Capitulo6

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Geração de oportunidades produtivas para os jovens


O desafio de conciliar educação, trabalho e projetos juvenis A atividade laboral tem centralidade para a vida nas

sociedades contemporâneas, circunscrevendo a autoidentificação da maioria dos indivíduos. Existe a tendência de definir as pessoas pela função ou profissão que elas desempenham. Não é por acaso que uma das primeiras perguntas feitas, quando conhecemos outra pessoa, é: você faz o quê? Antes mesmo de perguntar sobre as preferências, gostos e hábitos, queremos saber qual é o trabalho desse indivíduo que acabamos de conhecer. Por vezes, o trabalho deixa de ser um meio de obter recursos para determinados fins e passa a ser um fim em si mesmo. E para os jovens não é diferente.

O trabalho não só garante as necessidades de sobrevivência, mas é também um meio de se sentir pertencente a um ethos1 juvenil. Alguns estudiosos da juventude2 chamam atenção para o fato de que o pertencimento dos jovens em seus grupos é ditado por costumes e hábitos, tais como namorar, acessar lazer e entretenimento, estar na moda e consumir diferentes bens materiais. Grande parte destas atividades depende do consumo e o trabalho possibilita ao jovem o dinheiro necessário para realizá-las, tomar decisões e fazer escolhas sobre sua vida. No caso da juventude popular urbana, o sentimento de inclusão social não é garantido apenas pelo fato de estar ou não no mundo do trabalho. É fundamental considerar as condições, a qualidade e o tipo de relação que o jovem estabelece com o trabalho encontrado. As desigualdades e hierarquizações sociais que se materializam no mercado de trabalho, também estão refletidas nos sistemas de ensino profissionalizante.

1 Ethos significa um conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou região. 2 Entre eles destacamos os pesquisadores Regina Sposito, Helena Abramo e Juarez Dayrel.


Para os jovens de famílias com nível de renda alto, geralmente se destina a formação geral, propedêutica3, que tem como nível de conclusão o ensino superior. Para os jovens de famílias de baixa renda, a alternativa mais comum é a educação profissional de nível médio, um ensino que, muitas vezes, prioriza apenas a dimensão técnica, excluindo a dimensão intelectual do trabalho. Neste último caso, aprender uma profissão se relaciona apenas a dominar um conjunto de técnicas restritas e submetidas a um posto de trabalho. Trabalhadores jovens, e também adultos, são formados exclusivamente para desempenhar tarefas e funções específicas. Trata-se de uma concepção de educação profissional na qual o trabalho manual está separado do intelectual, o que reproduz e mantém as hierarquias das categorias profissionais.

Proposta formativa para o mundo do trabalho Um projeto educativo que propõe a profissionalização dos jovens pelo viés da formação integral, precisa também partir de uma concepção mais integral sobre o trabalho. Assim o programa Oi Kabum! busca superar as limitações do ensino profissionalizante tradicional, oferecendo uma formação que vai além da capacitação técnica restrita a determinada função. desenvolvimento técnico e artístico dos jovens torna-se um caminho para a concretização de uma formação que integra múltiplas dimensões, voltada para o desenvolvimento pleno dos estudantes. A expressão artística incentiva e amplia a capacidade de leitura crítica do mundo pelos jovens, criando condições para que eles possam escolher profissões e se posicionar de forma mais positiva frente às questões laborais. Os estudantes vivenciam um processo formativo pautado no

3 Conjunto de estudos nas áreas humana e científica que precede, como fase preparatória e indispensável, os cursos superiores de especialização profissional ou intelectual.


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scar o, utu preci ra elim inan de um que do a bra r o f s set luxo da estr

respeito a si mesmos e aos outros, no diálogo, na superação do individualismo, no reconhecimento das diferenças. Dessa forma, os jovens podem também compreender as desigualdades sociais, de gênero, de geração e de acesso a postos de trabalho. O conhecimento intelectual, técnico e a produção laboral pela via da cultura são indissociáveis no contexto das escolas Oi Kabum!. O trabalho é, desta forma, um princípio educativo do programa. Busca-se desenvolver uma visão integrada da realidade, que possibilite aos estudantes o enfrentamento crítico dos desafios gerados pela vida social e, também, pelas formas de trabalho na sociedade. Ou seja, a educação integral prevê que as demandas e projetos pessoais e profissionais de cada jovem possam emergir e se realizar. A formação dos jovens não enfatiza exclusivamente a empregabilidade, até porque tal inserção é complexa e atravessada por uma série de variáveis. Mais do que a integração com o mercado formal já existente, o programa procura levar os jovens a dialogar com o mundo do trabalho, em um movimento crítico e criativo.

Eixos de atuação do Núcleo de Produção

/ nas u l o , 4 c loca o t tex ssa co e s s o Ne up e e ond a cim

Suporte ao jovem empreendedor

Editais internos

Editais externos

Prestação de serviços

Periodicamente, são promovidas pela escola ações em forma de oficinas, encontros, palestras e workshops, que abordam aspectos relacionados à dimensão social do mundo do trabalho. Sob o viés prático, promove a articulação entre a vida profissional e os projetos de vida dos jovens. Temas como gestão de processos, captação de recursos, análise de custos, prospecção, confecção de orçamentos, prestação de contas, atendimento ao cliente, entre outros, fazem parte do dia a dia dos estudantes no Núcleo de Produção.

As escolas Oi kabum! promovem editais de seleção para projetos autorais dos estudantes. Os projetos selecionados podem utilizar a estrutura física, equipamentos e recursos materiais das unidades escolares e ainda receber um aporte financeiro para viabilizar a execução dos trabalhos artísticos e sociais.

O Núcleo de Produção oferece apoio, orientação e suporte para que os jovens possam se inscrever em processos seletivos e outras linhas de fomento a trabalhos artísticos e culturais. Com o apoio da escola, os estudantes participam de festivais, exposições, eventos culturais.

Jovens prestam serviços a empresas tais como, produção de vídeo, cobertura fotográfica, produção gráfica, web design, entre outros. O Núcleo de Produção recebe demandas espontâneas de empresas, mas as escolas também buscam fazer mapeamento de oportunidades e estabelecer parcerias, de forma a ampliar as possibilidades de experimentações e geração de renda pelos jovens.


isam o ma s mont form ar e a bon ssa tas, ita m as i as sem , nfo rma çõe s

Formação para o mundo do trabalho

Formação para o mundo do trabalho

Trabalho como princípio educativo

Formação integral

Produção artística autoral dos jovens

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Leitura crítica do mundo e consequentemente do mercado de trabalho

Resultados esperados

ü Contribuição para superar as limitações do ensino profissionalizante tradicional, oferecendo formação que vai além da capacitação técnica restrita a determinada função. ü Promoção d e uma visão integrada da realidade e com condições de afirmar identidades mais positivas. ü Orientação e criação de oportunidades para que projetos pessoais e profissionais dos jovens se realizem. ü Diálogo e integração com mercado de trabalho formal, e também a criação de possibilidades p rodutivas alternativas.


Núcleo de Produção: incubadora de projetos e oportunidades Após os meses de formação básica, os estudantes da

Oi Kabum! podem fazer a opção pela continuidade dos estudos e ingressar no Núcleo de Produção, um espaço formativo voltado ao mundo do trabalho e ao empreendedorismo. O Núcleo oferece a possibilidade de os jovens aprofundarem seus estudos de forma autônoma e de terem experiências profissionais com o acompanhamento de um educador. Participar do Núcleo de Produção é uma escolha voluntária do estudante. As escolas organizam um processo seletivo que leva em consideração, principalmente, a trajetória estudantil de cada interessado. Os estudantes são estimulados a desenvolver projetos autorais e fazem prestação de serviços a empresas e instituições do terceiro setor ou comunitárias. Por meio do Núcleo de Produção as escolas buscam criar oportunidades para que os estudantes gerem algum tipo de renda, em muitos casos é neste espaço que eles vivenciam a sua primeira experiência profissional. O estímulo à prestação de serviço visa a complementação da formação dos estudantes por meio de vivências práticas, porém, sem permitir que esta dinâmica se transforme em oferecimento de mão de obra barata ao mercado. Assim, os jovens recebem formação e orientação para transformar estas experiências em aprendizagem.

Transcriação Nas últimas edições do Prêmio Portugal Telecom, jovens do programa Oi Kabum! realizaram pequenos vídeos baseados nos livros selecionados pela curadoria. O trabalho para a produção destes vídeos é fundamentado na experimentação de técnicas de transcriação, em que os jovens são estimulados a interpretar e traduzir os livros em vídeos ou animações. As peças audiovisuais são chamadas de booktraillers, vídeos de curta duração que são disponibilizados na internet com o intuito de contribuir para o processo de formação de leitores, especialmente entre o público juvenil. Os jovens da Oi Kabum! também promovem círculos de leitura e realizam oficinas de transcriação literária, envolvendo estudantes ou jovens egressos do ensino médio da rede pública do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Salvador. Todos os alunos do programa que se envolvem neste processo são remunerados pela organização do Prêmio.



Editais de projetos: selecionando ideias, editando arte e vida Jean Cardoso

Educador da escola Oi Kabum! Salvador

Em 2006, logo após a conclusão da primeira turma de

estudantes na etapa de formação básica da Oi Kabum! Salvador, foi criado o Núcleo de Produção da escola e seu programa formativo foi fortemente inspirado nos avanços das políticas juvenis nacionais e de governos estaduais e municipais4 brasileiros. A escola inovou, abrindo editais de seleção de projetos artísticos de autoria dos estudantes. A iniciativa se tornou referência para a Oi Kabum! e passou a ser replicada por todas as escolas do programa. A Escola de Arte e Tecnologia Oi Kabum! Salvador foi aberta em 2004. No ano seguinte à fundação, a lei federal de n° 11.129 criou o Conselho Nacional da Juventude (Conjuve)5 e a Secretaria Nacional de Juventude. Ainda em 2005, foi implementada a Política Nacional de Juventude (PNJ)6, que abrange temas como educação, mundo do trabalho, participação social, esporte, lazer, cultura e tecnologia. Esses avanços nas políticas públicas mudaram as oportunidades para a juventude brasileira e o olhar sobre ela. A iniciativa dos editais de seleção de projetos se fundamenta na garantia dos direitos juvenis e na aposta em suas capacidades produtivas. Esta foi uma das primeiras experiências no Brasil que ofereceu aporte financeiro diretamente aos jovens. Os editais são formulados nos moldes de leis de incentivo à cultura, o que possibilita aos estudantes uma experiência bem similar as do mercado cultural no país, que tem neste mecanismo de incentivo um eixo de financiamento importante. A escola Oi Kabum! Salvador já promoveu quatro editais de projetos. A cada ano é organizada uma edição com temática distinta e que propõe novos desafios para os jovens. Os estudantes desenvolvem seus projetos ao longo de seis meses. Nesse período participam de oficinas de elaboração de projetos e orçamentos, aprofundam-se em questões técnicas e produzem suas obras. Ao final, a escola promove uma exposição artística com o resultado de todos os projetos apoiados pelo edital.

4 Vale destacar o programa Vai, criado em 2003, no município de São Paulo. Foi a primeira lei de incentivo à cultura voltada à juventude urbana e que inovou, repassando recursos financeiros a fundo perdido para os projetos juvenis selecionados. 5 http://juventude. gov.br 6 http://secretariageral. gov.br/atuacao/ juventude/politicanacional


Gambiarras, sensores, interatividade: a cara da produção artística dos jovens Ano após ano as obras artísticas produzidas pelos jovens, através dos editais, foram ganhando em complexidade e em experimentação com linguagens. Por meio dos editais, os jovens já discutiram temáticas ligadas aos direitos humanos, denunciaram preconceitos, mostraram seus sonhos e desejos. A produção juvenil revela um olhar próprio dos jovens sobre os temas e, nas três últimas versões dos editais, os jovens trouxeram principalmente uma marca comum em suas obras: a interatividade. Essa mudança do perfil dos editais não foi por acaso e traduz a abordagem sobre a arte e a tecnologia que é priorizada pelo programa, articulando o hi tech e o low tech como um princípio pedagógico. A equipe de educadores do Núcleo de Produção de Salvador promoveu várias oficinas com artistas que desenvolviam projetos com arte e alta tecnologia e que traziam uma discussão sociopolítica sobre questões contemporâneas, inclusive sobre o uso de alta tecnologia. A convivência dos estudantes com estes artistas impulsionou novos rumos para a produção dos jovens. E a escola potencializou esta experiência, introduzindo mais fortemente programas de software livre7, projetos com metarreciclagem8, conceitos como “faça você mesmo” (do it yourself), propondo intervenções urbanas. Aliado à interatividade e à alta tecnologia, um dos conceitos mais usados nos projetos dos jovens e que tem um caráter político, social e cultural forte é a gambiarra. Este é um conceito que se articula fortemente com a identidade baiana. Quem anda pelas ruas de Salvador está rodeado desses objetos criativos, utilizados por ambulantes vendedores de café, vendedores de taboca9, vendedores de pipoca, vendedores de DVDs e CDs. A gambiarra explorada como recurso para a expressão artística envolve improvisação, inventividade através de recombinação tecnológica e articulação de novos sentidos para os objetos. No caso da produção artística juvenil, através dos editais, estes significados muitas vezes dialogam com a realidade local dos estudantes. O lixo eletrônico é um problema do mundo

ver mais sobre o assunto na página xx. 7 Software que permite adaptações ou modificações em seu código de forma espontânea, ou seja, sem que haja a necessidade de solicitar permissão ao seu proprietário para modificá-lo. 8 Metarecilagem envolve o desenvolvimento de ações de apropriação e desconstrução de tecnologia, de maneira descentralizada e aberta, propondo uma transformação social. 9 Taboca é tipo de biscoito feito com casquinha de sorvete, bem fininha, vendida em formato de canudinho.


contemporâneo que artistas, coletivos culturais, ativistas ambientais e projetos sociais estão transformando em arte com o conceito de metarreciclagem. Cada vez mais se vê na arte contemporânea obras usando materiais recicláveis com dispositivos eletrônicos, muitas delas feitas com programas de software livres e que são, geralmente, instalações interativas. A metarreciclagem foi fundamental para a criação de gambiarras eletrônicas pelos jovens nos seus projetos. A construção coletiva é uma característica importante do fazer das gambiarras, pois reflete um processo artístico mais humano, mais compartilhado. Com isso, o uso das tecnologias pode ser repensado, além da melhor maneira de uso dos equipamentos, desconstruindo o que o mercado dita. As produções interativas dos projetos dos jovens via gambiarra se conectaram com a periferia e, tanto foram produzidas de forma colaborativa, como se conectaram a outras iniciativas sociais também colaborativas, o que gerou mais valor social para as obras.


Conheça as produções de alguns projetos

LabKabum! Recife: espaço de produção e pesquisa em arte e tecnologia Moisés Barreto

Ex assessor pedagógico da escola Oi Kabum!

Michela Albuquerque e João Lin

Coordenadores da escola Oi Kabum! Recife

Oi Kabum! Recife já havia desenvolvido diversas atividades para fortalecer e ampliar a reflexão e a produção em arte e tecnologia na Escola. Residências artísticas, seminários, cursos que indicaram a importância de se configurar um espaço focado na geração de oportunidades de produção experimental para jovens e equipe. Temas como sonoridade e sinestesia, ambientes imersivos, cultura digital, corpo e performance, coletivos de arte e tecnologia, intervenções urbanas, mobilidade digital e internet das coisas mobilizaram o interesse das turmas de jovens. A pesquisa e a produção em arte e tecnologia estão cada vez mais integradas ao currículo da escola e esta forte conexão mostrou a importância de se formalizar um espaço para a experimentação e a investigação artística e tecnológica. Assim o LabKabum! é fruto de uma série de investimentos da escola, através de ações intencionais e estruturadas para fortalecer a pesquisa, a produção e a disseminação de conhecimento no âmbito da instituição. Enquanto metáfora e campo de ação, o LabKabum! se propõe ser um espaço-tempo de construção de aprendizagens pela práxis que orbita nos campos das tecnologias digitais, da arte contemporânea, da robótica, da transdisciplinaridade aplicada em processos objetivos de criação em arte e tecnologia. O laboratório visa a exploração dos potenciais estéticos e criativos que o campo da arte contemporânea possibilita, através de aparatos low e high tech, computação física, internet das

A internet das coisas se refere a uma revolução tecnológica que tem como objetivo conectar os itens usados do dia a dia à rede mundial de computadores.


coisas, artesanias análogico-digitais, o uso de softwares livres e de códigos abertos para a construção coletiva de obras de arte, dispositivos, metodologias interativas e ambientes imersivos, percebendo a ação hacker como uma possibilidade de protagonismo real dentro e fora da web. O LabKabum!, nesta perspectiva, é um centro irradiador de pesquisa, produção e disseminação em arte e tecnologia da Oi Kabum! Recife. As atividades do LabKabum! acontecem em diálogo com o currículo da escola. Busca-se ainda uma interação orgânica e de aprendizagens recíprocas dos (as) jovens de cada turma em curso e dos integrantes do Núcleo de Produção com estudantes egressos da Oi Kabum! Recife, parceiros nas comunidades em que a escola atua, artistas e educadores (as), além de alguns convidados (as). O paradigma transdisciplinar é uma das bases conceituais e epistemológicas do LabKabum!, cujas experiências permitem aprofundar conteúdos e fazer descobertas, como uma ação em laboratório proporciona: pesquisa, experimentação, fomento, reflexão e partilha. As frentes de trabalho que estão sendo tocadas pela equipe pedagógica da escola, transitam por campos inter e transdisciplinares, criando um contexto dinâmico da pesquisa ação. A afinidade com a transdisciplinaridade se dá pela própria proposta de hibridizar linguagens, fundir campos/ técnicas e suportes dinâmicos de ordem conceitual e prática no campo da arte e da tecnologia, possibilitando a síntese de novas experiências discursivas e estéticas, que geram culminâncias de aprendizagem - sistematizadas em obras nas quais as fronteiras de linguagens, formatos e suportes são tênues e interpenetradas. Uma instalação, por exemplo, dialoga com sensores de presença, códigos abertos, design de interação, mapas mentais e espaços populares num todo dinâmico, coeso e interfacial, que necessariamente requer uma percepção transdisciplinar, recombinante e sinestésica. O que chamamos de fenômenos de consciência, processos de aprendizagem criativa, capacidade de encontrar soluções e formas de interagir na realidade, são de natureza transdisciplinar. O fato de imaginar e projetar um simples artefato, bem como materializá-lo, é um complexo processo de natureza transdisciplinar

Laboratório de tecnologias e novas mídias da Oi Kabum! Belo Horizonte A escola Oi Kabum! Belo Horizonte tem um laboratório de experimentação tecnológica voltado para a produção de conhecimento e a criação de tecnologias digitais. A proposta é que o espaço funcione como um centro para pesquisa e desenvolvimento de software, aplicativos, jogos, sistemas interativos.


OBJETIVOS DO LABKABUM!

• Produzir obras de arte e tecnologia com foco educativo e estético-político. • Criar metodologias imersivas, criativas e experimentais em educação e sistematização de conhecimento e memórias. • Pesquisar, fomentar, criar e disseminar conhecimentos e práticas no campo da arte e da tecnologia. • Produzir tutoriais para a construção de obras de arte e tecnologia criadas e desenvolvidas na escola, para serem partilhados, livre e solidariamente, com educadores/as, artistas e estudantes. • Realizar intercâmbios com universidades e outros espaços de pesquisa, produção e disseminação de arte e tecnologia, visando aprendizagens recíprocas.

• Promover palestras, oficinas, intercâmbios em eventos de educação, arte e tecnologia. • Atuar nas comunidades junto à juventude popular urbana, estimulando a criação e a disseminação de obras de arte e tecnologia, que dialoguem com as realidades e aspirações estéticas, políticas, sociais e comunitárias dos (as) jovens. • Realizar mostras itinerantes, intervenções em espaços educativos, comunitários ou participar de eventos nacionais e internacionais de arte e tecnologia.


Intercâmbios com o mundo do trabalho André Luiz Ferreira Educador

“A escola Oi Kabum! e tudo o que fazemos aqui são um sonho realizado . T rabalhar com criação e poder pagar as contas com isso foi o que eu sempre quis .

Além disso, é muito bom conhecer pessoas com visões tão diferentes .” F ilipe Gonçalves, estudante

O Núcleo de Produção da escola Oi Kabum! Salvador criou uma estratégia de aproximação com o mercado de trabalho formal, que vem colaborando com os dois pontos destacados pelo estudante Felipe: gerar renda e conhecer pessoas e cenários profissionais com visões diferentes. A escola mobiliza empresas e profissionais liberais que atuam em áreas que se cruzam com a formação técnica que é oferecida aos jovens. Os estudantes têm a oportunidade de acompanhar os processos produtivos em ambientes de trabalho formais durante uma semana. Eles cumprem uma jornada diária de quatro horas. Os profissionais são sensibilizados pela equipe de educadores da Oi Kabum! para que possam compreender a proposta educativa e exercer da melhor maneira o papel de orientadores dos jovens. Após esta semana, o jovem é avaliado pelos educadores da escola e pelos profissionais. O estudante também avalia a empresa e se avalia. A semana de vivência no mundo do trabalho tem a importância de aproximar os estudantes de processos produtivos diferenciados do que eles têm contato no seu cotidiano escolar. Além disso, é uma oportunidade para coviverem com profissionais que não têm o perfil de educadores, o que exige do jovem o exercício mais intenso da autonomia, do dinamismo e da pró-atividade. O período do intercâmbio é curto, mas oferece referências sobre o trabalho formal e a dinâmica das áreas profissionais de interesse dos estudantes. Muitos jovens, após a experiência, percebem que idealizavam determinada profissão ou confirmam alguma vocação. Todas estas percepções são trabalhadas em reuniões e oficinas de


forma intencional pelos educadores da escola. A partir deste processo, os jovens reformulam seus projetos de vida e podem traçar planos profissionais mais conectados com suas habilidades e com a realidade do mundo do trabalho. As empresas e profissionais que recebem os estudantes têm demonstrando um maior interesse em dar continuidade ao intercâmbio. Alguns jovens são convidados a prorrogarem o período de vivência ou a participarem de processos seletivos para a ocupação de cargos dentro das empresas. Mesmo as empresas que não realizaram processo seletivo, fizeram questão de receber o currículo e o portfólio dos jovens para futuras oportunidades de prestação de serviços ou contratação.

Resultados da vivência no mundo do trabalho Aproximação dos jovens com as empresas e profissionais da área de arte e tecnologia. Experiência que inspira e contribui com a reorganização do projeto de vida dos estudantes. Ampliação da rede de contatos com o mundo do trabalho. Percepção positiva do mercado formal sobre os estudantes da escola Oi Kabum!.


Núcleo de Produção e suas contribuições para as trajetórias profissionais de jovens Warley Fabiano Santos

Educador da escola Oi Kabum! Belo Horizonte

Atuo como educador do curso de artes visuais e do Núcleo

de Produção da escola Oi Kabum! Belo Horizonte. Há anos eu era um jovem artista em busca de colocação profissional e me defrontava com desafios semelhantes aos enfrentados pelos estudantes da escola hoje em dia. Sabemos que o programa Oi Kabum propõe a formação técnica do jovem como um caminho para a sua formação integral. Nem todos os jovens terão a carreira artística ou o trabalho com a tecnologia como meta profissional, ainda que as habilidades conquistadas por meio da experiência produtiva nesse ambiente escolar sejam decisivas para qualquer profissão na contemporaneidade. Compartilharei aqui algumas reflexões sobre resultados que observei acompanhando a trajetória de jovens que decidem ingressar no Núcleo de Produção da escola.

Aprofundar estudos = escolhas profissionais mais planejadas Ao longo de minha trajetória, pude perceber que o Núcleo de Produção da Oi Kabum! é capaz de auxiliar em alguns conflitos que os jovens vivenciam com os familiares. Existe uma tendência das famílias dos estudantes em apostar no trabalho com a carteira assinada como a única alternativa para a segurança financeira. Nos casos mais extremos, essa pressão familiar faz com que o jovem abandone a escola para buscar um emprego. Como o Núcleo de Produção cria oportunidades de geração de renda para os jovens, os estudantes conseguem negociar o apoio para investir por mais um tempo nos seus estudos e desenvolver de forma mais planejada seu projeto profissional. Esta é uma importante conquista que é ocorre graças ao Núcleo de Produção. A primeira que destaco.


Poder prorrogar o ingresso no mercado de trabalho formal muitas vezes significa uma vantagem para o jovem, que pode fazer posteriormente escolhas mais planejadas e, por isso, melhores. Em 2012, por exemplo, a escola foi procurada pelo Projeto Cinema no Rio, que há anos realiza exibições de cinema e oficinas nas comunidades localizadas ao longo do Rio São Francisco. A organização do evento buscava um profissional que pudesse auxiliar na produção e edição de vídeos, assim como na realização de oficinas de produção audiovisual. A escola Oi Kabum! Belo Horizonte intermediou o processo seletivo, indicando dois jovens egressos do programa que poderiam ter o perfil desejado pelo parceiro. A produtora realizou as entrevistas e uma jovem foi selecionada para participar do projeto, sendo posteriormente contratada para um período de experiência. Depois desse primeiro relacionamento bem sucedido, a produtora audiovisual Cinear procurou a escola com interesse em contratar outros jovens. Acompanhei casos como esse, em que os jovens tiveram sua primeira experiência profissional orientada e comprovei como isso ampliou as chances de continuidade efetiva no mercado de trabalho. Essa é a segunda contribuição concreta do Núcleo de Produção que destaco.

Experiência 0 profissional orientada = mais chances de acessar oportunidades e permanecer no mercado de trabalho Para elencar outros resultados e desenvolvimentos significativos gerados pelo processo formativo do Núcleo de Produção escolho contar a história da Sara Silva. É uma jovem artista de Belo Horizonte, que foi estudante


da Escola Oi Kabum! BH. A trajetória da ex estudante exemplifica alguns processos de diálogo dos jovens com o mercado formal, as estratégias alternativas que são criadas por eles e os tipos de enredamento que estas estratégias oportunizam e que contribuem significativamente para a sustentabilidade dos jovens artistas.

Sara e a arte de escrever sua própria vida profissional Sara tem 25 anos e cursou vídeo na primeira turma da

escola Oi Kabum!. Ela mora com a mãe, aposentada, e mais dois irmãos. Não vê o pai, caminhoneiro, desde os seus 10 anos de idade. Ela é a última de uma família de três filhos. A trajetória de Sara é marcada por um processo conturbado de escolarização. Aos 12 anos, interrompeu os estudos. Voltou a estudar alguns anos depois, cumpriu até a sétima série e parou novamente. Para Sara, não havia mais sentido estar na escola. O gosto da jovem pela produção de texto se deu logo na infância, quando aos nove anos de idade montou, com a ajuda da mãe, um escritório, na garagem de sua casa, para que pudesse escrever novelas. Tempos depois, aos 15 anos, Sara buscou um lugar no qual pudesse cursar cinema. Nesta busca, encontrou a escola Oi kabum!. No entanto, para ingressar no curso, ela teve que voltar a cursar o ensino médio. Voltar a estudar e ao mesmo tempo frequentar uma escola como a Oi Kabum!, que estimula o pensamento crítico, são duas conquistas que Sara destaca como decisivas para as suas escolhas profissionais atuais. Outro aspecto que chamou a atenção de Sara está associado aos aprendizados que não eram diretamente relacionados à formação em vídeo, que posteriormente possibilitaram a ela a construção de trabalhos híbridos, que mesclam mais de uma linguagem. Um exemplo é o seu trabalho de livro-objeto, produzido ao longo do ano de 2010. O trabalho mistura a literatura e as artes plásticas em 24 livros feitos com a utilização de inúmeras técnicas e materiais, do papel comum a placas de metal enferrujadas. Sua passagem pela instituição também proporcionou a fundação de um coletivo juvenil, denominado Poesiak, grupo que promovia e discutia questões relacionadas a


intervenções artísticas no espaço urbano. Para ela, o fato de estarem na Oi Kabum! mantinha o grupo unido, pois a escola representava um ponto de encontro, um local no qual eles podiam se encontrar com frequência. Atualmente, Sara trabalha como freelancer na produção de vídeos institucionais, ministra oficinas para outros jovens e segue produzindo outros trabalhos. Ela também investe em seu trabalho como artista autoral. Em 2011, realizou a exposição “Impulsões”, por meio da qual obteve uma repercussão bastante positiva. Para ela, o maior aprendizado obtido na escola foi a construção de sua autonomia. Hoje, após ter vivido diversas experiências de trabalho no campo da arte, tecnologia e cultura, Sara reconhece a falta da formação superior e se organiza para reverter isso. Ela assume que a Oi Kabum! sempre lhe deu estímulos para que ingressasse à universidade. Sara ainda vivencia algumas questões relacionadas às inconstâncias de sua vida financeira. No entanto, pode contar com o apoio da mãe, que também aposta em sua trajetória como artista. As questões relacionadas ao dinheiro não impedem que a jovem ainda mantenha o desejo de um dia conseguir se sustentar com a sua própria produção artística: “Eu acredito muito no meu trabalho de escrita, do livro-objeto e autoral. É nele que eu invisto desde os meus nove anos de idade”.

Sara, João, Márcia, Warley e tantos outros As trajetórias de outros jovens, que vivenciaram o processo educativo da escola Oi Kabum! e integraram o Núcleo de Produção, serão com certeza distintas. Por isso, ao buscarmos os sentidos que os jovens atribuem à formação em arte e tecnologia será necessário tratarmos também de compreender individualmente como eles visualizam suas experiências. Mas, por outro lado, podemos encontrar intercessões e aprendizados mais comuns nestas experiências. É o que estou buscando fazer neste texto. Podemos também dizer que a história de Sara é a de muitos jovens como eu. Os jovens não são apenas receptores passivos da cultura institucional e massiva. Muitos como Sara, já possuíam um papel ativo como


produtores de cultura antes de ingressar na escola Oi Kabum!. Ainda que esta realidade não ganhe muita visibilidade nos meios de comunicação, muitos jovens participam de grupos culturais e estão à frente de diversas produções, como as musicais, elementos centrais na maioria dos estilos juvenis e que vêm sendo utilizadas por estes jovens como um emblema para marcar sua identidade de grupo. Mas é certo que a passagem pela Oi Kabum!, e principalmente pelo Núcleo de Produção, amplia a capacidade de articulação coletiva e fortalece e dinamiza os trabalhos artísticos dos grupos culturais juvenis. Coletivamente, os estudantes se manifestam publicamente, em produções como grafites, murais, pinturas e tatuagens, revistas, blogs, fanzines, vídeo, rádios livres, cinema, games etc. Muitos coletivos juvenis foram inclusive criados a partir dos encontros proporcionados pela convivência cotidiana dos jovens no ambiente escolar. A capacidade de colaborar, de produzir coletivamente, é uma habilidade fundamental em qualquer profissão.

criatividade + produzir coletivamente + estudar continuamente = escolher melhor e persistir no projeto profissional Foi no interior da Oi Kabum! que pude olhar para a recente revolução tecnológica como mais uma oportunidade de desenvolvimento de novos espaços de criação, imaginação e sensibilidade para os jovens. Pude também perceber como o ambiente da escola estimula diversas competências criativas para trajetórias profissionais e para a vida, não só para jovens, mas também para os demais profissionais que estão à frente do processo educativo. Uma educação voltada para a cultura e a arte amplia a percepção da realidade, além de desenvolver a criatividade e alargar o campo de atuação dos jovens, uma vez que a arte e a sua capacidade de reflexão não se restringem a pensar apenas em si mesmas. O estímulo ao pensamento crítico que é destacado pela Sara como um grande aprendizado e é o responsável por um posicionamento mais assertivo do jovem frente ao mercado


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