Margarete Schütte-Lihotzky

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MARGARETE SCHÃœTTE-LIHOTZKY ANA CAROLINA FARIA | AYRTON DINIZ | FABIANA GRANUSSO | MASAE KASSAHARA| MAYARA MARUITI SERRA



MONOGRAFIA REALIZADA POR

ANA CAROLINA FARIA AYRTON DINIZ FABIANA GRANUSSO MASAE KASSAHARA MAYARA MARUITI SERRA



SUMÁRIO 3 7 23 41 63 71 107 111

INTRODUÇÃO VIENA MOV. ARTÍSTICO BIOGRAFIA ARQ&FEM WERKBUND CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA



INTRODUÇÃO


introdução Esta presente monografia tem o intuito de esmiuçar o trabalho de um arquiteto e uma cidade do período de 1890 a 1940. Para tanto, escolheu-se a vida da arquiteta Margarete Shütte-Lihotzky e sua obra situada no assentamento de WerkbundSiedlung, que se inscreve na cidade de Viena, nas décadas 1930. O trabalho faz parte da proposta de um produto teórico pensado para a disciplina de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo Modernos, do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU-USP), com o objetivo de compreender as transformações ocorridas na sociedade, entre os séculos XIX e XX, e na esfera da arquitetura que foram essenciais para configurar o Movimento Moderno. O conjunto de alunos matriculados na disciplina decidiu em comunhão, com postura política e ideológica, tratar apenas as importantes e ocultas mulheres do Movimento Moderno, buscando restaurar, assim como Jean-Louis Cohen o fez em seu livro “O futuro da arquitetura desde 1889”, não apenas os aclamados ícones reforçados pela historiografia, mas adotando uma visão mais igualitária e plural diante dos acontecimentos da época, inclusive com uma visão feminista que já ganhava força nesse momento. Graças às pesquisas que se voltam às mulheres desde a década de 1970, a crescente conscientização das contribuições das mulheres para a arte do modernismo reavivou a reputação de pioneiras negligenciadas como Eileen Gray, Lilly Reich e Charlotte Perriand, que superaram os preconceitos contra o envolvimento das mulheres em qualquer caráter arquitetônico além da decoração e embelezamento. Assim, é gratificante ver Grete Lihotzky receber reconhecimento histórico frente ao seu profundo compromisso político e social. A estrutura adotada para a monografia em questão, consiste em um apanhado histórico sobre a cidade de Viena,


partindo desde a sua formação, no século V, com a chegada dos romanos da idade média, passando por sua afirmação como capital austríaca, e, posteriormente, culminando nas principais rupturas e reformas ocorridas no século XVIII e XIX. Após a contextualização histórica da cidade, aborda-se a construção da grande via cultural promovida ao longo da Ringstrasse que, além de propor uma expansão urbana, abre espaço para a presença de novos movimentos artísticos em Viena. A princípio, a arte tradicionalista nega essa pluralidade emergente, porém movimentos como a Secessão e a Wiener Werkstätte conquista aos poucos o território e direciona os novos rumos da nova arquitetura e arte moderna que crescia em toda a Europa. A partir desse contexto, apresenta-se um breve estudo sobre a vida da arquiteta, suas principais obras, assim como sua relação profissional e política com a sociedade na iminência do Movimento Moderno. Ademais, com o intuito de atenuar as barreiras entre arquitetura e feminismo e romper com a dualidade entre arte e política, tomou-se como base o livro “Architecture and Feminism” de Debra L. Coleman, Elizabeth Ann Danze, e Carol Jane Henderson, que entende os dois campos como processos simultâneos e busca os precedentes históricos das mulheres na arquitetura.

tratado por Cohen como um período de intensas reformas sociais, desenvolveu-se uma narrativa em torno das políticas habitacionais - uma novidade para a época - em que a arquitetura se volta pela primeira vez ao problema da moradia das classes menos favorecidas. Dentro desse quadro, foi abordado o programa da “Viena Vermelha”, que consistia na erradicação do problema da escassez habitacional e na promoção de equipamentos públicos, dando importância à infraestrutura urbana como um todo. Relacionando as novas políticas de moradia ao trabalho de Shütte-Lihotzky, foi feita uma análise minuciosa de sua obra residencial na implantação em “WerkbundSiedlung”, considerando seus aspectos formais e funcionais, bem como sua representatividade diante de um cenário de instabilidade política, econômica e social. Por fim, a monografia espera se tornar uma referência de pesquisa, ampliando as narrativas sobre a atuação de mulheres arquitetas no início do século XX, na Europa e nos Estados Unidos, desenvolvendo os conhecimentos adquiridos sobre o Movimento Moderno, e especialmente apontando o seu impacto sobre o território de Viena.

Aprofundando no período entre guerras,

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VIENA


viena Fundada no Império Romano a cidade de Viena cresce com a instituição de um assentamento militar (atualmente localizado na região central da cidade) conhecido como Vindobona. Desde o início militarista, a cidade de Viena viria a se tornar um importante centro comercial no século XI. Em meados do século XIII Rodolfo I tomou o controle das terras austríacas depois de sua vitória contra Otacar II da Boêmia, e assim, começou o domínio da Casa de Habsburgo na região. No século XIX a cidade se tornou a capital do Império Austríaco e, posteriormente, capital do Império Austro-Húngaro.

PANORAMA HISTÓRICO Durante a Idade média, Vindobona, cujo nome é derivado de uma linguagem céltica, sugere por seu próprio nome que sua ocupação ocorreu antes mesmo da colonização romana. Com a chegada dos romanos no século I a região central da cidade torna-se um campo de treinamento militar que vem a se consolidar como município em 212. Resistentes às ações do tempo, até os dias atuais é possível identificar ruas, poços e muralhas da origem romana no primeiro distrito da cidade. Localizada na fronteira do império, foi uma das cidades vítima de invasões bárbaras no século V.

Existem indícios de um incêndio catastrófico, porém nem toda a cidade foi destruída já que o centro militar e um pequeno assentamento permaneceram em pé. Registros arqueológicos mostram que moedas bizantinas do século VI foram encontradas no centro histórico da cidade, evidenciando assim uma atividade comercial forte na região. No século IX a cidade se consolidava como importante rota comercial. Em documentos deste século Viena é mencionada como civitas que já caracterizaria a região como um assentamento ordenado. Em meados do século XII Viena é nomeada capital da Áustria pelo duque Henrique II da dinastia Babemberga. Em 1156, a Áustria tornou-se um ducado e a partir deste momento os Babenberg se estabelecem como duques hereditários. A Construção das primeiras muralhas da cidade se deram por volta do ano 1200, devido ao ganho da prata com a captura do oponente inglês Rei Ricardo I. Posteriormente, Viena viria a receber direitos de Cidade e de Stapelrecht, isto significava que agora todos os mercadores que passavam por ela deveriam oferecer suas mercadorias aos habitantes, proporcionando assim que Viena se tornasse mediadora do comércio. Viena se figurava como um importante centro de trocas principalmente pelo contato com o rio Danúbio, auxiliando na manutenção de importantes relações comerciais com cidades influentes como, por exemplo, Veneza. Em 1278, com a tomada do controle das terras austríacas por Rodolfo I, começa-se a estabelecer o domínio da casa de Hasburgo (em alemão: Haus von Habsburg) na região, também conhecida por Casa da Áustria. Com declínio econômico e dificuldades sociais das outras cidades austríacas, Viena tornou-se a capital do Sacro Império Romano-Germânico. Posteriormente, em 1365, Rodolfo IV funda a Universidade de Viena. Neste período, inicia-se uma reforma na Igreja de Santo Estevão (Stephansdom),


Figura 1_Pintura de Visão panorâmica de Viena depois que as muralhas da cidade foram reconstruídas em 1548. No meio é possível observar a Catedral de São Estevão.

Figuras 2 e 3_Catedral de Stephansdom, inicialmente de arquitetura românica. Em 1359,recebe sua nave gótica da nave gótica, com seus dois corredores. Após 1511, a construção em estilo gótico cessou. Inacabada, uma de suas torres foi tampada com uma torre renascentista improvisada em 1579.da cidade foram reconstruídas em 1548. No meio é possível observar a Catedral de São Estevão.

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viena localizada na região central da cidade. Em sua origem, o edifício é marcado por suas características românicas, mas Rudolph IV inicia a construção de sua nave ao estilo gótico. O prédio eclesiástico tornou-se o mais importante da capital austríaca e, em 1469, a cidade consegue seu próprio bispo, convertendo o Stephansdom em catedral vienense. Nesta época é possível observar uma colonização mais intensa na região fora dos muros, intensificando assim, a instalação dos primeiros subúrbios. Em 1529, Viena, pela primeira vez, foi sitiada pelos turcos, sem sucesso. A fronteira entre os Habsburgos, o Império Otomano e parte da Hungria durou quase duzentos anos, e tinha uma extensão de apenas cerca de 150 quilômetros a leste da cidade, deixando seu desenvolvimento bastante restrito. No entanto, Viena possuía modernas fortificações que compunham a maior parte do trabalho no setor da construção civil até o século XVII. Por mais que as muralhas protegessem a região central, as regiões externas a elas não saíram imunes às invasões turcas. Novos subúrbios foram construídos de modo juridicamente legal ao longo do período, entretanto, em 1683, com o segundo cerco turco, novamente foram afetados. Logo em 1704 foi construído o “cinturão de Linienwall” que era uma linha de defesa contra as invasões, constituída por um muro de terra armada e trincheiras que cercavam os subúrbios conhecidos como Vorstädte. O século XVIII foi caracterizado por um curso de reconstruções. A reestruturação de Viena teve uma significativa influência barroca, conhecida como gloriosa Viena, onde muitos palácios foram construídos neste estilo. Importantes destaques da arquitetura do período foram Johann Bernhard Fischer von Erlach e Johann Lukas von Hildebrandt. A maior parte das construções se deu nos subúrbios (Vorstädte), já que a nobreza começou a cobrir as ter-


Figura 4_Projeto do Liechtenstein Garden Palace por Johann Bernhard Fischer von Erlach, 1687/1688

Figura 5_Johann Bernhard Fischer von Erlach (1656-1723) foi um dos mais influentes arquitetos austríacos do período barroco, onde se via claramente a grande ambição da emergente Monarquia de Habsburgo

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viena

Figura 6_Em destaque, percuso da fortificação de Linienwall, 1790.


ras próximas de suas propriedades com grandes jardins. Após as grandes epidemias de peste em 1679 e 1713, a população volta a crescer de forma constante. No final do século, as primeiras fábricas começam a ser construídas, primeiramente em Leopoldstadt. Problemas de higiene tornaram-se comuns e se alastraram pela cidade. O governo passa a aplicar medidas sanitárias como criação de sistemas de esgoto e higienização urbana. Em 1806, o Sacro Império Romano foi extinto e Viena tornou-se sede do proclamado Império Austríaco. Após o fim das Guerras Napoleônicas, com a instauração do Congresso de Viena, o mapa político da Europa foi redesenhado.

AS REFORMAS URBANAS DO SÉCULO XIX: RINGSTRASSE Ainda no século XIX, a cidade de Viena era configurada por um centro de origem medieval cercado por fortificações com um grande vazio em seu entorno. Além desse núcleo a cidade se prolongou em direção aos subúrbios que ficaram isolados do centro histórico-militar pelas muralhas. Essa grande extensão de terra no centro de Viena foi uma conseqüência do atraso histórico, uma vez que a cidade manteve suas fortificações medievais mesmo depois que as outras cidades europeias já haviam abolido as suas muralhas. Na segunda metade do século XIX, após a Revolução de 1848 (conhecida como Primavera dos Povos), com a chegada dos liberais ao poder, a cidade passa por uma fase de desenvolvimento econômico que leva ao aumento da

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viena população pelas migrações. Viena torna-se centro da vida econômica e cultural da Áustria, o que gera a necessidade de se efetuar reformas na estrutura urbana da cidade. De caráter sanitarista e higienista as primeiras intervenções têm como foco a canalização do rio Danúbio, com o objetivo de conter as inundações; a criação de um sistema eficiente de fornecimento de água; um sistema sanitário público; e a construção de um primeiro hospital comunitário. O cinturão de espaços não construídos ao redor do núcleo de Viena foi o centro da cirurgia urbana realizada pela burguesia vienense. Em uma competição internacional, 85 arquitetos apresentaram propostas. No entanto, nenhum dos projetos foram implementados diretamente. Em vez disso, a Comissão utilizou as melhores propostas para a elaboração do plano. A reforma privilegiava as classes sociais mais abastadas e foi criticada por não se preocupar em melhorar as condições de vida da população nas áreas periféricas da cidade. Os militares vienenses se opunham à reforma com uma justificativa baseada em uma perda de segurança. A faixa não edificada no entorno da muralha isolava a cidade antiga, onde residia a aristocracia, dos assentamentos periféricos, onde morava a população de menor renda, afirmando desta forma, que a medida do isolamento protegeria qualquer avanço revolucionário

Figura 7_Mapa de Viena na primeira metade do século XIX


popular ou manifestação. A necessidade de desenvolvimento econômico, porém, tomou maior importância do que o medo de uma revolta. O isolamento agora não era mais militar e sim sociológico. Em 1857 foi organizada uma comissão para expansão da cidade, que procurava regulamentar o planejamento urbano da Ringstrasse. Nos primeiros anos de reforma a distribuição do espaço e as construções monumentais revelavam ideais neo-absolutistas. Os antigos subúrbios do entorno da muralha foram divididos em distritos numerados de 2 a 8 e a região central, antigo centro amuralhado, tornou-se o distrito número 1. As reformas da década de 1860 também ficaram conhecidas como reformas de embelezamento da imagem de cidade. A primeira construção na Ringstrasse foi a catedral de Votivkirche (1858 a 1879), simbolizando o poder da Igreja junto ao Estado. A via principal que circunda o núcleo central foi construída em escala monumental para dificultar a construção de barricadas, porém, não se passam carros neste local.

Figura 8_Mapa de Viena na segunda metade do século XIX.

Cerca de uma década depois do decreto para reforma da Ringstrasse o regime passa de neo-absolutista a uma monarquia constitucional. Assim, o exército perde seu poder junto ao Estado e o programa da Ringstrasse passa a contemplar uma série de edifícios públicos, construídos em esti-

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viena los diferentes de acordo com suas funções: Rathos (edifício da administração municipal) em gótico, Burgtheater (teatro) barroco, a Universidade em estilo renascentista e o Reichsrat (parlamento) em grego clássico. Enquanto na cidade antiga as principais construções eram palácios e igrejas, a Ringstrasse contempla edifícios que demonstram o poder do governo constitucional. A monumentalidade não mais é aristocrática, mas sim popular.

Figura 10_Foto da Rathauplatz, onde aparecem o Parlamento, a Rathaus, a Universidade e o Burgthater.

Camillo Sitte, arquiteto e urbanista vienense, tinha fascínio pela cidade medieval, por como as pessoas se relacionavam, seus bairros e a relação que cidade estabelecia com as pessoas. Na sua visão, esta relação foi perdida na cidade industrial, supondo que a dimensão da cidade não comportava os hábitos de convivência. Sitte (1843-1903) foi diretor da Escola Imperial e Real de Artes, estudou arqueologia medieval e renascentista e era filho de arquiteto. Foi pioneiro do urbanismo culturalista, ponto de vista da qualidade de vida no desenho da cidade, tendo escrito um livro no final do século XIX onde criticava a cidade industrial e o urbanismo que estava sendo implantado por Haussmann. Para Sitte, A Ringstrasse de Viena “encarnava os piores traços de um racionalismo utilitário desumano”. Afirmava que idéia de fazer intervenções nos moldes de Haussmann proporcionaria uma perda na qualidade de vida dos moradores de Viena. Sitte escreve um livro como protesto, posicionando-se contra a demolição dos antigos núcleos medievais e dos espaços simbólicos, opondo-se contra os espaços diferenciados e sendo repulsivo ao industrialismo. Sitte examina a estrutura das cidades medievais salientando a informalidade e irregularidade no desenho dos edifícios e no seu agrupamento, buscando recuperar o sistema orgânico no planejamento urbano, em oposição a elementos da cidade industrial. Além disto, Camillo - como os


Figura 11_Catedral de Votivkirche - primeiro edifĂ­cio da ringstrasse

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viena Figura 12_Teatro Burgtheater, neoclássico.

Figura 13_Parlamento Austríaco, buscando uma referencia do grego clássico enfatiza a com a arquitetura o conceito de democracia


Figura 14_Museu de Histรณria Natural de Viena, projetado no estilo renascentista enfatizando o saber, a cultura do conhecimento.

Figura 15_Rathus, sede da prefeitura e do conselho municipal, projetado no estilo dgรณtico.

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viena Figura 16_Em destaque as áreas verdes e algumas edificações importantes da ringstrasse.

Figura 17_Mapa que evidencia a relação de areas verdes e edificações no primeiro distrito.


românticos das gerações anteriores - contrapõe o passado ao presente, mas agora, substitui a contestação global da cidade moderna, deduzida por via teórica, por uma análise motivada dos inconvenientes singulares, e chega a propor alguns conceitos práticos, a fim de restabelecer na cidade moderna ao menos uma parte dos valores que são admirados na cidade antiga. Desperta o interesse pelos ambientes das cidades antigas, não mais pelos monumentos isolados e também com suas sugestões formais simplificadas, propôs aos arquitetos uma pesquisa que os teria necessariamente levado aos problemas fundamentais da urbanística moderna.

o primeiro pavimento possuia espaços mais nobres e o segundo pavimento em diante tinham menor qualidade espacial. Essa estratificação era evidenciada também no tratamento da fachada. Como área residencial para a elite burguesa a Ringstrasse foi um sucesso. Os edifícios de apartamentos foram grandes investimentos que procuravam combinar o prestígio de morar num palacete com o lucro. A tendência liberal levou a uma aproximação entre burguesia e aristocracia. Pode-se notar que a crítica de Camillo Sitte no planejamento urbano dessa nova área, realmente se reafirma. As classes mais baixas foram sistematicamente excluídas da nova estrutura urbana, reafirmando o sistema periférico com moradias de estruturas precárias e insalubridade.

A maior parte das construções na Ringstrasse é a de edifícios residenciais. A demanda por habitação levou à especulação imobiliária. O controle do governo sobre as novas edificações se restringia à altura, alinhamento e em alguns casos ao parcelamento do solo. O restante era determinado pelo mercado, ou seja, pelos interesses da classe mais detentoras do capital. As construções características na Ringstrasse foram os edifícios de apartamentos, com 4 a 6 andares e com poucos apartamentos destinados a burguesia. Nas regiões periféricas da Ringstrasse a quantidade de unidades era maior para abrigar a população operária. As construções eram divididas e ocupadas de acordo com o poder aquisitivo dos moradores. O térreo era geralmente destinado ao comércio,

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MOV. ARTÍSTICOS


mov.artísticos A sociedade artística de Viena era muito tradicionalista até o século XIX, e muitos artistas foram bastante relutantes diante das novas correntes artísticas modernistas que estavam em crescimento à oeste da Europa, e principalmente na França, com os artistas Cézanne e Van Gogh. Essa postura tradicionalista clássica fica muito evidente com a construção da Ringstrasse em 1865, que é a avenida cultural de Viena. Ela foi construída no lugar das antigas muralhas da cidade que foram derrubadas por conta do grande aumento populacional, possibilitando assim, o crescimento da cidade. Os prédios construídos no percurso da Ringstrasse são um grande reflexo dos pensamentos das classes dominantes da época. De um lado, a família imperial de Habsburgo aproveitou a oportunidade para construir uma grande vitrine que simbolizava a sua autoridade política, por exemplo, o Burgtheater (Teatro Nacional Autríaco), o Naturhistorisches (Museu Natural) e o Kunsthistorisches Museum (Museu de História da Arte de Viena) que simbolizavam a monarquia como uma liderança cultural, além do prédio Neue Hofburg (Novo Castelo) que representa o poder político dos Habsburgo. Do outro lado, temos a nova burguesia rica que também aproveita essa oportunidade para afirmar o poder do comércio com seus edifícios: o Parlamento, a Bolsa de Valores e o Musik-

verein (Clube da Música). O grande fator em comum de todos os prédios é o tradicionalismo clássico. A Ringstrasse poderia representar um grande eixo de modernização da cidade de Viena, em oposição a toda estrutura de uma cidade murada e medieval, porém, os artistas da época ignoraram todas as novas correntes modernistas em favor de uma estagnação cultural com a reciclagem dos estilos clássicos. A construção aos moldes do classicismo foi incentivada e coordenada por grupos artísticos da época: a Akademie de Bilben de Kunsie (Academia de artes plásticas) e o Künstlerhaus. O grupo Künstlerhaus, criado em 1861, era muito influente no meio artístico e político da época. O prédio de exposições do grupo foi o construído em 1865, na Ringstrasse, e foi projetado de acordo com influências do renascentismo italiano. Seu objetivo era exibir os trabalhos dos artistas do grupo e as obras acadêmicas que iam de acordo com a mesma linha artística. Deste modo, obras modernistas e impressionistas eram totalmente negadas neste espaço. Um dos artistas mais reconhecidos do grupo era Gustav Klimt, que foi amplamente aclamado por seus painéis decorativos no Burgtheatre em 1887. Seu trabalho rendeu até mesmo um prêmio do Imperador em 1890. Diante a exclusão dos novos estilos, alguns artistas que estavam mais abertos à novidade modernista começaram a se reunir paralelamente em cafés. Dois pequenos grupos foram criados. O primeiro, nomeado Hangengesalleschaft ou Hagendbund, encontrava-se frequentemente no Café Zum Blauen Freihaus e aproximavam-se mais da a corrente naturalista. Seus principais participantes eram Adolf Bohm, Josef Engelhart, Alfred Roller, Friedrich Konig e Ernest Stohr. Já o segundo grupo, Siebener Club (Clube dos


Figura 18_Paralamento .

Figura 19_Neue Hofburg (Novo Castelo).

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mov.artísticos

Figura 20_ Burgtheater (Teatro Nacional Austríaco)

Figura 21_ Musikverein (Clube da Música)


Sete), reunia-se no Café Sperl e contava com Koloman Moser, Max Kurzweil, Leo Kainradl, Josef Hoffman, Josef Olbrich e futuramente Gustav Klimt. Este último grupo fazia uso de uma técnica de estilização em suas obras. Apesar de cada grupo seguir uma corrente diferente, ambos tinham o interesse comum no compromisso com a nova arte e suas mudanças. Além disso, compartilhavam da frustração em relação a estagnação das artes da Academia e do grupo Künstlerhaus. O primeiro grande conflito que caminhou para o futuro desmembramento da Künstlerhaus foi em novembro de 1896, quando o arqui-conservador Eugeew Felix foi reeleito presidente do grupo. Neste evento, muitos artistas manifestaram sua insatisfação em relação a rejeição do estilo modernista nas antecedentes exposições. Deste modo, Klimt assume a liderança do movimento, já que era um dos artistas mais influente da época e estava no auge de sua carreira, e, no dia 3 de abril de 1897, os integrantes do grupo Künstlerhaus recebem uma carta oficial que anuncia a formação de um novo grupo: a Secessão.

Figura 22 _ Naturhistorisches (Museu Natural) e o Kunsthistorisches Museum (Museu de História da Arte de Viena)

Figura 23 _ Künstlerhaus

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mov.artĂ­sticos Figura 24_ Janeiro de 1898, Alfred Roller.

Figura 25_ Fevereiro 1898, Koloman Moser.

Figura 26_ Abril de 1898, Rotenfeld.

Figura 27_Agosto de 1898


Figura 28_Outubro de 1989

Figura 29_Setembro de 1989

Figura 30_ 1899, Koloman Moser

Figura 31_Novembro de 1989, Alphonse Mucha

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mov.artísticos SECESSÃO O novo grupo era formado por Gustav Klimt (presidente), Rudolf Von Alt (presidente honorário) e outros 40 artistas, sendo que 23 deles faziam parte do Künstlerhaus. A princípio esses 23 personagens não tinham a intenção de desmembrar o grupo anterior, mas fazer parte dos dois grupos simultaneamente. Porém, no dia 22 de maio de 1897, o conselho de administração do grupo tradicional emitiu uma moção de censura contra o novo grupo liderado por Klimt e assim, durante os próximos dois anos, os artistas que faziam parte dos dois grupos enviaram suas cartas de renúncia ao grupo tradicionalista, até a divisão completa no dia 11 de outubro de 1899.

Figura 32_Primeiro pôster da Secession. Gustav Klimt.

O estatuto do novo grupo e seus objetivos foram publicados amplamente na primeira edição de revista Ver Sacrum, em 1898. A revista oficial do movimento da Secession foi considerada pioneira nas novas técnicas de design gráfico com o uso de sistema de grade modular e tipografia personalizada. O seu formato quadrado foi usado como referência ao design gráfico holandês da década de 1920. Desde suas primeiras publicações a revista Ver Sacrum manteve espaço aberto para diversas modalidades artísticas, reafirmando a pluralidade artística que era o principal objetivo da Secessão. A Secessão Vienense tinha uma ideologia totalmente diferente do antigo grupo, principalmente por acolher novas corren-


tes artísticas modernistas, cujas ideias, finalmente, conquistavam seu espaço no campo das artes. Porém, mesmo tendo como princípio uma maior abertura às novidades artísticas, o grupo vienense rejeitava as técnicas do séc XIX e priorizavam o trabalho artesanal em detrimento de uma produção industrializada. Este fato decorreu do discurso amedontrado de que a sociedade industrial promovia uma decadência moral causada pela automação e banalização dos ornamentos.

Figura 33_Colar feito pelo William Ashbee.

Desta forma, mesmo negando a crescente industrialização, o classicismo - que os reprimiu no antigo movimento - não fora rejeitado. Klimt usou bastante os símbolos clássicos para lutar contra o historicismo e a repressão da natureza instintiva do homem. No primeiro pôster da Secession, por exemplo, Gustav utiliza a imagem do mito de Teseu que mata o Minotauro com o fim de libertar a juventude de Atenas, para se apresentar desta forma como libertador das artes e supervisor da cultura herdada pela nova geração de artistas. Em outro trabalho para a revista Ver Sacrum, Klimt produziu a obra “Nuda Veritas”, cujo desenho reflete Atenas portando um espelho vazio para o homem moderno, podendo ser interpretado como um convite à introspecção.

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mov.artĂ­sticos

Figura 34_ Charles Reniee Mackintosh


Nos dois casos percebe-se que o artista usa a mitologia grega para fazer a ponte entre o passado e o presente, e assim, conseguir reconciliar as artes. Apesar do movimento ser constantemente resumido ao art nouveau pelo grande uso de linhas curvilíneas, a Secession se inscreve também em um próprio estilo denominado “Secession-stil”, cujo trabalho se desenvolve na simetria, na repetição, e na utilização da grade/xadrez. Para além da importância do art nouveau, o arts and crafts e arte decorativa japonesa assinalam de mesmo modo suas influências sobre o movimento. Os artistas do movimento arts and crafts que mais influenciaram a Secession foram o inglês William Ashbee e o escocês Charles Reniee Mackintosh. No final do século XVIII a arte decorativa japonesa foi muito difundida na Europa até chegar na Áustria onde foi muito apreciada. Em 1873, no Vienna International Exposition, foram expostas várias pinturas, objetos e tecidos da arte japonesa. O prestígio da arte nipônica fez com que seus elementos representativos fossem rapidamente incorporados à nova arte vienense, justamente por ser uma arte decorativa e artesanal - que neste momento era mais valorizada em relação a máquina. As contribuições da arte japonesa foram a incorporação do uso de xilogravuras, o uso de mais materiais naturais e a preocupa-

ção com o equilíbrio do espaço negativo e positivo. Posteriormente, os laços da arte japonesa com o movimento de Secessão se mostraram tão fortes que em 1903 foi organizado uma exposição em homenagem a essas positivas interferências. Klimt, em particular, se interessou mais pelos padrões têxteis da arte japonesa e mesclou isso com seus estudos sobre os mosaicos bizantinos. O artista valorizava superfícies planas, cores fortes, superfícies estampadas e contornos lineares.

EDIFÍCIO DE EXPOSIÇÕES Desde do início da formação do secessionistas, o grande objetivo era ter seu próprio edifício para exposições. Até a construção desse edifício, o grupo foi obrigado a alugar o edifício da Sociedade Horticultural inúmeras vezes. Felizmente, a primeira exposição em Março de 1898 fez um grande sucesso financeiro, atraindo mais de 57 mil visitantes, incluindo o próprio imperador Franz Josef. Deste modo, puderam arrecadar dinheiro suficiente para financiar a construção do edifício particular. O edifício foi construído próximo a praça Karsplatz em frente à Academia de Belas Artes e perto da Ringstrasse, uma localização simbólica e controversa. O arquiteto do prédio, membro da Secessão e aluno de Otto Wagner, era Josef Olbrich. Como aluno de Wagner ele foi capaz de aprender bastante sobre a ornamentação do art nouveau. Seus primeiros esboços do projeto refletem uma forte influência de seu mestre. Todavia, ao longo do proces-

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mov.artísticos so, e ao reprojetá-lo inúmeras vezes, o estilo art nouveau dá espaço a formas mais geométricas e mais básicas, representando inclusive um declínio do uso deste estilo e o aparecimento das novas influências da Bauhaus. Independentemente disso, nota-se também o uso de símbolos clássicos na fachada do edifício, como as cabeças de Medusa (simbolicamente, guardiã das artes). Ainda na elevação encontramos dois escritos. Um é Ver Sacrum - nome da revista do movimento que significa “fonte sagrada” em latim. O outro escrito é um lema: “Para cada idade a sua arte, a cada arte a sua liberdade”, que vai de encontro com o pensamento do grupo artístico. Figura 35_Planta do prédio da Secession

Internamente, o prédio pode ser visto como um dos precursores da arquitetura funcional. Olbrich projetou a planta do prédio pensando nas dificuldades espaciais que havia no edifício da Sociedade Horticultural. Deste modo, ao conceber o prédio, o arquiteto anuncia sua versatilidade espacial com o intuito de possibilitar a exibição de diversas disciplinas da arte simultaneamente. Para isso, Olbrich incorpora divisórias móveis que poderiam configurar um layout personalizado para cada exposição. Houve também a preocupação de deixar algumas pinturas penduradas na altura do olhar e em espaços mais amplos para que se emparelhassem às esculturas que estavam sendo exibidas na mesma mostra.

ROMPIMENTO Conforme o presidente do grupo foi mudando nos primeiros anos, novas divergências foram crescendo. De um lado estava “o grupo do Klimt” que gostaria de incluir as artes aplicadas (design e arquitetura) ao programa e às exposições secessionistas. Contrários a isso, estavam os mem-


bros do “puro pintor” com a liderança de Engelhardt que acreditavam que as artes aplicadas não possuíam a mesma qualidade artística da pintura de cavalete. O ponto de ruptura foi na primavera de 1905, quando a proeminente Galeria Miethke, de Viena, procurou Carl Moll (membro da Secession) para executar uma saída comercial ao grupo. Essa proposta, contudo, gerou um conflito imenso dentro da Secessão, pois Klimt considerava muito prejudicial a comercialização do movimento. Nesta divergência de ideologias é promovida uma votação para decidir os rumos do movimento. Klimt perde por um voto e seu apoiadores renunciam a participação no grupo, deixando o edifício, seu maior patrimônio, para trás. Com a evasão de artistas o movimento perde 16 membros do total de 64.

Figura 36_Foto do prédio de exposições da Secessão

O movimento de Secessão continua pelo menos por mais 13 anos, mas depois dessa ruptura as exposições não contavam mais com a produção artística de Klimt, Olbrich, Josef Hoffman e Koloman Moser que atuaram durante os 8 primeiros anos do movimento. WIENER WERKSTÄTTE Mesmo antes do ponto de ruptura, em 1903, Hoffman, Moser e o industrial Fritz Waerndorfer já estavam se organizando

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mov.artísticos em outro movimento chamado Wiener Werkstätte. Notoriamente, o objetivo deste último era de que todas as áreas da vida humana poderiam se unir com a criatividade. A Gesamtkunstwerk significava exatamente isso: união de todos as esferas artísticas que conectava música, pintura, arquitetura, danças e poesia. O Wiener Werkstätte produziu vários objetos artísticos como jóias, móveis, tecidos e cerâmica. Seus produtos foram internacionalizados e fizeram muito sucesso em Berlim e em Nova Iorque - onde tiveram um escritório na Quinta Avenida. O movimento contava também com uma dúzia de mulheres que fizeram parte do papel decisivo para a mudança de estilo do art nouveau para o art deco nos anos 1920’s. Vally Wieselthier foi uma das mulheres do grupo que conseguiu sua própria oficina de cerâmica (1922-1927). Outras mulheres importantes para o movimento foram a Reni (Irene) Schaschl, a Hilda Jesser e a Susi Singer.

Figura 37 _Cartaz do movimento Wiener Werkstaette anunciando o escritório da Quinta Avenida em Nova Iorque.


Figura 38_Poltrona feita pelo Hoffman Sitzmaschine

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mov.artĂ­sticos Figura 39_ ArmĂĄrio feito pelo Koloman Moser


Figura 40_Objeto feio pela Hilda Jesser

Figura 41_A woman’s head, por Vally Wieselthier

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BIOGRAFIA


biografia VIDA E OBRA DE MARGARETE SCHÜTTE-LIHOTZKY Margarete Schütte-Lihotzky foi uma mulher do movimento moderno na arquitetura, nascida na Aústria em 1897. Estudou arquitetura de 1915 a 1919 na Kunstgewerbeschule (Escola de Artes Industriais) em Viena sob a orientação de Oskar Strnad, um pioneiro do design de habitação social. Ela foi a primeira aluna do sexo feminino a entrar para esta universidade e só o conseguiu por obter uma carta de recomendação do artista Gustav Klimt, que nesta época lidarava o movimento da Secessão Vienense. Após a sua formação, em 1921, começou a trabalhar no departamento municipal de habitação da Comuna de Viena ao lado de Adolf Loos. Em janeiro de 1926, foi chamada à Frankfurt para se juntar à equipe de Ernst May no departamento de construção municipal (Hochbauamt) implementando o abrangente programa de renovação e habitação social conhecido sob o título genérico Das neue Frankfurt. Seu trabalho mais lembrado foi a cozinha de Frankfurt, uma cozinha integrada, feita de materiais pré-fabricados e projetada racionalmente dentro princípio de economia de trabalho. Ela foi instalada em cerca de 10.000 novas casas, já que fazia parte de uma projeto de habitação mínima desenvolvido em 1926, no pós-guerra, com o intuito de erradicar o problema da moradia gerado pelo conflito. A cozinha de Frankfurt ecoa muitas das ideias implementadas por Benita Otte, uma designer da Bauhaus, Le Corbusier, que pensava a casa para ser uma máquina de morar, e também Frederick Taylor da gestão científica. Suas principais inspirações eram os carros de refeições em trens, um modelo de uso eficiente no espaço mínimo. Cada uma dessas 10.000 cozinhas incluia um banquinho giratório, um fogão a gás, armários embutidos, uma tábua de passar dobrável, uma luz de teto ajustável e uma gaveta de lixo removível. Caixas de alumínio identificadas organizam alimentos como açúcar e arroz e facilitam o seu despejo. Foi dada atenção especial aos materiais com funções específicas, como os recipientes de madeira de carvalho que


Figura 42_Margarete SchĂźtte-Lihotzky

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biografia guardam a farinha (evitando as pragas) e as superfícies de corte de madeira de faia (resistindo a manchas e marcas de faca). Além das cozinhas, Schütte-Lihotzky também estava envolvida na concepção de escolas, creches e acomodações para estudantes como parte do mais amplo programa de desenvolvimento cívico da cidade. Em outubro de 1930, ela e seu marido Wilhelm Schütte, arquiteto e colega de departamento, juntaram-se a Ernst May e embarcaram para a União Soviética para trabalhar em novas cidades industriais como parte do primeiro plano de cinco anos de Stalin (1928-32), que incluiu a construção da cidade de Magnitogorsk, situada nos Montes Urais do Sul, que previa um acampamento para cerca de 20.000 habitantes trabalhando na indústria do aço. De acordo com os planos originais, a cidade seguiria o design das cidades lineares, com fileiras de superblocos correndo paralelos à fábrica e uma faixa de vegetação separando-os.

Figura 43_ Planta e perspectiva da cozinha de Frankfurt.

Ernst May deixou a União Soviética em 1933, mas Schütte-Lihotzky permaneceu lá até 1937, quando o expurgo de Stalin tornou a vida intolerável para os estrangeiros. Após um breve período em Paris e em Londres, mudou-se para Istambul em agosto de 1938 para ensinar na academia das belas artes ao lado de Bruno Taut. Em Istambul, ela desenvolveu seu interesse no desenho de escolas e creches e foi membro da resistência anti-fascista. Em 1940, ela se juntou ao Partido Comunista Austríaco no exílio, e em dezembro retornou à Áustria para trabalhar com a resistência. Logo após sua chegada, em 22 de janeiro de 1941, a Gestapo prendeu-a e, embora seus cúmplices foram executados, ela foi sentenciada a 15 anos de prisão. Liberada pelas tropas americanas no final de abril de 1945, retomou sua carreira como arquiteta, primeiro em Sofia, na Bulgária, e desde 1947 na Áustria. Os seus princípios políticos - que


tinham se endurecido devido às suas experiências de guerra - constituíam um obstáculo na recepção de grandes comissões governamentais ou cívicas, mas continuou a trabalhar em projetos de pequena escala e viajou regularmente para países do bloco comunista onde estava engajada como consultora. Como os estudiosos redescobriram suas realizações, sua reputação começou a crescer. Em 1980 conquistou o Prêmio de Arquitetura da cidade de Viena, a primeira de muitas prêmiações. Em 1985, publicou “Erinnerungen aus dem Widerstand”(Memórias da Resistência), uma memória de suas atividades políticas. Em 1990, ela aconselhou o Museum Für Angewandte Kunst em Viena sobre a criação de duas réplicas da cozinha de Frankfurt, uma das quais ficou exposta permanentemente. Margarete Schütte-Lihotzky morreu em 18 de Janeiro de 2000, aos 103 anos de idade.

Figura 44_Vista da cidade de Magnitogorsk. Em primeiro plano à esquerda o jardim de infância projetado por Margarete Schütte-Lihotzky, c. 1932.

Projetos realizados por Margarete Schütte-Lihotzky:

Assentamento Éden, Viena (1921-1922) Winarsky-Hof e Otto-Haas-Hof (Viena; 1924-1925; juntamente com outros arquitetos) Cozinha para assentamentos Bruchfeldstraße, Praunheim e Ginnheim, Frankfurt (1926) Supervisão da construção da casa painel do departamento de construção Frankfurt (1927) Duas casas para Werkbundsiedlung (Viena, 1930-1932)

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biografia

Figura 45_Unidade Habitacional PadrĂŁo para um assentamento socialista na URSS, projetado por Margarete SchĂźtte-Lihotzky & Wilhelm Schutte 1934-1936


Kids club para 340 crianças, Magnitogorsk / Ural 1932 Creche para 100 crianças, Briansk / Ucrânia de 1932 Escola para 590 alunos, Makeevka / URSS, 1934 Diretrizes para a construção de jardins de infância, China (1934) Kinderpräventorien, Paris, 1937 Torre Bridgehead Karakoy, Ankara de 1938 Expansão Lyceum, Ankara de 1938 Casa Dr. Kemal Ozan, Istambul de 1939 Casa Nusret Evcen, Istambul, 1940 Cadde Bostani, Istambul, 1940 Casa Lufti Tozan, Istambul, 1940 Planejamento de vários infantários, Sofia (1946) Edifício Globus Druckerei und Verlag (Viena, 1953-1956; junto a outros arquitetos) Kindergarten Rinnböckstraße (Viena, 19611963)

Figura 46_Jardim de infância, Magnitogorsk, 1932

Escritos próprios:

Erinnerungen aus dem Widerstand (Memórias da Resistência 1938-1945, Hamburgo 1985) Warum ich architektin wurde (Porque eu me tornei uma arquiteta)

Figura 47_Unidade Habitacional Padrão para um assentamento socialista na URSS, 1934-1936

Prêmios Recebidos:

1917 Prêmio Max Mauthner 1919 Prêmio Lobmayr 1922 Medalha de Bronze da Cidade de Viena 1923 Medalha de Prata da Cidade de Viena 1947-1948 Membro do Conselho da “Federação de perseguição política” (KZ-Verband) 1948 Co-fundadora, presidente até 1969, no “Bound Women Democracy” (BDF)

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biografia

Figura 48_Jardim de infância, 1932. Kapaunpl. 10, 1200 Viena.

Figura 49_Jardim de infância, 1932. Kapaunpl. 10, 1200 Viena.


Figura 50_Jardim de infância, 1932. Kapaunpl. 10, 1200 Viena.

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biografia

Figura 51_Casa Dr. Kemal Özan, Istambul, 1939 Retiradas: https:// kg.ikb.kit.edu/ arch-exil/463.php

Figura 52_Figura 7 Expansão Lyceum, Ankara, 1938 (modelo)


1977 Medalha de Joliot-Curie do Movimento pela Paz Mundial 1985 Medalha de Prechtl, da Universidade de Tecnologia de Viena 1987 Medalha de Honra por Serviços para a libertação da Áustria 1988 Medalha Austríaca para a Ciência e Arte Além de muitos doutorados honorários em casa e no exterior.

WARUM ICH ARCHITEKTIN WURDE Em seu livro “Warum ich architektin wurde “ (Por que eu me tornei uma Arquiteta), Margarete faz relatos de sua vida e de sua trajetória profissional. Grete, como era conhecida, conta como foi apresentada a Ernest May em 1922 e como decorram suas mútuas jornadas a partir deste encontro. Após o telefone tocar no escritório da associação de construções de habitação onde Margarete trabalhava, Hans Kampffmeyer, chefe do departamento que tinha grande admiração pelo movimento “garden city”, anunciava que Ernst May, de Breslau, queria conhecer os assentamentos de Viena. Ernst May (1886-1970) foi um arquiteto e planejador da cidade modernista, de esquerda, também inspirado pelo movimento das cidades jardins inglesas, e tinha vasta experiência na elaboração de projetos habitacionais de massa. Como Adolf Loos,

outro grande arquitecto austríaco, designer e arquiteto-chefe do departamento de habitação municipal de Viena, não podia recebê-lo por falta de tempo, Margarete assume a tarefa e o leva para seu estúdio particular - onde estavam seus desenhos sobre racionalização do trabalho doméstico e uma enorme pilha de textos teóricos. May impressiona-se com a clareza funcional dos desenhos de Schutte-Lihotzky e imediatamente a convida para escrever um artigo para a revista Das Schlesische Heim. Mais tarde Ernst se junta a equipe em Frankfurt em 1925, revelando que os assentamentos vienenses estavam intimamente ligados a economia e a mão-de-obra no lar, e nos próximos cinco anos o grupo de arquitetos implementa um dos programas habitacionais mais radicais e bem-sucedidos do período. Participavam do departamento de May: Margarete Schütte-Lihotzky, Wolfgang Bangert, Herbert Boehm, Anton Brenner, Max Cetto, Martin Elsässer, Max Frühauf, Eugen Kauffman, Walter Korte, Ferdinand Kramer, Hans Leistikow, Albert Rudolph Lodders, Adolf Meyer, CH Rudloff, Werner Hebebrand, Wilhelm Schütte (marido de Margaret), Walter Schultz, Walter Scheidt, Karl Weber, e brevemente, Mart Stam. Em 1930, sua equipe parte para a URSS, com a chamada “May’s Brigade”, onde voltaram-se ao planejamento de novas cidades industriais na região de Moscou. Margarete também conta em seu livro como foi sobre sua primeira relação com Ernst May: “A primeira coisa que chamou minha atenção em seu escritório foram as grandes letras vermelhas na parede atrás de sua mesa. Lá estava: “Keep It Short.” Eu estava atordoada. Mas em um instante, May - uma figura magra com vivos traços romanos - correu em minha direção e apertou minha mão ca-

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biografia lorosamente. Ele imediatamente me convidou para uma refeição em sua casa no domingo seguinte, um gesto que me pareceu a antítese completa da frase exposta em sua parede. No domingo, perguntei à Sra. May o que eu deveria entender sobre o escrito. Ambas concordamos que deu a impressão errada. Mas May defendeu vigorosamente o seu “Keep It Short”, e as grandes letras vermelhas ficaram em sua parede até que deixamos Frankfurt juntos quase cinco anos depois.”

A COZINHA DE FRANKFURT Acerca da tão emblemática Frankfurt Kitchen, Margarete revela seus objetivos junto aos arquitetos modernistas e como se deu sua relação com este projeto depois de seu sucesso. A principal tarefa que estes arquitetos enfrentavam neste período era a construção de moradias. Logo no início deste trabalho em conjunto, May sugere a Margarete que se concentre na padronização das plantas baixas tendo em mente a racionalização do trabalho doméstico, apresentando-a a Eugen Kaufmann, líder da seção tipológica, a qual todos os projetos de moradia da cidade eram embasados. Como os arquitetos defendiam a ideia de que o trabalho doméstico fosse mínimo, antes de tomar qualquer decisão sobre as questões básicas de onde morar, onde comer ou onde cozinhar, o projeto se concentrou no questionamento da “living kitchen ”, uma espécie de cozinha de estar, discutindo se a cozinha era um espaço de refeição ou de trabalho. Para os arquitetos, a “cozinha de estar” estava ultrapassada, pois já não se usava mais os mesmos combustíveis para a convivência no espaço da sala e para o preparo dos alimentos, visto que toda habitação em Frankfurt – das mais singelas aos grandes blocos de apartamentos – eram abastecidas pelo gás de cozinha,


Figura 53_ MoMA | The Collection | Herbert Bayer. “Schlesisches Heim,” issue 1/2, 8th year. 1927.

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biografia Figura 54_Cozinha de Frankfurt da propriedade de Ginnheim-Hรถhenblick, Frankfurt, Alemanha, 192627. Fotografia por Jonathan Muzikรกล


negando qualquer economia por abster-se de lenha ou de carvão. Além disso os deslumbrantes aromas da cozinha e os necessários aumentos de cerca de sete ou oito metros quadrados ao redor da mesa, inviabilizavam o projeto e implicavam num maior custo da habitação. Portanto, a opção por uma cozinha separada da sala de estar foi feita, deixando-a apenas voltada para o trabalho, seguindo as seguintes estipulações: 1. A distância do fogão, bancada, ou pia até a área de refeição era de, no máximo 3 metros. 2. O térreo deveria ser organizado de tal maneira que a dona de casa e a mãe pudessem manter o controle das crianças na sala enquanto estivessem ocupadas na cozinha. Isso significava que a abertura da porta entre a cozinha e a sala de estar deveria ter, pelo menos, noventa centímetros de largura e poderia ser fechada com uma porta deslizante. 3. A cozinha deveria ter acesso direto ao hall. 4. A iluminação durante o dia era recebida através de uma janela externa, sendo que a luz artificial era posicionada de forma que nenhuma sombra caísse sobre as áreas de trabalho (fogão, superfície de preparação, pia). 5. Os vapores eram extraídos através de um tubo de ventilação para o telhado. 6. A cozinha de trabalho deveria ser pequena o suficiente para fazer as maiores economias possíveis de passos e manuseio, mas grande o suficiente para que duas pessoas pudessem trabalhar ao lado uma da outra sem entrarem em conflito de espaço.

7. As cozinhas só teriam um impacto significativo no trabalho doméstico se tivessem todo o equipamento necessário. Por isso, os aparatos foram preparados com tanta importância quanto as próprias casas. Este sistema tinha duas grandes vantagens: primeiro, a construção de cozinhas com acessórios embutidos ocupava menos espaço, e em segundo lugar, a economia financeira permitia entregar as casas aos inquilinos com uma cozinha completa, equipada e organizada de acordo com todos os princípios do trabalho doméstico mínimo. Quando as cozinhas foram incluídas nos custos de construção, elas foram financiadas com fundos públicos. Os custos de locação em Frankfurt foram calculados de acordo com os custos de construção. A adição de uma cozinha poderia gerar um aumentou mensal no aluguel, mas isso foi compensado por economias feitas no espaço, de modo que os habitantes não tiveram que suportar qualquer acréscimo. Estas foram então as considerações básicas que levaram à Cozinha de Frankfurt. Depois de muita pesquisa foi revelado que o formato mais vantajoso para a cozinha era uma área de 1,9 metros de largura por 3,4 metros de comprimento, ou seja, cerca de 6,5 metros quadrados com uma porta de 90 centímetros de largura para o corredor e janelas exteriores de 1,4 metros de largura . Esta concepção da unidade básica de cozinha foi o modelo para todas as outras cozinhas que foram construídas, independentemente de terem sido instalados em apartamentos ou casas. Infelizmente, a construção de muitos dos apartamentos não foram supervisionadas pelo Departamento de Construção, mas pela associação de habitação, ocasionando em sérios problemas construtivos e no emprego equivocado dos materiais, denegrindo a Cozinha de Frankfurt, que ainda sobrevive até hoje. Um exemplo disto é a ampla entrada entre a cozinha e a sala de estar que foi muitas

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biografia vezes omitida, destruindo a unidade essencial da cozinha-sala. São pequenas causas, mas grandes efeitos. Alterações como o acrescimo da distância entre a área de trabalho e a mesa rearranjaram os espaços, deturpando os conceitos essenciais da cozinha. Em seu livro, Margarete lamenta muito como arquiteta que este tipo de coisa tenha ocorrido, e que sente vergonha pelas cozinhas construídas na Berlim Ocidental, depois de cinqüenta anos, justificadas erroneamente em nome da Cozinha de Frankfurt. Margarete também relata em seu livro que seria completamente enganoso sugerir que uma pessoa, na década de 1920, inventasse sozinha a living kitchen, pois a forma de uma habitação nunca é alcançada através de um único indivíduo. Neste período, os habitantes da Áustria não tinham espaços separados de convivência social e alimentação. Na Alemanha, no entanto, o nível de vida dos trabalhadores era ligeiramente melhor do que na Áustria, e as funções ‘comer’ e ‘viver’ começavam a se separar nos ambientes das habitações. O chamado “Best Room” era a sala de refeição, ficava ao lado da cozinha e era aquecido apenas em ocasiões especiais, como uma cópia das casas dos ricos. Como Margarete e seus companheiros de projeto eram arquitetos progressistas, imediatamente lutaram contra esta formalidade. A influência da cultura doméstica britânica levou a ideia de que sentar-se para comer era algo muito diferente de sentar-se para o descanso. Adolf Loos, por exemplo, deu muitas palestras sobre este

tema e promoveu o padrão de vida britânico, diferenciando as áreas de refeição e de estar inclusive pelo seu mobiliário: a primeira área deveria ter um banco de canto, enquanto a outra manteria poltronas em torno a lareira para esticar as pernas com conforto. Para tanto, Margarete conta que em seus projetos de moradia, parecia-lhe importante distinguir claramente o desenvolvimento e a relação das três funções “cozinhar”, “comer” e “viver”. Naquela época, a resistência pela separação dessas áreas foi grande, embora depois da Frankfut Kitchen, em condições muito diferentes de economia de trabalho, tecnologias e higiene, foi absolutamente desejável para a maioria das pessoas que a cozinha como espaço de refeição estivesse separada da sala de estar. Isso demonstra que a cozinha de Schütte-Lihotzky representou um grande avanço no período e inspirou muitas mudanças no espaço da habitação. Os exemplos que foram produzidos tornaram a vida de muitas pessoas melhor, e sem dúvida, contribuíram para que mais mulheres pudessem assumir uma carreira, se tornassem financeiramente independentes de seus maridos, gastassem mais tempo em seu desenvolvimento pessoal e na educação de seus filhos. A arquiteta também volta-se contra o termo “Cozinha de Frankfurt”, como uma expressão enganosa, uma vez que não se refere apenas ao design de uma cozinha com arranjos práticos e suas instalações. Margarete conta que o próprio May fez uso do termo para fins promocionais, mencionando repetidas vezes o fato de que foi projetada por uma mulher e para mulheres. Acerca disso a autora expõe: “Isso decorre da percepção pequeno-burguesa predominante de que as mulheres eram, por sua própria natureza, destinadas a trabalhar no fogão doméstico. Parecia seguir, portanto, que uma mulher arquiteta saberia melhor o que era importante para as cozinhas. Foi uma boa propaganda. Mas a verdade da questão era que eu nunca tinha dirigido


Figura 55_Frankfurt kitchen. Exposição Counter Space: Design and the Modern Kitchen 2010– 2011. MoMa

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Figura 56_Banqueta giratĂłria de Margarete SchĂźtte-Lihotzky produzdida por Grumbach, Frankfurt, 1929


uma casa antes de projetar a cozinha de Frankfurt. Eu nunca tinha cozinhado e não tinha idéia sobre culinária. Por outro lado, olhando para trás na minha vida, eu diria que tenho sido sistemática em todos os aspectos da minha vida profissional, e que veio naturalmente para mim abordar cada projeto sistematicamente” Os fundamentos teóricos e ideológicos que ficaram por trás da cozinha de Frankfurt e que levou a sua reprodução em milhares, segundo Margarete, foram dois: primeiro, o reconhecimento de que, num futuro próximo, as mulheres teriam um emprego remunerado adequado e não estariam apenas à disposição na espera por seus maridos – e por isso a arquiteta estava convencida de que a luta das mulheres pela independência econômica e pelo desenvolvimento pessoal significava que a racionalização do trabalho doméstico era uma necessidade absoluta – e segundo, que a cozinha de Frankfurt parecia-lhe um projeto muito bem conectado ao tecido arquitetônico e ao planejamento das características internas dos quartos, sendo possível um primeiro passo para o desenvolvimento de um novo modo de vida e, simultaneamente, um novo tipo de construção habitacional.

MOBILIARIO Partindo da ideologia e política abordadas pelo movimento Deutscher Werkbund, que visava uma concepção integrada, considerando todos os elementos de uma residência e atribuindo-lhes a noção de um conjunto, a visão adotada por Margarete Schütte-Lihotzky era de que um projeto, seja ele habitacional, institucional, público ou privado, deveria ser concebido por completo, desde a estrutura do edifício, até a xícara de café. Portanto, a concepção do mobiliário de Shütte-Lihotzky está intrinsecamente ligada ao programa e à sua funcionalidade.

Figura 57_Suporte e escorredor de pratos.

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Figura 58_ Margarete SchĂźtte-Lihotzky, Escaninhos da Frankfurt Kitchen, 19261927. MoMa.

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Figura 59_FogĂŁo. Margarete SchĂźtte-Lihotzky, Frankfurt Kitchen, 1926. Made by Grumbach, Germany. Via Quittenbaum

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ARQ&FEM


arq&fem ARQUITETURA E FEMINISMO Baseado no livro “Architecture and Feminism” de Debra L. Coleman, Elizabeth Ann Danze, e Carol Jane Henderson, a reflexão a seguir almeja esboçar brevemente as dificuldades que as mulheres ainda enfrentam como arquitetas e estudantes, buscando os precedentes históricos do movimento feminista dentro do recorte que cabe a esta dissertação, com o cuidado de adequar o discurso ao seu contexto, para não extrapolar a leitura de um sítio específico para todo o resto. Frequentemente, a discussão de gênero aparece para descrever o que há de errado, ou o que está faltando na arquitetura como profissão. Porém, a palavra “feminismo”, especialmente como é usada na cultura de massa, é pouco popular, e sempre direciona para um estereótipo da mulher solteirona, a mulher de carreira sem filhos, a lésbica ou a odiadora de homens. Mesmo entre as mulheres, o feminismo é muitas vezes mal compreendido - e talvez até um pouco temido. Há uma incapacidade de dizer “feminismo” sem que as mídias diluam ou higienizam sua mensagem de apoio à igualdade política, econômica e social entre homens e mulheres. O esboço da “arquitetura e feminismo” é mais uma proposta de conexão dois dois discursos, com o desejo de produzir um trabalho intertextual que contrarie uma

ordem social injusta. A arquitetura e o feminismo estão unidos na tentativa de enfraquecer a dicotomia “arquitetura é arte/feminismo é política”, e no processo, reanimar questões sobre os limites do discurso arquitetônico na expressão da crítica sociocultural e política. Para tanto, escolheu-se o recorte temporal do final do século XIX e começo do século XX, como época de importantes transformações nos dois campos de estudo e na busca pela inserção do trabalho de Margarete Lihotzky, cujo tema se desenvolve no capítulo escrito por Susan R. Henderson do livro base, cuja resenha é colocada a seguir. Os anos entre 1890 e 1918 foram cruciais na luta pelos direitos das mulheres alemãs. As feministas deste período trabalharam primeiramente dentro dos partidos políticos da esquerda, onde defenderam totalmente a igualdade social e política para mulheres. Mulheres como Clara Zetkin, líder do ramo feminino do Partido Social Democrata, e a comunista Rosa Luxemburgo foram, em última instância, as responsáveis ​​por forçar a agenda de igualdade sobre seus relutantes partidos, enquanto a maioria masculina de opinião socialista apenas reconhecia um papel de ajuda para com as mulheres. Assim, quando o partido social-democrata chegou inesperadamente ao poder em 1918, seus regentes cumpriram as promessas políticas dos dias revolucionários, mais por embaraço político do que por convicção. A Constituição de Weimar declarou que as mulheres são iguais aos homens e concedeu-lhes o direito ao voto. Ironicamente, essas vitórias jurídicas foram seguidas por um período de profunda retração do movimento feminista. As mulheres que haviam alcançado as grandes vitórias das décadas anteriores estavam entrando em seus anos maduros e as jo-


Figura 60_Unidade Habitacional PadrĂŁo para um assentamento socialista na URSS, 1934-1936

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arq&fem vens, aparentemente sentindo que o ativismo político no período pós-revolucionário estava ultrapassado, não aderiram mais ao movimento. Como resultado, as categorias de feministas organizadas caíram precipitadamente nos anos de Weimar. Os corajosos remanescentes enfrentaram uma oposição esmagadora, composta até mesmo por mulheres.

Figura 61_Jardim de infância, Magnitogorsk, 1932

Por outro lado, a introdução de novos direitos constitucionais foi paralela ao advento da “Nova Mulher”- uma figura complexa e contraditória. As mulheres jovens, ao que parecia, tentavam combinar o crescente culto da modernidade e suas novas liberdades com um modelo de mulher contemporânea que elas mesmas estavam criando neste momento. Sua forma foi moldada à imagem das mulheres exibidas pelos filmes americanos, com espíritos livres e grande autonomia social e sexual. Mas, mesmo em sua idealização libertadora, a Nova Mulher era um fenômeno que parecia prever uma realização problemática das promessas constitucionais. Embora plural em seu estilo (o cabelo curto e as linhas não-femininas de seu vestido) e em seu comportamento social (trabalhando, frequentemente sozinha, sem interesse em uma família e pouco entusiasma para o lar) a Nova Mulher encarnava uma independência e uma modernidade que era um anátema para muitos conservadores, que acreditavam que esta mulher representava uma força de mudança que destruiria a família e, com ela, o tecido moral do país, levando as classes trabalhadoras a um caminho de revolução que terminaria com a ruína econômica e espiritual da Alemanha. Associados a este fenômeno social, alarmantes mudanças demográficas propagavam o medo. O desemprego masculino pós-guerra foi elevado, em contraste, houve um rápido aumento do número de mulheres que trabalham e que conquistavam o ingresso nas universidades.


Em 1917, em consequência dos desastres da guerra, as mulheres que freqüentavam universidades superaram os homens em 2,5 milhões. Ao mesmo tempo, uma chamada “greve de nascimento” retardou o crescimento populacional entre as classes trabalhadoras. Especialistas culparam as mulheres pela queda dramática na taxa de natalidade sobre o preceito de uma preocupação egoísta das jovens na aquisição de conforto material. Ainda relutante em relação aos seus compromissos feministas, o recém-empoderado Partido Social Democrata foi pressionado pelo direito de afirmar o conceito de “esfera da mulher”. A classe média estava alarmada com o número cada vez menor de mulheres disponíveis para trabalhar como empregadas e a indústria necessitava de mulheres disponíveis como mão-de-obra barata, e também para produzir uma nova geração de trabalhadores. Esse conflito foi pelo menos parcialmente responsável pela queda da taxa de natalidade. E observou-se que as mulheres que combinavam longas horas de trabalho com responsabilidades em casa tinham uma taxa de mortalidade muito maior do que os homens em sua faixa etária. Esta combinação de fatores – a velada misoginia da nova mulher e a assustadora questão econômica - resultou em uma política de Estado chamada “redomesticação feminina”. Com ele, o esforço para mudar o destino das mulheres alemãs rapidamente estreitou seu foco. Neste momento, ao invés dos governantes se esforçarem para atribuir às mulheres os

mesmos “direitos e deveres básicos” dos homens, como prometera a Constituição, uma coalizão de grupos de interesse procurava reafirmar uma dicotomia de gênero. Como parte desse programa, as agências estaduais e a ala liberal do movimento de mulheres forjaram um ideal do lar como “local de trabalho profissional” das mulheres, e portanto, necessitava dos mesmo estudos que pensavam a linha de produção feita para o trabalho dos homens. Em uma das ironias desta história, a República de Weimar tornou-se conhecida não como uma era em que as mulheres se juntaram ao mundo dos homens, mas como uma era de modernização na esfera doméstica. O novo gerenciamento da casa economizava tempo, era supostamente menos tedioso, e libertava a dona de casa para empreendimentos mais edificantes. De acordo com os especialistas, a profissionalização da esfera doméstica seria realizada através de um projeto simplificado de casa e da introdução de equipamentos de economia de trabalho. Guiados pelos princípios da gestão científica que operavam na indústria moderna, designers e reformadores repensaram as moradias: o produto final foi um aumento na produtividade e menos “esforço desperdiçado”, resultando em uma vida doméstica estável, um marido satisfeito, e crianças mais saudáveis. As mulheres podiam agora imaginar-se na ocupação do trabalho doméstico com facilidade e graça, enquanto as que trabalhavam na indústria poderiam manter os dois postos de trabalho com destreza. Nesta ocasião, a gestão científica se coloca como solução para os problemas que agoram estavam categorizados na “esfera feminina”. Na década de 1920, uma coalizão de mulheres burguesas cresce exponencialmente na onda do sentimento patriótico em uma reação conservadora. Foi a maior e mais influente associação de mulheres da nação que assumiu os princípios de otimização da vida doméstica e fizeram aliança com os profissionais da burocracia estatal. A colaboração entre o Estado e esse grupo se preocupou em grande parte com a formação de uma nova política educacional

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arq&fem federal: nas escolas primárias, a importante inovação curricular foi a instituição de cursos obrigatórios de economia doméstica para as moças, enquanto o esforço para preservar uma classe de servos estimulou a criação de escolas profissionais de ensino secundário que capacitavam as mulheres para trabalhos de costureiras, lavadeiras e assistentes de creches. No nível do ensino superior, os programas de mulheres que se abriram para uma ampla gama de campos durante a guerra, voltou a uma quase exclusiva formação nas profissões de serviço social (enfermeiras, assistentes sociais, e outros). O advento da racionalização ofereceu uma grande oportunidade para futuros modernizadores da cultura familiar. Na década de 1920, as perspectivas para a produção de habitação em massa, de eletrodomésticos e de mobiliário aprovou membros de um campo esmagadoramente masculino para a reconfiguração da cultura doméstica e da esfera privada, enquanto no modelo modernista, a tecnologia e o culto à racionalização foram as linhas metodológicas que asseguraram a ideia de progresso. Na coalizão dessas correntes, a cozinha do arquiteto Jacobus Johannes Pieter Oud tornou-se uma das mais conhecidas e frequentemente reproduzidas do período de Weimar. Sistematicamente, esse trabalho estava sendo realizado por diversos profissionais em toda a Alemanha e Áustria, como Adolf Loos e Margarete Lihotzky que compartilhavam tanto uma visão política semelhante, quanto um interesse nas estratégias de

racionalização e economia. A cozinha de Frankfurt foi uma das criações mais aclamadas dos programas de habitação de Weimar. Assim, com Lihotzky, a cozinha chegou à maturidade plena como um equipamento altamente especializado - uma estação de trabalho onde todos os implementos eram uma simples extensão da mão do operador. Havia ainda outra razão para o poder único deste projeto: entre todas as várias propostas de modernização de cozinha, a dela era a única que transformou a cozinha em um produto de consumo. A cozinha de Frankfurt era um módulo de fábrica entregue em um prédio e levantado no lugar por uma grua, enfatizando a progressiva mercantilização do lar. O trabalho de Margarete era baseado na ideia de uma mulher autonôma, emancipada em relação ao trabalho doméstico. Isto soa feminista nos dias de hoje, mas a própria arquiteta diz que na época esta realidade era uma opção tão limitada que acabou por abraçar a cultura patriarcal. O ideal de Lihotzky, tanto pessoalmente como em seu trabalho em favor das mulheres, era claramente rejeitar os limites do lar em favor da participação no mundo público dos homens. Porém, mesmo apoiada por instalações domésticas modernizadas, para a maioria das esposas alemãs não havia tal escolha. A cozinha de Frankfurt pode ser tomada como uma espécie de emblema deste enigma cultural: uma ruptura, e desconfortável, resolução entre a cultura feminista e o ideal de uma utopia tecnológica.


Figura 62_Unidade Habitacional PadrĂŁo para um assentamento socialista na URSS, 1934-1936

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WE


ERKBUNDSIEDLUNG


werkbundsiedlung Dentre os trabalhos realizados por Margarete Schütte-Lihotzky, a casa geminada situada no assentamento de werkbund é um maravilhoso exemplo do que se estava produzindo de melhor na arquitetura moderna em habitação, influenciando, por muitas gerações, as reformas habitacionais pelo mundo todo. Ela não só demonstra uma inovação no modo de morar, com toda a industrialização que possibilitou o processo, mas também foi responsável por suprir a carência de moradias com a perfeita combinação entre forma, função, economia e automação do trabalho doméstico.

A DISCUSSÃO DA HABITAÇÃO As primeiras intervenções de reforma da habitacional começa a surgir no século XIX, porém não no âmbito governamental, mas a partir de ações independentes e do setor privado, que produziam vilas e cidades operárias. Sendo assim, eram menos uma prática social que uma operação imobiliária. Por parte dos órgãos públicos, as reformas físicas começaram a ganhar forma, inicialmente, apenas pelas ações de eliminação de cortiços e outros demais territórios indesejáveis. A necessidade da produção de habitação para as classes menos abastadas transparece ao se aproximar do final do século XIX e, finalmente, no período que corresponde ao entreguerras, as políticas sociais se intensificam. Posto isso, neste momento, surge um novo tipo de organização urbana, chamado Siedlung, que, na tradução direta do alemão, significa bairro residencial equipado e autônomo, sendo este arranjo derivado dos ideais das cidades-jardim. Seguindo os princípios de uma vila, semelhante a ideia de aldeia, a produção de habitações no local aconteceu simultaneamente com a produção de equipamentos urbanos


Figura 67_Company town Burg em Bayreuth, Alemanha

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Figura 63_Cartaz de exposição, DIE WOHNUNG, FRANKFURT A.M.HAUS WERKBUND, 1929

Figura 64_Cartaz de exposição, STUTTGART WERKBUND, SIEDLUNG AM WEEISSENHP.


de educação e saúde, por exemplo. Percebe-se que os arquitetos, que até então só atendiam a burguesia, passam a atender uma nova clientela, com novas demandas. Principalmente após a Primeira Guerra Mundial, o poder público investiu em novos modelos de políticas sociais por se sentir pressionado pela volta dos ex-combatentes, os quais necessitavam de uma moradia digna. Por se tratar, portanto, de um período de pós-guerra e, ainda, ser marcado pela crise econômica de 1929, a demanda por habitação aumentou exponencialmente. Para que fosse possível atendê-la, constatou-se a vantagem de introduzir métodos construtivos mais rápidos e econômicos, o que conduz à contribuição das indústrias para a produção em massa de elementos padronizados e sem muita variedade tipológica. Dentro desse quadro em que se caracteriza o período, diversas proposições de intervenções públicas surgem em resposta à escassez de habitação e organização das cidades, tendo em vista que cada vez mais ela desempenha um papel de extrema importância no comando da economia. Pretendendo, dessa forma, modernizar as cidades - e não apenas solucionar o problema da moradia - surgem proposições que consideram tanto a escala da arquitetura quanto sua relação em uma dimensão mais ampla, numa esfera macro. Em comparação com países como França ou Inglaterra, os quais já possuíam uma tradição urbanística forte, a Alemanha se manifesta de maneira mais inovadora e característica, sendo que os exemplares de ensaios

mais notáveis se dá nos municípios de Frankfurt e Berlim. No primeiro caso, o programa “Nova Frankfurt” (19231930) foi dirigido pelo arquiteto e urbanista Ernst May, profissional já reconhecido neste período na difusão da arquitetura moderna. A partir dessa política social, diversos bairros residenciais tiveram sua origem (Römerstadt, Praunheim, Westhausen, Höhenblick), sendo que cada um deles foi uma experiência pioneira na mostra de novas soluções, sempre refletindo os princípios do ‘Existenzminimum’, ideia esta que define os fundamentos de dignidade habitacional da moradia mínima. Tais conjuntos foram desenvolvidos a fim de ser uma comunidade semi-independente e bem equipada, construídas com elementos pré-fabricados, priorizando o funcionalismo e focando em questões como salubridade e insolação. Em 1926, Margarete Schütte-Lihotzky foi chamada para participar da equipe com a tarefa de projetar a cozinha do conjunto. Seguindo as ideias do taylorismo, Grete realiza um cuidadoso estudo racional dos movimentos e deslocamentos para o usuário realizar atividades no ambiente. Nesta época, nenhuma cozinha de Frankfurt poderia ser feita de outra maneira. Posteriormente, foi criado um programa educacional para instruir os habitantes a lidar com as novas características das residências. No entanto, o valor dos aluguéis tornou a acessibilidade inviável para a classe de operários e as moradias acabaram sendo ocupadas pela pequena burguesia e por funcionários administrativos. Em Berlim, várias Siedlungen estavam sendo projetadas por Bruno Taut para uma cooperativa de empregados. Apesar de utilizar os mesmos elementos pré-fabricados, o arquiteto procurou atribuir uma sensação de identidade local aos moradores. Na França, foram realizadas diversas experiências urbanísticas, desde obras de cunho mais conservador como os HBM, até grandes conjuntos inspirados nas cidades-jardim de Unwin, além dos bairros de arranha-céus.

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Figura 65_Praunheim, Frankfurt. 1926-1929. Ernst May.

Figura 66_Westhausen, Frankfurt. 19291931. Ernst May


Adiante dos exemplos europeus, vale dizer que tais reformas sociais tiveram recorrências em âmbito internacional, principalmente nos EUA e no Japão. Figura 68_Sandleitenhof, Viena. 1924-1928.

A “NOVA VIENA”, A VIENA VERMELHA Assim como Frankfurt e Berlim, Viena incorpora as políticas sociais e apresenta mais uma alternativa às soluções da habitação. Tais intervenções urbanas criaram novos tipos de espaço no meio urbano, procurando estabelecer padrões mínimos nas áreas habitacionais, assim como áreas comuns e parques. Pode-se perceber que em Viena, as proposições acabaram por se tornar mais audaciosas, aumentando sua escala. Tal evento foi difundido com o título de Viena Vermelha (Red Vienna) ou “Nova Viena”. Foram realizadas mais de 64 mil unidades habitacionais para cerca de 200 mil pessoas, sobretudo funcionários e operários. O programa de construção desses grandes núcleos residenciais possuía como ideal o bem-estar social municipal – o que incluía no programa a construção não só de habitação como também de escolas, creches, bibliotecas, playgrounds, lojas, etc – e se tornou um marco de experimento urbano socialista, homenageando a partir de seus nomes, figuras como Karl Marx e Friedri-

Figura 69_Sandleitenhof, Viena. 1924-1928.

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werkbundsiedlung ch Engels. Siegfried Matti afirma que “os conjuntos habitacionais municipais se tornaram o principal símbolo da Viena Vermelha”, ao mesmo tempo em que o urbanista Luís Octávio da Silva comenta que “o programa de habitação social da Viena Vermelha era, na verdade, não apenas um programa social setorial, mas sim o ponto central de articulação de todo um projeto de desenvolvimento de uma cultura da classe trabalhadora socializada.” Destaca-se que, dentro do programa, existem diversos tipos de Siedlungs, sendo que uns eram caracterizados por diversos edifícios diferentes interligados por jardins e pátios internos (como é o caso de Sandleitenhof), outros possuem a implantação dos prédios com uma estratégia mais rígida com grandes fachadas voltadas às ruas, tendo em vista o Jean-Jaurès-Hof. Ainda há aqueles que pretendem ser monumentais, como o Karl-Marx-Hof. Apesar das diferenças, todas as tipologias apresentam uma proximidade entre si por prever grandes pátios e jardins. As iniciativas do programa de Viena Vermelha só foram possíveis através das ações tributárias como os aumentos dos aluguéis e dos impostos sobre alimentos, mas tamém, e principalmente, devido à introdução de novos tributos como o imposto predial, o qual era reservado para gastos com bem-estar social e representava cerca de 10% da receita total da cidade. No entanto, as despesas sociais chegavam a 15% e, portanto, Viena contava com outros recursos para financiar o programa municipal, dentre os quais se destaca a transferência

dos impostos estaduais para a cidade. Viena possuía uma vantagem por ser, naquele período, uma municipalidade e uma província ao mesmo tempo, recebendo, assim, duas cotas tributárias, uma referente à província federal e outra como município. É interessante notar que sua parcela da arrecadação federal representava 50%, sendo que Viena cobre menos de um terço da população total da Áustria. Por causa dessa dependência do desenvolvimento em nível federal, em 1931, quando os social-democratas tiveram de admitir a redução de tais transferências em 20% devido à pressão da corrente conservadora, a produção das habitações sociais em Viena acaba entrando em crise, sendo obrigada a interromper o programa. Percebe-se, dessa maneira, o quanto o desenvolvimento desse ideal dependia do controle da economia por parte da administração municipal, limitando o poder do livre mercado. Enfim, a Viena Vermelha é uma das maiores referências na política socialista do entre-guerras, assim como é expresso nas palavras de Gruber (1991): “...em nenhum outro lugar os socialistas aspiraram a um objetivo tão abrangente de transformar o ambiente municipal ou conseguiram dar tantos passos iniciais para sua realização como em Viena.” Na metade da década de 1930, no entanto, o programa gradualmente chega ao fim com a desvinculação da prefeitura no controle da social-democracia. “A vida em Viena estava carregada com ativismo político e um sentido de utopia social. Nem mesmo um arquiteto podia ignorar a predominância da questão social e a importância das classes. Em Frankfurt, a reforma municipal foi promovida por tecnocratas bastante talentosos, mas não inspirados.” (SCHÜTTE-LIHOTZKY)


Figura 70_Sandleitenhof, Viena. 1924-1928.

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Figura 71_ Jean-Jaurès-Hof, Viena. 1925-1926. Walter Brossmann , Alfred KellerWalter Brossmann , Alfred Keller


Figura 72_ Jean-Jaurès-Hof, Viena. 1925-1926. Walter Brossmann , Alfred KellerWalter Brossmann , Alfred Keller

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Figura 73_ Karl-Marx-Hof, Viena. Karl Ehn. 1927-1930.


Figura 74_ Karl-Marx-Hof, Viena. Karl Ehn. 1927-1930.

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werkbundsiedlung O BAIRRO RESIDENCIAL WERKBUND O programa de habitação residencial de Viena pode ser visto como uma grande reação às consequências da Primeira Guerra Mundial, quando a fome, o desemprego e a aguda escassez de moradia levaram a população vienense a condições inimagináveis de desumana miséria. O desenvolvimento de tais programas foi possível, em grande partae, por movimentos que elaboravam exposições de moradias, com o intuito de divulgar a nova arquitetura, além de promover a questão social diante das necessidades da época. Um exemplo bastante influente destes movimentos foi a Deutscher Werkbund. A Deutscher Werkbund foi fundada na Alemanha, em 1907, e consistia em uma associação de artistas, artesãos e industriais, cujo objetivo era melhorar o trabalho profissional mediante a educação e a propaganda - o grupo se tornou, mais tarde, importante na criação da escola Bauhaus de design. Embora suas raízes estivessem ligadas ao movimento “Arts and Crafts”, ao contrário deste, buscava uma reconciliação e união entre a arte e a indústria. Com a ação do governo social-democrata da Primeira República (1918-1934) de construir grandes complexos habita-

cionais acessíveis economicamente e que oferecessem boas condições de vida a seus moradores, o Werkbund organizou diversas exposições de conjuntos habitacionais, construídos para mostrar ao mundo as virtudes da arquitetura moderna. Isso está diretamente ligado ao programa da “Nova Viena”, a ideia subjacente de um novo movimento imobiliário. O objetivo desse programa era conseguir uma maior vantagem econômica em um menor espaço, para isso contava com ótimas soluções funcionais. Além disso, o “Nova Viena” visava a construção em série voltada para a sociedade operária. Com o uso de materiais inéditos, foram desenvolvidos novos conceitos de habitar. No caso desse projeto, ele visava ser concebido de forma ampla desde a casa até a xícara de café, tudo dentro de uma mesma ideia de configuração. Assim, outros conceitos estéticos deveriam ser propagados, além disso a infraestrutura deveria ser acessível, ou seja, era necessário oferecer instalações com preços acessíveis às amplas camadas da população. Os conjuntos habitacionais construídos pelo grupo Werkbund geralmente possuíam uma infraestrutura bem desenvolvida, com lavanderias, jardins de infância, supermercados e outros. Muitos dos arquitetos que participaram desses projetos eram estudantes do Art Nouveau na Academia de Belas Artes. Entre eles estavam Karl Ehn, que planejou o famoso conjunto habitacional Karl-Marx-Hof, no distrito 19 de Viena. No movimento Deutscher Werkbund, acreditava-se que a indústria era parte dos novos tempos e, através dela, poder-se-ia ter um mundo melhor, onde o artista e o artesão buscariam, juntos, melhores condições de vida e melhor qualidade dos produtos industriais.


Esse movimento disseminou-se em diversas vertentes, por exemplo, em 1912, foi fundado o Werkbund austríaco, nas mesmas linhas do alemão, objetivando estabelecer melhores práticas de trabalho para alcançar produtos de melhor qualidade, incluindo não apenas mercadorias destinadas às classes mais elevadas, mas também mercadorias simples e baratas. A recém-criada associação não queria, portanto, criar objetos de alto preço para a elite social, mas aspirava a garantia de que os menos favorecidos tivessem acesso à eles. Entre os membros desta associação de artistas, industriais e artesãos, estavam Josef Hoffmann, Josef Frank, Oskar Strnad e Dagobert Peche. O Werkbund austríaco concentrou suas atividades principalmente em Viena e seus arredores, ele passou por duas fases principais em sua existência. O primeiro ponto alto foi sua participação na primeira Exposição “Werkbund em Colônia” em 1914. Porém, depois do apogeu dos primeiros anos houve um longo período de estagnação até o final da década de 1920, quando novamente experimentou um novo apogeu que culminou na construção do Werkbund Viena Estate. Josef Frank, o único austríaco convidado a participar da Exposição “Stuttgart Werkbund”, em 1927, torna-se figura central no Werkbund austríaco e faz uma

Figura 75_ Casa da Áustria | Exposição do Deutscher Werkbund em Colônia, 1914.

Figura 76_ Conjunto habitacional | Weissenhof Siedlung em Sturrgart, 1927.

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werkbundsiedlung campanha sobre como uma exposição modelo deveria ser realizada. O Werkbund Estates (1927-1932) proporcionou a criação de seis propriedades: o Estate Weissenhof em Stuttgart (1927), Nový Dõm em Brno (1928), Wohnung und Werkraum em Breslau (Wrocław, 1929), Neubühl Estate em Zurique (1931) e a propriedade de Werkbund em Viena junto a propriedade de Baba em Praga (ambos 1932). Estas propriedades não podem ser facilmente comparadas, visto que, em muitos casos, visavam ideias diferentes. Em 1920, surgiu na Alemanha um movimento chamado “Neues Bauen” ou “Nova Arquitetura”, que representou uma nova objetividade, com enfoque para o simples, o funcional e o prático. Este movimento estabeleceu a relação entre novas políticas habitacionais, de modo que a produção em massa refletia em programas arquitetônicos com um conceito de “alojamento mínimo”. Os renomados arquitetos como Ernest May, Hannes Meyer, Walter Gropius e Mies Van der Rohe foram adeptos ao movimento. De acordo com Ernest May, o conceito de alojamento mínimo não foi pensado em termos puramente econômicos, “Nós, arquitetos de Neues Bauen, estamos lutando sem misericórdia contra tais economias. Nós declaramos guerra contra os partidários de uma economia tão antieconômica. Calculamos o contrário, colocando o bem-estar acima de todas as figuras matemáticas”. Esses arquitetos consideravam os aspectos humanitários e sociais da arquitetura essenciais para a sua prática profissional. Logo em seguida, em 1921, foi fundada a GESIBA (Sociedade de Serviços Públicos de Liquidação e Material de Construção), que em 1923 iniciou o Kernhaus (tipos va-


riáveis ​​de casas que poderiam ser desdobradas conforme necessário) e também atuou como construtora e financiadora do Werkbund Estate em 1932. O principal responsável por todas essas atividades e iniciativas foi Jakob Reumann, o primeiro prefeito social-democrata de Viena, em quem o movimento moderno tinha encontrado um poderoso aliado. Outra figura importante foi o sociólogo e economista Otto Neurath, que seria um dos principais fundadores do planejamento do Werkbund Estate. O movimento da “Nova Arquitetura” em Viena não preocupava-se primordialmente com critérios estéticos ou princípios teóricos de design e forma, eles se concentravam mais nas necessidades individuais dos ocupantes. A casa deveria facilitar a vida doméstica como atividade principal do indivíduo moderno. “A casa moderna é aquela que pode absorver tudo o que está vivo em nosso tempo e, ainda assim, continuar a ser uma criação artística organicamente integrada”. Essa sentença sintetiza a tentativa dos representantes do modernismo vienense de se libertar das limitações do estilo e dos símbolos. Deste modo, o Werkbund Estate de Viena se aproximou do sistema estético unificado do movimento da “Nova Arquitetura”, de modo que não voltou-se à arquitetura

conservadora tradicionalista burguesa. O modelo vienense representou uma demonstração de soluções e projetos individuais para a vida moderna. O Werkbund Estate em 1932 foi marcado pela exposição do conjunto habitacional de Viena “WerkbundSiedlung”. Em 1930, o conselho da cidade socialista de Viena organizou a “Werkbund Housing Exhibition” e convidou um grupo de trinta e três arquitetos modernistas a fim de projetar e construir habitações familiares, seguindo um conceito de alojamento mínimo. Entre os mais conhecidos arquitetos envolvidos com o movimento estiveram presente: Adolf Loos, Josef Frank (pioneiro e supervisor artístico do Werkbund de Viena) e Margarete Shütte-Lihotzky. Os trabalhadores da cidade esperavam que as novas residências fossem uma alternativa inventiva aos enormes blocos habitacionais construídos na década de 1920, como por exemplo, o Karl-Marx-Hof. O WerkbundSiedlung, localizado na extremidade ocidental de Viena, consiste em um dos vários conjuntos habitacionais de cunho social, arquiteturalmente progressista, construído entre 1929 e 1932. O conjunto representa grande inovação arquitetônica e está entre os documentos arquitetônicos mais importantes do modernismo austríaco, de modo que responde de forma contemporânea às habitações familiares de baixo custo, num período entreguerras. Originalmente planejada para ocorrer em 1930, a exposição de moradias de várias tipologias foi concebida como uma alternativa para a escassez habitacional, seguindo o programa da “Nova Viena”. Além disso, foi uma ótima oportunidade para demonstrar soluções originais no campo do design de habitação compacta. Seu fundador e diretor artístico foi o arquiteto Josef Frank, um importante representante

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Figura 77_ Visão aérea do Conjunto Habitacional | WerkbunSiedlung | Em fase de construção.


da segunda fase de Wiener Moderne ( “Modernismo vienense”). O conjunto habitacional foi planejado para ser construído em uma área plana, no décimo distrito vienense, com uma diversidade de programas arquitetônicos do espaço. No entanto, com a mudança do novo organismo de financiamento e a mudança na localização do conjunto, ocorreu uma reprogramação do projeto de acordo com o novo terreno, e por consequência, houve um atraso de dois anos do cronograma. O local foi alterado para o décimo terceiro distrito de Viena e o conjunto foi desenvolvido em uma parte montanhosa, o que significou um considerável aumento dos custos que deveriam ser destinadas às habitações sociais de baixo custo. Foi necessário algumas adaptações, como por exemplo, a criação de fundações e subsolos especiais para os edifícios, que não haviam sido previamente planejados. Contrariamente à primeira versão do projeto, a propriedade não foi construída como parte do programa de habitação da autarquia, mas ela foi financiada com os fundos do programa de ajuda à construção de edifícios da GESIBA. Essa circunstância levou a duas mudanças fundamentais aos planos, pois o novo programa de financiamento só ajudava

Figura 78_ Cartaz de exibição | Exposição internacional de Viena, 1932.

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werkbundsiedlung casas unifamiliares com pequenos jardins. Assim, os projetos já existentes de casas com vários andares tiveram que ser abandonados. O outro propósito menosprezado foi o cunho social, pois as casas passaram a ser oferecidas para venda como propriedade privada e o grupo-alvo passou dos operários para a classe média-alta. O décimo distrito correspondia a um local onde a classe operária urbana de Favoriten se encontrava. Com as mudanças de financiamento, o conjunto foi transferido para a borda da região ocupada pela classe média - décimo terceiro distrito de Viena - um local suburbano, residencial e semi-rural de Hietzing. Como dito anteriormente, o plano geral para o Werkbund Estate de Viena foi elaborado por Josef Frank. Ele não só tinha que levar em conta a forma problemática do local, uma extensão aberta de pastagem ao pé da colina chamada Roter Berg, mas também teve que reposicionar as casas que haviam sido projetadas para um layout diferente do sítio original. Frank desenhou caminhos suavemente curvos para conduzir as estradas existentes - Veitingergasse e Jagdschlossgasse para o centro da propriedade, onde ele colocou um pequeno espaço aberto. Planejado como um organismo auto-contido, qualquer propriedade dificilmente se

relaciona de alguma forma com seu entorno. O conjunto abriga setenta pequenas casas unifamiliares projetadas por trinta e três arquitetos. Além de quatro participantes estrangeiros, a maioria dos arquitetos envolvidos eram vienenses, ademais, um número deles estavam apenas começando as suas carreiras. As pequenas casas da propriedade incluíam moradias isoladas, duplex e casas em enfileiradas, destinadas a demonstrar uma variedade de diferentes habitações que poderiam potencialmente servir como modelos para outros domínios. Totalmente mobiladas, as casas modelo estavam à venda e podiam ser vistas como parte da “Exposição Internacional Werkbund de Viena”, que ocorreu do dia 5 de Junho ao dia 7 de Agosto de 1932. A exposição reuniu mais de 100.000 visitantes. O layout das casas seguiu um padrão rigoroso: embora quase todas as casas estivessem orientadas e abertas para o jardim, os edifícios estavam posicionados estritamente paralelos às ruas, ajudando assim a realçar o sentido da ordem. Desde o início, Frank esforçou-se para enfatizar e demarcar o local por meios arquitetônicos, definindo em sua ponta ocidental a casa alta de Oswald Haerdtl que parece proteger a propriedade como uma torre de vigia. E na extremidade ocidental do local, os visitantes entraram para a exposição no verão de 1932. Na praça central, as casas desenhadas por Gerrit Rietveld e Adolf Loos formam importantes pontos de ancoragem. Josef Frank esforçou-se para evitar a uniformidade, a fim de evocar o caráter de uma exposição com casas modelo. Em resumo, o conceito arquitetônico de Josef Frank como foi realizado no Werkbund Estate de Viena, demonstra que seus projetos de casas modelo visavam um


Figura 79_ Mapa de Viena | DivisĂŁo atual dos distritos | Distrito em vermelho corresponde ao local onde se construiu o conjunto.

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Figura 80_Mapa do conjunto habitacional | WerkbundSiedlung | Em vermelho estão as residências estudadas pela monografia em questão.

uso mais eficiente do espaço juntamente à promoção do design moderno de interiores. Motivado por sua filosofia de vida, Frank estava preocupado em fornecer soluções individuais ao invés de dar prioridade aos mais recentes métodos de tecnologia e construção. A propriedade deveria compreender vários modelos distintos de casas unifamiliares modernas, cujo desenho não estava sujeito aos ditames de qualquer sistema ideológico ou estético. Além do uso mais eficiente do espaço, Frank acreditava que dar aos futuros ocupantes a livre escolha no mobiliário e decoração de sua casa iria promover uma nova cultura de vida doméstica. Parte do mobiliário modelo exposto na Exposição Werkbund foi pensado pelos próprios projetistas das casas e complementado por itens de outros designers de interiores austríacos. Figura 81_ Momento da exposição | WerkbundSiedlung | Em Viena, 1932.

As pessoas não queriam quartos uniformes, projetados por arquitetos, mas espaços livres, flexíveis e, acima de tudo, individualmente decorados, nos quais eles poderiam realmente viver e mudar ou reorganizar os móveis como aspirassem. Designers, assim, ofereceram muitas peças individuais diferentes que poderiam ser combinadas conforme o desejo do morador. Josef Frank, Jacques Groag, Walter Sobotka, Oskar Strnad e outros arquitetos desenharam os apartamentos da exposição do Werkbund Estate, em 1932, como um elenco profundamente humanista e social em resposta à ênfase contemporânea na estética, no funcionalismo, na racionalização e na padronização das máquinas. Em 1927 Josef Frank escreveu: “Durante oito horas por dia você deve trabalhar pelo suor de sua testa, mas dezesseis horas são dedicadas ao descanso e recreação. Pois o homem não é nem uma máquina nem um investimento financeiro que deva produzir lucro; Ele trabalha en-


foram destinados principalmente para a recreação, ao invés de subsistência. Para a exposição em 1932 vários dos jardins foram plantados em diferentes estilos. A conexão entre a casa e o jardim foi um dos temas centrais da arquitetura vienense durante o período de entreguerras. Ao longo dos anos, as casas deveriam crescer junto aos jardins que as rodeavam e assim se entrelaçariam com a natureza. A cerimônia de abertura foi transmitida ao vivo pela RAVAG, a emissora de rádio austríaca, e nos meses seguintes a rádio transmitiu características e entrevistas com arquitetos como Hugo Häring, Gerrit Thomas Rietveld e Josef Frank. As casas na propriedade de Werkbund foram postas à venda pela GESIBA (Sociedade de Serviços Públicos de Liquidação e Material de Construção). Os preços variaram de entre 25.000 schillings para uma das casas projetadas por Margarete Schütte-Lihotzky e 65.000 schillings para as casas maiores, como a casa 40, projetada por Oswald Haerdtl. Algumas casas foram vendidas durante a exposição, mas após o seu término, as casas que não foram negociadas ficaram um período longo de três anos sem ocupantes.

Figura 82_ Momento da exposição | WerkbundSiedlung | Em Viena, 1932 | Discurso do Major Karl Seitz.

Em 30 de dezembro de 1938, as casas não vendidas passaram da propriedade do GESIBA para o município de Viena.

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werkbundsiedlung No final da Segunda Guerra Mundial, seis casas da propriedade foram destruídas. Embora pretendido como um estado modelo, foi terminado numa altura em que a crise política e econômica na Áustria o impediu de ter qualquer influência em desenvolvimentos futuros na arquitetura. A Exposição Werkbund de Viena em 1932 representou a realização de um projeto utópico, construído no entanto em um momento em que já se tornava óbvio que, por razões políticas e econômicas, não havia futuro para o tipo de arquitetura e estilo de vida que se baseava no conceito de liberdade do indivíduo. O Werkbund austríaco começou a desmoronar pouco depois da exposição, até chegar ao fim, em 1934, quando o fascismo austríaco deixou pouco espaço para experiências sociopolíticas na iminência da Segunda Guerra Mundial.

AS RESIDÊNCIAS Nº 61 E 62 As obras analisadas correspondem à casa 61 e 62 do conjunto habitacional de WerkbundSiedlung. As duas casas são geminadas uma à outra e mostram muita semelhança com o par de casas adjacentes, projetadas por Max Fellerer. Ambas possuem um formato de cubo. As casas 61 e 62 possuem medidas de 6x6x6m e

estão organizadas em três pavimentos (o subsolo, o térreo e o primeiro andar), portanto, cada planta possui uma área equivalente à 36m². A sala de estar ocupa metade da planta do pavimento térreo, atravessando o edifício paralelamente ao jardim. Depois de seu envolvimento intenso com o setor imobiliário e a organização do espaço de trabalho doméstico a partir do início da década de 1920, Margarete exigiu consistentemente o contato direto entre o espaço de estar (“espaço vital”) e a cozinha, afinal, o trabalho de uma dona de casa não deveria estar isolada do resto da casa e da vida familiar. Em geral, tal plano minimizou a distância entre a cozinha e o espaço de jantar racionalizando o espaço. A residência possui áreas funcionais divididas entre dois pavimentos, o subsolo e o térreo, sendo o último andar reservado para os quartos. Uma escada em espiral de ferro com piso de linóleo conecta o subsolo ao pavimento térreo e, por conseguinte, aos dormitórios do primeiro andar. O primeiro andar tem dois quartos de diferentes tamanhos e uma casa de banho. O quarto maior, que foi projetado para levar mobiliário equipado e integrado com sua própria planta, corre todo o comprimento da casa, permitindo assim a ventilação cruzada. A sala de estar do piso térreo é generosamente aberta, com muito vidro e amplas caixilharias, abrindo o espaço para o jardim. As duas casas foram vendidas durante a exposição de 1932 - assim como os edifícios vizinhos de Max Fellerer. Schütte-Lihotzky, que já tinha uma vasta experiência em design imobiliário e tinha colaborado com os principais


Figura 83_ Estudo das plantas baixas | ResidĂŞncia 61.

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werkbundsiedlung Figura 84_ ResidĂŞncias 61 e 62 |Fachadas noroeste.

Figura 85_ ResidĂŞncias 62 e 61 | Fachadas sudeste.


membros da vanguarda internacional, foi a única mulher convidada por Josef Frank a contribuir com casas para o Werkbund Estate.

DESIGN DE INTERIORES Hans Pitsch foi o responsável pelo interior da casa 61. Estudou na Kunstgewerbeschule em Viena de 1917 a 1919, onde foi ensinado por Rudolf Larisch e Josef Frank. Em geral, seu trabalho centrou-se no design de entrada e montagem de lojas. Anton K. Strahal realizou o interior da casa 62. Estudou na Kunstakademie em Dresden. Em 1930, ele estava entre os membros fundadores do “Werkbund Salzburg”, que procurou contrariar as “influências niveladoras das grandes cidades”. Em 1935, foi nomeado professor de arquitetura e design de interiores em Valparaíso, Chile. Seu único trabalho como arquiteto corresponde à concepção de duas casas unifamiliares em Parsch (1933-34).

Figura 86_ Estudos projetuais | Elevações. Figura 87_ Estudos projetuais | Cortes.

O JARDIM Juntamente com Wilhelm Hartwich, Willi Vietsch liderou a empresa de design e berçário Hartwich & Vietsch. A parceria, fundada em 1927, foi responsável

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Figura 88_ VisĂŁo interna | ResidĂŞncia 62 | Sala de estar.


por vários projetos de jardins em Viena. Vietsch era ele próprio um habitante do Werkbund Estate Viena (casa n º 7 por Richard Bauer) e projetou os jardins da casa no. 62 de Schütte-Lihotzky e casa no. 31 por Oskar Wlach. A parceria foi dissolvida em 1934 após a prisão de Hartwich como um nacional-socialista ilegal. Depois que os nacionais-socialistas assumiram o poder, Vietsch não recebeu mais comissões e tirou sua própria vida em 1944.

OUTRAS OBRAS CASAS POR MAX FELLERER

Junto com os edifícios vizinhos de Margarete Schütte-Lihotzky, as casas geminadas de Max Fellerer em Woinovichgasse estão entre as moradias menores no Werkbund Estate. As casas, relativamente baixas de Max Fellerer, possuem plantas térreas quase quadradas, com uma superfície de 36 m² cada; As fachadas apresentam janelas escuras do estilo clássico vienense. Em termos de layout interior, Fellerer - que tinha estudado na Akademie der bildenden Künste em Viena sob auxílio de Otto Wagner e foi por muitos anos arquiteto chefe nos ateliês de Josef Hoffmann e Clemens Holzmeister - escolheu um projeto muito semelhante aos edifícios vizinhos de Schütte-Lihotzky. Como dito anteriormente, ambos os arquitetos

Figura 89_ Perspectiva | Residências de Margarete Shütte-Lihotzky ( 62 e 61) e Max Fellerer ( 58 e 57).

Figura 90_ Perspectiva | Residências de Max Fellerer ( 57e 58).

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werkbundsiedlung colocaram a sala de estar paralela ao jardim, ocupando metade da planta térrea do edifício, permitindo-lhe atravessar o edifício. Com a sua janela quadripartida e uma porta envidraçada que conduz para fora, o espaço de Fellerer é dividido em duas áreas pela lareira central da casa, como pode-se observar pela planta. O hall, a cozinha, o lavatório e as escadas, enquanto isso, estão voltados para a rua. Enquanto a cozinha de Schütte-Lihotzky possui acesso direto à sala de estar, no plano de Fellerer, a cozinha apresenta um acesso mais reservado, voltado ao hall. É também a partir do hall que uma escada leva até o primeiro andar, onde encontram-se um dormitório maior voltado para o jardim, uma casa de banho e uma área de dormir dividida por uma sala de armazenamento. Este espaço longo e estreito sugere uma impressão restritiva que, como as fotografias históricas exibem, teria sido inicialmente aumentada pelas cadeiras agrupadas e mesa pequena. Fellerer projetou o interior da casa 57, enquanto o interior da casa 58 foi concedida pelo arquiteto vienense Egon Wiltschek. Ambas as casas de Max Fellerer foram vendidas no final da exposição de 1932, assim como os edifícios vizinhos de Margarete. Os dois arquitetos de esforçaram para alcançar o mais alto nível de vida se-

Figura 91_ Residências 57 e 58 | Fachadas noroeste. Figura 92_ Residências 58 e 57 | Fachadas sudeste.


guindo um programa arquitetônico mínimo, como havia sido exigido pelo segundo Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), em Frankfurt, em 1929, com o título de “A habitação mínima”. CASAS DE ADOLF LOOS

As casas 49, 50, 51 e 52 foram projetadas por Adolf Loos, juntamente com seu colaborador e biógrado Heinrich Kulka. De acordo com Kulka, a contribuição de Loos foi limitada a algumas instruções dadas por telefone: “Projete uma casa de galeria, dois ou três passos para cima e para baixo”.

Figura 93_ Estudo das plantas baixas.

Figura 94_ Visão interna | Dormitório

Cada par destas casas de três pisos, compostas por um pavimento térreo, um mezanino e mais um andar, apresenta uma fachada com simetria de espelho ao longo de um eixo central. As casas, com suas paredes brancas e janelas e portas verdes, possuem duas entradas cada. A entrada principal, exibida através do jardim, leva à um terraço levemente elevado, que por conseguinte, conduz ao andar térreo para uma generosa sala de estar. O outro acesso, de serviços, leva diretamente à uma cozinha e à despensa. A casa de Loos e Kulka é impressionante pelos seus múltiplos níveis de piso, que correspondem aos usos de cada ambiente. Loos salientou que diferentes funções domésticas exigiam salas de diferentes alturas, assim, a eficiência espacial poderia ser otimizada ao estabelecer salas em diferentes níveis e aumentar o uso de escadas e rampas. A sala de estar central no piso térreo contém uma escadaria que leva à um mezanino com uma pequena sala e

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werkbundsiedlung uma galeria, separadaws por um corredor. O primeiro andar compreende três pequenos dormitórios e um banheiro, todos com acesso ​​a partir de um corredor central. Os dois quartos do sul são ligados por uma varanda contínua. Desta forma, os arquitetos conseguiram extrair o máximo de espaço de uma pequena parcela: cada casa ocupa uma área de apenas 47m².

Figura 95_ Estudo das plantas baixas.


Figura 96_ ResidĂŠncias 49 e 50 | Fachadas sul.

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werkbundsiedlung

Figura 97_ ResidĂŠncias 50 e 49 | Perspectiva do acesso norte.

Figura 98_ VisĂŁo interna | Sala de estar e mezanino.


quanto ele deve, a fim de que ele possa ser um ser humano durante o resto do seu tempo “. A fim de dar à propriedade uma aparência harmoniosa, Frank tinha estabelecido uma série de especificações relativas ao exterior das casas unifamiliares. Estas particularidades diziam respeito ao tratamento uniforme das fachadas e demarcações fronteiriças, bem como à decisão em favor dos telhados planos e ao método uniforme de construção, utilizando a técnica tradicional de paredes de blocos ocos. No entanto, uma grande variedade foi permitida na escolha de tipos de esquadrias, incluindo janelas duplas que se abrem para dentro ou para fora, janelas deslizantes feitas de madeira ou ferro e janelas acopladas. Uma característica marcante da propriedade foi o esquema de cores desenvolvido pelo artista László Gábor, que se esforçou para enfatizar as diferenças entre as casas e, assim, neutralizar seus elementos uniformes. As fachadas foram pintadas principalmente em tons pastel, predominantemente em “amarelo pálido, azul de seda, verde garrafa e rosa”. O Werkbund Estate de Viena em 1932 não era apenas uma exposição arquitetônica com modelos em escala 1:1. Além de mostrar casas-tipo para propriedades futuras, foi também, principalmente,

uma tentativa de redefinir a cultura da vida doméstica moderna em Viena. Mais de 200 empresas aceitaram o convite da Werkbund para o fornecimento de seus produtos, incluindo a mais recente cozinha e eletrodomésticos para a decoração dos interiores. Empresas bem conhecidas como Thonet-Mundus ou Herrgesell participaram da concepção do conjunto. De acordo com as ideias do Werkbund, foi estabelecido um projeto de colaboração entre as pessoas responsáveis ​​pelo mobiliário dos interiores e pelas empresas comerciais e industriais, resultando em vários novos desenhos produzidos especialmente para a exposição. A empresa de mobiliário doméstico Haus & Garten, fundada por Josef Frank e Oskar Wlach em 1925, forneceu os interiores de três casas, enquanto o BEST (Escritório de Consultas de Design de Interiores e Higiene Doméstica da Associação Austríaca para a Reforma da Habitação), de Ernst Lichtblau, forneceu o mobiliário de tantas outras. Os interiores trouxeram uma impressão muito heterogênea, com mobiliário de aço tubular state-of-the-art colocado ao lado de cadeiras manchadas bentwood e outras peças mais antigas. Embora a propriedade de Werkbund em Viena fosse descrita nos relatórios contemporâneos como uma cidade-jardim, este termo é enganador. O Werkbund Estate foi uma exposição de pequenas casas unifamiliares com jardins localizados em um local que tinha sido fornecido pelo município de Viena, mas não era uma cidade-jardim no sentido de um grande subúrbio independente estabelecido de acordo com os princípios do planejamento urbano. O Werkbund Estate também era muito pequeno para constituir uma cidade-jardim. No momento em que construiu-se o conjunto, os jardins

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CONCLUSÃO


conclusão A partir do levantamento bibliográfico e o posterior desenvolvimento do trabalho, percebemos uma grande dificuldade em encontrar uma documentação precisa sobre os trabalhos de Margarete Schütte-Lihotzky, além disso, poucos livros tratam sobre sua carreira. A grande maioria das informações contidas neste trabalho foram retiradas de páginas da internet de sites alemães e austríacos. Houve dois livros utilizados como referência na obtenção de informações sobre a sua trajetória: o primeiro, “Warum ich architektin wurde” (Porque eu me tornei uma arquiteta), é escrito pela própria arquiteta - e revela suas intenções políticas e sociais na sua atuação profissional- precisando muito as informações que obtivemos na web. O segundo, “Architecture and Feminism” reflete sobre os aspectos entre as esferas da arquitetura e do feminismo, com um caráter mais historicista. Essa escassez de informação pode ser interpretada como reflexo de uma carente historiografia, que subestima a produção de mulheres no meio acadêmico. Felizmente, contando com a longevidade da arquiteta que viveu até os 103 anos, pode-se recuperar suas memórias e informações sobre seus trabalhos que são de grande importância para a arquitetura moderna e para a sociedade no mundo já que sua influência se estende por toda

a Europa e até a América Central na sua luta frente ao fascismo. É importante pontuar eventos durante a carreira da Margarete que o machismo aparece muito indelicadamente, mas ressalta ainda mais a competência da arquiteta por sua destreza frente a todas as barreiras de gênero que são naturalizadas pela sociedade do período. O principal exemplo da opressão machista é como o mérito do projeto da cozinha de Frankfurt foi atribuído ao seu gênero e não ao seu profissionalismo, isso reforça a visão sexista da mulher como dona de casa e desvaloriza a capacidade intelectual da mulher. Até mesmo o seu colega de profissão, Ernest May, que a admirava, não conseguiu desvincular o seu gênero nos elogios à cozinha de Frankfurt, pois a fim de promover comercialmente a cozinha, afirmava que aquele projeto era algo feito por uma mulher para outras mulheres. Outro exemplo que se passa no início da carreira da arquiteta é a dificuldade do seu ingresso na faculdade, que só foi possível com uma carta de recomendação de um homem muito influente - Gustav Klimt. A proposta fomentada pelos ingressantes da disciplina de Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo Modernos de evidenciar seis mulheres negligenciadas na história da arquitetura é essencial para afirmar a representatividade da mulher em um curso predominantemente feminino. Em resumo, podemos afirmar que a falta de mulheres


na historiografia não se deve a falta de boas arquitetas, mas sim ao demérito de seus projetos pelo seu gênero. A experiência de conhecer e esmiuçar o trabalho desta grande arquiteta foi extremamente gratificante e enriquecedora, especialmente pela autonomia na escolha do tema específico às mulheres, que se desvelou em um rico aprendizado junto ao estímulo de explorar o incógnito.

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