PROJETANDO COM DIRETRIZES BIOCLIMÁTICAS Mário Hermes Stanziona Viggiano LaBSiP – Laboratório de Bioarquitetura e Sistemas Produtivos marioviggianoarquiteto@yahoo.com.br
RESUMO Ao nível prático das aplicações em projetos, os conceitos bioclimáticos podem ser utilizados de duas maneiras: em projetos novos através da utilização das diretrizes e soluções e em projetos já construídos a partir da avaliação ambiental (perdas e ganhos térmicos) com a proposição de soluções. As diretrizes bioclimáticas são proposições genéricas que norteiam as decisões de projeto e geram as soluções bioclimáticas que são recursos arquitetônicos criados para suprir as diretrizes. Estas diretrizes são propostas a partir do estudo dos elementos e fatores climáticos. O estudo das diretrizes deve estar presente em todas as fases do projeto. O presente trabalho pretende estabelecer uma metodologia de apoio ao desenvolvimento de projetos de arquitetura utilizando-se o conjunto de diretrizes bioclimáticas formuladas para o clima em que se localiza a construção. Para expor esta metodologia abordaremos primeiramente, de que maneira as diretrizes se inserem no projeto de arquitetura, ressaltando as diferenças básicas entre o conceito de premissa e de diretriz. São analisadas também algumas propriedades das diretrizes e a forma de estabelecê-las. Por fim, são estudadas as matrizes e a forma de se chegar às soluções de projeto. Todas as diretrizes apresentadas neste trabalho foram formuladas e aplicadas de forma prática no projeto desenvolvido para o Projeto Casa Autônoma.
ABSTRACT As regards the practicability of applications in projects, bioclimatic concepts may be used in two ways: in new projects, through the use of guidelines and solutions, and in projects that have already been built, based on the environmental assessment (thermal losses and gains), through the proposition of solutions. Bioclimatic guidelines are generic propositions that guide project-related decisions and generate bioclimatic solutions, which in turn are architectural resources created to provide the guidelines. These guidelines are proposed based on the results of the study of climatic elements and factors. The study of the guidelines should be present at all stages of the project. This paper intends to establish a methodology to support the development of architectural projects by using the set of bioclimatic guidelines set for the climatic conditions in the area where the construction is located. In order to expose this methodology we will approach, as a first step, the way the guidelines are included in the architectural project by emphasizing the fundamental differences between the concepts of premise and guideline. The paper also analyzes certain features of the guidelines and the way to establish them. Finally, the paper studies the matrices and the ways to achieve project solutions. All the guidelines presented on this paper have been set and used in a practical way in the project developed for the Autonomous House Project.
1. INTRODUÇÃO A arquitetura atual reflete uma pluraridade estética derivada da enorme variedade de materiais existentes no mercado. Esta pluraridade muitas vezes sobrepuja as características regionais da arquitetura levando a uma standartização das técnicas e dos acabamentos. Reflete ainda o legado da geração dos arquitetos ditos “modernos” e dentre todas as contribuições negativas que o modernismo proporcionou, nenhuma foi tão devastadora quanto a disseminação do estilo internacional na arquitetura. Este conceito estético (ou talvez técnico/estético) ficou assim conhecido por se utilizar de soluções puramente formais em detrimento das tradições locais, desconsiderando principalmente as variantes climáticas e a análise do sítio. “Alguns arquitetos (principalmente Frank Lloyd Wright, Le Corbusier e Alvar Aalto), fixavam muitos dos princípios históricos da orientação do lugar, ventilação natural, iluminação da luz do dia enquanto seletivamente incorporavam a nova tecnologia como um meio do processo do projeto de uma construção. Outros, ignorando o clima, usaram a nova tecnologia de construção como um fim, gerando a forma da construção diretamente.” (Moore, 1993). O Estilo internacional minou muitas das características vernáculas da arquitetura em diversos países e o binômio forma/função tornou-se o corolário do ensino de arquitetura nas escolas de arquitetura pelo mundo todo. Uma modesta “reação ecológica” ao estilo internacional se inicia na década de 50 com sucessivos estudos do que se convencionou chamar de arquitetura bioclimática. Este termo, extremamente apropriado, expressa a relação do ser humano, ao nível de suas necessidades biológicas de conforto, ao clima, considerando suas benécias e seus rigores, passando pela arquitetura que é o abrigo, a interface, o meio pela qual esta relação dependente pode ser concretizada. A Arquitetura Bioclimática, estuda as formas de se efetuar de maneira eficiente esta interface, seja através da escolha do sítio, utilização de materiais de construção adequados, da orientação da edificação, da eficiência das aberturas, do estudo da ventilação e da insolação, dos ganhos e perdas térmicas, do estudo do microclima e do macroclima, do impacto ambiental, da vegetação e dos aspectos culturais. Um dos precursores deste modo de abordagem bioclimático foi Victor Olgyay, que no seu livro Arquitetura e Clima, introduziu o termo bioclimatic approach (abordagem bioclimática) na arquitetura. Ao longo da história e até o aparecimento da figura do arquiteto, as construções eram atividades que envolviam toda a comunidade e as técnicas eram passadas de geração em geração através do conhecimento acumulado. As tradições vernáculas nos ensinam que a observação do clima sempre foi o ponto de partida para a apropriação do espaço na consecução de uma nova moradia. Estes exemplos de Arquitetura adaptada ao clima são fartos e se espalham por todos os climas. (figuras 2 a 6) Ao nível prático das aplicações em projetos, os conceitos bioclimáticos podem ser utilizados de duas maneiras: em projetos novos através da utilização das diretrizes e soluções e em projetos já construídos a partir da avaliação ambiental (perdas e ganhos térmicos) com a proposição de soluções. As diretrizes bioclimáticas são proposições genéricas que norteiam as decisões de projeto e geram as soluções bioclimáticas que são recursos arquitetônicos criados para suprir as diretrizes. Estas diretrizes são propostas a partir do estudo dos elementos e fatores climáticos. O estudo das diretrizes deve estar presente em todas as fases do projeto. A avaliação ambiental possibilita a obtenção do balanço térmico da edificação. O balanço térmico é a quantidade final de calor ganho ou perdido pelo ambiente. A partir do balanço é possível a tomada de decisão a cerca de quais medidas devem ser tomadas para a melhoria do ambiente. O presente trabalho pretende estabelecer uma metodologia de apoio ao desenvolvimento de projetos de arquitetura utilizando-se o conjunto de diretrizes bioclimáticas formuladas para o clima em que se localiza a construção. A formulação desta metodologia, exclui propositadamente a avaliação ambiental com o estudo do balanço térmico por considerar que este método carece de precisão quando se trata de objetos ainda não concluídos.
Para expor a metodologia proposta, abordaremos primeiramente a maneira pela qual as diretrizes se inserem no projeto de arquitetura, ressaltando as diferenças básicas entre o conceito de premissa e de diretriz. Serão analisadas também algumas propriedades das diretrizes e a forma de estabelecê-las. Por fim, são estudadas as matrizes e a forma de se chegar às soluções de projeto. Todas as diretrizes apresentadas neste trabalho foram formuladas e aplicadas de forma prática no projeto desenvolvido para a Casa Autônoma que é, em linhas gerais, uma unidade residencial capaz de gerar ou coletar do micro-ambiente seus insumos, reciclar seus produtos e gerenciar de maneira eficiente suas funções cotidianas e o impacto diário no macro-ambiente. (Viggiano, 2001).
2. AS DIRETRIZES NO PROJETO DE ARQUITETURA A palavra diretriz, originária do latim directrice significa rumo, trajetória, direção. No contexto deste trabalho, diretriz possui exatamente este significado. Difere substancialmente do termo premissa, do latim praemissa, que denota uma condição prévia para a realização de algum ato. A premissa, na seqüência de um projeto de arquitetura, tem intrínseca ligação com o estabelecimento de programas, de forma que a não execução de uma ou outra pode ferir substancialmente o caráter do projeto. As diretrizes, por outro lado, são orientativas, não excludentes e não condicionantes. Estas três propriedades são fundamentais para a compreensão da metodologia de projeto. Como exemplo, a diretriz: “sombrear fachadas” define uma atitude projetual que não é programática e que pode acarretar inúmeras soluções como exemplificado na figura 1.
Figura 1 – Três soluções distintas para a diretriz Sombrear fachadas.
2.1 As diretrizes e a arquitetura vernácula Podemos atribuir um conhecimento empírico das diretrizes que pode ser encontrado na arquitetura dita vernácula em diversas regiões do planeta. Por arquitetura vernácula entendemos a arquitetura que é própria de uma determinada região e que reconhece preceitos inspirados em modelos anteriores e que carrega ainda fortes características culturais e sociais. As tradicionais habitações construídas em clima quente úmido, trazem a característica de serem leves e bastante permeáveis aos ventos. Para este clima, as diretrizes Ventilação em abundância, Telhados leves e Construção permeável são adequadas, como mostra a figura 2.
Figura 2 – Construção típica do clima quente e úmido
Figura 3 – Construção em adobe (quente e seco)
Fonte: Olgyay, 1998
Fonte: Moore, 1993
As construções em clima quente seco devem ser compactas e impermeáveis ao vento seco com exemplificado na figura 3. As diretrizes válidas para este clima são: Paredes e telhados com alta inércia térmica, pequenas aberturas evitando os ventos secos, construção compacta. Outro exemplo do clima quente seco é apresentado na figura 4. Este desenho mostra uma construção árabe em que a diretriz umidificar os ambientes está explicita.
Figura 4 – Construção desértica
Figura 5 – Habitação esquimó para o clima frio
Fonte: Moore, 1993
Figura 6 – Construção indígena típica para o clima temperado Fonte: Moore, 1993
Construções de clima frio requerem uma mínima área de superfície externa, pequenas aberturas e máximo isolamento (figura 5). Já em clima temperado uma diretriz importante é a adaptabilidade à variação de temperatura como exemplificado na figura 6. 2.2 Formulando as diretrizes A formulação correta de um conjunto de diretrizes bioclimáticas carece da compreensão sistêmica dos climas ao nível micro e macro. Os climas se configuram a partir dos fatores e dos elementos climáticos. Os Fatores climáticos globais são a radiação solar, a latitude e a altitude, os ventos e as massas de água e terra. Os fatores climáticos locais são a topografia, a vegetação e a superfície do solo. Os elementos climáticos são a temperatura, a umidade do ar, as precipitações e os movimento do ar. (Romero,1988). A compreensão dos fatores e elementos climáticos nos possibilita proceder a uma classificação dos diversos climas conforme exemplificado na tabela 1.
Tabela 1 – Classificações gerais de clima Fonte: Romero, 1988 Conforme a Média anual da temperatura do ar
Variação de amplitude da temperatura média do ar
Média anual da umidade relativa do ar
Média anual de precipitação
Tipo de clima Quente (acima de 20°C) Temperado (acima de 10°C) Frio (entre 10° e 0° C) Glacial (abaixo de 0° C) Continental (acima de 20°C) Moderado ou oceânico (entre 20 e 10°C) (ou inferior a 10°C) Muito seco (abaixo de 55%) Seco (entre 55 e 75%) Úmido (entre 75 e 90 %) Muito úmido (acima de 90%) Desértico (inferior a 125 mm) Árido (entre 125 e 250 mm) Semi-árido (entre 250 e 500 mm) Moderadamente chuvoso (entre 500 e 1.000 mm) Chuvoso (entre 1.000 e 2.000 mm) Excessivamente chuvoso (superior a 2.000 mm)
A formulação de uma diretriz surge da análise criteriosa dos fatores e elementos climáticos e também de pesquisa em torno de modelos de edificações já construídas. Um método bastante eficaz para a formulação de diretrizes é, além do estudo do clima e de outros modelos, checar suas propriedades: Propriedade 1 - Uma diretriz deve ser orientativa no sentido de fornecer o máximo de informação pertinente sem excluir possibilidades de soluções. Por exemplo, a diretriz sombrear é uma diretriz válida porém muito vaga. Sombrear fachadas, já é mais específica e portanto mais orientativa. Sombrear fachada noroeste é bastante específica porém corre o risco de ser excludente se outras fachadas necessitarem de sombreamento e forem esquecidas. Propriedade 2 – Não excludente no sentido de restringir os materiais e soluções a serem aplicados. Por exemplo a diretriz Sombrear fachada com pérgolas é excludente pois restringe a solução de sombreamento somente ao elemento pérgola, enquanto outras tantas soluções poderiam ser colocadas tais como a vegetação, fartos beirais ou até mesmo volumes construídos. Propriedade 3 – Não condicionante no sentido de não limitar uma qualidade da diretriz a um fator passível de acontecer ou não. Tal situação requer uma mobilidade que, na maior parte das situações, a arquitetura não comporta. A tendência de diretrizes condicionantes é serem bastante óbvias e não agregarem importância às sentenças. A diretriz Ventilar quando estiver quente não é uma boa diretriz por
que é condicionante e óbvia. Implica necessariamente na utilização de um equipamento controlador que avalie a temperatura e seja capaz de ligar um equipamento climatizador ou então a presença humana para controlar aberturas ou ligar equipamentos. Uma característica fundamental no estudo das diretrizes é a sua aplicabilidade em uma grande variedade de projetos. Uma vez formulada uma matriz de diretrizes, esta poderá servir, com pequenas adaptações, a projetos variados dentro do mesmo clima.
3. FORMULANDO UMA MATRIZ Uma matriz é uma representação gráfica bidimensional em que são relacionadas ações e componentes em separado ou em conjunto. A tabela 2 exemplifica uma matriz de diretrizes utilizada no projeto Casa Autônoma para o clima quente e seco. Nesta matriz completa, a diretriz é citada e avaliada a partir de dois critérios. O primeiro é a importância da diretriz em relação ao clima como um todo. O segundo critério avalia a importância da diretriz em relação ao projeto específico. São atribuídos valores a estes dois critérios da seguinte forma: Fundamental = 3 Importante = 2 Esporádico = 1
Tabela 2 – Diretrizes com grau de importância DIRETRIZ Adotar materiais com alta inércia térmica Proteger fachada noroeste Sombrear fachadas norte, leste e oeste Fartas aberturas Captar ventos frescos Umidificar a edificação Evitar ventos secos Usar vegetação abundante Captar sol para aquecimento
(A)
(B)
TOTAL
3 2 2 3 1 3 2 2 1
3 3 3 2 1 3 1 3 3
6 5 5 5 2 6 3 5 4
ORDEM IMPORTÂNCIA 1 2 2 2 5 1 4 2 3
(A) Importância da diretriz em relação ao clima (B) Importância da diretriz em relação ao projeto
O somatório dos valores apurados coloca a diretriz em uma relação orientativa do seu grau de importância em relação às outras, possibilitando uma ferramenta decisória adicional na etapa de projeto.
4. CHEGANDO ÀS SOLUÇÕES DE PROJETO Conforme citada anteriormente, cada diretriz possui a vantagem de gerar várias soluções. A tabela 3 apresenta uma diretriz com várias soluções possíveis para a utilização no projeto. A coluna à direita, apresenta as diretrizes selecionadas para utilização. A seleção das melhores soluções deve levar em conta não só a adequação da solução à diretriz, mas também a adequação às premissas técnicas, estéticas e funcionais.
Tabela 3 – A escolha das soluções DIRETRIZ
Adotar materiais com alta inércia térmica
SOLUÇÃO Paredes externas em tijolo maciço Paredes externas em pedra Paredes externas em tijolo furado com revestimento térmico Cobertura de telha cerâmica com manta térmica Cobertura telha sanduíche metal e poliuretano Paredes internas em tijolo maciço Paredes internas em tijolo de concreto celular
SITUAÇÃO Adotada Não adotada Não adotada Não adotada Adotada Não adotada Adotada
A seleção das melhores soluções para cada diretriz nos permite esboçar uma matriz na qual aparecem todas as diretrizes com suas respectivas soluções (tabela 4). Tabela 4 – Diretrizes e soluções DIRETRIZ Adotar materiais com alta inércia térmica Proteger fachada noroeste Sombrear fachadas norte, leste e oeste Fartas aberturas Captar ventos frescos Umidificar a edificação Evitar ventos secos Usar vegetação abundante Captar sol para aquecimento da água
SOLUÇÃO Tijolos na parede, telha sanduíche na cobertura Colocação de uma massa térmica Instalar fartos beirais com 1,20 m Proporção média A/V=0,18 * Instalar captores eólicos Instalar espelhos d’água e fontes Bloquear ventos sudeste Instalar beirais verdes e jardins de inverno Maiores telhados para o norte
* A=área das aberturas do cômodo V=volume de ar do cômodo
A figura 6 exemplifica algumas soluções para o Projeto Casa Autônoma baseadas na matriz apresentada na tabela 4.
Figura 6 – Algumas soluções adotadas pelo Projeto Casa Autônoma Fonte: Viggiano, 2001
5. CONCLUSÕES A utilização das diretrizes bioclimáticas é uma poderosa ferramenta de projeto que propicia ao projetista uma orientação coerente no que se refere à adaptação da futura construção ao seu clima. A formulação das diretrizes deve sempre levar em conta uma pesquisa extensiva sobre modelos da arquitetura vernácula e contemporânea que tenham soluções de projeto claramente identificadas com o conforto humano. Todos os estudos em torno da formulação de uma matriz de diretrizes bioclimáticas produzem resultados extremamente duradouros em função da grande aplicabilidade deste tipo de matriz. Os projetos em que se utilizem as diretrizes, resgatam um modo de projetar coerente e prático que se beneficiam sobretudo da extrema simplicidade.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MOORE, F.(1993) Environmental Control Systems. McGraw Hill, USA. 427p. OLGYAY, V. (1998). Arquitectura Y Clima. Gustavo Gilli, Espanha. 203p. ROMERO, M. (1988) Princípios Bioclimáticos para o Desenho Urbano. Projeto Editores Associados, São Paulo.128p. VIGGIANO, M. (2001) Bases conceituais do Projeto Casa Autônoma. In: VI ENCONTRO NACIONAL SOBRE CONFORTO NO AMBIENTE CONSTRUÍDO, São Pedro. Anais em CD. ANTAC.