lugares palavras mitos mem贸rias e identidades do bairro do bexiga
marina andrade leonardi
trabalho final de graduação orientação ana lanna faculdade de arquitetura e urbanismo da universidade de são paulo 2013-2014
lugares palavras mitos mem贸rias e identidades do bairro do bexiga
marina andrade leonardi
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entradas
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sotaques
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mitos
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pizzarias
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calรงadas
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casas
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polifonias
Me lembro da primeira vez que fui ao Bexiga sozinha. Eu tinha dezenove anos e estava no segundo ano da fau. Naquela época, não sei se por influência das ideias situacionistas, eu adquirira o hábito de caminhar pela cidade, sem rumo, e de registrar os caminhos percorridos desenhando meus mapas, minha cartografia íntima. Além de terem contribuído para o meu amadurecimento pessoal, essas andanças enriqueceram a minha formação em arquitetura e urbanismo. Elas instigaram minha curiosidade tanto pela paisagem quanto pela cultura urbana, e me fizeram gostar de São Paulo como nunca. Na maioria das vezes, eu descia do espigão da Paulista em direção ao centro. A rua Augusta era uma das vias prediletas, ainda que eu fizesse frequentes desvios em torno dela. Lá embaixo, descobri os dois viadutos que cruzavam sobre a avenida Nove de Julho e levavam a um outro universo, completamente desconhecido para mim. De noite, o Bexiga tinha ruas escuras e luzes de néon. Os olhares das pessoas nas calçadas me diziam que eu era identificada como uma estrangeira ali. Dois anos mais tarde, fui morar em Paris. Afixei na parede um grande mapa em que desenhei os meus caminhos até as linhas se embaralharem. Viajei sozinha por uma dezena de cidades europeias que conheci essencialmente a pé. Vivi a condição de estrangeira durante um ano, mas talvez jamais tenha me sentido tão estrangeira quanto no meu retorno ao Brasil. Nada mais me pertencia em São Paulo. Confrontada com a necessidade de definir um tema para o tfg, pensei em questões abstratas, “a parede”, “a demolição”. Até perceber que eu devia, nem que fosse pela última vez, me debruçar sobre o concreto dessa cidade que, afinal, fora parte da minha escola. O Bexiga, terreno que integrava minha cartografia, me inquietava por tudo dele que eu não pudera compreender anos atrás, e especialmente pelas presenças estrangeiras que, pensava eu, deviam estar ainda ali. Decidi assumir e explorar a minha condição de estrangeira em meio a outros estrangeiros.
entradas
Lugares, palavras: o bairro do arquiteto
Se a noção de bairro é empregada cotidianamente, sobretudo como referência para situar uma determinada localização, tanto do ponto de vista científico quanto do ponto de vista político o bairro representa uma construção em torno da qual se articulam debates teóricos e problemas operacionais. Na academia, a noção de bairro é tratada principalmente por disciplinas das ciências humanas —sociologia, ciência política, antropologia, geografia, história—, para as quais ela guarda um estatuto ambíguo: embora presente em numerosos trabalhos, o bairro nunca aparece como um conceito claramente definido. Mais do que um objeto de estudo propriamente dito, o bairro é frequentemente utilizado como “entrada”, “unidade de observação” ou “escala de análise” para tratar de uma larga variedade de questões (authier et al., 2007: 15). Por não ser um objeto de estudo específico de nenhuma disciplina, o bairro constitui um lugar privilegiado de trocas entre saberes. No entanto, se existem confluências nas abordagens das diferentes ciências sobre o bairro, os modos de se aproximar desse terreno de estudo variam de uma disciplina para outra. Mudam as metodologias utilizadas mas também, e sobretudo, as problemáticas nas quais o bairro se inscreve. Na arquitetura e urbanismo, assim como nas ciências humanas, o bairro costuma ser adotado mais como recorte espacial —escala de análise e de intervenção— do que como problemática de estudo em si. Ao mesmo tempo, os saberes da arquitetura e do urbanismo podem enriquecer a reflexão sobre o bairro não só do ponto de vista formal e funcional, como também do ponto de vista social, 13
a partir do estudo da apropriação dos espaços livres, das práticas cotidianas, dos arranjos coletivos, da construção de identidades e de representações. Entretanto, cabe indagar: em relação às abordagens das ciências humanas, que especificidades tem o olhar dos arquitetos urbanistas sobre o bairro? Que elementos de reflexão esse olhar tem a acrescentar às numerosas abordagens da problemática do bairro feitas do ponto de vista da sociologia, da antropologia, da geografia, da história? O que é o bairro “dos arquitetos”? Este trabalho é uma possível resposta a essas questões. As formas de aproximação, a linguagem e a maioria das bases teóricas utilizadas são próprias da arquitetura e do urbanismo. O interesse, a sensibilidade e o rigor da análise de certos aspectos em detrimento de outros são decorrentes das competências específicas do arquiteto urbanista, das possibilidades e prioridades de seu olhar. No desenvolvimento desta pesquisa, a leitura de textos de sociologia e antropologia urbana contribuiu para qualificar minha aproximação às questões colocadas, mas foi a partir da minha própria perspectiva que me apropriei de ideias formuladas naqueles campos para construir a minha reflexão. Realizada por um estudante das ciências sociais, esta pesquisa seria outra pesquisa.
— Este trabalho é um exercício de percepção do espaço do bairro como lugar das práticas cotidianas de seus usuários —práticas que podem ser notadas e interpretadas tanto a partir das marcas que elas deixam no espaço, quanto a partir dos discursos construídos sobre o espaço. O título lugares palavras carrega, assim, duas dimensões importantes que procurei trabalhar de forma articulada. Imbricados, espaço vivido e o espaço falado exprimem distintos significados, formas de apropriação, mitos, memórias diversas, identidades em disputa. As práticas sociais e culturais da população do Bexiga foram apreendidas e estudadas em sua dimensão concreta (no modo com que elas tangem o espaço) e em sua dimensão discursiva (no modo como se inscrevem nos discursos sobre o espaço). 14
Kevin Lynch (2011: 1) escreveu que “a cidade é uma construção no espaço, mas uma construção [...] só percebida no decorrer de longos períodos de tempo.” Pierre Mayol (de certeau et al., 2010: 20), referindo-se especificamente ao bairro, destacou que a apreensão desse espaço depende da presença física e repetida do usuário: “O bairro é uma noção dinâmica que demanda uma aprendizagem progressiva. Essa aprendizagem aumenta mediante a repetição do engajamento do corpo do usuário no espaço público, até exercer aí uma apropriação.”1 A proposição de Lynch sugere que é preciso dedicar o próprio tempo para apreender os tempos da cidade. A de Mayol, por sua vez, sublinha a importância de estar repetidamente presente no bairro para se apropriar de seu espaço. No desenvolvimento desta pesquisa, optei por explorar possibilidades de análise que não me conduziriam necessariamente à realização de um projeto. Liberando-me da etapa propositiva, pude dedicar todo o tempo da pesquisa a um exercício contínuo de leitura do bairro. Além disso, pude explorar mecanismos de aproximação e de questionamento distintos daqueles que normalmente empregamos nos exercícios curriculares do curso de arquitetura e urbanismo. Privilegiei os aspectos qualitativos em relação aos quantitativos, guiando-me pela formulação de Henri Lefebvre (apud de certeau et al., 2010: 20) segundo a qual o bairro é “uma porta de entrada e de saída entre espaços qualificados e o espaço quantificado.”2 A aproximação se deu a partir de idas a campo regulares e de um contato repetido com alguns moradores. O vínculo que estabeleci
1. Tradução da autora a partir do original em francês. 2. No caso do Bexiga, trabalhar com dados estatísticos é particularmente difícil, pois os limites do bairro são imprecisos e subjetivos. Do ponto de vista da administração municipal, o Bexiga não tem estatuto próprio: parte dele ocupa o distrito da Bela Vista e outra parte, o distrito da República. Os dados disponíveis correspondem, quase sempre, à totalidade dos distritos, cujos perímetros englobam porém áreas com características urbanas e populacionais bastante contrastantes em relação àquelas que se observa no Bexiga. 15
com o lugar e com seus habitantes contribuiu para o enfrentamento das questões que me pareciam pertinentes no bairro do Bexiga. A vivência do espaço ofereceu um diferencial fundamental, senão imprescindível, para a pesquisa, pois permitiu apreender elementos qualitativos que deram nuance e profundidade aos dados coletados por outros meios. Ela me possibilitou espacializar esses dados, isto é, reconhecer a maneira com que eles se expressavam no espaço. Para documentar as observações feitas durante as idas a campo, experimentei várias formas de registro: escrita, cartografia, fotografia, gravações de áudio e vídeo. Esses instrumentos se mostraram mais ou menos apropriados em função de suas linguagens específicas e daquilo que eu procurava registrar. Os mais expressivos desses registros serão mostrados neste caderno. É importante compreendê-los não como ilustrações, mas como instrumentos de pesquisa —todas as imagens contidas aqui são de minha autoria. A história, a legislação, os planos urbanísticos e as estatísticas complementaram a observação de campo, preenchendo lacunas e estabelecendo conexões, acrescentando camadas que qualificavam a interpretação daquilo que fora visto, lido ou vivido. Angelo Bucci (2010: 132) sugere que, a partir do vínculo com o lugar, é possível reconstruir um sentido de cidade. Entretanto, no intuito de “chegar ao projeto”, temos muitas vezes negligeciado um olhar mais detido sobre os lugares nos quais intervimos. Na fau, aprendemos um processo projetual que vai do diagnóstico à proposição: a etapa inicial de “análise do entorno” tem como objetivo reunir elementos mínimos que norteiem a concepção do projeto. Dessa forma, acabamos muitas vezes por limitar o campo de reflexão que a arquitetura e o urbanismo comportam e do qual eles não podem prescindir. Minha opção por não projetar se justifica pela convicção de que a leitura que precede a intervenção é tão ou mais importante do que a própria intervenção. O arquiteto, muitas vezes, é estrangeiro nos lugares em que se propõe a intervir. Integrar-se nesses lugares me parece uma condição fundamental para intervir melhor.
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Mitos, memórias e identidades
Detendo-me sobre lugares e palavras, identifiquei três questões que me parecem centrais para entender o Bexiga: a mitologia da qual o bairro é objeto; as memórias que essa mitologia integra ou omite; e as identidades que, visíveis ou não nos discursos sobre o bairro, coexistem e deixam suas marcas no espaço. Mitos, memórias e identidades foram assim estudados tanto a partir do espaço, quanto a partir do discurso. O espaço informa a respeito dessas questões, já que seus diferentes usos expressam estratégias de sobrevivência e de integração social, hábitos, gostos e valores particularizantes. Identificação e reconhecimento, estranhamento e conflito se traduzem em comportamentos expressos pelo modo de se vestir, pelos gestos, pela aplicação mais ou menos estrita dos códigos de polidez, pelos itinerários e o ritmo do caminhar, pelo uso ou a evasão de determinado lugar (de certeau et al., 2010: 17). Por sua vez, os discursos sobre o espaço traduzem construções ideológicas, invenções, distorções e apagamentos, que —atribuindo mais ou menos visibilidade a cada uma das identidades presentes no bairro— delineiam uma representação mítica daquele lugar, um conjunto de ideias ou imagens defendidas e difundidas por muitas vozes. Os discursos sobre o bairro constituem, de certa forma, projetos para o bairro. Interpretá-los é um modo de compreender o processo social de produção do espaço, no qual os discursos têm sua influência.
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Mitos, memórias e identidades são construções do presente, mas devem ser entendidas em relação às múltiplas temporalidades que se sobrepõem e se conjugam no Bexiga. Essas temporalidades permeiam o espaço vivido tanto quanto o espaço narrado, ambos caracterizados por permanências que, naquele bairro, parecem ser particularmente significativas. As permanências —concretas ou simbólicas— são pistas que permitem ler, no espaço, não uma memória única, mas possibilidades de rememoração, memórias (plurais) latentes e sugestões para a (re)construção das memórias. Permitem ler, portanto, uma memória em processo contínuo de reelaboração e ressignificação. As permanências são também elementos que ensejam a construção de mitologias e que garantem (ou dificultam) processos de identificação e reconhecimento no espaço.
— Não quis escrever nem reunir uma história do Bexiga, mas me propus a pensar esse espaço urbano a partir das interpenetrações que nele se estabelecem entre passado e presente. Tomando o bairro como um recorte em relação ao conjunto da cidade de São Paulo, poderíamos elaborar, a partir dele, uma interpretação sobre como se conjugam permanências e transformações na cidade como um todo. No artigo “São Paulo: transformação e permanências para uma cultura cosmopolita”, Luís Antônio Jorge (2011: 18) descreve a “excessiva mutabilidade” que, a seu ver, caracteriza a cidade de São Paulo. Ao falar desta cidade “sempre-nova”, o autor menciona uma passagem do livro em que Claude Lévi-Strauss reuniu os registros fotográficos produzidos durante sua passagem por São Paulo, entre 1935 e 1937. O antropólogo evoca “aquele aperto no coração que sentimos quando, ao relembrar ou rever certos lugares, somos penetrados pela evidência de que não há nada no mundo de permanente nem de estável em que possamos nos apoiar” (lévi-strauss, 1996: 7 apud jorge, 2011: 18). 18
Mas seria esta cidade tão instável e transitória quanto dizem os discursos sobre a São Paulo “que não pode parar”? Eu considerava que era preciso matizar esse ponto de vista, tanto quanto a ideia recorrente de que o Bexiga “não é mais o mesmo”, de que ele “acabou”. Afinal, a cidade —tanto quanto a sociedade— não evolui de ruptura em ruptura: ambas seguem o curso da História, em que se amalgamam temporalidades, em que o novo convive com o velho antes de substituí-lo, em que toda transformação arrasta consigo uma carga de permanências. Sem ignorar as mudanças, procurei entendê-las como processos. Embora frequentemente se interprete a dinâmica de transformação de São Paulo como inexorável, é preciso perceber as lógicas que a regem, e que não apenas conduzem mudanças, como também manejam permanências em função de critérios e interesses diversos e complexos. Assim, no bairro do Bexiga, minha procura não foi por “vestígios do passado”, mas por traços dos processos que interligam passado e presente. Na topografia, na morfologia urbana, no desenho das fachadas, na comida, nos modos de morar, nos costumes das pessoas que conversam nas calçadas e se sentam nas soleiras das portas —em cada elemento procurei identificar transformações, continuidades, recorrências.
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sotaques
O Bexiga pode ser lido a partir das múltiplas identidades que se estabeleceram ali pela presença de grupos de estrangeiros. Desde o século xix, a região que hoje constitui o bairro foi ocupada por populações diversas, dentre as quais se costumam distinguir três grupos: “negros”, “italianos” e “nordestinos”. Cada um deles contribuiu, à sua maneira, nos processos de transformação física, demográfica, econômica, social e cultural ocorridos no bairro. Além de marcas concretas na paisagem urbana, eles deixaram traços no plano das ideias e da imaginação, influenciando a construção das identidades do Bexiga. Falar desses grupos implica compreender o significado do estrangeiro. Trata-se de uma categoria sociocultural que deve ser apreendida em suas diversas formas, em função das especificidades de distribuição no tempo e no espaço, das origens e legados, das lógicas de emigração, itinerários e meios de transporte, das redes e das hierarquias organizadas, das múltiplas relações com os lugares de destino, da heterogeneidade dos modos de viver, de descrever e de simbolizar o outro. Entre os estrangeiros, variam as formas de inserção na estrutura produtiva, no ambiente cultural e político. Variam também seus olhares conforme motivações e expectativas, de acordo com os conhecimentos prévios que possuem da terra alheia. Assim, a categoria de estrangeiro compreende (i)migrantes, viajantes, forasteiros, visitantes, residentes, nativos ou eternos estrangeiros (lanna et al., 2011: 8). Antes do loteamento do bairro —que teve início em 1878—, a região era subdividida em chácaras. A baixada do Riacho da Saracura (hoje canalizado sob o leito da avenida Nove de Julho) era ocupada por ex-escravos fugidos ou alforriados. Há registros de que ali tenha existido um quilombo. A partir da década de 1890, o bairro recebeu milhares de imigrantes europeus, sobretudo italianos. Essa população não estivera vinculada à política estatal de imigração subvencionada que tinha por objetivo trazer ao país mão-de-obra branca para a cultura cafeeira do interior paulista. Ao contrário dos imigrantes italianos destinados à agricultura, predominantemente originários da região do Vêneto, no norte da Itália, os italianos do Bexiga vinham de regiões 23
do sul do país —Calábria, Basilicata e Campânia— e fizeram da cidade seu destino primeiro e preferencial (lanna, 2011: 117). Ao chegar a São Paulo, mais do que simplesmente se estabelecer no Bexiga, esse grupo de imigrantes participou do processo de constituição do bairro. Ana Lanna (2011: 124) aponta que os estrangeiros já estavam presentes desde o momento do loteamento da chácara. Mais do que apenas moradores que ali se concentraram devido a preços mais acessíveis, e que em tese permaneciam à margem de áreas mais consolidadas, alguns imigrantes assumiram um papel evidentemente ativo na constituição da área urbanizada do bairro, cujas características materiais de ocupação indicam a presença de um perfil de moradores médios, com certa qualificação e autonomia, capazes de constituir um patrimônio imobiliário. Segundo a autora, muitos desses imigrantes chegaram com recursos financeiros que lhes permitiram adquirir casas de moradia e de aluguel. A partir de 1905, os italianos já constituíam a maioria dos proprietários no bairro. Ali, se especializaram sobretudo em atividades autônomas. Foram pequenos comerciantes, artesãos (marceneiros, serralheiros, alfaiates, sapateiros, padeiros) ou biscateiros de ocupação intermitente. Esse fenômeno poderia ser explicado por uma característica cultural: segundo Vera Lúcia Almeida (apud castro, 2006: 57), os calabreses “traziam consigo a forte determinação de viver por conta própria, sem se subordinarem à vontade de um patrão, fosse ele fazendeiro, comerciante ou industrial.” Outro elemento a ser considerado é o fato de que, ao contrário de outros bairros paulistanos que se ocupavam ou adensavam no mesmo período —Água Branca, Bom Retiro, Barra Funda, Brás, Mooca, Ipiranga—, o Bexiga estava afastado e desvinculado dos eixos ferroviários, ao longo dos quais se concentrara a atividade industrial e a maior parte do operariado. “O Bexiga era, desse modo, na época, o único bairro ‘popular’ de São Paulo no qual o operariado industrial [...] constituía apenas fração reduzida de sua população.” (azevedo, 1979: 22-24) 24
Diferente de outros bairros de imigração italiana onde predominava uma população operária e de esquerda, o Bexiga se caracterizou, entre as décadas de 1920 e 1960, pela expressão de uma cultura popular sustentada por valores tradicionalistas e conservadores. De acordo com Ricardo Marques de Azevedo (1979: 25), o bairro constituía um “universo fechado culturalmente”, marcado pela dominância da Igreja Católica; pela persistência de eventos culturais tidos como marginais pela cultura dominante (como serestas, escolas de samba, jogos de azar, futebol, entre outros); e por uma organização social interna tecida por laços estreitos de solidariedade entre vizinhos, fundada em práticas e códigos próprios (não apenas de conduta e moralidade, mas também linguísticos) e refratária à intrusão de “estranhos”.
— Os nordestinos começaram a se instalar no Bexiga entre o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980, a princípio atraídos pela disponibilidade de trabalho e moradia. Vinham de todos os estados do Nordeste, mas sobretudo da Bahia e da Paraíba. Se empregaram predominantemente no setor de serviços, muitas vezes em estabelecimentos localizados no bairro (cantinas, teatros, lanchonetes, salões de cabeleireiro, residências) ou improvisados na prória casa (manicure, revenda de roupas e produtos de beleza, venda de salgados, sucos ou bolos). O processo migratório que se estabeleceu a partir de então perdura até hoje, gerando uma concentração de contingentes significativos de migrantes nordestinos no bairro. Um levantamento estatístico realizado no Bexiga em 2009, focado nas práticas de mobilidade de seus habitantes, forneceu dados relevantes a respeito da população de origem nordestina3. Dos 64
3. Esse levantamento foi feito no âmbito do Projeto Metal – “Metrópoles da América Latina e globalização: reconfigurações territoriais, mobilidade espacial, ação pública”. Integrando o programa Les Suds aujourd’hui, financiado por duas agências francesas de apoio à pesquisa —a Agence Nationale de la 25
domicílios pesquisados, 50 (78%) possuíam pelo menos um morador nascido no Nordeste. Do total de habitantes desses domicílios (192), 46% eram nordestinos. Ainda que a amostra pesquisada não tenha sido grande, os resultados podem ser considerados representativos em função da metodologia da pesquisa, que garantiu uma distribuição homogênea dos domicílios pesquisados no conjunto do bairro. É interessante constatar que a população de origem nordestina provém de uma migração relativamente recente (a partir da década de 1990) e que, até 2009, não apresentava sinais de diminuição. Também é relevante o fato de que, em mais da metade dos casos, o momento de estabelecimento no bairro do Bexiga coincide com o momento de chegada a São Paulo, indicando que o migrante já vinha com indicações de que poderia morar no bairro. Para interpretar esses dados e compreender a continuidade do processo migratório de nordestinos para o Bexiga, parece imprescindível recorrer à noção de rede, tal como a definiu Douglas Massey: “Redes migratórias são complexos de laços interpessoais que ligam migrantes, migrantes anteriores e não-migrantes nas áreas de origem e de destino, por meio de vínculos de parentesco, amizade e conterraneidade.” (massey, 1988, apud truzzi, 2008: 203) Os laços que unem os elementos de uma rede podem ser de natureza ocupacional, familiar, cultural ou afetiva. Esses laços constituem “formações complexas que canalizam, filtram e interpretam informações, articulando significados, alocando recursos e controlando comportamentos.” (kelly, 1995, apud truzzi, 2008:
Recherche (anr) e a Agence inter-établissements de recherche pour le développement (aird)—, esse projeto foi desenvolvido entre 2007 e 2011 por uma equipe internacional (Brasil, Chile, Colômbia e França) e pluridisciplinar, sob a coordenação geral de Françoise Dureau (cf. dureau, 2012). Agradeço a Silvain Souchaud, Renato Cymbalista, Iara Rolnik e Silvana Zioni, que me disponibilizaram os questionários referentes ao bairro do Bexiga e me ajudaram a destrinchá-los. 26
202) Por meio de redes, “migrantes futuros tomam conhecimento das oportunidades de trabalho existentes, recebem os meios para se deslocar e resolvem como se alojar e como se empregar inicialmente por meio de suas relações sociais primárias com emigrantes anteriores.” (macdonald e macdonald, 1964, apud truzzi, 2008: 202) Essa concepção destaca o papel ativo que exercem os emigrados sobre sua sociedade de origem. As informações, remessas e promessas enviadas por eles influenciam as migrações subsequentes, determinando a escolha do destino, a localização da primeira residência, a inserção no mercado de trabalho, além das relações sociais estabelecidas na sociedade receptora. O conceito de redes migratórias ajuda a compreender os movimentos não só dos nordestinos, como dos demais grupos de (i)migrantes que se instalaram no Bexiga. Influenciados por redes de informações e recursos, muitos deles vieram trazendo, desde suas origens, vínculos com o bairro do Bexiga. Embora minha pesquisa não forneça informações quantitativas que permitam aferir o grau em que as redes migratórias operam ainda hoje no Bexiga, as observações de campo e as conversas com migrantes nordestinos sugerem que essas redes permanecem fortemente ativas, a ponto de influenciar a aglomeração espacial, as opções profissionais, as taxas de endogamia e as esferas de sociabilidade próprias a esse grupo de migrantes.
— O Bexiga ainda é uma localização atraente para os estrangeiros que chegam a São Paulo. Aos nordestinos, somam-se hoje grupos vindos de países da África e da América Latina. Dos primeiros negros aos senegaleses de agora, o Bexiga abrigou uma sucessão de populações que, ao se estabelecerem no bairro, produziram movimentos mais ou menos conflituosos de adaptação, mobilizando possibilidades de diálogo entre sua cultura de origem e as características do lugar de destino. Como escreveu Ana 27
Lanna (2011: 120), o processo de fixação dos migrantes não se resume a “trazer e ‘implantar’ tradições”, mas implica explorar alternativas, tensionar fronteiras, estabelecer canais de trânsito e comunicação entre “aqui” e “lá”. No Bexiga, cada grupo de migrantes se relacionou, direta ou indiretamente, com o anterior, num movimento de contínua apropriação e transformação de legados. Nesse processo, os estrangeiros assumiram um papel decisivo tanto na produção do espaço urbano do Bexiga, quanto na construção de identidades e na produção de discursos e representações sobre esse espaço. Por isso, indagar as presenças estrangeiras é uma forma de entendimento de uma relação particular entre espaço urbano e cultura. Os estrangeiros oferecem um patamar de observação a partir do qual se pode ver “uma paisagem urbana construída na articulação de sua materialidade, de suas redes de sociabilidade e dos processos de elaboração de identidades e alteridades, assim como de suas ideias, disciplinas e representações, inseparáveis do plano material.” (lanna et al., 2011: 8) Nó de múltiplas trajetórias entrecruzadas no espaço e no tempo, o Bexiga se constitui como lugar de estrangeiros, mosaico de lembranças de outros lugares, culturas distintas e diferentes valores de urbanidade. Nesse mosaico, porém, presenças, memórias, valores e legados dos vários grupos não foram incorporados de forma homogênea. Eles estiveram sujeitos a se confrontarem entre si, numa disputa de significados que definiu, no espaço, visibilidades e invisibilidades, legíveis na construção da mitologia do Bexiga.
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mitos
Quando me refiro à mitologia que creio incidir sobre o bairro do Bexiga, penso nos escritos de Roland Barthes. Em sua obra, Barthes emprega a noção de mito, que ele define como uma “representação coletiva” determinada socialmente e dissociada do conhecimento científico (barthes, 1977: 11). Nos meios de comunicação, em textos literários e acadêmicos, na fala de comerciantes, moradores, frequentadores e até na daqueles que nunca estiveram no bairro, reiteram-se certas representações do Bexiga. Difundidas através de discursos variados e dispersos, essas representações são descontínuas: não se enunciam em uma narrativa estruturada e coesa, mas em uma “fraseologia”, um conjunto de palavras-chave, um “corpus de estereótipos”. Barthes explica que o mito é uma “construção ideológica” que “consiste em transpor a cultura em natureza”. Assim, aspectos históricos, morais, ideológicos e estéticos característicos de uma sociedade são apresentados, por meio do discurso, como “naturais” e “evidentes”. Dessa forma, os mitos distorcem os significados das coisas, produzindo “um reflexo invertido da sociedade” (barthes, 1977: 12). Desde o início da pesquisa, percebi que havia um descompasso entre as representações do Bexiga e aquilo que eu podia observar diretamente em minhas idas a campo. Discurso e realidade não se encontravam plenamente. Apesar das incoerências, entretanto, elementos da mitologia estão presentes não apenas no imaginário quanto no espaço físico do Bexiga e possibilitam, assim, aprofundar a leitura do bairro. Procurei então identificar os principais elementos da mitologia, para tentar desnaturalizá-los e questioná-los. Na tentativa de reconhecer as identidades do Bexiga, era preciso desconfiar das verdades dadas a priori. Me esforcei para ver além dos estereótipos, ciente de que meu olhar não se tornaria jamais neutro: eu queria, ainda assim, que ele se aproximasse do olhar instigado de um estrangeiro. Desse modo, identifiquei três imagens que se podem depreender do conjunto de representações sobre o Bexiga: o bairro italiano, o bairro negro e o bairro boêmio. Proponho uma leitura dos significados dessas imagens baseada em excertos dos discursos que as enunciam. 33
O bairro italiano
Bixiga, bairro italiano, bairro das cantinas e da festa da Achiropita. Essa imagem é a mais difundida e a mais fortemente associada ao bairro. Ela é sustentada pela ideia de tradição. Assim, diz-se: o tradicional bairro italiano, o bairro das tradicionais cantinas e da tradicional festa. A tradição enlaça passado e presente: é tradicional aquilo que perdurou apesar da passagem do tempo, aquilo que se manteve inalterado ao longo das gerações. Mas as tradições, ameaçadas pela possibilidade de se tornarem obsoletas, dependem, para se manter, de um esforço de resistência à mudança. Transmitidas, à custa desse esforço, de uma geração à outra, as tradições superam a mortalidade dos homens: elas sobrevivem. No Bexiga italiano, o elemento que congrega as práticas e valores tradicionais é a comida. Mais do que a religião, mais do que a arquitetura, mais do que as técnicas e a feira de antiguidades, são as práticas alimentares que garantem a afirmação e o reconhecimento do que se diz ser a tradição italiana do bairro. Na padaria Catorze de Julho, o “legítimo pane d’Itália” é produzido desde 1897 a partir de “receitas raras de família, resgatadas graças ao esforço de Alexandre Fanciulli, neto de Rafaelli”. A casa é “um dos mais tradicionais endereços do velho Bixiga e pouco mudou durante sua existência”. Na São Domingos —que “sobrevive há quatro gerações”— ainda se pode encontrar pão italiano, linguiça calabresa, sardela e sfogliatelle que os bisnetos da famiglia Albanese fabricam segundo as receitas do bisavô. 34
“Com o passar dos anos o Bixiga mudou muito, mas continua em seu lugar de sempre a centenária Padaria Italianinha, com seu velho forno, sua história e tradição.” Ali, “a preocupação em manter-se fiel às raízes italianas é constante”, e garante que se fabrique até hoje o “pão italiano de antigamente”, aquele que “unia e une o imigrante ao povo que tão bem o acolheu”. A tradição está intimamente ligada à autenticidade: seguindo fielmente as receitas originais trazidas da Itália, fabrica-se o legítimo pão, a comida típica. Comê-los significa experimentar concretamente, fisicamente, a presença italiana em São Paulo. As padarias e cantinas guardam, desse modo, o estatuto de bastiões da cultura italiana no bairro. Elas parecem ter resistido melhor do que as crenças e festejos. Na festa de Nossa Senhora Achiropita, a comida e a bebida vendidos na rua são um fator de atração mais importante do que qualquer outro. Segundo os próprios organizadores, a festa “tem como destaque a culinária italiana”: “toneladas de alimentos são utilizadas para preparar diversos pratos”, entre os quais a fogazza, “autêntica delícia italiana”, da qual se consomem 12 mil unidades a cada noite. Comer, beber e festejar são práticas que sustentam a ideia de tradição e que reforçam, ao mesmo tempo, a percepção de que o Bexiga seria um terreno propício à expressão de uma cultura popular4, ela própria mitificada. A simplicidade, a oralidade, a extroversão pouco sutil, o encontro franco em torno de uma comida substanciosa mas sem requinte, são elementos que compõem a imagem do bairro italiano e que remetem a práticas populares, em oposição à sofisticação, ao esnobismo e ao anonimato.
4. Conforme a definição dada por Thomas Sauvadert e Marie-Hélène Bacqué (2011: 7), “o termo ‘popular’ remete aqui a meios sociais que se situam em uma posição baixa na escala social estruturada pela divisão do trabalho, e que antigamente incarnavam ‘o Povo’ porque representavam a larga maioria da população.” (Tradução da autora a partir do original em francês.) 35
Nesse sentido, não é à toa que, no discurso mitológico sobre o bairro, Bixiga se escreva com “i”. A reivindicação por essa grafia, que privilegia “a fala do povo” em detrimento do dicionário, ressalta o caráter popular que se procura atribuir ao bairro. O próprio nome seria uma afirmação de suas origens “populares” como reduto de pessoas portadoras da varíola5. Além disso, a assimilação, ao mito do Bexiga, da figura de Adoniran Barbosa corrobora a defesa do linguajar “do povo” e, mais amplamente, da integração dos italianos a uma cultura popular e boêmia de origens múltiplas.6 À imagem do Bexiga italiano soma-se, por fim, uma representação do “bairro-vilarejo” (veermersch, 2006: 125), caracterizado por laços de vizinhança “à moda antiga”. Nessa representação figuram personagens como os vizinhos que se cumprimentam e conversam na calçada, o freguês habitual cujas preferências o comerciante já conhece, as senhoras que fofocam à porta de suas casas, as crianças brincando na rua e espiando pelas fechaduras. Traços da camaradagem, da cordialidade e da solidariedade “de um outro tempo”. Esse conjunto de representações —que talvez faça parte de um mito maior e mais universal da “vida de bairro de antigamente”—,
5. Existem controvérsias com relação à origem do nome Bexiga. Algumas fontes afirmam que a denominação provém de uma epidemia de varíola ocorrida no século xviii; outras a associam à existência de um matadouro onde se vendia bexiga de boi; outras, ainda, a associam ao sobrenome de Antonio Bexiga, que fora proprietário da chácara onde o bairro posteriormente se constituiu (coimbra, 1987: 20 apud torres, 2000: 59). Sabe-se, pela documentação existente no Arquivo Histórico Municipal e no Arquivo Aguirra, que a área já era conhecida por esse nome entre 1789 e 1792 (d’alambert, 2006: 152). 6. É significativo que a silhueta de Adoniran tenha sido escolhida como símbolo para os semáforos especiais instalados, em 2013, pela Companhia de Engenharia de Tráfego, nos cruzamentos da rua Rui Barbosa com a Conselheiro Carrão e a Manoel Dutra. A sinalização temática, implantada em diversos “pontos turísticos” de São Paulo, traz geralmente ícones arquitetônicos (no bairro da Liberdade, por exemplo, o símbolo adotado foi a lanterna japonesa). O Bexiga foi o primeiro local simbolizado por uma personalidade. 36
vem integrar, em dialeto, a imagem do Bexiga italiano. Enquanto desaparecem, um a um, os antigos bairros populares de São Paulo, emerge uma imagem positiva dessa “vida autêntica” que teria sobrevivido no Bexiga, mais do que no resto da cidade e mais do que em outros núcleos de imigração italiana. Alguns elementos da pesquisa ajudam a entender melhor a origem do mito do “Bexiga italiano”. Em primeiro lugar, é preciso sublinhar os interesses econômicos que estão por trás dessa imagem: criada e mobilizada pelos donos de restaurantes, e expressa reiteradamente à custa de muita tinta verde e vermelha, essa imagem tem como função primordial a de manter a atratividade do bairro e fazer com que gente de toda a cidade se desloque até o Bexiga para gozar daquilo que acredita ser uma experiência “autêntica”, “folclórica” ou no mínimo “diferente”. Para isso, elementos como a originalidade, a tipicidade e o pitoresco são atributos fundamentais. A consolidação da imagem de “italianidade” do Bexiga se deve em grande medida aos esforços de dois personagens emblemáticos: Walter Taverna (1933-) e Armando Puglisi (1931-1994). Filhos de imigrantes, os dois amigos vislumbraram o potencial econômico que poderiam explorar transformando o bairro de sua infância em “um dos mais importantes polos gastronômicos de São Paulo”. Segundo Célia Paes, foi no final dos anos 1960 que se consolidou uma articulação entre comerciantes no sentido de explorar economicamente uma imagem folclorizada da italianidade e da boemia —imagem que foi aceita e difundida sem contestação pelos meios de comunicação e pelos próprios consumidores, alimentados pelos comerciantes que ancoravam seus negócios nesse rótulo (paes, 1999: 14; azevedo, 1979: 31). Em 1978, Taverna e Puglisi fundaram a Sociedade de Defesa das Tradições e Progresso da Bela Vista (Sodepro), que —articulada a outras instituições influentes como a Paróquia de Nossa Senhora Achiropita e a escola de samba Vai-Vai— se tornou uma das principais lideranças do bairro. A Sodepro não só “defendeu” como criou “tradições”. Assim, talvez para compensar o desaparecimento de antigas celebrações (como as festas de San Genaro e de São João), a Sociedade inventou novos eventos, como o bolo do aniversário de 37
São Paulo e o concurso da “Miss Bixiga”, que ela afirma já fazerem parte das “tradições” do Bexiga. Seo Walter, como é chamado, diz lutar pela “salvaguarda da memória, das tradições e das peculiaridades do Bairro”. Junto com Armando Puglisi, ele homologou, em 1989, um pedido de tombamento do bairro junto ao Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo). O processo de tombamento foi aberto em 1990 e tramitou até 2002, quando 896 imóveis do distrito da Bela Vista foram declarados tombados7. Dentre os vários bairros de São Paulo que abrigaram imigrantes italianos, o Bexiga foi o único que passou por um processo de “tombamento de bairro”. Assim, enquanto localidades como Brás e Mooca tiveram apenas elementos pontuais inscritos nos livros de
7. O processo de tombamento aberto em 1990 (resolução nº 11/1990) concernia os bens imóveis situados em uma área que abrangia grande parte do distrito da Bela Vista, e que havia sido definida como sendo de interesse de preservação pelo Inventário Geral do Patrimônio Ambiental e Cultural (igepac) da Bela Vista, realizado pelo Departamento do Patrimônio Histórico em 1984. Essa área era delimitada ao norte pela praça das Bandeiras, à leste pela avenida Vinte e Três de Maio, ao sul pelos flancos da avenida Paulista e a oeste pela avenida Nove de Julho. Posteriormente, a resolução nº 01/1993 definiu, no interior desse perímetro, três “Áreas especiais de preservação”. Por fim, a resolução nº 2/2002 determinou o tombamento dos seguintes bens: praça Amadeu Amaral, praça Dom Orione, escadaria das ruas Treze de Maio e dos Ingleses, encostas e muros de arrimo da rua Almirante Marques Leão, arcos da rua Jandaia e outros 896 exemplares (imóveis isolados ou conjuntos arquitetônicos). Os cinco primeiros itens foram classificados segundo o Nível de Preservação 1 (np1), que determina a preservação integral do bem tombado. Dos demais exemplares, 17 foram classificados segundo np1, 8 segundo np2 e 871 segundo np3 (os níveis de preservação 2 e 3 determinam a preservação parcial do bem, sendo que o primeiro é mais restritivo que o segundo). Para maiores precisões, conferir as resoluções mencionadas, assim como baffi, 2006 e d’alambert, 2006. 39
tombo, o Bexiga teve um conjunto mais expressivo de imóveis protegidos. Isso garantiu ao bairro um lugar privilegiado no imaginário coletivo, segundo o qual, em comparação com aqueles outros bairros, o Bexiga teria preservado melhor as identidades e práticas ligadas à presença italiana. Ao privilegiar elementos evocadores do passado italiano, os órgãos de proteção do patrimônio contribuíram para a construção de uma memória congelada nesse passado. Em um momento em que o Bexiga já estava longe de ser um “bairro italiano”, o tombamento veio fixar definitivamente essa representação. Enquanto isso, Taverna e Puglisi capitaneavam um grupo de proprietários de restaurantes que, visando um aumento de público, pretendiam empreender seus próprios projetos de “revitalização” do bairo. Embora nenhum desses projetos tenha se realizado, a consolidação da memória italiana, por meio do discurso, garantiu o sucesso dos estabelecimentos que se apresentavam como “portadores” dessa memória —sobretudo os restaurantes e as padarias. Walter Taverna, que traz no nome a alcunha de seu negócio, fundou sua primeira cantina em 1965; desde então, abriu (e fechou) mais oito restaurantes no bairro. Hoje, possui apenas dois. “Meus restaurantes passam por dificuldades, mas os mantenho para não desfigurar o bairro e sei que vou conseguir revitalizá-lo”, justifica (guimarães, 2007). A onipresença do nome de Walter Taverna em praticamente todos os discursos que se referem ao Bexiga evidencia que o processo de elaboração da mitologia do bairro está concentrado em um número restrito de personagens e instituições. Esses enunciadores mobilizam e difundem uma memória italiana homogênea. No entanto, embora se reitere a força da presença italiana, quase não sobraram descendentes de italianos morando no Bexiga. Dos que pude encontrar, filhos ou netos de imigrantes, nenhum diz cultuar as tradições. Do ponto de vista desses “últimos italianos”, o Bexiga, mais do que decadente, está “desfigurado”. Eles estão convencidos de que “aquele” Bexiga, o Bexiga do tempo deles, do qual se lembram com orgulho, nostalgia e resignação, já não existe mais. 40
O bairro negro
Bixiga, bairro negro, bairro do antigo quilombo, da capoeira, da Vai-Vai. À imagem do Bexiga italiano soma-se a imagem do Bexiga negro, que remete à população de ex-escravos que já estava instalada ali no momento da chegada dos imigrantes europeus. Essa imagem é evocada com diferentes nuances tanto pela população afro-descendente (e seus defensores) quanto pelos enunciadores do mito italiano. Os primeiros tendem a ser mais radicais. Suas vozes ressaltam a discriminação que o grupo “afro” teria sofrido por parte dos italianos. Para eles, os traços da presença negra teriam sido eliminados pelos imigrantes europeus8. Essa discriminação estaria expressa territorialmente pelo fato de os negros terem sido mantidos concentrados na parte baixa do bairro, em torno da praça Catorze Bis (sujeita a alagamentos frequentes), enquanto os europeus ocupavam a parte alta. Raquel Rolnik (2013) escreveu: “O bairro é um histórico território negro da cidade de São Paulo e a quadra da Vai-Vai insere-se nesse contexto, significando a importante – e invisível! – presença da cultura afro-brasileira na cidade.”
8. Por exemplo, Márcio Sampaio de Castro (2006: 100-102), em sua dissertação de mestrado, defende que houve um processo intencional de “apagamento da presença da negritude” no Bexiga: “Apagar a presença do outro não só no plano físico, mas no imaginário, no simbólico, seria uma forma supostamente eficiente de dominação” pelo “ideário europeizante”. 41
Em reação à discriminação e ao esquecimento, essas vozes mobilizam a noção de “luta”. Talvez não por acaso a prática da capoeira seja o elemento da cultura afrobrasileira que representa com mais força a presença dos descendentes de escravos no Bexiga. É interessante notar, porém, o paralelo que existe entre a “luta” dos negros e a “resistência” dos italianos, ambos visando preservar seus lugares e sua identidade. Os enunciadores do mito italiano, por sua vez, adotam uma postura conciliadora. Em seu discurso (que predomina em relação ao primeiro), a oposição entre as duas culturas perde toda a radicalidade. Sem negá-la, ele dilui a presença dos negros em uma “diversidade” genérica do qual o bairro só teria a se orgulhar, já que sempre teria reinado, entre os habitantes de diferentes origens e cores, uma convivência cordial, harmoniosa e frutífera. Cinco passagens exemplificam esse discurso: “No início era uma imensa torre de Babel onde ninguém entendia ninguém, mas acabaram se acostumando uns com os outros e a coexistência foi pacífica.”9 “Aquela situação de ver um negro falando italiano fluentemente, infelizmente hoje no Bexiga não se vê mais. Que saudade daquele tempo, que saudade daqueles lençóis, daquelas colchas coloridas nas janelas do Bexiga!”10. “A comunidade negra [...] deu a contribuição que faltava ao bairro: o samba. A Vai-Vai, ‘a escola do povo’, é hoje uma das escolas de samba mais tradicionais da cidade.”11
9. ponciano, Levino. Mil faces de São Paulo: pequeno dicionário amoroso dos bairros de São Paulo. São Paulo: Fênix, 2000. Trecho disponível em: <http://www.sampa.art.br/bairros/bixiga/#>. Acesso em: 16 abr. 2014. 10. Fala de Ana Maria Murari, proprietária de uma cantina no Bexiga, extraída do filme “São Paulo, memória em pedaços: Bixiga”, 1997. 11. Extraído do blog “São Paulo Metrópole”. Disponível em: <http://www. spmetropole.com/2011/08/16/historia-bixiga/>. Acesso em: 16 abr. 2014. 42
“A devoção a Nossa Senhora Achiropita é de origem italiana, mas Nossa Senhora Achiropita tem muito de afro também. Lógico, o rosto dela é rechonchudo, é o rosto da mulher calabresa, mas ao mesmo tempo ela é uma figura vaidosa, ela tem os brincos, ela lembra Oxum, da tradição africana, uma pessoa muito de bem com a vida, que acredita nesse lado alegre da vida —os italianos trouxeram muito isso, essa alegria através da fé.’”12 “A imagem [de Nossa Senhora Achiropita] doada [à paróquia] pela Escola de samba Vai–Vai evidencia a devoção religiosa transmitida pelos afros à uma santa originária da Itália. O convívio entre negros e italianos demonstra a fé e expressão cultural partilhada por ambos os grupos.”13 Em seu discurso, os enunciadores do mito italiano elaboram a presença negra a partir das mesmas noções que sustentam a presença da italianidade: “tradição” e “cultura popular”. Embora se fale em “contribuições” de ambas as partes —como se tivesse se constituído, pela associação de samba e macarronada, um referencial comum—, a “partilha” não parece ter sido igualitária. Os excertos sugerem que a “assimilação” tenha se dado predominantemente em um dos sentidos, os brancos submetendo os negros a sua própria cultura. Se isso não ocorreu plenamente na prática (pois ainda existem, no Bexiga, espaços dedicados aos cultos e à cultura afro), ocorreu pelo menos no discurso. Nesse sentido, o hino “Bixiga amore mio”, composto por Walter Taverna, é categórico: Foram os imigrantes italianos Que construíram este bairro de festas tradicionais Misturando seu folclore Com negros, compositores e artistas teatrais
12. Fala de Antônio da Silva, padre negro da paróquia de Nossa Senhora Achiropita, extraída do filme “São Paulo, memória em pedaços: Bixiga”, 1997. 13. Extraído do blog “Bixiga atual”. Disponível em: <http://bixigatual.wordpress.com>. Acesso em: 16 abr. 2014. 43
O bairro boêmio
O mito do Bexiga boêmio sustenta a ideia de que o bairro teria uma “vocação” para reunir artistas, intelectuais e universitários em torno de atividades de lazer noturno. Esses personagens encontrariam ali um lugar ao mesmo tempo central e recôndito, onde poderiam se manifestar livremente, morar a preços mais acessíveis e aproveitar uma oferta variada de opções de entretenimento (teatros, bares, restaurantes, boates, cineclubes etc.). Dois elementos se destacam nessa mitologia. O primeiro é o caráter “democrático” da convivência em torno das atividades de lazer: com sua ambiência festiva e calorosa, aberta a grupos diversos, o Bexiga seria um “espaço que reúne opções e público heterogêneos, proporciona a ‘mistura’, o contato com gostos, estéticas e comportamentos que antes se complementam, numa relação de troca, do que se opõem, através de exclusão ou segregação” (torres, 2006: 70). O espírito “democrático” característico do “Bexiga boêmio” seria um desdobramento da heterogeneidade social e cultural da população do bairro. José Celso Martinez Corrêa teria dito que “o Bexiga é o não-apartheid” (apud paes, 1999: 4). O segundo elemento é a noção de que o Bexiga, justamente por seu caráter “democrático”, daria espaço à livre manifestação cultural e política, nem sempre aceita em outros lugares da cidade. Frequentado por uma juventude “contestadora” reunida em torno da cena artística “de vanguarda”, o bairro teria se tornado um lugar de “resistência” (não mais das tradições italianas ou da cultura afrobrasileira, mas da liberdade de expressão ameaçada pela ditadura militar).
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Embora sejam recorrentes as referências às décadas de 1970 e 1980 como período áureo da vida noturna no Bexiga (torres: 2006), a vocação boêmia do bairro remonta a décadas anteriores. Atividades artísticas e culturais tinham seus espaços no Bexiga desde o começo do século xx. O discurso mitológico reitera que, entre o final dos anos 1940 e o início dos anos 1960, o Bexiga foi o “berço” do teatro paulistano. Com efeito, ali se instalaram teatros que se consagrariam como os mais importantes da época, palcos de um amplo movimento de renovação da cena teatral brasileira (pontes, 2010). Entre os mais notáveis, estavam: Teatro Brasileiro de Comédia (1948); Teatro Maria della Costa (1954); Teatro Bela Vista —que ocupou o mesmo prédio do antigo Cine Teatro Espéria e que foi posteriormente rebatizado como Teatro Sérgio Cardoso (1956); Teatro Oficina (1961); Teatro Ruth Escobar (1963). A consolidação desse polo teatral no Bexiga favoreceu a concentração de restaurantes e bares que atendiam aos atores e ao público dos espetáculos. Na segunda metade da década de 1960, em meio à ascensão do regime militar, o Bexiga sediou um movimento de contestação política e cultural conduzido por artistas, intelectuais e estudantes que frequentavam o bairro. As manifestações mais marcantes ocorreram no teatro, notadamente com duas peças dirigidas por José Celso Martinez Corrêa: “O rei da vela” (1967), de Oswald de Andrade, encenada no Teatro Oficina, e “Roda viva” (1968), de Chico Buarque, no Teatro Ruth Escobar. Entretanto, a partir da decretação do Ato Institucional n° 5, a repressão silenciou o movimento contestatório e provocou um refluxo da atividade cultural de vanguarda. Ao mesmo tempo, no Bexiga, se consolidava a articulação entre comerciantes visando à maior exploração econômica da imagem do bairro “italiano” e “boêmio” (paes, 1999: 14). No fim dos anos 1960, as obras viárias para construção da Radial Leste-Oeste, do viaduto Júlio de Mesquita Filho e do viaduto Treze de Maio provocaram uma divisão do bairro em partes relativamente isoladas. A porção sul (mais próxima da avenida Paulista) reunia importantes referenciais mobilizados pelo mito do “Bexiga italiano”: a igreja de Nossa Senhora Achiropita, a escadaria do Bexiga, a feira de antiguidades da praça Dom Orione e grande parte das cantinas. 45
Foi também nessa porção do bairro que se implantaram, desde o começo dos anos 1970, numerosas casas noturnas que ofereciam música ao vivo. Nesse momento, embora os teatros continuassem ativos, as boates e bares se tornaram lugares privilegiados do lazer no Bexiga. A notoriedade do bairro como centro da boemia atingiu um público maior e mais diversificado, vindo de várias regiões da cidade. O Bexiga se afirmou como referencial do lazer noturno em São Paulo. De início concentrados na rua Santo Antônio, os bares e as boates passaram a se implantar, no final da década, predominantemente na rua Treze de Maio, entre a Santo Antônio e a Manoel Dutra. A antropóloga Lilian Torres (2006: 66) descreveu o movimento intenso de pedestres e veículos que se observava à noite nesse trecho da rua: o tráfego é lento, com os motoristas procurando vaga na rua ou em estacionamentos e constantemente diminuindo a velocidade para grupos de pessoas atravessarem de um lado para outro. [...] Para quem vai ao Bexiga sem definição prévia de onde ficar, faz parte das regras de ocupação desse espaço subir e descer a rua, procurar, ouvir os conjuntos que estão tocando, pesquisar preços e frequência. Diversos grupos se aglomeram nas calçadas, em rodas de conversa, as pessoas em pé e encostadas em carros estacionados, ou sentadas na porta de estabelecimentos que só funcionam em horário comercial. Há quem prefira as mesas colocadas do lado de fora dos bares e botecos, que propiciam, em relação a quem fica nos interiores, uma maior observação do movimento e da circulação da rua. Vendedores ambulantes também ocupam as calçadas e oferecem desde acessórios como anéis, brincos, pulseiras e bottons até alimentos e bebidas. Mais do que se tornar um foco da vida noturna no Bexiga, a Treze de Maio passou a ser identificada como o principal eixo do bairro14.
14. Pelo menos até os anos 1960, a rua Major Diogo constituía um eixo de centralidade mais importante. É significativo que, no Plano de Avenidas de Prestes Maia (1930), ela tenha sido considerada uma radial básica, cuja função 46
Endereço da juventude reunida em boates e cafés, mas também dos marcos do bairro “tradicional”, essa rua foi investida por um valor simbólico que a destacava como lugar especialmente representativo das múltiplas identidades atribuídas ao bairro15. Se a boemia teve em algum momento um caráter contestador ou de vanguarda, esse aspecto foi suficientemente atenuado, na construção da mitologia, para poder conviver sem conflitos com a “tradição” italiana. Isso fica evidente neste outro relato de Lilian Torres (2006: 66): Passar pelo Bexiga é passar pela Treze de Maio. A chegada, a pé ou de carro, introduz o visitante numa paisagem que mistura o tradicional ao moderno, em que se sobressai a fachada do Bar Café Soçaite, com um letreiro de néon encimado por dois anjos barrocos e, entre eles, quase indistinguível, a data de construção do prédio onde funcionou o antigo açougue (1903 ou 1905?). A construção do valor de centralidade atribuído à Treze de Maio foi sustentada pelos donos dos estabelecimentos situados ali, para os quais a concentração dos serviços e do público era vantajosa. Não à toa, esses mesmos atores concentraram seus esforços de “revitalização do bairro” nessa rua. Seus planos incluíam um calçadão, um estacionamento subterrâneo na praça Dom Orione e o chamado “Portal do Bexiga”, pórtico de 7,5 metros de altura, com iluminação própria e ornamentado por gôndolas venezianas, em referência à ocupação italiana do bairro16 (torres, 2000: 66).
seria conectar o Perímetro de Irradiação à região sul da cidade. De acordo com o Plano, a Major Diogo estava entre as vias que deveriam ser adequadas prioritariamente, junto com as avenidas São João, Rio Branco, Tiradentes, Rangel Pestana, Central do Brasil, Estados, Liberdade, Itororó [atual Vinte e Três de Maio], Anhangabaú [atual Nove de Julho] e Consolação. A conversão da Major Diogo em radial básica não ocorreu, e a função que o Plano lhe atribuía é hoje desempenhada pela articulação das ruas Rui Barbosa e Treze de Maio (paes, 1999: 50-54). 15. A despeito do nome da rua, que homenageia o dia da abolição da escravatura no Brasil, nenhum elemento na Treze de Maio remete à identidade negra. 16. A construção do “Portal do Bexiga” foi requisitada à prefeitura de São 47
Esses projetos denotam uma intenção de fazer da rua Treze de Maio uma vitrine do Bexiga “boêmio” e “italiano”. Hoje, essa vitrine é o pouco que resta para dar suporte físico a tais representações. Cafés, boates, teatros e cantinas, reunidos de maneira pontual em dois ou três pequenos núcleos, geram um movimento tímido comparado ao que já houve ali. O papel do Bexiga como polo de lazer noturno foi perdendo força a partir do final dos anos 1980, deixando um certo estigma de decadência. Isso se deveu em parte ao surgimento de novos núcleos em bairros como Jardins, Pinheiros, Vila Madalena, Santana, Freguesia do Ó e Moema (torres, 2006: 65). Apesar do discurso que enaltece o caráter “democrático” do entretenimento no Bexiga, nota-se que, desde os anos 1970, se estabeleceu uma distinção entre os espaços de lazer voltados para o público externo e aqueles que atendem à própria população do bairro. Os estabelecimentos que atraíam sobretudo pessoas vindas de outras regiões da cidade foram os que sofreram maior declínio. Já os espaços de lazer frequentados predominantemente pelos moradores do bairro guardaram sua efervescência. Os botecos, “preconceituosamente responsabilizados, pelos donos de cantinas, por causar uma má imagem do bairro”, continuam acolhendo um público assíduo de moradores da vizinhança (paes 1999: 73). Junto com as casas do norte, as pizzarias delivery e algumas boates de música sertaneja, eles constituem importantes lugares de sociabilidade para parte da população, embora não integrem o discurso sobre a “vida noturna” do bairro.
Paulo durante a gestão Jânio Quadros (1986-1988), por um grupo de proprietários de restaurantes acessorados pelo arquiteto Paulo Bastos. Ao invés do pórtico, a emurb sugeriu que fosse feita uma escultura. Isso, porém, também não se concretizou (torres, 2000: 66 e rodrigues, 2007: 89). 48
Os nordestinos
Três mitos e três sotaques que, entretanto, não coincidem. Os migrantes nordestinos, apesar de sua presença marcante no Bexiga, não pertencem a nenhuma das representações coletivas do bairro. Essa omissão coloca em xeque a já antiga observação de Francisco Weffort (1979, apud magnani; torres, 2000: 233) de que “os nordestinos têm agora, como os italianos em sua época, a vantagem de uma presença cultural visível na cidade.” Ainda que visível aos olhares mais inquietos, essa presença segue apartada do imaginário coletivo e é silenciada, como um tabu, no discurso que se reitera sobre o Bexiga. Talvez a migração nordestina esteja implicitamente presente nesse discurso quando se fala da “desfiguração” que o bairro sofreu nas últimas décadas. Será que a chegada dos migrantes não seria a “sombra” por trás do processo de degradação física das edificações, de decadência das cantinas italianas e de obsolescência dos atrativos comerciais e turísticos do bairro? Será que esses estrangeiros indesejados, com seu funk e seu churrasco na calçada, não são justamente aquilo ao qual a “resistência da comunidade” quer se opor para fazer “sobreviver as tradições”? Afinal, para aqueles que tiveram algum interesse em inventar e sustentar essas tradições “italianas”, não parece haver vantagens em que o bairro se transforme, no imaginário coletivo, em reduto nordestino. Seu Celestrino, por exemplo, “não aguenta mais tanto nortista”. Aos 82 anos, os viu chegar e se instalar, cada vez mais numerosos. Amigo de infância de Taverna e Puglisi, seu Celestrino diz que os dois, querendo proteger o Bexiga por meio do tombamento e da multiplicação dos restaurantes, acabaram incentivando a ocupação 49
do bairro pelos migrantes nordestinos, que ali encontraram moradia barata e oportunidades de trabalho. Para seu Celestrino, foi uma manobra desastrosa17. As imagens do italiano, do negro e do boêmio remetem a memórias e práticas que não operam para a grande maioria dos atuais habitantes do Bexiga. A constatação dessa incoerência foi o ponto de partida para a observação do bairro. Ao perceber o processo de invisibilização dos migrantes nordestinos, considerei que seria importante me deter sobre os seus lugares no bairro —aqueles lugares que, mais do que um mero cenário de suas vidas, são também produtos de sua prática social. Lugares, portanto, em que se configura a visibilidade desse grupo —pois, como apontaram Lévy e Lussault (2003, apud paris, 2013), “O espaço, sobretudo em seu caráter material, constitui um princípio de realidade societal. Por suas espacialidades, de uma variedade infinita, as substâncias sociais se tornam visíveis, sua existência no seio da sociedade se cristaliza. Falar de espaço é evocar o regime de visibilidade das substâncias sociais.” Pizzarias, calçadas e casas são os nomes dos próximos capítulos deste trabalho. Esses espaços foram percebidos como lugares privilegiados de manifestação de formas de sociabilidade e de relação com o bairro que me interessavam explorar. O enfoque sobre a população de origem nordestina, um grupo particular (e frequentemente negligenciado) que compõe as tramas sociais presentes no Bexiga, possibilitou que eu aprofundasse a leitura da totalidade dessas tramas. Ao longo da pesquisa, percebi que não fazia sentido rechaçar um mito em detrimento de outro. O Bexiga é um território múltiplo que não poderia ser reduzido a um ou outro grupo de estrangeiros. Afirmar, por exemplo, que o Bexiga se tornou um “bairro nordestino” equivaleria a criar uma nova imagem como aquelas de que tratei. Assim, embora eu tenha me concentrado sobre os lugares dos nordestinos, não deixei de
17. Entrevista à autora, janeiro de 2014. 50
notar que essa população ainda convive (concreta ou simbolicamente) com italianos, negros, artistas, intelectuais e outros que não se reconhecem em nenhuma dessas categorias. Contrapondo as representações coletivas a um registro direto das práticas cotidianas, procurei revelar as distorções, omissões e entrelinhas do discurso estereotipado. Isso permitiria reconhecer e dar lugar à multiplicidade, caráter essencial de um Bexiga que vai bem além do mito.
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pizzarias
Depois de identificar e interpretar as mitologias presentes em diversos discursos sobre o Bexiga, procurei contrapor os elementos da representação coletiva a informações recolhidas ao longo de numerosas visitas ao bairro. O trabalho de campo não seguiu um roteiro previamente estabelecido: ele foi sendo desenvolvido passo a passo por meio de sucessivas experiências de aproximação ao terreno. Experiência, aqui, quer dizer ao mesmo tempo vivência e experimento: elas foram encaradas como exercícios de inserção no cotidiano do bairro, e também como experimentação de diferentes estratégias de registro daquilo que eu observava. Assim, de acordo com o tipo de vivência (conversa, entrevista, deriva, mapeamento etc.), fui experimentando técnicas diferentes de registro: relato, fotografia, vídeo, mapa, esquema. A primeira experiência que realizei ganhou o nome de mapa das tipicidades. O objetivo era identificar e situar em um mapa os elementos visuais presentes no Bexiga que remetessem seja à Itália, seja ao Nordeste do Brasil. Esse levantamento considerou apenas os elementos que fossem visíveis —ou melhor, que se dessem a ver— a partir da rua. Em outras palavras, aquilo que estivesse expresso, anunciado, declarado, exteriorizado, afixado, manifesto como tendo relações com a Itália ou com o Nordeste. Foram repertoriados elementos de três tipos: a) nomes e dizeres, por exemplo: Pizzaria Speranza, Cantina Mamma Celeste, “Famiglia Fuzinato, cozinha típica italiana”, Restaurante Itália Mia, Panetteria Italianinha, Museu da Culinária e Cultura Italiana; Restaurante Toca do Lampião, Casa do Norte Cantinho do Sertão, Rancho nordestino, “As melhores pingas do nordeste”, “Comidas típicas nordestinas”, Centro Paulistano de Capoeira e Tradições Baianas; b) símbolos, por exemplo: as cores da bandeira da Itália, a imagem da própria bandeira, a “bota”; um cactus, um chapéu de cangaceiro, um berimbau; c) especialidades: cantinas, pizzarias, foggazzerias; casas do norte, shows de forró, aulas de capoeira, centros de umbanda e candomblé. 57
A maior parte dos locais identificados de acordo com esses critérios são estabelecimentos comerciais ou de serviços que, em geral, vendem mercadorias ditas “típicas”, seja da Itália, seja do Nordeste. São mercadorias principalmente ligadas à alimentação, comercializadas em restaurantes, bares, padarias ou armazéns. Como se pode ver no mapa da próxima página, os locais que fazem referência à Itália estão significativamente concentrados nas ruas Treze de Maio e Rui Barbosa. Já os locais que fazem referência ao nordeste encontram-se mais dispersos. Durante a realização do mapa das tipicidades, me chamou a atenção a quantidade de pizzarias delivery que havia no bairro. Elas constavam do levantamento ora porque tinham nomes que remetiam à Itália (Bella Cucina, La Romana, Bella Napoli), ora porque suas fachadas eram pintadas em verde e vermelho, ora simplesmente por servirem uma especialidade “típica” italiana. Ao mesmo tempo, nomes como Dois Irmãos, Don Juan, Nova Encantu’s ou São Paulo Pizzas me fizeram perceber a que ponto a pizza (e a prática da entrega a domicílio) estão incorporadas à cultura paulistana e já se desconectaram de suas origens italianas. As cores verde e vermelho não designam mais a Itália, e sim a própria pizza. A pizza não é mais italiana, mas paulistana. A realização do mapa das tipicidades me levou a percorrer sistematicamente as ruas do Bexiga atenta ao uso e à apropriação dos espaços pelos seus frequentadores. Ao identificar os lugares que se declaram “típicos” seja da cultura italiana, seja da cultura nordestina, percebi que esses lugares representavam apenas uma pequena parcela dos estabelecimentos comerciais ou de serviços existentes no bairro. Além disso, me pareceu que esses lugares atraíam um público vindo de longe, mais do que os próprios moradores do Bexiga. Por contraste, comecei a notar a grande quantidade de espaços anônimos (nem italianos nem nordestinos) que, eles sim, reuniam a maior parte da população do bairro. É na rua, nos bares, nos churrasquinhos, nos salões de cabeleireiro e nas igrejas que os moradores encontram seus espaços de sociabilidade. 59
Mapa das tipicidades
área do levantamento estabelecimentos “italianos” (24)
Bar Amigo Giannotti, Cantina Capuano, Cantina C... que sabe, Cantina Gran Roma, Cantina Lazzarella, Cantina L’Italiano, Cantina Mamma Celeste, Cantina Montechiaro, Cantina Roperto, Cantina Taberna do Julio, Doceria Sabelucha, La Peninsola Ristorante, Padaria Basilicata, Padaria Catorze de Julho, Padaria São Domingos, Panetteria Italianinha, Pizzaria Speranza, Restaurante Conchetta, Restaurante Gigetto, Restaurante Itália Mia, Restaurante Taboa, Restaurante Villa Távola, Rotisserie Mamma Celeste, Silla’s Pizzaria e Cantina estabelecimentos “nordestinos” (20)
Bar do Damião, Casa Mestre Ananias, Casa do Norte Bom Sucesso, Casa do Norte da Família, Casa do Norte do Ratinho, Casa do Norte União, outras três casas do norte cujos nomes não foram identificados, Cantinho do Sertão, Do Sertão Restaurante, Escola de Capoeira Zungu, Lanchonete Rei da Bela Vista, Núcleo de Umbanda Pena Branca, Oficina Shows de Forró, Quilombolas de Luz Capoeira, Rancho Nordestino, Restaurante Saudosa Maloca, Toca do Lampião, Tonho’s Bar pizzarias delivery (34)
Achiropizza, Água na Boca, Alô Pizza, Barbosa, Bella Cucina, Bella Napoli, Bixiga, Borges, Dois Irmãos, Dom Rafael, Don Juan, Estrela Dalva, Flor da Bella, Gabriela, La Biondina, La Franttine, Lanna, La Romana, Major Quedinho, Mamma Rita, Mano 13, Nova Encantu’s, Papito Pizza, Pizzaria 2013, Rohling, Seraty, Sousa, São Paulo Pizzas e outras seis cujos nomes não foram identificados
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De seus recintos exíguos e quentes, as pizzarias delivery se estendem para a calçada. No intervalo entre dois pedidos, atendente e pizzaiolo vêm se encostar no batente da porta de enrolar. Os motoboys estacionam suas motos junto ao meio-fio e ficam ali à espera da próxima entrega. Às vezes, uma ou duas mesas são dispostas do lado de fora. Clientes podem vir se sentar para tomar uma cerveja ou, mais raramente, comer uma pizza. Quando as mesas estão vazias, são os próprios motoboys que as ocupam. A existência de mesas na calçada parece ter mais a ver com o sucesso da pizzaria do que com as características da via onde ela está situada: não é preciso estar em uma rua “tranquila” ou ter diante de si uma calçada larga para dispor ali suas mesas. Frequentemente trata-se de uma rua movimentada com uma calçada estreita. Em certos casos, não há mesas nem cadeiras. As pessoas então ficam de pé ou se sentam na soleira da porta: o importante é estar junto à calçada, conversar com os conhecidos que passam, ver o movimento, tomar a fresca. Nos bares —que são muitos— predomina o público masculino. Parece até haver uma divisão entre os bares exclusivamente frequentados por homens e aqueles em que as mulheres são também presentes. Homens e mulheres formam pequenos grupos e, em torno de garrafas de cerveja, exercitam o “estar junto”. A comunicação com a rua é direta. É possível ver de fora quem está bebendo no bar e ver do bar o que se passa na rua. De noite e nos fins de semana, a bebida pode ser acompanhada pelo churrasquinho, saído de uma grelha instalada junto ao meio-fio. Em alguns casos, a grelha pertence ao próprio bar, que designa um de seus funcionários para se ocupar do churrasco. Outras vezes, trata-se de um vendedor autônomo que se associa ao bar, um aproveitando a clientela do outro. Por fim, há também aqueles que instalam suas grelhas longe de qualquer bar, prescindindo de bebida, mesas e cadeiras. Em determinados momentos, a calçada pode metamorfosear-se em local de festa. Vizinhos, amigos e parentes reúnem-se para comemorar um aniversário, um casamento, uma data qualquer. Nessas 65
ocasiões, a calçada vira uma sala informal. Os anfitriões organizam o churrasco ou, quando se trata de uma festa infantil, preparam o bolo e as bexigas coloridas. Caixas de som voltadas para fora animam o grupo. A dança e as brincadeiras se estendem para a rua.
— Três vezes por semana, por volta das seis da tarde, Val e Luci repetem o trajeto entre suas casas e a igreja Universal da Brigadeiro Luís Antônio. Com seus maridos e crianças, uma sai da avenida Nove de Julho, e a outra, da rua Dr. Luís Barreto. Foi nas reuniões da Universal que as duas se conheceram e decidiram deixar o trabalho como diaristas para abrir uma pequena loja de roupas na rua São Vicente. Suas trajetórias de vida têm outros pontos em comum: ambas migraram da Bahia entre as décadas de 1980 e 1990, e se instalaram no Bexiga tão logo chegaram a São Paulo. Ali casaram-se com outros migrantes, tiveram filhos e nunca mais saíram do bairro. Apesar dos cruzamentos entre suas histórias, foi somente na igreja Universal da Brigadeiro que ambas terminaram por se conhecer. Algum tempo depois de aberta a loja, resolveram se associar a uma terceira mulher. Sandi não frequenta a Universal, mas vai ao mesmo salão de cabeleireiro que as outras duas, na rua Conselheiro Carrão. Foi lá que as três se encontraram, ficaram amigas e decidiram estabelecer a sociedade. Sandi é de Pão de Açúcar, no interior de Alagoas, e migrou nos anos 2000. Assim como as pizzarias, os bares e os churrasquinhos, salões de igreja ou de cabeleireiro são lugares de reunião, encontro e troca. Ali se tecem laços de amizade, solidariedade e ajuda mútua, partilham-se informações, recursos e oportunidades. As relações que se estabelecem nesses lugares se estendem para as calçadas, onde trajetos cotidianos, encontros fortuitos e conversas informais amalgamam, consolidam e reforçam os laços tecidos naqueles outros lugares.
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Nas noites de segunda a sábado, Maria instala sua grelha na calçada em frente à pensão onde trabalha como zeladora. Vende espetinhos de carne, frango, linguiça e coração, simples ou mistos, a r$3. O lucro é dividido com o proprietário da pensão —afinal, “a casa é dele”. Maria veio para São Paulo aos 13 anos, em 1976, com um irmão mais velho. Desde então, sempre morou na rua Treze de Maio (mas em diferentes lugares). Trabalha há mais de trinta anos para o mesmo patrão, um italiano que possui várias pensões no Bexiga. Nesta da qual Maria é zeladora, os quartos (sem banheiro) são alugados para pessoas solteiras ou casais sem filhos. O preço varia entre r$700 e r$800. No terceiro andar, Maria tem seu apartamento: quarto, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. Sentada diante da grelha, Maria controla o entra e sai dos moradores da pensão, ao mesmo tempo que observa o movimento na Treze de Maio. Nesse trecho, entre a rua Santo Antônio e a Manoel Dutra, a “Treze” está quase sempre às escuras. Não se sabe se é apenas uma falha da iluminação municipal ou, como me diz um morador, “mutreta do pessoal do tráfico”. Seja como for, transparência não é uma característica forte das ruas do Bexiga. De dia como de noite, elas têm zonas de sombra e abrigam práticas que nem sempre se explicitam com nitidez. À luz alaranjada das brasas de sua grelha, porém, Maria não parece sentir-se insegura. Os passantes a cumprimentam pelo nome.
— Domingo, 29 de dezembro, por volta das oito e meia da noite, um ônibus está estacionado do lado direito da rua Santo Antônio, pouco depois da esquina com a Treze de Maio. É um velho ônibus pintado com a marca da viação Cometa. As janelas estão todas abertas. O vidro ao lado do motorista, estilhaçado. Crianças põem a cabeça para fora, inquietas à espera da partida. Junto à calçada, uma menina com uma grande caixa de isopor tenta chamar um táxi. O ônibus acabou de chegar trazendo passageiros e encomendas, e está sendo recarregado para partir novamente em breve. No 68
número 1095 da rua Santo Antônio, funciona uma filial da tcl (Toninho Crente, Luiza e Lediane). De acordo com o cartão de visita, a tcl faz viagens e mudanças com segurança e rapidez para todo o Norte e Nordeste, semanalmente.
— Um fim de tarde de verão, cruzo três meninas que vêm andando lado a lado pela rua Major Diogo. Elas se arrumaram para sair: calça jeans bem justa, regata, sandália, cabelo molhado. Não levam bolsa, mas carregam seus celulares nas mãos e verificam de vez em quando se receberam alguma mensagem. Ao redor delas, pulsa uma expectativa. De repente, uma das três sugere: vamos lá ver os meninos da Maria José? E as outras concordam excitadas, elas dão meia volta e retrocedem pela mesma calçada no sentido contrário, em direção à rua Maria José. Um fim de tarde de verão, as três meninas se arrumaram e saíram para passear pelo bairro, sem destino certo, à procura de oportunidades de encontro. Com os meninos da Maria José, elas talvez continuem o passeio, talvez se sentem em um degrau junto à calçada para conversar, flertar, passar o tempo.
— A rua do Bexiga apresenta uma vitalidade que varia de acordo com um padrão rítmico. Os grupos se compõem, desfazem e recompõem a intervalos. Fluxos e refluxos cíclicos conferem ao ambiente diferentes aspectos, num intenso e cambiante movimento. As calçadas são lugares de passagem e de estar para atores sociais diversos, que as percorrem segundo trajetos particulares e não aleatórios: interligando certos estabelecimentos e não outros, passando por determinadas ruas e não outras, eles resultam de escolhas que refletem preferências e exclusões, e que remetem a um modo de vida, uma linguagem, uma estética e uma ética.
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Os modos de apropriação das calçadas são também diversos. Muitas atividades podem coexistir nesse espaço, redefinindo-o a cada situação. Assim, a rua é um lugar de polisemia: ela comporta os múltiplos sentidos que lhe atribuem, conforme o contexto, diferentes grupos de usuários e modos de apropriação. De acordo com as circunstâncias, a rua assume significados distintos: o que é trabalho hoje pode ser lazer amanhã; o que é público em determinadas situações pode ser privado em outras. O que é rua de uma perspectiva pode ser casa de outra (santos, 1985: 128). Nas calçadas do bairro se expressam o que podemos chamar de práticas populares do espaço, isto é, modos especificamente populares de ocupar, utilizar e transformar o espaço. Conforme observam Thomas Sauvadert e Marie-Hélène Bacqué (2011: 10), “numerosos relatos literários, históricos ou sociológicos descreveram a utilização cotidiana e extensiva da rua como um uso especificamente popular da cidade, fazendo do espaço público um lugar de vida.” Para as [pessoas em situações] mais precárias, esse espaço pode se tornar um espaço “total”, o espaço de todas as atividades, relações e emoções da vida: um lugar de refeições e de repouso, de lazer, de solidariedade, de comércio, de ilegalidades, de rivalidade, de violência, de encontros amicais ou amorosos, de espera e de urgência, de festa, de embriaguez e de drama. Se na maior parte da cidade formal a evolução das condições de vida e de moradia resultou em um recolhimento ao espaço privado, o uso do espaço público continua sendo muito significativo em alguns bairros. À medida que ele é investido cotidianamente por práticas populares que fazem dele “um lugar de vida”, seus limites em relação ao espaço privado se tornam mais tênues. Cada grupo se apropria de parte do espaço do bairro fazendo dela o “seu pedaço” (torres, 2000: 73). Para Pierre Mayol (de certeau et al., 2010: 18-21), o bairro seria justamente a porção do espaço público em geral (anônimo, de todos) na qual pouco a pouco se insinuaria, através das práticas cotidianas de um determinado grupo de usuários, um “espaço privado particularizado”.
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Em consequência de seu uso habitual, o bairro pode ser considerado como a privatização progressiva do espaço público. Trata-se de um dispositivo prático cuja função é assegurar uma solução de continuidade entre aquilo que é mais íntimo (o espaço privado da casa) e o que é mais desconhecido (o conjunto da cidade ou mesmo, por extensão, o resto do mundo): existe uma relação entre a apreensão da casa (um “dentro”) e a apreensão do espaço urbano ao qual ela está ligada (um “fora”).18 No caso dos (i)migrantes, a dialética entre a casa e o bairro, o conhecido e o desconhecido, o formal e o informal, o dentro e o fora, se amplia ao incorporar as relações entre origem e destino, partida e chegada, estrangeiro e nativo, língua materna e língua estrangeira... Para o (i)migrante, sair de casa é deixar o espaço que ele ocupa “entre os seus” para se colocar em relação ao mundo físico e social que o cerca. Apropriar-se do espaço do bairro é efetuar um ato cultural que insere o habitante em uma rede de signos sociais preexistentes. Para o usuário, o bairro é menos uma superfície urbana transparente a todos ou estatisticamente mensurável do que a possibilidade que se oferece a cada um de inscrever na cidade um sem-número de trajetórias individuais cujo núcleo continua sendo sempre a esfera do privado. Sob essa perspectiva, se pode dizer que, no Bexiga, os sucessivos grupos de (i)migrantes se apropriaram do espaço urbano inscrevendo nele suas próprias trajetórias, imprimindo traços particulares de suas culturas e fazendo dele um lugar privilegiado de encontro, partilha e reconhecimento mútuo entre aqueles que dividiam a condição de estrangeiros. Certos usos populares da rua persistiram ao longo do tempo, se prolongando de uma vaga de migração à outra, em função de necessidades identitárias, sociais e econômicas, que transcendiam as diversas origens culturais da população. Essa forma de apropriação é fundadora da vida cotidiana que caracteriza o bairro.
18. Tradução da autora a partir do original em francês. 73
casas
Registro
Ao percorrer as ruas do Bexiga atenta aos elementos que pudessem expressar uma relação com a Itália ou com o Nordeste, percebi que existia uma grande quantidade de placas que anunciavam o aluguel de quartos, cômodos ou quitinetes. Essas placas exteriorizam uma forma de morar que, de outro modo, permaneceria pouco visível a partir da rua. Elas revelam a importância da habitação coletiva multifamiliar no Bexiga. De acordo com a Secretaria Municipal da Habitação, existem hoje 164 cortiços no distrito da Bela Vista, reunindo um total de 2092 domicílios. No distrito da República, são 67 cortiços e 827 domicílios19. Um mapeamento feito pela Secretaria mostra que esses cortiços estão concentrados entre a avenida Nove de Julho, a rua Dona Maria Paula, a avenida Brigadeiro Luís Antônio e a encosta do Morro dos Ingleses —área que corresponde, aproximadamente, ao bairro do Bexiga. Embora o termo “cortiço” seja amplamente utilizado —inclusive no campo da arquitetura e urbanismo— para designar o tipo de habitação multifamiliar que se encontra no bairro, ele guarda uma conotação pejorativa. Seus moradores empregam preferencialmente a palavra “pensão”, que será adotada neste trabalho daqui em diante.
19. Informação verbal fornecida por Keli Cristina Anacleto, funcionária da Divisão Técnica Regional Centro (dear-Centro) da Secretaria Municipal da Habitação, em 21 maio 2014. O mapeamento está disponível em: <http://www. habisp.inf.br/habitacao>. Acesso em: 13 abr. 2014. 77
Mesmo que não constitua a tipologia residencial majoritária no bairro, a pensão é uma forma de morar que distingue o Bexiga do seu entorno e particulariza as relações que se estabelecem entre seus habitantes. Além disso, considerando que a moradia multifamiliar foi instituída no bairro desde a chegada dos italianos, uma análise dessa forma de morar permite notar permanências e transformações nas estruturas físicas e nas práticas de sociabilidade presentes no Bexiga daquela época até hoje. Por essas razões, e a despeito da variedade de tipologias habitacionais que existe no bairro, as pensões são as casas das quais falarei neste trabalho. Minha intenção não é definir essa forma de morar, mas tentar interpretar suas especificidades do ponto de vista das relações sociais e das práticas cotidianas que ela enseja. Em última análise, o objetivo é investigar as relações que os moradores das pensões estabelecem com o bairro. A realidade das pensões se tornou mais visível durante os levantamentos de campo, através da observação dos anúncios de aluguel. Além de permitir identificar as residências multifamiliares, as placas de “aluga-se” dão pistas para interpretar a dinâmica socioeconômica da qual faz parte esse modo de morar. Ao longo de um mês, fotografei todas as placas que encontrei pelo bairro. Três aspectos me chamaram a atenção: a quantidade, a variedade e a rotatividade das placas. Dentre os cerca de cinquenta anúncios registrados, as ofertas variam consideravelmente: alugam-se quartos (ou vagas) “para uma ou mais pessoas”, “para rapazes”, “para moças”, “para srs. e sras.”, “para casais sem filhos” ou “sem filhos pequenos”, para “pessoas sem crianças”, para “rapazes somente com comprovante de trabalho”, “rapazes com cpf” ou “sem vícios”. Outras vezes, simplesmente “aluga-se quarto” —e é na concisão dessa oferta que devem encontrar saída aqueles que não correspondem às exigências das outras placas. Vi placas serem colocadas e outras desaparecerem. Vi placas que não eram sequer retiradas da fachada: eram simplesmente viradas contra a parede e desviradas em função da disponibilidade de vagas. Percebi que era grande o “estoque” de quartos de aluguel, assim como a rotatividade de seus ocupantes. 79
Práticas
A própria palavra “pensão” dá a ideia da rotatividade que essa forma de morar permite, uma vez que o locatário estabelece com o proprietário um vínculo tênue: não há necessidade de fiador, seguro, calção nem aviso prévio em caso de mudança; basta pagar o valor do aluguel em espécie no começo de cada mês. Outros sinais confirmam essa rotatividade. Nas calçadas se descartam móveis usados. O espaldar de uma cama, três gavetas, um colchão queimado, uma televisão, dois pés de mesa. Existem também vários pequenos estabelecimentos que compram, reparam e revendem móveis e eletrodomésticos “de segunda mão”. Há ainda pessoas que comercializam diretamente esses bens, anunciando-os em pequenos cartazes colados à porta de suas casas: “Vende-se um fogão, uma geladeira e um microondas. r$1200. Casa 1”. Mudanças são feitas por carretos que anunciam seus serviços da mesma maneira, com placas afixadas na fachada de casa ou na lateral da caminhonete. Não é raro ver uma kombi ser carregada ou descarregada em frente a uma pensão. A história de Val confirma e explica a dinâmica de rotatividade entre pensões. Ao chegar de Bom Jesus da Lapa, em 1996, ela e o marido se instalaram na casa de um cunhado na rua Abolição. Ficaram dois dias, até conseguirem um quarto em uma pensão da Conselheiro Ramalho. Lá moraram por quase um ano, quando nasceu o primeiro filho —a pensão não aceitava crianças. Desde então, mudaram de endereço inúmeras vezes, mas sempre na Bela Vista. Cada vez que recebia um parente vindo da Bahia, a família mudava para um quarto maior que pudesse abrigar o recém-chegado. Quando ele ia embora —ou porque tinha conseguido um quarto para si mesmo, ou porque tinha voltado para o Nordeste—, 81
a família voltava a procurar um cômodo menor e de aluguel mais baixo. Essas mudanças aconteciam sempre entre algumas mesmas pensões, conforme o ritmo das idas e vindas dos parentes e do nascimento dos filhos20. Assim, dinâmicas informais como a de sublocação de cômodos em residências multifamiliares, a de compra e venda de móveis e eletrodomésticos usados e a de serviços de transporte de mudanças, integram uma dinâmica maior que é a da própria migração. Enfim, é possível compreender a própria migração como uma dinâmica “informal”, “informe”, “maleável”, uma prática de mobilidade que configura situações sempre instáveis, temporárias, “em aberto”. Situações que comportam improviso, adaptação e também o retorno à origem. No discurso de Val, assim como nos das demais pessoas ouvidas, viver em São Paulo não é visto como uma decisão definitiva. Aparentemente, a possibilidade do retorno está sempre contemplada em seus projetos.
— Na maioria das pensões, cada unidade consiste em um único cômodo, ao qual se limita o território privado de cada família. Esse cômodo concentra múltiplas funções desempenhadas pelo conjunto de seus habitantes: ele é ao mesmo tempo o espaço de descanso, de estar, de estudo, de preparo e consumo das refeições. Sanitários e lavanderia são geralmente compartilhados com outros moradores. Essa configuração faz com que, na moradia multifamiliar, as relações entre espaço público e espaço privado se estabeleçam de maneira particular. A transição entre o espaço público (a rua) e o espaço privado (o cômodo) é intermediada por grades e portões e, no interior da pensão, pelos corredores e escadas de uso comum. Tais espaços são
20. Entrevista à autora, janeiro de 2014. 82
razoavelmente permeáveis e por eles passa um fluxo contínuo de pessoas, objetos, palavras e ideias. Essa circulação expressa a instabilidade que caracteriza o modo de vida nas pensões e, por outro lado, a mobilidade de seus habitantes. O morador, individualmente, não tem autoridade sobre esses espaços de circulação: ele não controla a intrusão de pessoas desconhecidas, o uso e a apropriação desses espaços por outros moradores. Por outro lado, parece haver formas coletivas de controle, acordos, códigos compartilhados (e muitas vezes implícitos) que fazem com que um estrangeiro não entre sem ser convidado. A vida na pensão obriga os moradores a conviverem uns com os outros e impõe, para regular esse convívio, certas regras (explícitas ou implícitas) cujo cumprimento é controlado individualmente por cada morador e, às vezes, por um “zelador” com maior autoridade. Essas regras visam garantir o que Mayol (de certeau et al., 2010: 205) chamou de “conveniência”: saber “ficar no seu lugar”, guardar “certa distância” do outro e manter um mínimo de discrição. Ainda assim, as fronteiras entre os espaços de uso comum e o espaço privado tendem a ser permeáveis. O compartilhamento de ambientes que, na habitação unifamiliar, constituem redutos da intimidade da família (sanitários, cozinha, lavanderia) fragiliza a definição do espaço doméstico, que deixa de ser inteiramente privado. No interior desse espaço, a exiguidade e a ausência de subdivisões constrange os membros da família a uma convivência direta e permanente. Nos cômodos das pensões, inexistem certos ambientes que, na casa unifamiliar convencional, garantem a intermediação das relações entre os membros da família: a porta que isola de presenças indesejadas e que obstrui a visão; o corredor que ao mesmo tempo conecta e separa os ambientes; a sala que é o lugar de reunião (em oposição ao quarto, que é o lugar de reclusão). No cômodo de pensão, um único espaço abriga as diversas relações entre os membros da família, suas idades, seus ritmos, seus hábitos, suas intimidades e seus diferentes papéis (filho, irmão, marido, pai). Esse constrangimento, somado a um desconforto físico provocado por condições inadequadas de ventilação e iluminação, pode explicar o desejo de sair de casa, de se retirar para a rua. A casa não 84
convida à permanência e não comporta, muitas vezes, a função de “refúgio”. É preciso passar o portão da entrada para sentir a brisa e se apartar do barulho das crianças, do cheiro da comida alheia. A rua oferece uma possibilidade de escape, mas também de extensão do reduto doméstico. Dessa forma, todo “o bairro poderia ser pensado como um prolongamento do habitáculo” (mayol in de certeau et al., 2010: 21). “O bairro é o meio-termo de uma dialética existencial e social entre o dentro e fora. E é na tensão entre esses dois termos —um dentro e um fora que vai se tornando pouco a pouco o prolongamento de um dentro—, que se efetua a apropriação do espaço.” Moças e rapazes sentam-se nos degraus da entrada das pensões com seus celulares nas mãos, às vezes um cigarro. Mandam mensagens, vêem o movimento, olham os bebês nos carrinhos e as crianças maiores que brincam na calçada. Um par de cadeiras pode ser posto ali.
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Permanências
Não me lembro de nordestinos naquele tempo. Essa invasão dos baianos não passa de vinte anos. Começaram a morar lá no Brás. Na Caetano Pinto tinha muito cortiço. Antigamente eram dos italianos, depois eles foram progredindo e saíram. [...] Depois da guerra, principalmente no largo da Concórdia, o Brás virou a Bahia. Nesse trecho de seu depoimento, o sr. Amadeu, morador do Brás, recorda a chegada dos migrantes nordestinos ao bairro. Esse relato, registrado no final dos anos 1970 por Ecléa Bosi (1994: 144), poderia ter sido contado de forma semelhante por um antigo morador do Bexiga. Adoniran Barbosa cantou os becos, as vilas, as “malocas”, as “casas véias” e “palacetes assobradados”, heranças do Bexiga italiano que foram posteriormente apropriadas pelos migrantes nordestinos. De fato, a moradia coletiva multifamiliar é uma forma de morar presente no Bexiga desde o tempo dos italianos, que permanece não só como estratégia e prática, mas também como estrutura física característica do bairro. Ao estudar as características da imigração italiana no Bexiga, Ana Lanna (2011: 124-125) destacou a opção pela habitação coletiva e/ou de usos múltiplos, em geral associada a atividades de sobrevivência (artesanato, pequeno comércio) de seus moradores. Segundo a autora, esse tipo de moradia era predominante independemente da classe de renda de seus moradores. A opção por essa forma de morar devia-se a um conjunto complexo de arranjos que íam além das condições econômicas dos habitantes.
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Ricardo Marques de Azevedo (1979: 27) concorda que “desde o início a coabitação através da sublocação tenha sido frequente no bairro”. a princípio alugava-se o porão (e quase todos os porões, mesmo os mais insalubres onde o pé-direito mal passava do metro e meio, eram habitados) ou alguns cômodos da casa para outras famílias e, com isso, dividia-se o encargo do aluguel, quando inquilinos, ou aumentava-se a renda familiar, quando proprietários; posteriormente construíam-se puxados com quartos que abrigavam ou a expansão da família original ou novos inquilinos. Para Ana Lanna (2011: 125), Vale destacar que, pelo menos no início do século xx, habitação coletiva não significa exclusivamente pobreza e precariedade. Mesmo famílias abastadas [...] possuíam em seus terrenos mais que uma casa ou nela habitava mais de uma família. Convivía-se em uma proximidade física que configurava a existência de uma significativa diversidade socioeconômica amalgamada por origens comuns e relações familiares. Portanto, a escolha pela habitação multifamiliar tinha a ver com diversos fatores: a configuração física dos lotes, a estratégia de obtenção de renda por meio da locação de imóveis muitas vezes contíguos ao local de moradia e/ou de trabalho, e ainda a constituição de “vizinhanças, onde os laços de família e, sobretudo, de pertencimento a um país comum, estabeleciam redes de sobrevivência e sociabilidade”. Avançando um pouco no tempo, encontramos uma referência aos “cortiços” do Bexiga no final dos anos 1940. Em um artigo sobre o Edifício Japurá, René Galesi e Cândido Malta Campos Neto (2002) descrevem a Vila Barros, o “maior conjunto de cortiços da região central de São Paulo”, demolido em 1948 para dar lugar ao edifício residencial moderno projetado por Eduardo Kneese de Mello na rua Japurá.
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A Vila Barros era um complexo labiríntico de cortiços, implantado naquele local a partir dos anos 1920, onde se uniam, em torno de pátios irregulares, quatro diferentes cortiços entremeados por espaços semi-públicos. O conjunto era composto pelo “Vaticano”, com frente para a rua Santo Amaro, pelo “Pombal”, com frente para a rua Japurá, e internamente pelo “Navio parado” e pelo “Geladeira”. Este grupo de cortiços representava um forte símbolo da produção rentista, irregular, marcada pela precariedade, insalubridade e promiscuidade, conformando uma ‘mácula’ na imagem da cidade [...] A julgar pela quantidade de habitações multifamiliares que ainda existem no bairro, pode-se dizer que a demolição da Vila Barros —que se pretendia “simbólica e exemplar”— foi pontual. A despeito do que dizem certos moradores, que atribuem aos “cortiços” uma “descaracterização” do bairro, a existência das pensões não representa a degradação de um projeto nem um desvio de função, mas sim a continuidade de uma prática habitacional que se apoia no próprio desenho, na estrutura física do bairro e nas construções legadas pelos italianos. Se, por um lado, houve uma mudança na população, por outro lado os usos, as atividades econômicas predominantes, o traçado urbano, as características dos lotes e das edificações são elementos de permanência, sujeitos a transformações lentas e contínuas que antes acomodam do que rompem antigos padrões. Com a progressiva saída de seus primeiros moradores, os antigos sobrados construídos por empreiteiros de origem europeia foram reapropriados. No início dos anos 1990, Lilian Torres (2000: 58-59) escrevera: No Bexiga, os antigos casarões das “famílias extensas” de imigrantes italianos, transformados em sua arquitetura, abrigam a modernidade do néon em letreiros de cafés e bares: menos paredes internas e mais luzes na rua, numa composição de cenários em que presente e passado mesclam-se deixando entrever novas dinâmicas.
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Além de cafés, bares e restaurantes, muitos casarões foram subdivididos em quartos de aluguel para atender à demanda da crescente população de baixa renda. A locação de cômodos parece ser mais lucrativa do que a venda dos imóveis, desvalorizados tanto por causa das restrições impostas pelo tombamento, quanto pelo fato de estarem em Zonas Especiais de Interesse Social (zeis). Por serem tombados, os sobrados convertidos em pensões guardam suas fachadas originais, e muitas vezes a aparência de casas unifamiliares. A fachada dissimula a dimensão e a ocupação dos lotes estreitos e profundos. Pouco permeável aos olhares da rua, ela materializa uma relação contraditória entre a aparência externa e a configuração interna das edificações. Para os nordestinos —como para a população de baixa renda em geral—, as pensões do Bexiga representam uma solução de moradia que facilita o acesso à infraestrutura urbana, a equipamentos públicos e, sobretudo, ao mercado de trabalho. A opção pelas pensões deve ser entendida, portanto, como uma estratégia particular de seus habitantes, que —ponderando inconvenientes e vantagens dessa forma de morar—, acabam aceitando se submeter a condições de moradia precárias e ao alto custo do aluguel para se beneficiar de uma localização estratégica21. Considerando que ainda existe uma grande concentração de emprego (formal e informal) no centro da cidade, morar nessa região possibilita estar próximo ao local de trabalho e, portanto, não depender dos meios de transporte público deficientes e onerosos. Do ponto de vista do empregador, um funcionário que reside a uma distância curta do local de trabalho é preferível, pois não deveria estar submetido aos atrasos ocasionados pelas condições
21. Segundo matéria do jornal O Estado de São Paulo (manso, 2009), em 2009, o valor do aluguel por m2 nos cortiços situados na subprefeitura da Sé era o mais elevado da capital paulista: em média, r$28 por m2. No mesmo período, o valor mais alto de aluguel formal no município era cobrado na região sul, onde o m2 de um apartamento de quatro quartos saía por r$23. 93
precárias do transporte público nem pelo trânsito caótico da cidade de São Paulo22. Além disso, em relação a outros tipos de habitação popular situados na cidade informal, a pensão tem a vantagem de proporcionar aos seus habitantes um “endereço completo” em uma rua cadastrada, o que lhes dá maior credibilidade quando eles se candidatam a um emprego. É curioso notar que, nesse endereço —que consta dos comprovantes de residência exigidos para toda identificação “oficial”—, a denominação do bairro não é Bexiga, e sim Bela Vista. Afinal, o Bexiga não existe enquanto unidade administrativa; ele nada mais é do uma parte indefinida do distrito da Bela Vista. Se o nome “Bexiga” (ou “Bixiga”) vale como representação afetiva, identitária e ideológica, Bela Vista tem mais sentido do ponto de vista pragmático da população atual. Em síntese, além de permitir o acesso a uma concentração maior de infraestrutura e equipamentos públicos, morar no Bexiga é um argumento de credibilidade e visibilidade que favorece o acesso ao mercado de trabalho do próprio bairro e do seu entorno (paris: 2013). Entretanto, deve-se notar que o acesso ao mercado de trabalho não garante qualquer perspectiva de melhoria das condições de vida. Pelo contrário, perpetua-se a situação de exploração e precariedade dos trabalhadores, sujeitos à informalidade, à baixa remuneração, a jornadas de trabalho longas e às vezes noturnas e à instabilidade salarial. Dessa forma, perpetuam-se igualmente as condições de moradia: as pensões, embora tenham características de uma solução temporária, se tornam para muitas famílias uma opção duradoura, quando não defitiva.
22. Uma pesquisa do Instituto Datafolha (“dna Paulistano”, 2009) mostrou que, em 2008, 47% dos moradores da Bela Vista faziam o trajeto de casa para o trabalho a pé. 25% usavam o ônibus; 14%, o metrô; e 10%, o carro. Com relação ao tempo gasto no trajeto casa-trabalho, 22% dos moradores levavam até 10 minutos; 30%, entre 10 e 20 minutos; 16%, entre 20 e 30 minutos; e 18%, mais de 30 minutos. O tempo médio para chegar ao trabalho era de 26,3 minutos, contra 37,4 minutos no conjunto da cidade de São Paulo. 95
Retomando a história de Val, é significativo notar que, apesar de ter mudado de endereço inúmeras vezes, ela sempre preferiu permanecer nas pensões do Bexiga a mudar-se para outro bairro. Ao longo dos anos, sua condição de moradia evoluiu um pouco: hoje a família mora em uma casa de três cômodos com banheiro de uso privado. Mas, mesmo sabendo que poderia encontrar “algo melhor” em outro lugar, Val se diz satisfeita com o que tem e “nem imagina” sair do bairro. Seu caso sugere que o acesso ao mercado de trabalho não é a única razão que leva a permanecer no Bexiga. Outro fator que deve ser considerado —especialmente no caso dos migrantes— é a possibilidade de integração a uma rede local de sociabidade, tecida por laços de parentesco, amizade ou solidariedade. No bairro, ao mesmo tempo em que se cruzam as diversas trajetórias de vida da população migrante e os círculos de rotatividade de seus locais de moradia, existe uma possibilidade de pouso, de iserção e de enraizamento na vizinhança. Formas de ancoragem em uma estrutura social e afetiva que, para essa população, ganha uma importância particular. Os laços de sociabilidade que se estabelecem no bairro de residência se inscrevem em redes sociais maiores, que ultrapassam largamente a escala local. Nas práticas dos (i)migrantes, rotatividade e permanência, trânsitos e ancoragens, instabilidade e pertencimento, contatos de longa distância e práticas de proximidade —em suma: mobilidade e inserção local— não se contradizem nem se opõem: ao contrário, são duas dimensões de uma mesma dinâmica que devem ser analisadas em articulação uma com a outra (authier et al., 2007: 179).
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Patrimônios
Por ocuparem imóveis tombados, as pensões do Bexiga são um objeto de estudo a partir do qual se podem evocar questões ligadas à preservação do patrimônio cultural. Sem a pretensão de aprofundar essas questões, gostaria de apontar alguns elementos de reflexão. A proteção do patrimônio implica ou integra “projetos de memória”: a seleção, pelos órgãos responsáveis, de determinados bens em detrimento de outros, reflete escolhas e delineia discursos sobre a história e a memória de um lugar. No Bexiga, a definição dos bens tombados privilegiou um momento da história e uma população específicos, corroborando a representação do bairro “italiano”. O tombamento respaldou o discurso sobre a “autenticidade” do caráter histórico do bairro e, dessa forma, beneficiou diretamente o desenvolvimento das atividades comerciais de um determinado grupo de empresários cujos negócios se ancoravam na exploração de um valor de “atração turística” atribuído ao Bexiga. No entanto, essas “atrações” (cantinas, pizzarias, docerias, museus) se destinam sobretudo a um público externo ao bairro, que consome o “patrimônio cultural” como uma experiência “pitoresca” e “única” em São Paulo. Ora, para além desse consumo, que “fruição do patrimonio cultural” se oferece aos habitantes do Bexiga? Que vínculos (práticos e simbólicos) se estabelecem entre esse patrimônio, a cultura e o cotidiano vivo da atual população do bairro? Em primeiro lugar, os imóveis tombados têm, para a população atual, um valor de uso, já que a maior parte deles —ainda que em condições precárias de conservação— é usada para habitação ou comércio. Do ponto de vista da utilidade e da funcionalidade, portanto, o patrimônio está bastante integrado ao cotidiano do bairro. 98
Contudo, sabe-se que, embora o uso dos bens tombados seja fundamental para garantir sua preservação e apropriação, a utilidade e o valor funcional do bem não justificam por si só a sua preservação —mesmo porque, do ponto de vista estritamente funcional, outras estruturas seriam talvez mais adequadas para a habitação e o comércio no bairro. Além de qualidades formais, funcionais e estéticas, outros valores —como o valor de memória— fundamentam o tombamento. Dessa forma, é preciso se perguntar que significados e que consequências têm, para a população atual do bairro, a construção e a preservação desse patrimônio. Que lugar os bens tombados ocupam na memória coletiva dos habitantes atuais? Que percepção têm eles em relação à patrimonialização? Para pensar sobre essas questões, alguns elementos interessantes podem ser depreendidos da fala de Maria Aparecida, “representante dos encortiçados” nos debates públicos que precederam a realização do Concurso para Revitalização do Bexiga, em 1989 (prefeitura do município de são paulo, 1990: 84). Outra coisa que o pessoal do cortiço mais quer no momento, é que se reurbanize. Eles não querem sair daquela pensão, eles querem que essas pensões tenham condições dignas. [...] Quanto à moradia o que mais queremos é não sair daqui, porque aqui é o nosso mercado de trabalho. Não é justo a gente ir para a periferia e depender de dois, três ônibus, sair de madrugada e chegar já na metade da noite. Não seria bem mais fácil construir aqui no centro uns apartamentos de blocos, que não precisam ser de luxo nem com portaria. Simplesmente se desmancham esses cortiços que estão feios, que não tem o que se reaproveitar da frente deles. Eles não têm nada de cultura na frente. Só tem uma janela despinguelada, um portão caído, um teto desbeiçado. Fazendo-se blocos de apartamentos para ir passando a esse pessoal, o bairro ficaria muito bonito. Todo mundo morando bem, confortavelmente, seria um bairro agradável. Tendo segurança, tendo mais creches, mais escolas e uma habitação decente, aqui é um paraíso.
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Esse depoimento mostra a fragilidade dos laços de identificação que existem entre a população atual e a memória da qual o patrimônio do bairro é portador. A legitimidade do tombamento desses bens repousa sobre determinados códigos e valores culturais que essa população não compartilha. Para as pessoas das quais Maria Aparecida é porta-voz, o patrimônio do bairro parece esvaziado tanto de seu valor cultural (“eles não têm nada de cultura na frente”) quanto de seu valor estético (desmanchando “esses cortiços que estão feios, [...] o bairro ficaria muito bonito”). Sem reconhecer qualquer importância memorial ou documental, Maria Aparecida só vê a função pragmática dos bens. E essa função eles cumprem mal, porque estão velhos e são pequenos para a quantidade de moradores. Ao mesmo tempo, o depoimento exprime uma identificação com o bairro, a vontade de permanecer ali e de torná-lo mais “bonito”. Sendo assim, o grande potencial que Maria Aparecida vê nos antigos casarões é a possibilidade de desmanchá-los para, nos terrenos liberados, construir casas melhores. Seja porque o patrimônio não corresponde a sua identidade, seja porque a sua preservação limita de forma “inconveniente” o uso que se gostaria de fazer do bem, o tombamento é visto como algo prejudicial, inútil, sem sentido. Fala-se do Bexiga como “um dos mais significativos bairros culturais de São Paulo”. Mas quais são os elementos de cultura que se consideram significativos? O que é, afinal, o “patrimônio cultural” do bairro? Não seria ele justamente a multiplicidade de influências culturais que se amalgamam no espaço, mais do que uma falsa “autenticidade” italiana? Tradição, memória e preservação são elementos do presente: resultam de uma experiência presente e contínua de construção, elaboração, (re)invenção do passado. Como lidar com situações como a do Bexiga, em que a população atual não compartilha as mesmas referências, não se reconhece na memória das populações anteriores? Seria possível integrar ao patrimônio do bairro as memórias estrangeiras que os moradores de hoje trazem consigo e imprimem nesse espaço? Como a preservação do patrimônio, que é uma política de longa duração, pode lidar com o tipo de dinâmica urbana que se observa no Bexiga e em outros lugares do Brasil? São questões que ficam em aberto para futuras investigações. 100
polifonias
O bairro, objeto de estudo de diversas disciplinas, sucita olhares plurais, tanto quanto são plurais os fenômenos que se pode observar em seu espaço. Este trabalho procurou mostrar maneiras pelas quais identidades e memórias diversas constróem o bairro do Bexiga. O ponto de partida foram os discursos mitológicos que sustentam parte dessas identidades e memórias, conferindo maior visibilidade a certos grupos em detrimento de outros. Discursos e práticas cotidianas do espaço foram analisados de forma articulada, ora a partir da observação de campo, ora a partir da interpretação das ideias difundidas sobre o Bexiga. Mais do que apontar transformações, tentei identificar permanências. Foi possível notar que, apesar das mudanças que concernem tanto a população quanto os usos do bairro, existem continuidades nas práticas cotidianas, pois o substrato dessas práticas —em suma, o espaço do bairro— não foi completamente alterado. Antigas estruturas que permaneceram constituem, nas palavras de De Certeau (2010: 195-196), “lugares de trânsito entre os fantasmas do passado e os imperativos do presente.” São passagens sobre as múltiplas fronteiras que separam as épocas, os grupos e as práticas. [...] espaços de troca entre memórias estrangeiras, esses shifters asseguram uma circulação de experiências coletivas ou individuais e desempenham um papel importante na polifonia urbana. A ideia de “polifonia urbana” é interessante e parece se aplicar especialmente bem ao caso do Bexiga. Ao longo da pesquisa, foi possível perceber que as tentativas de reduzir o Bexiga a um único “tema” —qualquer que seja ele: bairo “italiano”, “negro”, “boêmio” ou mesmo “nordestino”— são inapropriadas. A partir dessas categorias isoladas, não é possível apreender o bairro em sua complexidade. O Bexiga se desenha a partir de uma sobreposição de camadas: o italiano, assim como o nordestino, é necessário, mas não suficiente.
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O interesse do Bexiga como objeto de estudo reside precisamente em sua polifonia: na sobreposição de temporalidades, na coexistência de grupos de origens diversas, no entrecortar de diferentes vozes, no cruzamento de representações múltiplas e nas ambivalências entre discurso e prática, imagem e experiência vivida, permanências e mudanças. Tudo aquilo que diz respeito ao espaço é matéria da arquitetura e do urbanismo. Por isso, o Bexiga deve integrar as preocupações dos arquitetos urbanistas não apenas como terreno de projeto, mas também como objeto de reflexão.
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