r iol etras 100 ANOS DE SAMBA
Ano
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Número
Ano 14 - Número 153 Distribuição Gratuita - EDIÇÃO ESPECIAL
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2003
•
Distribuição
gratuita
A origem do Samba Museu do Samba Como surgiu Tipos de Samba A origem da palavra Curiosidades
Nota do Editor
100 ANOS DE SAMBA Já há algum tempo o mundo vem constatando que poucas culturas popu-
lares se orgulham de música tão rica como a brasileira. Tão exuberante e contagiante, que quando visitamos outros países e, nos identificamos como brasileiros, somos prontamente ligados a ela e, quase sempre ao samba. Pintura de um povo alegre, efervescente e feliz, que carrega esse ritmo até no andar. O Brasil é um país extremamente musical. Nele apreciamos uma inigualável riqueza de ritmos originários da sua ampla mestiçagem. Três fios dão origem à trama de nossa musica popular: o índio, o branco e o negro, que entrelaçaram seus sons dando origem a uma rede de inquestionável riqueza e beleza. Nossos tambores continuam repicando desde o boi bumba na região norte até a chula no sul. No entanto, é o samba que melhor representa essa imensidão de sons, pois é o único praticado em todo o país, e que se tornou nossa maior identidade cultural. Teve grande impulso em sua nacionalização quando Getúlio Vargas percebeu sua força popular e o elegeu, juntamente com o rádio, como os pilares da sua busca pela integração nacional. O ritmo se desenvolveu conquistou o Brasil e o mundo, se tornando nosso maior patrimônio cultural. Depois de um período à margem dos holofotes, com a invasão da musica internacional, na última década vem retomando com força seu espaço em todo o país. Em 2016 faz 100 anos que a palavra samba foi grafada pela primeira vez como gênero musical. Impressa no selo do disco da gravação da música “Pelo telefone”, em 1917. por Ernesto Pires
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PONTOS DE DISTRIBUIÇÃO DO RIO LETRAS Estação das Letras, Espaço Unibanco de Cinema Estação Botafogo, Livraria Letras e Expressões Livraria Argumento, Livraria da Travessa, Livraria Prefácio, Livraria Galileu, Livraria do Museu da República, Livraria Empório das Letras, Livraria Dante, Livraria Timbre, Livraria Mar de Histórias, Sebo Baratos da Ribeiro,Sebo Graciliano do Ramo, Evento ConVerso no Café, Evento Ponte de Versos, Evento Quartacapa,Evento João do Rio, Evento Poesia nos Arcos. Evento Poemashow, Sindicato dos Escritores.
Jornalista responsável: Vivi Fernandes MTB 23251 Editora: Júlia Ferreira Fraga Colaboradores: Cláudio Fernandes, Joana Jones, Gabriela Portilho, Rainer Gonçalves, Revista Guia dos Curiosos. Revisão: Corrá Capa: Marina Plaisant Diagramação: Marina Plaisant Ilustração: Diego Mendes, Leandro Lobo, Hector Bernabó Carybé, Thiago Mazza Endereço para correspondência: Rua Senador Furtado, 109/2 Telefone: 2213-4171| rioletras@hotmail.com Este jornal é mais uma iniciativa de RTC EDIÇÕES E PUBLICAÇÕES Rua Cardoso de Morais, 61/820 Bonsucesso - RJ.
A ORIGEM DO SAMBA O
por Cláudio Fernandes
samba originou-se dos antigos batuques trazidos pelos africanos que vieram como escravos para o Brasil. Esses batuques estavam geralmente associados a elementos religiosos que instituíam entre os negros uma espécie de comunicação ritual através da música e da dança, da percussão e dos movimentos do corpo. Os ritmos do batuque aos poucos foram incorporando elementos de outros tipos de música, sobretudo no cenário do Rio de Janeiro do século XIX. A partir do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro, que se tornara a capital do Império, também passou a comportar uma leva de negros vindos de outras regiões do país, sobretudo da Bahia. Foi nesse contexto que nasceram os aglomerados em torno das religiões iorubás na região central da cidade, principalmente na região da Praça Onze, onde atuavam mães e pais de santo. Foi nessa ambiência que as primeiras rodas de samba apareceram, misturando-se os elementos do batuque africano com a polca e o maxixe. A palavra samba remete, propriamente, à diversão e à festa. Porém, como o tempo, ela passou a significar a batalha entre especialistas no gênero, a batalha entre quem improvisava melhor os versos na roda de samba. Um dos seguimentos do samba carioca, o partido alto, caracterizou-se por isso. Como disse o pesquisador Marco Alvito em referência à história da palavra: “Um das possíveis origens, segundo Nei Lopes, seria a etnia quioco, na
qual samba significa cabriolar, brincar, divertir-se como cabrito. Há quem dia que vem do banto semba, como o significado de umbigo ou coração. Parecia aplicar-se a danças nupciais de Angola caracterizadas pela umbigada, em uma espécie de ritual de fertilidade. Na Bahia surge a modalidade samba de roda, em que homens tocam e só as mulheres dançam, uma de cada vez. Há outras versões, menos rígidas, em que um casal ocupa o centro da roda. (ALVITO, Marcos. Samba. In: Revista de história da Biblioteca Nacional. Ano 9. nº 97. Outubro, 2013. p 80).” Esse samba de roda determinou a essência do samba tipicamente carioca, isto é, seu caráter coletivo, com versos de improviso e refrões cantados em grupo. Na virada do século XIX para o século XX, o samba foi se afirmando como gênero musical popular dominante nos subúrbios e, depois, nos morros cariocas. Dois sambistas ficaram muito conhecidos nesse contexto: João da Baiana (1887-1974), filho da baiana Tia Perciliana, de Santo Amaro de Purificação, que gravou o samba “Batuque na cozinha”, e Donga (Joaquim Maria dos Santos) (1890-1974), que gravou, em 1917, aquele que ficou conhecido como o primeiro samba registrado em gravadoras: “Pelo telefone”.
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MUSEU DO SAMBA OFERECE VISITAS MEDIADAS Que tal passear pela história do samba e dos
maiores sambistas brasileiros com o auxílio luxuoso de um especialista? É assim que funcionam as visitas mediadas oferecidas pelo Museu do Samba, nas quais os visitantes são acompanhados por um pesquisador da instituição. Enquanto conhecem o acervo e visitam exposições, o público fica sabendo de detalhes e curiosidades transmitidas pelo pesquisador. A programação do Museu do Samba conta com três exposições permanentes e, periodicamente, recebe novas mostras. A exposição Samba Patrimônio Cultural do Brasil apresenta a trajetória do samba e presta uma homenagem aos sambistas, que, apesar de sua origem humilde, foram capazes de criar uma das maiores organizações sociopolíticas e culturais do nosso país, as escolas de samba. Em Simplesmente Cartola, o visitante tem acesso a fotos, objetos e discografia, que ilustram a vida, a obra e um pouco da história especial desse mestre com que poderiam se identificar muitos e muitos brasileiros. Já a mostra Dona Zica da Mangueira e do Brasil apresenta a biografia de Dona Zica, não apenas como esposa, musa inspiradora e companheira dedicada de Cartola, mas como uma guerreira, batalhadora incansável e sorridente, uma liderança na Estação Primeira e no Morro de Mangueira, um símbolo da mulher negra como força propulsora de nossa cultura. A visita mediada pode ser agendada de segunda a sexta, de 10h às 17h. O ingresso custa R$ 10,00, mas estudantes pagam R$ 2,00. Informações e agendamentos pelo telefone (21) 3234-5777. O Museu do Samba fica na Rua Visconde de Niterói, 1296, em Mangueira, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro.
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por Joana Jones
COMO SURGIU O SAMBA por Gabriela Portilho
O samba nasceu na Bahia, no século XIX, da mistura de ritmos africanos. Mas
foi no Rio de Janeiro que ele criou raízes e se desenvolveu, mesmo sendo perseguido. Durante a década de 1920, por exemplo, quem fosse pego dançando ou cantando samba corria um grande risco de ir batucar atrás das grades. Isso porque o samba era ligado à cultura negra, que era malvista na época. Só mais tarde é que ele passou a ser encarado como um símbolo nacional, principalmente no início dos anos 40, durante o governo de Getúlio Vargas. Nessa música brasileiríssima, a harmonia é feita pelos instrumentos de corda, como o cavaquinho e o violão. Já o ritmo é dado, por exemplo, pelo surdo ou pelo pandeiro. Com o passar do tempo, outros instrumentos, como flauta, piano e saxofone, também foram incorporados, dando origem a novos estilos de samba. “À medida que o samba evoluiu, ele ganhou novos sotaques, novos modos de ser tocado e cantado. É isso que faz dele um dos ritmos mais ricos do mundo”, afirma o músico Eduardo Gudin.
Rio de Janeiro nos anos 20
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TIPOS DE SAMBA por Gabriela Portilho
Samba de Roda
Partido Alto
Samba de Breque
Samba Canção
Samba Enredo
Bossa Nova
Muito parecido com a roda de capoeira, é a raiz do samba brasileiro e está registrado na Unesco como patrimônio da humanidade. Surgiu entre os escravos na Bahia por volta de 1860 e logo desembarcou também no Rio de Janeiro. O samba-de-roda, como a dança, começa devagar e se torna cada vez mais forte e cadenciado, sempre acompanhado por um coro para repetir o refrão. Várias canções do estilo têm versos sobre o mar e as tradições africanas.
Um dos primeiros estilos nascidos no Rio, foi criado no final dos anos 20 em botecos da cidade. No meio do samba rolavam “paradinhas” onde o cantor falava uma frase ou contava uma história. Um dos mestres foi Moreira da Silva. O ritmo é mais picadinho ou “sincopado”, como dizem os músicos -, mas a marca registrada é mesmo a parada repentina. Daí o nome “samba de breque”.
Na década de 1930, quando surgiram os primeiros desfiles de escolas de samba no Carnaval do Rio, nasceu o samba-enredo. No início, os músicos improvisavam dois sambas diferentes: um para a ida e outro para a volta na avenida onde as escolas desfilavam. Com o passar dos anos, o samba-enredo ganhou uma batida mais acelerada que outros sambas - o que ajuda as escolas a desfilarem no tempo previsto.
Pagode
O pagode que hoje faz sucesso pintou como estilo de samba na década de 1980, no Rio, com cantores como Jorge Aragão e Zeca Pagodinho. Nos anos 90, em São Paulo, ficou mais “comercial” - com direito até a coreografia dos músicos - e explodiu nas rádios. O pagode dos anos 80 era muito influenciado pelo partido-alto. Já na década seguinte passou a ter uma pegada mais lenta e romântica. Nos anos 80, o principal era a vida na comunidade; nos 90, as letras românticas.
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Na década de 1930, o partido-alto se popularizou nos morros cariocas. Entre um refrão e outro, os músicos criavam versos na hora, quase como repentistas. As antigas festas de partido-alto chegavam a durar dias! A partir dos anos 70, Martinho da Vila virou um músico marcante do estilo. A principal característica é a improvisação. O partido-alto se mantém, principalmente, pelo jogo de palavras encaixadas no momento certo. O estilo trata de temas do cotidiano, e sempre com o maior bom humor.
Outra cria dos botecos cariocas, o samba-canção apareceu na virada dos anos 30 para os 40. Logo ficou famoso como “samba de fossa”, perfeito para ouvir após um pé na bunda. Cartola e Noel Rosa fizeram grandes músicas do estilo. A batida mais lenta e cadenciada do samba-canção lembra bastante o bolero, outro ritmo musical que fazia sucesso nos anos 40. Em geral, as canções falam de desilusão amorosa - de amores não correspondidos às piores traições! Cansados da fossa do samba-canção, alguns compositores decidiram fazer músicas sobre temas mais leves no final dos anos 50. Nascia a bossa nova. Mestres como Tom Jobim e João Gilberto faziam um samba bem diferente, com grande influência do jazz. Com construções musicais mais “complexas”, a bossa nova tem o chamado “violão gago”, tocado num ritmo diferente do da voz e dos outros instrumentos. O assunto preferido eram as belezas da vida, da praia às mulheres, é claro!
A ORIGEM DO TERMO SAMBA por Rainer Gonçalves Sousa
Ao contrário do que se pensa, durante muito tempo, o termo
“samba” não fazia referência a um estilo musical específico. Nesse período – entre os fins do século XIX e o início do século XX – as pessoas não costumavam “escutar samba”, elas “iam ao samba”. Para entendermos um pouco melhor devemos compreender um pouco da história dos escravos e da cidade do Rio de Janeiro no século XIX. Nesse período, percebemos a ocorrência de dois importantes fatos históricos: a Abolição da Escravatura, em 1888, e, no ano seguinte, a Proclamação da República. Com a abolição dos escravos, um grande contingente da população negra do Brasil abandonou o campo e passou a buscar meios de sobrevivência nos centros urbanos do país.
Muitos desses ex-escravos começaram a sair das fazendas da região norte-nordeste em direção à cidade do Rio de Janeiro. Os negros que fizeram esse trajeto chegaram em uma cidade despreparada para receber esse novo contingente populacional. Dessa forma, os negros passaram a ocupar bairros mais afastados ou se instalaram nos cortiços espalhados pela cidade. Ao mesmo tempo, as dificuldades para se arranjar emprego e o problema da discriminação social foram dois fatores que promoveram a solidarizarão entre essas comunidades socialmente e economicamente excluídas. Uma das formas mais comuns pelas quais os negros reafirmavam seus laços de amizade e cooperação ocorria durante as festas nas casas das “tias” ou das “vovós”. As casas das “tias” e das “vovós” eram grandes pontos de encontro daquelas comunidades. Durante essas festas, ocorria a celebração de rituais religiosos, o oferecimento de variados pratos de comida e a execução de diferentes manifestações musicais. Usualmente, aqueles que frequentavam essas festas diziam que frequentavam o “samba” na casa da vovó (ou da titia). Dessa maneira, antes de surgir a música “samba” o termo era sinônimo de festa. Outros pesquisadores do assunto ainda relatam que o termo “samba” tem origem no termo africano “semba”, que era comumente utilizado para designar um tipo de dança onde os dançarinos aproximam seus ventres fazendo uma “umbigada”.
Antes de surgir a música “samba”, o termo era sinônimo de festa 7
CURIOSIDADES 1. Foi na Rua Visconde de Itaúna, próximo à Pra-
ça Onze, que nasceu o samba. Uma roda de amigos improvisava versos na casa de uma das moradoras do morro, a tia Ciata (Hilária Batista de Almeida).
2. Em 6 de agosto de 1916,
o grupo criou o samba carnavalesco O Roceiro, que caiu no gosto do povo. Donga, um dos participantes, resolveu registrar a canção em seu nome, com o título de Pelo telefone. Quando ela foi gravada, em 1917, os outros integrantes do grupo - Germano Lopes da Silva, Hilário Jovino Ferreira, João da Mata, Sinhô e tia Ciata - reivindicaram direitos pela composição. Donga contestou essa versão.
3. O nome “samba” vem de
uma língua africana chamada banto, falada em Angola. Há duas versões para sua origem: deriva do termo semba (bater umbigo com umbigo), ou é uma junção de sam (pagar) e de ba (receber). Nas antigas rodas de escravos se praticava a umbigada, dança em que dois participantes davam bordoadas um no baixo-ventre do outro.
4. A palavra samba foi utilizada pela primeira vez em 1838,
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pelo frei Miguel do Sacramento Lopes da Gama. O nome apareceu em uma quadrinha publicada
na revista pernambucana “Carapuceiro”. Na ocasião, o termo foi usado para distinguir um dos tipos de música introduzidos pelos escravos africanos - ainda não era o samba que conhecemos hoje.
5. Na década de 1920, o samba começou a se firmar no mercado cultural do Rio de Janeiro. Surgiam as primeiras indústrias nacionais de discos, e os bailes carnavalescos estavam em alta. Os compositores Sinhô e Caninha foram os primeiros a entrar na cena. 6. Em 1930, surgem Noel Rosa
e Ary Barroso, que levam o ritmo popular às classes médias. É também nessa época que são criadas variações do samba como samba-canção, samba-choro, samba de breque e samba-enredo.
7. Com o advento da globalização, elementos norteame-
ricanos são aos poucos inseridos na cultura brasileira. Um dos resultados disso é o surgimento da bossa-nova, que mistura samba com jazz e blues. Destacam-se Tom Jobim e João Gilberto.
8. O samba rural designa um
conjunto de sambas que eram praticados no interior do Estado de São Paulo e em sua capital. Foi uma invenção dos negros escravos e ex-escravos, que costumavam
executá-lo durante as romarias feitas em devoção a São Benedito e outros padroeiros. Reunidos nos barracões, onde se alojavam, eles promoviam disputas de improviso musical entre pessoas de cidades diferentes ao som de uma espécie de zabumba e de outros instrumentos de percussão. As letras falavam de coisas do dia-a-dia, e continham dois ou quatro versos. Uma dança de fileira acompanhava o batuque. Homens e mulheres se dividiam, e enquanto um grupo avançava, o outro recuava.
9. Segundo alguns pesquisadores, é a influência do samba rural no samba tocado hoje nos Carnavais paulistanos que explica o fato de ele ser mais lento e cadenciado do que o carioca. A referência mais antiga ao ritmo está presente em um documento escrito em uma fazenda de Piracicaba em 1856. 10. Na capital paulista, o
samba rural se misturou ao carioca e resultou no cordão, um tipo de bloco carnavalesco. Muitas das escolas de samba de São Paulo surgiram de cordões. Entre elas estão a Camisa Verde e Branco, a Vai-Vai e a Lavapés/Liberdade, considerada a escola mais antiga ainda em atividade. Os cordões desapareceram na década de 1960, quando os desfiles das escolas foram oficializados segundo os moldes do Carnaval do Rio de Janeiro.