Cidades Genéricas: Pequim, um ponto privilegiado de observação

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CIDADES GENÉRICAS

PEQUIM

UM PONTO PRIVILEGIADO DE OBSERVAÇÃO

MARIANA VERLANGEIRO



cidades genéricas PEQUIM, UM PONTO PRIVILEGIADO DE OBSERVAÇÃO


Cidades Genéricas: Pequim, um ponto privilegiado de observação Autora: Mariana Verlangeiro Vieira Orientadora: Elane Ribeiro Peixoto Este documento é produto da disciplina Ensaio Teórico da Universidade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, FAU - UnB. Brasília, 2017. Arquitetura. Urbanismo. Cidades Asiáticas. Pequim. Cidade genérica. Espaço genérico. Espaço tradicional.


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sumário RESUMO....................................................................................................................................................... 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................ 2 CAPÍTULO 1................................................................................................................................................. 5 O processo de urbanização frente à sociedade da informação.......................................... 7 CAPÍTULO 2...............................................................................................................................................11 2.1 Contextualização histórica do cenário chinês e o processo de urbanização e modernização............................................................................................................................................13 2.2 Introdução à arquitetura das cidades chinesas - o caso de Pequim........................18 CAPÍTULO 3 ..............................................................................................................................................27 A ancoragem das forças globalizadoras em Pequim...........................................................29 CONCLUSÃO.............................................................................................................................................38 REFERÊNCIAS...........................................................................................................................................42


resumo Este ensaio teórico é objeto de avaliação da disciplina de mesmo nome, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Seu objetivo é introduzir a problemática da pesquisa, referente à natureza da urbanização contemporânea. Optou-se pelo estudo de Pequim, visando entender suas atuais transformações, a partir do confronto entre a arquitetura tradicional da cidade e aquela decorrente das forças econômicas do capitalismo tardio, embate que, em geral, configura fragmentações urbanas, dando origem a verdadeiras bolhas arquitetônicas: os enclaves, parcelas de cidade genérica. Palavras-chaves: Arquitetura. Urbanismo. Cidades Asiáticas. Pequim. Cidade genérica. Espaço genérico. Espaço tradicional.


introdução A

dinâmica e a materialização das cidades são fenômenos particulares de cada núcleo urbano. As sensações provocadas pelas cidades, a percepção de seus espaços e a articulação dos edifícios construídos em meio a seus diferentes usos, constituem um conjunto único, no qual o todo, por meio de suas peculiaridades, se faz singular. Mas o que há em comum entre as cidades – sobretudo as grandes metrópoles? O que as diferencia? Como algumas de uma mesma região, em um mesmo país, podem ser tão distintas, enquanto outras, de continentes diferentes, apresentam, por vezes, uma vasta gama de espaços semelhantes entre si? O funcionamento e a vida nas grandes metrópoles, ou em qualquer uma das “grandes cidades”, acabam recorrentemente apresentando possibilidades de um viver equiparável. Distribuídas por

todo o mundo, estas cidades, por vezes, apresentam ainda mais similaridades entre si, do que quando comparadas a cidades de um mesmo país, ou ainda de uma mesma região. Isso se dá pelo fato de apresentarem lugares comuns (ou seriam “não-lugares?” 1). São Paulo (SP) pode ser, assim, muito mais parecida com Pequim, que com Pintópolis (MG), ainda que ambas se encontrem na mesma região - Su-

1 O conceito de “não-lugar”, desenvolvido pelo sociólogo francês Marc Augé, em 1992, se assemelha ao de “cidade genérica”, do arquiteto holandês Rem Koolhaas, explorado no livro “S, M, L, XL” (Koolhaas; Mau, 1998), pois ambos tratam da temática do enfraquecimento de sensações, em função de locais onde não é possível criar vínculos de identidade.


deste. Daí a curiosidade e a consequente pergunta: mas por quê? Capazes de criar uma ponte para o trânsito de informações, produtos e pessoas, estas grandes metrópoles, ou “cidades globais”, parecem ser constituídas por uma sociedade continuamente em trânsito - que alude a uma certa inconstância nômade, cujas amarras físicas com o lugar se tornam tênues. Estaríamos diante de uma “população sem pátria”, que passa parte de seu tempo se deslocando? Estaríamos diante de um estilo de vida internacional, que demandaria espaços adaptáveis e impessoais? Neste quadro, onde se localizariam as tradições culturais e os valores materializados na arquitetura, carregada de história? O estudo proposto diz respeito à atualidade, a partir de uma abordagem temática da construção dos espaços, frente aos embates gerados pelo confronto entre tradição e modernidade, perceptíveis no cenário urbano de Pequim, considerado um exemplo rico pela coexistência de elementos contrastantes. Foram realizados, portanto, estudo bibliográficos relativos aos aspectos históricos da China, à urbanização contemporânea de Pequim, bem como dos fatores mais relevantes sobre sua arquitetura tradicional, sino-soviética e contemporânea. Consecutivamente, foram identificados enclaves relativos ao tema e analisadas as obras, classificadas como parcelas de cidades genéricas. As pesquisas bibliográficas e entrevistas feitas durante o estudo, levantamento e produção do texto foram complementadas por uma viagem realizada entre maio e junho de 2017 à cidade de Pequim, como forma de incluir análi-

ses específicas, atreladas à vivência nos espaços urbanos escolhidos. A viagem foi fundamental para uma breve imersão cultural, compreensão da dinâmica de Pequim, conversas com seus habitantes, visitas a todos os enclaves previamente escolhidos e aos monumentos históricos e tradicionais da capital chinesa. Objetivou-se, com isso, obter substratos que permitissem contrastar referências de uma arquitetura internacional, corporativa, de autoria de arquitetos pertencentes ao star system2, com a tradicional chinesa, de forma a verificar como o conceito de cidade genérica se aplica à Pequim. O trabalho está organizado em três capítulos. O primeiro discorre a respeito do processo de urbanização frente à sociedade da informação, seus conceitos e explicações de como as mudanças decorrentes da tecnologia da informação e da economia transnacional impactam as cidades. O segundo retrata o panorama histórico da China, a partir de seu processo de urbanização e modernização, abrangendo a arquitetura chinesa e as especificidades do caso de Pequim. O terceiro capítulo trata da ancoragem das forças globalizadoras na cidade, a partir da exemplificação dos enclaves urbanos identificados. Por fim, a Conclusão reúne a visão da autora frente às questões discutidas a partir da experiência pessoal de visita à capital chinesa.

2 Star system, na arquitetura, é uma expressão dada para o grupo de “arquitetos contemporâneos de renome”, cujas obras são reconhecidas internacionalmente.



UM O processo de urbanização frente à sociedade da informação: conceitos da sociedade da informação e explicação de como as mudanças decorrentes da tecnologia da informação e da economia transnacional impactam as cidades.



o processo de urbanização frente à sociedade da informação A

capacidade de articulação entre as cidades originou uma rede urbana extensa, resultante da urbanização acelerada, da revolução dos meios de transporte e de co municações. Até a década de 1970, porém, as cidades, que lidavam apenas com fluxos materiais e de pessoas, passaram a estabelecer outro tipo de trocas, realizadas por meio de fluxos imateriais, de informação. Para o sociólogo Manuel Castells, a sociedade é (...) construída em torno de fluxos: fluxos de capital, fluxos da informação, fluxos de tecnologia, fluxos de interação organizacional, fluxos de imagens, sons e símbolos. Fluxos não representam apenas um elemento da organização social: são a expressão dos processos que dominam nossa vida econômica, política e simbólica (CASTELLS, 2001, p. 436).

Prossegue Castells (2001): Nessa rede, nenhum lugar existe por si mesmo, já que as posições são definidas por fluxos. A infraestrutura (...) é a expressão da rede de fluxos, cuja arquitetura e conteúdo são determinados pelas diferentes formas de poder existentes em nosso mundo.

Desta forma, pode-se entender que a sociedade atual, em rede, baseia-se em três elementos de fundamental importância: a infraestrutura, ou suporte material, relativa ao meio no qual se estabelecem as redes; os nós, constituídos por espaços interconectados e compreendidos como centros de funções estratégicas e comunicação; e os interesses (consequentes incentivos) para que estas relações se estabeleçam. Ainda segundo Castells (2001), questões relacionadas à economia global e ao sistema financeiro ilustram como a sociedade em rede se estabelece a partir de espaços de fluxos, ou seja, locais de produção da economia global informacional, cujo papel decisivo gera grande dependência por parte das sociedades e economias locais. A também socióloga Saskia Sassen (2016) conceitua cidade global como complexos de produção para a capacidade de controle global, concentrando as principais instituições de criação de riqueza e concentração de poder1. A autora menciona 1 De acordo com Santos (2016), a imposição do setor internacionalizado sobre a economia urbana dessas cidades tem alterado profundamente a organização espacial da economia urbana, a estrutura de reprodução social e o processo de trabalho nos mais diversos países. (SANTOS, 2016).

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que, como espaço de produção, a cidade global cria demandas extremas. Essas incluem uma infraestrutura de ponta, além dos padrões exigidos por cidades maiores. A socióloga cita como exemplos as cidades de Nova York e Londres que, na década de 1990, desenvolveram infraestruturas digitais, bem diferentes das demandas das cidades da época. Sassen (2016) afirma ainda que, com o advento da globalização da economia, as funções da cidade global contaminam, cada vez mais, outras cidades, fenômeno que intensifica e fortalece as relações provenientes da conexão em rede. Neste contexto, destaca-se a importância de uma elite organizada, de interesses coesos, capaz de manipular decisões, quase sempre de caráter econômico, que impactam a reconfiguração dos espaços urbanos. A respeito da constituição de espaços, Castells (2001) explicita: Uma (...) tendência importante da distinção cultural das elites na sociedade informacional é a de criar um estilo de vida e de projetar formas espaciais para unificar o ambiente simbólico da elite em todo o mundo, consequentemente substituindo a especificidade histórica de cada local. Assim, surge a construção de um espaço (relativamente) segregado no mundo ao longo das linhas conectoras do espaço de fluxos: hotéis internacionais, cuja decoração, do design do quarto à cor das toalhas, é semelhante em todo o planeta para criar uma sensação de familiaridade com o mundo interior e induzir à abstração do mundo ao redor; salas VIP de aeroportos, destinadas a manter a distância em relação à sociedade nas vias do espaço de fluxos; acesso móvel, pessoal e online às redes de telecomunicações, de modo que o viajante nunca se perca; e um sistema de procedimentos de viagem,

serviços secretariais e hospitalidade recíproca, que mantém um círculo fechado da elite empresarial por meio do culto de ritos similares em todos os países. Além disso, há um estilo de vida cada vez mais homogêneo na elite da informação, que transcende as fronteiras culturais de todas as sociedades: o uso regular de spas (mesmo em viagens) e a prática de jogging; a dieta obrigatória de salmão grelhado e salada verde com udon e sashimi como equivalente funcional japonês; a cor “de camurça clara” da parede com o objetivo de criar a atmosfera aconchegante do espaço interno; o oblíquo laptop; a combinação de ternos e roupas esportes; o estilo de vestir unissex, e assim por diante. Tudo isso são símbolos de uma cultura internacional cuja identidade não está ligada à nenhuma sociedade específica, mas aos membros dos círculos empresariais da economia informacional em âmbito cultural global (CASTELLS, 2001, p. 437).

Os espaços homogêneos materializados, referidos pelo autor, são partes das cidades globais, na realidade, parcelas de cidades genéricas2 constituídas por arquiteturas “coringas”, capazes de estabelecer elos em escala planetária. Essas partes semelhantes não exigem desafios na sua prática e, portanto, suscitam um falso sentimento de “estar em casa”. Sobre a conceituação de cidades genéricas, Koolhaas (2010 p.31) formula uma série de questionamentos e indagações que vale retomar: Será a cidade contemporânea como o aeroporto contemporâneo “igual a todos os outros”? Será possível teo2 O arquiteto Rem Koolhaas, em sua obra Três Textos sobre a Cidade, afirma: “A cidade genérica é a cidade libertada da clausura (...) do espartilho da identidade. (...) É a cidade sem história” (KOOLHAAS, 2010).


rizar essa convergência? E em caso afirmativo, a que configuração definitiva aspirar? A convergência é possível apenas à custa do despojamento da identidade. Isso é geralmente visto como uma perda. Mas à escala em que isso acontece, tem de significar algo. Quais são as desvantagens da identidade e, inversamente, quais as vantagens da vacuidade? E se esta homogeneização aparentemente acidental – e geralmente deplorada – fosse um processo intencional, um movimento consciente de distanciamento da diferença e aproximação da semelhança? E se estivermos a assistir a um movimento de libertação global: “abaixo o carácter!” O que resta se removermos a identidade? O Genérico?

Discorrido pelos sociólogos Catells (2001) e Sassen (2016), os assuntos referentes à sociedade da informação apresentam, portanto, impactos significativos na configuração e morfologia urbana das grandes cidades, retratadas por Koolhaas. Estes fenômenos sociais e as trocas imateriais repercutem na constituição de espaços urbanos, nos quais estas relações são estabelecidas.

O que Koolhaas descreve encontra exemplares no tecido urbano de Pequim, no qual estão presentes arquiteturas que resultam em uma monumentalidade imposta que, de forma paradoxal, generaliza e torna a cidade mais impessoal e homogênea. Esses espaços, para Koolhaas (2010), parcelas significativas das cidades genéricas, constituem-se em lugares demarcados por sensações tênues e distendidas, sendo partes de um conjunto de elementos superficiais, capazes de evocar poucas ou raras emoções (KOOLHAAS, 2010). A respeito disso, destaca-se o trecho de Castells (2001): Como não pertencemos mais a nenhum lugar, a nenhuma cultura, a versão extrema do pós-modernismo impõe sua lógica codificada de ruptura de códigos em qualquer lugar onde se construa alguma coisa. Sem dúvida, a libertação dos códigos culturais esconde a fuga das sociedades historicamente enraizadas. Nessa perspectiva, o pós-modernismo poderia ser considerado a arquitetura do espaço de fluxos (CASTELLS 2001, p. 444).

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DOIS O panorama histórico da China, o seu processo de urbanização e modernização, a arquitetura chinesa e as especificidades do caso de Pequim, juntamente às questões que dizem a seu respeito.


传 统 中 国 china tradicional


o caso de pequim 2.1 contextualização histórica do cenário chinês e o processo de urbanização e modernização

A

civilização chinesa, de cerca de 4.000 anos, tem sua tradição cultural derivada principalmente de filosofias do Confucionismo e do Neo-Confucionismo e das religiões Taoísta e Budista, responsáveis pela conformação de uma enorme quantidade de sabedoria e conhecimento científico. A cultura tradicional milenar encontra-se no cerne das ideias a respeito dos direitos civis e diretrizes para o comportamento das pessoas, bem como dos aspectos morais. (LIN; ROBINSON, 1994). Em função de sua extensão temporal e sua razoável estabilidade, a herança tradicional na China tem grande peso na cultura e sua influência é notável no território como um todo. Apesar das transformações sofridas, a partir da segunda metade do século XX, o apego à tradição pode ser observado na perpetuação na forma de construir durante séculos. Que este sistema de construção possa ter se perpetuado por mais de quatro mil anos ao longo de um território tão vasto e ainda assim permaneça uma arquitetura viva, que mantém suas características principais apesar das repetidas invasões estrangeiras - militares, intelectuais e espirituais - é um fenômeno comparável apenas à continuidade da civilização da qual ela é uma parte integral (LIANG, 1984).

Com cerca de 9,5 milhões de quilômetros quadrados de extensão, a China foi um país de base agrária, por muitos séculos: seu processo recente de industrialização foi duramente prejudicado, por ocasião da guerra com o Japão (1931 a 1945).

Os pesquisadores Brandt, Ma e Rawski (2016) descrevem que, no auge da guerra (1937), os efeitos combinados da destruição física, com impactos na rede de transportes e consequentes dificuldades fiscais, minaram a manufatura privada e limitaram a execução dos planos de industrialização (BRANDT; MA; RAWSKI, 2016). A industrialização chinesa ganhou impulso somente em 1949, com o término da guerra civil e com a liderança de Mao Tsé-Tung à frente da então República Popular da China - RPC. O regime socialista imposto por Mao encontrou, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas URSS, o apoio ideológico e material que a China precisava: a aproximação entre os dois países se deu por meio de aconselhamento por parte dos soviéticos e fornecimento de know-how. Apesar disso, a China permaneceu com características fortemente rurais (Wong, 1985 apud BRANDT; MA; RAWSKI, 2016). O Estado chinês exerceu, desde a década de 1950, um forte controle na economia, o que pode ser atestado com a fixação de preços pelos planejadores e a remessa de 95% dos lucros da produção das fábricas ao governo. Nesta época, imperava o isolamento do país em relação às demais nações do mundo, fruto da combinação da ideologia socialista com o embargo comercial impetrado pelos Estados Unidos da América - EUA. A exceção era o fluxo de equipamentos, conhecimento e de pessoas com a URSS. (BRANDT; MA; RAWSKI, 2016).

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Grande Passo à Frente: 30 milhões de chineses morrerem de fome.

Revolução Republicana. Deposição do Imperador Quing. Assunção do Partido Comunista.

1958

1911

Mao Tsé-Tung emerge como líder.

1935

1910

1920

1930

1940

1950

1960

1931-1945 Invasão Japonesa.

antes China Antiga e China Imperial, tocadas por suas dinastias.

1949 Vitória dos comunistas sobre os nacionalistas.


China torna-se a segunda maior economia de mercado do mundo.

China e EUA reatam relações diplomáticas.

1979

2011

Início das reformas econômicas.

Realização das Olimpíadas.

1978

1970

1980

2008 1990

1976

2000

1992

Mao Tsé-Tung morre.

2010

2016 Maior queda no crescimento econômico em 25 anos.

China torna-se uma economia socialista de mercado.

1986 Abertura econômica: política de portas abertas.

2001

Candidatura como sede das Olimpíadas de 2008 é aceita.

Fonte: autora.


Apesar disso, a industrialização da China ocorreu de modo consideravelmente rápido. Novas indústrias, tais como as de produção de caminhões, tratores, equipamentos de comunicação e geradores surgiram, em grande parte, de modo a dar o suporte necessário à modernização da “China rural”: era o início do Grande Salto à Frente3. Brandt, MA e Rawski (2016) observam: As empresas rurais, a maioria geridas por coletivos agrícolas4, destinavam-se a atender a agricultura e a usar recursos locais para satisfazer à demanda de cimento, fertilizantes, maquinário, eletricidade e carvão. A promoção da indústria rural, que começou em meados da década de 1950, experimentou um crescimento explosivo, porém seguido de extremo desperdício, durante o Grande Salto à Frente (1958-1960), e ressurgiu no final da década de 1960, após grande retração pós-Salto (BRANDT; MA; RAWSKI, 2016).5

Com a morte de Mao, em 1976, a China inicia um processo de distensão em relação ao regime extremista socialista, chamado de “reformas”. Assim, a partir de 1978, o país implementa um “modelo híbrido”, em que mescla planejamento, 3 O Grande Salto à Frente (Great Leap Foward) foi uma campanha social e econômica, lançada por Mao Tsé-Tung, entre 1958 e 1960, que visava a rápida inDustrialização da China. Em função de fatores climáticos adversos, associados ao rompimento das relações com a URSS e o deslocamento da mão de obra do campo para a indústria, trouxe fome à China, provocando a morte de dezenas de milhões de pessoas. 4 Os coletivos agrícolas são, para fins deste artigo, entendidos como sinônimos de comunas populares. Foram comunidades situadas no campo, formadas por um total de até 20.000 pessoas, que, na década de 50, deveriam produzir tudo aquilo que necessitassem consumir. 5 Tradução da autora.

propriedade estatal e diretrizes oficiais, de uma forma semelhante àquela ocorrida nos anos 1920 – 1930, interrompida pelo regime de Mao. Ainda de acordo com os autores citados, este modelo era “(...) um revival do sistema aberto, privado, baseado nas regras de mercado (...). Esse novo arranjo ampliou o rápido crescimento alcançado no sistema anterior, mas combinou a expansão quantitativa com a liberalização do mercado, a profunda integração com os mercados globais e a rápida atualização que permitiu um crescente número de fabricantes chineses alcançar fronteiras globais de sofisticação técnica e qualidade do produto” (BRANDT; MA; RAWSKI, 2016).6

Após 12 anos, na década de 1990, o cenário estabelecido na China dos anos 1970 configurou-se em um terreno fértil para as transformações radicais vigentes no mundo ocidental. Países ocidentais hegemônicos abraçavam as orientações econômicas neoliberais, com consequências para suas atividades industriais. Os parques industriais, regidos pela concorrência de mercado, buscavam locais de produção que tornassem seus produtos competitivos. Para isso requeriam mão de obra em abundância e barata, além de leis ambientais e trabalhistas menos restritivas. Em consequência, deu-se uma rápida desindustrialização das economias centrais do ocidente, com suas atividades industriais migrando para outros pontos do planeta, dentre os quais se encontrava a China. Este quadro foi favorável a esse país, cuja abertura econômica havia evoluído para o propósito de transformar-se deliberadamente em uma “economia socialista de mercado”, fato que acabou ocorrendo de forma oficial em 1992. Iniciou-se, assim, um processo que modificou a paisagem chinesa. Vastas áreas rurais cederam lugar a metrópoles, quase que instantaneamente. O exemplo em6 Tradução da autora.


blemático é a cidade de Shenzen, cuja modesta situação de vila de pescadores, depois de transformada na década de 1980 em zona de economia especial, cresceu, em dez anos, ao ritmo espantoso de 56 %. Entretanto, este processo rápido de expansão urbana acabou por gerar um fenômeno chamado de “cidades-fantasma”. Estas cidades construídas, porém pouco habitadas, se constituem em uma ironia conceitual às premissas de que fatores migratórios rural-urbanos consistam no motor da urbanização. Para Sorace e Hurst (2016), pesquisadores australiano e norte-americano, a história da urbanização chinesa apresenta um compromisso ideológico com o crescimento urbano, que se mostra como eixo central direcionador da modernidade: “a urbanização é o destino para o qual todos os caminhos parecem levar” (SORACE; HURST, 2016). A China ingressava na era da globalização que, para Sassen, pode ser apreendida através da interseção dos espaços locais e nacionais com o espaço global, efetuada pelas forças sociais e políticas transnacionais, desde o final da década de 1980, sobretudo, pelas grandes corporações. A lógica de desnacionalização reorienta a política-econômica nacional à consecução de demandas impostas pelo capital global e promove a ruptura da relação entre poder e política, característica do Estado moderno. Neste quadro, as cidades adquirem um posição de protagonismo, um ponto de vista compartilhado entre autores como a própria Saskia Sassen (2016), Edward Soja (2000) e David Harvey (1989). No conjunto, esses autores esclarecem que cidades globais são pontos determinantes na economia contemporânea. Em geral, constituem-se de populações e mercados fortes, que muitas vezes ultrapassam 10.000.000 de habitantes e reúnem grandes instituições financeiras, formadas por uma elite intelectual de pesquisadores e executivos, sendo, também, centros de geração de

informação, ciência, tecnologia e cultura. Conectadas, elas formam, uma rede mundial de cidades, com intensos fluxos de informação, pessoas e mercadorias. Esses fatores permitem a conclusão de que Pequim, de acordo com esses autores, pode ser caracterizada como uma cidade global. Na concorrência por um posto de distinção, no cenário internacional, as cidades globais competem entre si pelos capitais transnacionais. Em virtude desta competição, suas paisagens urbanas alteram-se com uma velocidade surpreendente, com a presença de edifícios corporativos ou mesmo por renovação de seus tecidos históricos, visando sua inserção na indústria do turismo mundial. Ressalta-se, ainda, que estas cidades disputam por se tornarem sedes de eventos mundiais, tais como os esportivos ou as exposições universais. Ao serem selecionadas como sedes, são submetidas a operações urbanas de grande porte, na sua maioria, questionáveis em termos de resultados positivos para sua população. Novamente, é o caso de Pequim nas Olimpíadas de 2008 e todas suas subsequentes transformações. A China tem sido o campo privilegiado para o entendimento da economia e cultura dos anos finais do século XX e XXI. Suas cidades sofreram transformações radicais, como é o exemplo de Pequim e Xangai. Além dessas duas mais conhecidas, a região do Delta do Rio Pérola (Pearl River Delta) é um exemplo de transformação urbana acelerada, que constitui, hoje, segundo o Banco Mundial, a maior área urbana do mundo, tanto em tamanho como em população (THE WORLD BANK, 2015). Este caso ilustra a tendência do constante deslocamento de centenas de milhões de pessoas para as cidades nos próximos vinte anos, à medida que as economias mudam por meio dos incentivos às atividades industriais e ao setor de serviços, em detrimento da antiga base econômica pautada na agricultura. (THE WORLD BANK, 2015).

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2.2 introdução à arquitetura das cidades chinesas - o caso de Pequim

A

cidade de Pequim constitui-se, hoje, em um campo de experimentação urbana singular, de forma a não mais zelar pelo apego à tradição como antes: se configura na materialização de um exemplo híbrido, constituído por um conjunto arquitetônico, que congrega o histórico e o atual, composto por enclaves, à semelhança de um arquipélago.

é, integra o grupo de cidades, que apresentam um elevado grau de autonomia e configura-se, também, em um centro econômico e cultural do país. Abrigando uma população de cerca de 23 milhões de habitantes e situando-se a 150 km da costa do Pacífico, Pequim é, ainda, um dos centros ferroviários e de transporte aéreo internacional de grande importância.

A cidade, com pouco menos de 17.000 km², é a capital da República Popular da China. Foi a última das quatro grandes capitais antigas chinesas, sendo considerada seu centro político, durante os últimos oito séculos (PEQUIM, 2012). Dessa forma, a história da China tem ligação direta com a fisionomia de Pequim, que acompanhou os períodos de transição do país, ao longo dos séculos, até o presente. Tornou-se uma espécie de modelo, repercutindo na urbanização das demais cidades chinesas.

Morfologicamente, Pequim organiza-se a partir de um centro, na forma de um quadrilátero. As expansões da cidade se deram por repetições deste arranjo original, resultando em quadriláteros paralelos, à semelhança dos anéis de Paris. As expansões aceleraram-se na década de 1950, indo além de sua parte murada e dos bairros circunvizinhos, com indústrias pesadas a oeste e ao norte. Diversas áreas das muralhas foram demolidas nos anos 1960, para a construção do metrô e do 2º anel viário da capital. A partir da década de 1980, a área urbana cresceu significativamente, com a as subsequentes

Hoje, é parte de uma das chamadas “cidades administrativas independentes”, isto

Ilustração da série My Loved Peking City da Cidade Proibida, vista a partir do Beihai Park.


obras de um sistema de anéis de desvios, rodovias e estradas capazes de conectar seu extenso território, por meio dos 3º, 4º, 5º e 6º anéis- quadriláteros viários. (LI, LILLIAN; DRAY-NOVEY, ALISON; KONG, HAILI; 2007). A expansão dos anéis-quadriláteros, juntamente à linha de metrô da cidade, foi propulsionada com a nomeação de Pequim para a sede das Olimpíadas de 2008. Começava, assim, um processo de renovação urbana.

Na área delimitada pelos seis anéis-quadriláteros viários da cidade, pode-se falar de três estilos de arquitetura definidores da paisagem urbana da capital chinesa. O primeiro deles, denominado arquitetura tradicional, refere-se a um tipo arquitetônico constituído ao longo de séculos, cuja influência pode ser percebida em outras realizações arquitetônicas orientais. Herança da China Imperial (206 a.C. a 1911 d.C.), este tipo arquitetônico con-

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5

2,5 km

Mapa de Pequim com escala gráfica, representando 5 dos 6 anéis viários. O sexto anel encontra-se muito afastado e não foi representado, para que não se aumentasse tanto a escala. Sendo o ordenamento da contagem feita de dentro para fora (primeiro anel é o mais interno, representado em azul mais escuro). Fonte: autora.

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ta com muitos exemplares, em especial no centro da cidade, o núcleo histórico. Em sua obra mais representativa - o complexo da Cidade Proibida - encontram-se diversos volumes, construídos entre 1406 e 1420, que compõem um conjunto arquitetônico de cerca de 980 edifícios, 8.707 cômodos em, aproximadamente, 720.000 metros quadrados. Dentre as construções, destacam-se portões de acesso; torres de auxílio; galerias para fins governamentais, militares, literários e religiosos; palácios; jardins, dentre outros, sendo uma parte destas construções aberta para turistas. Outros exemplos de destaque na arquitetura chinesa tradicional são o Templo do Céu, Templo de Confúcio, Templo dos Lamas, Palácio de Verão e a Mansão do Príncipe Gong. Destacam-se, nessas construções, algumas características comuns: a ênfase dada à horizontalidade, à simetria bilateral e aos espaços cercados. A horizontalidade é percebida na delimitação de volumes marcados por bases sólidas, sob os quais se assentam grandes telhados, que trazem, consigo, aspectos de leveza. Para a arquitetura chinesa, o impacto da largura dos prédios prevalece em detrimento às proporções atribuídas à altura e profundidade, dimensões acentuadas notadamente na arquitetura ocidental. A exceção à horizontalidade são os pagodes. Muito embora sejam elementos de grande relevância da arquitetura chinesa, são raros e limitados a complexos de edifícios religiosos. A simetria bilateral evidencia a constante busca por equilíbrio, estando presente, tanto nos complexos palacianos, quanto em residências humildes. Os espaços cercados, por sua vez, referem-se aos edifícios que ocupam quase sempre toda a propriedade, diferentemente das civilizações ocidentais, tendentes a emoldurar os espaços arquitetônicos com jardins ou áreas livres laterais às propriedades. Estes edifícios chineses contêm em seu interior, espa-

ços abertos, que podem ter duas formas: o pátio aberto, um espaço vazio cercado por edifícios ligados uns aos outros diretamente ou através de varandas; e o “poço do céu”, entendido como um pátio delimitado por edifícios próximos uns aos outros, que oferece uma pequena abertura para o céu, através da área entre os telhados, visto a partir do chão. Ambos servem para controlar a temperatura, a ventilação das construções, a exposição ao Sol, o controle de luminosidade e o escoamento de água, além de servir como “respiradouro”, por permitir trocas de ar (HSU, 1986). O Feng Shui7 e os conceitos míticos do Taoismo estão presentes nos projetos da arquitetura chinesa, desde residências comuns até estruturas religiosas e imperiais. Dentre eles, destacam-se telas ou paredes voltadas diretamente para a entrada principal da casa, o uso de talismãs ou imagens de deuses presentes nas portas, para espantar o mal e encorajar a circulação da boa fortuna. Elementos tais como cores, números e pontos cardeais são utilizados na arquitetura tradicional chinesa de forma a expressar crenças. Outro marco milenar da arquitetura chinesa são os denominados “siheyuans”, registros importantes da história da Nação, ao longo de séculos, ainda presentes na atual Pequim. Foram construídos durante as três últimas dinastias chinesas (1271-1911) e, ainda hoje, são considerados herança da arquitetura milenar. Estes conjuntos residenciais mais tradicionais estruturam-se a partir da tipologia de casas em torno de um pátio central, resultantes do tecido social e urbano, descrito por Fernanda Britto (2013), na 7 Feng Shui é um pensamento notadamente oriental. Prega que um ambiente é influenciado pelo local, pela construção e por seus habitantes. Algumas práticas podem ser utilizadas nos ambientes de modo a canalizar “boas energias” ou dissipar as más.


reportagem “Perspectivas sobre Pequim: processo esmagador de renovação urbana”. A autora explicita que os hutongs, vielas que conectam as habitações, eram baseados na vida comunitária. Muitos apresentavam, além dos pátios de uso comum, banheiros e cozinhas partilhados pelas famílias. Habitualmente, os hutongs são lineares e se desenvolvem com a orientação de leste-oeste, de maneira que a entrada dos siheyuans orienta-se na direção norte ou sul, respondendo às condições favoráveis do Feng Shui. Podem variar, contudo, em largura: alguns são muito estreitos, definindo uma mobilidade particular. Por não terem sido pensados para veículos, os hutongs permitem a passagem de apenas poucos pedestres de cada vez. Ainda de acordo com Britto (2013), a pouca largura e a inexistência de calçadas fazem dos hutongs um só elemento integrado. Nas palavras de Britto (2013),

“(...) uma plataforma única onde as pessoas se movem livremente, comem, jogam, trabalham e interagem. A morfologia urbana condiciona um sistema de mobilidade que se ajusta aos mais avançados princípios de sustentabilidade, oferecendo uma ampla sensação de espaço público singular e atrativo.” (BRITTO, 2013).

Com exemplares tradicionais dispostos nos arredores da Cidade Proibida, e tantos outros distribuídos nas diferentes partes da cidade de Pequim, os siheyuans e os hutongs vêm desaparecendo, rapidamente. Blocos inteiros, atualmente, estão sendo substituídos por arranha-céus, muitos dos quais, caracterizadores de cidades genéricas. Algumas dessas demolições foram consideradas parte de um processo de transformação da capital para as Olimpíadas de 2008, evidenciando a incessante busca, por apresentar ao mundo uma face moderna, rica e ocidentalizada da China.

Ilustração da série My Loved Peking City do Templo do Céu, uma das obras mais icônicas da arquitetura tradicional chinesa na cidade de Pequim.

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Ilustração da série My Loved Peking City da Cidade Proibida, vista de um hutong.

Maquete da morfologia de um exemplo de habitação popular tradicional chinesa, um hutong. Foto de maquete : autora.


Antigos residentes de siheyuans são removidos para novos prédios de apartamentos, cujo tamanho é similar às suas residências, sem, contudo, haver uma preocupação com seus interesses pessoais. Independente das condições adversas inerentes às habitações antigas, há uma certa resistência em abandoná-las. Muitos se queixam da falta de senso de comunidade e da “vida de rua”, proporcionados pelos hutongs, para eles, insubstituíveis (TREVISAN, 2005). A arquitetura sino-soviética é outra expressão arquitetônica presente na China, com significativa representação na cidade de Pequim. Seus exemplares datam do período entre 1950 e 1970. A partir de 1949, o comunismo trouxe a influência construtiva russa por meio da chamada arquitetura sino-soviética. Nesse período, um grupo de soviéticos, formado por arquitetos, urbanistas e especialistas em administração municipal, “emprestados” pelo país aliado, chegou a Pequim a fim de colaborar no planejamento e desenvolvimento da cidade. Deste encontro, surgiu o relatório “Propostas para o Aperfeiçoamento da Administração Municipal de Pequim”, que influenciou, significativamente, a estruturação futura da cidade, tendo em vista a capacidade da China de realizar grandes projetos em curtos espaços de tempo. Era uma oportunidade de materializar as expectativas de cidade modelo soviética, em solo chinês. Mao, que desejava refazer completamente a sociedade urbana, estava disposto a derrubar edifícios antigos, segundo a lógica da tábula rasa8. Nas palavras de Jacob Dreyer (2014): Uma versão “mais verdadeira e mais pura” da ideologia urbana soviética poderia ser materializada no deserto urbano chinês - campos literalmente vazios e camponeses analfabe8 Tábula rasa é uma expressão latina, cuja tradução literal pode ser entendida como “tábua

tos que estavam sendo “modernizados” (DREYER, 2014). Em Pequim, as intervenções de caráter sino-soviético se deram em toda a cidade, porém de modo principal, na Praça Tiananmen, que foi ampliada. As grandes estruturas eram conformadas em um caráter monumental, fruto da assistência e cooperação entre os dois países. Nesta praça, foram implementados dois dos “dez grandes edifícios” (Ten Great Buildings, em inglês), construídos por Mao como parte das celebrações do décimo aniversário da fundação da República Popular da China (1959). Estas dez construções fazem parte do que se convencionou chamar estilo sino-soviético e são marcadas pela rigidez, simetria e volumetrias semelhantes a caixas. As obras citadas, como as pertencentes a este estilo ,apresentam significativamente menos elementos arquitetônicos que os presentes no anterior, foram executadas, visando o funcionalismo, com materiais de baixo custo. O modelo da cidade Pequim foi reproduzido por todo o país: diversas áreas rurais e agrícolas tiveram seu primeiro contato com as grandes cidades a partir da implementação destas tipologias arquitetônicas e modelos urbanísticos soviéticos, em meio a uma sociedade em processo de rápida modernização. A influência deste estilo, contudo, não se restringiu a este período, estendendo-se aos anos 1990 e 2000, se fazendo presente, na construção de prédios residenciais destinados a abrigar a população desalojada por causa das intervenções urbanas - o metrô, os novos anéis viários e os centros financeiro e de negócio. Com os fenômenos da globalização e a abertura da China para o capitalismo no âmbito comercial e econômico, o país raspada”, e tem o sentido de “folha de papel em branco”.

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Ilustração da série My Loved Peking City do Palácio de Verão.


passou a lidar com questões que buscavam sua visibilidade e projeção frente às demais potências mundiais. Diante desta questão, a produção da arquitetura ganha relevância e se altera, incluindo a importação de modelos ocidentais. A arquitetura contemporânea presente em Pequim segue a orientação daquela realizada em outras cidades globais. Caracteriza-se pelo uso de materiais quase sempre industrializados, como aço, vidro e concreto, em edificações capazes de assumir as mais diferentes formas. Esta arquitetura não somente responde aos imperativos utilitários, mas atribui ao espaço características que permitam a identificação de seus autores, quase equivalendo a suas assinaturas, evocan-

do uma espécie de personificação de projetos. A arquitetura assume, assim, não as identidades locais, mas a identidade de seu projetista. Esta característica é comum aos arquitetos do star system, em geral, presentes nas cidades que almejam visibilidade internacional, reafirmando conceitos relacionados a ideias de futuro, modernidade e desenvolvimento. Desta forma, são capazes de se tornarem referência na rede global de cidades. O entendimento destes tipos arquitetônicos, inseridos no panorama histórico da China, com enfoque na cidade de Pequim, serve como base para a discussão dos enclaves encontrados na malha urbana da capital chinesa, detalhados no capítulo a seguir.

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TRĂŠS Como as forças globalizadoras se materializam no tecido urbano de uma cidade milenar e de que forma esta materialidade, os enclaves, dialogam com seu contexto.



A ancoragem das forças globalizadoras em Pequim A

ancoragem das forças globalizadoras, oriundas do capitalismo tardio e da sociedade organizada em redes, se dá em Pequim por grandes contrastes: complexos de arranha-céus, rodeados por amplos lotes vazios; grandes edifícios de apartamento ao lado de construções arquitetônicas tradicionais; centros comerciais ladeados por habitações de baixa renda (YOU-TIEN, 2010). “O palimpsesto das épocas passadas presenciou o avanço do desenvolvimento de uma renovação urbana que se faz necessária frente às exigências funcionais da capital de um país com acelerada urbanização e crescente liderança mundial” (BRITTO, 2013). As tipologias específicas, que atendem aos mais diversificados usos, conformam-se em meio a uma cidade, na qual as formas de vida tradicionais se confrontam com o cotidiano dos executivos de corporações mundiais. A substituição de um patrimônio cultural não é um fenômeno decorrente exclusivamente da demanda por novas edificações, ela também decorre da história recente da China. Exemplo de como essa história afetou os tecidos históricos das cidades pode ser encontrado na Revolução Cultural (1966-1968/69): Mao Tsé-Tung ordenou à Guarda Vermelha9 uma 9 A Guarda Vermelha foi um movimento organizado por Mao Tsé-Tung durante a Revolução Cultural, com o objetivo de difundir o

cruzada contra as, por ele denominadas, “quatro velharias”: velhas ideias, velha cultura, velhos costumes e velhos hábitos. A Guarda atacou publicações, ícones, edifícios e pessoas, que sob a ótica de tribunais populares, não estavam alinhadas ao pensamento vigente. Foi responsável pela depredação de uma parte significativa da memória material chinesa (LAW, 2013). Atribui-se ao primeiro-ministro Chu En-Lai a defesa da Cidade Proibida, dentre outros exemplares, considerados potenciais alvos de depredação, durante a Revolução Cultural. A ideia de classificar elementos culturais, provenientes da história de um povo, como “velharias” parece absurda. Entretanto, a falta de preservação e apego às heranças da tradição cultural ainda hoje é constante. Percebe-se a destruição de parcelas significativas de Pequim em função da construção de novas áreas, o que permite pensar se a relação com o patrimônio histórico na China não se assemelharia a do Japão, por exemplo, onde a atribuição de valores das construções históricas não é dada pelo material, mas pelos modos de fazer. Para o melhor entendimento dos enclaves urbanos que hoje configuram a paisagem de Pequim, torna-se necessário o aprofundamento das realizações promaoísmo, contido no Livro Vermelho.

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venientes da inserção do país em uma economia de escala global e de mercado, cujas consequências implicaram na entrada de vultuosos capitais e uma significativa migração de empresas transnacionais. As forças globalizadoras se espacializaram na cidade, envolvendo, sítios de relevância histórica10, e a construção de objetos arquitetônicos inusitados. Desta forma, parte do legado histórico chinês, os siheyuans e seus hutongs, parcelas urbanas compactas nas quais a diversidade de usos e atividades reafirmam valores e amarram uma sólida rede social, se confrontam com os edifícios pertencentes à lógica construtiva atual. A expansão de Pequim acarretou problemas decorrentes de suas transformações impactantes, dos quais se ressaltam: o tráfego pesado, a baixa qualidade do ar e a perda de bairros históricos. Também abriga o fluxo significativo de trabalhadores de áreas rurais menos desenvolvidas11 (LI; DRAY-NOVEY; KONG, 2007). De 10 Houve a demolição de quarteirões tradicionais inteiros. Hoje as autoridades adotaram a política de preservar e restaurar certo número desses quarteirões, com a finalidade de conservar a memória arquitetônica do tecido urbano central. 11 O controle da mobilidade na China tem herança nos antigos regimes. Após a Revolução de 1949, estabeleceu-se um sistema denominado hukou, que tinha três objetivos principais: desencorajar as movimentações rural-urbanas; auxiliar na alocação geográfica da força de trabalho; e facilitar o controle sobre os “inimigos do governo”. Hoje, este sistema fornece a cada cidadão um registro de residência, vinculado a uma vila, cidade ou comuna agrícola, sendo obrigatório a todos os cidadãos do país. Assim, cada família recebe um registro com o nome de seus integrantes, e todos novos nascimentos devem ser informados à autoridade responsável pelo hukou. Cada localidade é responsável por emitir seu próprio hukou, o qual concede vantagens associadas às políticas públicas locais. Nos hukous encontram-se, dentre outros, endereço residencial, religião, emprego atual, deta-

acordo com o artigo de Fernanda Britto, já mencionado, hoje, a expansão urbana da cidade ultrapassa o limite de seus anéis viários sobre o solo suburbano. Segue de forma difusa, apesar do sistema de planejamento chinês apostar em uma formação hierárquica de organização de cidades, implicando a consideração de urbanizações satélites, capazes de absorver o crescimento demográfico e realocar a população deslocada, pelos programas de decréscimo populacional e renovação urbana da área central (BRITTO, 2013). Contudo, o legado arquitetônico de Pequim permanece de grande valor, o que possibilitou a concessão do título de Patrimônio da Humanidade, pela UNESCO, a sete de seus elementos: a Cidade Proibida, o Templo do Céu, o Palácio de Verão, as tumbas Ming, Zhoukoudian, bem como parte da Grande Muralha e do Grande Canal. Todas estas áreas são, atualmente, atrações turísticas (UNESCO, 2017). A concessão de títulos e a busca da preservação por parte da UNESCO necessitam ser respaldadas por medidas locais de mesmos objetivos, pois legados cultural e histórico não se configuram apenas na morfologia de objetos arquitetônicos pontuais: trata-se da compreensão do todo e do valor semântico a eles agregado, capaz de designar identidade e reforçar suas particularidades históricas. Esta compreensão vai muito além da materialidade de construções descontextualizadas. Neste sentido, é notória a ressignificação de espaços característicos da cidade, reconvertidos a novos usos, como forma de internacionalizar símbolos culturais, muitos dos quais edificados há séculos. Estes espaços, antes tradicionais, passam, por vezes, a fazer parte de rotas turísticas, pertencentes a circuitos expressos de lhes do nascimento e mudanças de local.


“day passes”12. Tratados como “atrações”, são capazes de gerar um grande efeito nos arredores, impactando partes significativas das cidades. Agem recorrentemente como centelha para a explosão da indústria turística: é comum surgir uma série de outros elementos fortalecedores do fluxo de turistas. Lojas de souvenirs, restaurantes, hotéis, locais com informações para guias e venda de passeios se instalam nessas localidades, cujas alterações podem resultar em processos de gentrificação13. Essa situação originou uma paisagem fragmentada, contrapondo resquícios de tecidos históricos a intervenções contemporâneas. Tem-se a impressão de se estar diante de bolhas urbanas, entendidas como enclaves. Esse confronto reforça seus contrastes e evidencia a conformação de parcelas de cidades genéricas, paulatinamente substituindo a cidade tradicional. Em 2006, a prefeitura de Pequim identificou seis zonas de grande importância e consideradas promotoras primárias do crescimento econômico local e da movimentação de capital da cidade. Deste grupo, destaca-se a terceira zona, conhecida como Distrito de Negócios Central de Pe-

Foto CCTV. Fonte: autora.

12 Passes diários, partes de pacotes de turismo oferecidos para visitar locais incluídos nas rotas de atrativos das cidades. Geralmente, estes passes preveem percursos pré-estabelecidos em ônibus (tourist bus, como são geralmente denominados), com áudio-guias e mapas, que assinalam os pontos de interesse na cidade. 13 É o fenômeno que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, isto é, o processo de alteração de espaços urbanos por meio de sua transformação e ressignificação que aludam a áreas nobres. Isso pode ocorrer a partir da implementação de novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, por exemplo, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local.

Foto da "selva de vidros", o CBD, aonde se encontra o CCTV. Fonte: autora.

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quim (CBD), caracterizado por numerosos arranha-céus empresariais. O desenvolvimento desta área foi surpreendente como demonstram os números: implantação de 117 empresas, com destaque para as relacionadas às áreas de finanças, mídias, tecnologia da informação, consultoria e indústria de serviços. Ainda que mais de 60% das empresas de capital internacional localizem-se no CBD, dividindo o espaço com a maioria das embaixadas estrangeiras (BRITTO, 2013), nele destaca-se a atuação do Comitê de Administração, responsável por seu planejamento e condução, cujas atribuições são fornecer informação aos investidores sobre a legislação, os impostos e as políticas públicas. É no CBD que situa o edifico sede da televisão estatal chinesa - China Central Television (CCTV). Transformado em ícone da Pequim contemporânea, vale discuti-lo com mais profundidade. O CCTV marca o skyline da cidade, estendendo-se ao longo de uma superfície de cerca de 4.000 m². Este centro situa-se entre o terceiro e o quarto anéis viários, de modo a compor o complexo de sedes responsável por grande parte das movimentações de capital financeiro. Além de sua força plástica, com aproximadamente 240 m de altura, é responsável pela veiculação de informações em nível nacional, por meio dos canais oficiais de TV de mesmo nome, e seu programa de necessidades compreende estúdios de TV, escritórios, broadcasting e equipamentos de produção. É curioso observar que o controle de censura do Estado, executado nas transmissões televisavas, é realizado no mais emblemático edifício da atual Pequim, sede dos canais de veiculação de informação mais importantes do país. A implantação de projetos aos moldes do CCTV, sobretudo de grandes dimensões, acarreta consequências urbanas: ao ocupar quarteirões inteiros, são capazes de alterar os fluxos das pessoas. Percebe-se,

muitas vezes, que estes novos conjuntos edilícios, evidentes nas cidades genéricas de Koolhaas, não se integram ou interagem com os elementos adjacentes. Esta aparente “autossuficiência” gera um impacto direto nas cidades. Nota-se que a existência de quarteirões cercados, climatizados e independentes, por sua vasta diversidade de usos, funcionam de forma paralela à cidade. Estas verdadeiras bolhas urbanas possuem, comumente, a pretensão de se bastarem nelas próprias. Em geral, para permitir um melhor aproveitamento do solo, apresentam alta densidade, fator chave de identificação dos contrastes entre a cidade histórica e os novos modelos (BRITTO, 2013). Outra realização contemporânea merecedora de destaque é o Linked Hybrid, que se destina à demanda por habitações. Construído pela Modern Green Development Company e projetado pelo arquiteto Steven Holl, o complexo de 2009, com cerca de 220.000 metros quadrados de área, compreende oito torres de apartamentos com a variação de número de pavimento entre 14 a 21. As torres atingem até 66m de altura e são conectadas por passarelas aéreas. O projeto foi construído na atual área de Dongzhimen, destinada a usos industriais por Mao Tsé-Tung nas décadas de 1950 e 1960. A viabilização do Linked Hybrid demandou a destruição de uma fábrica existente, diante do que o arquiteto responsável afirmou: “Eu não iria trabalhar em um projeto que exigisse que as pessoas fossem transferidas”. A área em Pequim capaz de competir com as outras metrópoles internacionais é Dongzhimen. Um adeus aos modelos tradicionais. O Dongzhimen de hoje tornou-se o espaço urbano mais aprazível da cidade. A combinação de sedes empresariais, centros de negócios globais e estilos de vida materialistas e consumistas, demonstram perfeitamente a rique-


za do modo de vida metropolitano internacional. A atmosfera do alto padrão de vida é comparável a qualquer metrópole do mundo (...) (LAM 2011 apud Dangdai MOMA, n.d., 12).14

O Linked Hybrid significou uma opção para uma população crescente de classe média, ansiosa por substituir suas moradias da era de Mao Tsé-Tung. Embora uma parcela da população, composta por estrangeiros e pessoas de maior poder aquisitivo, venha restaurando e modernizando antigas casas, de modo a preservar suas características tradicionais, a maioria das famílias destina- se a novas torres de apartamentos, muitas vezes isoladas ou em condomínios fechados (PEARSON, 2010). Assim como o CCTV, muitos dos novos edifícios clamam por uma espécie de emancipação frente a preexistências, a partir da autonomia de espaços propícios a congregar habitação e paisagem, rede de negócios, centros de comércio, serviços, estabelecimentos comerciais e restaurantes, concretizando unidades quase independes da cidade. O programa dos edifícios inclui 644 apartamentos, espaços verdes públicos, zonas comerciais, hotel, cinemateca, jardim de infância, escola Montessori e estacionamento subterrâneo. Sob o pretexto de combater os atuais desenvolvimentos urbanos privatizados na China, o projeto de Steven Holl afirma criar um espaço urbano poroso do século XXI, convidativo e aberto. Nas palavras de Tat Lam (2011), trata-se da materialização do sonho de se viver de forma internacional em uma comunidade residencial metropolitana modernizada (LAM, 2011). A pretensão e o clamor pela ocupação constante por “público de todos os lados”, nas próprias descrições oficiais do projeto, no entan-

Fotos do Linked Hybrid. Fonte: autora.

to, caem na questão do isolamento desta grande parcela urbana edificada e sua falta de articulação à cidade. O programa do edifício aspira a sua concretude a partir da noção de rede, ao invés da estruturação linear, o que pode ser induzida pela composição de várias torres. “Cidade aberta dentro de uma cidade”. É assim que o Linked Hybrid é descrito por Steven Holl. “Todo o complexo é um espaço urbano tridimensional, no qual os edifícios térreos, os abaixo do solo e os acima dele estão fundidos em conjunto” (HOLL, 2009). Para Holl, “Não se trata de ser alto(...)”, “É sobre ser sustentável e fazer conexões com o contexto urbano” (HOLL, 2009). Mas de que forma estas conexões são estabelecidas? As passarelas, previstas para abrigar atividades abertas ao público, acabam representando, para alguns, uma alternativa prejudicial aos espaços públicos previstos no próprio projeto.

14 Tradução da autora.

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O Linked Hybrid, cujo objetivo conceitual seria a promoção de relações interativas e o encorajamento de encontros nos espaços públicos edificados - comercial, educacional e recreativo - no entanto, não parece ter tido êxito neste quesito, ao se mostrar restrito a um público específico, o que se evidencia na forma de seus acessos: todas as entradas apresentam guaritas e porteiros, controlando aqueles que adentram o complexo. Observa-se, portanto, que o papel de “condensadores sociais15”, conforme descrito 15 O livro de Anatole Kopp “Quando o moderno não era um estilo e, sim, uma causa” aponta o empenho político dos arquitetos modernos em relação à busca de soluções para problemas sociais, trazendo o conceito de “condensadores sociais”, sob a perspectiva de serem espaços físicos indutores de comportamen-

por Holl (2009), que resultaria em uma experiência espacial da vida urbana entre moradores e visitantes, não se dá de forma completa. Continuando a busca dos enclaves urbanos, através dos hutongs da cidade, encontra-se “um arco branco e sinuoso, com 60 metros de altura, que se enrola e se contorce no ar, conectando um aglomerado de edifícios, de forma ovalar, em um improvável salto acrobático” (WAINWRIGHT, 2013). Trata-se do Galaxy Soho, inaugurado em 2012, mais um projeto-quarteirão de concreto, alumínio e vidro, implementado na cidade. O conjunto de torres, projetado pelo escritório de arquitetura Zaha Hadid Architects, dispõe, em seus 370.000 metros quadrados, de lojas, de escritórios e de restaurantes, estando situado na área delimitada pelo primeiro anel viário da cidade. Premiado pelo Royal Institute of British Architects (RIBA), o Galaxy Soho conquistou muitos elogios dos juízes. Suas flutuantes faixas de alumínio branco e de vidro foram enaltecidas pela capacidade de “democratizar o espaço”, por meio da abertura de espaços públicos criados entre os volumes complexos. Contudo, como se dá a articulação com os demais espaços públicos pré-existentes? E como falar de democratização em um país como a China? Teria a arquitetura esse poder? Apesar das afirmações de que o projeto permite a criação de espaços públicos relacionados diretamente com a cidade, a partir de uma reinterpretação do tecido urbano tradicional e dos padrões de vida contemporâneos, os objetivos não se realizam. As aberturas interiores, que se dilatam e se contorcem, consideradas por Zaha Hadid “um reflexo da arquitetura tradicional chinesa, onde os pátios

Fotos do Galaxy Soho. Fonte: autora.

tos, capazes de operar, por si só, transformações na sociedade.


criam um mundo interno de contínuos espaços abertos” (HADID, 2012), por exemplo, destoa dos edifícios circunvizinhos, bem como sua estética singular, de difícil comparação com os elementos da arquitetura tradicional chinesa. Se, por um lado, seu gabarito se aproxima ao de alguns dos edifícios vizinhos, por outro, a dinâmica interna e seu fechamento em si próprio atribuem à construção não só exclusividade no sentido plástico, mas sua exclusividade urbana, pois se exclui das conexões imediatas com a cidade. Isso pode estar relacionado à independência que apresenta frente ao quarteirão: a enorme quantidade de restaurantes e comércios relacionados à alimentação parece suprir a demanda daqueles que trabalham nos escritórios, distribuídos ao longo das torres orgânicas interconectadas, permitindo uma dinâmica independente de seu contexto. Este funcionamento é reforçado pelo número restrito de acessos ao edifício, que se dão através de pátio entre as torres, semelhante a uma praça no nível térreo. Esta praça, local de convergência de fluxos, funciona como uma espécie de mezanino para o subsolo, parcialmente aberto, que é mobiliado, permitindo a permanência de um grande contingente de pessoas em horários estratégicos - almoço e final do expediente. A falta de interação com os arredores reafirma-se, ainda, com a existência de (ou se justifica parcialmente no fato de existir) uma estação de metrô no subterrâneo. Pode-se deduzir que a maior parte do fluxo de pessoas presente nesse complexo é devido a esta estação. O Galaxy Soho foi acusado de “destruir” o patrimônio da cidade, sob a justificativa de ter “violado várias leis e regulamentos de preservação do patrimônio”. Estas críticas foram feitas em uma carta aberta ao RIBA, de autoria da ONG –Organização

Não Governamental do Centro de Proteção do Patrimônio Cultural de Pequim. O documento afirma que o projeto “causou grandes prejuízos à preservação da antiga paisagem urbana de Pequim, ao plano urbano original, às casas tradicionais de hutong e ao estilo e o esquema de cores da arquitetura vernacular original de Pequim.”. A ONG também questionou o processo de aquisição de terras, alegando que os direitos dos residentes originais foram “grosseiramente ignorados” (WAINWRIGHT, 2013). As alegações foram rebatidas pelos arquitetos, que afirmaram trabalhar com o Instituto de Design Local (Local Design Institute - LDI), para garantir a conformidade do projeto com todos os regulamentos de construção do governo e requisitos de planejamento. Este embate faz emergir questionamentos relacionados à atribuição do simbolismo do lugar e da adequação dos espaços frente àqueles que irão, de fato, fazer uso destas edificações. Assim, mais que a imposição de uma modernidade extrínseca a uma cultura ou uma assinatura em escala urbana, a arquitetura precisa convergir para os interesses dos que com ela convivem, usam e usufruem, interagindo direta ou indiretamente com ela. Sob a perspectiva dos grandes eventos esportivos mundiais, vale a pena deter-se em uma das realizações para as Olimpíadas de 2008. Trata-se do Estádio Nacional, ou Ninho de Pássaro, que se discute considerando seus impactos e sua posterior integração à dinâmica urbana. O escritório de arquitetura Sasaki Associates foi responsável pelo planejamento do parque olímpico de 11.350.000 m², e constituído por Beijing Olympic Green e o Forest Park. Principal empreendimento, o Olympic Green abriga 13 instalações, dentre as quais, o Estádio Olímpico e o Cubo de Água, complexo de natação, desenvolvidos de acordo com lendas e simbolismos da China antiga, sob uma pers-

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Fotos do Ninho de Pássaro. Fonte: autora.

pectiva de desenvolvimento sustentável, ou design verde, como descrevem os responsáveis pelos projetos. A busca pelo senso de equilíbrio presente na cultura chinesa é justificada pelos projetistas na estruturação simétrica dos edifícios, de forma a compor um alinhamento em relação ao eixo norte-sul da capital chinesa, na mesma reta da Cidade Proibida, lugar em que, nas cerimônias de abertura dos jogos, foram apresentados fogos de artifício nas formas de pegadas gigantes (COI, 2008): era o indicativo de que a China caminhava a grandes passos do passado em direção ao futuro. Para permitir o reaproveitamento posterior dos espaços públicos, o planejamento da área olímpica buscou integrar as áreas específicas destinadas aos jogos ao Parque Florestal, tendo em vista a carência de grandes áreas verdes na cidade. Observa-se, desta forma, que a estética moderna, capaz de criar contrastes com o legado antigo da cidade foi adotada de forma proposital, para reforçar conceitos e diretrizes de uma China contemporânea. Contudo, seguindo o exemplo de outras antigas sedes dos Jogos Olímpicos, encontram-se, em Pequim, diversos

locais abandonados, a exemplo da área destinada aos jogos de beisebol e a praia artificial construída para o vôlei de praia. Os discursos de adaptabilidade dos locais e sustentabilidade das edificações ainda são questionáveis, bem como os retornos positivos de alguns edifícios de grande porte, caso do Ninho de Pássaro, projetado para ser o principal nos Jogos Olímpicos. O apelido atribuído ao estádio deve-se à associação de sua estrutura, um emaranhado de vigas de aço, a ninhos de pássaros. Além da referência formal, associa-se ao estádio a ideia de incubadora para o futuro chinês, assinalando a prosperidade do país. Seguindo a lógica das grandes obras implementadas em Pequim, o estádio exigiu a eliminação de uma parcela significativa da antiga cidade, configurando-se como prática comum na renovação da cidade. Outro edifício causador de polêmicas em relação a sua construção é o Centro Nacional de Artes (National Centre for the Performing Arts - NCPA). Constituído em uma cúpula elipsoidal de titânio e vidro, rodeada por um espelho d’água, é capaz de acomodar 5.400 pessoas em


três salas, o Opera Hall, para óperas, balés e danças; o Music Hall, para concertos e recitais; e o Theater Hall, para peças teatrais. O conjunto apresenta, em sua totalidade, cerca de 12.000 m². Localizado a oeste da Praça da Tiananmen, nas proximidades da Cidade Proibida, o NCPA teve como principal argumento favorável à sua implementação a própria diferença: o arquiteto Paul Andreu, após reconhecer o valor da arquitetura tradicional chinesa, assumiu a plasticidade de sua obra como forma de reafirmar os benefícios provenientes das relações de contraste urbano, justificando as curvas envidraçadas de sua proposta. Segundo o arquiteto, as

ncpa

NINHO DE PÁSSARO

diferenças complementam e destacam ambas as edificações. Os exemplos de arquitetura apresentados indicam como as paisagens das cidades contemporâneas asiáticas traçam um eixo comum às suas modernizações. Pequim transforma-se em ritmo acelerado e aproxima-se das grandes cidades deste continente, Hong Kong, Xangai, Cingapura, para lembrar algumas. Nelas a tensão entre tecidos históricos e nova arquitetura, à medida que se atualizam, tende a diminuir, podendo mesmo ser eliminada, à medida que os seus bairros históricos são alvos de constantes destruições.

LINKED HYBRID

GALAXY SOHO

CCTV


conclusão A

distância entre mundo ocidental e oriental não se dá apenas em termos geográficos. É verificada, também, nas questões culturais, sociais, políticas. Trata-se, literalmente, do outro lado do mundo. Por isso, ao meu ver, contemplar o tema cidades genéricas, a partir da perspectiva da cidade de Pequim, sem ter vivência da cidade, mesmo que breve, deixaria o trabalho incompleto. Dessas reflexões, surgiu a necessidade de experimentar a cidade. Após estudos sobre as cidades globais e demais leituras de referências, caderno à mão e muitas expectativas, segui rumo à China. Malas prontas, em 27 de julho de 2017, estava preparada para meu primeiro contato com o país. Acreditava que minha viagem responderia a meus questionamentos. Grande parte das questões pôde ser confirmada, entretanto, ao final

desta experiência, mais perguntas surgiram, abrindo a possibilidade para novas investigações. A viagem à cidade de Pequim proporcionou o contato com os enclaves escolhidos e considerados como bolhas urbanas e a constatação empírica dos tão recorrentes contrastes urbanos. Suas escalas grandiosas, quase sempre contrastantes com o entorno imediato, as tornam ainda mais notáveis, mesmo em meio às silhuetas cinzentas de poluição da cidade. Talvez este seja um dos fatores que conforte os responsáveis por projetos de tamanho impacto no cenário de Pequim: a pouca visibilidade decorrente do smog16 de uma cidade com índices de poluição do ar alarmantes. Talvez as máscaras, que co16 Smog pode ser entendido como poluição atmosférica; é a junção das palavras smoke (do inglês, fumaça) e fog (do inglês, nevoeiro).


brem narizes e bocas, não precisem tapar os olhos, já cegos pela busca incessante e veemente de uma realidade “modernizadora”. As demandas por edificações com características que remetam à tão aclamada modernidade são inquestionáveis em uma cidade que cresce a níveis anuais surpreendentes, e que se ratifica, teórica e empiricamente, como uma cidade global. Com seus 23 milhões de habitantes registrados, inúmeras sedes transnacionais, edifícios coorporativos, indústrias, e sendo um importante polo cultural e turístico, a capital da China elabora sua interface com o Ocidente. A abertura da economia chinesa para o mundo implicou também sua adaptação às lógicas que regem as cidades capitalistas. A cortina de ferro abrandou-se, a presença de estudantes e executivos estrangeiros, as grandes corporações e suas sedes performáticas são os sinais mais visíveis destas transformações. Pequim apresenta-se de fato como um produto de uma nova China. Entretanto, a destruição de um legado milenar não parece se justificar convincentemente na modernização da capital chinesa. Embora se esteja diante de um país oriental, a lógica das modernizações é semelhante àquelas experimentadas na grande maioria das cidades ocidentais. Há de se recorrer a Marshall Berman, quando associou as forças econômicas modernizadores à figura de Fausto17 (BERMAN, 1986). O personagem de Goethe não oscilava em destruir, aniquilar, velhas práticas ou formas de vida para sustentar suas ações modernizadores, por isso mesmo elas são caracterizadas 17 Personagem da obra de mesmo nome, do poeta alemão Goethe, baseada em uma lenda medieval, o Fausto goethiano, ao almejar ao progresso, acaba alienado às práticas cegas, incapaz de medir as consequências de seus atos.

como destruição criativa. Esta mesma lógica está implícita na dinâmica da cidade genérica de Rem Koolhaas: quando um edifício ou parte da cidade perde sua função (KOOLHAAS, 2010), não se hesita em sobre eles fazer agir os bulldozers18. Pequim parece passar por um processo de continuidade ao programa iniciado por Mao Tsé-Tung, durante a Revolução Cultural. Como uma grande releitura das medidas tomadas por Mao, o por assim chamar “Grande Passo à Frente Contemporâneo”, parece ir na mesma direção que o histórico, ao destinar pouca - ou, por vezes, nenhuma - preocupação em relação à cultura preexistente. A “destruição das velharias” ocorre aos poucos, ora de forma mais explícita, ora nas entrelinhas, embora, quase sempre, com o consentimento da população entusiasmada com as renovações: um legado, preservado, cultivado e mantido durante milênios, se perde a ritmos tão acelerados quanto quaisquer outros fenômenos urbanísticos na China. Os edifícios históricos não parecem simbolizar mais o homem contemporâneo, ao menos, o de Pequim. No denso trânsito da cidade, em deslocamento da parte central para a visita ao Centro Olímpico, o paulatino afastamento da Cidade Proibida tornava a ocorrência de edifícios envidraçados mais frequente a cada esquina. Ao passar pelo CBD, verdadeira selva de vidros, edifícios são construídos a ritmos assustadores e o marco urbano da cidade, o CCTV, conta com a presença de vizinhos que, com ele, disputam os holofotes. Quanto mais se distancia dos primeiros anéis da cidade, mais raras são as ocorrências de objetos arquitetônicos tradicionais. Depois de certo ponto, eles próprios tornam-se mi-

18 São tratores movidos a partir de esteiras, usados para empurrar grandes quantidades de materiais e entulhos.

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núsculas bolhas urbanas, envolvidas por uma trama urbana moderna. A estratificação de camadas temporais e as sobreposições de arquiteturas, atualmente parecem passar por uma espécie de inibição do que é antigo. As edificações preservadas parecem perder seus pesos simbólicos cada vez mais, enquanto o turismo os transforma em locais de visitação, com detectores de metais nas portas, raios X para as bolsas e mochilas, placas de no flash photography. A transformação dos hutongs é um bom exemplo para entender a perda de significado das partes históricas da cidade. Sem tanta visibilidade quanto outras construções, os bairros antigos da cidade, nos quais se encontram, hospedam, hoje, carrinhos atrelados a bicicletas, com guias que pedalam e proporcionam um “tour” pelo local. Porém, a desassociação do valor histórico nos hutongs não se encerra nos roteiros turísticos. Existem também os gentrified hutongs19, denominação dada pelos habitantes da cidade. Estes espaços passam a abrigar, através de reformas, restaurantes, bares, cervejarias artesanais e pequenas lojas, que 19 Uma alusão ao fenômeno de gentrificação, que ocorre nos hutongs antigos da cidade de Pequim, sob a justificativa de requalificar o espaço urbano.

atraem o público, sobretudo jovem. Não falta, à Pequim, a versão contemporânea de hutongs, construídos com materiais semelhantes, porém esteticamente melhorados, supostamente “como os hutongs deveriam ser originalmente”. Com grande visibilidade na cena arquitetônica contemporânea, o novo, proveniente das construções chinesas, cujos extravagantes projetos refletem a presença do star system da arquitetura, parece ter como grande objetivo sustentar seus estúdios, a partir de sua arquitetura, que destoa de seu contexto urbano imediato, juntamente à desarticulação histórica, que contribuem para o imaginário de uma Pequim que caminha para a perda de sua característica mais singular: ela própria. Assim, pode-se entender que a vulgarização deste tipo de arquitetura, que deveria ser marco característico de um recorte específico de cidades, vem perdendo a força. O que, antes, era um traço definidor de uma identidade, hoje, é uma marcação de aspectos da cidade genérica, de um não lugar, que se explica na vaga justificativa de que esta nova arquitetura poderia se tornar símbolo da construção de uma identidade comum, do homem contemporâneo. Um cidadão sem pátria. Seria isto possível?


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Ilustração de um hutong. Fonte: Liuba Draws.

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CIDADES GENÉRICAS

PEQUIM

UM PONTO PRIVILEGIADO DE OBSERVAÇÃO


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