Agora imagine outro escritor premiado – desta vez, jovem. Ou melhor, pós-adolescente, com pouco mais de 20 anos. Um cara genial, que só pode ser nerd desde o berço e mal sai de casa. Mas, no caso de Luisa Geisler, todas essas premissas e clichês caem por terra. Aos 21 anos, a garota nascida em Canoas, cidade da região metropolitana de Porto Alegre (RS), já conquistou dois Prêmios SESC de Literatura consecutivos, teve o nome incluído na coletânea Granta – Os melhores jovens escritores brasileiros e foi indicada ao 54º Prêmio Jabuti na categoria Melhor Livro de Contos e Crônicas por Contos de mentira (2011, editora Record). Como qualquer jovem da sua idade, ela pensa em morar sozinha, gosta de sair com os amigos e ficar com o namorado. Além do mais, Luisa é ansiosa e faz mil coisas ao mesmo tempo: estuda Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Relações Internacionais na ESPM, é colunista da revista Capricho e bolsista de iniciação científica em Economia, atualiza o Twitter, tem perfil no Facebook, sai com os amigos, viaja divulgando suas obras – além do livro de contos, publicou o romance Quiçá, em junho deste ano, também pela Record – e tenta se disciplinar para continuar escrevendo – ufa! Em entrevista à Esquinas, Luisa não nega o sotaque gaúcho, diz não gostar de ser vista como escritora “promessa” e revela como é ser a autora mais jovem da literatura brasileira.
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Às vezes, o termo “jovem” pode soar depreciativo, como alguém que não precisa ser levado a sério. Te incomoda ser chamada de jovem escritora? Não, não incomoda. De certa forma o termo “jovem” soa depreciativo mesmo, não pela palavra em si, mas pela conotação que acaba ganhando. Como se só quem já é experiente, já tem um doutorado tenha algo a dizer. As pessoas acabam desmerecendo quem não é nem formado ou não tem nem 20 anos. Com a Granta, os prêmios SESC, as publicações e com a indicação ao Prêmio Jabuti, você já é vista no meio literário como uma autora consolidada e não uma revelação. Você se sente assim? Fico um pouco incomodada com essa ideia de promessa e de potencial porque é mais uma forma de te chamar de inexperiente do que dizer que você é jovem. Ao mesmo tempo, tenho um pouco de dificuldade de me enxergar como uma escritora pronta, porque acho que todos os escritores estão em formação. Não só os escritores, mas todas as pessoas. Porém, acho muito difícil olhar para o Cristovão Tezza [autor de O filho eterno] e dizer que ele não é um escritor pronto. A imagem que se tem do escritor é a de alguém na faixa dos 30 anos ou mais. Você mantém contato com alguém da sua idade nesse meio? No meio literário, o pessoal próximo da minha idade tem entre 25 e 28 anos. Como somos uma geração parecida, em geral mantenho boas amizades literárias. Mas tenho amigos fora deste meio, o que é algo importante, já que às vezes isso tudo sufoca um pouco. Meu primeiro amigo escritor foi o André de Leones, ganhador do Prêmio SESC em 2005. Conheci outros escritores do Prêmio SESC e até hoje falo com eles. São pessoas muito amigas que entendem toda a ansiedade em torno do Prêmio SESC. Fui à Flip [Festa Literária Internacional de Paraty] logo em seguida, que é uma semana de pura literatura, de gente falando de escrita, de escritor, de coisas do meio literário, de fofocas. No final, só quero ir para casa [risos], para um mundinho em que ninguém saiba quem sou. Sem contar que a Granta foi lançada em meio aos burburinhos da Flip. Isso. É bastante coisa acontecendo ao mesmo tempo. Gosto de circular nos dois meios: no da minha realidade, onde não sou ninguém, e no meio literário. Não gosto de ficar alienada em uma área, porque elas me cansam de algum jeito e, de certa forma, me agradam muito. Acho que o meio literário pode sufocar um pouquinho, porque você acaba acreditando que a literatura contemporânea brasileira é a coisa mais importante que existe e acaba deixando isso subir um pouco à cabeça. Como você faz para conciliar a literatura com sua vida pessoal e as duas faculdades? É uma questão de saber o que é prioridade e
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o que pode ficar para depois. Não sou uma pessoa calculista e organizada, sou bem destrambelhada e acabo esquecendo das coisas. No começo do mês organizo minha agenda, mas no final, mal sei qual dia é. Você tem uma rotina de escrita quando está trabalhando em um livro? Eu planejo, crio uma meta e tento escrever. Minha meta é escrever diariamente nem que seja uma página para não esquecer. Mas não é sempre que acontece [risos]. Por mais que faça tudo diferente, gosto de ter uma noção de onde eu deveria estar. E, se estiver muito diferente, tento me reestruturar. Mas é difícil, porque nossa geração é muito ansiosa, de certa forma. Bah, sim! E como você a avalia? Com certeza, é uma geração ansiosa por resultados. Digo isso porque sou assim, ansiosa pelo que está acontecendo agora. É uma geração que não quer deixar o prazer para o último dia da vida. Não quer se aposentar para curtir a vida, quer conciliar os dois agora. Como é a experiência de escrever para públicos tão diferentes como o da Capricho e o dos seus livros? Alguma leitora da Capricho já comprou algum deles? Estava na Bienal do Livro em um bate papo do SESC, quando uma menina veio e disse “vim porque sou uma leitora da Capricho e acabei comprando o seu livro. Mas são bem
diferentes, né?”[risos]. São dois públicos distintos, não imagino mesmo que sejam iguais. O público adolescente é muito passional. Eles lêem mas não analisam o texto, apenas falam “poxa eu curti porque me identifiquei” e é isso. Enquanto o público adulto procura análise do personagem, coisas mais sérias, motivos mais lógicos por trás do texto. Achava que ia ficar desajeitada na Capricho porque sempre fui aquela adolescente meio esquisita, sabe? Meio excluída em um canto, que fala pouco... A garota que não está na capa da Capricho. Exatamente. Eu assinei Capricho por um tempo, mas mesmo assim, sempre fui meio esquisita. Poxa, demorei muito para fazer a sobrancelha. Achei que não ia dar certo a coluna na revista, mas percebi que muitas meninas se identificaram, se sentiram mexidas de alguma forma. Para mim, isso foi muito estimulante. O Quiçá possui dois personagens: a Clarissa, de 11 anos, e o Arthur, de 18. A diferença entre eles é justamente a adolescência, esse período de leitores passionais. Como foram esses anos para a sua formação e da escritora Luisa? E quanto disso está na sua obra? A formação de escritora é uma coisa bem antiga, porque eu sempre me diverti muito lendo. Quando era pequena, gostava muito da Feira do Livro de Porto Alegre, gostava de fazer os meus próprios livros. Fazer desenhos e carinhas. A leitura foi uma coisa muito prazerosa e eu sempre estive muito ligada a ela.
“Tenho um pouco de dificuldade de me enxergar como uma escritora pronta, porque acho que todos os escritores estão em formação. Não só os escritores, mas todas as pessoas”
A minha adolescência de leitora foi normal, não peguei livros do Dostoievski aos 14 anos. Lia Diário da Princesa, Harry Potter e curtia pra caramba. Eu demorei para chegar nos autores grandes. Comecei com Edgar Allan Poe, depois Gabriel García Márquez. Foi a fase em que mais li na vida. De certa forma, fui uma adolescente introvertida, como no caso da Clarissa, mas nunca fui tão controladora como ela. A Clarissa tem essa característica muito forte de ser introvertida e, ao mesmo tempo, de querer controlar tudo o que acontece em sua vida. Para poder controlar, ela acaba lidando com coisas que são controláveis – a televisão, o piano, o gato. O livro não é tão autobiográfico como dizem. Talvez, com muito esforço, dê para enxergar a Clarissa como uma exacerbação de mim, mas nada muito grave. Ela diferencia muito as coisas, coloca-as em caixinhas. O Arthur não tem muito a ver comigo, mas eu gosto da ideia de alguém que perdeu a fé na vida a ponto de não querer mais viver. E está trabalhando em algum projeto? Eu estou trabalhando em um romance chamado Canoas Não Boas. Nele, o personagem
resolve escrever cartas para o melhor amigo de infância que está em coma. Por meio dessas cartas, ele revela seu dia a dia e por aí vai. O romance mostra a história desse garoto, todos os dramas que ele tem que viver. O protagonista trabalha em um posto de conveniência para poder pagar a faculdade. Ele não tem muito para onde olhar, mas, ao mesmo tempo, tem preocupações mundanas que confiaria ao amigo que está em coma. O que você espera dos seus 20 anos? [hesitação] Já tem algum projeto? É uma coisa estranha, porque eu sempre acabo fazendo as coisas de que gosto e elas acabam dando certo. Espero continuar escrevendo e publicando. Mas fora isso... Espero não morrer atropelada por um ônibus [risos]. Eu vou fazendo as coisas e elas vão indo. Tenho uma dificuldade bem grande em pensar a longo prazo. Como eu me vejo daqui cinco anos, aquelas histórias, não sei. Quero continuar escrevendo, o resto é lucro. Quero me formar, sair da casa dos meus pais, mas nada muito ambicioso, não.
Apesar da rotina acelerada de trabalho e estudo, Luisa encontra um tempo para se divertir com os amigos
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FOTORREPORTAGEM
SOM
PERIFA Do Hip Hop ao Clássico. Música para formação, inclusão e vida
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GUILHERME BURGOS
REPORTAGEM TATIANA CARVALHO (1o ano de Jornalismo), BÁRBARA PIRES (2o ano de Jornalismo) e Guilherme Burgos (4o ano de Jornalismo) COLABORAÇÃO GIOVANA RABBATH (1o ano de Jornalismo)
A FORMAÇÃO MUSICAL brasileira vem da periferia. Da senzala, dos cortiços, dos morros, do povo. Capoeira, atabaques, dança, samba e canções aos poucos foram apropriadas pela elite, mas continuam populares em sua essência. A periferia continua criando, mostrando e cantando sua cidade. Jovens de todas as gerações se apropriaram da música para contar a sua história. Como já cantara Criolo “Di Cavalcanti, Oiticica e Frida Kahlo tem o mesmo valor que a benzedeira do bairro”. Do clássico instrumental às rinhas de Mc’s, da arte que vem de fora à criação da sua própria, a música aparece como símbolo de resistência e prosperidade. Enquanto o Instituto Baccarelli - que ensina musica clássica em Heliópolis - surge pela vontade de alguém de fora fazer algo pelo lugar, a Rinha dos Mc’s apareceu como forma de juntar aqueles que cantavam o seu lugar por meio do Hip Hop.
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“Certo dia estava em casa de boa e me liga um cara chamado Kleber Gomes, mais conhecido como Criolo Doido, e me diz que fez uma batalha entre Mc’s”, conta Cassiano Sena, o DJ Dan Dan, fundador da Rinha. A princípio, a Rinha era uma simples festa entre amigos, na qual se praticava rimas e ouviam-se músicas que não tocavam nas baladas. A ideia foi tomando formato até se transformar no tradicional encontro de improvisação freestyle do hip hop brasileiro. O encontro abriu espaço para o rap, o grafite, a dança urbana e a discotecagem criarem resistência para uma arte até então pouco valorizada. A Rinha acontece em três formatos: há o circuito Rinha Mc’s, o pocket rinha e a Matilha Cultural. Há também um evento especial chamado Festival Rinha dos Mc’s, que acontece uma vez por ano, agrupando diversas atividades culturais, como apresentação de Break Dance e show de Rap. Diante do aumento da proporção do evento e das suas formas de atuação, foi possível abrir diálogo entre os jovens artistas da periferia e do centro. Grandes nomes como Criolo, Rashid, Projota, Emicida e Flora Matos começaram nos encontros e despontaram. A Rinha tornouse uma vitrine para os jovens do meio hip hop. “O jovem cria a percepção de que ele pode ser um poeta, um escritor ou talvez um locutor”, expõe Dan Dan. “A rinha, que foi o berço de vários Mc’s, acrescenta no ‘currículo’”, complementa Mc Preta Ary, integrante do grupo D’origem, ao lado de Mc Meire e Dj D’soul. Para elas, não é só sair de casa e ir até o centro cantar por amor e encontrar com os amigos, mas também pregar e divulgar o hip hop. Além da visibilidade proporcionada pela Rinha, de acordo com Dj Dan Dan, durante as batalhas são colocados assuntos importantes, cativando os ouvintes e formando lições de cidadania. “A cultura é do povo e a possibilidade de ter uma liberdade para ação é essencial para que ele possa usufruí-la”, afirma. A formação da cultura hip hop, pela sua complexidade adota do compartilhamento para ganhar força. Não é uma pessoa que o faz, mas o movimento que lhe dá tom. Não é só cantar Rap e gingar, o conceito abrange a arte e a integração social como uma coisa só.
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O encontro da periferia com o centro gera discussões com o choque de culturas e realidades sociais. Dj DanDan acredita que “a periferia hoje é moda”. Dessa forma, movimentos como a Rinha dos Mcs, que fazem de tudo para manter as bases da cultura de rua, da cultura hip hop, são cada vez mais importantes.
SOM DO CENTRO, SOM DA PERIFA Se o centro incorpora a cultura da periferia, o inverso também ocorre. Em Heliópolis – maior favela da capital, e a décima maior do país – a música clássica é ensinada para 1.200 jovens do Instituto Baccarelli. Dos quatro aos 14 anos, os moradores de Heliópolis que estejam matriculados e frequentando as aulas da rede pública de ensino podem se inscrever no Instituto. A entrada no Baccarelli se dá em grupos de aulas para crianças e no coral. Com tempo, surgimento da aptidão e do gosto pela música, os alunos podem passar para um curso coletivo de instrumento. Caso o aluno se destaque, ele passará a ter aulas individuais– ou seja, não significa que todas as crianças que entram no Instituto terão certamente um futuro profissional na área de música. Todas essas etapas são perpassadas pela maioria dos jovens com o sonho de chegar à Orquestra Sinfônica Heliópolis. “É bom que o aluno acredite que ele possa vir a ser um músico profissional, pois quebra a ideia de que eles não podem ser por causa da sua realidade social. Mas a expectativa precisa ser trabalhada, na medida em que eles sabem que é difícil e necessita esforço”, diz Raquel Porangaba, responsável pelas relações públicas do Instituto. Tanto o prédio do Instituto, como a Ação Educativa - aonde os Mc’s vão com frequência -, são locais marcantes, não só pelas paredes grafitadas do Ação, ou pelas salas coloridas e organizadas do Baccarelli, mas pelo preenchimento que a música dá a esses concretos. Da cultura que vem de fora ou da cultura criada dentro das comunidades, as pessoas que participam desses movimentos fazem com que eles estejam em permanente transformação e crescimento . Mostrando, assim, que a frase da música de Criolo “não existe amor em SP” é mais uma provocação que um axioma.
Guilherme Burgos usou uma CANON 7D - f/2.8 - 45mm - ISO 640 - 1/80s ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2012
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Guilherme Burgos usou uma CANON 7D - f/2.8 - 70mm - ISO 4000 - 1/80s
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Tatiana Carvalho usou uma NIKON D90 - f/5.3 - 75mm - ISO 2500 - 1/60s
Tatiana Carvalho usou uma NIKON D90 - f/5.6 - 105mm - ISO 400 - 1/250s ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2012
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Guilherme Burgos usou uma CANON 7D - f/2.8 - 55mm - ISO 640 - 1/40s
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Guilherme Burgos usou uma CANON 7D - f/2.8 - 24mm - ISO 4000 - 1/80s
Guilherme Burgos usou uma CANON 7D - f/2.8 - 58mm - ISO 640 - 1/80s ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2012
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EMPREENDEDOR
MEL DUARTE
-se
THIAGO MUNDANO
Dá um
jeito Os empreendedores Guilherme Cury e Thiago Mundano decidiram quebrar o protocolo e usar formas alternativas para concretizar seus projetos REPORTAGEM JÚLIA BARBON, VINICIUS PESSOA (1o ano de Jornalismo), AMANDA MARTINS E GUSTAVO JAZRA (2o ano de Jornalismo)
SEGUIR O SANGUE da Geração Y é, para Guilherme Cury, 25 anos, consultor de mídias e dono dos blogs de sucesso Comunicadores e Moda para homens, a característica fundamental para o jovem empreendedor. Tal geração, considerada pela sociologia como multifacetada, é composta pelos nascidos depois da década de 1980 que trazem em seu sangue o frescor das novas formas de comunicação. Para Cury, o sonho de muitos jovens é ser Mark Zuckerberg, criador do Facebook, mas, para isso, a regra é não ser utópico. “Não adianta ter a ideia e não ver a parte financeira”, ressalta. Cury cria blogs desde os 13 anos, quando surgiu o Blogger, servidor do Globo.com. Muita coisa mudou de lá para cá: a plataforma deixou de ser usada como diário pessoal e passou a assumir um perfil cada vez mais comercial – o que atraiu a atenção dos anunciantes. É nesse contexto que Guilherme Cury criou o Moda para homens. O blog, voltado à moda masculina, foi o primeiro que o fez ganhar dinheiro efetivamente.
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Além do Moda para homens, Cury administra mais três blogs: Comunicadores, que trata de assuntos da área da comunicação, Go Surf, voltado à prática e ao universo do surf, e Ando Experimentando, em que divulga novas experiências. No final de 2009, depois de oito meses entre tentativas, o primeiro começou a receber os primeiros patrocinadores e a gerar renda. Hoje é o carro chefe na venda de anúncios e ações. O grafiteiro Thiago Mundano, 26 anos, é outro jovem que prefere assinar o próprio negócio. Em 2007, Mundano carregava nas mãos o que cinco anos mais tarde repartiria com 270 voluntários. Foi por meio do crowdfunding – financiamento coletivo [veja box] – que ele conseguiu realizar a primeira edição do Pimp My Carroça, em junho deste ano. O movimento pretende tirar os carroceiros da invisibilidade, visto que, segundo dados do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável (MNCR), eles são responsáveis por 90% da reciclagem na cidade de São Paulo. Diferentemente de Cury, Mundano pro-
jeta sua ideia para além das telas. Em junho deste ano, seu projeto recebeu 50 catadores no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo. Além de uma “turbinada” na carroça – desde um reparo estético, com a ajuda de 60 grafiteiros, até uma reforma estrutural com novos itens de segurança, como retrovisores, faixas reflexivas e luvas –, os trabalhadores receberam alimentação, se consultaram com um clínico geral e oftalmologista, além de conversarem com um especialista em dependência química.
O EMPURRÃOZINHO Apesar do trabalho com os blogs representar 60% do orçamento do jovem empreendedor, ou seja, uma média de cinco mil reais, Cury realiza outras atividades para aumentar seu faturamento. “Faço ativações e manutenção de redes sociais para clientes e ainda campanhas para grandes marcas. É o que dá mais dinheiro”, explica. Guilherme tem em seu portfólio marcas como Fiat, Levi’s e Yahoo. Já no caso de Mundano a ajuda veio antes
BIANA TAVOLARI FELIPE MAIROWSKI
GUSTAVO JAZRA
Mundano criou o Pimp My Carroça, movimento que tira os carroceros da invisibilidade. Aqui e na página ao lado, imagens do evento e do grafiteiro ilustrando as carroças
Para o blogueiro Guilherme Cury, não adianta ter a ideia e não pensar em como financiá-la
da realização do projeto: 792 apoiadores doaram cerca de 64 mil reais em 48 dias (167% do valor pedido inicialmente). Foram eles que viabilizaram a ideia do artista de aumentar a dignidade dos catadores. Dois dias depois da “carroceada”, no Dia do Meio Ambiente, 5 de junho, a equipe entregou ao então prefeito Gilberto Kassab o manifesto do movimento. Ele reivindica melhores condições a esses trabalhadores, como a sua contratação e remuneração justa pelos serviços prestados e o investimento em programas de educação ambiental que estimulem a separação do lixo na fonte e a sua doação para os catadores. Mundano diz ter optado pela arrecadação colaborativa principalmente pela independência que ela permite, já que não há ligação direta com empresas ou com o governo. Ele conta que essa forma de custear serviu para engajar as pessoas nas causas do projeto: “O que conseguimos de mais valioso não foi o dinheiro, mas sim a rede que construimos.”
BOTANDO A MÃO NA MASSA Apesar da divisão de custos e da rede de ajuda, Mundano confessa que não é tão fácil quanto parece, e que o sucesso demanda um bom planejamento e comunicação efi-
ciente. Ele e Cury afirmam valorizar tanto a qualidade das ideias quanto a forma de passá-las aos outros. O projeto do grafiteiro, por exemplo, foi apresentado no site Catarse por meio de um vídeo com animação em stop motion, técnica que capta fotografias de pequenas ações do mesmo objeto inanimado para simular seu movimento. “Tem que ser uma mensagem direta. Tudo tem uma linguagem e envolve as pessoas. Eram elas quem enviavam as frases pintadas nas carroças. Acho que isso fez a diferença”, comenta. Ele também chama atenção para as razões da contribuição majoritária dos jovens nesse tipo de financiamento. Mundano considera a carência de participar de alguma forma da sociedade – mesmo que não seja “botando a mão na massa” – como um impulso importante para que os jovens coloquem dinheiro nos projetos em que acreditam. Já para o blogueiro, o sucesso do Moda para homens – a página beira um milhão e quinhentas visualizações ao mês e recebeu seu primeiro anúncio quando completava as 300 mil – se deve à criação de conteúdo sério e anúncios profissionais. “O importante é focar no conteúdo e no relacionamento”, esclarece.
É TUDO NOSSO Surgido em 2009 nos Estados Unidos com o www.kickstarter.com, o crowdfunding é uma forma alternativa de patrocinar ideias. O formato inovou o conceito de financiamento: o empreendedor cadastra a sua iniciativa em algum site de crowdfunding, pede a quantidade de dinheiro que irá possibilitar a realização do projeto, atrai pessoas que acreditem nele – principalmnte por meio das redes sociais – e as recompensa com “presentes” de acordo com o valor doado. Esses espaços normalmente são divididos por categorias, como arte, gastronomia, esporte, jornalismo e tecnologia. O Catarse.me, site usado por Mundano, tem como foco projetos criativos e só aceita ideias que tenham um prazo delimitado. Se a quantia pedida for arrecadada antes dessa data, ele é financiado, caso contrário, o dinheiro é devolvido aos apoiadores. As doações são feitas somente pela internet e os projetos são avaliados pelos donos do site antes de serem ativados.
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COLETIVOS
De
todose de ninguém Pessoas que se unem para fazer o que gostam sem pedir permissão. Bem vindo à era dos coletivos REPORTAGEM BEATRIZ PIETRO, JESSICA MIWA, JULIANA MATSUOKA PASTA e RICARDO ARCHILHA (1o ano de Jornalismo)
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CULTURA DIGITAL À FLOR DA PELE
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#VidaLaboratório, #ÉticaHacker, #Artivismo, #CulturaDigital, #Colaboração. Esses são apenas alguns dos conceitos por trás do coletivo Casa da Cultura Digital. Nascida da vontade de trabalhar com liberdade e produzir pelo bem comum, a CCD traz realizações como o Mapa da Cachaça, site de dicas de alambiques, a Metamáquina, empresa que fabrica impressoras 3D a baixo custo, e o Garapa, plataforma que desenvolve projetos de fotografia e vídeo. O coletivo concretizou-se quando um grupo de comunicadores encontrou um espaço onde conseguiam seguir com seus projetos sociais e culturais ligados à tecnologia. No castelinho da Barra Funda, sede da Casa, todos trabalham à vontade e trocam ideias entre si. É dos cafezinhos na cozinha que surgem as melhores ideias. De acordo com Savazoni, fazer parte de um coletivo é perceber que a colaboração é uma aliada e não uma adversária. “É estar sempre aberto para lidar com o outro e confrontá-lo, sem anular a singularidade”, diz. A Casa abriga empresas, pessoas, ONGs e iniciativas marcadas pela cultura digital, como a iniciativa do Baixo Centro. O que começou na Casa da Cultura Digital como um simples projeto de ocupar as ruas de forma criativa e artística, hoje se expandiu e se tornou uma rede horizontal. O chamado Baixo Centro engloba os bairros República, Santa Cecília, Campos Elísios e Vila Buarque localizados próximos ao Elevado Presidente Costa e Silva, o Minhocão. Segundo Leonardo Foletto, jornalista e integrante do coletivo, o Minhocão veio a tornar-se o símbolo da região por ser uma aberração, “uma cicatriz no meio de São Paulo”. Pela falta de infraestrutura local e por ficar perto da CCD, a região foi escolhida para abrigar as intervenções urbanas. Leo acredita que o Baixo Centro surgiu
principalmente em resposta “ao cerco que faz com que as pessoas usem cada vez menos as ruas”. “Nós só entramos no debate e canalizamos o desejo de mudança de muitas pessoas, especialmente na região do Baixo Centro. Talvez seja por isso que o projeto se expandiu para muito além do que imaginávamos”.
AS RUAS SÃO PARA DANÇAR Para marcar o surgimento do novo grupo, foi proposta a realização de um festival de música e arte com um mês de duração. A verba necessária foi captada via crowdfunding por meio do site de financiamento coletivo Catarse-me, o que para Leo “tem tudo a ver com a proposta do Baixo Centro.” O valor pedido inicialmente era de 56 mil reais, do qual foi arrecadado cerca de 23 mil. Mesmo não conseguindo captar a quantia pedida, o grupo não desistiu porque percebeu que havia um grande desejo de que o evento se concretizasse. “Foi com o processo de se tornar conhecido que ele ganhou força. Tinha muita gente querendo fazer, não podíamos abandonar”, conta o jornalista. Em fevereiro de 2012, o projeto foi lançado novamente no Catarse-me, visando captar aproximadamente 14 mil reais. Porém, as expectativas foram superadas e o coletivo recebeu aproximadamente 20 mil reais. A partir do festival criou-se um movimento que propunha uma continuidade para o Baixo Centro, não como festival, mas
como uma série de pequenas intervenções. Para seguir com a ação, foi realizada uma festa junina no Minhocão, cujo financiamento também ocorreu pelo público, por meio do crowdfunding. Para Leo, a Festa Junina do Minhocão serviu para mostrar um pouco do funcionamento do coletivo. “A ideia partiu de pessoas que não participaram ativamente do primeiro festival, mas que se identificaram com a causa”, conta. Mesmo com dois eventos bem-sucedidos, não existe a ideia de fazer outra grande festa, como as anteriores. O coletivo tem sido chamado para participar de ocupações e debates de grupos que compartilham dos mesmos ideais, como é o caso do Brecha Coletivo. De acordo com Leo, “O Baixo Centro está se inserindo na discussão sobre o direito à cidade e sobre a ocupação das ruas de forma artística, mas sem ter nenhuma atividade prevista.”
SOBRE QUATRO RODAS O Ônibus Hacker é outra intervenção que saiu de dentro da Casa da Cultura Digital. O laboratório sobre quatro rodas reúne hackers que embarcam com um propósito comum: ocupar cidades brasileiras com ações políticas. O projeto começou em junho de 2011 dentro do Transparência Hacker, fórum online que questiona a omissão de dados públicos na internet. “Alguém falou brincando de ter um ônibus, o outro acreditou que daria certo, um terceiro falou: va-
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“VAI CHEGANDO GENTE e a coisa vai crescendo e ficando grande na medida em que as pessoas acreditam nela.” É desta forma que Lívia Ascava, umas das fundadoras do Ônibus Hacker, define a formação dos coletivos, que nascem quando um grupo de pessoas se une em defesa de um mesmo ideal. O fenômeno dos coletivos vem ganhando cada vez mais visibilidade. São Paulo e Rio de Janeiro contam com grupos que interferem no cenário urbano incitando reflexões variadas, como a forma de apropriação do espaço público e o modo como se dão as políticas de desocupação de moradias. “Fazer parte de um coletivo é fazer o que se gosta sem pedir permissão para ninguém”, afirma Rodrigo Savazoni, um dos fundadores da Casa da Cultura Digital, coletivo que desde 2009 desenvolve projetos que têm tecnologia e cultura livre como pontos unificadores.
Cena da peça Carne apresentada pela Companhia de Teatro Kiwi, durante o Festival Teatro Mutirão
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JULIANA PASTA
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Ocupação em praça pública do coletivo Dolores Boca Aberta busca não só chamar atenção como também fazer mensão a estética do MST
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mos colocar no Catarse-me”, comenta Lívia Ascava, participante do grupo. Em dois meses, 464 pessoas doaram uma quantia de aproximadamente 58 mil e quinhentos reais, 18 mil a mais do que o pedido. O ônibus foi comprado, personalizado e começou a rodar para valer em 2012. Hoje, conta com 14 viagens pelo Brasil. Dentre os estados visitados estão São Paulo, Minas Gerais, Brasília, Rio de Janeiro e Porto Alegre. O objetivo central do Ônibus é brincar com a curiosidade sem pedir permissão a instituições. Segundo Lívia, a ideia é explicitar a “demanda por revisão de política pública, de exercício de direito”. Os grafites da parte externa do “busão” instigam a curiosidade por onde passam. A frase “odeie seu ódio” e as ilustrações de carroceiros foram feitas por quatro artistas durante o “Pimp My Carroça”, evento que reformou carroças de catadores de rua (Veja a matéria Dá-se um jeito na página 34). O interior é transformado de acordo com as necessidades. Colchões, cadeiras, mesas e pufes entram em cena dependendo da intervenção. As ferramentas necessárias para as ações, como o transmissor de rádio, cadeiras de praia e objetos de costura são sempre carregadas e, se faltar algo, é só parar e comprar. As oficinas realizadas são variadas, indo
“Experimentar a vivência coletiva, esgarçar seus limites, provar a constância de um grupo que não se define, não se circunda. A brecha está sempre aberta.”
O objetivo do Ônibus Hacker é brincar com a curiosidade sem pedir permissão a instituições. “A ideia é explicitar a demanda por revisão de política pública”, diz Lívia Ascava
desde “como consertar a sua própria bicicleta” até aulas de tricô. Elas são realizadas a partir de uma chamada pública, na qual as pessoas se inscrevem e sugerem projetos a serem realizados no ônibus. Segundo Lívia, o maior diferencial do coletivo para a Casa da Cultura Digital é a heterogeneidade de perfis. O Ônibus Hacker acabou por criar uma rede nova. “Quando colocamos o Ônibus pra rodar é que fomos entendendo o que ele era”, comenta Lívia.
TEIAS DE COLABORAÇÃO “Vi que esse caminho do diálogo do trabalho artístico voltado para a transformação do ambiente social estava me apaixonando”, relata Regina Miranda, idealizadora e coordenadora geral do Cidade Criativa. Mestra em Ciências com foco em Liderança Cultural, ela resolveu “incrementar o Rio de Janeiro”, buscando tornar meio-ambiente e cultura aliados. Fundado em 2010, o Cidade Criativa tem em mente uma transformação gradual, que só poderá ser sentida em nível de cidade após dez anos - fato baseado em projetos de pesquisa feitos por Regina. “Somos uma grande teia que se pretende armar ao longo dos anos”, conta. A ação do coletivo se restringe a dar palestras e fazer intervenções artísticas que respondem às perguntas do povo, tais como:
Quem são as pessoas que promovem essas mudanças comportamentais e culturais? Que políticas de integração podemos ter? Para criar uma “rede inteligente”, o grupo formou parcerias com o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, com a Fundação Casa de Rui Barbosa, com a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-RJ) e com a Prefeitura Municipal. Os parceiros tornam-se embaixadores do projeto, levantando a bandeira dos múltiplos significados que um espaço geográfico pode ter. Regina descobriu em 2002 uma “casa de cômodos”. A estrutura é proibida: seu espaço físico possui subdivisões internas, podendo abrigar diversas pessoas em um mesmo repartimento. Após o achado, Regina percebeu que o bairro ainda abrigava outras dessas casas e procurou conhecer as pessoas que as habitavam, consideradas até então “invisíveis”. A iniciativa de ajudar os moradores, reformando os imóveis e revendo suas relações com o resto da comunidade encantou a coordenadora. “O trabalho que inicialmente não tinha qualquer intenção de ser um tipo de ação social, passou a transformar as ações humanas na rua e modificou o próprio espaço urbano”, diz.
SAINDO DE TRÁS DAS CORTINAS Já o coletivo Dolores Boca Aberta utiliza o teatro para dar visibilidade aos problemas da periferia paulista. Em 2000, quatro amigos se juntaram para formar o grupo que hoje conta com cerca de 25 integrantes e reivindica políticas públicas para o teatro. Segundo Luciano Carvalho, um dos fundadores, eles são feitores de uma estética de questionamento e de combate à ordem instituída do capitalismo. Por ser rotulado como “comunista”, o Dolores enfrenta resistência à sua arte. “Somos taxados como teatro menor, o que é mentira” contesta Luciano. As peças contam com elementos que fogem do convencional devido ao seu fundamento nos pressupostos da classe trabalhadora e nos objetivos revolucionários. Neste ano, o grupo ganhou o prêmio Shell de Teatro por sua pesquisa e trabalho continuado. Seus integrantes aproveitaram o reconhecimento para protestar contra a petroleira, que, segundo eles, apresentou medidas de avaliação da arte por um ideal burguês. Em setembro deste ano, durante dezesseis dias os integrantes do Dolores e de ou-
tros grupos simpatizantes com a sua causa ocuparam uma praça pública na altura da estação Arthur Alvim, linha vermelha do Metrô. O movimento conhecido como Festival Teatro Mutirão - Ocupação Cultural, não apenas se apropriou do espaço como também ofereceu à vizinhança debates e apresentações de teatro e música. Uma cena da peça Carne, apresentada pela Companhia de Teatro Kiwi, explicitava sarcasticamente o machismo escondido em letras de músicas populares. A ideia era que as mulheres da plateia se dessem conta da desigualdade entre os sexos e refletissem sobre a situação. As artes cênicas também foram o ponto de partida para que surgisse, no Rio de Janeiro, o Brecha Coletivo. A estética não espetacular, uma intervenção sutil no cotidiano das cidades e o desejo de formar uma associação horizontal e não hierárquica, ampliaram a ideia inicial do fazer teatral. Além de peças, o Brecha realiza flashmobs, ação inusitada préviamente combinada, com o objetivo de intervir artisticamente na cidade e no cotidiano. “Pensamos que a arte pode se relacionar de formas bastante distintas com a mobilização social. Parecenos potente a quebra do lugar distante entre espectador e artista, tirando o público de um lugar de contemplação e proporcionando uma forma de fomento à ação”, explicam os fundadores Rodrigo Lopes e Patrick Sampaio. A ação Nova Higienópolis realizada em parceria com o grupo Baixo Centro foi considerada uma forma dos moradores do bairro Higienópolis, zona sul de São Paulo, vivenciarem o drama das comunidades que sofrem com transferências forçadas para a realização de projetos que nem sempre os beneficiam. A intervenção durou cerca de 15 minutos, durante os quais os 20 participantes simulavam uma desocupação de casas e apartamentos para que se construíssem centros comerciais. O movimento fez alusão ao projeto Nova Luz e, segundo Rodrigo Lopes, “fez com que o debate sobre o direito à moradia fosse durante aquele curto espaço e tempo uma questão pessoal, que pudesse ser sentida pela classe média que habita Higienópolis”. Para os idealizadores do grupo, o Brecha, sendo um coletivo, tem como meta “esgarçar os limites da vivência coletiva, provar a constância de um grupo que não se define, não se circunda. A brecha está sempre aberta.”
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FORA DO EIXO
Fora do quê
?
Como o Circuito Fora do Eixo defende a produção artística de bandas independentes pelo Brasil REPORTAGEM MARIANA LUZ (1o ano de Jornalismo) e BIANCA CASTANHO (2o ano de Jornalismo) IMAGEM CC BY-SA/FORA DO EIXO
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COMEÇOU COM UMA ideia política – porém, apartidária - e um flyer divulgado nas mídias sociais. Em apenas uma semana, essa pequena ação se transformou em uma manifestação pacífica, que reuniu um amontoado cor-de-rosa de cerca de oito mil pessoas na Praça Roosevelt, em outubro deste ano. Ao som de artistas como Criolo, Gaby Amarantos, Karina Buhr e Emicida, o Existe amor em SP mostrou que é possível fazer intervenções culturais de forma colaborativa. O festival, realizado com ajuda de diversos colaboradores, teve como principal responsável o Fora do Eixo.
Da parceria entre quatro coletivos das cidades de Cuiabá (MT), Rio Branco (AC), Uberlândia (MG) e Londrina (PR) surgiu, em 2005, o polêmico Circuito Fora do Eixo (FDE). “A rede nasceu ligada à música, com o objetivo de produzir e divulgar trabalhos de artistas que existiam fora do eixo Rio-São Paulo”, explica Gabriel Ruiz, um dos responsáveis pela área musical do circuito. Em 2009, a iniciativa já apresentava um crescimento significativo – de quatro cole-
tivos, eles passaram a quarenta – e o grupo começou a estabelecer diretrizes para potencializar essa expansão, entre elas, uma inserção maior nos estados de São Paulo e Minas Gerais. Em 2010, o número de coletivos integrados ao circuito havia dobrado e, de acordo com Ruiz, “a vinda para São Paulo tornou-se inevitável.” Atualmente, o FDE conta com 120 coletivos, abrange 25 dos 27 estados brasileiros e tem sua sede no bairro da Liberdade, em São Paulo – além de casas em outras cidades e estados do país. “O contexto político e social de popularização e democratização dos meios de produção musical permitiu que a cena independente crescesse muito”, comenta Ruiz. Ele acredita que a mudança no modo de se consumir música – em decorrência das mídias digitais – e a consequente crise na indústria fonográfica também contribuíram para que o cenário se tornasse favorável aos produtores ligados a essa nova lógica. Pablo Capilé, um os fundadores do circutio, explica que o FDE trabalha com três premissas: a circulação do artista, a divulgação e produção do seu conteúdo e a distribuição do mesmo. “As bandas precisavam sair do eixo. Para os produtores, a banda deve tocar nos SESCs e não, por exemplo, no Acre. Já para o Fora do Eixo, o Acre é O lugar”, diz. Por ser um empreendimento feito a partir de associações de trocas e colaborações mútuas, a produção musical e a promoção de novas bandas dentro do circuito vem crescendo a cada ano. “O Fora do Eixo é um projeto que funciona. Em 2006, nós movimentamos cerca de 300 mil reais. Em 2011, já era 80 milhões”, afirma Capilé. Ruiz conta que “em parceria com a Rede Brasil de festivais independentes, o FDE produz hoje mais de 100 festivais anuais em território nacional, que movimentam cerca de 5000 músicos em mais de 90 cidades”.
de churrasco e cerveja. A oportunidade de entretenimento gratuito de qualidade costuma atrair um público entre trezentas e quatrocentas pessoas, que por sua vez passam a conhecer os novos grupos e artistas divulgados pelo circuito. Como não há custo de entrada, uma vez dentro da casa os visitantes podem contribuir com o valor que acharem válido. Quanto ao couvert artístico, a contribuição também é opcional, através da iniciativa Quanto Vale Esse Show. As parcerias entre coletivos e o contato direto com produtores de vários estados mostraram ser possível uma produção em escala autossustentável. O circuito troca serviços com profissionais e organizações em diferentes áreas, buscando facilitar e ampliar a produção. “Para resolver a questão financeira, que sempre foi um problema, resolvemos criamos uma moeda própria, o Cubo Card, que vale para todos os serviços da rede”, comenta Ruiz. O circuito também conta com o projeto de hospedagem solidária, que acontece nas próprias casas do FDE. “O objetivo é reduzir o custo de produção e incentivar as trocas entre as bandas, proporcionando uma vivência”, explica Ruiz. Nesse esquema, as casas oferecem estadia e alimentação aos artistas pelo tempo em que estiverem em turnê. Fernando Coelho, que teve a experiência de tocar com o FDE do sul ao nordeste – com a banda Seychelles – elogia a ideia. “Essa estratégia abriu rotas que antes não existiam no cenário independente. Para as bandas que estão na indústria, o público banca as turnês, de certa forma, mas bandas que estão começando muitas vezes não têm nenhum público fora de sua região local. O ganho do show não cobre sequer o transporte. O FDE entrou com uma logística, dentro das limitações financeiras.”
“QUANTO VALE ESSE SHOW”
Os projetos atuais do FDE transcendem a área musical. Recentemente, começou a funcionar em algumas das Casas Fora do Eixo a Universidade Livre Fora do Eixo (UniFDE), cujo objetivo é difundir o conhecimento produzido pelo circuito para outros coletivos, bandas, artistas e quem mais tiver interesse. “As atividades dos coletivos, que eram feitas de maneira empírica, acabaram desenvolvendo um DNA próprio nos processos de produção e divulgação. Havia uma grande quantidade de conhecimento, uma nova tecnologia sendo produzida na rede, mas isso não estava sistematizado”, explica o produtor. O Circuito Fora do Eixo tornou-se possível graças ao trabalho colaborativo feito por meio das parcerias. De acordo com Gabriel Ruiz, o FDE vem desenvolvendo um caminho paralelo ao das instituições já consolidadas, como a indústria fonográfica, por exemplo. “A ideia não é substituir a indústria ou a universidade como elas existem tradicionalmente, mas apresentar uma alternativa”, afirma Ruiz.
O evento Cedo e Sentado, que começou com uma parceria entre a rede e a casa noturna paulista Studio SP, também cresceu e hoje tem edições acontecendo em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Nesse projeto, a balada fornece sua estrutura para bandas iniciantes em dias de semana menos movimentados, oferecendo shows gratuitos. O guitarrista Fernando Coelho, das bandas Mamma Cadela e Seychelles – habitués do Studio SP no Baixo Augusta – explica que a estratégia traz benefícios mútuos. “Ao oferecer shows gratuitos em dias da semana meio ‘mortos’, além de proporcionar oportunidades de divulgação a artistas que estão fora do mainstream, a casa obtém um certo movimento, lucra e ainda consegue dar uma ajuda de custo para os músicos.” Outro evento interessante é o Domingo na Casa, quando o FDE abre suas portas ao público, gratuitamente, oferecendo shows, teatro, apresentações em multimídia, além
NOVA ALTERNATIVA
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EDUCAÇÃO
Fábrica de gênios ? O curso de Ciências Moleculares da USP pretende impulsionar a ciência no Brasil, formando profissionais que dominem diversas áreas do conhecimento REPORTAGEM CAROLINE LUCHESI, DÉBORA FIORINI, LAURA GALLOTTI, STELLA BORGES (1o ano de Jornalismo), ELISA BENTIVEGNA (2o ano de Jornalismo) e PATRÍCIA RODRIGUES ALVES (3o ano de Jornalismo)
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IMAGINE FREQUENTAR UM curso universitário onde exista uma cozinha à sua disposição, uma biblioteca com jogos de tabuleiro, violão e sofás para momentos de descanso. Parece mentira, mas ele existe. No entanto, junto com todas essas regalias, vêm salas de aula com lousas recheadas de números, complexas equações e uma avaliação com duração de até 24 horas. Trata-se do curso interdisciplinar de Ciências Moleculares (CM) da Universidade de São Paulo (USP) que reúne Biologia, Química, Matemática, Física e Computação. A ideia de criar o CM surgiu a partir de conversas entre o professor Roberto Lobo, físico e então reitor da USP, e o professor Erney Carmargo, então Pró-Reitor de Pesquisa na área biológica. Lucile Maria Floeter-Winter, professora de Biologia Molecular do curso, conta que “cada um [Roberto e Erney] falava dos avanços de suas respectivas áreas de atuação quando perceberam as limitações de linguagem que impediam a compreensão das novas informações.” O curso nasceu com a pretensão de formar profissionais capazes de interpretar as linguagens das ciências estudadas e integrálas dentro do campo científico ou do mercado. Somada a tal objetivo está a vontade de formar pesquisadores que inovem o futuro da ciência brasileira.
NOVOS RUMOS Os interessados em ingressar no CM devem frequentar qualquer curso da USP, não importando a área do conhecimento em que ele se encaixe. A seleção acontece no meio do ano letivo e inclui uma prova com questões
dissertativas sobre as áreas de Exatas e Biológicas, além da tradução para o português de um texto científico escrito em inglês. Após essa primeira etapa da seleção, é feita uma dinâmica de grupo com até vinte alunos. Outra forma de recrutar interessados são as cartas de convocação enviadas para os melhores colocados no vestibular das diversas carreiras da Universidade. Eles são convidados a conhecer a proposta do curso e a prestarem a prova. O quesito necessário para ser aprovado não é propriamente a exatidão nas respostas da avaliação: o diferencial é saber debater ideias e desenvolver um raciocínio lógico. “Sabendo o conteúdo ou não, conta aos avaliadores a iniciativa e a capacidade dos interessados de discutir com quem defende ideias diferentes”, explica Thaís Damasio, 18 anos, aluna do 1º ano de CM. O curso de Ciências Moleculares tem duração de quatro anos e é dividido em dois ciclos: Básico e Avançado. No primeiro, o aluno estuda com intensidade todas as disciplinas teóricas básicas, como Biologia, Computação, Física, Matemática e Química. “É um ciclo básico comum, em que a linguagem e os conceitos fundamentais de cada disciplina são apresentados de modo a instigar o estudante a questionar e discutir”, sintetiza a professora Lucile. Na segunda metade do curso, cada aluno, orientado por um professor, monta a sua própria grade curricular direcionada à área de pesquisa que deseja seguir. O aluno pode escolher disciplinas de Pós-Graduação, o que o leva, após a conclusão do curso de CM, diretamente para um doutorado.
GÊNIOS? Nem tanto. De acordo com Rodrigo Guioda, 31 anos, aluno do primeiro ano, os gênios estão na Física, na Química. “Não acho que somos gênios. Somos desocupados”, brinca. Outros alunos presentes na biblioteca, em tom de brincadeira, concordam. Aliás, entenda como biblioteca uma pequena sala que, além de livros e mesas, contém dois sofás convidativos. O estudante garante que o curso não é um reduto de gênios, embora os alunos sejam vistos desta forma: “Outro dia eu estava sentado no campus e passou uma excursão de estudantes do segundo grau. O guia apontou e falou: ‘Ali é o prédio de Ciências Moleculares, um curso super difícil de entrar. Somente pessoas muito inteligentes entram e é super complicado’”. Fernanda Chupel, outra aluna do primeiro ano, explica que não tem nada a ver com genialidade: “A verdade é que gostamos de estudar. Só isso.” É certo que no mural perto da porta de entrada há um cartaz com a figura de Sheldon Cooper (um dos personagens principais do seriado The Big Bang Theory, uma comédia sobre cientistas nerds). Mas os alunos não se parecem em nada com ele, que representa um antissocial cômico. São, sim, bem disciplinados em relação aos estudos e à administração do tempo – precisam ser, já que caso peguem a famigerada dependência (DP) são jubilados. Mas, ao mesmo tempo, são jovens que saem com os amigos, jogam videogame e conversam sobre sexo. Tal postura foi exatamente o que surpreendeu Thaís Damasio ao entrar no curso: “Imaginava encontrar pessoas muito quie-
ELISA BENTIVEGNA
O conteúdo interdisciplinar é o diferencial do curso
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“Não tem nada a ver com genialidade. A verdade é que gostamos de estudar”
LAURA GALLOTI
No intervalo, a biblioteca se transforma num espaço de lazer regado à conversa e música
tas e tímidas, mas me deparei com o oposto”. Essa mistura entre estudos e diversão é visível no FAVO 22 (local dentro da USP onde fica o curso de Ciências Moleculares). Os armários, abarrotados de livros ciêntíficos, encontram um espaço para também guardar jogos de tabuleiro. Silêncio na biblioteca? Na hora do intervalo não. O pessoal toca violão e conversa bastante, fazendo-nos deixar de lado a ideia de alunos-Sheldons.
MEDIADORES DA CIÊNCIA Para Rodrigo Alves Consoli, também calouro, a interdisciplinaridade é o ponto forte do curso. “Ter uma base teórica mais ampla ajudará bastante no futuro. Poderei conversar com um físico ou com um químico de igual para igual, por exemplo. Normalmente, físicos e químicos têm dificuldades para entenderem uns aos outros.” De acordo com a professora Lucile FloeterWinter, a interdisciplinaridade traz outras vantagens. “Com essa formação, é possível trabalhar na área acadêmica, mas também em processos inovadores”, conta.
Rodrigo Rezende, jornalista científico e ex-aluno do CM e da Faculdade Cásper Líbero expõe que o método de estudo do curso auxilia nas novas empreitadas: “Eles treinam a sua flexibilidade de raciocínio do início ao fim. Acaba sendo útil para qualquer mercado. Tem muito conhecimento novo surgindo e muitos lugares para aplicar”, comenta. Hoje, Rodrigo trabalha no projeto de desenvolvimento de um site que une medicina, biologia e planejamento de dados, juntamente com Victório Braccialli Neto, antigo colega de classe no CM.
ALÉM DOS ÁTOMOS Para Giulia Maesaka, aluna do ciclo avançado, fazer um curso desconhecido é um desafio. “As pessoas só sabem o que estudei quando explico, já que não são as mesmas matérias para todos que cursam CM. Às vezes, o fato de cada um ter uma grade diferente nos deixa inseguros.” Mais do que insegurança, alguns alunos acreditam que a falta de conhecimento do público perante a formação do profissional
de Ciências Moleculares seja uma dificuldade na hora da seleção para uma vaga de emprego. “Tem gente que olha o currículo e fala ‘Ciências o quê?’”, brinca Braccialli. “Você nunca vê em nenhuma ata de emprego escrito ‘Ciências Moleculares’, completa. Outro desafio enfrentado pelos profissionais de Ciências Moleculares são as poucas oportunidades para áreas de pesquisa no país. Braccialli afirma que o principal motivo do Brasil ser atrasado na área científica em relação a outros países não é a falta de investimento, mas sim a burocracia. “Meu orientador [Frederico Gueiros] solicitou a compra de um microscópio de 200 mil dólares. Depois de comprado, o microscópio ficou dois anos barrado na alfândega. Quando finalmente chegou, o professor o chamava de ‘elefante branco’, porque já estava ultrapassado.” Braccialli ainda mencionou que apenas dois ou 3% dos pesquisadores formados em Ciências Moleculares vão pesquisar no exterior. A porcentagem pode soar negativa, mas quem sabe não seja uma oportunidade para o Brasil se tornar uma potência científica.
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Esporte SEÇÃO TEXTO ALESSANDRA FREITAS (1º ano de Jornalismo), AMANDA MASSUELA e LEONARDO DA SILVA LIMA (2º ano de Jornalismo) IMAGEM RAFAELA MALVEZI (2º ano de Jornalismo)
O CAMPO É
DELAS
Ainda que enfrente dificuldades em infra-estrutura, patrocínio e incentivos, o futebol feminino brasileiro se encontra diante de um panorama positivo, no qual ‘vontade’ e ‘determinação’ são as palavras de ordem
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NO DIA 7 de novembro, uma quarta-feira ensolarada, o clima no gramado do Centro Olímpico de Pesquisa e Treinamento era de expectativa. Prestes a disputar a final da IV Copa Futebol Mulher, campeonato da qual é atual campeã, a equipe de futebol feminino do Centro Olímpico se espalhava pelo campo, dividindo-se em pequenos grupos que treinavam diferentes fundamentos. O esporte, extremamente popular entre os brasileiros, é capaz de mover paixões, alimentar expectativas e ecoar nas mais diversas rodas de conversas. No entanto, o burburinho causado pela proximidade da Copa das Confederações e da Copa do Mundo – que acontecem, respectivamente, em 2013 e 2014 -, provoca uma dúvida legítima a respeito do chamado “país do futebol”. Por que não ouvimos falar sobre a bola que rola sob os pés das mulheres? Arthur Elias, técnico do time e treinador há dez anos, acredita que “o futebol feminino é sempre visto numa espécie de ciclo negativo. Não há mídia, investimentos, patrocínio ou profissionalismo - o que acaba levando a certo amadorismo e a uma série de outras consequências.” Os desafios se estendem em longa lista. Devido à falta de investimentos, tanto privados como público, os sonhos das garotas que desejam seguir esta carreira acabam sendo modestos, pois poucos times têm boa estrutura e nenhum paga quantias astronômicas às suas profissionais – ao contrário do futebol masculino, no qual se fatura milhões. Tiago Luís, 23 anos, foi artilheiro da Copa São Paulo de Juniores 2008, principal campeonato das categorias de base do futebol masculino nacional. Entrou no Real Madrid com multa rescisória de 20 milhões de euros. Já a média salarial do futebol feminino no Brasil é de 3 mil reais.
BOLA NO ASFALTO A rua e a companhia de meninos se tornam algo frequente para as meninas que, quando pequenas, desejam bater bola – nem que seja só por diversão. O time profissional de futebol feminino do Centro Olímpico conta com atletas cujas histórias andam lado a lado e, por vezes, chegam a se encontrar no preconceito e na superação. Além de compartilharem uma relação muito passional com o esporte, algumas também dividem o gramado vestindo outro escudo no peito. É o caso de Maurine Dornelles, Érika dos Santos e Rosana Augusto, que além de jogarem pelo time comandado por Arthur, também são destaques da Seleção Brasileira. “Como toda menina, comecei jogando bola na rua com os meninos – e se você perguntar para qualquer garota elas vão te responder a mesma coisa”, conta a volante Érika, de 24 anos.
Desde que começou a encarar o futebol como profissão, ela acumulou passagens por clubes como Juventus e Santos FC. “Quando criança, me chamavam de nomes que não gostava e, muitas vezes eu não tinha dinheiro para pagar a passagem do ônibus para ir jogar. Mas não fico chateada por ter passado por tudo isso, pelo contrário, aprendi muito”, confessa ela, que aos 7 anos de idade - “rapidinha e magrinha”, como descreve -, fazia suas refeições dentro do próprio ônibus, a caminho dos treinos diários. “Sempre pegava a mesma condução e os motoristas já me conheciam, achavam engraçado quando eu passava por baixo da catraca com a roupinha de futebol. Minha mãe me encontrava no ponto de ônibus perto da escola e me entregava a marmitex, que eu comia dentro do próprio ônibus”, relembra. Da mesma maneira, a volante Luana Bertolucci, 19 anos, começou jogando com meninos na rua, pois não havia escola para meninas, e logo migrou para o futebol de salão. “Com 15 anos já subi para o profissional e comecei a levar a sério mesmo”, conta. Em 2010, Luaninha, como é conhecida entre as colegas, teve a chance de participar do Mundial Sub-17 em Trinidad e Tobago e, neste ano, do Mundial Sub-20, no Japão. “Foi uma experiência muito boa, não há nada como representar o seu país. É uma satisfação muito grande”, relata. Além do time principal, há um projeto pioneiro de categorias de base, que conta com processos seletivos mensais para os times sub-13, sub-15 e sub-17. Vitória Beatriz, 12 anos, que começou a jogar na escola aos 10 anos, passou na peneira do time sub13 do Centro Olímpico em fevereiro de 2012. “Não gostava muito de jogar, mas vi os meninos jogando na escola e comecei a gostar”, relata. Apesar da pouca idade, ela sonha alto: quer ser titular da Seleção Brasileira e, quem sabe, jogar fora do país. Ela mora em Taboão da Serra, região metropolitana de São Paulo, e todas as terças e quintas pega duas conduções para chegar ao Centro Olímpico. A distância para treinar é o menor dos obstáculos, mas as dificuldades financeiras já a impediram de ir aos treinos.
AS MULHERES NO PAÍS DO FUTEBOL Com a profissionalização, ao contrário do que se imagina, as dificuldades não desaparecem. Rosana dos Santos, 30 anos, jogadora do time profissional do Centro Olímpico e também da Seleção Brasileira, começou a jogar futsal no colégio e aos 14 anos já estava no time profissional do São Paulo FC. No entanto, em nenhum momento teve apoio estatal ou privado para continuar jogando. “Tive ‘mãetrocínio’. Eu jogava por amor ao esporte”, afirma.
Para Rosana, os principais problemas enfrentados hoje pelo futebol feminino são o preconceito e a falta de estrutura. “Acho que no Brasil, a principal dificuldade não é tanto o patrocínio, mas manter um calendário regular de jogos. Assim, teríamos mais patrocinadores e pessoas interessadas em incentivar o futebol feminino a médio e longo prazo”, opina. De acordo com ela, falta estrutura física e humana. Há uma carência de gestores, assessores e profissionais dispostos a “dar a cara a tapa” pelo esporte. Quando jogou na Europa no ano passado, pelo Lyon da França, Rosana conta que a situação era completamente diferente. Lá, os times femininos se auto sustentam, além de serem capazes de sustentar outras equipes quando necessário. “Estamos engatinhando e eles estão andando há muito tempo”, conclui. Antes de sair do país, além do futebol, Rosana mantinha uma pizzaria na cidade, pois precisava engordar seu lucro mensal. “No futebol feminino é assim: qualquer coisa que possa te render um sustento a mais você vai atrás, porque o salário não é grande coisa.”
NA TRAVE Apesar de organizar a Copa do Brasil de futebol feminino desde 2007 e manter a Seleção Brasileira, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ainda deixa muito a desejar no apoio à modalidade, que já foi vice-campeã olímpica nos jogos de 2004 e 2008, e vice do Mundial de 2007. “A CBF só nos paga quando estamos representando a Seleção”, afirma Mayara, jogadora do Centro Olímpico. Elas recebem uma diária quando jogam pela Seleção Brasileira, que aumentou depois que o comando da entidade mudou. Arthur Elias acredita que gradativamente o futebol feminino tem melhorado, apesar das dificuldades. “Ele está crescendo, mas a passos muito lentos. Hoje há um calendário um pouco melhor, mesmo que longe do ideal, mas existem mais competições – um Campeonato Paulista com 18 a 20 equipes, Copa do Brasil, Libertadores da América – então, tudo isso dá argumentos pra dizer que o futebol feminino está melhorando”, endossa. Para Arthur, o caminho seria uma maior articulação por parte da CBF e do governo, numa ação política que beneficiasse a modalidade e lhe desse mais visibilidade. Ele afirma que o futebol feminino tem se desenvolvido, pois há mercado, as pessoas estão olhando mais e várias coisas que no passado bloqueavam o crescimento da modalidade, como o preconceito, hoje tem tido menos peso. “Acho que há uma possibilidade boa de que até 2016 haja um salto grande, principalmente com a Olimpíada no Brasil. Acho que essa é a hora”, prevê.
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DEBATE
classe C Muito prazer,
O cientista político André Singer fala sobre o novo estrato social, emergente desde o governo Lula
REPORTAGEM BEATRIZ ATIHE DE OLIVEIRA, BRUNO PASSOS COTRIM, LETÍCIA YAZBEK, MARCELA LIMA, VINÍCIUS GIGLIO (1o ano de Curso) e ELIOENAI PAES GONÇALVES (2o ano de Jornalismo) COLABORAÇÃO PAOLA PERROTI (2º ano de Jornalismo)
DEPOIS DA TRANSFORMAÇÃO social ocorrida no Brasil na última década, um novo termo começou a se destacar no dia a dia da população brasileira: a chamada nova classe C. Como resultado do governo Lula, iniciado em 2003, e também das condições econômicas internacionais favoráveis, cerca de 30 milhões de pessoas deixaram a linha de pobreza, passando das classes D e E para a classe C. Devido ao crescimento desse estrato, analistas de diversas áreas adotaram o fenômeno da diminuição da pobreza como objeto de estudo. André Singer, 54 anos, cientista político, jornalista e professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), se interessou especificamente pelo movimento do lulismo. No artigo Setor ascendente será objeto de disputa política, publicado no site da revista Teoria e Debate, em novembro de 2011, Singer esclarece que o Brasil não está se tornando um país “de classe média”, visto que 40% da população continua aquém da classe C. De acordo com o cientista político, a situação das pessoas que se encontra-
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vam abaixo da pobreza melhorou: Singer relacionou tal ascensão aos programas sociais, como o Bolsa Família, e à expansão do crédito e do consumo. As oportunidades de emprego também aumentaram, inclusive para os jovens. “Pessoas que estavam desempregadas passaram a ter uma renda fixa”, explica. Para facilitar o estudo desse novo segmento social, Singer divide a classe C em duas partes muito diferentes entre si: a classe trabalhadora, composta pelos novos assalariados que, submetidos a péssimas condições de trabalho, aderem às forças sindicais; e a classe média, da qual fazem parte os que melhoraram ainda mais seu padrão de vida. Ao seu ver, os que estão próximos à classe média tendem a ter uma postura mais conservadora, pois, satisfeitos com sua nova posição, desejam apenas preservar o que já foi conquistado. Em entrevista à Esquinas, Singer comenta o surgimento da nova classe C e, sob a ótica das ciências políticas, define suas características particulares, valores e padrão de consumo.
A classe C tem duas definições. Uma é a tradicional do mercado, que é a posse de determinados bens de consumo. É a classificação que as empresas de pesquisa de mercado utilizam. Agora, a que eu me refiro é a definição do economista Marcelo Neri, na qual a renda familiar mensal em torno de dois salários mínimos e meio é usada como critério.
Além da renda, essa classe tem uma característica particular?
Ela tem muitas características e, por isso, há grandes dificuldades de análise. Este tema é muito complexo, porque dentro dessa mesma faixa de renda que Marcelo Neri chama de classe C, temos diferença entre as pessoas que estão no topo e na base desse estrato. Embora elas tenham tecnicamente superado a linha da pobreza, ainda estão muito próximas ou dentro daquilo que chamamos genericamente de pobreza. Boa parte dessas pessoas não tem, por exemplo, tratamento de esgoto. No entanto, quando falamos do topo desse estrato, os que estão chegando à classe B, há uma condição de vida mais próxima daquilo que normalmente consideramos como classe média. É um universo heterogêneo.
Porque este segmento social se tornou tão falado a partir do governo Lula?
Como houve cerca de 30 milhões de pessoas que passaram da linha de pobreza, ou seja, saíram das classes D e E e entraram na classe C, esse estrato ficou grande, sendo hoje mais da metade da população. Por ter crescido tanto, acabou se tornando objeto de interesse de analistas de vários tipos: políticos, sociólogos, economistas, publicitários, empresários.
Quais fatores determinam o crescimento da classe C e de que forma ele ocorreu no período do governo Lula?
Se a nova classe C for pensada nesse paradigma de renda, então ela cresceu porque houve um aumento neste quesito. Esse aumento ocorreu porque transferiu-se a renda, por meio de programas sociais, como a Bolsa Família, e o aumento do crédito, que gerou um crescimento na capacidade de consumo. O salário mínimo aumentou e, sobretudo, expandiu-se o emprego. Pessoas que estavam desempregadas passaram a ter uma renda fixa e, com isso, as estatísticas mostram que aumentou a quantidade de pessoas que tem uma renda superior a do nível da pobreza.
O mercado atual contribui para a inserção e o desenvolvimento profissional da nova classe C?
Sim, em termos absolutos. Foi justamente pela inserção no mercado de trabalho que ocorreu a transferência de tantas pessoas para a classe C. No desenvolvimento profissional eu não sei, porque os dados mostram que 90% dos empregos criados são de baixa remuneração, nos quais existe uma alta rotatividade. As indicações não apontam grandes possibilidades de desenvolvimento profissional para a classe C.
Qual é o padrão de consumo dessa nova classe? O que ela consome que influi na economia?
O que parece ter acontecido foi um processo em duas etapas. Numa primeira etapa, o acesso aos bens de consumo imediato, desde comida e roupas, até celulares, TV de plasma e DVD. Numa segunda fase, que ocorreu por volta de 2008, e foi um elemento interessante no combate da crise econômica desse mesmo ano, parece ter havido um acesso a automóveis e casa própria, sobretudo por meio do Minha casa, minha vida [pro-
grama do Governo Federal]. Neste momento, passamos a falar de pessoas em outro patamar, porque estamos levando em conta bens mais caros e mudanças estruturais, sobretudo quando se fala a respeito de moradia.
Qual é o perfil político e religioso dessa nova classe?
Sobre o perfil religioso, há indicações de uma forte influência pentecostal e neopentecostal. Não se sabe exatamente qual é o perfil político. Acredito que existam duas vertentes, mas nada muito claro. Uma vertente é um aumento da força reivindicativa desse setor. O telemarketing pode ser usado como exemplo, visto que já há algum tempo estes profissionais – grande parte da classe C – reinvindicam por meio de greves melhores condições de trabalho nas empresas. É compreensível que, uma vez que esse setor se fortaleça, comece a acontecer um processo reivindicativo. Deste modo, as greves seriam um sinal de uma postura política mais agressiva. Ao mesmo tempo, as greves no setor de construção civil, sobretudo nas obras das hidrelétricas ou nas obras dos estádios para a Copa do Mundo, são sintomas de que o comportamento político desse setor seja mais próximo daquilo que foi tradicionalmente a conduta da classe trabalhadora, ou seja, a união para atingir certas reivindicações, certos objetivos de classe. Uma outra vertente é a dos setores que, dentro desse grupo, melhoraram um pouco mais. Sempre uso essa imagem: em vez de subir um degrau,
André Singer, cientista político e professor da USP, explica o crescimento do consumo e das oportunidades para a classe C
ELI PAES
CREATIVE COMMONS/WONDERLANE
Qual seria a definição adequada para a chamada nova classe C?
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ELI PAES
“O que está acontecendo não é a formação de uma nova classe média, mas de uma nova classe trabalhadora”
subiram dois ou três degraus. É nesse setor que encontramos um comportamento político mais conservador, mais à direita: ele quer preservar o que conquistou, sem se organizar para novas conquistas.
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Você acredita que os indivíduos que se tornam da nova classe C realmente aderem aos valores da classe média?
Não creio que haja uma percepção de uma identidade com a classe média para aqueles setores que estão na base da classe C. De modo geral, o que está acontecendo não é a formação de uma nova classe média, mas de uma nova classe trabalhadora, com valores e uma identidade mais próxima da atual classe trabalhadora do que da atual classe média.
Existe diferença entre a classe média e a classe trabalhadora?
No Brasil existe. A classe média tem plano de saúde privado, matricula os filhos em escolas particulares, faz viagens internacionais, tem acesso a produtos importados. Enfim, tem um padrão material de vida e também uma concepção de mundo bem diferente da classe trabalhadora.
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Desde o governo Lula as condições internacionais favoreceram para que o Brasil crescesse economicamente. O que aconteceria no caso de uma crise? A regressão imediata de cada classe?
O que acontecerá quando vier uma crise e quando essa crise irá acontecer são as perguntas que todos querem responder. O governo está fazendo uma política progressiva de combate à pobreza, que não é radical e, por isso, não é rápida. Ela vem produzindo esses efeitos acumulativos lentamente. Se olharmos o programa da presidente Dilma e os seus pronunciamentos, a perspectiva é de que isso continue. Nós estamos em uma espécie de crise, porque, há uns meses, o ministro Guido Mantega disse que a situação atual é tão grave quanto a de 2008, só que, como ela não veio de repente, veio silenciosamente, as pessoas não percebem. É até surpreendente. Os economistas não entendem como o Brasil, crescendo tão pouco, está conseguindo manter o emprego. Pode haver um retrocesso se a crise se agravar muito, como o que está acontecendo na Europa. Essa é a grande questão: o quanto este modelo brasileiro é sustentável, e como as coisas vão evoluir.
MAURÍCIO HORNEK
103 milhões em
AÇÃO A Esquinas conta a história e a rotina de personagens da tão falada classe C, composta por mais da metade dos brasileiros
“ – TÔ NO ÔNIBUS! [pausa] O pneu do meu carro furou e só vou ter dinheiro pra trocar na semana que vem, porque ainda tenho que pagar a prestação do possante. Enquanto isso, a gente fica a pé, né?”. “Cobrador, posso sair pela frente? Tá muito cheio pro lado de lá!”. “Você não pegou a Maria Eduarda na creche? Eu falei que teria que trabalhar até tarde!”. “Quer que eu segure sua bolsa, filha?”. São seis e quarenta, Andréia Aparecida Amorim, 28 anos, se sacode e leva um dos filhos para a creche. “Depois dou um jeito na casa, tomo banho e vou para o trabalho”, finaliza. A jovem é casada e contribui com quase a metade da renda familiar, de cerca de quatro salários mínimos. O trajeto até o trabalho é complicado. De São Miguel Paulista, onde mora, até o banco em que trabalha como recepcionista e controladora de acesso, são quase duas horas de ônibus, trem e metrô. Apesar de admitir não assistir ao horário eleitoral televisivo, Andréia aprova os planos políticos executados nos últimos anos: “O meu padrão de vida melhorou muito nos últimos oito anos. Tenho até um carrinho”, afirma. A recepcionista e o marido pretendem comprar uma moto para diminuir o tempo perdido por Andréia no transporte público. Quando chega do trabalho, ainda encontra disposição para brincar com os filhos. “Acho que por isso eu não dei continuidade à faculdade. Eu não ia aguentar estudar, chegar em casa, olhar para as crianças e ir dormir”, conta.
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Cleiton, que trabalha como desenhista freelancer, pensa em fazer curso de especialização em histórias em quadrinho, mas ainda não pode pagar por ele
BRUNO PASSOS COTRIM
Também por volta das onze horas da noite, Daniela Lima de Abreu, 20 anos, abre rapidamente sua página no Facebook. “Sou viciada em redes sociais”. “A minha rotina no trabalho é bem entediante”, afirma Daniela. Depois de uma jornada de seis horas ao telefone, atendendo clientes da SulAmérica Seguros, a operadora de telemarketing receptivo ainda fica horas na internet, assistindo novelas online. Sobre o período de trabalho, Daniela relata: “parece que nunca muda nada. Os segurados me ligam sempre bravos, xingando.”
CONQUISTA PELO ESFORÇO Para Carlos Nunes, 24 anos, e Cleiton Souza, 20 anos, o ambiente estressante de trabalho já não é mais uma obrigação: Carlos é webdesigner e membro sócio da agência CAJU, que une programação e vendas. Já Cleiton, trabalha como desenhista freelancer na agência Yes! Brasil Comunicação e se dispõe a ensinar sua arte em quadrinhos às crianças que frequentam a gibiteca Eugenio Colonnese. A gibiteca fica na Cidade da Criança, em São Bernardo do Campo, cidade de Cleiton. O jovem demora cerca de meia hora de ônibus no trajeto entre sua casa e a gibiteca, mas faz questão de participar das oficinas. “Fiz inúmeras oficinas de desenho e HQ na Eugenio Colonnese. As moças de lá praticamente me criaram”, ressalta o rapaz, que começou a trabalhar aos 16 anos por meio do Centro de Formação e Integração Social de São Bernardo do Campo (Camp SBC). “Todo
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mundo ajuda em casa, e não por imposição, mas por educação.” O trabalho como desenhista freelancer permite ao jovem ficar mais tempo perto do pai, que teve um AVC recentemente. Para o futuro, ele pensa em montar uma agência juntamente com um amigo. “Somos muito humildes para falar nisso, mas queremos montar um negócio de desenhos, já temos até nome. Quem tem chefe é índio!”, brinca. Carlos já ajudava em casa desde os oito anos, vendendo os quitutes de sua mãe. Foi pouco tempo antes de entrar na faculdade de Publicidade e Propaganda que começou a trabalhar numa escola de computação como professor. A graduação e o diploma de publicitário vieram graças ao ENEM, considerado por Carlos a maneira mais fácil de inserir o jovem que não tem condição financeira de pagar um curso universitário numa faculdade. O empresário, formado em Publicidade e Propaganda, tem parceria com um amigo que também se interessou pelo negócio da agência CAJU. Carlos transformou seu próprio quarto em escritório e continua desempenhando as mesmas tarefas do antigo trabalho, no qual participava desde o processo de criação até a etapa de programação.
E VAMOS A LUTA Para o publicitário e webdesigner, a faculdade trouxe novas perspectivas e chances de crescimento profissional. “Fui o primeiro da minha família a concluir um curso superior. Meus hábitos de consumo mudaram muito
nos últimos tempos, assim como hábitos culturais”, reflete Carlos. Daniela e Andréia também acreditam que a formação no ensino superior mudaria ainda mais seu padrão de vida. Daniela pretende cursar Secretariado na Uninove, mas conta com o salário de operadora de telemarketing como garantia do pagamento da faculdade: “Ainda quero ficar mais um tempo na empresa, para ver como as coisas vão ficar, se estarei estabilizada”, conta. Já Andréia só não está atualmente num curso universitário devido a uma mudança de horário no banco onde trabalha. Quando perguntada sobre o porquê de fazer uma faculdade, a recepcionista é otimista: “Mudar um pouco, crescer um pouco. Não só profissionalmente, mas como pessoa também.” Natural de Campinas, Fernanda de Castro Pires, 18 anos, estuda Publicidade e Propaganda na Faculdade Cásper Líbero e mora com o primo na capital paulista. Ela recebia ajuda da mãe, que é psicóloga e mantém mais cinco filhos. O balde de água fria veio quando, após ingressar na faculdade, soube que a instituição não utilizaria mais o Programa de Financiamento Estudantil (FIES). Foi a vaga de monitoria na Coordenadoria de Publicidade que garantiu à Fernanda uma bolsa integral e a oportunidade de continuar o curso. Apesar de todas as atividades que exerce, ter uma formação em ensino superior, por enquanto, não faz parte dos planos de Cleiton Souza. “Nunca fiz uma faculdade porque não sei o que quero fazer. Sempre fui
ELIOENAI PAES GONÇALVES
Fernanda conta com a bolsa integral recebida graças à monitoria na Coordenação de Publicidade para continuar o estudo universitário
ligado à área artística, mas curso de especialização em história em quadrinhos é muito caro, são 300 reais por mês.”
FOCO NA CLASSE C Na ponta do lápis, o jovem que tenta melhorar de vida planeja sua rotina e seus estudos com foco e otimismo baseados em seu recente crescimento. O aumento no consumo fica claro nas falas de Daniela, Andréia e Carlos. “Costumo ir a outlets e liquidações. Sou adepto do ‘bonito, mas barato’”, declara Carlos. Daniela, por sua vez, gosta de frequentar shoppings e lojas de departamento: “Gosto principalmente das lojas Marisa e C&A”. Às vezes aproveita para ir ao cinema, que normalmente frequenta ao menos duas vezes por mês. Andréia comemora as recentes conquistas financeiras e se considera parte integrante da classe C em ascensão: “Sei que sou da classe C. Acho que não ganho muito, mas ganho o necessário para sobreviver. Por exemplo, se hoje minha filha falar ‘Mãe, quero ir ao Mc’Donalds’, posso levar. Ou se meu filho está precisando de um tênis, posso comprar. Por isso acho que não estou nem tão lá em cima, nem tão lá embaixo. Há 20 anos, se comprava um calçado uma vez por ano, no aniversário ou no Natal. Da minha infância para a vida adulta, com certeza dei um salto. Minha mãe era diarista, e chegávamos a passar necessidade. Hoje, meus filhos tem tudo para comer: bolacha, iogurte, etc. Coisas que eu não tive.”
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QUADRINHO POR ANDRÉ SILVA (3º ano de Jornalismo)
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ALI NA ESQUINA TEXTO DAVID ALVES, MARIANA ZÓBOLI, VINÍCIUS DE VITA (1º ano de jornalismo), MARIA BEATRIZ GONÇALVES (2º ano de jornalismo) e PATRÍCIA HOMSI (3º ano de jornalismo)
Como
poderei viver sem a tua
?
companhia
ACERVO PESSOAL/JU LIA ANTOUN
Histórias de quem sai da casa dos pais e tem que aprender a criar e seguir regras para a boa convivência em grupo IMAGINE TOMAR BANHO todos os dias num pequeno box nojento, totalmente vestido, e sair mais sujo do que entrou. Alex LeFort Nani, 20 anos, estudante de Publicidade e Propaganda da Faculdade Cásper Líbero, passou por essa situação em uma das nove repúblicas em que morou nos últimos três anos. Quando vários jovens se unem numa só casa, banheiros limpos, louças lavadas e festas esporádicas são coisas difíceis de controlar. Seja em repúblicas de estudantes ou trabalhadores, a convivência depende de uma boa dose de tolerância e equilíbrio de opiniões. Para Julia Antoun, 22 anos, estudante de História na Universidade de São Paulo (USP) e moradora da república Zimba, no centro de São Paulo, “cada um tem um senso das coisas. O segredo é ceder um pouco às outras opiniões, sem passar por cima dos seus valores.”
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A INDIVISÍVEL PRIVACIDADE Para aqueles que dividem o quarto surge outra questão: a falta de privacidade. Esta palavra valiosa já não faz parte do vocabulário de Danilo Friedl, 23 anos. Nascido em Jaú, o modelo mora na república da agência Elite, em São Paulo. São oito meninos dividindo um apartamento de dois quartos. Devido à política da agência, não é permitida a entrada de mulheres e, para manterem a ordem, os meninos criaram outras regras: além de não receberem visitas, ninguém usa sapato dentro do apartamento. “Como somos em muitos, suja rápido, então temos que deixar o tênis na porta”, explica Friedl. O mineiro Alex também já lidou com problemas de limpeza e convivência. Teve suas roupas roubadas do varal de uma república e sérios problemas com louça suja. “Era comida estragada e fedor por todo o lado! Um nojo!”. Na
“Cada um tem um senso das coisas” comenta Julia (à direita), da Zimba
ACERVO PESSOAL/JULIA ANTOUN
Zimba, o problema é “sobrenatural”: “Quando desaparece alguma coisa, seja um sabonete ou uma roupa, e o culpado não se manifesta, dizemos que foi o ‘fantasma do marido da dona Ana’, a proprietária do apartamento, que ficou viúva enquanto ainda morava aqui”, conta Julia.
A área de jogos reúne os jovens na república Internacional
GRINGOS EM REPÚBLICAS TUPINIQUINS Trinta e seis jovens de 25 nacionalidades diferentes vivem na república Um Dia a Casa Cai, mais conhecida como República Internacional. Localizada em uma casa de alto padrão no bairro do Pacaembú, a república abriga colombianos, estadunidenses, holandeses, dinamarqueses e chineses. Apesar do choque de culturas, Rodrigo Asse, o dono, diz que conflitos são raros de se ver. “O pessoal daqui é muito reservado”, explica. “Claro que pequenos desentendimentos são inevitáveis. Afinal de contas são quase 40 pessoas e não há banheiros para todos.” A República Internacional abriga tantas histórias quanto nacionalidades. Tal como conta o francês Antoine Blavier, que está no Brasil desde março: “Uma vez o portão estava aberto e a polícia suspeitou de alguma coisa e entrou na casa. Chegou na cozinha e rendeu um inglês que não sabia absolutamente nada de português. O cara entrou em pânico.” Em um lugar tão plural, costume não se discute. Um
argentino já gerou muita controvérsia quando, com preguiça de ir ao banheiro, urinava nos copos comuns da casa e os armazenava no quarto em que dormia. Uma das regras da República Internacional, colada por todos os cantos, proíbe qualquer coisa que exale odor dentro dos quartos. Se nem incenso é permitido, imagine xixi. “O cara foi expulso na hora”, afirma o brasileiro Carlos Eduardo Munhoz, 33 anos, mais conhecido como Cadu, que é analista de sistemas. Mayara Hassmann, 22 anos, estudante do último semestre de Engenharia Mecânica na FAAP, conta a mais mirabolante das histórias: antes de se mudar para a Internacional, ela dividiu apartamento com uma menina que tentou exorcizála. “Um dia, quando acordei, ouvi uns barulhos estranhos vindos da cozinha. Quando cheguei lá, a garota colocou a mão na minha cabeça e começou a falar em uma língua esquisita, dizendo que o Capeta estava em mim. Disse para ela arrumar outro lugar para morar - e rápido! Até porque ela guardava sangue de menstruação na geladeira e vivia dizendo que pegava o elevador com o ‘Capiroto’.”
VINÍCIUS DE VITA
FORA DA ÁGUA FRIA Mas nem só de histórias fantásticas vivem os moradores das repúblicas. Depois de tanto tempo longe de casa, é mais do que normal sentir saudade. Na Zimba, a saudade da família é compensada por extensas prateleiras de bichos de pelúcia e recordações dos amigos que pernoitam por lá, o que originou um “museu” nas paredes da república. O holandês Jesse de Bruin, 20 anos, chegou de Roterdã há pouco mais de um mês e foi morar na República Internacional para estudar na PUC-SP. Tudo isso sem saber uma única palavra de português. A saudade de casa, quase 10 mil km e 12 horas de voo distante, aperta, mas a internet é uma grande aliada. “Falo com meus familiares quase todos os dias pelo Skype e Facebook. Não é uma distância tão grande para a mente”, diz. Ficar longe de casa não é fácil, principalmente tendo que conviver com pessoas de diferentes culturas e hábitos. Por outro lado, às vezes a companhia constante dos “republicanos” ajuda na superação dos problemas profissionais e pessoais. “Existem coisas que só conto para minhas amigas”, declara Julia. “Quando estou com a minha família, em Santos, fico com saudade de conversar com as meninas que moram comigo. Aos poucos, elas também se tornaram minha família.” ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2012
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CRÔNICA TEXTO RAUL DUARTE (1º ano de Jornalismo) ILUSTRAÇÃO LUANA MEDINA (2º ano de Jornalismo)
“Às vezes, um charuto é só um charuto”, disse Freud, enquanto pitava o seu
ELA, LINDA E JOVEM, escolheu, entre muitas, a camiseta preta de banda surrada, com um belo decote apertado, a calça jeans também escura metodicamente rasgada, o allstar velho de fábrica. Olhou no espelho e não se encontrou. Provavelmente estava gorda, ou seu cabelo mal arrumado. Era ruiva, só por isso já diziam que ela não se adequava a esse mundo. Passou batom vermelho e um pouco de perfume doce. Como odiava quando a olhavam com aquelas caras famintas, de lobos, famintos. Ah, o começo. Sempre tem que ter um começo. Até que estava bom, o final foi meio arrastado, faltou alguma coisa, talvez muito tipo social. A personagem é atraente, revoltadinha, mas o conflito muito superficial credo, coisas de gênero, opressão. E se fosse um homem? As aventuras combinam melhor com os homens, aquelas coisas de heróis, os doze passos, mas a loucura sempre combina melhor com as mulheres: já são todas loucas. Bom, não custa tentar. Ele, jovem, pegou ao acaso a camiseta preta da banda surrada, a calça jeans escura, rasgada, o all-star já velho, olhou no espelho e não se encontrou. Sentia-se mecanicamente produzido, como um produto de vários numa linha de montagem. Hum, muito comum. Conflito com cara de século passado, nos idos de Tempos Modernos e essas coisas. É sem graça ler sobre homens. Ele iria sair de casa, aconteceria alguma coisa que o tiraria da inércia e teria uma história, bingo. Palavras como “sufocado” e algum relógio opressor. Comum, mundo comum versus homem comum. Falho. Essas coisas de juventude são difíceis, uma briga entre a revolta e a superficialidade, problema de forma. Talvez algo fantástico, sempre funciona. Mas é difícil ter uma epifania, assim do nada. Talvez se brincasse com os clássicos, numa apropriação criativa, cara de pós-moderno, parece bom. Quando certa manhã Guilherme Sancho despertou, depois de um sonho intranquilo, se achou em sua cama convertido em meio monstruoso inseto. Bom, mas difícil, opa, quase um lead. E mudou tudo, “Guilherme” porque é moder-
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no, “Sancho” só para mostrar que ele não era livre e “meio” porque nem em inteiro inseto se pode metamorfosear hoje em dia. Muita pretensão e falta de originalidade, diriam. E o nome ficou horrível. A verdade é que não era isso que queria escrever no começo. Era outro sentimento. Não acho que certas coisas funcionam, como o “eu”. É, esse é o ponto. Ele, jovem, pegou ao acaso a camiseta preta da banda surrada, a calça jeans escura, rasgada, o all-star já velho, olhou no espelho e não se encontrou. Sentia sua alma inteiramente fechada, sem portas nem janelas, que continha o mundo inteiro no seu fundo sombrio, e apenas uma pequena porção iluminada desse mundo. Porção variável. Porcaria (era outro palavrão com “p”, mas foi censurado) cara de tese científica, de vomitar. Péssimo. Bom, o ideal seria falar de todos os absolutismos sem parecer intencional. Escovar os dentes, semáforo, gramática, sujeito, lógica progressista, inconsciente, sentido, democracia, remédios, palavras, palavras, palavras, aplausos, ego, interpretar, o politicamente correto, esquerda, direita, o hábito e etc. Essas pequenas ou grandes coisas que nos fazem ser seres humanos, idiotas, sábios, condicionados. Não simplesmente negar essas coisas, mas não há opção! Um pouco de possibilidade senão eu sufoco, disse o poeta. Acho que Paulo Coelho, não, brincadeira. Sim o problema está na forma. Até a revolução só fazia sentido duzentos anos atrás, eu acho. Olha! Mesmo assim não posso falar sem utilizá-los. Ora, me deem novas palavras ou me deixem quieto! Quem sabe poesia? Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos tem sido campeões em tudo. Pera, quem lê poesia hoje em dia? E acho que já fizeram isso... Ela, linda e jovem, saiu pra passear com seu cachorro e sem si mesma. Se perdera entre a esquerda e a direita, prosa e poesia, sem saber se era profundamente vazia, ou se sua superficialidade estava esgotada. Olha, até que parece bom, quase pareceu profundo. Mas ainda falta algo. Meio infantil talvez, comum de novo. Falho... E se falasse de minorias? É, tudo que se coloca minorias
é idolatrado, independente do seu valor, pela “intelectualidade” e seria publicado. Mas é muito chato. E aqueles que usam palavrões, usam a falta de hábito do uso dessas palavras como se isso desse valor ao texto, sendo que o desabituado que valoriza é aquele no qual o hábito é mostrado como se não fosse. E ainda acham que são originais. É, o pior é quem usa palavras ‘difíceis”, tom parnasiano. Talvez desistir, sempre a melhor opção. Nenhum de nós soube quem, mas um que nos habitava, nosso corpo indivisível, cometeu nosso próprio assassinato. Éramos vários, em conflito, claro. Os jornais chamaram de suicídio, mas foi assassinato. Ninguém pula da janela sozinho. As milhares de vozes que contemos não calavam a boca e aquela, mais escura, mais sombria, mais livre, tomou a frente e falou mais alto, pulou. Nós outros até tentamos impedir. Mas nada. Só a imensidão da eternidade da queda. Pareceu que já vi isso antes em algum lugar também. Não me diz nada, na verdade. Quer ser poético, original, tudo falso, falho, parece que só deus pra achar que o que tinha feito era bom, talvez se olhasse de novo... Eram duas caveiras. Ambas se levantaram e começaram a dançar jazz. A percussão parou e deixou as batidas dos ossos, um no outro, ditar o ritmo, apodrecido... Só a descrição de uma cena de um filme do Youtube. Mas sem música não serve para nada. Lixo. ...e uma das nossas várias sombras, em redemoinho, em vórtices, que chamamos de “eu”, disse: Haverá miséria mais sublime que a minha? Sem dúvida. Naquele tempo. Mas e hoje? Ah, será um fim? Sempre tem que ter um fim também. Mas pode ser um começo. O fim e o começo não têm lá muita diferença e mesmo assim continuamos. Não era isso também. Me sinto vazio, o esforço criativo prolongado. Parece que toda linguagem é um desvio de linguagem. Sempre a mesma coisa e continuamos, meu Deus, pareço um padre. O problema: escrevo como me ensinaram, falo como me ensinaram, penso como me ensinaram. Começar do zero? Mas não é sempre tudo zero?! Enfim, tentar de novo, falhar de novo...
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“Eu sofro de juventude Essa coisa maldita, Que quando tá quase pronta Desmorona e se frita” Tom Zé, em “Sofro de Juventude”