Patrimônio industrial na cidade de São Paulo_Companhia Antarctica Paulista_Marjorie Prandini

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Marjorie Nasser Prandini PATRIMÔNIO INDUSTRIAL NA CIDADE DE SÃO PAULO Companhia Antarctica Paulista Trabalho apresentado no curso de graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Orientadora: Profa.Dra. Beatriz Mugayar Kühl São Paulo, 2015



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Agradecimentos À professora Doutora Beatriz Kühl, pela sua orientação enriquecedora, sempre com muita atenção e dedicação. Ao arquiteto convidado e Mestre Silvio Oksman, pela ótima experiência de estágio que tive em seu escritório, e pela disponibilização de imagens e desenhos importantes para a elaboração deste trabalho. À arquiteta Doutora Manoela Rufinoni e à professora Doutora Fernanda Fernandes, por terem aceitado gentilmente o convite de participarem desta banca de avaliação, tão importante para minha formação. Aos amigos que encontrei durante a minha trajetória na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, que dividiram comigo momentos muito importantes, e que fizeram parte da minha experiência de graduação: Aline Salamanca, Ana Carolina Miti Sameshima, Bárbara Marie Van Sebroeck, Bruno Satin, Daniel Bolsoni Castilla, Daniela Zavagli, Denis Giannelli, Diogo Dias Lemos, Guilherme Cardoso, Luciana Nakao, Milene Saito, Pedro Barros, Renan Rosatti e Victor da Mata. A Callixte Déchin, por me apoiar e me ajudar neste trabalho final de graduação, sempre com interesse e curiosidade, fazendo parte de tudo, mesmo à distância. À arquiteta Beatriz Vicino, pela sua parceria no desenvolvimento da cronologia de edifícios apresentada neste trabalho. Aos meus familiares, mãe, pai, primos e tios, que sempre estiveram ao meu lado, me incentivando a buscar meus sonhos, e comemorar com gratidão quando os alcançar. Muito obrigada, Marjorie Nasser Prandini

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Imagem 1 - Propaganda da marca Antarctica, sem data. Fonte: www.novomilenio.inf.br


Índice 1. Introdução

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2. Breve Histórico - Inserção da arquitetura industrial nas discussões sobre o patrimônio histórico-cultural

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3. A malha industrial remanescente no tecido urbano paulistano a. questões econômicas, espaciais e sociais na São Paulo do século XIX

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b. o papel da ferrovia e da indústria no desenvolvimento dos bairros

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c. a situação da malha remanescente na cidade e seu entorno

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4. Análise do recorte - escala da cidade

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5. Análise do recorte - escala do edifício

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6. Companhia Antarctica Paulista

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a. a questão da preservação

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b. diretrizes de projeto

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7. Considerações finais

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8. Bibliografia

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ANEXOS

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1. Introdução

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Durante o tempo dedicado ao estudo da arquitetura, despertoume especial interesse a área ligada ao Patrimônio Histórico e Cultural, na qual me aprofundei no desenvolvimento do meu Trabalho Final de Graduação na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Uma vez tendo contato próximo com o estudo do patrimônio industrial, mais especificamente, e considerando que tal campo seja de significativa importância, direciono minha pesquisa para esse tema. O estudo do patrimônio industrial permite a compreensão da memória de bairros outrora industriais, imprescindível para a sua reconfiguração, levando também em consideração o contexto socioeconômico do qual fizeram parte no decorrer dos processos de industrialização e desindustrialização. Em um primeiro momento, estuda-se, num panorama mais abrangente, a malha industrial instalada no tecido urbano da cidade de São Paulo ao longo do eixo da antiga Estrada de Ferro São Paulo Railway, em um recorte espacial, que engloba o trecho centro-sul da cidade, e temporal, que se inicia no século XIX. Destaca-se a importância desse eixo desde os períodos pré-colonial e colonial, pois era passagem para aqueles que pretendiam chegar ao litoral. No século XIX, o “Caminho do Mar”, como era chamado, passou a ser traçado também pela ferrovia, que servia de meio de escoamento da produção, principalmente cafeeira, vinda do oeste paulista, para o Porto de Santos e para a chegada de equipamentos e matérias primas para as indústrias recém-instaladas. Portanto, o eixo é estudado desde o momento da implantação da ferrovia e instalação das indústrias até os dias atuais. Em seguida, faz-se um recorte espacial mais específico, já tendo escolhido um objeto de estudo: a antiga fábrica da Companhia Antarctica Paulista. A partir desse segundo recorte, é feita uma análise mais detalhada em relação à implantação dos edifícios e ao seu entorno, levando em consideração o Plano Diretor Estratégico de 2002 e a sua revisão, de 2014. Com a finalidade compreender a situação atual das construções da fábrica, foi feito um estudo da cronologia das construções, assim como análise de cada um dos prédios remanescentes do conjunto, resultando, então, em definição de diretrizes para um projeto de intervenção na fábrica da Antarctica.

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2. Breve histórico Inserção da arquitetura industrial nas discussões sobre o patrimônio histórico-cultural

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1. Sobre intervenções nos objetos preexistentes durante o Renascimento, tem-se como importante referência o trabalho de Leon Battista Alberti (1404o autor discorre sobre sua teoria baseado em suas próprias experiências, sobretudo nas intervenções nas quais trabalhou.

A discussão dos remanescentes do passado, como bem cultural de interesse para o presente e para o futuro, tem origens longínquas. No entanto, começa a assumir maior consistência a partir do Renascimento, e o processo se acelera e ganha forma de um projeto cultural na segunda metade do século XVIII e ao longo do século XIX. Os critérios utilizados atualmente na restauração são um desdobramento daqueles consolidados na Carta de Veneza, de 1964, que sintetiza as discussões da primeira metade do século e, em especial, as proposições do segundo pós-guerra. Com o intuito de recapitular o percurso do restauro, que se conforma como campo disciplinar autônomo, apresentarei uma breve cronologia de sua transformação, que será importante para a segunda etapa deste trabalho. Toma-se como um ponto chave o Renascimento, período em que se acentua a noção de ruptura entre passado e presente, caracterizando uma nova relação com o passado e baseado na admiração e reinterpretação de propostas da Antiguidade Clássica. A partir desse afastamento temporal, os bens antigos não são mais tratados como se fizessem somente parte do presente. Apesar de obras antigas continuarem a passar por sucessivas reconstruções e demolições para a obtenção de pedras e outros materiais, em relação a alguns edifícios 1 havia certa sensibilidade e curiosidade . Entre meados do século XVIII e início do século XIX, repensase a atitude em relação aos objetos preexistentes nas cidades, por razões várias. Podemos mencionar como causas dessas reflexões as profundas mudanças nas cidades, que demandavam adequações às quais as cidades consolidadas não conseguiriam atender, seguidas pela destruição e descaracterização de paisagens inteiras, por diversas razões: a Revolução Industrial; o movimento Ludista, que se caracterizava pela destruição de máquinas e depredação de indústrias como forma de manifestação contra a substituição do homem pela máquina; a Revolução Francesa, sucedida de destruições em larga escala, impulsionadas pela vontade de se apagar registros do passado monarquista francês. É interessante destacar que as intervenções da Renascença em obras já existentes, se comparadas àquelas realizadas no século XIX, tem caráter diferenciado. Se considerarmos que restauro significa intervenção em algo preexistente, visando sua reutilização e reparação

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de acordo com novas atividades, podemos dizer que o restauro sempre foi praticado, e assim poderíamos incluir as práticas do Renascimento 2 como parte de experiências de restauro . Por outro lado, se considerarmos restauro como sendo um conjunto de ações que tem como intenção a preservação do existente por motivações essencialmente culturais, e não somente por questões práticas, como sua reutilização, diríamos que o restauro como “ato de cultura” amadurece ao longo do século XIX. Segundo Kühl, “Acentuou-se paulatinamente a noção de ruptura entre passado e presente, fazendo com que a forma de lidar com o legado de outras gerações – reconhecido como de interesse para a cultura – se afastasse, cada vez mais, das ações ditadas por razões pragmáticas, assumindo conotação fundamentalmente cultural, voltada aos aspectos estéticos, históricos, memoriais e simbólicos dos bens, também com fins 3 educativos.” O século XIX foi marcado inicialmente por dois grandes nomes, John Ruskin e Eugène-Emmanuel Viollet-Le-Duc, que apresentaram entre si opiniões completamente antagônicas no desenvolvimento de suas formulações no que respeita ao restauro. Por um lado, John Ruskin (1819-1900), que não era arquiteto, faz uma abordagem teórica sobre o tema , uma vez que não tinha experiência no campo prático. Esse autor formula uma imagem negativa do restauro realizado em sua época, pois, de acordo com ele, o restauro interferia na temporalidade da obra existente, e a descaracterizava. Nos séculos XVIII e XIX, o estilo gótico foi o que mais sofreu com as profundas alterações 4 das obras de restauro na Inglaterra . Diante dessas intervenções, John Ruskin se posiciona contra o restauro. Para ele, a atitude certa a ser tomada diante das obras existentes seria a manutenção e conservação, para que não fossem degradadas e mantivessem suas características. Ruskin valoriza a duração das obras diante do tempo, o que, para ele, seria uma maneira de afirmar as qualidades como bem histórico e cultural, seguindo uma linha conservativa do patrimônio. Outro ponto a ser destacado na teoria de Ruskin é a valorização de obras “menores”, e não somente daquelas de grande porte e de reconhecimento imediato. Para ilustrar seus pensamentos, utilizo suas próprias palavras: “É naquela mancha dourada do tempo que devemos procurar a verdadeira luz, a cor e o valor da arquitetura; e somente quando um edifício tiver assumido

2. RUFINONI, Manoela Rossinetti. Preservação e restauro urbano – Teoria e prática de intervenção em sítios industriais de interesse cultural. Tese de doutorado da FAAUSP – São Paulo: 2009, pp 15 3. KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Histórico da Industrialização: Problemas Teóricos de Restauro. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008, pp. 60 4. MENENGUELLO, Cristina. Da ruína ao edifício: neogótico na reinterpretação e preservação do passado na Inglaterra vitoriana. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008


5. RUSKIN, John. A Lâmpada da Memória. Tradução e apresentação: Maria Lucia Bressan Pinheiro. Revisão: Beatriz Mugayar Kühl e Gladys Mugayar Kühl. Cotia, SP, Ateliê Editorial, 2008 6. VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. Tradução: Beatriz Mugayar Kühl. Revisão: Renata Maria Parreira Cordeiro. Cotia, SP, Ateliê Editorial, 2000

esse caráter – apenas quando ele tiver se imbuído da fama dos homens, e se santificado pelos seus feitos; apenas quando suas paredes tiverem presenciado o sofrimento, e seus pilares ascenderem das sombras da morte – sua existência, mais duradoura do que a dos objetos naturais do mundo ao seu redor, poderá ser agraciada com os mesmos dons de 5 linguagem e de vida que esses possuem” . Eugène-Emmanuel Viollet-Le-Duc (1814-1879), que se formou arquiteto de modo autodidata e pela prática profissional (não em Escolas), atuou de maneira maciça na intervenção em bens históricos, principalmente por ter realizado trabalhos para a Comissão de Monumentos Históricos e para a Comissão de Edifícios Diocesanos. Em suas intervenções, prevalecia a busca por um estado integral, através de completamentos e alterações invasivas que não davam valor ao aspecto documental das obras e as descaracterizavam: “Restaurar um edifício não é mantê-lo, repará-lo ou refazê-lo, é restabelecê-lo em um estado completo que pode 6 não ter existido nunca em um dado momento” . Sua teoria considerava, portanto, um hipotético estilo original de uma construção e desconsiderava elementos que tivessem sido acrescentados ao longo do tempo. Todavia, alguns dos aspectos de sua teoria continuam válidos até os dias de hoje, tais como dar importância ao uso de uma obra para manter sua sobrevivência e fundamentar muito bem a pesquisa sobre a construção na qual se intervirá. Em sua tentativa de identificar e classificar estilos e técnicas construtivas, Viollet-le-Duc desenvolveu rigorosos relatórios com registros gráficos, com a intenção de inventariar as obras sujeitas a intervenções. Além disso, nesse período, formulam-se teorias, que passam a ser experimentadas na prática, e tenta-se criar meios legais para a proteção dos objetos de interesse histórico-cultural, a partir de leis e também da criação de órgãos de preservação , como a Comissão de Monumentos Históricos, já mencionada anteriormente. Principalmente no que se refere à obra de Viollet-le-Duc, os objetos de interesse para preservação não eram vistos em seu transcurso no tempo, não eram compreendidos e analisados todos os possíveis registros e camadas ganhos, mas acreditava-se que deveria ser encontrado um só estilo que representasse uma obra histórica, de modo que todos os outros fossem descartados.

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Num segundo momento, ainda no século XIX, Camillo Boito (1836–1914), arquiteto, segue uma linha mais conservativa do restauro dos bens culturais, porém sendo menos extremista, se comparado à Ruskin, e a Viollet-le-Duc. A este restauro de postura intermediária entre Viollet-le-Duc e Ruskin dá-se o nome de “restauro filológico”. Menos extremista porém não menos posicionado que os outros dois autores, ele estabeleceu princípios muito bem definidos em seu discurso, tais como: respeitar as diversas fases pelas quais tenha passado um monumento; evitar acréscimos e renovações, mas caso sejam necessários acréscimos, fazê-los de forma a mostrá-los como novos, com diversidade de materiais, mas sem destoar do conjunto; registrar as obras, dando ênfase ao seu valor documental; datar as peças que forem renovadas; suprimir molduras e ornamentos desnecessários e de qualidade inferior ao conjunto. Um outro nome de destaque entre o final do século XIX e início do século XX foi Alois Riegl (1858-1905), um historiador da arte, que se baseia no “valor de antigo” de determinada obra, valores que explicitem traços de antiguidade, então engrandecidos por ele. Assim como o que se praticava anteriormente, ainda no século XVIII, buscava-se encontrar um estado que pudesse ser chamado de “original” de um determinado objeto de valor histórico, gerando debates e críticas; afinal intervenções dessa natureza descaracterizam e apagam informações de um registro histórico. É somente no século XX que se começa a dar relevo para a importância da valorização e documentação das diversas fases pela qual passou um bem de interesse histórico, com a obra de Gustavo Giovannoni (1873-1947). Ele retoma, de certa forma, os princípios do restauro filológico ou científico de Camillo Boito, que já dava ênfase no valor documental das obras, e negava o retorno a um suposto estado original, tendo, então, um posicionamento intermediário entre Viollet-LeDuc e Ruskin. O autor teve efetiva participação na elaboração da Carta de Restauro de Atenas, em outubro de 1931. A Carta de Atenas, em suas conclusões gerais, direciona alguns aspectos do restauro: I. Princípios Gerais; II. Administração e Legislação dos Monumentos Históricos; III. Valorização dos Monumentos; IV. Os Materiais da Restauração; V. Deterioração dos Monumentos; VI. Técnica de Conservação; VII. A Conservação dos Monumentos e a Colaboração Internacional. A carta


7. Carta de Restauração de Atenas – Escritório Internacional dos Museus – Sociedade das Nações – Atenas, outubro de 1931 8. A Carta de Restauração de Atenas faz referência às ruínas, mas de uma maneira não aplicável aos destroços que restaram após a segunda guerra: “Quando se trata de ruínas, uma conservação, escrupulosa se impõe, com a recolocação em seus lugares dos elementos originais encontrados (anastilose), cada vez que o caso permita; os materiais novos necessários a esse trabalho deverão ser sempre reconhecíveis.” 9. KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Histórico da Industrialização: Problemas Teóricos de Restauro. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008, pp. 65 10. KÜHL, Beatriz Mugayar. Problemas Teórico-Metodológicos da preservação do Patrimônio Industrial. Texto apresentado durante o Seminário de Pesquisa Patrimônio: um debate multidisciplinar FAUMaranhão, 25 de maio de 2010

apresenta “uma tendência geral de abandonar as reconstituições integrais, evitando assim seus riscos, pela adoção de uma manutenção regular e permanente” e também apoia restaurações “sem prejudicar 7 o estilo de nenhuma época ”. A carta também aprova o uso de novas técnicas para o restauro de monumentos, mas desde que seja feito de maneira harmoniosa, a não destoar do conjunto como um todo. Com a explosão da segunda guerra mundial, após todas as atrocidades cometidas, tanto no que diz respeito ao patrimônio imaterial, à memória, quanto às cidades e seu patrimônio material, são lançadas outras discussões sobre o tema da preservação de bens históricos, uma vez que, nesse momento particular, muitos dos conceitos elaborados até então tornam-se incapazes de lidar com os problemas que surgiram, ainda que alguns conceitos tenham se mantido. O princípio de respeitar diversas fases do edifício já não faria mais sentido para certos casos, uma 8 vez que muitos deles estavam em ruínas . É nessa fase de discussão sobre a preservação que se considera que o respeito às diversos momentos pelos quais determinada obra passou são tão importantes quanto aquele “original” , se é que existe, 9 de fato, um original – “Restauro como ato histórico-crítico” . O processo histórico-crítico do restauro tem como característica o afastamento da arbitrariedade e da aleatoriedade, sendo baseado na unidade de método de critérios, consequentes de séculos de experimentação. Assim, encontra-se uma unidade metodológica, que pode ter variados meios de aplicação, uma vez que “cada caso pode ser um caso” no que se refere ao patrimônio histórico. Na década de 1950, intensificam-se na Inglaterra discussões específicas sobre o patrimônio industrial, tornando mais usual a expressão “arqueologia industrial”, que já havia sido utilizada em Portugal, no século 10 XIX . Mais uma vez, destruição e descaso com obras arquitetônicas despertam um olhar mais atento à preservação das construções na década de 1960 e 1970: demolição da Coal Exchange e Euston Station, em Londres, ambas em 1962, e também de Les Halles Centrales de Paris, no início dos anos 1970. Ao final dos anos 1960, a Inglaterra já possuía alguns órgãos que lidavam com a temática da arqueologia industrial, como a Gloucestershire Society for Industrial Archaeology, fundada em 1963; Bristol Industrial Archaeology Society, fundada em 1967 e Greather

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London Industrial Archaeology Society, fundada em 1968. Na década de 1970, surgiram outras instituições britânicas, como a Association for Industrial Archaeology (AIA), criada em 1973. Mas, é somente em 1978 que é fundada a primeira organização internacional que discute o patrimônio industrial, The International Committee for the Conservation os the Industrial Heritage, TICCIH. A arqueologia industrial tinha como objetivo englobar em seus estudos diversos elementos relativos a indústria: as atividades produtivas, os meios de transporte, a produção 11 de energia e os produtos resultantes da indústria . Considerando que ocorreu somente em meados dos anos 1970 a criação de uma organização internacional, pode-se dizer que a temática do patrimônio industrial ainda é muito recente, ao mesmo tempo que importante no contexto atual, em que diversas cidades já passaram pelos processos de industrialização e desindustrialização, possuindo em sua malha urbana remanescentes industriais. Ainda nos anos 1960, buscando desenvolver o conceito de restauro como ato crítico e tirar a restauração do empirismo, vinculando-o às ciências, Cesare Brandi (1906-1988) entende a restauração como ciência multidisciplinar. Seus textos são a base teórica para a prática do ICR - Instituto Central de Restauração - instituição multidisciplinar, na qual o diretor era um historiador da arte, amparado por um comitê técnico. No primeiro capítulo de Teoria da Restauração, lançada em 1963, Brandi discorre sobre o conceito de Restauração, considerando a arquitetura como obra de arte funcional. De acordo com ele, o objetivo principal de uma intervenção nunca deve ser o restabelecimento da funcionalidade da arquitetura, mas sim a intenção de preservar a obra de arte como tal: “Chega-se, desse modo, a reconhecer a ligação indissolúvel que existe entre a restauração e a obra de arte, pelo fato de a obra de arte 12 condicionar a restauração e não o contrario” . Mais adiante em seu discurso, ele define diretamente a palavra “restauro”: “a restauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão 13 para o futuro” . Outro ponto importante nas suas definições sobre a restauração, é o reconhecimento da coexistência entre dois elementos em uma obra de arte: matéria e imagem. Ao mesmo tempo, faz-se distinção

11. Faz-se aqui referência industrial” feita por Angus Buchanan, em 1972 12. BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução: Beatriz Mugayar Kühl. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004, pp 29 13. BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução: Beatriz Mugayar Kühl. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004, pp 30


14. BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução: Beatriz Mugayar Kühl. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004, pp 31 15. BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Tradução: Beatriz Mugayar Kühl. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004, pp 33

entre eles: imagem seria aquilo que deveria ser conservado, intocado, pois dela descende e depende o reconhecimento da obra de arte como tal. Na matéria, entretanto, se pode intervir, para preservar-se a imagem. Então defini-se o primeiro axioma de Brandi: “restaura-se somente a 14 matéria da obra de arte”. Ainda no que se refere à teoria de Brandi, o autor leva em consideração o que ele chama de “dúplice historicidade” da obra de arte. Há, de acordo com ele, dois momentos históricos a serem considerados na arte: o momento histórico de sua criação e o momento histórico de sua existência e inserção em um determinado presente. Assim, o autor elabora seu segundo axioma: “a restauração deve visar ao restabelecimento da unidade potencial da obra de arte, desde que isso seja possível sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem cancelar nenhum 15 traço da passagem da obra de arte no tempo”. Seu pensamento teve fundamental importância na concepção da Carta de Veneza. A carta ainda permanece como documento base do ICOMOS (International Council of Monuments and Sites), e indica bases para o exercício da preservação do patrimônio cultural, inclusive para o patrimônio industrial, mesmo que não discorra especificamente sobre ele. Os princípios essenciais que regem as intervenções de restauro em obras arquitetônicas também abrangem, portanto, o patrimônio industrial, a saber: distinguibilidade, reversibilidade, mínima intervenção e compatibilidade de técnicas e materiais. Em 2003, é elaborada uma carta com prescrições específicas sobre o patrimônio industrial, a Carta de Nizhny Tagil, aprovada em assembleia geral da TICCIH, que define patrimônio industrial da seguinte forma: “O patrimônio industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Estes vestígios englobam edifícios e maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de processamento e de refinação, entrepostos e armazéns, centros de produção, transmissão e utilização de energia, meios de transporte e todas as suas estruturas e infra-estruturas, assim como os locais onde se desenvolveram atividades sociais relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação.” Observa-se que nessa definição de patrimônio industrial são excluídos os produtos industriais, ora incluídos por Angus Buchanan, em 1972.

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Porém, na definição de arqueologia industrial na Carta de Nizhny Tagil, inclui-se o estudo do patrimônio industrial imaterial, contraditoriamente deixado de lado na definição de patrimônio industrial: “A arqueologia industrial é um método interdisciplinar que estuda todos os vestígios, materiais e imateriais, os documentos, os artefatos, a estratigrafia e as estruturas, as implantações humanas e as paisagens naturais e urbanas, criadas para ou por processos industriais. A arqueologia industrial utiliza os métodos de investigação mais adequados para aumentar a compreensão do passado e do presente industrial.” A Carta de Nazhny Tagil define o que é patrimônio industrial e também diretrizes gerais para sua conservação, porém não estabelece critérios para se chegar na preservação do patrimônio industrial. Pelo fato de a maior parte dos bens industriais ter sido feita nos últimos dois séculos, um problema que encontramos ao verificar as intervenções é a falta de distanciamento crítico, principalmente em relação ao patrimônio industrial do século XX. Pode-se mencionar o caso da Fábrica de Biscoitos Duchen, projeto de Oscar Niemeyer e Helio Uchoa, construída no início da década de 1950 e demolida em 1997; e a Fábrica Olivetti, obra de Marcos Zanuso, de 1959, que hoje em dia guarda somente a estrutura da fábrica, que foi descaracterizada, e abriga um shopping center. Estes são somente alguns exemplos de negação ao preexistente, resultando em demolições ou intervenções equivocadas. Tendo reconhecido e retomado certas teorias de restauração e estudado a importância dos remanescentes industriais, direcionei meu Trabalho Final de Graduação nessa linha de atuação. Todo o levantamento conceitual feito até aqui foi basilar para o desenvolvimento das diretrizes de projeto de restauração - como ato crítico - propostas nesse trabalho, considerando a passagem do tempo e os diferentes momentos dos quais os edifícios em questão fizeram parte, sempre tendo em vista a transmissão desses bens culturais. Reconheço também que o processo de restauro envolve certo juízo de valor às construções envolvidas no processo arquitetônico, assim como exige criatividade ao intervir, jamais tentando retornar a um possível estado original do conjunto. Compreendo que o estudo do patrimônio muito possa contribuir para projetos de requalificação do entorno de conjuntos industriais e não somente da arquitetura como objeto isolado. No caso a ser


estudado, da antiga fábrica da Companhia Antarctica Paulista, a área é consideravelmente extensa, inserida num tecido urbano vivo e em constante mudança, o que será muito interessante para uma intervenção de restauro, tanto em escala urbana quanto na escala do edifício.

< Imagem 2 - Construção da Fábrica Olivetti, década de 1950. Fonte: storiaolivetti.it > Imagem 3 - Shopping Internacional de Guarulhos, antiga fábrica Olivetti, situação atual. Fonte: schahin.com.br Imagem 4 - Fábrica de Biscoitos Duchen, 1953. Fonte: saopauloantiga.com.br

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Imagem 5 - Vista da SĂŁo Paulo Railway, sem data Fonte: www.portaldamooca. com.br


3. A malha industrial remanescente no tecido urbano paulistano a. questões econômicas, espaciais e sociais na São Paulo do século XIX

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Imagem 6 - Rio Tamanduateí_ Vista tomada das proximidades da rua da Moóca em direção a rua Luis Gama, 1930_autoria desconhecida

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Arquivo Histórico de São Paulo


16. TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século. São Paulo, Duas Cidades, 1983. 17. BRUNO, Ernani Silva. História e Tradições da Cidade de São Paulo. São Paulo, José Olympio, 1954, II, pp. 441. Nesse trecho o autor faz referência à primeira metade do século XIX.

Até meados do século XIX, tudo aquilo que podia ser chamado de cidade de São Paulo pouco tinha se afastado do passado colonial pelo qual um dia a cidade passara. A região não tinha sido tão beneficiada, até então, quanto o Nordeste brasileiro, que recebeu investimentos desde os primeiros anos de colonização com a produção de açúcar; nem quanto a região de Minas Gerais, que no século XVII teve especial atenção devido à extração aurífera; ou quanto o Rio de Janeiro, que passou a ser capital da Coroa Portuguesa no início do século XIX, recebendo a família real e investimentos provindos da coroa. Nessa época, a cidade ainda se concentrava no que podemos chamar de “triângulo”, formado pelas Rua Direita (antiga Rua Direita de Santo Antônio), Rua XV de Novembro (antiga Rua do Rosário e Rua Imperatriz) e Rua São Bento (antiga Rua Direita de São Bento). Era nesse triangulo que se concentravam as principais atividades da cidade, fossem elas religiosas ou políticas: Convento de São Bento, Convento do Carmo, Convento de São Francisco, Pátio do Colégio, Palácio do Governo, 16 Assembléia Provincial, Correio e Repartições Fiscais. O comércio também se localizava dentro desse perímetro, se estendendo um pouco em direção às principais saídas da cidade de São Paulo. Podemos destacar alguns pontos importantes de comércio na cidade: Rua Santo Amaro, Rua da Consolação, Rua Sete de Abril, Ladeira de São João, Largo do Bexiga e bairros Liberdade e Brás. “O comércio de exportação para a província, alimentado somente pelo açúcar produzido no interior, apenas atravessava a cidade, movimentado pelas tropas de 17 bestas que passavam para o porto de Santos.” Além de todas essas características, percebe-se também que São Paulo ainda não possuía uma “vida de sociedade”, lugares de lazer como teatros, passeios, e casas de espetáculos não tinham presença na cidade, e, na verdade, não havia nem a sociedade que era necessária para que houvesse demanda de vida boêmia e cultural intensas. É em meados do século XIX que a situação da província de São Paulo começa se transformar. A cidade expande suas fronteiras para além do Vale do Anhangabaú e sua população aumenta consideravelmente, fato que será muito importante para a criação de novos bairros, principalmente aqueles de origem operária. Para se explicar esse fenômeno, retoma-se o contexto socioeconômico brasileiro no qual a cidade São Paulo estava

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inserida. Desde o momento no qual o Estado de Minas Gerais se destaca pela atividade aurífera, o eixo econômico já tinha sido transferido do Nordeste para o Sudeste do Brasil, e São Paulo era uma área de engorda de gado. As minas já configuravam uma estrutura social diferente daquela da produção açucareira no Nordeste, pois o trabalho escravo era utilizado em grande escala apenas nas unidades produtoras maiores, as lavras, enquanto nas faiscações, as unidades menores, havia a possibilidade de trabalho livre. Dessa forma, a estrutura social já apresentava certa mobilidade no ciclo do ouro. No ciclo seguinte da economia brasileira, o ciclo do café, a agricultura passou a ser feita principalmente no Vale do Paraíba. Com a expansão do cultivo, novas terras passaram a ser ocupadas pelos cafezais no Estado de São Paulo, se estendendo cada vez mais a oeste do território paulista. A cidade de São Paulo se localiza entre as duas regiões que eram importantes para o comércio do café: a região produtora, que seguia em direção ao oeste paulista, e a região exportadora, em Santos. Na década de 1870 a implantação de ferrovias permite a expansão da agricultura cafeeira cada vez mais a oeste e mantém o escoamento rápido da produção para o litoral. O trecho Jundiaí-Santos foi o primeiro trecho ferroviário passando pela cidade, traçado pela São Paulo Railway. As primeiras obras do trajeto, chamado Serra Velha, foram iniciadas no ano de 1860 e terminadas no ano de 1867. O novo trajeto, chamado Serra Nova - que, atualmente, é parte das linhas 7-Rubi e 10-Turquesa da CPTM - paralelo ao antigo, foi inaugurado também em 1867. É às margens dessa ferrovia que se localiza o conjunto da Companhia Antarctica Paulista, objeto de interesse deste trabalho. Além da São Paulo Railway, outras ferrovias que passavam pela cidade de São Paulo foram implantadas nessa mesma época: Estrada de Ferro do Norte - parte do trajeto da atual linha 11-Coral da CPTM em 1870, incorporada à Estrada de Ferro Central do Brasil, em 1890 e a Estrada de Ferro Sorocabana - que, hoje em dia, é uma parte da linha 18 8-Diamante da CPTM - em 1875. A cidade de São Paulo se torna, nesse panorama, o centro financeiro do comércio do café, sendo cortada pelas ferrovias já 19 mencionadas . Bancos começam a se instalar na cidade, inclusive bancos

mais profundamente o tema das ferrovias, olhar: MATOS, 1974; MAZZOCO e SANTOS, 2001 e 2005; e SAES, 1981. 19. O trecho de maior interesse nesse trabalho é o da antiga linha férrea São Paulo Railway, hoje em dia Estrada de Ferro Santos Jundiaí, no sentido noroeste-sudeste, linha que até hoje serve de limite entre os distritos da Mooca, Ipiranga e Vila Prudente


20. Secretaria Municipal do Desenvolvimento Urbano – Prefeitura de São Paulo

estrangeiros. Os barões do café veem vantagem em estar próximos de onde conseguem controlar seus investimentos, e a cidade de São Paulo começa a receber a burguesia cafeeira, que, com o tempo, aplicaria seus ganhos em outros setores da economia que não somente a agricultura. Assim, o burgo de São Paulo desperta a vida de sociedade que outrora não era efervescente, e outros setores da vida urbana começam a se desenvolver. Através das ferrovias, o custo da produção cafeeira diminuiu, pois o transporte que antes era feito por meio de tropas muares agora ficava mais fácil e rápido. Também os riscos de extravio da mercadoria eram minimizados pelo transporte ferroviário. Dado o poder crescente de acumulação de capital através da cafeicultura, surgia a necessidade de ampliar a mão-de-obra. Porém, com a escassez de mão-de-obra escrava, a solução escolhida foi o emprego de mão-de-obra livre. Dessa forma, podemos dizer que houve quatro fases da evolução histórica cafeeira: a primeira em que a mão-de-obra é totalmente composta por escravos; a segunda, em que ainda há o predomínio do escravismo, mas já existem alguns segmentos diferenciados, como as parcerias; a terceira, no qual predomina o trabalho livre; e a quarta, que só abrange o trabalho livre. A partir desse momento em que o trabalho livre é o principal na força produtiva, as imigrações tornam-se muito importantes, uma vez que havia também incentivos governamentais para a contratação dos estrangeiros. Os contratos eram realizados na Hospedaria dos Imigrantes, construída pelo Visconde de Parnaíba, em 1888 no bairro do Brás. Pode-se constatar que nesse momento a população da cidade de São Paulo começou a crescer consideravelmente. No ano de 1872, quando foi realizado o primeiro recenseamento formal da cidade, a população era de 31.385 habitantes. No recenseamento seguinte, realizado em 1890, a população já duplica, passando a ser de 64.934 habitantes. No ano de 1900, os habitantes recenseados somam 239.820, 20 passando para 579.033 em 1920. A partir desses dados de recenseamento da cidade, podemos ver que as taxas de crescimento da população são especialmente altas, principalmente o salto entre os anos de 1890 e 1900. É também espantoso o aumento da presença de residentes estrangeiros na cidade de São Paulo nesse mesmo período. No ano de 1872, os residentes estrangeiros

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eram 2.459, crescendo para 14.303 estrangeiros em 1890 e 206.657 em 21 1920 . Durante o século XX, alguns fatores contribuíram para a instalação de fábricas em São Paulo, além da ferrovia. A explosão da Primeira Guerra Mundial, que teve reflexos na produção industrial dos países envolvidos, afetou, assim, a conjuntura do comércio internacional de produtos manufaturados. Nesse momento, a indústria se expande no Brasil, como opção à importação de alguns produtos, em processo de substituição de importações. Os imigrantes que chegam a São Paulo passam a ter importância no novo setor industrial, além de já serem boa parte da mão de obra nos cafezais do interior do Estado. Além da guerra, outro fator que contribuiu para o aumento dos investimentos no setor industrial foi o risco da superprodução do café. Desde a proclamação da República, o Estado de São Paulo começou a liderar o processo de acumulação nacional de capital. O café era priorizado nas políticas econômicas brasileiras, como no Convênio de 22 Taubaté , mantendo o lucro dos produtores. Mesmo com a crise de 1929, o preço internacional do café continuou relativamente elevado nos anos seguintes. Mas, devido ao aumento da concorrência, se tornou inviável a produção do café nos mesmos níveis. Dessa forma, uma parte do capital que seria reempregado na agricultura, passa a ter outro campo de investimento: a indústria. Ela aparece, portanto, como uma alternativa 23 de inversão de capital , atrelada ao sucesso da produção cafeeira, já que os investimentos da indústria dependiam do acúmulo de capital pela agricultura. Assim, São Paulo passa a ser a sede de indústrias, além de ser o centro financeiro do comércio do café. Coincide com os efeitos da crise a tomada do poder no Brasil por Getúlio Vargas em 1930, que incentiva ainda mais o desenvolvimento de indústrias de bens não-duráveis no país. Consequentemente, as décadas de 1940 e 1950 são décadas de instalação massiva e consolidação de indústrias, não só em São Paulo, mas em todo o país. Na década de 1970, o cenário político-econômico segue outros rumos durante o Regime Militar no país, e são estabelecidos Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs). Nesse período, o país se abre amplamente ao capital estrangeiro e, concomitantemente, inicia-se a descentralização das indústrias em São Paulo: as sedes muitas vezes

21. Secretaria Municipal do Desenvolvimento Urbano – Prefeitura de São Paulo. Não há dados relativos ao ano de 1900 22. O Convênio de Taubaté, governos de Minas Gerais e São Paulo garantia a compra de estoques excedentes de café, mantendo o lucro dos produtores. Dessa forma, ainda era incentivado o plantio 23. “A indústria aparece na economia nacional nesse período como alternativa de inversão de capital, imbricadamente dos latifundiários e comerciantes atacadistas de café. São Paulo apresentava-se como locus natural da industrialização brasileira, já que registrava a existência de relações de produção com base no trabalho assalariado junto a uma ocupação territorial continua do interior paulista, graças ao traçado e abrangência de sua rede ferroviária.” SCHIFFER, 1999, p.83


continuam na cidade, mas a produção se interioriza no Estado, saindo do centro, deixando as antigas fábricas desativadas, cenário até hoje presente em antigos bairros industriais em São Paulo. O entorno da fábrica da Antarctica, na Avenida Presidente Wilson, é uma das regiões que sofreu esse fenômeno de descentralização das indústrias. Há muitas construções e terrenos subutilizados ou em situação de abandono nessa região da cidade de São Paulo. Futuras intervenções que considerem o potencial dessas áreas são de extrema importância no contexto atual. Os antigos bairros industriais são peças chaves para as discussões de propostas para reverter a periferização das grandes cidades. Esses bairros, já urbanizados e dotadas de serviços à população, podem ter aproveitamento muito maior, e utilização mais intensa.

Imagem 7 - Companhia oblíqua da cervejaria situada na avenida Presidente Wilson, com a avenida na diagonal, as instalações da indústria e a linha férrea da CPTM ao centro, 1940._Autoria desconhecida. Arquivo Histórico de São Paulo

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Imagem 8 - Documentação da intervenção na via derivada de obras de saneamento feitas pelo Departamento de Águas e Esgotos do Estado; obras de pavimentação, próximas a rua dos Patriotas (bairro do Ipiranga), 1958_Autoria desconhecida.

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Arquivo Histórico de São Paulo


b. o papel da ferrovia e da indĂşstria no desenvolvimento dos bairros

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No salto de um século, a cidade de São Paulo deixa de ser provinciana e passa a ser centro financeiro do comércio do café, além de receptora de fábricas e serviços que alavancarão uma série de profundas mudanças na cidade. Aquilo que era terreno urbano já não se confundia mais com o que era rural. As antigas paisagens de chácaras com vastas áreas verdes, que caracterizavam bairros como Santa Ifigênia, Bom Retiro, Consolação, Liberdade, Cambuci, Mooca, Pari e Higienópolis, dão lugar a novos loteamentos e à indústria. As casas de arquitetura tradicional do período colonial dão lugar à outras arquiteturas. Aqueles de classes mais abastadas escolhem fazer 24 suas moradias nos novos bairros de elite , tentando cada vez mais seguir moldes europeus na construção e decoração de suas mansões. Por outro lado, a população mais humilde, que chega em grande número para trabalhar para os industriais, formam novos bairros operários, povoando 25 regiões como Bela Vista, a Mooca, o Brás, Cambuci. No caso do recorte a ser estudado nesse trabalho, que compreende o trecho centro-sudeste da antiga Estrada de Ferro São Paulo Railway, pode-se dizer que os terrenos eram muito atrativos para a instalação de indústrias, assim como o foram para a construção da estrada de ferro: “É sabido que para a sua construção dever-se-ía obedecer aos critérios de caminhos secos, baratos e retos. No organograma da São Paulo Railway, 26 a trindade foi obedecida cegamente até Cubatão .” Eram terrenos planos e baratos, por serem desprovidos de qualquer infraestrutura e não apresentarem boa qualidade para o plantio. Além disso, após a retificação do Tamanduateí, em 1850, a ocorrência de enchentes se torna drasticamente menos frequente, e portanto os terrenos deixaram de ser alagadiços. As estações ferroviárias localizadas nesse recorte foram muito importantes para o direcionamento da ocupação e urbanização dos bairros ao seu redor. No Brás, havia comunicação entre a Estação da Estrada de Ferro do Norte, de 1867, e a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, de 1877. Na Mooca, a inauguração da estação dessa mesma estrada de ferro, em 1898, também muito contribuiu como chamariz para os bairros que começavam a se desenvolver a sua volta. Juntamente com esses fatores, investimentos começam a ser feitos no que diz respeito à redes de energia, esgoto, água e

24. Podemos observar que os loteamentos feitos na cidade são meio de segregação de classes sociais. O bairro dos Campos Elíseos, por exemplo, era um bairro destinado a compradores de altas classes sociais 25. Para a transformação dos bairros do Brás e Mooca ver: ANDRADE, 1991; BOSI, 1979; TORRES, 1985; CARTA, 1982. 26. BARRO, Máximo e BACELLI, Roney . Ipiranga – Série História dos bairros de São Paulo, Vol. 14 ‘História dos bairros de São Paulo . Departamento do Patrimônio Histórico – Divisão do Arquivo Histórico , 1979, pp 61


27. RUFINONI, Manoela Rossinetti . Preservação do patrimônio industrial na cidade de São Paulo – o bairro da Mooca. São Paulo, FAUUSP, 2004, pp. 25

sobre Vilas Operárias, ver: BLAY, 1985.

transporte. O governo se ocupava das áreas mais centrais, que já eram densamente ocupadas, e deixava nas mãos dos loteadores a instalação de infraestrutura de novos terrenos,o que funcionava muito bem, além de dar lucros espantosos para os seus investidores. Nesse momento, a especulação imobiliária e os lucros altíssimos sobre terrenos loteados se tornam comuns. Os lampiões de azeite que iluminavam as escuras ruas de São Paulo desde 1830 dão lugar à lampiões de gás, em 1873, e posteriormente às lâmpadas elétricas no início do século XX. Os bondes puxados a burro são substituídos pelos elétricos através dos serviços da Light, a partir de 1901. Os bondes tiveram importante papel articulador entre os bairros operários e a área central da cidade. Em relação ao saneamento, também surge através de investimentos privados a Companhia Cantareira de Águas e Esgotos em 1877, que em 1903 será substituída pela Repartição de Águas e Esgotos, empresa pertencente à prefeitura de São Paulo. Porém, os bairros operários em formação nessa época demoraram para receber as melhorias no que diz respeito ao fornecimento de água, e eram servidos através de um sistema alternativo, com as águas do córrego do Ipiranga, não próprias para consumo. Assim, muitas indústrias que se instalavam na região optavam por terem seus próprios reservatórios e poços, uma vez que sua demanda corria o risco de não ser atendida pelo sistema de 27 abastecimento da cidade. As vilas operárias surgem em São Paulo, nessa mesma época, como nova forma de habitação popular. Muitas das grandes indústrias possuíam vilas nos seus arredores, sendo as mais emblemáticas localizadas nos bairros do Brás e Mooca, principalmente. Algumas delas contavam com serviços à população residente, como é o caso da Vila Maria Zélia, propriedade de Jorge Street, industrial da Companhia 28 Nacional de Tecidos de Juta, no Belenzinho. Nos bairros operários, que obtiveram importantes mudanças com a implantação de fábricas e instalação de um contingente populacional significativo, as ruas, casas, festas, costumes, ganham traços muito específicos e particulares, e, mesmo com ocupação, continuam afastados do centro da cidade. Vale aqui retomar a observação de que nessa época, com a grande quantidade de loteamentos da cidade e com a chegada

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da burguesia cafeeira e industrial, intensifica-se a especulação imobiliária e a segregação espacial na cidade de São Paulo, com a criação de bairros que acabam sendo destinados a uma classe social específica: “As novas áreas urbanizadas localizadas a leste do rio Tamanduateí, no entanto, isolavam-se nitidamente do antigo núcleo urbano e dos bairros aristocratas da elite cafeeira; quer fisicamente, através da presença do rio; quer socialmente, através da imagem negativa dos bairros operários e 29 ‘pobres’ frente ao sonho da cidade moderna cultivado pelos aristocratas”. Até hoje, alguns dos bairros desenvolvidos a leste do Tamanduateí ainda preservam características interessantes e particulares dos antigos bairros industriais, com suas pequenas casas e grandes fábricas. O presente trabalho tem como intenção, dentre outras, identificar quais características da área de estudo são relevantes e podem ser preservadas e valorizadas a partir da memória que ainda as resguarda. A área de entorno da antiga Companhia Antarctica Paulista se relaciona intimamente com o histórico de industrialização/desindustrialização das bordas de ferrovia, e um projeto de intervenção nesse conjunto tem a oportunidade de levar em consideração e transmitir os valores e características próprios do bairro no qual se insere. Além disso, os edifícios do conjunto da fábrica são relevantes do ponto de vista arquitetônico, e devem ser analisadas as suas características individuais, como também em conjunto. A fábrica, fundada no início do século XX, já passou por um século de transformações, tanto na sua relação com a cidade, quanto na modificação de sua estrutura interna, com demandas e lógica de organização próprias.

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29. RUFINONI, Manoela Rossinetti . Preservação do patrimônio industrial na cidade de São Paulo – o bairro da Mooca. São Paulo, FAUUSP, 2004, pp. 6


Imagem 9 - Viaduto sobre as Trilhas da REFSA fazendo a ligação entre a Avenida do Estado e a Avenida Doutor Francisco Mesquita no bairro da Vila Independência, vista tomada em direção ao município de São Caetano do Sul. À direita, em sentido Oblíquo, Avenida Presidente Wilson, 1970._Autoria: Ivo Justino. Arquivo Histórico de São Paulo

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c. a situação da malha remanescente na cidade e seu entorno

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Mostram-se importantes discussões antropológicas, sociológicas, econômicas e, dentre tantas outras, também discussões arquitetônicas para entender esse importante período da Revolução Industrial pelo qual passou a sociedade. Período este que nos fez avançar em diferentes ciências e deixou profundas mudanças e vestígios que tanto são estudados: discussões a respeito de uma nova classe trabalhadora; surgimento da burguesia industrial; desenvolvimento de variados modos de produção; utilização de novos materiais; construções de moradias para as classes trabalhadoras; oposição da arquitetura “produzida” em massa pela racionalização promovida pela indústria, em contraponto com aquela proposta por movimentos como o Arts ans Crafts que tanto influenciará a arquitetura Art Nouveau. Mesmo após tantas discussões envolvendo o patrimônio histórico e especificamente o patrimônio industrial, muitas vezes os conjuntos industriais remanescentes não são vistos como um registro histórico, sobretudo se estão inseridos dentro de uma malha urbana já bem consolidada. Tais conjuntos são tratados tendo em vista o grande interesse econômico que despertam no contexto imobiliário da especulação. Em sua maioria, os remanescentes industriais ainda ocupam terrenos com áreas muito significativas e estão inseridos em regiões já providas de redes e serviços muito bem distribuídos e já consolidados, por vezes até localizados nos centros de grandes cidades, como é o caso de São Paulo. São áreas estratégicas, e, considerando o constante crescimento e transformação das cidades, áreas com esse perfil podem ser vistas como terrenos urbanos ociosos ou subutilizados, interessantes tanto para iniciativa privada quanto para o poder público. O tema das áreas industriais desativadas ou subutilizadas tem ganhado peso no âmbito do urbanismo por diversas razões, dentre elas a tendência de tentar-se reverter a periferização das cidades que já são densamente povoadas, através da ocupação de áreas centrais que ainda se mostrem disponíveis. Porém, uma questão que deve ser levantada é a respeito da qualidade dessas intervenções, principalmente considerando o possível interesse histórico de conjuntos industriais. No caso de São Paulo, a tendência atual tem sido transformar a paisagem predominantemente horizontal típica desses bairros industriais do início do século XX. Os investimentos, muitas vezes envolvidos na


especulação imobiliária, se limitam a construir altas torres residenciais, que descaracterizam a paisagem enquanto conjunto. Podem ser apontadas, então, duas perdas: a perda do registro histórico das construções industriais, muitas vezes demolidas, e a descaracterização de bairros. Não digo que essas áreas não devam ser adensadas, penso, pelo contrário, que trazer moradores para os centros seja interessante, mas descaracterizar bairros inteiros com construções que desconsiderem seu entorno é um erro. Deve-se encontrar maneiras harmônicas de conciliar o existente e o projeto, o antigo e o novo, a infraestrutura oferecida e a demanda de moradias e serviços. No que se refere especificamente à cidade de São Paulo, já foram mencionados neste trabalho diversos bairros centrais que cresceram ou até mesmo surgiram com a implantação massiva de indústrias que ocorreu em São Paulo entre o final do século XVIII e início do século XIX, como Brás, Mooca, Ipiranga, Cambuci. Hoje em dia, esses bairros são justamente o alvo de empreendimentos de grande porte que destoam no conjunto dos bairros, e além de tudo seguem com inúmeras demolições/ intervenções brutais em conjuntos industriais. Tratando ainda desse mesmo recorte espacial, a cidade de São Paulo, faço agora um outro recorte temporal. Voltando ao período do início da industrialização na cidade de São Paulo, julgo importante levantar uma questão no que diz respeito à relação entre os prédios ecléticos construídos nessa época e os conjuntos industriais e suas respectivas vilas operárias, quando ainda existentes. A importância das obras ecléticas e o respeito por elas são inegáveis e incontestáveis, sobretudo considerando que muitos desses bens arquitetônicos são tombados. Já os conjuntos industriais são por inúmeras vezes negligenciados, e são feitas intervenções que não consideram sua relevância e suas características, descaracterizando as construções. Pergunto-me, então, quais critérios nos levam a reconhecer alguns edifícios de uma época e deixar outros, contemporâneos a eles, de lado, por vezes abandonados. Claro que não se deve levar em consideração somente o critério de idade como decisivo para julgar a relevância histórica e arquitetônica de uma construção; porém, no que se refere aos registros arquitetônicos da industrialização, tanto no Brasil quanto nos outros países que a viveram, desconsiderou-se durante

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muito tempo a relevância de construções industriais, desconsiderando também a história da técnica e da aplicação de novos materiais, como aço, concreto, alumínio, amianto, fibras sintéticas e plásticos, típica do período, e tampouco foram levados em conta a memória do trabalho e os modos de fabricação. Na cidade de São Paulo, podemos identificar diversos exemplos de descaso e abandono das construções, por vezes tristemente seguida de demolições ou intervenções invasivas. Podemos mencionar alguns casos: demolição da Fábrica de automóveis DKW-Vemag, na Vila Independência, construída na década de 1940; intervenção no prédio do Cotonifício Crespi, fundado em 1896, no bairro da Mooca, para a transformação de seu espaço em um supermercado, intervenção esta que jamais poderia ser considerada um ato cultural de restauro, uma vez que só restaram as fachadas do prédio original; por fim, menciono o abandono da Fábrica de Cimento Portland, em Perus, que funcionou entre 1926 e 1987, quem vem sendo profundamente discutido, inclusive com o envolvimento da comunidade local, tendo ainda alguma esperança de reconhecimento da fábrica como parte do patrimônio material da sociedade. O eixo centro-sudeste da antiga São Paulo Railway é um recorte que julgo interessante a ser analisado ao levantar questões relativas ao patrimônio industrial e seu entorno, uma vez que engloba diversos casos de fábricas abandonadas, intervenções agressivas com prédios que poderiam ter significativo interesse, problemas de especulação imobiliária, entre outras questões importantes nesse contexto urbano. A antiga fábrica da Companhia Antarctica Paulista se insere nesse contexto, e se localiza às margens da ferrovia. Para se ter uma visão mais completa e abrangente de sua inserção na escala da cidade, é feito, primeiramente um recorte territorial incluindo um trecho extenso da linha férrea, que será a base dos mapas e análises que seguem.

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Imagem 10 - Situação atual do conjunto visto do viaduto sobre a rua da Mooca, 2014. Fonte: autora do trabalho

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4. Anรกlise do recorte Escala da cidade

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Mapa 1. Linhas de trem e metrô na região metropolitana de São Paulo

Fonte: Plano Diretor Estratégico 2014_Lei 16.050/14

Trem linhas existentes Metrô linhas existentes Metrô 2016 linhas planejadas Metrô 2025 linhas planejadas Monotrilho 2016 linhas planejadas Monotrilho 2025 linhas planejadas Destaque do recorte estudado

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O recorte estudado neste capítulo compreende os distritos da Sé, Mooca, Ipiranga e Vila Prudente, bairros que são margeados pela linha férrea Jundiaí-Santos. O mapa 1 mostra, no contexto metropolitano, as linhas férreas existentes, sejam do metrô , da CPTM ou do monotrilho. O eixo ferroviário mais marcante no sentido noroeste-sudeste é justamente o trecho Jundaí-Santos, para o qual é dada mais atenção nesse trabalho.

2km

5km


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Mapa 2b. Destaque da malha industrial ao longo do eixo ferroviário

Mapa 2a. Arco Tamanduateí

Limite da Macrozona de Urbana Macroárea de Estruturação Metropolitana - Arco Tamanduateí Demais setores da Macroárea de Estruturação Metropolitana

Fonte: Prefeitura de São Paulo- Secretaria Municipal do Desenvolvimento Urbano

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O mapa 2b mostra o recorte feito de maneira a abranger parte considerável do entorno da ferrovia, com destaque à malha industrial que a margeia e, em vermelho, à antiga fábrica da Companhia Antarctica Paulista. De acordo com o Plano Diretor Estratégico 2014, Lei 16.050/14, o terreno em questão se localiza na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, na Macroárea de Estruturação Metropolitana Arco Tamanduateí (mapa 2a), e fora da área de influência dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana propostas por essa lei (mapa 5, apresentado mais adiante). Assim, essa localização do terreno configura, em linhas gerais, os seguintes coeficientes de aproveitamento: mínimo de 0,5; básico de 1; e máximo de 2, e um gabarito máximo de 28m (térreo + 8). Alguns desses parâmetros são passíveis de alteração, pois o terreno se encontra em área de Operação Urbana.

150m

300m


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Mapa 3. Subprefeituras

Fonte: Prefeitura de São Paulo - Secretaria Municipal de Planejamento Urbano Subprefeituras

Sé Mooca Ipiranga Vila Prudente Vila Mariana

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Nesta terceira imagem, percebe-se que a linha férrea serve de divisão entre os distritos da Mooca/Vila Prudente e Sé/Ipiranga. Ela ainda é parte marcante na paisagem, uma vez que sua volumetria é realmente uma barreira entre seus dois lados, tanto física quanto visual.

150m

300m


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Fonte: Plano Diretor Estratégico 2014_ Lei 16.050/14

Rio Tamanduateí Córrego Ipiranga

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A Hidrografia em destaque acompanha dois eixos estruturadores do sistema viário da cidade. A oeste, a avenida Ricardo Jafet, margeando o córrego do Ipiranga; a leste, a avenida do Estado, margeando o rio Tamanduateí.

150m

300m


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Mapa 5. Principais eixos viários e ferrovia

Fonte: Plano Diretor Estratégico 2002

Linha férrea Via estrutural de nível 1 Via estrutural de nível 3 eixos previstos pela lei 16.050/14

150m

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300m


R. da Mooca Ave

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Mapa 6. Transporte coletivo

Fonte: Plano Diretor Estratégico 2014_ Lei 16.050/14

Trem linhas existentes Metrô linhas existentes Metrô 2016 linhas planejadas Metrô_2025 linhas planejadas Corredores de ônibus existentes Corredores de ônibus 2016 _planejados Corredores de ônibus 2025 _planejados Monotrilho 2016 linhas planejadas Monotrilho 2025 linhas planejadas

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Constata-se que o transporte público existente predominante no recorte é oferecido pelos corredores de ônibus, além da linha 10-Turquesa, da CPTM. Observa-se também os projetos de implantação de metrôs e monotrilhos, previstos, em sua maioria, para o ano de 2025, e novos corredores de ônibus. Pode-se dizer, porém, que atualmente os bairros que se desenvolveram a partir da implantação da ferrovia e das indústrias ainda carecem de oferta de transporte mais efetiva.

150m

300m


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Mapa 7. Grandes empreendimentos imobiliários que se destacam em uma faixa de 1 km ao longo da ferrovia

Empreendimentos imobiliários de grande altura, que rompem a escala predominante

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Observa-se a grande quantidade de conjuntos verticalizados na faixa de 1 quilômetro ao longo da ferrovia. Sua presença se torna marcante na paisagem, além de conflituosa. Boa parte dos empreendimentos imobiliários destacados se localizam em terrenos literalmente vizinhos a conjuntos fabris.

150m

300m


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Mapa 8. Operação Urbana Consorciada Mooca-Vila Carioca Bairros Tamanduateí

Fonte: Prefeitura de São Paulo - Secretaria Municipal de Planejamento Urbano Subprefeituras

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O terreno da antiga Fábrica da Companhia Antarctica se localiza ao longo do eixo da Operação Urbana Consorciada Bairros Tamanduateí. A operação tenta reverter alguns pontos considerados problemáticos na sua região de abrangência (imóveis subutilizados, densidades demográficas baixas, drenagem deficiente, eixos viários interrompidos e quadras muito extensas) através da proposição de áreas livres, otimização de áreas já dotadas de infraestrutura, implantação de espaços públicos e melhoria dos transportes. Na definição de diretrizes, considera-se também a existência de edifícios de interesse histórico e sua relevância no contexto no qual se inserem. Deve-se também salientar o caráter social que permeia as diretrizes da operação, sempre sugerindo a implantação de habitações de interesse social. Outro fator urbanístico da Operação Urbana é a possibilidade de estabelecer C.A. (Coeficientes de Aproveitamento) mais altos do que aqueles estabelecidos pelo PDE (Plano Diretor Estratégico), nas suas áreas de influência. No caso do terreno da Antarctica, o C.A. máximo de 2,0 pode ser ultrapassado. As diretrizes da operação urbana foram consideradas na elaboração do projeto deste trabalho.

150m

300m


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5. Análise do recorte Escala do edifício

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Mapa 11. Principais 9 Principais eixos eixos viários e ferrovia

Fonte: Prefeitura de São Paulo Mapa Digital da cidade e Plano Diretor Estratégico 2014_ 2002 eLei Projeto de Lei do Plano Diretor 16.050/14 Estratégico 2013

Linha férrea Via de Rio estrutural Tamanduateí nível 1 Via estrutural de Via estrutural de nível 1 nível 3 Via estrutural de Rio nívelTamanduateí 3 Estação da Estação Mooca da CPTM Mooca

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Podemos perceber através do mapa 9 que o terreno encontrase numa área praticamente plana, característica que foi importante para a instalação da ferrovia e posterior chegada de tantas indústrias. O terreno da antiga Companhia Antártica Paulista encontra-se entre diversas barreiras, tanto físicas como visuais: ao norte, está o viaduto sobre a rua da Mooca, que sobrepõe linha férrea. Esse limite entre o terreno e o viaduto é um lugar de difícil acesso, tanto aos veículos quanto aos pedestres, e configura um ambiente ermo, sem utilização. A linha férrea, a leste do conjunto industrial, é impossível de ser enxergada a partir da Avenida Presidente Wilson, a oeste, pois as fachadas das indústrias se fecham completamente para a rua, impossibilitando a permeabilidade ao olhar. Além de ser difícil enxergá-la, é também um desafio transpor a ferrovia, o que faz com que ela seja uma verdadeira barreira entre seus dois lados.

50m

200m


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Mapa 10. Zoneamento

Fonte: Prefeitura de São Paulo - Mapa Digital da Cidade - Secretaria Municipal de Planejamento Urbano - Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano

ZM - 3a ZM - 3b ZCP ZCPa ZEIS 3_de acordo com lei 16.050/14

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O zoneamento apresentado na página ao lado está de acordo com os Planos Regionais Estratégicos de cada bairro representado, estabelecidos pela Lei de Zoneamento (Lei 13.885/04). Retomando o zoneamento vigente na cidade de São Paulo, e tendo em vista que, mesmo com a lei 16.050/14 - PDE- a Lei de Zoneamento ainda não foi completamente revista, se considera ainda que o terreno está em Zona Mista de alta densidade, ZM - 3a. O entorno do terreno é formado de zonas mistas de alta densidade e zonas de centralidade polar, além de uma ZEPEC, que inclui a Estação de Trem da Mooca como objeto arquitetônico de interesse cultural. Observa-se também a presença de Zonas Especiais de Interesse Social 3 (ZEIS 3), que devem incluir edifícios ou terrenos subutilizados, mas dotados de infraestrutura urbana, dispondo, então, de serviços ao cidadão e oferta de empregos nas proximidades.

1

ZEPEC_Estação da Mooca

2

ZEPEC_Estádio Conde Rodolfo Crespi

50m

200m


2

1

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Mapa 11. Uso do solo

Fonte: Prefeitura de São Paulo - Mapa Digital da Cidade - Secretaria Municipal de Planejamento Urbano - Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano Residencial Horizontal de Médio/Alto Padrão Residencial Vertical de Médio/Alto Padrão Comércio e Serviços Indústria e Armazéns Residencial + Comércio/ Serviços Residencial + Indústria/ Armazéns Comércio/Serviços + Indústria/Armazens Sem Predominância

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Ainda que esteja em Zona Mista-3a,o terreno da fábrica da Antarctica e seu entorno são de uso predominantemente industrial, ocupados por grandes galpões e armazéns. No mapa 11, notase a presença de áreas residenciais verticais bem próximas à linha férrea e à malha industrial, ocupando quarteirões amplos. As áreas residenciais horizontais, por sua vez, ocupam quadras menores, próximas às quadras industriais e quadras onde se predomina o uso misto.

50m

200m


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Mapa 12. Edifícios notáveis segundo o Mapa Digital da Cidade

Fonte: Prefeitura de São Paulo Mapa Digital da Cidade

Edifícios notáveis

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Os prédios do conjunto industrial da antiga Companhia Antarctica Paulista são discriminados como “Edifícios Notáveis” pelo Mapa Digital da Cidade, disponível no site da Prefeitura de São Paulo. Nota-se também que diversos edifícios no entorno também são incluídos, dentre eles a Estação da Mooca, imediatamente ao sul do terreno da fábrica.

50m

200m


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Corte na Rua da Mooca olhar direção norte

70

Através dos dois cortes esquemáticos passando pela rua da Mooca, é marcada a horizontalidade na paisagem, e é possível perceber o casario tradicional do bairro, predominante no aspecto geral das fachadas.


769m 755m

732m

738m

0.5 Km

1.0 Km

740m

746m

1.5 Km

2.0 Km

2.5 Km

71


Corte na Rua da Mooca olhar direção sul

72


769m

755m 746m 740m 738m 732m

0.5 Km

1.0 Km

1.5 Km

2.0 Km

2.5 Km

73


74

Imagem 11 -PrĂŠdio das adegas da Antarctica, sem data. Fonte: ambev.com.br


6. Companhia Antarctica Paulista

75


76

No final do século XIX, os pequenos empreendimentos e manufaturas começam a dar lugar às grandes fábricas em diversos setores da produção, dentre eles o da produção de cerveja. Em 1886, é fundada a Fábrica de Cerveja Guanabara; em 1891, a Companhia Antarctica Paulista; em 1892, a Fábrica Bavaria. Em seus primórdios, a Companhia Antarctica Paulista se instalou no bairro da Água Branca, mais precisamente na Rua Turiassu. A empresa surgiu a partir da associação, em 1888, de dois empreendedores, Louis Bücher, que possuía uma pequena cervejaria na cidade desde 1868, e Joaquim Salles, que tinha um abatedouro de suínos com uma fábrica de gelo subutilizada, o que havia chamado a atenção do cervejeiro para estabelecer a sociedade. Com a associação, surge a empresa Antarctica Paulista – Fábrica de Gelo e Cervejaria, que, em 1891, será oficialmente chamada de Companhia Antarctica Paulista. O crescimento da empresa, durante a década de 1890, permite a compra da Fábrica Bavaria no ano de 1904, de propriedade de Henrique Stupakoff & Comp, na rua da 30 Mooca, à margem da Ferrovia Santos-Jundiaí. O complexo industrial lá instalado pela Companhia Antarctica Paulista, assim como o que havia no terreno desde a ocupação da Fábrica de Cerveja Bavaria, são o objeto de estudo deste Trabalho Final de Graduação. A respeito das instalações da Companhia Antarctica no local, as informações bibliográficas não são muito numerosas. Assim, como parte deste trabalho, foi feita uma pesquisa no Arquivo Histórico Municipal, que guarda os processos das construções realizadas na cidade até a década de 1920, e no Arquivo Geral da cidade de São Paulo, que possui os processos a partir da década de 1920. Foi possível obter plantas, cortes e elevações de alguns dos projetos da propriedade da Companhia Antarctica na Mooca, que foram muito importantes para a compreensão da situação atual do conjunto e também da sua trajetória. Através da pesquisa em arquivos, de fotos antigas da Companhia, de livros sobre São Paulo no início do século e de edições antigas de jornais da cidade, elaborou-se uma planta da situação atual do conjunto, identificando a época de construção de cada uma das construções remanescentes, seguida da cronologia das construções da fábrica. O conjunto da Antarctica está desativado desde meados da década de 1990, e está em processo de tombamento desde 2007.

30. FLORIDO, Elizabeth. Antarctica Paulista. Disponível em: www.saopauloantiga. com.br/antarctica-paulista/ Acesso em 10/12/2014


Ru ad

aM oo

ca

SITUAÇÃO ATUAL

Rua Borges de Figueiredo

Linha turquesa _CPTM

Avenida Presidente Wilson

Bavaria 1910

1930

1912

1949

1913

1953

1914

1972

1929

1983

100m

77


12

13

16

17

13 19

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18

12 14

17

16

15


14

15

18

19

79


Imagem 20 - Fábrica da Companhia União dos situada na rua Borges de Figueiredo no bairro da Mooca, 1980_Autoria: Lenise Pinheiro Arquivo Histórico de São Paulo

80

Imagem 21: Condomínio Luzes da Mooca_Rua Borges de Figueiredo, 2014. Resultado da demolição da Fábrica da União, que poupou somente a chaminé do conjunto. Fonte: autora do trabalho.


a. a questão da preservação

81


82


Cronologia

31

1892 A cronologia se inicia no momento da fundação das instalações da Cerveja Bavaria na Mooca, em 1892. Não foram encontradas plantas ou mapas que contivessem a implantação exata da fábrica na época, então a implantação apresentada foi feita com base nos textos de Alfredo Moreira Pinto, de 1900, de Antonio Bandeira Jr., de 1901 e, sobretudo, da edição do Estado de São Paulo do dia 21 de outubro de 1892, que contém um relato sobre a inauguração da Fábrica de Cerveja Bavaria.

“ O prédio não tem estylo; é, porém, alto, vasto, vistoso e todo construído de tijolos. Em frente, fica-lhe o escriptorio, em bonito chalet e nos fundos passa-lhe a Estrada de Ferro Ingleza, com a qual tem communicação. A fábrica ocupa uma extensão de 250 metros de frente por 100 metros de fundos e o escriptorio e mais dependências uma extensão de 80 metros por 120. A parte mais alta do edifício tem 30 metros e a chaminé 36.” 31. A cronologia dos edifícios foi feita a partir dos processos do Arquivo Histórico de São Paulo. 32. PINTO, Alfredo Moreira. Fabrica de Cerveja Bavária, in RUFINONI, Manoela Rossinetti. Preservação do patrimônio industrial na cidade de São Paulo – o bairro da Mooca. São Paulo, FAUUSP, 2004, anexo 1, pp. 171

“O edifício principal, de cinco pavimentos, é dividido em tantas secções, quantas são as phases do fabrico. As machinas productoras do gelo, elemento essencial ao fabrico, conforme as prescripções da sciencia, para a temperatura em diferentes gráus, são do systema Linde, sendo, uma da força de 80 cavallos, outra da, de 150 e mais uma da de 300 cavallos, cada uma com 2 compressores, que servem para resfriar 2 camaras de fermentação de 520 metros quadrados; uma ante câmara e 32 12 camaras adegas, com 2.025 metros quadrados”

83


Ferrovia

Despacho Engarrafamento Fábrica de gelo

Casa das caldeiras

Adegas / Fermentação

Casa de máquinas Casa de fabricação

Av. Presidente Wilson

84

NO


“Com assistência do dr. Bernardino de Campos, presidente do Estado, realisou-se hontem a inauguração da importante fabrica de cerveja Bavaria de propriedade dos srs. Henrique Stupakoff & Comp. A fabrica de cerveja acha-se situada no bairro da Mooca em um edifício construído a tijolo. À chegada do dr presidente do Estado, uma banda executou o hymno nacional, tendo sido recebidos todos os convidados pelos dignos gerentes do estabelecimento os srs. Gustavo Jeep e Nicolau Hutscher, que percorreram todas as dependências da fabrica, prestando a todos os esclarecimentos e explicações que lhe eram pedidos. Começou a visita pela caldeira da machina, peça notável, que tem de peso 16 toneladas e 14 atmospheras de pressão. Além d’esta ainda funccionará na fabrica uma nova caldeira com o mesmo peso que se acha em viagem no vapor alemão Valparaíso. No local onde se acham colocadas as caldeiras há também uma bomba de Worthing para a fabricação de gelo, bomba que, segundo informam-nos poderá produzir em gelo a 5ª parte da água que se consome na capital. Tem esta bomba 6 pollegadas de diâmetro, havendo outras do mesmo systema, porém de menos diâmetro. A chaminé da casa da caldeira tem 35 metros de altura. D’esta dependência passaram os visitantes para um vasto salão onde se acha instalada a machina matriz de força de 80 cavallos, peça construída na importante fabrica de Gesellschaft fur Lindes Eeismaschiner em Wiebaden. Próximo a esta está uma outra machina que fornece o ar necessário para a pressão na conducção da cerveja aos barris. A Sudhaus, isto é, o compartimento destinado à fabricação de cerveja, tem 4 caldeiras construídas na fábrica de F. Pest de Berlim, as quaes podem produzir de 8 a 20 litros de líquido diariamente. 85


Próximo à Sudhaus há um grande e seguro elevador para transportes dos depósitos. Existem no estabelecimento cerca de 50 tanques de fermentação, tendo cada um 4 mil litros de capacidade, e mais quatro de maior volume destinados a fins diversos: o maior d’estes últimos que é usado no fabrico do gelo, leva 10 mil litros de água. A balança peça sólida e hermeticamente fechada composta no máximo 8000 kilos de cevada. No aparelho de esfriar a cerveja, que é também um dos mais aperfeiçoados, o líquido entra com 80 graus de calor e sahe para os depósitos de fermentação com 4 graus apenas. Quatro são os celeiros, contendo cada um cerca de 30 barris e produzindo ao todo 50 mil litros. Os celeiros, bem como os depósitos de fermentação, têm em geral uma temperatura de 4 graus acima de zero. Ao lado da fabrica estão situados os armazéns para o engarrafamento da cerveja, cuja conservação é feita pelo moderno systema de Hasteur. Já se acham prontos 30 mil litros de cerveja, dispondo a fabrica de grande número de barris, caixas e garrafas para a exportação do líquido. Os srs. Henrique Stupakoff& Comp. Fizeram a acquisição de uma chave da Companhia Ingleza que muito facilita o transporte do material para 33 consumo do estabelecimento.”

86

33. Autor Desconhecido. Inauguração. Estado de São Paulo, São Paulo, 21 de outubro de 1892


1910 Após a compra da propriedade da Bavaria na Mooca, a Companhia Antarctica expande os limites da fábrica com a compra de um dos terrenos adjacentes, já realizando, então, outros projetos no terreno: oficinas, serraria, fábrica de licores, oficina de ferreiros, oficina de carros e carpintaria. A implantação encontrada do ano de 1910 (anexo 1), é a primeira que fornece uma ideia mais concreta de o que seria o conjunto da fábrica no início do século

Ferrovia

Girador

Escritórios Depósito Serraria Fábrica de Licores

Existente Construções

Av. Presidente Wilson

Demolições Sem registro exato

NO

87


1911 Neste ano é realizado o projeto de uma nova fábrica de gelo para o conjunto. Além disso, a Companhia Antarctica Paulista adquire o outro terreno vizinho, desenvolvendo novos projetos nos anos seguintes.

Ferrovia

Fábrica de gelo

Av. Presidente Wilson

88

NO


1912 Algumas das construções remanescentes do conjunto atual foram realizadas nesse ano: a ampliação do prédio das adegas, uma torre de elevador e o girador. O prédio das adegas (anexo 3) é um dos mais altos do terreno, e tem destaque na paisagem até hoje, mesmo com outras construções também de grande porte.

Ferrovia

Ampliação das adegas

Girador

Existente Construções

Av. Presidente Wilson

Demolições Sem registro exato

NO

89


1913 Esta construção de uma nova casa de máquinas (anexos 4 e 5) para a fábrica de cerveja também ainda permanece no conjunto atual.

Ferrovia

Casa de máquinas

Av. Presidente Wilson

90

NO


1914 A ocupação do terreno da fábrica de cerveja Antarctica se torna cada vez mais densa. No ano de 1914, o terreno que havia sido comprado em 1911 recebe várias construções: nova chaminé, casa das caldeiras, casa de fabricação, local de breuagem (fermentação), laboratórios, latrina, fábrica de gasosa e depósito de cevada. Nos desenhos arquitetônicos do projeto da casa de fabricação e depósito de cevada (anexos 6 e 7) encontra-se uma pequena implantação na qual os edifícios identificados em cinza escuro já estavam representados, porém não foram encontrados os desenhos específicos de cada uma dessas Ferrovia construções.

Depósito de cevada Fábrica de gasosa Latrina

Casa das Caldeiras Casa de fabricação Breuagem Laboratórios

Existente Construções

Av. Presidente Wilson

Demolições Sem registro exato

NO

91


1929 O registro seguinte encontrado é uma implantação de 1929 (anexo 8), com um entorno abrangente, na qual são apontados as compras de terrenos e os respectivos compradores. Na planta esquemática do terreno da Companhia Antarctica é possível identificar novas construções, porém sem registro exato da data do projeto: câmara frigorífica, depósitos, descarga, tanque, e casa de máquinas. Foi possível identificar as funções dos variados edifícios a partir de uma planta de situação de 1935 (anexo 9), pois o conjunto ainda tinha a configuração muito parecida. Ferrovia

Secagem de bagaço

Descarga Depósito

Casa de máquinas

Locomóvel Fábrica de ácido carbônico

Depósitos Tanque

Depósito e lavagem de garrafas Expedição

Av. Presidente Wilson

92

NO


1930 Realiza-se o projeto de ampliação da casa de máquinas construída em 1914, e também é construído novo local para o processo de fermentação.

Ferrovia

Breuagem Depósitos

Ampliação da casa de máquinas Escritório

Estufa de secagem

Existente Construções

Av. Presidente Wilson

Demolições Sem registro exato

NO

93


1949 - DEMOLIÇÕES É a partir desse momento que se iniciam as demolições. Para dar lugar a um grande prédio que abrigaria máquinas, processo de engarrafamento e caixotaria e oficina mecânica, além de quatro grandes silos, foram demolidos: a primeira chaminé do conjunto, construída ainda para a Fábrica de Cerveja Bavaria; um galpão de descarga, da década de 1920; e uma construção que ao longo de sua existência abrigou fábrica de gelo, depósitos e câmara frigorífica.

Ferrovia

Depósitos Descarga Casa das caldeiras

Av. Presidente Wilson

94

NO


1949 - CONSTRUÇÕES

Ferrovia

Máquinas, engarrafamento, e caixotaria Silos

Maltaria Depósito Malte Caldeiras Portaria

Existente Construções

Av. Presidente Wilson

Demolições Sem registro exato

NO

95


1953 - DEMOLIÇÕES Também para liberar espaço no terreno para a construção de um outro grande prédio para engarrafamento e depósito de vasilhames, são demolidas algumas outras construções, dentre elas locais antes destinados ao uso de escritórios, depósitos e oficinas, além do primeiro girador do conjunto.

Ferrovia

Girador Depósitos

Av. Presidente Wilson

96

NO


1953- CONSTRUÇÕES

Ferrovia

Casa das caldeiras, depósito e vestiários

Engarrafamento e depósito de vasilhames

Existente Construções

Av. Presidente Wilson

Demolições Sem registro exato

NO

97


1972 - DEMOLIÇÕES Ainda dando continuidade à construção de grandes volumes, desta vez de dois grandes galpões, são demolidos: antiga fábrica de gelo, pequenos galpões, portaria e antiga fábrica de ácido carbônico.

Ferrovia

Fábrica de gelo Caldeiras Fábrica de ácido carbônico

Depósito Depósito Tanque

Depósito e lavagem de garrafas Expedição

Av. Presidente Wilson

98

NO


1972- CONSTRUÇÕES

Ferrovia

Galpões

Existente Construções

Av. Presidente Wilson

Demolições Sem registro exato

NO

99


1983 - DEMOLIÇÕES Este é o momento no qual encontram-se os últimos registros de projetos na prefeitura de São Paulo. Nota-se a presença de novos silos e de nova adega, cujos registros precisos de construção não foram encontrados. Os quatro grandes silos e alguns depósitos e galpões também foram demolidos para que fossem possíveis essas novas construções.

Ferrovia

Despacho Fábrica de gasosa Latrina Silos

Maltaria Depósito Malte

Av. Presidente Wilson

100

NO


1983- CONSTRUÇÕES

Ferrovia

Silos

Adegas

Existente Construções

Av. Presidente Wilson

Demolições Sem registro exato

NO

101


Imagem 22 - Prédio das adegas, 1930. Fonte: ambev.com.br < Imagem 23 - Situação atual das adegas, 2014. Fonte: autora do trabalho

102

>Imagem 24 - Paredes do térreo do edifício das adegas, 2014 Fonte: autora do trabalho.


Descrição das construções remanescentes 1. ADEGAS Projeto de ampliação, 1912: Nicolas Von Hütschler, engenheiro responsável

Bavaria 1912

100m

O prédio das adegas, que, de acordo com as análises feitas para a cronologia das construções, pertencia originalmente à fábrica da Bavaria, recebeu projeto de ampliação no ano de 1912. As adegas compunham o prédio mais alto do conjunto da fábrica. A ampliação seguiria a altura dos prédios preexistentes no conjunto das adegas, que tinham em média cinco andares. Estas construções são as que mais se destacam na paisagem, e foram também as prediletas para registros fotográficos do conjunto da Companhia Antarctica Paulista. O grande escrito “Antarctica” na fachada atualmente bege clara, com caixilhos e ornamentos arredondados da Avenida Presidente Wilson, podia ser visto mesmo à distância, como se observa na imagem 22. A maior parte da construção possui caixilhos somente no último pavimento do prédio, pelo fato de sua antiga função exigir isolamento térmico. Juntamente com a antiga portaria que fica ao lado, o prédio de 30 metros de altura compõe boa parte da fachada da rua, e sua presença é marcante, mesmo em uma rua de largura considerável. Com o descascamento da pintura e reboco do prédio, podemos ver as paredes em alvenaria de tijolos. A imagem 24 ilustra a grande largura das paredes do térreo, como se pode ver também no desenho do projeto, que indica 1,30m. Todavia, as paredes tem sua espessura consideravelmente diminuída quando chegam ao último andar, tendo sido projetadas, em tal nível, com 0,70m de espessura. Vê-se também no projeto (anexo 3) os pilares em concreto, cujo maior vão seria de 7,375m. No projeto de ampliação realizado em 1912 já foi previsto um elevador, além da caixa de escadas, que juntos compõem um volume destacado do prédio. Na intervenção proposta neste trabalho, o conjunto das adegas é preservado. 103


Imagem 25 - Vista do conjunto da fĂĄbrica, sem data. Fonte: ambev.com.br < Imagem 26 - Estrutura mista do prĂŠdio Fonte: autora do trabalho

104

> Imagem 27 - GalpĂľes Fonte: autora do trabalho.


2. GALPÕES DE ENGARRAFAMENTO Dados de projeto desconhecidos

Bavaria

100m

Os dois galpões de engarrafamento são muito próximos à ferrovia, o que facilitava o despacho os produtos após a última etapa da produção de cervejas e refrigerantes, enquanto a fábrica ainda estava em funcionamento. O mais baixo dos galpões, mais próximo à ferrovia, possui dois pavimentos (térreo+1) com grande pé direito, somando aproximadamente 17 metros com a cobertura. Em ambos os andares, a estrutura é mista, com elementos em metal e concreto, com malha estrutural de 6,70x5,10m. Originalmente, esse galpão se estendia até os depósitos construídos em 1914, também junto à ferrovia, como se pode ver na imagem 25. Atualmente, os galpões tem suas fachadas alinhadas. A fachada sul do galpão que antes fora mais extenso não foi refeita com o mesmo cuidado após parte do prédio ter sido demolida. A fachada paralela à ferrovia, porém, encontra-se em melhor estado, em alvenaria aparente. O mais alto dos galpões possui três pavimentos (térreo+2), tendo aproximadamente 22 metros. A estrutura segue a mesma modulação longitudinal do outro galpão, com vãos semelhantes também no sentido transversal (5,45m). O primeiro pavimento comunica-se com o galpão mais baixo, e nesse nível ambos possuem estrutura em perfis metálicos. A fachada sul do galpão mais alto é delicada e se assemelha àquelas das outras construções mais antigas do conjunto, as adegas, que outrora pertenceram à Fábrica de Cerveja Bavaria, com pintura atualmente bege clara, caixilhos ora de verga curva ora de verga reta, e ornamentos na parte superior do prédio. Estes dois prédios de engarrafamento também são preservados no projeto apresentado neste trabalho.

105


Imagem 28 - Fachada_ Avenida Presidente Wilson Fonte: autora do trabalho

106

Imagem 29 - Interior da construção Fonte: acervo do escritório do arquiteto Silvio Oksman


3. FÁBRICA DE LICORES Projeto de 1908: Augusto Fried, arquiteto.

1910

100m

As conclusões a respeito dessa construção são baseadas em conjecturas, levando-se em consideração fotos, desenhos do início do século e verificação de medidas levantadas in loco. As análises indicam que essa construção pode ser resultado de um projeto de galpão para a fábrica, do ano de 1908 (anexo 2), que, seria um “telheiro para officina de carroceria para a Companhia Antarctica Paulista na Avenida Bavaria [atual Avenida Presidente Wilson]”. Este novo galpão estaria localizado no limite norte do terreno, de frente para a Avenida Bavaria, e aparece desenhado em diversos momentos. Na planta de situação de 1935 (anexo 9) já se encontra uma construção no local, uma fábrica de licores, onde, supostamente, seria esse projeto indicado em desenhos, tanto em 1908 quanto em 1910 (anexo 1). Diante desses desenhos antigos, comparando-os, verificando as medidas indicadas em projeto, pode-se supor que as construções indicadas nesses desenhos sejam as mesmas referentes ao projeto de 1908. Considerando também a elevação desenhada em 1908 e uma foto atual da construção (imagem 28) reforça-se ainda mais essa hipótese. A estrutura indicada em projeto é constituída de alvenaria estrutural e pilares em concreto, além de estrutura em madeira que sustenta a cobertura. A fachada em tijolos com as janelas de verga curva encontra-se sufocada ao lado de construções de maior porte, que são os dois galpões construídos na década de 1970. O porte das construções vizinhas não se relaciona de maneira harmônica com a pequena construção da fábrica de licores; pelo contrário, o maior dos dois galpões se cola à pequena construção, resultando em uma relação conflituosa entre esses dois volumes. Para a construção de prédios de porte cada vez maiores, os antigos foram sistematicamente demolidos; a fábrica de licores é a exceção que ainda permanece no conjunto, ainda que tenha recebido intervenções ao longo da ocupação. A construção se destaca dos galpões ao lado, e está distante das construções contemporâneas a ela. Considera-se sua preservação no projeto proposto. 107


108

Imagem 30 - Girador da linha fĂŠrrea. Fonte: autora do trabalho


4. GIRADOR Projeto de 1912: Nicolas Von Hütschler, engenheiro responsável

1912

100m

34. Processo OP 1912_000593 do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo

Também no ano de 1912, além da ampliação das adegas já existentes, a Companhia constrói um girador, que serviria para fazer o desvio da linha férrea da São Paulo Railway Co., passando pela Avenida Bavaria (Avenida Presidente Wilson) e chegando à outra propriedade da companhia, do outro lado dessa avenida, até hoje propriedade da Ambev. Através dele, o transporte de materiais entre as duas propriedades da mesma companhia seria facilitado. De acordo com os interesses da Companhia, relatou-se o seguinte pedido de alvará de construção: “Exmo Señr Barão Raymundo Duprat Dr. Prefeito Municipal O a abaixo assignada, que possuindo prédios nos dois lados da Avenida Bavaria, onde explora a indústria que lhe é peculiar e sendo preciso para o seu desenvolvimento levar de um ponto a outro, os trilhos do desvio com que é servida pela São Paulo Railway, vem mui respeitosamente rogar a V. Exa. se digne conceder-lhe a necessária permissão, afim de ser posta em execução a medida assim projectada. De V. Exa. 34 Cia Antarctica Paulista” Atualmente, vê-se uma estrutura octogonal construída em torno do girador, de aproximadamente 2,5m, dentro da qual cresceu uma vegetação baixa. No contexto atual, a presença do girador remete ao funcionamento do conjunto, tendo, então, relevante importância no que diz respeito à memória da fábrica. O girador perdeu a sua função original, não havendo mais nenhum desvio para o interior da fábrica, desativada desde a década de 1990; além disso, as duas propriedades, uma de cada lado da Avenida Presidente Wilson, que um dia foram da mesma Companhia Antarctica Paulista hoje pertencem a diferentes proprietários, e não há razão de interligá-las. Porém, a presença do girador marca um momento histórico e uma lógica de produção. Assim, a volumetria octogonal do girador é preservada na intervenção proposta neste trabalho. 109


Imagem 31 - Vista do conjunto da Antarctica, sem data. A Casa de Máquinas é o edifício ao lado da chaminé Fonte: ambev.com.br

110

Imagem 32 - Avenida Presidente Wilson, 2014. O prédio em questão é aquele mais à direita da foto. Fonte: autora do trabalho.


5. CASA DE MÁQUINAS Projeto de 1913: Nicolas Von Hütschler, engenheiro responsável. Projeto de ampliação, 1930: Sociedade Commercial e Constructora LDA.

1913 1930

100m

Em 1913, a Companhia Antarctica decide construir em seu terreno a sua terceira casa de máquinas, segundo indicado na planta de situação de 1935 (anexo 9), que teria um porte consideravelmente maior do que as outras duas então existentes. O edifício é um dos elementos que constituem o que poderíamos chamar de “núcleo antigo” do conjunto da fábrica. Este e outros edifícios ainda construídos na primeira década do século XX, na região ao sul do terreno, ainda permanecem, e receberam poucas intervenções após a década de 1920, ao contrário do restante do conjunto, onde tantas construções foram sendo demolidas para a edificação de prédios maiores. Assim como algumas das outras construções até então comentadas (fábrica de licores e ampliação das adegas), a nova casa de máquinas também seguiu o alinhamento da rua, compondo, então, uma fachada que se estendia de Norte a Sul do terreno na Avenida Bavaria, como se pode observar na imagem 31. A estrutura desse prédio é uma das mais interessantes do conjunto, com variedade de materiais e técnicas. As vigas metálicas em perfis I atravessam o prédio nas duas direções, sendo as vigas maiores as que o atravessam no sentido transversal e as menores no sentido longitudinal, permitindo um grande espaço livre em cada andar do prédio, com estrutura aparente, com fechamentos em tijolos. Parte da estrutura está destruída, e uma ala do prédio se encontra completamente sem cobertura (parte mais ao norte do terreno), restando somente suas paredes de alvenaria e algumas de suas janelas. No térreo, há pisos de ladrilho hidráulico que, aparentemente, se encontram conservados. Na década de 1930 foi realizada a ampliação da casa de máquinas, que preencheu o espaço que existia entre a parte mais extensa do edifício e a Avenida Presidente Wilson, como também se pode ver na planta de situação de 1935. A ala nova e a ala antiga do prédio são interligadas interiormente, ainda que tenham-se mantido as paredes e os caixilhos da fachada da ala antiga. A estrutura da nova ala segue a mesma linguagem do prédio existente, com vigas metálicas nas

111


Imagem 33 - Situação atual do interior do prédio, 2014. Fonte: autora do trabalho.

112

Imagem 34 - Ladrilho hidráulico no interior do prédio, 2014. Fonte: autora do trabalho.


duas direções. Porém, na estrutura mais recente, as vigas transversais ao prédio são menores em altura, ainda que mantenham a mesma modulação. No sentido longitudinal, porém, a distância entre as vigas é, aproximadamente, três vezes maior, e portanto, as vigas metálicas também são maiores. Da mesma maneira do edifício de 1913, configurase um grande espaço livre na ampliação da casa de máquinas, de 1930. No projeto proposto neste trabalho, são preservadas ambas as alas da casa de máquinas.

113


Imagem 35 - Interior do prédio da casa de fabricação, sem data. Fonte: ambev.com.br < Imagem 36 - Situação atual do interior do prédio, 2014. Fonte: autora do trabalho

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> Imagem 37 - Casa de fabricação e chaminé vistas da linha férrea. Fonte: autora do trabalho


6. CASA DE FABRICAÇÃO E DEPÓSITO DE CEVADA Projeto de 1914: Nicolas Von Hütschler, engenheiro responsável

1914 1935

100m

Esta última construção do núcleo antigo da fábrica da Antarctica é muito relevante para o conjunto, tanto esteticamente quanto paisagística e estruturalmente. Se o prédio feito em 1912 para a ampliação das adegas era o elemento preferido para os fotógrafos, este prédio é o que chama mais a atenção dos que circulam nos trens da CPTM, pois fica ao lado da ferrovia e da chaminé, também construída em 1914, para servir a casa das caldeiras. Assim como para a construção da casa de máquinas, também aqui foram projetadas vigas metálicas em todos os andares. Em relação aos pilares, pode-se dizer que os da casa de fabricação foram projetadas em ferro e aqueles do depósito de cevada, que são em maior número, foram projetadas em cimento armado. No térreo, como indicado na planta original (anexo 6), o piso é de concreto, assim como toda a fundação. Nos cortes encontrados na prefeitura, indica-se também que a armação do teto do edifício é em ferro. Nos desenhos do projeto, não é indicado nenhum revestimento, mas ao mesmo tempo não são representados tijolos aparentes, hoje presente em todas as fachadas. Pode-se indagar se o prédio foi projetado sem revestimento externo ou se simplesmente ele não foi realizado ou descascou com o tempo. Este prédio contém em suas fachadas uma linguagem cromática e material muito diferente daquela das demais construções do núcleo antigo na fábrica, atualmente com pintura externa com cores claras. Independentemente dessas indagações, constata-se que este prédio é de grande importância para o conjunto. Na planta de 1935, é construído um local para “breuagem”, que ao que tudo indica é o processo de fermentação da bebida (brew, em inglês), anexo à construção de 1914. Tal processo é realizado em tanques, o que reflete na configuração interna do edifício, que, hoje em dia, resguarda grandes vãos circulares onde ficavam os tonéis. A construção foi feita ao lado da Casa de Fabricação, de 1914, que se comunica em seu interior com o novo local para fermentação, tendo ambos os prédios plantas semelhantes. O conjunto da casa de fabricação e depósito, assim como a chaminé, são preservados no projeto apresentado neste trabalho.

115


Imagem 38 - Port達o avenida Presidente Wilson Fonte: autora do trabalho Imagem 39 - Projeto do port達o de 1929 Fonte: Arquivo Geral de S達o Paulo

116

Imagem 40 - Port達o visto do interior do conjunto Fonte: autora do trabalho


7. PORTÃO Projeto de 1929: Sociedade Commercial e Constructora LDA.

1929

100m

Outro elemento que compõe a fachada a Avenida Presidente Wilson é o portão principal de entrada no conjunto fabril, que é, na verdade, uma construção de dois andares na qual existem algumas salas. Na planta de situação feita para o projeto da nova casa de fabricação e depósito de cevada (anexo 6), pode-se notar que já estavam indicadas construções onde hoje se localiza o portão. Nessa planta, de 1914, estão indicadas as funções de “laboratório” e “breuagem”(fermentação) na sua área. Porém, não está especificado se nesse local já havia ou não um portão de acesso. A informação mais concreta que se tem do portão da fábrica e do conjunto de salas é do ano de 1929, quando se tem o registro do seu projeto, semelhante à sua situação atual, como podemos notar nas imagens 38 e 39. Não se sabe se o projeto aproveitava a estrutura dos laboratórios construídos ou se previa a sua demolição, mas o uso proposto para a nova construção era a de abrigar os escritórios da Cia. Antarctica Paulista. O portão tem a mesma linguagem estética dos edifícios do núcleo antigo da fábrica, e atualmente está pintado com os mesmos tons claros de bege na fachada, seguindo também seu alinhamento, que se torna ainda mais marcado com a construção do portão. A construção, feita com paredes de tijolos, vigas e lajes de madeira, toca cada um dos prédios ao seu lado (o prédio das adegas e a casa de máquinas), ligando-os volumetricamente e criando uma só fachada na avenida, composta de construções de diferentes alturas, mas todas com a mesma linguagem. Considera-se a preservação do portão da fábrica na intervenção proposta mais adiante.

117


Imagem 41 - Casa de máquinas entre os altos prédios das adegas. Fonte: acervo do escritório do arquiteto Silvio Oksman

118

Imagem 42 - Fábrica de Licores e depósito Fonte: autora do trabalho


8. CASA DE MÁQUINAS Dados de projeto desconhecidos. A pequena construção ao lado dos prédios de adegas hoje em dia está praticamente em ruínas, se escondendo atrás da grande fachada da avenida presidente Wilson. A única maneira de enxergá-la em seu contexto é do alto de algum dos prédios, como se pode ver na imagem 41. Tendo em vista que a construção não tem a mesma relevância arquitetônica de outros edifícios, é considerada a sua demolição no projeto nas diretrizes de projeto estabelecidas neste trabalho.

9 8

9. DEPÓSITO Dados de projeto desconhecidos.

1929

100m

Este depósito foi construído ao lado da suposta Fábrica de Licores, e segue a mesma linguagem em tijolos aparentes e caixilharia semelhante em ambas as construções. Vistas da Avenida Presidente Wilson, suas fachadas se confundem. Ao lado dessa fachada contínua da fábrica de licores e do depósito feita em tijolos e com janelas arredondadas, está a fachada de um dos galpões da fábrica. O depósito, assim como a fábrica de Licores, é preservado no estudo de projeto deste trabalho. As duas casas são de interesse arquitetônico para o conjunto da fábrica, tendo permanecido mesmo com a construção dos grandes galpões,

119


Imagem 43 - Interior do prĂŠdio de engarrafamento de 1949 Fonte: autora do trabalho

120

Imagem 44 - Vista do conjunto de prĂŠdios de engarrafamento, Ă direita o muro que separa o conjunto da ferrovia. Fonte: autora do trabalho


10. AMPLIAÇÃO DO PRÉDIO DE ENGARRAFAMENTO Projeto de 1949: Arnaldo Maria Lessa

1949

100m

Havendo a necessidade de ampliação das dependências destinadas ao engarrafamento dos produtos da Cia. Antarctica, construiuse um novo edifício ao lado daquele que já desempenhava essa função desde que o terreno era propriedade da Fábrica de Cerveja Bavaria. Além da função já mencionada, o prédio também abrigava uma oficina mecânica e um espaço para encaixotar os produtos. A implantação do novo volume segue o mesmo alinhamento à ferrovia do prédio preexistente. Ainda que, atualmente, o edifício tenha as mesmas características cromáticas do prédio construído em 1912 para o alargamento das adegas ou da casa de máquinas construída em 1913, em tons claros de bege em suas fachadas, percebe-se nitidamente as diferentes escolhas em termos de linguagem arquitetônica para a construção do novo prédio em questão, tendo em vista também as diferentes épocas de construção. As linhas de seu desenho não são tão delicadas quanto aquelas das construções do início do século, que tinham seus caixilhos de verga curva, frisos e ornamentos nas fachadas. O prédio de 1949 é mais robusto, e tem mais peso na paisagem do conjunto. Fundações, lajes, vigas e pilares são em concreto. A modulação aproximada de 6,00 X 6,00m segue a estrutura do antigo prédio vizinho. Tal estrutura modulada permite considerável flexibilidade na ocupação desse espaço, seja permitindo fechamentos estratégicos, casos se pense em dividir o espaço em áreas menores, seja mantendo um generoso espaço livre. O volume tem aproximadamente 30 metros de altura, 40,90m de comprimento e 33,80 de largura, divido em 4 andares (térreo +3), tendo os dois primeiros 7m de pé direito, o terceiro 4,85 e o último 5,20, desconsiderando a altura da estrutura do telhado. O prédio possui grandes aberturas para as fachadas leste e oeste. Em todos os andares, foi previsto um revestimento que fosse impermeável até a altura de 2m em todos os pilares e paredes, em azulejo verde-claro, que pode ser visto na imagem 43. O piso dos pavimentos foi projetado em concreto capeado com argamassa de cimento de areia e cal. Considera-se a preservação desse prédio.

121


Imagem 45 - Conjunto de engarrafamento visto da plataforma da estação Mooca da CPTM. Fonte: autora do trabalho

122

Imagem 46 - Prédio de engarrafamento construído na década de 1950. Fonte: autora do trabalho


11. AMPLIAÇÃO DO PRÉDIO DE ENGARRAFAMENTO Projeto de 1953: Arnaldo Maria Lessa

1953

100m

Num segundo momento, em 1953, quando julgou-se necessária a construção de outro prédio que ampliasse a área de engarrafamento do conjunto e que tivesse uma área de depósito, foi construído um terceiro edifício. O novo volume destinado ao engarrafamento possui 79,50m de comprimento e segue o gabarito do prédio construído em 1949. O alinhamento à ferrovia faz com que a fachada leste do prédio não seja paralela à fachada oeste, mas tenha considerável inclinação em um trecho da construção, como se pode notar claramente em planta e na imagem 45. As fachadas do novo prédio de engarrafamento estão pintadas com a mesma cor bege clara do prédio construído em 1949. Suas respectivas estruturas também são similares, ambas em concreto armado. Assim, pode-se dizer que, da mesma forma que o outro edifício, o interior do prédio tem grande flexibilidade na recepção de novo programa, devido à sua modulação e estrutura. Com a adição de mais este edifício na fábrica, a massa que antes era formada por só um volume mais massivo na paisagem do conjunto agora seria reforçada com uma construção de tamanhas dimensões. Tendo também a mesma altura e mesma quantidade de pavimentos do prédio vizinho, os pisos o novo prédio de engarrafamento se ligam àqueles do prédio anteriormente construído. Dessa forma, são feitos pavimentos ainda maiores em comprimento, todos com caixilhos suficientemente grandes para iluminá-los. Dada a flexibilidade deste outro prédio de engarrafamento, o projeto proposto considera a sua preservação.

123


Imagem 47 - Conjunto de engarrafamento visto da plataforma da estação Mooca da CPTM. Fonte: acervo do escritório do arquiteto Silvio Oksman

124

Imagem 48 - Prédio de engarrafamento construído na década de 1950. Fonte: autora do trabalho


12. CASA DAS CALDEIRAS Projeto de 1953: Luis Ferreira Góes, engenheiro civil responsável. No ano de 1953 é feita uma outra casa das caldeiras ao lado daquela já existente e, devido à sua função, próxima também à chaminé. A construção é, na verdade, um pequeno anexo de dois andares, que somam 11m de altura. Sua arquitetura não mostra o mesmo cuidado de composição dos outros edifícios, como a casa de fabricação e depósito de cevada construída em 1914, com fachadas em tijolos e com relevante importância para o conjunto. A casa das caldeiras, assim como outras construções do conjunto, foi feita para suprir novas demandas da fábrica, porém sem se ter pensado em uma relação harmoniosa entre ela e os edifícios preexistentes. A construção se cola àquela em tijolos, mas não se relaciona com ela, e dificulta a compreensão de prédios mais importantes no conjunto. Assim, considera-se a sua demolição.

1953 1972

100m

13. GALPÕES Projeto de 1972: Flávio Amarante, engenheiro responsável Os três galpões da fábrica da Cia. Antarctica Paulista são o último registro encontrado de projetos, e datam de 1972. Eles serviriam para depósito de produtos e vasilhames, todos com estrutura de concreto e cobertura metálica, com telhas de fibro-cimento. Os galpões são completamente abertos no térreo. Assim como a casa das caldeiras (12), os galpões foram construídos para suprir novas demandas da fábrica. Porém, a sua implantação é conflituosa na sua relação com edifícios mais relevantes, histórica e arquitetonicamente, como a fábrica de licores. Então, considera-se também a sua demolição.

125


Imagem 49 - Pilares das antigas adegas. Fonte: acervo do escritรณrio do arquiteto Silvio Oksman

126

Imagem 50 - Vista superior das adegas. Fonte: acervo do escritรณrio do arquiteto Silvio Oksman


14 - ADEGAS Dados de projeto desconhecidos. Sabe-se, a partir da análise das plantas encontradas em arquivo, que, pelo menos desde o ano de 1983, essas adegas já existiam no terreno. Atualmente, a construção é descoberta, deixando à vista a estrutura composta de diversos pilares em concreto que deveriam suportar os tonéis de cerveja para conservá-la. O efeito gerado na escala do pedestre nessa região do conjunto do fábrica é muito interessante. Seria possível explorar o potencial desse ambiente como área externa permeável no conjunto. Assim, considera-se a preservação de parte das adegas. 1983

100m

127


Imagem 51 - Prédio de silos, construído ao lado da antiga casa de fabricação. Fonte: autora do trabalho

128

Imagem 52 - Anexo à casa de máquinas. Fonte: autora do trabalho


15 - SILOS Dados de projeto desconhecidos.

15

16

1983

Assim como as adegas, os silos que ficam ao lado do grande edifício em tijolos existem desde de, pelo menos, 1983, e tinham a função de armazenar o malte, que é obtido após a germinação e secagem dos grãos de cevada para a produção da cerveja. Talvez esses silos tenham sido construídos em substituição àqueles que existiam anteriormente, onde hoje se encontram as adegas (14). O prédio que abriga os silos fica ao lado da antiga casa de fabricação e tem sua mesma altura. Porém, em nada se relaciona com a construção em tijolos. Este é mais um edifício que parece ter sido projetado sem levar em consideração as construções que haviam em seu entorno. A construção descaracteriza completamente a paisagem formada pelas outras construções do conjunto, principalmente quando vista da ferrovia (imagem 51). Considera-se a sua demolição no projeto proposto mais adiante.

100m

16 - ANEXO À CASA DE MÁQUINAS Dados de projeto desconhecidos. O pequeno volume ao lado da casa de máquinas aparece pela primeira vez na implantação de 1983, integrada ao volume desse prédio. A construção é a mais próxima da rua estreita que dá acesso a estação Mooca da CPTM. Alinhado à chaminé, esse anexo é o limite sul do terreno da companhia Antarctica, e é o último volume do conjunto que compõe a grande fachada da avenida Presidente Wilson, atualmente pintada em tons de bege claro, que predominam nos edifícios do conjunto. Considerase a sua demolição.

129


130

Através da base teórica desenvolvida até então, que compreende o estudo histórico do bairro, a cronologia das edificações do conjunto e a análise de cada uma delas, foi possível chegar a diretrizes de projeto específicas para a Fábrica da Antarctica. O primeiro passo para a elaboração de diretrizes foram as escolhas de preservação de construções do conjunto. As construções que se pretende preservar são aquelas consideradas mais relevantes, tanto histórica e arquitetonicamente, quanto para a memória da fábrica, e assim para a memória do bairro e da cidade. O conjunto dos edifícios preservados neste estudo de projeto reúne características adquiridas pela fábrica ao longo do seu transcurso no tempo, edificações de diversos portes e variadas técnicas construtivas. No capítulo seguinte, as diretrizes de projeto serão abordadas com mais profundidade.


Diretrizes de preservação

10

3

Preservar

13

13

9

13

2

4

15

11

6 14

12

1 8

7

5

chaminé 16

Demolir

100m

1. Adegas

9.Depósito

2. Galpões de engarrafamento

10. Ampliação do engarrafamento (1949)

3. Fábrica de licores

11. Ampliação do engarrafamento (1953)

4. Girador

12. Casa das caldeiras

5. Casa de máquinas

13. Galpões

6. Casa de fabricação e depósito de cevada

14. Adegas

7. Portão

15. Silos

8. Casa de máquinas

16. Anexo à casa de máquinas

131


132


b. diretrizes de projeto

133


A questão dos usos nos edifícios preservados Analisada a fábrica no seu todo e decididos quais os prédios a serem preservados, foram apontados possíveis usos para cada um deles, que fossem compatíveis com a estrutura e o desenho de cada um dos prédios. - Adegas Ateliês culturais: salas para oficinas de dança, escultura, pintura, música, que fossem um polo de atividades artísticas para a população. O prédio de cinco andares já possui algumas grandes salas, de 200 a 400 m2 aproximadamente, interligadas por corredores, que poderiam ser subdivididas. Considera-se a adaptação de novas aberturas no prédio, uma vez que as fachadas não possuem caixilhos. - Galpões de engarrafamento Os galpões com grande pé direito e com possibilidade de obtenção de grandes vãos, com devidas modificações em parte da estrutura, abrigará salas de teatro e cinema. - Ampliação do prédios de engarrafamento A modulação da estrutura dos galpões permite diversas possibilidades de fechamento ou abertura de espaços em seu interior. Propõe-se para o seu térreo o uso comercial, podendo abrigar variados tamanhos de estabelecimentos, assim como espaços de circulação entre eles. Nos pavimentos superiores, o uso habitacional pode ser interessante, sendo feitos apartamentos com áreas úteis diversas. - Fábrica de licores Nesta pequena construção, cria-se um restaurante/cervejaria, podendo-se fazer uma referência à função original da fabrica de cervejas.

134

- Casa de máquinas A casa de máquinas, que possui grandes salões, será destinada a áreas de exposições e eventos.


- Casa de fabricação e depósito de cevada Os pavimentos superiores do edifício funcionarão como salas de esporte. O térreo, caracterizado pelos grandes vãos circulares que sustentavam os tonéis de cerveja, abrigará uma discoteca, que considere os vãos como parte do projeto. - Portão O portão, além de servir à sua função original, terá em seu pavimento superior áreas de apoio administrativo ao edifício da casa de máquinas, que receberá exposições e eventos. - Adegas As adegas, com vãos circulares sustentados por uma malha densa de pilares, serão utilizadas área permeável e jardim elevado acessível aos pedestres.

135


Estudos de ocupação do terreno Para a elaboração de diretrizes para o conjunto da fábrica da Antarctica, foram observadas, antes de tudo, quais informações a ocupação existente, já consolidada, poderia fornecer como base para a formulação de um projeto de ocupação do terreno. Pelo fato de seu terreno, estar localizado em uma área industrial, algumas características são facilmente definidas para o recorte estudado: amplitude das quadras; descontinuidade do sistema viário, que antes servia às industrias, muitas das quais atualmente desativadas; galpões e outros edifícios industriais abandonados ou subutilizados; densidade populacional baixa e coeficientes de ocupação dos terrenos também baixos; pequena quantidade de áreas verdes e permeáveis. Além das características mencionadas acima, comuns aos terrenos inseridos em bairros industriais, algumas são próprias do conjunto fabril em questão, configuradas a partir da disposição dos prédios no terreno e de sua situação atual: 1. Áreas propensas à verticalização. Observa-se que o espaço remanescente da demolição dos galpões de Cia. Antarctica são as áreas mais adequadas para construção de prédios mais altos, dada a grande área livre que se forma. Porém, mesmo que se verticaliza, leva-se em consideração a manutenção da paisagem dos antigos bairros industriais, não se obstruindo a visibilidade dos prédios do conjunto da fábrica; 2. Proximidade da estação Mooca da CPTM, que sugere alguma ligação com os novos usos propostos para o conjunto industrial; 3. Alinhamento das construções da Cia. Antarctica Paulista à ferrovia e à Avenida Presidente Wilson; 4. Praças formadas entre as construções do núcleo mais antigo da fábrica, que são potenciais áreas verdes e permeáveis; 5. Cobertura da casa de máquinas parcialmente destruída, possibilitando a ampliação do prédio em altura; 6. Referências de gabarito do conjunto, de aproximadamente 35m;

136


1

4

2

5

3

6

137


A partir dessas características, foram feitos três estudos de ocupação no terreno, com novas construções, abrangendo os seguintes usos: equipamentos escolares, comércio, habitação, serviços e salas de cinema/teatro. Além disso, também foram definidas praças e possíveis áreas permeáveis no conjunto. Os estudos feitos levam em consideração algumas diretrizes contidas na revisão do Plano Diretor Estratégico, aprovada em 2014. A lei prevê intervenções específicas para o recorte estudado, que está incluso na área de abrangência da Operação Urbana Consorciada Bairros Tamanduateí. Em linhas gerais, a lei estabelece princípios como: o adensamento populacional da área, com criação de moradias (das quais 25% de baixa renda) e empregos, tendo em vista a boa disponibilidade de transportes e serviços; criação de parques e áreas verdes, aumentando também a drenagem da área; incentivo ao uso misto nas edificações; consideração dos edifícios histórico; e melhoria da mobilidade urbana. O projeto da Operação Urbana ainda não foi concluído. A Prefeitura de São Paulo pretende entregar seu Projeto de Lei em 2015, com período de execução previsto entre 2016 e 2046. Assim, pode-se dizer que o objeto de estudo deste trabalho se encaixa em discussões ainda em curso sobre o tratamento de antigas áreas industriais remanescentes no tecido urbano de São Paulo. Todavia, as diretrizes de intervenção propostas pelos planos das subprefeituras, pela operação urbana e pelo PDE (Plano Diretor Estratégico) são, de certa forma, um pouco vagas no que diz respeito à maneira de lidar com o patrimônio histórico, tendo como forma mais efetiva de preservação o tombamento dos bens culturais, como é o caso da Fábrica da Antarctica, em processo de tombamento desde 2007. O projeto desenvolvido a partir dos estudos histórico, urbano e cronológico da fábrica pretende considerar as diretrizes propostas pelo PDE, aproveitando o potencial da área escolhida, ao mesmo tempo em que trata respeitosamente os remanescentes industriais do conjunto.

138


ESTUDO DE OCUPAÇÃO 1

Salas de cinema ou teatro Térreo + 1 2 1000m

Equipamento escolar Térreo + 3 2 2976 m

Acesso direto à Estação Mooca da CPTM

Equipamento escolar Térreo + 6 2 6160m

Eventos 2 pavimentos adicionais 2 684m

2

Comércio e serviços Térreo + 3 2 3108 m

Comércio e serviços Térreo + 6 2 7336m

Área do terreno: 36880,5 m

2

Área dos edifícios existentes: 47735m

2

Área das novas construções: 20580m

Taxa de ocupação: 45%

139


ESTUDO DE OCUPAÇÃO 2

Salas de cinema ou teatro Térreo + 1 2 1000m

Comércio e habitação Térreo +7 2 6168m Equipamento escolar Térreo 2 641m Equipamento escolar Térreo + 2 2 1396,5 m

Acesso direto à Estação Mooca da CPTM

Eventos 2 pavimentos adicionais 2 684m

Comércio e serviços Térreo + 6 2 7336m

2

Área do terreno: 36880,5 m

2

Área dos edifícios existentes: 47735m Comércio e serviços Térreo + 8 2 11587m

2

Área das novas construções: 28212,5m

Taxa de ocupação: 50%

140


ESTUDO DE OCUPAÇÃO 3

Comércio e habitação Térreo +7 2 7152m Equipamento escolar Térreo + 5 2 2466m Equipamento escolar Térreo + 3 2 1468 m

Criação de 4 pavimentos intermediários 2 11100m

Salas de cinema ou teatro Térreo + 1 2 1000m

Acesso direto à Estação Mooca da CPTM

Eventos 3 pavimentos adicionais 2 3444m

Comércio e serviços Térreo + 6 2 7336m

2

Área do terreno: 36880,5 m

2

Área dos edifícios existentes: 47735m Comércio e serviços Térreo + 9 2 13786m

2

Área das novas construções: 47752m

Taxa de ocupação: 52%

141


142

As três intervenções propostas procuraram considerar de forma muito similar as características reconhecidas no conjunto da fábrica. Tais características, mencionadas anteriormente, são importantes dados para projeto: locais adequados à verticalização, proximidade da estação da CPTM, alinhamento à rua e à ferrovia, existência de praças internas e prédios com gabaritos referenciais. O primeiro estudo apresentado não explora tanto o potencial de novas construções verticais, tendo como edifícios mais altos aqueles de sete pavimentos. O coeficiente de aproveitamento ao qual se chega, 1,85, é muito próximo do atual (1,80). Assim, considero que este primeiro estudo de ocupação não seja a melhor maneira de ocupação do terreno. Com o segundo estudo, chega-se a um coeficiente de aproveitamento de 2,07, pouco mais elevado que o atual. O prédio mais alto na situação proposta tem nove pavimentos. Considero essa opção mais satisfatória que a anterior, porém foi feito ainda um último estudo. O terceiro estudo de ocupação feito foi tido como o mais interessante entre os três. Além de ter considerado a ocupação do terreno a partir de novas construções, também foram consideradas possíveis ampliações de prédios preservados do conjunto da fábrica. Os prédios de engarrafamento, de 1949 e 1953, possuem pés direitos generosos, em torno de 7m. Tais construções poderiam abrigar pavimentos intermediários, pois o uso residencial escolhido para elas neste projeto não tem a necessidade de pés direitos tão altos. A casa de máquinas, por sua vez, tem problemas em sua cobertura, que não se encontra em bom estado de conservação, tendo sua estrutura comprometida. No terceiro estudo de ocupação são acrescentados pavimentos acima daqueles já consolidados, criando, então, uma nova cobertura. O terceiro estudo é também aquele que chega aos gabaritos mais altos dentre as proposições feitas (gabarito máximo de 30 m), e que tem o coeficiente de aproveitamento mais elevado (2.59). Mesmo com a construção de novos edifícios de gabarito muito próximo aos prédios mais destacantes do conjunto fabril, as intervenções em nada comprometem a compreensão do patrimônio arquitetônico em questão. Uma vez escolhido este estudo como o mais adequado, são apresentados alguns desenhos que ilustram as diretrizes de projeto para os edifícios preservados da Companhia Antarctica Paulista.


ESTUDO DE OCUPAÇÃO 3 Planta de cobertura das intervenções propostas para o conjunto da Fábrica da Antarctica

B

A 4

1

1

3

2

4

3

5

6

C 7

D

8

9

9

10

1. EQUIPAMENTO ESCOLAR

6. PASSAGEM COBERTA / COMÉRCIO

Novas construções

2. COMÉRCIO / HABITAÇÃO

7. ATELIÊS CULTURAIS_MÚSICA / DANÇA / ARTE

Construções existentes

3. COMÉRCIO / HABITAÇÃO

8. RESTAURANTE / CERVEJARIA

4. SALAS DE CINEMA / TEATRO

9. COMÉRCIO / SERVIÇOS

5. SALAS DE ESPORTE / DISCOTECA

10. EVENTOS / EXPOSIÇÕES

Escala 1:2000 50m

143


144


Corte A_escala 1:1000 LINHA FÉRREA

Corte B_escala 1:1000 50m

AVENIDA PRES.WILSON

RESTAURANTE/ CERVEJARIA

EQUIPAMENTO ESCOLAR

ATELIES CULTURAIS MÚSICA/ARTE/DANÇA

PASSAGEM COBERTA/ COMÉRCIO

CINEMA / TEATRO

AVENIDA PRES.WILSON

LIGAÇÃO CPTM

LINHA FÉRREA

145


146


Corte C_escala 1:1000 RUA DA MOOCA

EQUIPAMENTO ESCOLAR

COMÉRCIO / HABITAÇÃO

PASSAGEM COBERTA / COMÉRCIO

PRAÇA / ENTRADA PRINCIPAL

SALAS DE ESPORTE BAR / DISCOTECA

LIGAÇÃO CTPM

Corte D_escala 1:1000 RUA DA MOOCA

PRAÇA

RESTAURANTE / CERVEJARIA

COMÉRCIO / SERVIÇOS

ATELIES CULTURAIS MÚSICA / DANÇA / ARTE

PRAÇA / ENTRADA PRINCIPAL

EVENTOS / EXPOSIÇÕES

LIGAÇÃO CTPM



7. Considerações Finais

149


150


A fábrica escolhida como objeto de estudo se insere em contexto de discussões atuais sobre possíveis intervenções em antigos complexos industriais na malha industrial no centro de São Paulo, como já dito anteriormente. O olhar sobre o patrimônio industrial como objeto de interesse cultural é crucial para a destinação coerente e respeitosa de novos usos aos prédios existentes e também para a elaboração de novos projetos no seu entorno ou dentro de seus próprios conjuntos. O desenvolvimento do presente trabalho muito contribuiu para que eu tivesse uma relação mais profunda com o campo de pesquisa no qual pretendo me aprofundar, o do patrimônio cultural e suas teorias e técnicas de conservação e restauro. Tendo feito buscas em arquivos, organizado documentos de diversas naturezas e aplicado o conhecimento obtido na elaboração de diretrizes de projeto, foi possível pensar e discutir o patrimônio histórico considerando seu caráter multidisciplinar como ciência. Penso que os estudos de ocupação feitos neste trabalho sejam algumas dentre tantas outras soluções possíveis. A pesquisa realizada nos primeiros capítulos foi basilar para a elaboração de princípios de intervenção na fábrica escolhida. Ela incluiu teorias de restauro, estudo da área de intervenção em um recorte amplo e análise de cada um dos prédios da Companhia Antarctica Paulista, criando sua cronologia de construção. Assim, tendo feito um estudo abrangente, as diretrizes propostas se mostraram claras, e foram amadurecendo ao longo do desenvolvimento do trabalho.

151


152


8. Bibliografia

153


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OP1908_000276, OP1910_001829, OP1912_000589, OP1912_003104, OP1914_000596, 157


Anexo 1

158

Implantação_1910 Processo OP1910_000364_ PR001 do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo


Anexo 2

Projeto de galpão_1908 Processo OP1908_000276_ PR001 do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo

159


Anexo 3

160

Projeto de ampliação das adegas_1912 Processo OP1912_000589_ PR001 do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo


Anexo 4

Projeto da casa de mรกquinas_1913 Processo OP1913_000634_ PR001 do Arquivo Histรณrico Municipal de Sรฃo Paulo

161


Anexo 5

162

Projeto da casa de mรกquinas_1913 Processo OP1913_000634_ PR002 do Arquivo Histรณrico Municipal de Sรฃo Paulo


Anexo 6

Projeto da casa de fabricação e depósito de cevada_1914 Processo OP1914_000596_ PR002 do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo

163


Anexo 7

164

Projeto da casa de fabricação e depósito de cevada_1914 Processo OP1914_000596_ PR003 do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo


Anexo 8

Implantação_1929 Fonte: acervo do escritório do arquiteto Silvio Oksman

165


Anexo 9

166

Implantação_1935 Fonte: Arquivo Geral da Prefeitura de São Paulo


167


168




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