20 poemas soltos, por Ana Leal e Sofia Campos, EPBJC

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Índice Prefácio........................................................................................................................................ 5 Tédio..............................................................................................................................................8 Um Procurador de Causas...................................................................................................... 10 Palavras de Água...................................................................................................................... 12 Coisas, Pequenas Coisas ....................................................................................................... 14 Verdade, Mentira, Certeza, Incerteza.................................................................................... 16 Beijei a Terra .............................................................................................................................18 Ambiciosa....................................................................................................................................20 Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades.................................................................. 22 A Morte Chega Cedo................................................................................................................ 24 Depois da Luta e Depois da Conquista ................................................................................ 26 Aves ............................................................................................................................................28 Clandestinidade ........................................................................................................................ 30 Anoitecer .....................................................................................................................................32 Ausência .................................................................................................................................... 34 Navio que Partes para Longe.................................................................................................. 36 Estátua ....................................................................................................................................... 38 Eu Contarei ............................................................................................................................... 40 Gato que Brincas na Rua ........................................................................................................ 42 A Hora da Partida ..................................................................................................................... 44 Estou Lúcido como se Nunca Tivesse Pensado ................................................................. 46 Alberto Caeiro da Silva............................................................................................................. 49 Camilo de Almeida Pessanha ................................................................................................... 49 Fernando Gonçalves Namora ................................................................................................... 50 Fernando António Nogueira Pessoa ........................................................................................ 50 Flor Bela Lobo ........................................................................................................................... 51 Luís Vaz de Camões .................................................................................................................. 51 Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage ...................................................................... 52 Natália de Oliveira Correia ...................................................................................................... 52 Sophia de Mello Breyner Andresen ......................................................................................... 53

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Prefácio

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antologia colhe vinte poemas escritos por nove autores diferentes, que

retratam várias realidades, mas, no geral, as obras desenvolvem-se à volta da mesma temática, a natureza. Esta é utilizada no sentido literal e como metáfora para sentimentos como por exemplo o tédio, a revolta, entre outros. Para além disso, também critica alguns costumes. Todo o livro é ilustrado em função do poema que simboliza. A junção dos poemas ficou coerente e harmoniosa, devido à sua simplicidade e ao facto de não serem muito extensos. Visto que a leitura é um hábito cada vez menos comum (pelo menos em suporte de papel), o objetivo é voltar a criar esta rotina saudável e de grande importância. Para finalizar, está presente uma breve biografia destes poetas.

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Permite que a semente da poesia crie raízes na tua mente. - Inês Leal

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--Passo pálida e triste. Oiço dizer: “Que branca que ela é! Parece morta!” e eu que vou sonhando, vaga, absorta, não tenho um gesto, ou um olhar sequer... Que diga o mundo e a gente o que quiser! — O que é que isso me faz? O que me importa?... O frio que trago dentro gela e corta Tudo que é sonho e graça na mulher! O que é que me importa?! Essa tristeza É menos dor intensa que frieza, É um tédio profundo de viver! E é tudo sempre o mesmo, eternamente... O mesmo lago plácido, dormente... E os dias, sempre os mesmos, a correr...

Tédio, Florbela Espanca (em “Livro de Mágoas”) 7


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Um procurador de causas Tinha na destra de harpia Nojenta, incurável chaga, Que até ossos lhe roía. Exclama um taful ao vê-lo: “Que pena de Talião! Quem com a mão roeu tanto Ficou roído na mão!”

Um Procurador de Causas, Manoel Maria du Bocage

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Fechei-me dentro dos muros onde o meu corpo não caiba contente de ser prisioneira do cárcere que eu transcendia. E fui no vento que tudo tudo o que havia varria, contente de ser mais veloz que o vento que me impelia. Fiquei suspensa dos ramos que os meus cabelos prendiam contente de ser o destino da árvore em que me fundia. E dei-me como leito às águas dos sonhos que me transcorriam contente deser o destino da árvore em que me fundia. E dei-me com leito às águas dos sonhos que me transcorriam contente de ser o curso da água em que me esvaía.

Palavras de Água, Natália Correia 11


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Fazer das coisas fracas um poema.

Uma árvore está quieta, murcha, desprezada. Mas se o poeta a levanta pelos cabelos e lhe sopra os dedos, ela volta a empertigar-se, renovada. E tu, que não sabias o segredo, perdes a vaidade. Fora de ti há o mundo e nele há tudo que em ti não cabe. Homem, até o barro tem poesia! Olha as coisas com Humildade.

Coisas, Pequenas Coisas, Fernando Namora (em “Mar de Sargaços”) 13


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Verdade, mentira, certeza, incerteza… Aquele cego ali na estrada também conhece estas palavras. Estou sentado num degrau alto e tenho as mãos apertadas. Sobre o mais alto dos joelhos cruzados. Bem: verdade, mentira, certeza, incerteza o que são? O cego para na estrada, Desliguei as mãos de cima do joelho Verdade mentira, certeza, incerteza são as mesmas? Qualquer cousa mudou numa parte da realidade – os meus joelhos e as minhas mãos. Qual é a ciência que tem conhecimento para isto? O cego continua o seu caminho e eu não faço mais gestos. Já não é a mesma hora, nem a mesma gente, nem nada igual. Ser real é isto.

Verdade, Mentira, Certeza, Incerteza, Alberto Caeiro (em “Poemas Inconjuntos”) 15


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Beijei a terra com os meus olhos, a minha boca e os meus dedos Enrolei-a a mim em círculos inumeráveis E em contemplações intermináveis Dissolvi-me nos seus segredos

Beijei a Terra, Sophia de Mello Breyner Andresen

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Para aqueles fantasmas que passaram, Vagabundos a quem jurei amar, Nunca os meus braços lânguidos traçaram O vôo dum gesto para os alcançar... Se as minhas mãos em garra se cravaram Sobre um amor em sangue a palpitar... - Quantas panteras bárbaras mataram Só pelo raro gosto de matar! Minha alma é como a pedra funerária Erguida na montanha solitária Interrogando a vibração dos céus! O amor dum homem? - Terra tão pisada! Gota de chuva ao vento baloiçada... Um homem? - Quando eu sonho o amor dum deus!...

Ambiciosa, Florbela Espanca (em "Charneca em Flor") 19


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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança: Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança: Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem (se algum houve) as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto. E afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto, Que não se muda já como soía.

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, Luís Vaz de Camões (em “Sonetos”) 21


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A morte chega cedo, Pois breve é toda vida O instante é o arremedo De uma coisa perdida. O amor foi começado, O ideal não acabou, E quem tenha alcançado Não sabe o que alcançou. E tudo isto a morte Risca por não estar certo No caderno da sorte Que Deus deixou aberto.

A Morte Chega Cedo, Fernando Pessoa (em “Cancioneiro”) 23


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Depois da luta e depois da conquista Fiquei só! Fora um ato antipático! Deserta a Ilha, e no lençol aquático Tudo verde, verde, a perder de vista. Porque vos fostes, minhas caravelas, Carregadas de todo o meu tesoiro? Longas teias de luar de lhama de oiro, Legendas a diamantes das estrelas! Quem vos desfez, formas inconsistentes, Por cujo amor escalei a muralha, _Leão armado, uma espada nos dentes? Felizes vós, ó mortos da batalha! Sonhais, de costas, nos olhos abertos Refletindo as estrelas, boquiabertos...

Depois da Luta e Depois da Conquista, Camilo Pessanha (em “Clepsidra”)

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Ter-te suspensa do meu lume na fogosa boca o ardume a explodir tu ardida e intacta sonho e nuvem voz exata um soltar de aves em pânico na relva do olhar

Aves, Fernando Namora (em “Nome Para Uma Casa”)

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Secreto me acho e secreto me sentes quando secreto me julgas, Impuro me reconheço quando o nosso silêncio são vozes turbas. Dúbio é o desejo quando não é transparente a água em que se deita precavidamente. Clandestinos somos quando o que somos teme a face que pesquisa. Os olhos são claros quando a superfície do espelho é lisa.

Clandestinidade, Fernando Namora (em “Marketing”) 29


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A luz desmaia num fulgor d'aurora, Diz-nos adeus religiosamente... E eu, que não creio em nada, sou mais crente Do que em menina, um dia, o fui... outrora...

Não sei o que em mim ri, o que em mim chora Tenho bênçãos d'amor pra toda a gente! Como eu sou pequenina e tão dolente No amargo infinito desta hora!

Horas tristes que são o meu rosário... Ó minha cruz de tão pesado lenho! Meu áspero e intérmino Calvário! E a esta hora tudo em mim revive: Saudades de saudades que não tenho... Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...

Anoitecer, Florbela Espanca (em "Livro de Sóror Saudade") 31


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Num deserto sem água Numa noite sem lua Num país sem nome Ou numa terra nua

Por maior que seja o desespero Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.

Ausência, Sophia de Mello Breyner Andresen, (em “No mar novo”)

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Por que é que, ao contrário dos outros, Não fico, depois de desapareceres, com saudades de ti? Porque quando te não vejo, deixaste de existir. E se se tem saudades do que não existe, Sinto-a em relação a cousa nenhuma; Não é do navio, é de nós, que sentimos saudade.

Navio que Partes para Longe, Alberto Caeiro (em "Poemas Inconjuntos")

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Cansei-me de tentar o teu segredo: No teu olhar sem cor, de frio escalpelo, O meu olhar quebrei, a debatê-lo, Como a onda na crista dum rochedo. Segredo dessa alma e meu degredo E minha obsessão! Para bebê-lo Fui teu lábio oscular, num pesadelo, Por noites de pavor, cheio de medo. E o meu ósculo ardente, alucinado, Esfriou sobre o mármore correto Desse entreaberto lábio gelado... Desse lábio de mármore, discreto, Severo como um túmulo fechado, Sereno como um pélago quieto.

Estátua, Camilo Pessanha, (em “Clepsidra”)

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Eu contarei a beleza das estátuas Seus gestos imóveis ordenados e frios E falarei do rosto dos navios

Sem que ninguém desvende outros segredos Que nos meus braços correm como rios E enchem de sangue a ponta dos meus dedos.

Eu Contarei, Sophia de Mello Breyner Andresen (em “No tempo dividido”)

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Gato que brincas na rua Como se fosse na cama, Invejo a sorte que é tua Porque nem sorte se chama. Bom servo das leis fatais Que regem pedras e gentes, Que tens instintos gerais E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim, Todo o nada que és é teu. Eu vejo-me e estou sem mim, Conheço-me e não sou eu.

Gato que Brincas na Rua, Fernando Pessoa

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A hora da partida soa quando Escurece o jardim e o vento passa, Estala o chão e as portas batem, quando A noite cada nó em si deslaça.

A hora da partida soa quando as árvores parecem inspiradas Como se tudo nelas germinasse.

Soa quando no fundo dos espelhos Me é estranha e longínqua a minha face E de mim se desprende a minha vida.

A Hora da Partida, Sophia de Mello Breyner Andresen (em “Poesia”)

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A noite desce, o calor soçobra um pouco, Estou lúcido como se nunca tivesse pensado E tivesse raiz, ligação direta com a terra Não esta espécie de ligação de sentido secundário observado à noite. À noite quando me separo das cousas, E m'aproximo das estrelas ou constelações distantes — Erro: porque o distante não é o próximo, E aproximá-lo é enganar-me.

Estou Lúcido como se Nunca Tivesse Pensado, Alberto Caeiro (em "Poemas Inconjuntos")

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Alberto Caeiro da Silva (1889-1915)– nasceu e faleceu em Lisboa – é um heterónimo de Fernando Pessoa. Foi um poeta bastante ligado à natureza e que se exprimia de uma forma simples e familiar, reprimindo os pensamentos demasiadofilosóficos e complexos. Tem como principais obras O Guardador de Rebanhos, O Pastor Amoroso e Poemas Inconjuntos.

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Camilo de Almeida Pessanha (1867-1926) – nasceu em Coimbra e faleceu em Macau. Foi poeta, ensaísta e tradutor. É considerado o expoente máximo do simbolismo em língua portuguesa, além de antecipador do princípio modernista da fragmentação. As suas principais obras são: Clepsidra, Ave Azul, Atlântico, Centauro e China.

Fernando Gonçalves Namora (1919-1989) – nasceu em Condeixa -aNova e faleceu em Lisboa. Foi médico e escritor, autor de uma extensa obra (das mais divulgadas e traduzidas). Em prosa destacaram -se obras como Retalhos da Vida de Um Médico, Domingo à Tarde e Os Clandestinos. Já em poesia, as obras ais m famosas são: Mar de Sargaços e Marketing. Escreveu ainda textos de memória, anotações de viagem ítica. e cr

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Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935)– nasceu e faleceu em Lisboa. Foi poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitá rio, astrólogo, inventor, empresário, correspondentecomercial, crítico literário e comentarista político. Das quatro obras que publicou, três delas são na língua inglesa, devido aos seus primeiros anos de educação terem sido numa escola católica irlandesa . A sua publicação em portugu ês é o livro poético Mensagem.

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Flor Bela Lobo (1894-1930)– nasceu em Vila Viçosa e faleceu em Matosinhos. Destacou -se como poetisa, recorrendo à poesia para transpareceros seus sentimentos. As suas principais obras poéticas foram: Livro de Mágoas e Charneca em Flor.

Luís Vaz de Camões (c.1524 -1579)– possivelmente nasceu em Lisboa e faleceu na capital. Foi poeta e soldado. As obras em destaque são: Os Lusíadas, Amor é Fogo que Arde Sem se Ver e Mudam -se os Tempos, Mudam -se as Vontades. Deixou a herança da lírica camoniana.

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Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage (1765-1805) – nasceu em Setúbal e faleceu em Lisboa. Foi poeta, representando o arcadismo lusitano. Algumas das suas obras são: A Pavorosa Ilusão, Elegia e Mágoas Amorosas de Elmano.

Natália de Oliveira Correia (1923-1993) – nasceu em São Miguel e faleceu em Lisboa. Foi escritora e poetisa. Deputada à Assembleia da República, interveio politicamente, ao nível da cultura e do património, na defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres. Autora da letra do Hino dos Açores, juntamente com José Saramago. A sua obra estende-se por poesia, romance, teatro e ensaio. As

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publicações que se destacam são: Anoiteceu no Bairro, Rio de Nuvens e A Ilha de Circe.

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) – nasceu no Porto e faleceu em Lisboa. Foi uma das poetisas mais importantes do século XX. Destacou -se no ramo da poesia, ficção, teatro, ensaios e traduções. As suas obras mais famosas são: O Nome das Coisas, Musa, A Fada Oriana e o Rapaz de Bronze.

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