Era uma vez um pai e três filhos. Todas as manhãs,
antes de ir para o trabalho, o pai ia levar os filhos à escola, no seu automóvel, a que costumava chamar familiarmente “o meu Bate-Latas” em lembrança do seu primeiro carro, que por ter sido comprado em terceira mão e a prestações, fora baptizado com esse nome que lhe ia a matar.
A mãe ficava em casa a arrumar, a lavar, a limpar, a faz-
er o almoço, e por isso não entra na história.
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Estes filhos tinham-se habituado desde pequenos a ir
de automóvel para a escola. Estavam tão habituados, que já nem achavam graça, e julgavam, calculem, que todos os meninos iam também para a escola de automóvel! Muito, muito mais tarde, o pai arrependeu-se de ter facilitado tanto a vida aos filhos. E que a vida não é fácil para ninguém. Não é bom que os meninos julguem que a vida é fácil.
Mas naquele tempo, o pai gostava muito de levar os fil-
hos. O pai trabalhava todo o dia, não tinha tempo para estar com eles e assim, de manhã, os quatro no “Bate-Latas”, podiam estar juntos, conversar e rir. O pai ficava aborrecido se algum dia não podia levá-los.
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Eles chamavam-se António, Mafalda e Rita. Eram os
três aloirados, e o pai achava-os bonitos. Mas já sabem como são os pais! Acham sempre que os filhos são as crianças mais bonitas do mundo. O António era o mais velho. Tinha oito anos, e achava-se muito superior às irmãs. Vinha a seguir a Mafalda. Tinha seis anos, era a mais teimosa, mas às vezes ria-se tanto que parecia que a rebentar. A Rita tinha só cinco anos e julgava-se tão espertalhona, que o António passava a vida a mandá-la calar.
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Às vezes, o António batia nas irmãs, mas é melhor não falarmos nisso, porque então ficaríamos todos muito desiludidos com ele. Um homem a bater em mulheres! Nunca ouviram dizer que numa menina não se bate nem com uma flor?
Um dia, como de costume, iam os quatro a caminho
da escola, quando o pai se inclinou para o volante, e se pôs a espreitar para a buzina do carro, que ficava mesmo a meio do volante. O pai disse, então:
— Que maçada!
Os filhos ficaram intrigados, julgaram que o “Bate-La-
tas” estava com alguma avaria. O António perguntou:
— O que é, pai?
O pai respondeu:
— Agora nunca mais posso tocar a buzina!
Desta vez foi a Mafalda que fez outra pergunta:
— Porquê, está estragada?
— Não, filha, é por causa dos pirilampos.
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— Eu já andava desconfiado — disse o pai — Ontem à
noite tinha visto umas luzinhas a saírem da buzina. Agora já sei o que é.
— O que é, pai? — interrogou a Rita, que apesar de ser
muito espertalhona não tinha percebido bem aquela história toda.
— Foi uma família de pirilampos que veio instalar-se aqui
na buzina, lá por dentro. Parece-me que são três.
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— O pai, o que são os pirilampos? — perguntou a Rita.
— Parvinha! disse o António.
O pai explicou, então:
— Os pirilampos são uns bichinhos muito pequenos que
vivem no campo. Mas têm luz, é como se fossem lanternas vivas.
— É electricidade? — perguntou a Mafalda.
— É uma espécie de electricidade interior, é como se
tivessem lâmpadas eléctricas dentro da barriga.
Nisto, a Rita começou a rir.
— Electricidade dentro da barriga!
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Quando ficaram mais sossegados, a Rita disse:
— Eu nunca vi pirilampos...
Mas o António, com os seus ares superiores, explicou:
— Eu cá já vi pirilampos, na quinta do tio Manim. E… e
acrescentou muito depressa: — Até já apanhei um.
Nisto, chegaram à escola. O pai disse-lhes:
— Digam adeus aos pirilampos...
Mas eles já nem pensavam nos pirilampos. Saíram do
carro a correr, porque tinham visto o amigos, os colegas, o jardim da escola.
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No dia seguinte, de manhã, iam os quatro outra vez,
quando a Rita deu um grito:
— Ó pai, os pirilampos!
O pai respondeu:
— Sabem, agora já sou amigo deles. Espreitou para a
buzina.
— São uns espertalhões, que vocês nem calculam. São
três: o pai-pirilampo, a mãe-pirilampo e o bebé-pirilampo. E sabem vocês porque vieram instalar-se na buzina?
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— Não! — responderam o António, a Mafalda e a Rita
numa só voz.
— O bebé-pirilampo estava doente. Fazia muito frio. Os
pais tiveram medo de que ele morresse, e descobriram então que dentro da buzina estava muito mais quentinho. Chamem-lhe parvos!
— O pai, posso espreitar?
— Isso não é bem educado, Rita. Eles estão os três no
seu quarto. Tu também não gostas que te espreitem, quando estás com a tua irmã no teu quarto, pois não?
— Mas o pai já espreitou...
O pai respondeu:
— Sim, mas é só quando eles me dizem que posso olhar.
O António, desconfiado, perguntou:
— Como é que o pai os compreende?
— Já sei falar a língua deles.
Disse a Mafalda:
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— O pai, como é que eles se chamam?
O pai pôs a boca muito perto da buzina, e perguntou
aos pirilampos:
— Como é que vocês se chamam?
Depois, pôs o ouvido junto à buzina. Disse então para
os filhos:
— O pai chama-se Pari-Pari. A mãe chama-se Peri-Peri.
E o filho, que já estã muito melhor e mais crescido, chama-se Piri-Piri.
A Mafalda, que costumava rir imenso, deu uma grande
gargalhada:
Depois, os dias foram passando. O pai levava todos os
dias os filhos à escola. Todos os dias, contava-lhes histórias dos pirilampos. Descreveu o quarto em que viviam, contou a maneira como Pari-Pari conheceu Peri-Peri, e às vezes até contava histórias ao Piri-Piri. Houve mesmo um dia em que, como o Piri-Piri não havia maneira de adormecer, todos se puseram a cantar uma canção de embalar, para ele adormecer mais depressa.
Veio o Verão, e durante três meses o pai não levou os
filhos à escola. Em Outubro, quando começaram de novo as aulas, o pai voltou outra vez, muito contente, a levá-los à escola no “Bate-Latas”, que também ia bem disposto. A primeira coisa que a Rita perguntou, logo que entrou para o carro no primeiro dia, foi:
— Ó pai, e os pirilampos?
Foi então que o António disse:
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— Ó minha pateta, então não sabes que era tudo brinca-
deira do pai? E a Mafalda:
— Não há pirilampos nenhuns dentro da buzina!
O pai disse então:
— Essa agora! Vocês dizem que não há pirilampos?
O António e a Mafalda responderam, ao mesmo tempo:
— Não há, não há!
E a Rita, jâ meio desconfiada:
— O pai, é verdade que não há?
O pai olhou para dentro da buzina:
— Estou a vê-los agora mesmo. Vejo o Pari-Pari deitado
em cima da cama. Estará doente? A Peri-Peri anda a varrer o chão.
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— E o Piri-Piri? — perguntou a Rita.
— O Piri-Piri está a dar cambalhotas. Este ano está muito
grande e a luzinha dele tornou-se tão forte, que até parece um farol.
A Rita disse, cheia de curiosidade:
— O pai, deixe-nos espreitar.
— Se quiseres...
A Rita espreitou, e não viu nada.
— O pai, não vejo nada.
— E que fecharam a luz, foram todos dormir. Não sabes
que eles dormem de dia e vivem de noite? Para isso é que eles têm as lanternas.
O António exclamou:
— Não viste nada porque não há pirilampos. Foi tudo
brincadeira do pai.
Os dias foram correndo. Passaram meses. Nunca mais
se falou em pirilampos. O pai continuou a levar os filhos à
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escola, todas as manhãs. Mas um dia, o pai inclinou-se como antigamente para a buzina, e chamou:
— Piri-Piri! Piri-Piri!
Então, a Rita:
— O pai, eu também já não acredito nos pirilampos!
O pai ficou assim um bocadinho triste, e disse:
— A minha filha já não acredita em mim?
Começaram todos a rir. O António disse:
— O pai sabe muito bem que não há pirilampos, aí na
buzina. Como é que eles podiam estar aí dentro?
A Mafalda disse:
— Ó pai, nós já não somos bebés... E a Rita repetiu:
— Já não somos bebés.
Chegaram à escola. Saíram a correr, como de cos-
tume. O pai ficou sozinho, dentro do automóvel. Viu os filhos a conversar com os amigos. Disse-lhes adeus com a mão, e sorriu-lhes. Mas o sorriso do pai era um bocadinho triste.
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Inclinou-se para o volante e disse, em voz baixa:
— Pari-Pari, Peri-Peri, Piri-Piri, é melhor irem-se embora,
e escolherem outro carro e outra buzina. Adeus, Piri-Piri.
Carregou no botão de contacto, destravou, meteu a
alavanca das mudanças em primeira, acelerou, pôs o carro a andar, e foi para o trabalho.
Agora, que os pirilampos se tinham ido embora, já esta-
va cheio de saudades de todos eles. Do Pari-Pari, da Peri-Peri e do Piri-Piri. Porque sabia que nunca mais voltaria a vê-los.
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O pai levava todos os dias os filhos à escola. Todos os dias, contava-lhes histórias dos pirilampos. Eles têm uma espécie de electricidade interior, é como se tivessem lâmpadas eléctricas dentro da barriga. O pai chama-se Pari-Pari. A mãe chama-se Peri-Peri. E o filho chama-se Piri-Piri.