Dossie Charlotte Brontë

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Charlot e Brontë ¨



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Durante um semestre nos dedicamos a pesquisar informações como biografia, recepção da crítica, produção literária, presença em periódicos, teses, entre outros conteúdos a respeito da escritora inglesa Charlotte Brontë. Trazemos como resultado o presente dossiê, realizado na disciplina Pesquisa XII: Historiografia Literária I, ministrada pela professora Márcia Azevedo de Abreu, na Universidade Estadual de Campinas. Esperamos que aproveite a leitura,

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Beatriz Gregório Mariana Godoy Nayara Andrade Araujo

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Índice Biografia ........................................................................... 6 Charlotte Brontë: o nome por trás de Currer Bell

As Irmãs Brontë .............................................................. 7 A escrita como característica de família

Linha do Tempo dos Romances .................................. 8 Cronologia dos romances da autora

Brontë em Números ...................................................... 10 Edições e Traduções das obras da autora

Recepção no século XIX ................................................ 12 O que pensavam os críticos contemporâneos a Brontë

Jane Eyre .......................................................................... 15 O best-seller de Charlotte Brontë

Opiniões notáveis .......................................................... 19 Charlotte Brontë x Jane Austen ................................. 20 Uma comparação recorrente

Presença nos séculos XX e XXI ................................... 22 Críticas e estudos sobre a autora

O Feminismo em Charlotte Brontë ........................... 24 Características

Adaptações de Jane Eyre.............................................. 26 Uma abordagem contemporânea

Produtos inspirados nas obras................................... 29 Literatura: arte ou mercadoria?

Conclusão ....................................................................... 31 O caráter imortal de Charlotte

Referências bibliográficas ........................................... 33


Biografia Mais tarde, uma de suas irmãs publica sua segunda obra usando também um pseudônimo, mas o livro é anunciado como sendo do mesmo autor de Jane Eyre. Charlotte Brontë então precisa se encontrar com seu editor para resolver o mal entendido, e por consequência, revela sua identidade feminina – e não a masculina como todos acreditavam ser.

Charlotte Brontë foi uma escritora inglesa nascida na cidade de Bradford em 21 de abril de 1816. Recebeu sua educação em um colégio interno religioso e, aos 15 anos, já se dedicava a ensinar suas irmãs. Talvez por isso tenha decidido ser professora, indo para Bruxelas estudar francês. Lá, se apaixonou por um homem casado, mas não foi correspondida; o fato a inspirou a posteriormente escrever seu primeiro romance, The Professor. Desde muito jovem Brontë costumava escrever histórias sobre um lugar que ela mesma inventara – um país chamado Angria – juntamente com seu irmão. Em 1847, Charlotte publica – sob o pseudônimo de Currer Bell – seu primeiro livro, intitulado Jane Eyre e originalmente dividido em três volumes.

Devido ao grande sucesso da obra, Charlotte é convencida por seu editor a visitar Londres ocasionalmente, onde a escritora começa a frequentar um círculo social mais movimentado, fazendo amizade com Harriet Martineau, Elizabeth Gaskell, William Thackeray e G. H. Lewes (outros autores expressivos da época).

Em um intervalo de poucos meses, Brontë perde suas duas irmãs escritoras, entrando em um período de forte luto. Então, no ano de 1854, ela se casa com Arthur Bell Nichols, e logo está esperando um bebê. Não muito tempo depois, Charlotte Brontë pega pneumonia e, ao recusar tratamento, ocasiona sua morte e a de seu bebê, provavelmente por desidratação.

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As irmãs Brontë A

ssim como Charlotte, suas irmãs Anne e Emily também começaram a escrever muito cedo. Na época em que viviam, literatura não era algo considerado apropriado para mulheres,

por isso o uso de pseudônimos no primeiro livro publicado pelas irmãs: Poems by Currer, Ellis and Acton Bell (1846) que vendeu apenas duas cópias. Em uma citação Charlotte justifica o uso dos nomes fictícios, dizendo que: “Não gostávamos da ideia de chamar a atenção, por isso escondemos os nossos nomes por detrás dos de Currer, Ellis e Acton Bell. A escolha ambígua foi ditada por uma espécie de escrúpulo criterioso segundo o qual assumimos nomes cristãos, claramente masculinos, já que não gostamos de nos declarar mulheres, uma vez que naquela altura suspeitávamos que a nossa maneira de escrever e o nosso pensamento não eram aqueles que se podem considerar 'femininos'.” O que mostra a luta das três irmãs para conseguir um lugar na literatura o século XIX apesar de serem mulheres. De qualquer forma, isso não abalou o desejo das irmãs de se tornarem escritoras, e em 1847 – após alguns meses tentando achar uma editora – as três publicam seus primeiros romances; sendo o de Anne Agnes Grey, o de Emily O morro dos ventos uivantes e o de Charlotte Jane Eyre. As críticas dos livros foram inicialmente negativas ou indiferentes, porém logo Currer e Ellis Bell alcançaram um grande número de vendas, enquanto Acton seguiu no quase anonimato.

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bLinha do tempo Jane Eyre -1847 Jane Eyre narra a história de vida da heroína homônima. Quebrando paradigmas e criticando a realidade vitoriana da época, Jane Eyre desafia o destino imposto às mulheres e as posições sociais que elas deveriam ocupar. Recheado de características góticas, o romance possui personagens inesquecíveis e transformadores, como a figura do misterioso Rochester, patrão de Jane e peça vital da narrativa.

1816

1847

1849

Shirley - 1849 No começo do século XIX, a Inglaterra enfrentava pelo menos duas guerras: a externa, contra Napoleão e suas tropas, e a interna, com a 2ª revolução industrial a causar desemprego e revolta entre os operários, muitos se voltando contra os teares mecânicos para destruí-los. É neste pano-de-fundo que Charlotte Brontë situa o seu 2º romance, usando o conflito entre os donos das fábricas e os operários como uma das alavancas da história.

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dos Romances b Villete - 1853 Numa Inglaterra rural, uma jovem vitoriana parte numa viagem com destino à França e acaba na cosmopolita Villette, num internato de meninas ricas. Tímida, Lucy, vive situações difíceis no internato repleto de atraentes jovens burguesas. Sua inteligência e perspicácia são notadas por dois homens, doutor John e Monsieur Paul. A obra, que é recheada de outras histórias, todas entrelaçadas entre si, traz a luta pelo amor de um homem e a perseguição cruel de uma mulher.

1853

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1857

O Professor - 1857 Primeiro livro escrito mas o último publicado, O Professor de Charlotte Brontë é baseado em suas experiências como estudante de línguas, em Bruxelas, em 1842. Contada sob o ponto de vista de William Crimsworth, a obra formulou uma nova estética que questionou muitos dos pressupostos da sociedade Vitoriana. O herói de Brontë escapa de um trabalho humilhante em uma fábrica de Yorkshire e vai para Bélgica procurar trabalho como professor. Lá ele se apaixona por uma estudante/professora pobre, que é talvez a mais realista e feminista heroína da autora.

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Brontë em Números s gráficos apresentados a seguir são referentes aos dados encontrados sobre as edições e traduções das obras da autora no período de 1816 (seu nascimento) até 1914 (fim do grande século XIX). No primeiro gráfico podemos ver a quantidade de edições para cada obra de Charlotte em língua original (inglês), sendo que seu best-seller alcançou o número surpreendente de 167 edições em um século. O segundo gráfico representa o número de traduções encontradas para cada livro, e novamente Jane Eyre ocupa o primeiro posto. É interessante notar que apenas essa obra foi traduzida para o português, tendo uma edição publicada em Portugal no ano de 1880. Outro fato curioso é que foram encontradas diversas edições em alemão – que não constam nos gráficos pois o idioma não estava proposto nas etapas de pesquisa. O último gráfico traz o número de obras que foram publicadas em cada língua, e tanto em inglês quanto em francês os quatro romances de Brontë foram publicados.

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Recepção no século XIX N

a Europa, as análises da obra de Brontë foram, em um primeiro momento negativas; isso porque a autoria do livro era questionada, principalmente com relação ao grande sucesso da obra entre os leitores de massa – era inconcebível que um autor até então desconhecido exercesse tamanha influência de forma tão rápida. Além disso, às mulheres não era permitido “enveredar pelos caminhos selvagens da expressão exuberante de sentimentos apaixonados, vistos como pouco nobres.

As pesquisas em periódicos nacionais e internacionais renderam excertos de críticas, menções, anúncios de livros e até mesmo de peças de teatro adaptadas das obras da autora. Foi interessante perceber através de comparações com anúncios de outros produtos encontrados – qual era o custo de um livro na época, e consequentemente qual era o público alvo, ou as pessoas que realmente tinham acesso a esse tipo de material. Como pudemos constatar, apenas os mais ricos podiam desfrutar de um bom livro na Era Vitoriana.

Se Currer Bell “era uma mulher, que tipo de mulher poderia ser?” Tudo devia ser calmo, tranquilo e suave como a própria imagem de mulher que a sociedade vitoriana produzia e cultuava”. Por isso, houve duras críticas ao estilo de escrita de Brontë; leitores e críticos se questionavam se Currer Bell “era uma mulher, que tipo de mulher poderia ser?”. Com o tempo, Brontë foi ganhando nome entre os críticos, e não só Jane Eyre como suas obras seguintes (Shirley e Villete) vieram a receber boas avaliações tanto do público em geral – que seguia a apreciar o trabalho da autora – quanto das editoras e pessoas influentes nas opiniões de leitura.

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No Brasil a autora teve pouca expressão, principalmente no início e meio do século XIX. Apenas algumas menções foram encontradas no final do século o que faz sentido, já que a primeira edição de um livro de Brontë no Brasil foi lançada não antes de 1914 (a data exata não consta).

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Anúncio da morte da autora, antes mesmo de sua primeira publicação no Brasil. A Reforma, 1 de junho de 1869. Doação de Jane Eyre, coleção pessoal. Gutenberg, 17 de novembro de 1908.

Anúncio da peça de teatro de Jane Eyre. Anúncio da obra Jane Eyre. The Burnley Post, 18 de janeiro de 1890

A autora era conhecida como Carlota em português. Pacotilha, 1 de março de 1904.

“Haviam autores populares contemporâneos a Brontë também, que agora são conhecidos apenas por estudantes de Literatura.” – Charlotte Brontë, a Monograph, 1877. Tradução Livre.

Nem sempre as críticas eram sobre a escrita. Revista vida doméstica, 1915.

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“”Não sou um pássaro, e não fui presa em uma armadilha. Sou um ser humano livre com minha vontade independente, que ora exerço para deixá-lo.” – Jane Eyre


Jane Eyre O best-seller de Charlotte Brontë – tanto na sua época quanto nos dias atuais – é Jane Eyre. A ambientação do livro é sombria, com clima de mistério e muitos acontecimentos que podem levar o leitor a imaginar que algo sobrenatural está por vir. Essas são características típicas da literatura gótica, porém, segundo critérios formais para divisão de períodos literários, o romance não estaria inserido nessa categoria; isso atesta o fato de que os parâmetros normalmente utilizados – como datas de início e fim ou obras fundadoras de movimentos – são muitas vezes restritivos, deixando de englobar livros que têm o mesmo perfil e levando a crer que nada do que foi escrito antes ou depois se encaixa nas especificações pretendidas. Narrada em primeira pessoa sob a forma de uma autobiografia, a história começa na infância da personagem-título que, uma vez órfã, foi deixada sob a tutela do irmão de sua mãe – o Sr. Reed –, passando a morar com ele, sua esposa e seus três filhos. Após a morte de seu tio, a menina fica sob os cuidados da Sra. Reed, sua tia. As primeiras memórias da narrativa são de Jane aos dez anos, sofrendo com os constantes maus tratos por parte de seus parentes e empregados da casa em que vivia. Devido a essas relações conturbadas, Jane Eyre é mandada ao colégio interno Lowood, onde vive por seis anos como aluna e mais dois como professora. Descontente com sua vida, desejando novas experiênci-

as e contato com o mundo além dos muros de Lowood, Jane decide procurar outro emprego e é então contratada como preceptora em Thornfield Hall. Lá, sua tarefa era cuidar da educação de Adèle, uma criança protegida pelo dono da propriedade, Edward Rochester. Desde o início Jane sente afeição pela menina, mas o mesmo não pode ser dito da sua opinião a respeito de seu patrão, que se mostra um homem frio, distante e misterioso. Com o tempo, os dois começam a se aproximar e desenvolvem uma tímida amizade, que logo se transforma em paixão por parte de Jane Eyre. Porém, ela acredita que o Sr. Rochester tem intuito de casar-se com outra mulher, que é descrita no livro como extremamente bela, ao contrário da protagonista, retratada como uma pessoa feia – o que não era (e talvez ainda hoje não seja) uma característica esperada para uma personagem principal. As intenções matrimoniais, no entanto, eram demonstradas de forma proposital pelo Sr. Rochester, que mais tarde revela que tudo fora um plano para despertar o ciúme e interesse de Jane, visto que o próprio também nutria uma paixão por ela. Ele então a pede em casamento e o pedido é aceito. Na condição de futuro marido, Edward Rochester tenta mudar a maneira que Jane Eyre se veste e bem como deseja que ela pare de trabalhar.

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Ela, por sua vez, se esforça para manter sua individualidade, suas convicções e princípios, deixando claro que quer casar-se por amor, sem a dominação do marido e ter sua independência financeira. Aqui vemos uma das principais características da escrita de Brontë: a crítica ao papel submisso da mulher no casamento e, principalmente, na sociedade vitoriana; além da importância da liberdade da mulher em fazer suas próprias escolhas, qualidades que faziam a obra da autora ser tida como transgressora na época.

Sr. Rochester teve conhecimento que a esposa era mentalmente instável e violentamente insana. Não podendo mais suportar suas crises, ele a levou para Thornfield Hall, trancou-a no sótão sob os cuidados de uma enfermeira e passou a viver como se nunca tivesse se casado. Jane então compreende que era Bertha a causadora de todos os acontecimentos estranhos na propriedade, e não Grace Poole (enfermeira da esposa de Edward), como antes havia pressuposto. Ela ouvira toda a explicação impassível, sem dizer uma palavra, então, não acreditando em sua má sorte, decide partir, pois não pode casar-se com um homem já casado, e muito menos ser sua amante – a Jane, como antes já dito, prezava por seus princípios e sua moral, o que tornaria o fato inaceitável. No seu caminho para longe de Thornfield Hall, a protagonista consegue carona em uma carruagem por um preço acessível e, depois de ser deixada já bem distante, ela se vê sem dinheiro algum.

Desde que chegara a Thornfield Hall, Jane notara episódios um tanto estranhos: gritos vindos do sótão, um incêndio misterioso no quarto de Sr. Rochester, um ataque inexplicável a um hóspede do castelo. Tudo isso despertara desconfianças por parte da protagonista, que apenas se intensificaram com a proximidade do casamento, quando ela percebe a presença de um desconhecido em seu quarto e, posteriormente, encontra seu véu de noiva rasgado. Ao revelar seus temores ao noivo, ele nega a possibilidade de a situação ter sido real, dizendo que tudo não passara de um sonho; mas Jane segue desconfiada.

Cansada, com muita fome e sendo constantemente confundida com uma mendiga, Jane Eyre vagueia atrás de um lar para passar a noite e alimentar-se, mas é sempre rejeitada. Já quase sem forças, ela finalmente consegue convencer as moradoras de uma pequena propriedade (Diana e Mary Rivers) a alimentá-la e deixar que ela dormisse em sua casa por uma noite. Essa única noite acabou se transformando em dias, pois Jane se adaptara ao convívio com as irmãs, e até mesmo com o irmão delas, o pároco St. John Rivers, que parecia não gostar muito da jovem.

No dia do casamento, todos estão felizes e tudo corre bem. Porém, no momento da cerimônia, um homem que Jane desconhece surge dizendo que a união não poderia acontecer, visto que Rochester já era um homem casado. O noivo então explica que é marido de Bertha Mason, mulher de grande beleza que ele havia conhecido nas Índias Ocidentais. Por um plano de seus familiares, os dois se casaram rapidamente e, só depois de consumado o casamento,

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Depois de um bom tempo como hóspede, Jane Eyre descobre que é prima de Diana, Mary e St. John, o que para ela é uma notícia extremamente agradável, visto que a protagonista nutria muito carinho por aqueles que a haviam acolhido em um momento de necessidade e a tratado tão bem em sua estadia. O pároco oferece a Jane um cargo como professora na escola da vila, e ela aceita. O emprego consistia em educar crianças tidas como “difíceis de lidar”, o que era bastante desafiador para ela. Certo dia, uma carta destinada a Jane Eyre chega e, com ela, uma surpreendente notícia: John Eyre, um tio distante, morrera e deixara para ela uma grande fortuna como herança. Jane vê-se, de um momento para o outro, extremamente rica. Contudo, a protagonista não acredita que deva ficar com tanto dinheiro apenas para si e decide dividir igualmente a quantia entre ela e seus primos. St. John tinha planos de ser missionário na Índia e, em vários momentos, insistira para que Jane se casasse com ele, pois seria a esposa perfeita para auxiliá-lo nesse encargo. Ela, no entanto, rejeita a proposta, visto que não queria viver um casamento em que não houvesse amor. Já havia algum tempo que Jane vinha tentando ter notícias de Edward Rochester, mas não conseguia obter nenhuma informação. Ela então decide ir a Thornfield Hall, e quando chega, Jane Eyre depara-se com uma

propriedade totalmente devastada. Sem saber o que tinha acontecido, procura um empregado do castelo para maiores explicações, e esse, sem reconhecer a antiga preceptora de Adèle, explica que Bertha Mason havia colocado fogo na casa, destruindo-a completamente. Quando o Sr. Rochester percebera o incêndio, fizera com que todos evacuassem o castelo; entretanto, sua esposa não saíra, fazendo com que ele entrasse novamente no edifício para salvála, mas ela optara pelo suicídio, atirando-se do alto do castelo. O ato heroico resultara em alguns ferimentos em Sr. Rochester, assim como na perda de sua visão. Extremamente comovida com o acontecimento, Jane Eyre pede ao empregado o endereço da propriedade onde seu patrão está e vai ao seu encontro. Chegando ao local, Jane depara-se com uma casa feia, com aparência abandonada, e fica muito tempo do lado de fora pensando em como agir. Quando finalmente os dois estão frente a frente, a jovem começa a falar e o antigo patrão e noivo, exultante, reconhece sua voz. Edward não esquecera a moça, e ela tampouco o havia esquecido; o casal então se reconcilia, se casa e, um tempo depois, nasce seu primogênito. Nesse momento, o leitor descobre que a autobiografia fora escrita dez anos após o casamento de Jane Eyre e Sr. Rochester.

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Opiniões Notáveis Segundo Márcia Cavendish (1996): “Jane Eyre entusiasma os editores e sua publicação é feita antes dos de suas irmãs. Embora a heroína tivesse chocado a sociedade vitoriana, consta que a própria rainha Vitória leu com entusiasmo este livro”. Rainha Vitoria

Em de 14 de setembro de 1849, enquanto estava preso, o escritor russo Fiódor Dostoiévski escreveu uma carta a seu irmão Mikhail agradecendo, entre outras coisas, pelos livros que este o enviou. Referindo-se a Jane Eyre, o escritor diz que "nos Anais da Pátria (revista que publicou o romance de Brontë em capítulos) há um romance muito bom. Mas a comédia de Turguêniev é inconcebivelmente ruim".

Fiódor Dostoievski

Por influência do editor de Brontë, as duas se tornaram amigas e, além de ser uma grande admiradora da obra de Charlotte – afinal ela fora uma das primeiras a ter acesso a Jane Eyre –, Elizabeth Gaskell também foi responsável por escrever uma biografia da autora, após sua morte. Elizabeth Gaskell A renomada escritora inglesa fez uma breve comparação entre Brontë e Jane Austen, principalmente a respeito da forma como a insatisfação em relação ao do papel da mulher é colocada nos livros. Para ela, Charlotte Brontë deixa de focar em sua história para advogar em causa própria – ou seja, utiliza sua personagem para expressar sua revolta e indignação e não a deixa agir, ao contrário de Austen e também de sua irmã Emily Brontë.

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Virginia Woolf


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harlotte Brontë era, e ainda é, constantemente comparada pelos críticos à escritora Jane Austen, apesar de não serem contemporâneas – Brontë nasceu apenas um ano antes da morte de Austen. Um exemplo dessa comparação pode ser visto em correspondências que a escritora trocava com George Henry Lewes, um importante crítico da época. Lewes, ao avaliar a obra de Charlotte Brontë, considera sua escrita melodramática, e sugere que ela adote Jane Austen como modelo, escrevendo com mais calma e moderação. Brontë se mostra ofendida com a comparação, dizendo não entender o gosto por Jane Austen, e que a considera uma boa observadora – por retratar bem a sociedade inglesa – mas não uma boa escritora. Ela também a julga uma pessoa sem sentimentos, fato que é reiterado a cada vez que manifesta sua opinião a respeito de Austen. Outros comentários ácidos então presentes nas diversas cartas que Charlotte Brontë trocava com amigos, e revelam os dois romances lidos por ela: Emma e Orgulho e Preconceito.

Segundo a escritora de Jane Eyre, Jane Austen era uma mulher incompleta e desprovida de sensibilidade; considerava seus livros enfadonhos, sem espaço para paixões ou sentimentos ardentes. Para que o leitor entenda melhor o teor dessas comparações, traçamos um paralelo entre as duas autoras. Ambas escritoras inglesas, Charlotte Brontë e Jane Austen foram revolucionárias para suas épocas, considerando o fato de que não era adequado a uma mulher escrever. Outro aspecto comum foi que Austen e Brontë se dedicaram a construir heroínas femininas, a retratar a mulher na sociedade e a criticar o papel imposto a ela. Também as duas faziam fortes críticas aos casamentos arranjados e sem amor, que eram ainda muito comum na sociedade. As semelhanças entre elas são breves, diferentemente de suas diferenças, que serão o objetivo maior dessa comparação, apresentada a seguir:

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Estilo da Escrita J: polida e contida, descreve sentimentos de maneira reservada e sutil, sem espaço para excessos; utiliza-se do bom humor e da ironia

C: passional, sentimental, descreve paixões e sentimentos profundos; muitas vezes melancólica e sombria

Linguagem C: direta e acessível

J: rebuscada e sofisticada

Críticas C: diretas e escancaradas “Tem-se a crença de que as mulheres, em geral, são bastante calmas, mas as mulheres sentem as mesmas coisas que os homens. [...] É um pensamento estreito dos seres mais privilegiados do sexo masculino dizer que as mulheres precisam ficar isoladas do mundo para fazer pudins e cerzir meias, tocar piano e bordar bolsas.” - Jane Eyre

J: utiliza-se de ironias e sarcasmos “Sobretudo a mulher, quando tem a desgraça de conhecer alguma coisa, deve escondê-lo o máximo possível. Embora para a maior e mais frívola parte do sexo masculino a imbecilidade aumente em muito os encantos pessoais femininos, há uma parte deles, razoável e bem informada, que deseja algo mais na mulher do que a ignorância”. - A Abadia de Northanger

Destino das personagens J: sempre apresentam um final feliz, que culmina no casamento; não lidam com grandes provações ou acontecimentos trágicos em suas trajetórias

C: apesar de apresentarem um final feliz, este nunca é completo; a trajetória é tortuosa e repleta de provações

Pseudônimos C: masculino – Currer Bell

J: anônimo – “A Lady”

Curiosidade: a Editora Companhia das letras lançou recentemente o livro Juvenília - reunião de textos escritos na juventude de Jane Austen e Charlotte Brontë. 21


Presença nos séculos XX e XXI

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iante das pesquisas realizadas, concluiu-se que Charlotte Brontë foi – e ainda é – uma escritora bastante retomada e estudada nos séculos que seguiram ao seu tempo. Um padrão importante observa-

do foi que a grande maioria dos escritos sobre a autora atualmente envolvem a escolha de um tema específico, e as obras ou características relevantes são abordadas a partir disso. Também pode-se perceber que Charlotte Brontë é uma autora amplamente estudada no Brasil, com diversos artigos e teses de mestrado e doutorado publicados por universidades em todo o território. Esse fato mostra a expressividade da escritora no meio acadêmico, já que mesmo não sendo brasileira, ainda assim é objeto de vários estudos. A maioria dos artigos encontrados destaca seu best-seller, Jane Eyre. Temas recorrentes são a educação, comparações entre as irmãs Brontë, feminismo e consequentemente o estudo da posição da mulher na sociedade e a maneira inovadora como ela é tratada nos romances brontëanos, característica criticada na época em que os romances foram publicados; como pode ser visto abaixo.

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Brontë na internet

Charlotte Brontë é pop. Na rede social Skoob, seu perfil possui mais de 11 mil leitores e sua nota é altíssima: 4.8. Em comparação a sua irmã Emily Brontë ela perde, pois essa tem 113.470 leitores e 1.456 seguidores; Anne Brontë, por sua vez, perde feio: pouco menos de dois mil leitores e apenas oitenta e sete seguidores.

Já no Facebook, as coisas mudam: Charlotte Brontë possui um pouco menos de um milhão de curtidas, Emily tem 886.951 enquanto a página de Anne é mesclada com a da Wikipédia e só foi curtida por 227 pessoas.

Os admiradores de Charlotte Brontë (e das outras irmãs) ainda se fazem presentes de outras formas: há um site totalmente dedicado às irmãs Brontës e suas obras, o Leituras Brontëanas (leiturasbronteanas.wordpress.com). Além disso, Charlotte Brontë também está no YouTube: uma fã da autora criou uma web série adaptando o livro Jane Eyre para o mundo de hoje (ver seção Adaptações de Jane Eyre)

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O feminismo em Charlotte Brontë Durante as últimas décadas, o meio acadêmico examinou a obra de Charlotte Brontë a partir de diversas perspectivas. Nos anos 1970, a análise voltou-se principalmente para os aspectos feministas presentes em seus romances (com maior ênfase em Jane Eyre); essa leitura contribuiu de maneira significante para a inserção deste livro e de sua autora no cânone da escrita feminina ocidental. Um primeiro aspecto a ser analisado pode ser o uso de pseudônimos masculinos. Em 1846, junto com suas irmãs Emily e Anne Brontë, Charlotte publicou um livro de poemas utilizando-se do nome Currer Bell. No ano seguinte, quando da publicação de Jane Eyre, a autora continuou se escondendo atrás deste nom de plume, visto que suas maneiras de escrever e seus pensamentos “não eram aqueles que se podem considerar femininos”. Brontë justifica esse uso dizendo que possuía “a vaga impressão de que as escritoras são por vezes olhadas com preconceito” e que tinha “reparado como os críticos por vezes as castigam com a arma da personalidade e as recompensam com lisonjas que, na verdade, não são elogios”. Diz-se muito que a literatura de Brontë é transgressora, quase revolucionária para a época, uma vez que ela concebeu grandes protagonistas femininas de perso-

personalidade forte, que sabem o que querem e correm atrás de seus sonhos Entretanto, muito da moral vitoriana – e cristã – está presente em sua obra. A autora construiu personagens qe queriam a liberdade de escolher seus destinos, à exemplo de Jane Eyre, a heroína do romance homônimo, que desejava casar-se, mas com o homem que ela escolhesse e amasse. Brontë não criou mulheres estereotipadas, como “a boa moça”, submissa e sem desejos, mas também não há a feminista radical.

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assim como seu amado Sr. Rochester, um homem de quase quarenta anos que não era exatamente agradável aos olhos. Durante muito tempo, o único destino profissional aceitável para uma mulher era ser preceptora (ou seja, uma pessoa responsável pela educação de uma criança ou adolescente); entretanto, essa era uma profissão extremamente mal vista. A própria Brontë, em uma carta para sua irmã Emily datada de 1849 escreve que: “A preceptora particular não tem existência, não é considerada como ser vivo e racional, exceto em relação aos deveres enfadonhos e cansativos que tem que cumprir. Enquanto está ensinando, trabalhando e divertindo as crianças, tudo bem, mas se rouba uns momentos para ela, torna-se incômoda” (GASKELL, 1975:187-8). Ao criar uma personagem que deseja trabalhar para ter sua independência financeira, mesmo que em uma profissão julgada pela sociedade, Charlottë Brontë deixa claro seu posicionamento a respeito da liberdade de escolha da mulher, bem como a necessidade de ela tomar as rédeas da própria vida.

Além de criar personagens fiéis a seus princípios e desejos, Charlotte Brontë revoluciona ao nos apresentar uma personagem uma personagem com paixões e desejos sexuais considerado um escândalo para a época, onde as mulheres não podiam demostrar esse tipo de vontade. As personagens femininas de Brontë também estão sempre questionando seu papel na sociedade, desejando mais espaço e maior controle sobre suas próprias vidas, sem o subjugação de nenhum homem. Apesar de possuir pensamentos a frente do seu tempo, a personagem Jane Eyre ainda é carregada de moralidade, além de, em alguns momentos, se deixar controlar pela vontade do Sr. Rochester, obedecendo cegamente sua vontade. Ainda assim, nunca deixa de seguir sua moral própria e seu julgamento de certo e errado, deixando claro que sua integridade é mais importante que possuir um marido, mesmo que ela o ame. Além disso, ao estar longe do homem que ama, Jane Eyre procura construir sua vida por conta própria. Tudo isso pode ser considerado revolucionário para uma época em que um dos únicos destinos possíveis para as mulheres era o casamento. Outra coisa surpreendente na obra de Brontë é a caracterização de seus personagens: em Jane Eyre, a protagonista é descrita várias vezes como não só de pouca beleza, mas realmente feia

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Adaptações de Jane Eyre 1934

Filme dirigido por Christy Cabanne

1943

Filme dirigido por Kenneth Macgowan e Robert Stevenson

1970

1973

1983

Filme para TV dirigido por Delbert Mann

Série dirigida por Joan Craft

Série dirigida por Julian Charles Becket Amyes

6.5

7.6

4.4

8.2 7.6

3.7

3.3

não consta

3.4 3.4

3.9 3.9

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4.0

3.5 3.5

4.5

3.6 7.4

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Filme dirigido por Franco Zeffirelli

1996

7.2

Filme para TV dirigido por Robert Young

1997

8.5

x

Série dirigida por Susanne White

Filme dirigido por Cary Joji Fukunaga

Web série dirigida por Fãs

2006

2011

2013

Legenda: Avaliação IMDB

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Avaliação Filmow



Literatura: arte ou mercadoria? Atualmente, nos deparamos cada vez mais com a venda de objetos relacionados à história pessoal de autores, bem como diversos produtos baseados em suas obras literárias – sejam elas modernas ou mais antigas. Alguns teóricos discutem a questão de que literatura não pode ser confundida com e nem tratada como mercadoria, porém, cada vez mais percebe-se que esse é um pensamento equivocado e até mesmo retrógado. No caso de Charlotte Brontë, temos vários exemplos de produtos à venda que divulgam a obra e mantém viva a imagem da autora em outros meios que não somente os livros, como em canecas, braceletes, camisetas, bonecas, bolsas, chaveiros e muitos outros artefatos.

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J Iniciamos as pesquisas com a tarefa de determinar a posição de nossa autora na literatura – tanto na de sua época quanto na atual – bem como descobrir hipóteses para ela ter sido (ou não) canonizada. A conclusão a que chegamos é que Charlotte Brontë foi um sucesso em sua época por ir contra os modelos literários existentes, e continua sendo objeto de estudo e leitura ainda hoje por um motivo principal: a retomada da autora com fins específicos, como a luta feminista ou simples adaptações de suas obras.

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Bibliografia BIANCHI, Fátima. "Uma história de criança". In: DOSTOIÉVSKI, Fiódor. O pequeno herói. São Paulo: Editora 34, 2015, p. 63 a 80. BIBLIOTECA NACIONAL, <http://memoria.bn.br>

Hemeroteca

Digital

Brasileira.

Disponível

em:

BONNEL, HENRY H. Charlotte Brontë: a study of passion. In: BONNEL, HENRY H. Charlotte Brontë, George Eliot, Jane Austen: Studies in their works. New York: London and Bombay, 1902, p. 3 – 128. Disponível em: <https://archive.org/details/charlottebront00bonnuoft> BRONTË, Charlotte. Jane Eyre. São Paulo: Martin Claret, 2014. Trad. DUARTE, Carlos; DUARTE, Anna. CARVALHO, Maria Amália Vaz de. Evolução do Feminismo. Correio Paulistano, 2 de janeiro de 1911. Ed. 17033. Pág. 1. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=090972_06&PagFis=20066> EUROPEANA. Disponível em: <http://www.europeana.eu/portal/> GALLICA. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/> Leituras Brontëanas. Disponível Acesso em: agosto 2015.

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Crédito das imagens Capa: pt.wikipedia.org

Charlotte Brontë x Jane Austen umlivroeumgato.blogspot.com

Biografia: notablebiographies.com

O feminismo em Charlotte Brontë play.google.com pixabay.com

Irmãs Brontë: leitoresdepressivos.com

Adaptações: filmow.com

Linha do tempo: bienaldolivrosp.com.br leiturasbronteanas.wordpress.com booktrust.net madbibliophile.wordpress.com

Literatura: arte ou mercadoria? leiturasbronteanas.wordpress.com

Opiniões notáveis: blogstefanyyohana.blogspot.com pt.wikipedia.org en.wikipedia.org www.allposters.com

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