Caderno tgi.i_Distensões urbanas_Mariana Poli Gortan

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DISTENSÕES URBANAS



trabalho de graduação integrado I . IAU USP

mariana poli gortan

São Carlos, junho, 2013



Às inquietações, individuais ou coletivas.


[Ă­ndice]


apresentação 09 universo projetual 12 hipótese 16 ações abstratas 20 área 26 impressões 36 ações de imagens 58 intenções projetuais 64 proposta 68 bibliografia 100



Este trabalho nasce e se desenvolve através da fomentação de inquietações sobre o ambiente da metrópole contemporânea e seu processo de construção. O olhar volta-se para além das massas sólidas edificadas, pretende-se aqui extrair seu negativo, uma percepção sobre as relações de tensão geradas pelos vazios dessa totalidade urbana. “Os edifícios, dissolvidos no ambiente da cidade, tendem a se afastar da noção de forma em si – como forma fechada – para ganharem sentido no seu conjunto – onde cada um deles participa como forma aberta.” (BUCCI, 2003)

DISTENSÕES URBANAS

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[universo projetual]


A cidade avança em um constante estado de transformação. Os fatos urbanos multiplicam-se em uma operação sem fim. O que antes suportava torna-se insuficiente. A densidade do ambiente urbano revela-se como a consolidação do imaginário de metrópole, tal imagem, traduzida para a realidade, expõe uma cidade composta por camadas, sobreposições de processos resultantes de transformações econômicas e social. Tal cidade, quando vista de cima em um voo aéreo, mostra-se como uma massa totalitária e única, onde espaços livres, ou não edificados, parecem já terem sido esgotados. Neste instante, qualquer espaço possível de ser ocupado esvai-se em uma mancha contínua. Superado tal momento, ao se penetrar por suas vias, percorrendoas em um ritmo contrário àquele imposto pelos fluxos da metrópole, revelam –se espaços a espreita. Extraem-se da congestão urbana momentos de atenção. Espaços gerados como subproduto de operações de sobreposição, como se na falta de um encaixe perfeito entre partes que se superpõem sobrassem vãos, interstícios camuflados, ocultos, encobertos pela confluência de dinâmicas que tomam conta do ambiente urbano. Tais espaços, uma vez notados, parecem então pulsar como se aprisionassem em si, como latências, um anseio próprio de inserção nesta confluência de situações que caracteriza o ambiente urbano. Espaços portanto passivos, à espera de um gesto que os incorpore à dinâmica urbana. Espaços sobretudos potenciais, inseridos em pontos de convergência de fatos urbanos.

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“Cidades feitas de fluxos, em trânsito permanente, sistema de interfaces. Fraturas que esgarçam o tecido urbano, desprovido de rosto e história. Mas esses fragmentos criam analogias, produzem inusitados entrelaçamentos. Um campo vazado e permeável sobre o qual transitam as coisas. Tudo se passa nessas franjas, nesses espaços intersticiais, nessas pregas.” (PEIXOTO, 1996)


[hip贸tese]


“Terrenos acidentados são vencidos através de uma malha sincopada de pilares e vigas, cintas e contraventamentos que, juntos, materializam fantasias arquitetônicas.” (GANZ; TEIXEIRA, 2003)

Presença geradora de ausências. Parto de algo existente, uma estrutura colocada como necessária ao crescimento do modelo de mobilidade urbana adotado como principal nas cidades brasileiras, uma estrutura que se insere na paisagem como reflexo espacial das transformações econômicas ocorridas ao longo da história da cidade. As vias elevadas saltam ao olhar. Em uma metrópole, onde a demanda por vetores de fluxos são sempre crescentes, elas percorrem a mancha urbana absolutas, transpondo agressivamente todos os fatos que se colocam à sua frente. Criam uma cidade de múltiplos pavimentos, gerando neste entre patamares espaços desconexos e descaracterizados, “subespaços” não reconhecidos pela cidade ou pela sociedade.

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[ações abstratas]


A transposição visa superação, ir além, atravessar uma realidade ou situação. Transpor, assim, significa negar. Ainda em um campo abstrato, valho-me da noção colocada por Ângelo Bucci de invadir como o oposto de transpor. Invadir, aqui, como ação espacial que percorre e se apodera de tais infraestruturas urbanas, nutrindo-se destas para sua própria existência. Invadir, também, como ação espacial que se coloca entre, evidenciando, duas camadas de cidade. A invasão, neste caso, não se apresenta como ação alheia e dominadora, mas sim atenta às dinâmicas nas quais se insere, absorvendo-as e potencializando-as. Invadir e absorver, ações a principio opostas, neste caso, tornam-se ações complementares. Percorrer. Invadir. Absorver. Potencializar. Percorro tais estruturas de transposição invadindo seus espaços intersticiais, absorvendo dinâmicas, carências e paisagens locais e potencializando a ativação social de tais espaços.

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percorre, invade, absorve, potencializa


[รกrea]


“O mesmo acidentado da topografia que determinou também este outro traço característico e já referido, que são os viadutos, (...) o modelado do terreno o impõe; a cidade acabará com um verdadeiro sistema complexo de vias públicas suspensas que lhe emprestará um caráter talvez único no mundo. Com os viadutos virão os túneis (...) e será este mais um traço original de São Paulo que, com o outro, fará dela uma cidade dividida em dois planos sobrepostos, cidade de dois pavimentos.” (PRADO JR, 2012)

O processo de formação da cidade de São Paulo revela pela constituição de seu sistema viário a necessidade de uma época por respostas rápidas a demandas crescentes. As vias expressas, radiais e perimetrais, implantadas como estruturadoras do sistema de transporte na tentativa de escoamento e direcionamento de um fluxo metropolitano, afetam diretamente o desenho urbano a nível local. Tais vias de circulação, conexões metropolitanas, atravessam tecido urbano alheias ao que se passa em seus meios, desestruturando e fragmentando-o. A Avenida Radial Leste-Oeste percorre o território, elevando-se e se inserindo sobre a superfície urbana ao longo de seu trajeto por entre o solo da região central de São Paulo. Rasga o tecido urbano. Gera mais um patamar de cidade. Cria involuntariamente espaços por onde passa. Fragmentos de cidade, patamares cindidos, espaços à espera. Resultados deste modelo de mobilidade, em uma metrópole onde as demandas de escoamento de fluxo são sempre crescentes. À tal infraestrutura de transposição soma-se a topografia da cidade de São Paulo, formada naturalmente pelos vales e planaltos. Foco a área de análise no cruzamento com a Avenida Nove de Julho, onde o afastamento vertical entre as camadas de cidade ganham maior extensão. Avenida de fundo de vale e via elevada, duas estruturas fundamentais na constituição da paisagem urbana de São Paulo, dois elementos que quando sobrepostos evidenciam a maneira pela a qual a cidade se constrói.

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Avenidas de fundo de vale e vias de transposição, destaque para ponto de aproximação no cruzamento entre a Av. Nove de Julho e Av. Radial Leste-Oeste.


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Aproximação da área de análise ao longo da Av. Radial Leste-Oeste


Vias tĂŠrreas

Trecho de via elevado

Vias que estruturam ĂĄrea de anĂĄlise Trecho de via enterrado

32 r. avanhandava

r. augusta


av. nove de julho

r. santo antônio

av. radial leste-oeste

33 r. joã

o pa

ssalá

qua


Travessias em nível

Pontos de ônibus

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Transposição de nível

Análise de travessias e transposições pedestres

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Imagem da maquete conceitual, recorte da รกrea de anรกlise ao longo da Av. Radial-Leste Oeste.


[impress천es]


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As imagens que seguem caracterizam-se como impressões ao longo do percurso pela área. Os trechos provêm de fontes diversas, impressões pessoais, entrevistas, notícias vinculadas a meios de comunicação, documentários, depoimentos.


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Cota 762, ponto de emersรฃo. Trecho de รกrea sobre a Av. Radial Leste, ganha visibilidade apรณs reforma da Praรงa Roosevelt.


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Cota intermediária 755. Trecho da conexão entre a Av. Nove de Julho e Rua Augusta. Objetos esquecidos, vestígios de uma ocupação.


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Cota intermediária 753. “Após fazer minha caminhada na praça Roosevelt e passar no cabelereiro, na Nestor Pestana, me dirigi ao sacolão para comprar frutas”, moradora da região. Sacolão , caldo de cana e bar sob a Av. Radial Leste.


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Cota 748, ponto de imersão. Mercado das Flores. Inaugurado em set/2012, como promessa de “mercado de flores e uma praça, com plantas, assentos, vigilância 24 horas e nova iluminação.”, trecho de notícia da Folha de São Paulo.


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Cota 748, ponto de imersão. Trecho da conexão entre Av. Nove de Julho e Rua Augusta. Abrigo de moradores de rua antes da instalação da floricultura. “Conversei com os moradores, no começo houve resistência, mas eles foram entendendo ”, relato de sócio do Mercado das Flores, e ex-dono de banca de flores na antiga Praça Roosevelt.


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Cota 744, ponto de interposição. Trecho do cruzamento ente Av. Nove de Julho e Av. Radial Leste. “É como se a cidade saltasse de colina em colina, nas palavras de Azis Ab’Saber, ou como se fosse uma cidade de dois pavimentos — várzeas e patamares secos — conforme Caio Prado Júnior”, Angelo Bucci.


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Cota 744, ponto de interposição. Ocupação informal, barracas de moradores de rua na Av. Nove de Julho. Imagem da primeira visita à área, na segunda eles já não estavam mais lá.


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Cota intermediária 753. Espaço de Convivência para adultos Bela Vista, infraestrutura compreendida por quadra esportiva, banheiros e tenda, e CREAS POP- Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua. “Este local não faz apenas o acolhimento, ele possibilita o progresso dessa pessoa”, vice prefeita e secretária municipal de assistência social em 2010, no ato da inauguração do centro.


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Cota intermediária 753. Moradores de rua assistem TV na tenda do Espaço de Convivência Bela Vista. “Aqui passam aproximadamente 300 pessoas por dia, eles tomam banho e vão embora. Que ficam mesmo umas 50. Eles assistem televisão, conversam. A quadra eles usam pouco, é muito pequena”, voluntário do Espaço de Convivência.


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Cota 757, ponto de transbordamento. Espaço sob o Viaduto do Café primeira ocupação da biblioteca e academia de boxe Cora Garrido. “Trabalhamos com o resgate social de moradores de rua em situação de risco, albergados, ex-meninos da Febem e ex-detentos, além de moradores mais necessitados aqui da Bela Vista. Queremos trazêlos de volta à sociedade”, Cora Batista. O espaço hoje encontra-se vazio.


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[açþes de imagens]


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Aproprio-me de tais imagens da cidade para extrair delas ações de projeto. Emergir, imergir, interpor, transbordar. Incitações espaciais as quais qualifico como maneiras de invasão, tensionamentos de espacialidades ao longo de um percurso evidenciados e potencializados pela intervenção.


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emergir

imergir


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interpor

transbordar


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emergir

imergir


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interpor

transbordar


[intenções projetuais]


“É ainda preferível a possibilidade de desentendimento à impossibilidade do encontro.” (LEITE, 2009)

A conformação da cidade, através de camadas que se superpõe e da estruturação do eixo viário como principal meio de mobilidade urbana, desenham um tecido urbano fragmentado, gerador de lacunas que evidenciam a falta de comunicação e relação entre os níveis e os espaços livres da cidade. A noção de percurso esvai-se, e em seu lugar, a ideia de ligação, como pura conexão entre dois pontos, impede a interação entre dinâmicas existentes. Fluxos e permanências acontecem paralela e independentemente. Extraio desta paisagem a idéia do percurso como elemento integrador. O contato entre dinâmicas sociais, níveis e espacialidades distintos, nutrem a proposta. A articulação entre níveis ao longo do trajeto permite a fusão das camadas de cidade. Quebras transversais em um percurso linear, em pontos de permanência, propiciam o cruzamento entre dinâmicas e a possibilidade do encontro. Os espaços criados são aqui tomados como provocadores de experimentação do imprevisível, elementos articuladores de distintas camadas sociais, elementos onde a possibilidade do embate interessa mais do que a definição restrita e fixa de um programa. À arquitetura formal somam-se espaços livres, onde a infraestrutura permite sua caracterização como lugares a espera de uma apropriação espontânea. A arquitetura neste caso é tomada não como definidora usos, mas como propulsora de espacialidades; agente na conversão de espaços a lugares socialmente ativos, opondo-se a uma imagem estática para tornar-se formas que se reconstroem a cada instante. A arquitetura se insere como parte ao mesmo tempo integrante e dissonante da estrutura original. Uma estrutura que se abriga e se nutre na estrutura existente conformando corpos híbridos. Arquitetura enfim ao mesmo tempo permanente e mutante, que incita em si novas configurações espaciais.

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[proposta]


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emergir

imergir

interpor


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transbordar


[emergir]


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[imergir]


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[transbordar]


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[bibliografia]


BUCCI, Angelo. São Paulo, razões de arquitetura. Da dissolução aos edifícios e de como atravessar paredes. Romano Guerra, São Paulo, 2010.

____. Pedra e arvoredo. Arquitextos 041.01,2003.

CAMPOS, Alexandre; CANÇADO, Wellington; MARQUEZ, Renata; TEIXEIRA, Carlos M. [organizadores]. Espaços Colaterais. Instituto Cidades Criativas / ICC, Belo Horizonte, 2008.

GANZ, Louise Marie; TEIXEIRA, Carlos Moreira. Urbanismo efêmero em amnésias topográficas. Arquitextos 036.05,2003.

GUATELLI, Igor. Contaminações constitutivas do espaço urbano: cultura urbana através da intertextualidade e do entre. Arquitextos 094.00,2008.

LEITE, Rogerio Proença. Espaços públicos na pós-modernidade. In: FORTUNA, Carlos; LEITE, Rogerio Proença. Plural de Cidade: Novos Léxicos Urbanos. Almedina, São Paulo, 2009.

PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. Senac, São Paulo, 1996.

TSCHUMI, Bernard. Entrevistado por Bruno Roberto Padovano. São Paulo, 2001. In: Arquitextos 008.01,2001.

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