Texto: Emília Ferreira Tradução: Língua Franca, Lda ISBN: 978-989-96112-0-7
Ruínas dum tempo sem memória EMÍLIA FERREIRA
1. A ruína como tema artístico Poderosa metáfora para o tempo, a ruína tem, como elemento pictórico, história própria. Tardia no Ocidente, surge, no final da Idade Média, como fundo de paisagem e afirma-se apenas quando o Renascimento anuncia os seus
pressupostos. Petrarca é geralmente apontado como o primeiro italiano — e o primeiro Ocidental — a mencionar
o gosto pela ruína. O Renascimento adopta-a então, ora como elemento cenográfico, simbólico do conhecimento dos antigos (em alguns retratos de ilustres humanistas, por exemplo), ora em obras de cariz religioso, como as
representações da natividade, figurando como alegoria da ordem nascente sobre os escombros do paganismo. A ruína emerge assim como a enunciação inequívoca de um novo tempo. Da efemeridade da vida e da sedimentação do peso dos dias sobre a paisagem.
O Barroco notabilizá-la-á como sinónimo de belo. Ao descobrir a beleza da velhice, cria uma nova “categoria do belo, o bizarro” , na qual o velho toma o mais apelativo rosto de antigo. E, assim, do mesmo modo que, então, a
escultura passa a mostrar, amorosamente, os aspectos até aí vistos como tenebrosos, do esqueleto (ruína do corpo, etapa final da nossa história pessoal, derradeiro aspecto de diferenciação — e de indiferenciação, também, já que
a morte é a grande igualizadora — antes de nos tornarmos pó), também a pintura acolhe as representações da paisagem pontuada de ruínas.
Em alguns casos, como é notório em gravuras de René-Jacques Charpentier ou de Giovanni Baptista Piranesi, nas cenas de ruínas associam-se várias imagens de morte: a dos edifícios, das civilizações e dos homens. Esqueletos humanos ou urnas de homens célebres convivem com destroços de palácios, templos ou monumentos. A morte reina sobre o que antes foi vivo e poderoso — e que, mesmo na destruição, mantém o seu irresistível apelo, o seu encantatório chamamento.
Do gosto da representação da paisagem natural, ao das vedute, para sempre associadas a Veneza, a Canaletto e
Francesco Guardi e ao exercício educativo do Grand Tour (a viagem empreendida no século XVIII, pelos jovens
de classes abastadas, para complemento da sua educação, que assim se enriquecia com o contacto com o mundo e
os vestígios de outros tempos e culturas), retomou-se o gosto da vista melhorada — que os flamengos já haviam inventado na representação da paisagem natural.
In “Ruines (esthétique)”, Encyclopædia Universalis, Corpus 20, Enciclopædia Universalis, Éditeur à Paris, 1989, p. 346.
Assim, se a veduta, tal como a definia Canaletto, era tomada “dal vero” — ou seja, mesmo alterada, melhorada, como tantas vezes se encontra em Guardi, a paisagem retratada era supostamente reflexo da realidade — já a da ruína, enquanto elemento central na pintura , era guardada para um exercício de estilo: os caprichos.
Estas “vedute ideate”, literalmente vistas idealizadas, como lhes chamava Canaletto, eram paisagens compostas com elementos inventados. Com a novidade, em relação aos flamengos, de que os “organismos estranhos” nelas introduzidos não eram montanhas, nem quaisquer outros acidentes de terreno, mas edifícios que tinham como particularidade interessante o facto de se encontrarem semi-destruídos.
Essas arquitecturas parciais — exercícios do fragmento que, tomado como objecto de culto, é tornado epicentro do fenómeno da representação, encenando e evocando um tempo simultaneamente perfeito e perdido — mimam
o real e projectam uma poética que o actualiza, ordenando-o de acordo com a imaginação do autor, que assim cria as suas próprias arquitecturas perfeitas e se integra na tradição, reformulando-a. O desenho e a pintura, criadores
desses não-lugares que constituem os caprichos, espaços desabitados e abandonados, onde o pretérito se enraíza, encenam o salto cronológico; apoderam-se do tempo: um tempo que alimenta a nossa emoção.
O século XVIII, juntando à beleza a consciência temporal, mostrar-nos-á a ruína como o belo ameaçado pela
morte. Hubert Robert, porventura o pintor francês mais associado à escolha da ruína como tema preferencial (graças também à crítica de Diderot, por ocasião do Salon de 1767, na qual o pintor apresentou mais de duas
dezenas de obras em que figuravam arquitecturas imaginárias), tratou-a com especial atenção, coroando-a com frequência com uma luz dourada, oriunda de céus altos e majestosos.
A finitude torna-se tema central: tudo tem um fim, tudo está ameaçado; até o que foi construído para durar, até o que,
pelas suas qualidades intrínsecas, mereceria ser perene. Mereceria permanecer, para nossa eterna contemplação. A ruína surge, portanto, nestes anos (e, em muitos modos, assim se mantém), como alegoria do tempo. Consciência do que a sua passagem opera sobre o mundo, a reflexão sobre o final, sobre a vanidade de tudo face ao grande apagamento, abrirá caminho ao romantismo. Desse tempo longo tirará ainda o século XIX a noção de história, de pertença, de cultura. De património. Até de nacionalidade. As ruínas configurar-se-ão assim como elementos
fundadores da nossa identidade e da nossa cultura, traços que legitimam a nossa permanência num território e que inspirarão a nossa produção futura . Como referirá George Steiner, a ruína é a memória; e é, por isso mesmo, elemento constituinte do que somos.
“In painting, as in literature, the ruin often furnishes the landscape in which a narrative is set. As an element of landscape, however, ruins constitute the background of the principal representation. The caprice represents the move of the ruin in painting from the background to the status of subject. We can speak of the poetics of a representation when it has become the subject of invention and thus a work of art unto itself. In the case of the caprice painting, ruined architecture has become the focal point of the artist’s invention.” In AUGUSTYN, Joanna — “Subjectivity in the fictional ruin: The caprice genre”. In The Romanic Review, Vol. 91, 2000. http://findarticles.com/p/articles/mi_qa3806/is_200011/ai_n8906370. [p. 1]
Como refere Alberto Ustárroz, as ruínas são para o arquitecto “un pasado visto como soporte, no como un sistema cerrado; un continuum que se selecciona y afila com el presente”. In La lección de las Ruinas: Presencia del pensamiento griego y del pensamiento romano en la arquitectura. Barcelona: Fundación Caja de Arquitectos, 1997, p. 11.
Por tudo isto, a ruína, como conceito, encerra em si mesma a semente da mudança. Ao reflectir o tempo como entidade dúplice — instante de criação e contínuo de destruição — ela inscreve-se e inscreve-nos na tradição e na alteridade. Por outro lado, o facto de as ruínas não terem todas o mesmo tempo de nascimento (ainda que, com frequência, na pintura, idealmente, elas reflictam um momento de ouro, de inequívoca inspiração clássica), permite-nos pensar a sobreposição ou sedimentação cronológica, ou seja, possibilita-nos a sua actualização. A sua inscrição na contemporaneidade. 2. A actualização do tema ruína Ao contrário do evocado pela ruína na sua representação histórica, tradicional, a opção de Martinho Costa, nesta sua pintura, confronta-nos com a evidência de um tempo excessivamente rápido e voraz na criação de destroços. Nas ruínas aqui representadas, os edifícios não são antigos, construídos com materiais nobres como a pedra, ornados de frontões e colunadas. Não resistiram, durante séculos, à erosão e ao apagamento. Não foram tombando, pedra a pedra, com os anos, nem tomados de assalto pela natureza que, na ausência do homem, se reapodera dos seus feitos, infiltrando-se e apagando-os. Pelo contrário. Os edifícios escolhidos para esta pintura são nossos contemporâneos, construídos em betão ou em madeira — e ainda há pouco. As linhas destas novas ruínas não evocam palácios nem templos, compondo cenários grandiosos. Antes se perfilam como estruturas racionalizadas, geométricas e simples, cuja construção, rápida e eficaz, se destinou a fins específicos. Os seus programas foram tão claros como o seu tempo de vida: erguidos para serem apenas úteis, o fim da sua utilidade ditou o seu termo. Sem tempo para esperar que a dureza dos elementos apague a pouco a pouco a frescura dos seus traços, a destruição é-lhes ditada por imperativos pragmáticos. O seu tempo de vida foi curto. Excessivamente breve. A sua destruição pode ser operada por vários factores: acidente, incidente, acto voluntário; terrorismo, decisão urbanística, decisão comercial. A memória tem falhas e alimenta uma situação de Ahlzeimer social. A renovação é exigida por um tecido urbano em constante mutação, em luta com um espaço comum de memória e uma urgência de intervir, de ganhar terreno e dinheiro. É certo que a fúria dos elementos pode ter aí uma palavra a dizer. Mas também neste aspecto a ruína é actualizada, já que não remete para castigos divinos (cataclismos bíblicos), mas para catástrofes naturais. Não há por isso sacralidade nem contida emoção na contemplação destas novas ruínas. Há, meramente, o testemunho de um instante. A noção de um tempo demasiado fugaz. Em que nada (ou muito pouco) permanecerá para dar conta das nossas produções aos vindouros. 3. A ruína instantânea Num período histórico como o actual, em que se cultiva uma aguda consciência da importância da preservação da memória, levando a que por vezes se comprometa o crescimento presente com a manutenção, a todo o custo, de edifícios velhos (não antigos) cuja relevância arquitectónica e histórica é por de mais discutível, apagam-se contudo com grande facilidade os registos da produção do nosso próprio tempo.
Podemos, portanto, afirmar que convivemos actualmente com pelo menos dois tipos de ruína: a de edifícios com algumas décadas, que se mantêm de pé, graças a constantes, excessivas e por vezes incongruentes intervenções, e a outra, constituída por construções menos antigas e mais “descartáveis”; como se tornada ruína antes de tempo. Esta não apenas se degrada com excessiva rapidez (como se os materiais usados comprometessem, desde o nascimento e deliberadamente, o seu tempo de vida), como é também “abatida”, sem apelo nem agravo, sem que nada dela sobreviva. É justamente desta última que se ocupa Martinho Costa. Daquela de que nada fica. A não ser o instante da imagem captada no acto da destruição. O momento de desconstrução é a evocação da fragilidade da matéria, da sua não perenidade. A tela que evoca, como num instantâneo (de notar que todas estas imagens de Martinho Costa são instantâneos) a passagem, numa rua, do veículo que vai contribuir para a demolição, aponta para a passagem do instante. Actualizando os diários de viagens e as pinturas (as vedute) que, no regresso do Grand Tour, se exibiam, como há escassos anos se coleccionavam postais ilustrados e hoje carregamos cartões de memória com centenas de fotografias digitais, as obras de Martinho Costa remetem para os fazedores (anónimos, aparentemente sem identidade — a redacção vazia evoca a impersonalização das fontes da informação, da mediatização das imagens, de bancos de imagens, multiplicadas à saturação) das imagens, das notícias. Assim, para o pintor, a ruína é também o sinal da desolação e destruição (despojo, mero vestígio) da paisagem, já não retratada como povoada por caprichosas construções sobre as quais o tempo foi ficcionado (ficção dentro de ficção, já que o capricho é, por definição, a criação de uma paisagem ficcional), mas como destroço, um lugar no qual a fantasia é substituída por actos de violento pragmatismo. O romantismo indiciado no capricho dá lugar à visão da natureza como parte de um mundo de coisas (objectivado) a usar e despojar. Muito longe desse mundo, neste outro de objectos descartáveis, em que tudo está à beira do apagamento, até nós, a ruína torna-se a metáfora absoluta, invadindo todos os recantos da paisagem e das nossas vidas. Como adiante veremos. 4. A escolha das imagens O conjunto destas quase quatro dezenas de obras de pintura reunidas neste volume tem uma base muito concreta e notória: a fotografia. Actualizando também a utilização de um recurso técnico que se tornou mais frequente a partir de meados do século XIX, Martinho Costa opta pela imagem fotográfica como ponto de partida para a elaboração das suas pinturas. Não sente, por isso, necessidade de desenhar, recorrendo antes à projecção dessa matriz imagética sobre a tela e sintetizando pictoricamente o que vê, à medida que a mão e as tintas avançam sobre o suporte. O resultado do seu trabalho é, deste modo, a análise e a depuração das “tomadas” originais. Mas de que imagens se trata, afinal? Como escolhe ele o que representar? Para Martinho Costa esta questão tem uma resposta quase óbvia: a internet, fonte inesgotável de imagens, pode a um tempo fornecer fontes iconográficas da mais diversa natureza. Recolhidas quase ao acaso ou através de busca dirigida (neste caso, sob o tema da demolição), o seu único fio condutor é o do registo de um momento em que algo está a acontecer ou já aconteceu.
Ou seja: o que nesta obra se inscreve é a assunção de que apenas o que acolhe o caos é passível de ser representado. Ou, como diria Tolstoi, na frase inaugural de Anna Karenina, “as famílias felizes não têm história”. Ou, como sugeririam os gregos, apenas o pathos propicia a narrativa. Por isso, esta representação busca o sentido no instante mediático, naquele que se pode constituir como o grau 1 da narrativa. Aquele em que se enuncia a dúvida: e agora? Estas imagens que, deliberadamente, não partem de esboços nem de notas tomadas pelo autor, nem nascem sequer do seu olhar filtrado por uma câmara, mas que resultam, como vimos, de pesquisas orientadas num buscador de internet, têm, além disso, uma outra valia: o facto de o libertar, enquanto pintor, de um enquadramento inicial, consciente. O enquadramento seguinte, após a escolha da fotografia, já é feito com o objectivo da sua representação pictórica posterior. Liberto do olhar fotográfico e assumindo esse exercício, desde a raiz, como um labor conscientemente pictórico, o capricho, tal como Martinho Costa o actualiza, revela-se exercício de enquadramento; ponto de vista. Apesar da matriz fotográfica, a pintura resultante não é, como facilmente se percebe, mera ampliação do original. Sobre cada imagem, Martinho Costa trabalha um novo enquadramento, ordenando as suas prioridades em termos de enfoque. O resultado — à parte a já mencionada síntese operada pela pintura, e que se torna tanto mais aparente quando mais nos aproximamos para a ver, na fragmentação da pincelada (mais texturada nos formatos pequenos, mais lisa nos formatos maiores ) — apresenta uma maior densidade de acção ou um foco mais complexo de informação do que o do seu ponto de partida. 5. Fugir do mediático e do facilmente belo Como já notámos, a escolha que assim se opera oferece, por um lado, a possibilidade de trabalhar sobre o olhar de outras pessoas (a fotografia original) e, por outro, a de recolher imagens oriundas de todos os pontos do globo. Apesar desse elemento de diversidade, a globalização e a estrutura que orienta a escolha das imagens originais, conduz a que sejamos levados a pensar inevitavelmente em noticiários, em fotogramas que captam instantes de calamidades, de destruição deliberada. Contudo, não obstante ser esse o mote inicial, as pinturas tentam mitigar o efeito mediático. Por um lado, através da sua esquiva forma de identificação; por outro, pela não dramaticidade da paleta. Mas tomemos o primeiro aspecto. Com efeito, o facto de as obras serem definidas como sem título liberta-as de uma pertença imediata a um local ou a um acontecimento. Ainda assim, ao sem título é depois anexada uma informação, uma nota descritiva que tem como objectivo direccionar a atenção para pormenores compositivos. Deste modo, encontramos “pistas” como Viaduto, Alpinistas, Torre 1, Demolidor, Ponte, Camião de Exteriores, Eurovia, Turbina, Dallas 1, Avião, Pala, Atentado, Manifestação (duas raras cenas nocturnas), Postes, Fundações, Hipermercado, Interior #2, Color Bank, Interior #3, Estátua, Viaduto #1, Inundação em Veneza, Stripper, Interior #1, Inundação, Fachada, e Komatsu, na primeira série do livro e, na série Ruína, outras “pistas” como Planet Ho, Inundação, Casa, Os Quatro, Interior, Vivenda, Palmeira, Navio, Vala, Timberland, Depósito de Água, Reciclagem, Entulho, The Met, Dallas, X, Pro Green, Nokia Theater, Parabolic Antenna, Lago, Kmox, Armazém, Clareira, Torre, Coda e Demo One.
A escolha da dimensão da tela revela uma perspectiva extra: um aguçar e depurar do representado.
No que diz respeito à escolha da paleta, embora esta permita o contraste necessário à clara compreensão dos elementos representados, não acentua a cenografia da guerra, do confronto, do efeito que facilmente captura o olhar. Por isso mesmo, nesta maioria de obras que retratam instantes apanhados sob a clara do sol (raras são, como vimos, as “tomadas” de noite — neste conjunto de 39 pinturas, encontramos apenas duas) é notória a atenção ao que o pintor define como uma vontade de não diferenciação, ou seja, a rejeição ao excessivamente mediático, ao sonoro espectáculo apetecido às televisões. E é precisamente ao destituí-las desse peso, permitindo-nos olhar para elas de um modo novo, na sua tranquilidade e inexorabilidade final, que aí reencontramos de novo a tradição da pintura. Isso acontece porque, apesar de as imagens ostentarem essa evidente carga informativa, Martinho Costa as trabalha como matéria eminentemente pictórica, isto é, usa-as para explorar o seu potencial na e através da pintura. Rejeitando à partida as imagens mais compostas, mais facilmente agradáveis e harmoniosas, desconfiando do “bonito” como conceito facilitador, procura e escolhe imagens em que o caos estrutural, compositivo, esteja claramente presente. Não apenas um caos identificável na ordem (ou desordem) do acontecimento — note-se como os seus céus tranquilos, benignos, acompanham cenas de destruição. Mas um caos que se reconhece na complexidade das linhas, das texturas, das cores e dos seus efeitos lumínicos. Uma desordem que, por ser pictórica e só por isso, serve, muito adequadamente, os seus propósitos de representação da ruína. Semelhantes pressupostos, como vimos, reiteram uma escolha de imagens que não aponta na direcção do belo, do harmonioso, da ruína emoldurada pelo sagrado de um tempo longo e instaurado pela história; e, nesse sentido, indicam-nos já o caminho para o nosso tempo. A melancolia que a ruína devia dar-nos, no século XVIII, já não existe nestas pinturas. Pelo menos não da mesma maneira. Já não nos envolve na aura de um pretérito longo e perfeito, de que nos sentimos saudosos. Antes nos aponta uma aguda sensação de finitude num quadro geral de efemeridade, de banalidade. Que pertença podemos então evocar perante tais ruínas? 6. Despojos de um tempo que escassamente esculpe Num momento histórico em que a população mundial aumenta exponencialmente e em que a construção acompanha (e em alguns casos ultrapassa) as necessidades mais imediatas de alojamento e dos mais diversos equipamentos, a nossa ânsia construtiva apenas encontra paralelo na voragem do seu apagamento. Essa erosão irrompe por todos os sectores da vida quotidiana, desde a descartabilidade dos objectos, à fragilidade do tecido social, até à negação da memória. Se as estradas, viadutos, pontes e tantos belos monumentos antigos permaneceram até hoje, mesmo que em ruína, mesmo que com a ajuda de campanhas de recuperação, não é certo que as construções actuais permaneçam para lá de escassas gerações. Como se representam, então, essas novas ruínas, que não têm tempo de o ser? Neste caso, na não dramaticidade da sua perda. Na recusa de, para além do acidente, para além do atentado ou do desastre natural, o olhar se comprazer com a narrativa do drama. Por isso, essa pintura não chora o que se perde. Aponta. Regista. Analisa. Com linhas, cores, tons. Efeitos lumínicos que, rejeitando o estrondo da abertura de telejornal, nos dão os efeitos objectivos e objectivados do que aconteceu.
Como nos relacionamos com estas ruínas? De modo porventura dúbio, claramente dependente da nossa própria memória, da nossa capacidade de significarmos o que vemos, de empossarmos simbolicamente o que se perde. Retomemos um aspecto crucial: para lá da acção, reconhecível por todos e emocionante pela evidência da sua existência, a não identificação dos lugares e dos edifícios (com a excepção mais notória da imagem que de imediato se reconhece como pertencente à Praça de S. Marcos, em Veneza) é um dos elementos essenciais na escolha do pintor. Esse apagamento do lugar específico pode ser lido de duas maneiras: por um lado, abre, para cada imagem, a possibilidade da sua universalidade. Nesse sentido, englobando-nos a todos igualmente, atingenos no seio da nossa frágil temporalidade, num mundo caótico e precário do qual todos fazemos parte e em cuja ruína nos reencontramos. Porém, a ausência de drama nestas imagens relembra-nos que o que aqui vemos não é a realidade, mas uma sua re-presentação, uma sua síntese, um olhar pictórico sobre o caos. Assim nos descansamos. Assim nos reconfortamos. 7. Um último instante As ruínas de Martinho Costa têm um grau de atenção ao tempo que as integra no tempo. São, como facilmente reconhecemos, imagens de hoje. E, nesse sentido também, imagens que facilmente serão datáveis daqui a algum tempo. Posicionando-se simultaneamente como criador e espectador de um corpus iconográfico, o pintor assiste também ao passar do tempo sobre as suas pinturas, interessando-lhe perceber como é que estas ruínas irão envelhecer, perdendo actualidade, denotando um tempo de criação. Por tudo isso, estas ruínas, apesar de tranquilas e enunciadoras (mais do que denunciadoras, não é de mais afirmá-lo) indiciam não apenas a ruína do tempo (patente no desmoronar dos edifícios ou na degradação de espaços públicos), como a das nossas vidas, na sua fragilidade, na sua mortalidade: o desabamento do lar, a desolação que se abate sobre o espaço íntimo, pessoal, privado, é o desabar da nossa estrutura mais íntima. Aqui se constata. Sem se julgar. Se a introdução desse elemento pessoal, privado, familiar, é mais um dos sinais da actualização do tema (algo que nem a ruína nem o capricho nos dão), estas obras mantêm, contudo, alguns dos pressupostos clássicos da representação da ruína, como a tentativa de manter visível e clara a ordem aparente do edifício, antes da sua destruição, ou a introdução da figura humana como medida da escala do edifício. E, nesse aspecto, a melancolia perante o fim não sendo equiparável, como vimos, à sua poética setecentista, reinventa o sentimento para a contemporaneidade, estabelecendo ainda pontes com a tradição. Na memória deste olhar que aqui encerra as suas deambulações sobre estas pinturas de Martinho Costa, surgem propostas de inquietação: nestas obras, tal como em Guardi, o silêncio que as figuras representadas ostentam é notório. Elas vivem, solitárias e mudas, o testemunho do fim. Quase sempre alheadas da nossa presença, ensimesmadas na realidade pictórica que as acolhe e constitui, elas não dialogam com o espectador. A ruína é total. Não só no desmoronar das construções, como no desabar da comunicação. Diz quem observa: é o nosso silêncio que ali ecoa. Fevereiro de 2009.
Ruins of a time without memory EMÍLIA FERREIRA
1. The ruin as artistic subject A powerful metaphor of time, the ruin has, as a pictorial element, its own history. A latecomer in the West, at the end of the Middle Ages, it makes its appearance as a landscape backdrop and only comes to the fore when the Renaissance proclaims its underlying principles. Petrarch is generally accepted as the first Italian - and the first Westerner - to mention a taste for ruins. The Renaissance then adopts it, sometimes as scenic element, symbolic of ancient knowledge (in some pictures respected humanists, for example), sometimes in work of a religious nature, such as the representations of the nativity, featuring allegorically as the rising order on the ashes of paganism. The ruin emerges in this way as the unequivocal heralding of a new age. From the ephemeral nature of life itself and the force exerted on the landscape of the weight of passing days. The Baroque movement marks it as being synonymous with what is beautiful. On discovering the beauty of old age it has created a new “category of beauty, the bizarre” , in which old takes on the more appealing face of ancient. And, thus, in the same way that sculpture is able to show, lovingly, aspects up till then seen as tenebrous, of the skeleton (ruin of the body, final stage of our personal history, last aspect of differentiation - and indifferentiation, also, since death is the great leveller - before we become dust), painting too welcomes representations of the landscape dotted with ruins. In some cases, as is well-known in the engravings of René-Jacques Charpentier or Giovanni Baptista Piranesi, in the scenes of ruins some images of death are associated: of buildings, civilizations and of humans. Human skeletons or funeral urns of famous men coexist with the relics of palaces, temples or monuments. Death reigns over what before was alive and powerful - and that, even in decay, keeps its irresistible appeal, its enchanting lure. From the taste of the representation of the natural landscape to that of the vedute, forever associated with Venice, Canaletto and Francesco Guardi and to the educational pursuit of the Grand Tour (the journey undertaken in XVIII century, by the children of the moneyed classes, as part of their education, who would thus become enriched by contact with the world and the vestiges of other times and cultures), there was an upsurge in the taste for the improved scene - that the Flemish school had already invented in their representation of the natural landscape.
In “Ruines (esthétique)”, Encyclopædia Universalis, Corpus 20, Enciclopædia Universalis, Éditeur à Paris, 1989, p. 346.
Thus, if the veduta, as defined by Canaletto, was taken “dal vero” - that is, modified, improved as we find so many times in Guardi, the landscape portrayed was supposedly a mirror of reality - in this case that of the ruin, as a central element in the painting , was kept as a stylistic exercise: the caprices. These “vedute ideate”, literally idealized views, as Canaletto called them, were landscapes composed of invented elements. With the novelty, in relation to the Flemish painters, that the “strange organisms” introduced into them, were not mountains, nor any other natural phenomena, but buildings whose interesting particularity was the fact of being half-destroyed. These partial architectures - exercises of the fragment that, taken as a cult object, the epicentre of the phenomenon of representation, staging and evoking an era at the same time perfect and lost - mimic what is real and project a sense of the poetical that brings it into the present, fitting it to match the imagination of the creator, who thus creates his own perfect architectures and it becomes part of the tradition, reformulating it. Drawing and painting, which create these non-existent places that make up the caprices, uninhabited and abandoned spaces where the past takes root, are the stage for this chronological jump; they take over time itself: time that feeds our emotion. The XVIII century, by bringing together beauty and an awareness of fleeting time, shows the ruin as beauty menaced by death itself. Hubert Robert, possibly the French painter most associated with the choice of the ruin as a favourite subject (thanks also to Diderot’s critiques, on the occasion of the Salon of 1767, in which the painter presented more than two dozen works of art where imaginary architectures were depicted), treated the ruin with special attention, frequently crowning it with a golden light, pouring from high in the majestic sky. That which is finite becomes a central subject: everything has an end; everything is threatened; even that which was constructed to last, even that which, due to its intrinsic qualities, would deserve to be enduring. It would deserve to remain, for us to ever gaze upon. The ruin appears then at this time (and, in many ways it remains thus) as an allegory of time. This awareness of the effects of time on this world, the reflection about the end, the vanity of everything when faced with the final obliteration, will open up the way to romanticism. From this long period the XIX century will draw on the notion of history, of belonging, of culture. Of heritage. Even of nationhood. Ruins can stand as founding elements of our identity and our culture, traces that legitimize our permanence in a territory and that will inspire our future production . As George Steiner will say, the ruin is our memory; and is, therefore, a basic element of what we are. Consequently, the ruin, as a concept, holds within itself the seed of change. If we think of time as a false entity - both an instant of creation and a continuum of destruction - it becomes part of and makes us part of tradition and
“In painting, as in literature, the ruin often furnishes the landscape in which a narrative is set. As an element of landscape, however, ruins constitute the background of the principal representation. The caprice represents the move of the ruin in painting from the background to the status of subject. We can speak of the poetics of a representation when it has become the subject of invention and thus a work of art unto itself. In the case of the caprice painting, ruined architecture has become the focal point of the artist’s invention.” In AUGUSTYN, Joanna — “Subjectivity in the fictional ruin: The caprice genre”. In The Romanic Review, Vol. 91, 2000. http://findarticles.com/p/articles/ mi_qa3806/is_200011/ai_n8906370. [p. 1]
As Alberto Ustárroz mentions, ruins are for the architect “a past seen as a support, not as a closed system; a continuum is selected and aligns with the present”. In La lección de las Ruinas: Presencia del pensamiento griego y del pensamiento romano en la arquitectura. Barcelona: Fundación Caja de Arquitectos, 1997, p. 11.
otherness. On the other hand, the fact that ruins do not all share the same birth time (even though, as frequently happens, in painting, ideally, they reflect one golden age, of unequivocal classical inspiration), allows us to think of their overlapping or chronological sedimentation, or in other words, it becomes possible for us to bring them into the present time. Their joining the ranks of the present day. 2. The ruin theme in the modern age In contrast to what is evoked by the ruin in its traditional historical representation, Martinho Costa’s choice in this painting confronts us with the evidence of a time moving excessively fast and creating destruction voraciously. In the ruins represented here, the buildings are not old, constructed with noble materials such as stone, and embellished with colonnades and pediments. They haven’t spent centuries being victims of erosion and decay. They haven’t been falling down stone by stone with the passing years, nor ravaged by nature which, in the absence of man, takes possession of their deeds, infiltrating and then obliterating them. Quite the opposite. The buildings chosen for this painting are contemporary and have been constructed in concrete or wood - and quite recently. The lines of these new ruins do not evoke palaces or temples to create majestic scenes. Rather they stand as straightforward, geometrical and simple structures, whose construction, efficient and fast, is destined for a specific purpose. Their function was as clear as their allocated time of existence: built only to be useful, and the end of their usefulness dictated their lifespan. With no time to wait for the power of the elements to destroy little by little the freshness of their outlines, their destruction is dictated by pragmatic imperatives. Their lifetime was short. Excessively soon. This destruction can be brought about by various factors: accident, incident, voluntary act; terrorism, urban decision, commercial decision. Our memory suffers from imperfections and feeds a situation of social Alzheimer’s. Renewal is demanded by an urban fabric in constant mutation, in constant struggle with a common space of memory and urgency to intervene, to gain land and money. And here the fury of the elements must surely have a word to say about this. But also in this aspect the ruin is brought into the present time, since it is no longer the work of divine punishments (Biblical cataclysms), but of natural catastrophes. So we do not experience a sense of sacredness or pent up emotion when we gaze on these new ruins. There is simply the witnessing of an instant in time. The notion of a fleeting moment in time. Where nothing (or very little) will remain to give account of our productions to our successors. 3. The instantaneous ruin In a historical period like the present in which there is an emphasis on the importance of the preservation of the memory, which leads at times to a situation of compromise between present growth and the upkeep at all cost of old (not ancient) buildings whose architectural and historical relevance is often questionable, the records of the production of our own time are nevertheless erased with great facility.
We can, in fact, state that today we live alongside at least two sorts of ruins: first, buildings dating back a few decades that are still standing, thanks to constant, extreme and often incongruous interventions, and second, more recent constructions and which are more “disposable”; and turn into a ruin before their time. Not only do these degrade extremely quickly (as if the used materials jeopardised their lifespan from birth and deliberately) but they are also flattened with no mercy and no appeal, so that nothing survives. It is exactly this that Martinho Costa deals with. Of the ruin where nothing remains. Just the instant of the image captured in the act of destruction. The moment of deconstruction is when we evoke the fragility of what is material, of its finite nature. The canvass that evokes, just as in a snapshot (remember that all Martinho Costa’s images are like snapshots) the passing by, in a street, of the vehicle that is about to help in the demolition, underlines the fleetingness of an instant in time. By bringing into the present day the travelogs and the paintings (of the vedute) which, on their return from the Grand Tour, were put on show, in the same way as just a few years ago picture postcards were collected, and today we fill memory cards with hundreds of digital photographs, Martinho Costa’s art work draws on news and images taken by people ( who are anonymous, apparently with no identity - the lack of editing details brings out the impersonal nature of the sources of the information, of the media treatment of the images, of image banks, all endlessly copied). Thus, for the painter, the ruin is also the sign of desolation and destruction (remains, mere vestiges) of the landscape, no longer portrayed as populated by capricious constructions on which time itself has turned into fiction (fiction inside of fiction, since caprice is, by definition, the creation of a fictional landscape), but as a pile of rubble, a place where fantasy is substituted by acts of violent pragmatism. The concept of romanticism evoked in the caprice gives way to the vision of nature as part of a world of things (the glorification of objects) to be used and to be discarded. Very far from this world, in this other world of throw-away objects, where everything is on the brink of decay, even ourselves, the ruin becomes the absolute metaphor, invading all the hidden places of the landscape and our own lives. As we shall later see. 4. The choice of images This set of almost four dozen paintings brought together in this volume has a solid and well-known base: the photograph. By also bringing into the present time the use of a technical resource that became more common from the middle of the XIX century, Martinho Costa adopts the photographic image as the starting point for his paintings. Therefore he does not feel the necessity to do a drawing, instead he uses the projected image directly on the canvass and then he synthesizes pictorially what he sees, at the same time as his brush and the paints move over the outline. The result of his work is thus the analysis and purification of the original shots. But what type of images are they in fact? How does he choose what to represent? For Martinho Costa this question has an almost obvious reply: the Internet, an inexhaustible source of images, which can supply iconographic sources of the most diverse nature.
Collected almost by chance or through a search (in this in case, under the topic of demolition), the only linking element is the record of a moment where something is happening or has already happened. That is: the feature of this work is the assumption that only what can be seen as chaos can be represented. Or, as Tolstoy said, in the opening sentence in Anna Karenina, “happy families do not have a history”. Or, as the Greeks put forward, only pathos leads to narrative. Therefore, this representation looks for meaning in the very instant of the media coverage, in the one that can be seen as the first level of narrative. The one in which a doubt arises: and now? These images which, in a deliberate way, do not begin from sketches or from notes taken by the artist, nor do they spring from the painter’s eye filtered through a camera lens, but instead, they result, as we have seen, from research using an Internet browser, have, moreover, another advantage: the fact of freeing him, as a painter, from an initial, conscious assimilation. The next step, after the choice of the photograph, is now done by determining how it can now be represented as a painting. Free from the photographic gaze and adopting this method from the very beginning as a conscientiously pictorial work, the caprice, now brought into modern times by Martinho Costa, becomes an act of framing a way of seeing things; point of view. Despite the photographic overlay, the resulting painting is not, as can easily be understood, a mere magnification of the original. On each image, Martinho Costa develops a new technique of assimilation, by prioritising in terms of his own focus. The result — apart from the already mentioned synthesis performed by the painting, and which becomes more and more apparent the more we get closer to see it, in the fragmentation of the brush strokes (more textured in the small formats, smoother in the larger ones. The choice of canvass size reveals an extra perspective — it presents a greater density of action or a more complex focus of information from that of its point of view. 5. Avoiding what is newsworthy and popularly held as beautiful. As we have already pointed out, the choice that he has made offers, on the one hand, the possibility to work with other people’s perspectives (the original photograph) while, on the other hand to collect images that come from all corners of the earth. In spite of this element of diversity, globalization and the structure that influences the choice of the original image lead us inevitably to think about news features, in images that capture instants of calamities, of deliberate destruction. Yet, despite this being the initial motto, the paintings try to mitigate the effect of media focus. On the one hand through its coy form of identification; on the other, by not dramatizing the palette. But let us take the first aspect. Indeed, the fact that the art work is referred to as untitled frees it from an immediate sense of belonging to a place or an event. Yet, to untitled a piece information is added, a descriptive note the aim of which is to direct our attention to details about composition. In this way, we find “clues” like Viaduct, Climbers, Tower 1, Demolisher, Bridge, Outside of Trucks, Eurovia, Turbine, Dallas 1, Airplane, Visor, Attempted Assassination, Demonstration (two rare night scenes), Poles, Foundations, Hypermarket, Interior #2, Colour Bank, Interior #3, Statue, Viaduct #1, Flooding in Venice, Stripper, Interior #1, Flooding, Façade, and Komatsu, in the first series of the book
and, in the series Ruin, other “clues” such as Planet Ho, Flooding, House, the Four, Interior, Villa, Palm, Ship, Ditch, Timberland, Water Deposit, Recycling, Rubbish, The Met, Dallas, X, Pro Green, Nokia Theater, Parabolic Antenna, Lake, Kmox, Warehouse, Clearing, Tower, Coda and Demo One . With regard to the choice of palette, even though this allows the necessary contrast for a clear understanding of the represented elements, it does not overemphasise the scenography of war, of confrontation, of the effect that easily captures the eye. Therefore, in the majority of his work, where he portrays moments caught in the light of day (as we have seen, night shots are rare - in this set of 39 paintings, we find only two) it is remarkable to notice the painter’s attention to what he terms as his desire not to differentiate, that is, the rejection of excessive media hype and overpowering television spectacle. And it is precisely when releasing them from this weight, allowing us to look at them in a new way, in their tranquillity and final inexorability that we rediscover in them once again the painting tradition. This happens because, although the images exhibit this clear informative message, Martinho Costa works on them as eminently pictorial material, that is, he uses them to explore their potential in and through the medium of painting. Rejecting from the outset those images that are the most composed, more easily pleasing and harmonious, distrusting the “pleasing to the eye” as a facilitating concept, he looks for and chooses images where structural chaos of composition is clearly present. Not simply an identifiable chaos in the order (or disorder) of the event - notice how peaceful, gentle skies, go with scenes of destruction. But a chaos that can be recognized in the complexity of the lines, textures, colours and lighting effects. A disorder that, because it is pictorial and for this fact alone, quite adequately serves the purpose of the representation of the ruin. Similar underlying concepts, as we have seen, reiterate a choice of images that does not point in the direction of what is beautiful, or what is harmonious, or of the ruin shrouded in the sanctity of time immemorial and steeped in history; and, in this sense, they point us in the direction of the present time. The melancholy that the ruin would have given us in the XVIII century no longer exists in these paintings. At least not in the same way. We are no longer bathed in an aura of a long lost and perfect past for which we feel nostalgia. Rather we are confronted with an acute sensation of finality in a painting full of the ephemeral and the trivial. What sense of belonging can be evoked faced with such ruins? 6. Remains of a time that has barely left a trace In this moment in history when world population is increasing exponentially and when construction tries to keep up with (and in some cases overtakes) our most pressing need for housing as well as for other different sorts of facilities, our desire to build only finds a parallel in the vortex of their destruction. This erosion proliferates in all walks of daily life, from the throw-away nature of objects, to the fragility of the social fabric, and even to the negation of memory. If our roads, viaducts, bridges and so many beautiful old monuments have remained until today, even as ruins, even with the help of restoration campaigns, there is no certainty that the present day constructions can remain for more than a few generations.
How can they be represented, then, these new ruins, that do not have time to turn into ruins? In this case, in the nondramatisation of their loss. In the refusal, beyond the accident, the terrorist attack or the natural disaster, to let the eye find pleasure in the narrative of the drama. Therefore, this painting does not weep for what is lost. It points a finger. It records. It analyzes. With lines, colours, tones. Lighting effects that, by rejecting the sensational opening presentations of the evening news, present us with effects of what has happened from a more objective viewpoint. How do we relate to these ruins? In a possibly dubious way, clearly dependent on our own memory, our capacity to make sense of what we see, to take possession symbolically of what is lost. Let us go back to a crucial aspect: apart from the action, recognisable by all and emotive for the evidence of its existence, the non-identification of the places and the buildings (with the most well-known exception of the image that is immediately recognized as belonging to S. Marcos Square, in Venice) is one of the essential elements in the choice of the painter. This deletion of the specific place can be read in two ways: on the other hand, it opens, for each image, the possibility of its universality. To that end, it embraces us all equally, it reaches into the heart of our fragile temporality, in a chaotic and precarious world of which we are all part and in whose ruin we find ourselves again. However, the absence of drama in these images reminds us that what we see here is not reality, but its representation, its synthesis, a pictorial glance over chaos. In this way we find peace. In this way we find comfort. 7. A last instant Martinho Costa’s ruins have a level of attention to time that integrates them in time. They are, as we easily recognize, images of today. And, in this sense also, they are images that will easily be associated to a date and time from now until some time in the future. Locating himself simultaneously as both creator and spectator of an iconographic corpus, the painter is also present at the passing of time on its paintings, taking interest in understanding how these ruins will age, losing a sense of the present time, denoting a time of creation. Due to all this, these strangely serene ruins, are announcing (rather than denouncing, it is worth repeating this) and represent not only the ruin of time (plain to see in the pulling down of buildings or the degradation of public spaces), but also our own life, in its fragility, its mortality: the crumbling of the home, the desolation that crashes down on our intimate, personal, private space, and the collapse of our most intimate structure. Here it can be witnessed. Without judging. If the introduction of this personal, private, familiar element is one more sign of the updating of the theme (something that neither the ruin nor the caprice gives us), these works maintain, however, some of the classic underlying principles of the representation of the ruin, such as the attempt to keep the apparent order of the building both visible and clear just before its destruction, or the introduction of the human figure as a measure of scale of the building. And, in this aspect, the sense of melancholy when confronted with the end not being comparable, as we have seen, with its 17th century sense of poetry, the feeling becomes reinvented for the present day, in this way establishing links with the tradition.
As the eye meanders over these paintings by Martinho Costa, a feeling of restlessness is triggered in the memory: in these works, as in Guardi, the silence that the represented figures exhibit is a key element. They live, alone and dumb, a witness to the end. Almost always unaware of our presence, they become lost in thought in the pictorial reality that embraces them and gives them form; they do not converse with the spectator. It is the absolute ruin. Not only in the collapse of constructions but in the break-down of communication too. Says the one who observes: it is our silence that echoes there. February 2009.
piedefoto
SEM TÍTULO (VIADUTO), 2008 óleo s/tela 140x180cm
SEM TÍTULO (Alpinistas), 2008 óleo s/tela 44x56cm
SEM TÍTULO (TORRE I), 2008 óleo s/tela 135x170cm
SEM TÍTULO (Demolidor), 2008 óleo s/tela 44x56cm
SEM TÍTULO (Ponte), 2008 óleo s/tela 40x50cm
SEM TÍTULO (Camião de Exteriores), 2009 óleo s/tela 42x55cm
SEM TÍTULO (Eurovia), 2008 óleo s/tela 138x188cm
SEM TÍTULO (Turbina), 2009 óleo s/tela 46x38cm
SEM TÍTULO (DALLAS I), 2008 óleo s/tela 120x160cm
SEM TÍTULO (Avião), 2008 óleo s/tela 40x54cm
SEM TÍTULO (Pala), 2008 óleo s/tela 116x147cm
SEM TÍTULO (Atentado), 2009 óleo s/tela 36x48cm
SEM TÍTULO (Manifestação), 2009 óleo s/tela 55x70cm
SEM TÍTULO (Postes), 2008 óleo s/tela 40x54cm
SEM TÍTULO (FUNDAÇÔES), 2008 óleo s/tela 150x200cm
SEM TÍTULO (Hipermercado), 2008 óleo s/tela 42x55cm
SEM TÍTULO (Interior#2), 2008 óleo s/tela 37x45cm
SEM TÍTULO (COLOR BANK), 2008 óleo s/tela 120x160cm
SEM TÍTULO (Interior#3), 2008 óleo s/tela 35x43cm
SEM TÍTULO (Estátua), 2009 óleo s/tela 40x50cm
SEM TÍTULO (Viaduto#1), 2008 óleo s/tela 38x49cm
SEM TÍTULO (Inundação em Veneza), 2008 óleo s/tela 39x47cm
SEM TÍTULO (Stripper), 2008 óleo s/tela 140x190cm
SEM TÍTULO (Interior#1), 2008 óleo s/tela 43x57cm
SEM TÍTULO (Inundação), 2009 óleo s/tela 40x54cm
SEM TÍTULO (FACHADA), 2008 óleo s/tela 110x160cm
SEM TÍTULO (Komatsu), 2008 óleo s/tela 41x55cm
PINTURAS DA SÉRIE RUÍNA
SEM TÍTULO (Planet Ho), 2008 óleo s/tela 164x200cm
SEM TÍTULO (Inundação), 2008 óleo s/tela 88x130cm
SEM TÍTULO (Casa), 2008 óleo s/tela 110x160cm
SEM TÍTULO (Os Quatro), 2008 óleo s/tela 123x165cm
SEM TÍTULO (Interior), 2008 óleo s/tela 53x60cm
SEM TÍTULO (Vivenda), 2008 óleo s/tela 110x140cm
SEM TÍTULO (Palmeira), 2008 óleo s/tela 140x190cm
SEM TÍTULO (Navio), 2008 óleo s/tela 150x190cm
SEM TÍTULO (Vala), 2008 óleo s/tela 140x170cm
SEM TÍTULO (Timberland), 2008 óleo s/tela 100x150cm
SEM TÍTULO (Depósito de Agua), 2008 óleo s/tela 150x200cm
SEM TÍTULO (Reciclagem), 2008 óleo s/tela 135x175cm
SEM TÍTULO (Entulho), 2008 óleo s/tela 130x170cm
SEM TÍTULO (The Met), 2008 óleo s/tela 145x190cm
SEM TÍTULO (Dallas), 2007 óleo s/tela 137x181cm
SEM TÍTULO (X), 2008 óleo s/tela 130x170cm
SEM TÍTULO (Pro Green), 2008 óleo s/tela 140x185cm
SEM TÍTULO (Nokia Theater), 2008 óleo s/tela 120x160cm
SEM TÍTULO (Parabolic Antenna), 2008 óleo s/tela 120x150cm
SEM TÍTULO (Lago), 2008 óleo s/tela 140x185cm
SEM TÍTULO (Kmox), 2008 óleo s/tela 160x195cm
SEM TÍTULO (Armazém), 2008 óleo s/tela 130x170cm
SEM TÍTULO (Clareira), 2008 óleo s/tela 145x190cm
SEM TÍTULO (Torre), 2008 óleo s/tela 140x180cm
SEM TÍTULO (Coda), 2008 óleo s/tela 108x170cm
SEM TÍTULO (Demo One), 2007 óleo s/tela 140x188cm
MARTINHO PRAZERES COSTA 1977, vive e trabalha em Lisboa 2003 2002
Master: Teoría y Práctica de las Artes Plásticas Contemporáneas - Universidad Complutense, Madrid Licenciatura em Pintura - Universidade de Lisboa, Faculdade de Bellas Artes
2009 2008 2007 2005 2004 2003
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS “Ruína”, Galeria 111, Porto “Ruína”, Galeria 111, Lisboa “Poeira”, Espaço Living Room, MCO, Porto “Völkerwanderung”, Centro de Artes de Sines, Sines “Máquina de Campanha”, Sopro, Projecto de Arte Contemporânea - Lisboa “GRAN TURISMO”, Sopro, projecto de Arte Contemporânea - Lisboa Galería EvoraArte, Évora
EXPOSIÇÕES COLECTIVAS 2009 Opcções & Futuros #4, Obras da Colecção da Fundação PLMJ, Fundação Plmj, Lisboa 2008 Feira Internacional de Arte Contemporânea, Galeria 111, Lisboa 2008 “A Cabine do Amador” – Espaço Avenida 211, Lisboa 2007 Balelatino, Sopro – Projecto de arte Conemporânea, Basel Prémio Fidelidade Jovens Pintores, Culturgest, Lisboa “Paisagem e Limiar” Centro Cultural de Sines, Sines “Paisagem e Limiar” Sociedade Guilherme Cossoul, Lisboa 2006 O Espelho de Ulisses - Centro de Artes de São João da Madeira Arte Lisboa, Feira Internacional de arte Contemorânea, Fil Lisboa, Galeria Sopro 2004 Arte Lisboa, Feira Internacional de arte Contemorânea, Fil Lisboa, Galeria Parthenon “Abril”, Castellana Art Gallery, Madrid “Los Parramones”, Galeria Parthenon, Lisboa 2003 Exposição Máster en arte contemporáneo, Universidad Complutense,Madrid 1ª Muestra de Videocreación, Espacio ECCA, Madrid Colectiva, Galeria Monumental, Lisboa 2002 “Scope”, Artistas Unidos, Lisboa 2000 “Araruta”, Armazém 7, Lisboa
PUBLICAÇÕES Cepeda, Rui Gonçalves, Lapiz, Nov. 2008 Oliveira, Filipa, “Ruínas Contemporâneas” L+arte Out. 2008 Marques, Bruno, “Notas sobre a série Völkerwanderung (Deambulação dos povos)”, in Martinho Costa. Völkerwanderung. (catálogo virtual da exposição; disponível, entre 15 de Set. e 15 Out 2007, no site do CAS, Sines (http://www.centrodeartesdesines.com.pt/)”, e permanente no site do projecto inter-face (http://www.interface-artecontemporanea.org/ensaios_criticos.htm) Marques, Bruno, “Batalhas Utópicas e Sem Memória”, in Jornal da Exposição Martinho Costa: Völkerwanderung, Centro de Artes de Sines, 2007 Guarda, Israel, “Representações Ficcionais da Paisagem” Catálogo Exposição: Paisagem e Limiar, 2007 Oliveira, Luisa, Soares, “ÍTaca de Verde Eternidade”, Catálogo Exposição, O Espelho de Ulisses, 2006 Crespo, Nuno, “Paisagens Idílicas”, Catálogo Exposição: MAQUINA DE CAMPANHA, 2005 Villecas, Daniel, “A Precária Imagem do Controlo” Catálogo Exposição: GRAN TURISMO, 2004 COLECÇÕES Colecção Manuel de Brito Fundação PLMJ Colecção Associação Industrial Portuguesa