Gestão e produção colaborativa de conhecimentos
Liberdade para criar soluções educativas Desenvolver projetos educativos inovadores e voltados
aos interesses e demandas das juventudes urbanas brasileiras. O programa Oi Kabum! surge com este desafio em foco. Uma equipe de gestores do Instituto Oi Futuro, em parceria com o professor Antonio Carlos Gomes da Costa,1 e especialistas do escritório da UNESCO no Brasil desenharam as diretrizes do projeto pedagógico piloto que passou a nortear o trabalho da primeira escola. O formato inicial da proposta educativa foi idealizado, então, pelo viés colaborativo, com diversos atores envolvidos em sua concepção. Ao longo de doze anos, o programa Oi Kabum! foi ampliado e aperfeiçoado, junto com as Organizações Não Governamentais (ONGs) que se tornaram parceiras na gestão das escolas em quatro capitais brasileiras, colaborando com o Instituto Oi Futuro continuamente na definição dos rumos da iniciativa. Na escola de Belo Horizonte, a coordenação é da ONG Associação Imagem Comunitária; na escola de Recife atua a ONG Auçuba Comunicação e Educação; a escola do Rio de Janeiro é coordenada pela ONG Centro de Criação de Imagem Popular e a escola de Salvador pela ONG Cipó Comunicação Interativa. A seleção das instituições que coordenam as escolas Oi Kabum! levou em consideração critérios como a especialização na promoção do envolvimento dos jovens com a participação social e a experiência na realização de ações de valorização à diversidade cultural, à promoção da cidadania e aos processos educativos emancipatórios. As ONGs parceiras têm trajetórias com muitas intercessões. Todas foram constituídas a partir do movimento de comunicação comunitário brasileiro e tradicionalmente já desenvolviam projetos sociais e educativos de forma colaborativa com a juventude. Os processos de mobilização conduzidos no cerne do movimento pela democratização e acesso público aos meios de comunicação fomentam, tradicionalmente, a
1 Professor Antonio Carlos Gomes da Costa é uma referência para educação Brasileira. Atuou em prol da promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil, participando ativamente da concepção do Estatuto da Criança e do Adolescente.
participação democrática. O trabalho com grupos juvenis atravessa as experiências com mídias comunitárias. As atividades produtivas privilegiam as possibilidades de autorreconstrução e de auto-organização dos grupos sociais envolvidos, de forma aberta e flexível. Em geral, as produções comunicativas empreendidas no interior deste movimento têm como ponto de partida o universo pessoal e cotidiano dos participantes. Revisita-se o que é conhecido, o que é comum, local e ordinário para depois reinventá-lo em parceria com a comunidade envolvida. Assim podemos dizer que ONGs parceiras do programa trazem em seu DNA o princípio da gestão compartilhada e esta dimensão participativa tem sido uma das grandes contribuições das instituições nesta parceria. Este perfil institucional, que atravessa as quatro ONGs, converge com a política de gestão idealizada pelo Instituto OI Futuro, que aposta na capacidade das escolas em construir soluções educativas que possam fomentar significativamente o aprendizado dos jovens. As ONGs têm liberdade para delinear seus projetos pedagógicos, uma vez que cada uma possui seu contexto específico. Porém há diretrizes norteadoras que são comuns às quatro instituições. Todo o conhecimento acumulado pelas unidades é compartilhado com o coletivo de escolas Oi Kabum! e estimulado para ser replicado. As metodologias e práticas educativas das escolas são inspiração para outros contextos, como escolas públicas e espaços culturais comunitários. E por meio das ações multiplicadoras, o programa mantém uma frente que amplia significativamente o seu alcance. Além disso, o Instituto Oi Futuro investe em espaços virtuais e presenciais para a interação entre os atores das escolas – dos gestores aos estudantes. Debates, com foco no planejamento dos rumos do programa, são periodicamente realizados e se constituem também em espaços de compartilhamento e alinhamento de diretrizes metodológicas.
Desafios da gestão compartilhada O programa Oi Kabum! vem confirmando que a colaboração potencializa os resultados educativos e é uma oportunidade para a geração de práticas pedagógicas inovadoras. Porém, é importante ressaltar que os processos colaborativos exigem muita sinergia entre os envolvidos, além de princípios orientadores e procedimentos claros e transparentes. É fundamental criar parâmetros, instrumentos de acompanhamento e sistematização de conhecimento, além de espaços e estratégias de compartilhamento das experiências. Pontos divergentes devem ser debatidos e acordados. Prazos precisam ser estabelecidos previamente e respeitados. As regras e acordos coletivos necessitam ser constantemente avaliados e replanejados.
Escolas Oi Kabum! Liberdade para desenvolvimento de metodologias educativas
Iniciativas educativas compartilhadas e aprimoradas
Inovações replicáveis no âmbito do programa e ações multiplicadoras em outros contextos educativos
Quatro escolas, um mesmo princípio As práticas administrativas e educativas das escolas Oi
Kabum! seguem as diretrizes colaborativas do programa, sendo fortemente marcadas pelo viés participativo. Todas as instituições, cada uma de modo particular, incluem os diferentes atores da comunidade escolar nas formulações pedagógicas e nos processos de tomada de decisão. Eles são convidados a pensar e a debater as práticas pedagógicas, fazendo com que elas sejam concebidas e apropriadas por todos. Com isto é possível potencializar os processos educativos. Tais experiências participativas, apesar de serem reconhecidas como atividades importantes, são desenvolvidas por um reduzido número de escolas no país. A maioria das escolas ainda oferece poucas oportunidades para que os jovens colaborem na gestão. Em geral, a participação é apenas consultiva, por meio de grêmios, e não em um espaço específico, dentro da grade curricular, na qual todos dialogam e participam. Há uma concordância em todas as escolas Oi Kabum! sobre o significado de participação e como estas dinâmicas coletivas e colaborativas podem ser realizadas. Por isso, mesmo que cada escola realize atividades participavas em consonância com seu próprio contexto social, político e cultural, as práticas administrativas e educativas possuem
dimensões participativas comuns, que são as diretrizes programáticas do programa Oi Kabum!. Um bom exemplo é incluir os estudantes na elaboração e no cumprimento das diretrizes da instituição. Os jovens participam da criação de regras de convivência que são discutidas e organizadas coletivamente por toda a comunidade escolar antes de serem colocadas em prática. Regras que incluem a gestão dos equipamentos e a utilização do espaço escolar, entre outros aspectos. A não imposição de regras definitivas por parte das escolas convida a uma responsabilização compartilhada diante das experiências pedagógicas e representa um aprendizado contínuo de diálogo, escuta e negociação de conflitos. Espaços deliberativos de planejamento e gestão compartilhada com os jovens são iniciativas que comprovam o amadurecimento do programa Oi Kabum! em relação à geração de autonomia dos estudantes. As práticas participativas também permeiam os processos de construção dos trabalhos artísticos (vídeos, fotografias, zines, sites, textos, instalações). Educadores e estudantes são corresponsáveis pelas produções, assim como pelo enfoque na abordagem do conteúdo e pelo suporte e forma de escoamento e circulação das peças. O mesmo acontece no processo de realização das mostras artísticas. Os jovens são convidados a participar de várias frentes de trabalho – da construção do conceito, da definição da identidade visual de cada mostra, da curadoria, montagem, divulgação, logística. O espírito de coletividade, o apoio mútuo e a produção colaborativa são vivenciados cotidianamente. Esta experiência configura-se como um fator importante para o fortalecimento da autonomia. Uma curadoria coletiva, na qual os jovens analisam criticamente as obras construídas pelo grupo, ponderam sobre a diversidade/unidade estética e se responsabilizam por viabilizar frentes de trabalho, datas e ações, certamente terá uma apropriação mais orgânica e fundamentada. É importante ressaltar que a participação de adolescentes e jovens não cria “chefes mirins”, ou sobrepõe o poder deles em detrimento dos adultos. Ao contrário, a experiência de participação deve ser construída com a presença e o apoio de adultos responsáveis, dispostos a colaborar na criação de uma nova comunicação intergeracional: adultos e jovens vistos como seres plenamente capazes e com habilidades diferenciadas.
Dimensões da Participação Escolas Oi Kabum!
Gestão coletiva
Práticas educativas
Produção artística
Equipe e estudantes participam da gestão e das diretrizes institucionais das escolas – como as regras de convivência.
Educadores e estudantes colaboram com o planejamento pedagógico, propondo intervenções e aprimoramento dos processos educativos.
Educadores e estudantes se corresponsabilizam e produzem coletivamente trabalhos artísticos (vídeos, fotografias, zines, sites, textos, instalações) e exposições.
Participação e aprendizagem Esta construção participativa em cada escola Oi Kabum! tem se mostrado transformadora, pois busca materializar a educação como campo de produção de conhecimento, emancipação e protagonismo para além do discurso. Os jovens são convidados a cumprir o que foi acordado em relações mais horizontais e vivenciam um rico exercício do aprender fazendo, numa progressão didática mais natural. Participar é, antes de tudo, uma experiência que possibilita aos estudantes a ampliação de suas capacidades, contribuindo para o desenvolvimento do sentido de identidade, da autoestima, de uma visão de mundo mais solidária e sensível às diferenças. Trata-se de uma vivência que propicia o contato e a interlocução entre diferentes opiniões, culturas e ideias. Por meio da participação efetiva, os jovens ampliam as possibilidades de serem sujeitos ativos de suas próprias vidas. Dentre os muitos efeitos da realização de práticas educativas pedagógicas está o de alçar os jovens a uma posição protagonista, ou seja, uma posição ativa nas escolhas da vida. A participação amplia as possibilidades da
presença juvenil na sociedade, uma vez que os jovens têm a oportunidade de participar de decisões que afetam suas próprias vidas, influindo por meio de suas opiniões, ideias e propostas sobre a qualidade das ações das quais vão se beneficiar. Os jovens se tornam mais atuantes e levam este conhecimento para seus territórios. Neste sentido, esta formação contribui para uma certa dinamização das comunidades dos estudantes e, por conseguinte, das cidades. É também muito importante considerar o impacto que o exercício da participação produz no mundo subjetivo dos estudantes, quando estes apresentam baixa autoestima e dificuldades para se expressar ou para elaborar ideias próprias. Ampliando suas habilidades argumentativas durante os diversos processos participativos, os jovens desenvolvem também a capacidade para encarar outras dificuldades que enfrentam, como a exclusão social, cultural, política e afetiva em campos diversos. A participação também gera aprendizados e o desenvolvimento de competências importantes para a formação profissional, se configurando como um elemento importante de preparação para a vida e para o mercado de trabalho. Os educadores Oi Kabum! relatam que os jovens, com o passar do tempo no programa, se tornam efetivamente mais propositivos e atuantes, tanto na escola como nos seus espaços de convivência comunitária, e desenvolvem uma noção de responsabilidade mais acentuada, além de uma sensibilidade estética mais ampliada. Em pesquisas ou encontros com as famílias dos estudantes realizados pelas escolas Oi Kabum! surgem relatos de mudanças significativas. Os familiares apontam que os estudantes têm, por exemplo, se envolvido mais nas questões da organização da vida doméstica. Os alunos vão percebendo com mais clareza que a escola e outros espaços que frequentam não são locais apenas para receber conteúdos e acessar oportunidades, mas também espaços que podem ser transformados a partir de sua ação protagonista e significativa.
Participação democrática e colaborativa A educação se transforma em um campo de produção colaborativo de conhecimentos. Abre espaço para o desenvolvimento do protagonismo juvenil: jovens aprendem fazendo. Estudantes desenvolvem habilidades, tornam-se mais propositivos e responsáveis. A experiência participativa impacta positivamente na vida familiar e no mundo do trabalho de cada estudante.
Processos de ensino e aprendizagem pelo viés da participação • Conhecimento compartilhado: a valorização do universo do conhecimento prévio, das experiências pessoais e das culturas que os estudantes e os professores trazem para a situação de aprendizagem. •
Autoridade compartilhada e flexibilidade dos papéis: entre professores e estudantes.
•
Metas acordadas coletivamente: buscadas também coletivamente.
• Avaliação contínua dos processos e da aprendizagem: com indicadores de avaliação, espaços formais de diálogo e reorientação metodológica.
Semanas de produção coletiva: jovens compartilham conhecimentos 2 em imersão criativa A Oi Kabum! Recife tem um programa formativo que articula conteúdos das dimensões humana, política, ética, estética e técnica de linguagens como a fotografia, o audiovisual, o design, o campo da arte e tecnologia, entre outros. Ao longo dos primeiros seis meses na escola, os (as) jovens são convidados a participar das Semanas de Produção Coletiva - uma imersão criativa - produtiva que dura apenas dez dias. Neste reduzido período de tempo são estimulados a criarem projetos artísticos de forma colaborativa. Os trabalhos são apresentados em uma exposição itinerante. A mostra é chamada de Kaldo de Cana, já que é montada, visitada e desmontada em um único dia. É realizada em uma das comunidades dos jovens, escolhida por eles (as) a partir de discussões sobre a cidade, seus territórios, sobre o acesso e a produção cultural. A Kaldo de Cana mobiliza e articula diversos e variados espaços de cada território por onde circula: comércio, residências, escolas, centro culturais. Fortalece assim a parceria com as comunidades e as torna coautoras da atividade. O mote do convite feito aos jovens para imersão nas Semanas de Produção Coletiva é a livre expressão a partir da abordagem e reflexões sobre macro conteúdos: identidade, território, arte. Todo o processo de pesquisa, criação e produção das obras é consequência da atuação conjunta e integrada dos (as) jovens e equipe da escola. As Semanas de Produção Coletiva são ainda especiais e decisivas para a Oi Kabum! Recife, pois fundamentam
2 Texto produzido a partir de entrevistas com os educadores Élida Santana, João Lin, Vicente Eduardo e com base no projeto político pedagógico da escola Oi Kabum! Recife.
as bases participativas de todo o processo formativo e produtivo que será desenvolvido até o final da formação dos (as) jovens. Marcam bem este momento, já que os (as) jovens são recém-ingressos na escola e a equipe de educadores colhe e acolhe as referências do novo grupo, os seus modos de fazer, de ser e de refletir. É neste ponto que currículo da escola começa a ser alterado em favor e em consequência do ingresso de um novo grupo de estudantes. Para conseguirem realizar uma mostra artística em apenas duas semanas os (as) jovens necessitam invariavelmente colaborar entre si, lançando mão dos conhecimentos colhidos até então na formação da Kabum! e também trazendo a tona suas próprias referências sobre arte, cultura e tecnologia. Produzir a partir de seus repertórios simbólicos, de suas percepções, ideias, opiniões, anseios, valores, visões de si e do mundo, permite que jovens e equipe aprofundem reflexões sobre a hierarquização de saberes (acadêmico X popular, científico X empírico, tecnológico X artesanal), fortalecendo uma prática e uma relação educativa onde cada saber, por mais complexo ou simples que seja, tem sua incompletude. O grupo vai assim aprendendo a contar com a ajuda de outras pessoas. Aprendendo a fazer conexões com outros saberes e a desenvolver uma percepção integrada dos conhecimentos adquiridos, estabelecendo relações bem concretas entre estes conhecimentos e suas experiências pessoais e de suas comunidades. As Semanas de Produção Coletiva permitem que os jovens consolidem uma visão transdisciplinar sobre os conteúdos curriculares, diluindo fronteiras entre as linguagens artísticas e impulsionando a criatividade. Ao produzirem colaborativamente e ao mesmo tempo refletirem sobre esta prática, novos saberes são gerados. Esta experiência produtiva, de colocar a mão na massa, amplia a própria noção de linguagem artística. Os jovens, por exemplo, fazem usos não convencionais de seus conhecimentos técnicos. Uma iniciativa que ilustra bem esta articulação é a experimentação com a técnica do
stencil e a fotografia. Os estudantes fotografaram o cotidiano de duas comunidades e depois transpôsuram as fotos através da técnica de stencil para camisetas. Estas camisetas foram trocadas por camisetas (usadas, novas, velhas...) dos moradores do Ibura, comunidade do Recife que recebeu a mostra Kaldo de Cana3. Foi uma intervenção artística permeada de provocações sobre o valor da arte, por onde circula, quem a produz. A realização das Semanas de Produção Coletiva tem mostrado que os (as) jovens se identificam com desafios coletivos e valorizam o potencial criativo do trabalho produzido de forma conjunta; e que se sentem mais confiantes ao se reconhecerem como realizadores, sujeitos capazes de materializar ideias, de concretizar ações. As limitações de tempo, de recursos financeiros e tecnológicos deixam de ser problemas impeditivos da produção e são convertidas em elementos dinamizadores de todo o processo. Os estudantes utilizam os recursos que tem a mão e isto gera mais foco no aspecto criativo e do que nos recursos caros ou sofisticados. O desafio de realizar obras artísticas em tão pouco tempo exige que os educadores apoiem e acolham os (as) jovens, que tragam novas informações, provoquem reflexões e, em certa medida, produzam em parceria com eles. A criação e resolução de problemas de forma coletiva permite que as relações entre educadores e estudantes se tornem mais horizontais e dialógicas. Os jovens começam a se ver como sujeitos ativos na construção de conhecimento e de sentidos e percebem os educadores como parceiros e mediadores deste processo. A experimentação artística proporcionada pelas Semanas de Produção Coletiva abre, em alguma medida, um campo para uma “reinvenção” do jovem por ele mesmo, através dos discursos que elaboram e imprimem nos trabalhos. E se ao mesmo tempo se evidencia que os espaços de expressão da juventude popular urbana não estão dados a priori e não são abertos automaticamente, os jovens entendem que o pensam e tem a dizer tem valor, sentido e gera possibilidades.
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A experiência de uma escola gerida por todos Débora Santos educadora e pesquisadora
A Oi Kabum! Belo Horizonte envolve todos os atores do universo escolar na condução dos rumos da escola. O projeto pedagógico propõe o envolvimento dos alunos, educadores, familiares, funcionários e da comunidade em geral nos processos de gestão, tornando-os corresponsáveis pelas decisões tomadas e ações desenvolvidas. Todos são convocados a dividir conhecimentos e responsabilidades, a lançar mão do discurso como ferramenta de ação política, a considerar as opiniões dos outros e a rever continuamente seus pontos de vista, em um processo constante de autocrítica e autorreflexão. Ainda que essa lógica de organização sociopolítica traga dificuldades e desafios, possibilita novos olhares sobre a educação e parece se mostrar como condição fundamental para o exercício pleno da cidadania no âmbito de outras relações que extrapolam o ambiente escolar. A proposta de Gestão Coletiva na Oi Kabum! BH se baseia na organização da comunidade escolar em Grupos de Gestão. O tempo para as reuniões desses Grupos fazem parte da grade curricular. Trata-se de uma carga horária dedicada diretamente à gestão e à reflexão sobre suas dinâmicas de funcionamento, o que inclui: a infraestrutura e a organização da escola, políticas de uso e compartilhamento de espaços e equipamentos, sistemas de circulação de informações e tomadas de decisão sobre temas de interesse coletivo. Os grupos contam com a presença de oito a doze jovens e um ou dois educadores, coordenadores ou membros da equipe técnica, que exercem a função de orientadores. Orientar não significa centralizar funções nem se responsabilizar individualmente pelas tarefas do grupo, pois o objetivo é promover o desenvolvimento, pelos jovens, da autonomia e capacidade de autogestão por meio da divisão de responsabilidades. A participação se dá prioritariamente a partir da escolha dos próprios jovens – isto é, eles escolhem de qual grupo querem participar.
Perpassando as ações de todos esses grupos, e com um papel central na proposta de Gestão Coletiva da Escola, está o Conselho Gestor, uma instância de representatividade dos jovens em diálogo com a coordenação. Diferente dos demais grupos, o mecanismo para a participação no Conselho Gestor é eleitoral. Os interessados se candidatam e os jovens votam nos colegas que irão representá-los. São eleitos dois representantes de cada turma, em um total de 10 a 12 jovens, cuja função é levar demandas, problemas, temáticas e sugestões para a pauta de discussão do Conselho. Eles têm também a função de informar e dialogar sobre as discussões realizadas, dando retorno aos colegas sobre o que foi deliberado.
O que os estudantes aprendem com a gestão coletiva?
Considerar a opinião de todos como importante para o bem coletivo.
Incorporar o erro, o acaso, o risco e o conflito, pois eles também produzem bons aprendizados.
Estabelecer metas, criar estratégias para concretizá-las, seguir prazos, entender e expressar com mais clareza o que visam realizar.
Articular o conhecimento com a prática e evitar a superespecialização e a fragmentação dos campos do saber e do fazer.
Ser parte da escola e colaborar ativamente com sua manutenção para evitar os danos que eles aprenderam serem difíceis de resolver.
Modificar as formas de ver o mundo e de se relacionar. Os jovens passam a buscar e até exigir, também em outros espaços sociais que frequentam, que as relações sejam pautadas por critérios mais participativos e democráticos.
Habilidades de organização pessoal, autonomia, capacidade de argumentação.
Aprendizados sociopolíticos e de relacionamento interpessoal.
Grupos de Gestão como espaço formativos Os Grupos de Gestão desenvolvem, de modo mais profundo,
a autonomia, a capacidade de argumentação e o envolvimento com o coletivo, extrapolando a formação em arte para desenvolver aprendizados sociopolíticos e de relacionamento interpessoal. É o espaço em que a opinião de todos conta e onde o que está em jogo é o bem coletivo. Estes aprendizados resultam do fato de terem que tomar decisões em conjunto e desenvolver tarefas de gestão e de produção. Os estudantes demonstram compreender a importância de um sistema de organização coletiva e se apropriam dos preceitos básicos da proposta com muita rapidez. Eles vivenciam o processo deliberativo com bastante consciência. Um exemplo foi o debate sobre descontos na bolsa de estudo dos jovens. A questão dizia respeito à criação de uma política na qual a bolsa de estudos recebida pelo jovem para participar da Oi Kabum! BH sofreria desconto de acordo com a quantidade de faltas e atrasos que ele apresentasse durante o mês. A decisão envolveu variáveis importantes, como os motivos para as faltas e atrasos e o valor que deveria ser descontado. A discussão sobre o tema foi longa, o que permitiu que todos os envolvidos expressassem seus pontos de vista e compreendessem as razões das medidas. Ao fim do processo os jovens diretamente afetados legitimaram a política construída (mesmo aqueles que, a princípio, não concordavam com ela). Vale destacar que os jovens têm clara noção de que o resultado satisfatório dessa decisão só foi possível por causa da forma como ela foi tomada, isto é, atendendo aos preceitos fundamentais da deliberação democrática. Os estudantes também vivenciam a complexidade da organização de uma instituição, aprendendo a lidar com burocracias, a negociar e a desenvolver novos procedimentos de gestão. O Grupo de Gestão da Biblioteca, por exemplo, acompanha processos de compra de livros. Orientados pelo educador responsável, fazem orçamentos em livrarias, acompanham a encomenda e a entrega e catalogam os exemplares no acervo. Ao acompanhar um
Cardápio dos grupos de gestão Os Grupos de Gestão não possuem eixos temáticos fixos, podendo ser reconfigurados de tempos em tempos. Alguns exemplos de grupos são: Grupo Comunicação: desenvolve ações relativas à comunicação interna e externa à escola. Grupo Biblioteca: cataloga os livros, organiza o processo de empréstimo e devolução, faz novas aquisições para o acervo, além de organizar saraus e encontros literários. Grupo de Equipamentos: cuida da manutenção dos equipamentos da escola, da política de empréstimo, desenvolve ações de sensibilização para o uso consciente. Grupo Escambo de Saberes: promove a troca de conhecimentos entre membros da comunidade escolar, organizando micro-aulas e oficinas de conteúdos diversos dentro da escola. Grupo Montagem de Exposições: cuida da organização e armazenamento do acervo de trabalhos artísticos, organizando mini-mostras e exposições itinerantes dentro e fora da escola. Grupo de Pesquisa: desenvolve mini-pesquisas conduzidas pelos jovens sobre temas de interesse da escola.
processo relativamente simples como este o jovem percebe que o livro não sai da livraria e simplesmente aparece na prateleira da escola. Os estudantes aprendem sobre a complexidade dos fluxos logísticos de todo processo (seja ele criativo, produtivo, administrativo ou de qualquer outra natureza). Esta vivência propicia o desenvolvimento de habilidades de organização pessoal. Eles aprendem a estabelecer metas, criar estratégias para concretizá-las, seguir prazos, entender e expressar com mais clareza o que visam realizar. Esse tipo de aprendizado tem reflexos diretos no mundo do trabalho, na formação de profissionais mais autônomos e com habilidades que extrapolam a atuação em áreas específicas, evitando a superespecialização e a fragmentação dos campos do saber e do fazer. A simples compra de um livro também leva a uma maior consciência da importância de ter cuidado com o espaço e com a infraestrutura que se utiliza. O mesmo ocorre com o Grupo de Gestão de equipamentos que, entre outras funções, cuida do almoxarifado da escola, onde são armazenados câmeras, microfones, computadores e todo tipo de ferramentas. Na medida em que passam a se ocupar de tarefas ligadas à manutenção, organização e conservação de materiais e espaços da escola, os jovens sensibilizam seu olhar e se tornam mais atentos no seu uso. Eles reveem hábitos e comportamentos inadequados ou danosos aos bens coletivos, pois apreenderam que não é simples comprá-los, mantê-los e consertá-los caso se estraguem. As relações sociais e o modo como lidam com a vida em coletividade também são influenciados pelas experiências ligadas à gestão vividas na Oi Kabum! BH de diversas formas. Os estudantes passam a identificar contextos, externos à escola, em que sua participação é levada em conta. Eles acabam modificando antigas formas de ver o mundo e de se relacionar. Os estudantes começam a exigir, também em outras esferas da sua vida, que as relações sejam pautadas por critérios mais democráticos.
Desafios para a construção da escola democrática A experiência de gestão coletiva cria espaço para que divergências e conflitos se manifestem. É preciso que haja discordância para haver negociação. Mas se não há regras pré-definidas, a todo tempo surgem dificuldades. A capacidade de gerir colaborativamente é desenvolvida de maneira gradual pelos jovens. E é fundamental que os educadores façam a mediação das discussões e saibam intervir quando necessário, apoiando os jovens neste aprendizado. O educador precisa abandonar o papel de único detentor de conhecimento e poder e reconhecer a autonomia e os conhecimentos prévios dos jovens. É preciso estar atento para criar mecanismos que equilibrem as desigualdades na capacidade de persuasão entre os participantes do debate – fator altamente influente no processo de tomada de decisão.
Desafios e perspectivas Certamente, são muitos os desafios que se colocam quando se opta por uma proposta pedagógica que cria espaços para que a divergência e o conflito surjam e se tornem visíveis. Lidar com o conflito tem um caráter ambíguo: ao mesmo tempo em que constitui a essência da proposta, representa também um de seus principais desafios. Por um lado, o conflito se mostra necessário para a própria natureza da Gestão Coletiva: é preciso que haja discordância para haver negociação. Mas se não há regras pré-definidas, a todo tempo aparecem dificuldades. Uma questão delicada, por exemplo, diz respeito à efetividade do poder de decisão dos jovens. Até que ponto a tomada de decisão está nas mãos deles? Em que áreas eles estão aptos a tomar decisões? A aposta da Escola Oi Kabum! Belo Horizonte tem sido deixar que os jovens se pronunciem sobre as suas prioridades de forma bem livre. Estando, a princípio, aptos a participar de qualquer decisão, muitas vezes os estudantes se mostram insatisfeitos com o tratamento dado a certas questões e julgam que sua participação foi limitada. Por isso, é essencial compreender que a capacidade de gerir colaborativamente é desenvolvida de maneira gradual pelos jovens. É preciso mediar as discussões e saber intervir quando necessário, assumindo as responsabilidades de gestores ou educadores. A distribuição do poder entre todos os atores da Escola é um aspecto fundamental da proposta de Gestão Coletiva. Este fato permite uma diversificação das habilidades e competências desenvolvidas pelos jovens e por toda a equipe da escola. Mas o aspecto mais relevante desse exercício de inversão de papéis tem uma dimensão política: algumas dicotomias – que em geral colocam um dos polos em posição superior – são rompidas. Por exemplo, muitas vezes o educador ou funcionário é reconhecido como o único que detém o saber, e os conhecimentos prévios e práticos dos jovens não são reconhecidos. Nesta dinâmica de Gestão Coletiva as dicotomias entre saber intelectual e o fazer prático, o especialista e o leigo, são rompidas. A quebra dessa distância dada a priori entre os que dominam determinada área de conhecimento ou
knowhow técnico, como os educadores, coordenadores ou funcionários, e os leigos, como os estudantes, é fundamental para encorajar os jovens a se arriscarem na realização de tarefas que sempre lhes foram negadas e os despertarem para a possibilidade concreta de participação. O objetivo central da Gestão Coletiva é mais pedagógico que institucional. O foco principal não é que todas as deliberações sejam inteiramente conduzidas pelos jovens, mas que eles aprendam sobre o processo de gestão e negociação de conflitos. É preciso respeitar fluxos decisórios, lidar com a frustração e desconstruir o imaginário de que participar de uma proposta de gestão coletiva significa decidir tudo coletivamente – ou a despeito de qualquer relação hierárquica. Para o educador, a princípio aquele que detém o saber e o poder de decidir em sala de aula, trata-se de reconhecer a autonomia dos jovens. Nas escolas tradicionais pode acontecer dos educadores subjugarem os estudantes ou não reconhecerem neles a capacidade de se desenvolverem com autonomia e aprendendo a fazer escolhas. Assim o educador precisa abandonar lugares de poder e práticas educativas cristalizadas, utilizando sua autoridade, mas sem impô-la a qualquer custo aos jovens. O educador precisa exercer a autoridade de forma legítima. Certamente, os jovens precisam desenvolver habilidades discursivas e argumentativas para que possam participar da gestão de uma instituição de forma eficaz e efetiva. Porém, a dificuldade de parte dos jovens em negociar suas questões não se apresenta como evidência de uma incapacidade argumentativa intrínseca, mas sim da carência de oportunidades para que descubram e desenvolvam competências que lhes são constantemente negadas, a ponto de que eles próprios ignorem que as possuem. Entretanto, reconhecer a desigualdade de habilidades discursivas entre educadores e jovens é reafirmar a necessidade radical de criar, nos processos formativos, contextos que lhes permitam desenvolvê-las. Os jovens precisam ser incentivados a falar e a argumentar, por meio de exercícios que potencializem situações de debate e da criação de canais efetivos de participação.
Os princípios pedagógicos participativos que pude conhecer e vivenciar Ana Luiza Ferreira estudante
A Oi Kabum! Belo Horizonte é uma escola diferente de todas
as outras que tive a oportunidade de estudar. Desde o início, os profissionais têm a preocupação de transmitir para os alunos a importância da gestão compartilhada como uma proposta que atravessa os princípios da escola. Tive o privilégio de frequentar no mesmo período outra escola técnica, o Núcleo de Empreendedorismo Juvenil (NEJ), que tem como objetivo capacitar os jovens para o mundo do trabalho, com foco no empreendedorismo. As experiências marcantes nos dois espaços me estimularam a realizar, no último semestre de 2013, uma pesquisa na qual, por meio de conversas e entrevistas com as pessoas diretamente envolvidas com o ensino das duas escolas técnicas, pude compreender melhor os princípios pedagógicos que regem o ensino de tais instituições de ensino. A minha investigação foi realizada por meio do grupo de pesquisa, que eu fiz parte, da Oi Kabum!. É um dos grupos que colaboram com a gestão coletiva do espaço. Só a existência deste grupo já é um bom exemplo da proposta pedagógica diferenciada da Escola. Apesar da dificuldade em conciliar as aulas nas duas escolas técnicas, mais as atribulações do ensino médio regular, este período certamente ficará marcado em minha trajetória pessoal e profissional, pois encontrei em ambas as instituições o espaço necessário para o desenvolvimento das minhas habilidades profissionais e também uma maneira de praticar meu autoconhecimento. Logo que ingressei na Escola Oi Kabum!, escutei uma frase que continua sendo repetida pelos educadores que compõem a equipe de profissionais: “Nós acreditamos que quando estamos ensinando algo, também estamos aprendendo com os alunos”. Por meio da pesquisa realizada, e também pela minha vivência, pude perceber que a postura é adotada na prática, com a oferta de atividades que permitem que os alunos possam aproveitar
a flexibilidade da escola. Não se trata de algo pensado apenas na teoria e esquecido na prática. É algo que sai do papel e pode ser sentido e visualizado no dia a dia da escola. Admiro a capacidade dos educadores da instituição em compreender que todos nós aprendemos uns com os outros, todos os dias das nossas vidas. Outra coisa que aprendemos na escola é a importância da autonomia. Mesmo indiretamente, todas as propostas de atividades procuram trabalhar a independência do aluno. Exemplo disso são as tarefas coletivas que acontecem com frequência e incentivam o trabalho em equipe, assim como a liberdade de criação dos alunos. A didática dos professores, a dinâmica das aulas e a flexibilidade da grade curricular são exemplos dos princípios pedagógicos utilizados. A autonomia pode ser sentida na forma como a Escola se estrutura, com a existência de Grupos Gestores e de um Conselho Gestor. Por meio dos Grupos Gestores, os alunos podem participar da gestão da escola. Alguns exemplos desses grupos são o de Sustentabilidade (para pensar em maneiras menos impactantes de se relacionar com o ambiente) e o da Biblioteca (responsável pelos empréstimos e conservação das obras literárias existentes na Oi Kabum!). Já no Conselho Gestor, os representantes de todas as turmas têm o papel de dar o apoio necessário para os outros grupos gestores da escola.
A orientação como mais um espaço de aprendizagem Outro momento muito importante que faz parte da estrutura
da Oi Kabum! é o da Orientação. A escola disponibiliza um educador que terá um contato mais próximo conosco, prática que permite, por exemplo, a identificação e
possíveis soluções de nossos problemas pessoais ou mesmo escolares. A orientação que tive em minha passagem pela Oi Kabum! foi um dos momentos mais importantes da minha formação profissional e humana. Foi uma oportunidade de não só compreender quem é aquele educador que me orienta e como foi a trajetória profissional e a história de vida dele, mas também de aprender muito com essa relação. Tive a chance de ver de perto um conceito que até então eu só havia vivido no campo das ideias: a desconstrução do professor como um ser soberano e inalcançável pelo aluno. Essa aproximação entre professor e aluno, que acontece na orientação e em outros momentos, rompe barreiras e acaba com a ideia ultrapassada de que o professor é o único dono do conhecimento. Esta experiência foi essencial para a minha formação, ainda mais por ter acontecido de maneira leve e espontânea. A palavra “mercado” é abordada na Escola Oi Kabum! com um sentido diferente do que estamos acostumados. O objetivo da escola, no meio profissional, é não só formar especialistas que se adequem pura e simplesmente às exigências do competitivo mercado das artes, mas que também possam atuar de maneira significativa, praticando o protagonismo na área profissional e pessoal. São tantas as coisas aprendidas e vivenciadas que me sinto na obrigação de compartilhar com os meus colegas do ensino médio regular os conhecimentos adquiridos.