Cartografia artística- De fora adentro a cidade e seus sentidos

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DE FORA ADENTRO - A CIDADE E SEUS SENTIDOS

Maurício de Camargo Teixeira Panella Antropólogo e artista multimídia. Doutor pela Faculdade de Bellas Artes da Universidad de Granada- Espanha. Coordenador Adjunto da Linha de Pesquisa Encontros de Rua- A cidade como laboratório de experiências sensoriais/ Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pesquisador do Núcleo de Estética e Semiótica do Programa de Pós-Graduação/ Arquitetura e Urbanismo da UNB. Diretor, fundador e coordenador

de

projetos

do

Instituto

Casadágua-

Arte,

educação

e

Sustentabilidade.

Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar brevemente algumas das atividades e reflexões realizadas pela Mostra/Laboratório participativo De Fora Adentro: A cidade e seus sentidos na Galeria Newton Navarro localizado na Fundação Capitania das Artes da Cidade do Natal.

Também são

apresentadas interlocuções que estão sendo construídas com professores e alunos do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte relacionadas a apropriação e o pertencimento do espaço público por meio de intervenções artísticas.

Resumen: Esta reflexión tiene como objetivo presentar de modo breve algunas de las actividades y reflexiones realizadas por la Muestra/Laboratório participativo Desde Afuera Adentro: La ciudad y sus sentidos en la Galeria Newton Navarro ubicada en la Fundación Capitania de las Artes de Natal. De igual modo son presentadas algunas de las interlocuciones que se generan con maestros y alumnos del Departamento de Arquitectura y Urbanismo de la Universidad Federal del Rio Grande del Norte relacionadas a la apropiación del espacio público por médio de intervenciones artísticas.

Palavras-chave: laboratório participativo, cartografia artística, memória, percepção ambiental e planejamento urbano.


INTRODUÇÃO

Em julho de 2010 foi impresso o mapa gigante da cidade do Natal, ocasião que marcou o lançamento do projeto artístico e pedagógico De Fora Adentro1, na 62°SBPC, realizada na cidade do Natal- Rio Grande do Norte/ Brasil. Passados já quase sete anos de seu nascimento, o Projeto De Fora Adentro segue sendo uma hélice propulsora para a realização de pesquisas e processos criativos com foco na cartografia artística, na educação patrimonial e em estudos sobre a apropriação do espaço. Algumas parcerias com núcleos acadêmicos do Brasil e do exterior foram realizadas, assim como foram estabelecidas também parcerias com centros culturais e órgãos públicos de fomento à pesquisa e a criação artística durante este período.

O mapa gigante já foi palco e inspiração para a criação e apresentação do espetáculo Cidade Vestida2. Virou sala de aula para muitas escolas, institutos e universidades. O mesmo projeto virou capítulo de tese de doutorado, produziu exposições de fotografia e produções videográficas. Ver o mundo de cima e caminhar sobre ele instigou processos inquietantes de investigação e pertencimento. O projeto deste modo cumpre sua função maior: despertar no público, pela experiência de caminhar sobre uma imagem macroscópica, o interesse por adentrar nos mundos microscópicos que compõem a diversidade de topografias físicas e íntimas do mundo.

Figuras 1 e 2 : Imagens do lançamento do projeto em Natal.

1

Projeto de Fora Adentro: O projeto De Fora Adentro foi lançado tendo como produto inicial o mapa gigante da cidade do Natal, impresso em lona vinílica e envernizado com tamanho de 13 m.X 26 m. Esta instalação convidava o público a caminhar pela cidade do Natal. 2 Cidade Vestida: espetácilo de dança contemporânea realizado em parceria com a dançarina Ana Claudia Albano da Companhia Nammu. O espetáculo ganho o prêmio Renda de circulação pelo edital de dança contemporânea Funarte-Petrobrás Cultural.


Figura 3 e 4 : cartazes do espetáculo Cidade Vestida Link vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=iG0ONW9Zu6s&t=123s

Figuras 5, 6 e 7: Imagens do espetáculo.

A receptividade e o entendimento sobre a importância de se discutir e refletir a variedade de temas relacionadas a apropriação e o pertencimento do espaço urbanístico desde uma perspectiva criativa, transdisciplinar, lúdica, dinâmica e sensorial nos impulsionou o interesse em coordenar um laboratório participativo contínuo pelo qual distintos coletivos e instituições educacionais pudessem refletir acerca de questões relacionados à identidade, a memória afetiva dos habitantes, os espaços naturais que compõe a cidade, assim como imaginar e vislumbrar novas formas de planejamento urbano.

O prêmio adquirido pelo Edital de Ocupação de Galerias, organizado pela Fundação Capitania das Artes, proporcionou que este laboratório participativo fosse desenvolvido entre os meses de maio e agosto do ano de 2016 na Galeria Newton Navarro localizado na Capitânia das Artes. Este artigo tem como objetivo


apresentar brevemente algumas das atividades e reflexões realizadas pela Mostra/Laboratório participativo De Fora Adentro: A cidade e seus sentidos, assim como enunciar algumas interlocuções que estão sendo construídas com professores e alunos do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Figura 8: Arte da Mostra/Laboratório Participativo A cidade e seus Sentidos

Parceria com o Departamento de Arquitetura e Urbanismo/UFRN

Na mesma ocasião que organizava o desenho da Mostra/Laboratório participativo De Fora Adentro: A cidade e seus sentidos na Capitânia das Artes de Natal, no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, uma equipe de professores e arquitetos me convidavam a coordenar uma linha de pesquisa3 que abordasse, desde uma perspectiva sensível, temas relacionados a percepção, ocupação e o pertencimento do espaço. Este convite surgiu após ter ministrado a disciplina Arte e Espaço Público: reflexões e re(ações) no Programa de Pós-Graduação deste departamento em parceria com o colega filósofo Miguel Gally, professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Com Gally já havíamos compartilhado uma série de pesquisas e projetos relacionados a Arte e espaço público dentro do Núcleo de Estética e Semiótica, ligado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UNB, ao qual também tenho vínculo como pesquisador.

O projeto de De Fora Adentro já vinha me proporcionando encontros com pesquisadores da arquitetura e do urbanismo nos últimos anos, mas sempre 3

Encontros de Rua: A cidade como laboratório de experiências sensoriais, com o Professor Clewton Nascimento e as arquitetas Ana Luiza Silva Freire e Bárbara Rocha.


desde um ponto de vista de intercâmbio teórico. No entanto, em 2016 se criou um ambiente que me levou a entrar em sintonia direta com estes profissionais, o que proporciona desde então um mar de possibilidade de diálogos e construções de novas propostas para se pensar o mundo.

ABERTURA DA MOSTRA

Abrimos a Mostra Participativa em maio e convidamos um grupo de performance do Departamento de Artes da UFRN, sob a orientação do dançarino e professor de dança Maurício Mota, com o objetivo de criar uma atmosfera de limpeza simbólica da cidade do Natal. Os dançarinos entraram em cena e sobre o mapa dançaram manuseando vassouras e rodos criando ritmos entre eles. O ato buscava expressar a vontade de transformação social e maior zelo com a cidade, e toma mais força pois estão presentes na abertura da exposição secretários e inclusive o prefeito da Cidade.

Figuras 9 e 10: abertura oficial da exposição e performance

A Fundação Capitania das Artes da cidade do Natal tem sob sua gestão o cuidado de algumas galerias na cidade. A Galeria Newton Navarro fica justamente dentro da secretaria de cultura do município, onde são gestadas e coordenadas as atividades das áreas da secretaria. Ou seja, instalamos o Mapa Gigante no ambiente aonde são discutidas as políticas culturais da cidade do Natal. Esta decisão foi tomada para aproveitar e explorar um espaço público pouco utilizado e tornar aquele ambiente um epicentro aonde seriam realizadas reflexões sobre aspectos culturais, naturais e urbanísticos da cidade. Era regra do edital de Ocupação de Galerias que o artista ganhador do prêmio ficasse responsável pelas atividades na galeria por um mês. Flávio


Freitas, coordenador do Departamento de Artes Visuais, desde a apresentação da proposta no edital, foi muito receptivo às minhas ideias e não hesitou em nenhum momento em transformar a galeria Newton Navarro num laboratório de reflexões sobre a cidade do Natal. Antes mesmo de abrirmos a Mostra, Flávio Freitas já antecipava a possibilidade de estendermos por um período mais longo, sabendo da importância da interlocução com as escolas públicas do município. Desta forma, se iniciaram as parcerias para que o laboratório tivesse um programa diversificado de oficinas que proporcionasse leituras, reflexões, ações e interações sobre o Mapa. I-

OFICINA DE PERCEPÇÃO AMBIENTAL A Mostra já anunciava que iria se desenvolver contando com a parceria

do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFRN. Iniciamos este diálogo convidando a professora/urbanista Ruth Ataíde para coordenar uma oficina de percepção ambiental. Com a colaboração da aluna do mestrado, Camila Nobre, criaram um roteiro para a atividade tendo como referência os estudos sobre os elementos que compõem o desenho da cidade abordados por Kevin Lynch no livro A imagem da Cidade. Abaixo fotos da oficina e resumo desta:

Figuras 11, 12 e 13: Roda inicial e intervenção sobre mapa gigante

Resumo da atividade proposta por Ruth Ataíde e Camila Nobre: Atividade lúdico-didática relacionada à percepção ambiental na cidade de Natal a ser realizada sobre o mapa gigante elaborado pelo antropólogo e artista Mauricio Panella. Objetiva-se refletir sobre a relação do ser humano com o espaço urbano e sobre os elementos de referência que norteiam a percepção ambiental na cidade de Natal. Para isto, serão realizadas diferentes mini-atividades com os participantes, que visam o reconhecimento de espaços naturais e construídos que se destacam na paisagem de Natal. Ao final, se propõe um debate sobre as


atividades realizadas que embasará a elaboração de um produto para fins pedagógicos. A programação se divide em cinco etapas básicas: 1. Sensibilização sobre a atividade: debate sobre os objetivos e procedimentos adotados para a percepção da paisagem a partir do mapa. 2. Realização de dinâmica direcionada para a identificação dos espaços naturais protegidos (ZPAs) de Natal no mapa com vistas a marcação de possíveis corredores ecológicos e delimitação de um perímetro 3. Realização de dinâmica direcionada para a identificação dos elementos espaciais de referência da cidade naturais e construídos 4. Realização de dinâmica direcionada para a identificação das principais vias, cruzamentos e de espaços de maior concentração de pessoas, relacionando-os com os elementos espaciais de referência da cidade naturais e/ou construídos 5. Roda de discussão sobre as atividades realizadas com vistas à produção posterior de um produto para fins pedagógicos. Objetivos gerais: Refletir sobre a relação do ser humano com o espaço urbano e sobre os elementos de referência que norteiam a percepção ambiental na cidade de Natal. Resultados esperados: Espera-se que as dinâmicas possam suscitar reflexões sobre a percepção da paisagem urbana da cidade de Natal com destaque para os elementos de referência que a compõem. Além disso, a partir da vivência, será pensado um produto com finalidade didático-pedagógica que possa ser replicado nas escolas de ensino fundamental e secundário.

Com a participação de alunos da graduação do Departamento de Arquitetura a atividade se desenvolveu por três horas ineterruptas. Foram disponibilizados materiais para que os alunos então identificassem os elementos espaciais de referência da cidade, entre eles grandes avenidas, pontos turísticos e áres de importância natural. De modo dinâmico os alunos realizaram uma leitura sobre a configuração espacial da cidade e foram o primeiro grupo a deixar


representações sobre o mapa gigante para que outros visitantes também pudessem realizar suas apreensões.

Como o mapa impresso foi realizado com imagens de 2006 os alunos puderam fazer uma análise crítica sobre um planejamento urbanístico pouco atento com a qualidade de vida de seus habitantes. A experiência em caminhar sobre toda a cidade revelou aos alunos a falta de conhecimento que se tem sobre muitas áreas da cidade, pouco exploradas no cotidiano deles, e até mesmo pouco investigada nas pesquisas acadêmicas.

II-

MEMÓRIAS AFETIVAS NO PASSO DA PÁTRIA / ADIC- RN4

Figura 14: grupo de adolescentes da ADIC

Esta atividade foi direcionada para um grupo de adolescentes que participam das ativiadades pedagógicas e esportivas que a ADIC/RN realiza no

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ADIC/RN: Associação para o Desenvolvimento de Iniciativas de Cidadania do RN (ADIC/RN) é

uma associação civil de iniciativa privada, sem fins lucrativos, que foi idealizada para atender a comunidade do Passo da Pátria – Natal/RN – Brasil. Promovem o exercício da cidadania com crianças, adolescentes, jovens e famílias da comunidade.


bairro do Passo da Pátria, região central, às margens do Rio Potengi. Como de praxe, deixamos que os visitantes experimentassem o mapa gigante querendo compreender o modo de apreensão específica do grupo. Após alguns minutos alguns jovens começaram a identificar alguns pontos já demarcados pelas intervenções anteriores. Finalmente se debruçam sobre sua comunidade e se deleitam ao reconhecer que seus cotidianos e espaços afetivos existem de fato dentro da cidade. A atividade com o grupo da ADIC queria perceber como os adolescentes entendem e percebem a relação de suas vidas com a dinâmica da cidade. Com outros grupos de jovens acontece o mesmo: a cidade começa a fazer sentido a partir do momento em que cada pessoa ou grupo encontra sua própria história impressa no mapa. A cidade impressa de modo agigantado se torna ainda maior quando se identificam histórias íntimas. Passado, presente e futuro se mesclam e cada lugar reconhecido exibe e permite a celebração de memórias e trajetórias que trazem sentidos únicos.

Figura 15: grupo identificando espaços de apropriação no bairro


Figura 16: foto aérea do bairro com espaços identificados.

Os adolescentes do Passo da Pátria se debruçaram sobre seu bairro, imensamente pequeno diante de toda a cidade estendida no chão. Encontraram suas casas, seus lugares de diversão e afetos. Mergulharam numa atmosfera de compreensão espacial aonde perceberam e relativizaram distâncias físicas e emocionais. A atividade demonstra que além dos espaços residenciais, alguns outros lugares de encontros coletivos são significativos para quase todo o grupo. São eles o próprio espaço da ADIC, a quadra, o rio/prática do remo e o campo de futebol.

Fugura 17 e 18: criações sobre mapas pequenos e imagem do Google da Cidade com referência da localização da ADIC/RN.

Durante toda Mostra/Laboratório participativo estava a disposição do público, em mesas distribuídas pela galeria, lápis grafite, lápis de cor, canetas e


folhas de papel ofício com o a forma do mapa da cidade impresso. A intenção era convidar os visitantes da exposição a compartilharem suas memórias afetivas sobre a cidade, tendo como base a imagem da própia cidade em formas de desenhos e textos. O grupo da Adic foi o primeiro grupo a desenvolver a atividade e surgiram ótimas obras sobre a realidade do bairro. A interação sobre o mapa gigante se complementa muito bem com a criação de um registro sobre o mapa pequeno, ocorrendo

uma

espécie

de

mergulho

sobre

si

mesmo

tendo

o

georeferenciamento macroscópico da cidade. Numa das paredes da galeria o público compartilhava sua criação, compondo uma expoisção sobre a memória da cidade.

Figuras 19 e 20 : atividade junto a grupo da ADIC

III-

ARTE, CARTOGRAFIA E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

Figuras 21, 22 e 23: Fotografias PXB de professores da rede municipal.


A oficina Arte, Cartografia e Educação Patrimonial foi organizada em parceria com a Secretaria de Educação do Município de Natal. Participaram da atividade 70 professores e monitores do Programa Mais Educação desenvolvido Ministério da Educação. Foi definida para esta atividade quatro momentos distintos: exploração e apropriação da cidade sobre o Mapa Gigante; localização e intervenção sobre áreas das escolas que cada professor atua; modelagem com massinhas das àrvores identificadas que marcam a memória de cada participante da atividade; e consequente palestra sobre Arte, cartografia e educação patrimonial que eu mesmo coordenei.

Figura 24 e 25: professores caminhando sobre mapa gigante e escola identificada.

Após livre caminhada de reconhecimento da cidade do Natal sobre o mapa gigante foi proposto para os participantes que se detivessem nos percursos cotidianos que cada um faz entre a própria residência e a escola aonde trabalha. Foram disponibilizados linhas coloridas, papéis, bases de argila e palitinhos para se criar bandeirinhas com os nomes das escolas e os trajetos identificados. Caminhos se cruzaram, árvores nasceram no mapa, gigantes debruçados sobre suas próprias trajetórias, caminhos e memórias. A história pessoal identificada inicialmente por cada visitante poderia demonstrar um espírito individualista, no entanto as linhas coloridas que se cruzam no mapa em direção a um mesmo ponto, escola que trabalha, abre o sentido comum da existência de cada um.


Figuras 26 e 27, 28 e 29: intervençþes sobre o mapa.


IV-

NATAL: CIDADE COLAGEM

Figuras 30 e 31: intervenções da oficina sobre o Mapa

A oficina Natal- Cidade Colagem nasce em parceira com Ana Luiza Freire, arquiteta e aluna do mestrado do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN, também pesquisadora da Linha de Pesquisa Encontros de Rua- a cidade como laboratório de experiências sensoriais.

Com o apoio do mapa gigante Ana Luiza Freire desenha uma oficina com o objetivo de estudar a cidade do Natal contemporânea partindo de uma apreensão crítica que expõe o alto investimento especulativo dos espaços privados da cidade em relação ao abandono dos espaços públicos. As discussões e reflexões feitas por Rem Koolhaas, principalmente relativos às ideias relacionadas aos espaços lixo, Junkspace, são tomadas e apropriadas pela pesquisadora para desenvolver a atividade. Participaram da oficina alunos da disciplina Teoria da Arquitetura do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo dirigida pelo professor Clewton Nascimento, também do Encontros de Rua. Outros inscritos também participaram. Segue abaixo fotos e roteiro da atividade feito por Ana Luiza:

Figura 32: Reflexões durante atividade.


Resumo da atividade: Atividade lúdico-didática relacionada à percepção sobre a cidade de Natal a ser realizada sobre o mapa gigante elaborado pelo educador e artista Mauricio Panella. Objetiva-se refletir sobre as modificações espaciais ocorridas em Natal e suas regiões limítrofes de 2006 em diante, época posterior à concepção do mapa gigante. Para isto, serão realizadas colagens (removíveis) sobre o mapa com imagens de espaços atuais da cidade. Além disso, deverá ser realizada uma atividade sobre a imagem e o imaginário da cidade que está sendo construída/destruída, a partir da exposição de folhetos publicitários de empreendimentos imobiliários e de fotografias do urbano, a fim de construir uma crítica acerca da produção espacial de Natal e a refletir sobre que cidade gostaríamos de viver - o produto dessa atividade deverá resultar em um material gráfico construído coletivamente a partir da discussão apreendida pelos participantes. Por fim, propõe-se um debate sobre as atividades realizadas que embasará a elaboração de outros produtos com finalidade pedagógica. Atividades: -Reconhecimento do mapa; -Breve introdução sobre o que é Junkspace e sua relação com Natal; -Sensibilização sobre a atividade: debate sobre os objetivos e procedimentos adotados para a percepção da paisagem a partir do mapa gigante -Colagem coletiva - atualização do mapa; -Brainstorming - Ideias sobre a cidade atual e sobre a cidade desejada pelos participantes; -Colagem coletiva – Recriação da cidade: o que poderia existir no lugar desse junkspace? Como eu gostaria que fosse a minha cidade? -Roda de discussão sobre as atividades realizadas com vistas à produção posterior de um produto para fins pedagógicos.

Material necessário:

-Imagens referência; Imagens atualizadas do mapa, de algumas produções espaciais recentes; Panfletos de Junkspace; Lápis, canetas coloridas, tintas; Papeis variados, papel fosco; Caixas de papelão; Tesoura e pincéis; Fitas


adesivas; Linhas, nylon; Revistas, imagens diversas, souvenirs; Impressora; Cartucho; Projetor.

Objetivos gerais: Refletir sobre a Natal contemporânea - como a cidade está se construindo e quais as forças que ordenam e influenciam esse crescimento. Investigar a realidade a partir da produção espacial que se dá na cidade e também os significados das representações dessa produção, e incentivar a imaginação sobre quais outras maneiras Natal poderia se desenvolver.

Resultados esperados: Espera-se que as dinâmicas possam suscitar reflexões transdisciplinares ao urbanismo, contemporâneas às discussões atuais da disciplina, e sobre a percepção da produção espacial mais recente de Natal e região metropolitana, a partir do trânsito entre realidade, imagens e mapa. Além disso, a oficina resultará em um produto gráfico criado coletivamente pelos participantes, o qual faz parte do diálogo coma exposição De Fora a Dentro (acontecendo atualmente na Capitania das Artes).

Ana Luiza Freire levou para a oficina algumas imagens aéreas atuais de áreas que foram nos últimos dez anos transformadas pela ocupação e especulação dos grandes empreendimentos imobiliários. Como numa gincana, os participantes precisavam encontrar justamente aonde a imagem se encaixava sobre o mapa que tinha como base uma imagem aérea de 2006. A provocação em forma de jogo lúdico e dinâmico exaltava as intenções de Ana Luiza em proporcionar reflexões sobre o descuido dos espaços públicos. E o que dava o mote necessário para o que vinha por diante: criar uma cidade dos sonhos.

Num outro momento o grupo se divide então em três pequenos grupos para criarem propostas que fossem no sentido oposto dos erguidos pelo Junkspace. A única orientação era que fossem espaços que enaltecessem as qualidades dos espaços públicos. E assim surgiram propostas como a Praça da Luneta, que liga o Parque das Dunas por um corredor verde de ciclovias ao Rio Potengi, criando um caminho vital dentro do espaço urbano em direção ao rio.


“Outro grupo criou um elemento muito interessante: bonecos de papelão, com arma em riste, asas de plantas de plástico e um escudo estelar-iluminado. Esses bonecos, assassinos, simbolizam o Junkspace como elemento que nega e aniquila a saúde urbana calcada em elementos sobretudo de sociabilidade; carregam uma insígnia de luz no peito em alusão aos espaços luminosos.” (Freire, A, 2016)

Figuras 33, 34 e 35: intervenções da atividade

Ana Luiza Freire também trouxe para a atividade reflexões e conceitos desenvolvidos por Guy Debord e Paola Berenstein acerca da sociedade do espetáculo, sugerindo e levantando críticas sobre a estetização, culturalização, patrimonialização, museificação, musealisação, turistificação, gentrificação, privatização, disneylandização, shoppinização e cenograficalização como parte do mesmo processo de espetacularização das cidades contemporânea . A oficina pode assim articular alguns desdobramentos da pesquisa que Ana Luiza desenvolve em seu mestrado em História da Cidade e do Urbanismo. A inquietação em investigar e compreender a cidade que vivemos favoreceu para que pela atividade pudéssemos adentrar em questões que conectam temas da economia,

da

política

e

de

suas

consequências

sociais,

- temas determinantes contemporaneamente para a construção de cidades, como afirma a arquiteta.

Sob a lente conceitual do Junkspace e por meio das imagens impressas foram tocados pontos chaves para o entendimento da produção espacial de nosso tempo histórico atual que se relacionam com a publicidade e o marketing urbano, a cultura urbana, o individualismo, o capitalismo na era financeira e menor centralização do poder no Estado.


V-

GIRA DANÇA5- MOBILIDADE URBANA

Figura 36: dançarinos do Giradança sobre Mapa

A mostra/laboratório participativo então convida outro coletivo da cidade para poder pensar a paisagem urbana. Desta vez, o objetivo era perceber como que os dançarinos da Companhia Giradança de dança vivem e percebem a cidade do Natal desde o ponto de vista da mobilidade urbana. A companhia Giradança tem também em seu elenco dançarinos cadeirantes, cegos e portadores de síndromes. Como membros de uma importante companhia de dança contemporánea brasileira, nos importava ouvir e saber os desafios que enfrentam para se locomover numa cidade com um mal planejamento urbano.

Figuras 37, 38 e 39: Reflexões e intervençoes do elenco sobre o Mapa

5

Gira Dança: Cia. de dança contemporânea formada pela diversidade de corpos. Buscam uma linguagem própria, voltada para o corpo como ferramenta de experiências. Ver site: https://www.giradanca.com/


A atividade junto ao elenco do Giradança foi surpreendente. Se realizou numa sexta-feira no período da tarde. Na secretaria de Cutura não havia mais ninguém, a não ser o guarda responsável pela abertura e segurança do espaço. Habitava um silêncio que comprovava que quem estava ali eram realmente pessoas sensíveis que acreditavam poder transformar realdades por meio de ações artísticas.

Fiquei muito feliz em chegar na Capitania das Artes e encontrar os dois diretores da Companhia, e junto a eles aguardar o restante do elenco. Quando todos esperados já estavam na galeria iniciamos a atividade explicando para todos quais eram os objetivos da mostra e que queríamos refletir junto com eles naquela tarde a questão da mobilidade urbana de Natal. Como de costume, sobre as mesas estavam os materias para intervir no mapa. Para eles a proposta lançada foi traçar os trajetos de cada dançarino de casa para a companhia que fica no centro histórico da cidade. E que por meio da demarcação desta trajetória, fosse refletida quais eram as dificuldades encontradas na locomoção.

Mas como localizar a trajetória de alguém sobre o mapa com quem não dispõe do sentido da visão? Este desafio apresentou a sensibilidade que a dançarina revela por emio de sua narrativa de casa para o trabalho. Suas referências eram os sons da cidade, ônibus, pássaros, silêncios...Suas referências eram as dificuldades em andar por calçadas mal projetadas que tem postes e meios fios sem lógica para um deficiente visual. Estes elementos mal organizados, ao invés de auxiliar em suas trajetórias, transformam-se em elementos perigosos. Um cego prefere andar pelas ruas, chegamos a conclusão.

Os dançarinos cadeirantes então apresentam também suas revoltas quando pensam e se dão conta que seus percursos de casa para o trabalho sempre são mais demorados do que o necessário, pois não há planejamento de calçadas e nem de transporte público pensado para quem se locomove com cadeiras de roda. Há revolta, desgosto. Mas ao mesmo tempo há amor e afeto pela cidade em que vivem. Percebem seus caminhos, percebem suas vidas, suas famílias, seus amigos e principalmente percebem o afeto que tem cada um pelo outro no trabalho que realizam juntos no Giradança.


Para os dançarinos do Gira, disponibilizmos várias fitas adesivas azuis para que cada um traçasse sua trajetória. Assim os caminhos azuis no mapa, já bem cheio de representações, teriam destaque demonstrando a unidade entre eles.

Figura 40: particpantes e seus caminhos azuis sobre o mapa.

Um dos diretores, na roda final sobre o mapa, fez uma interessante observação partindo de sua própria experiência na atividade. Falou sobre a falta de sentido que sentiu durante grande parte da oficina. Por não possuir nenhuma deficiência física identificou e demarcou sua trajetória rapidamente. E então começou a auxiliar os outros dançarinos. Percebeu neste instante que o seu caminho vinha sendo cruzado por trajetórias de outros companheiros. Isso o fez pensar sobre a rede de afetos construída entre todos da companhia. E como as trajetórias individuais acabam por nutrir, inclusive pelas próprias dificuldades que são enfrentadas nos percursos, os processos criativos que o grupo desenvolve.

A oficina com os dançarinos do Gira motivou um interesse comum em desenvolver uma obra conjunta que abordasse as questões abordadas e refletidas em nossa atividade.


ARQUITETURA, IDENTIDADE E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

Esta atividade foi desenvolvida em parceria com o Departamento de Arquitetura da UFRN, sob a coordenação da Professora Eunádia Cavalcante e com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/RN) sob coordenação da Professora Andrea Costa, que na ocasião era superintendente do órgão. Junto com estas professoras desenvolvemos uma oficina que tinha como objetivo central a realização de duas atividades que proporcionassem reflexões dinâmicas e lúdicas sobre o patrimônio material e imaterial do centro histórico da cidade do Natal. Estas duas professoras assumiram a responsabilidade de desenvolver duas atividades interligadas: uma dentro da galeria Newton Navarro sobre o Mapa Gigante, e outra no centro histórico num formato de deriva patrimonial.

Figuras 41, 42 2 43: Momentos com as professoras na atividade.

Eunádia Cavalcante e Andrea Costa resgataram práticas já desenvolvidas pelas duas em seus métodos pedagógicos e formularam roteiros para orientar as atividades. E para receber esta atividade convidamos um outro grupo da Universidade Federal, o Núcleo de Antropologia Visual (NAVIS), sabendo que iriam tirar proveito das reflexões em suas atividades de pesquisa e criação.

Iniciamos sob a coordenação de Eunádia Cavalcante que separou o grupo visitante em três pequenos grupos para que a gincana fosse iniciada. Cada grupo tinha em mãos adesivos de distintas cores para demarcar no mapa os marcos patrimonias que Eunádia iria lançar em forma de desafio, para ver qual grupo advinharia os marcos apresentados. Foram no total 25 advinhações. Aqui apresento algumas delas:


1. Minha caixa d’água é uma parabolóide hiperbólica. Um casal de estudantes guarda a minha entrada. 2. Minha forma já foi associada a um símbolo nazista. 3. Sou um edifício de planta livre e circular. Já fui o edifício mais alto da cidade. 4. Minha forma singular é destaque no meio em que estou situado. No auge da minha existência fui palco de importantes reuniões políticas e hospedei grandes artistas de renome nacional. 5. Fui um local de diversão e entretenimento. Sou exemplar sobrevivente da arquitetura Déco em Natal. 6. Abrigo uma famosa biblioteca cujas paredes registram a presença daqueles que me visitaram. Sinto saudades do meu ilustre dono. 7. Sou exemplo da arquitetura colonial, abrigo um belíssimo retábulo em madeira e sou guardiã do símbolo do despertar. 8. Abriguei o quartel general dos aliados durante a segunda guerra, mas a minha verdadeira vocação é a vida e sou exemplo de arquitetura neocolonial. 9. A minha cobertura é conhecida como véu de noiva. Conheci um presidente da república. 10. Sou o primeiro empreendimento turístico de alto padrão do estado, guardo elementos da arquitetura moderna, mas, hoje, sou exemplo de abandono.

Figuras 44 e 45: intervenções do grupo no mapa

Ao finalizar a atividade sobre o mapa e termos encontrado juntos os edifícios e marcos que representam momentos da história da cidade do Natal nos organizamos para dar continuidade a atividade. Andrea Costa então toma a palavra e assume o papel de tutora, guia da deriva patrimonial. De acordo com o roteiro de charadas que ela havia elaborado, saímos da Secretaria de Cultura e fomos em direção a Cidade Alta, bairro histórico da cidade. Andrea Costa havia formulado dez charadas:


1. Quando a cidade foi fundada, era aqui que estava marcado seu limite norte. 2. Fui construído para ser a sede do poder estadual, mas hoje vivo de arte. 3. Sou formada por pedras do mar e separo dois belos exemplares do nosso centro histórico. 4. Sou simples, mas bela; poucos natalenses me vêem, mas daqui vejo uma linda paisagem de Natal. 5.Sou palco de uma famosa lenda, mas na verdade, abrigava uma bondosa senhora. 6. Já fui sede do governo local e escola de marinheiro. Hoje, meu negócio é a cultura. 7. Aqui esteve Henry Koster, em 1810, que me descreveu: “As construções foram feitas numa elevação a pequena distância do rio, formando a cidade propriamente dita [...] Consiste numa praça cercada de residências, tendo apenas o pavimento térreo, [...], o palácio, a câmara e a prisão”. 8. Por minha cor branca e pelo formato de meu telhado, já me chamaram de Véu de Noiva. 9. Já fui de barro, depois de pedra. Vi Natal crescer, descendo para a Ribeira, e fui uma das mais importantes avenidas de Natal. 10. Fui construído para ser casa, mas ao longo de minha vida passei a abrigar muitas pessoas. Agora, em minhas paredes mostro parte da história de Natal.

Figuras 46, 47 e 48: deriva patrimonial no centro histórico

Andrea Costa proporcionou um roteiro patrimonial pelo centro histórico de Natal, passando por edifícios, praças e outros locais que marcam diferentes momentos da história de Natal. O caminhar pela cidade em grupo foi revelando a importância histórica da cidade que muitos participantes, mesmo tendo já passado pelos pontos de referência das charadas enunciadas coordenadora da atividade, não tinham conhecimento.

pela


Ao retornarmos para a galeria fizemos uma breve reflexão sobre a atividade e de como ela se complementou com os dois momentos distintos, um sobre o mapa, outro na deriva no centro.

Considerações Finais:

Como foi enunciado na introdução, a intenção deste artigo era apresentar brevemente, num único documento, algumas das atividades realizadas durante a Mostra/Laboratório Participativo A Cidade e Seus Sentidos. Mais do que trazer reflexões teóricas, o que nos interessava era demonstrar como que o mapa gigante de Natal, produto inicial lançado pelo Projeto De Fora Adentro, proporciona um caminho infinito para o desenvolvimento de metodologias e atividades de Educação Patrimonial.

Como artista e coordenador do projeto, e da atividade desenvolvida por quatro meses dentro da secretaria de cultura de Natal, considero que a mostra/laboratório possibilitou grandes conquistas como o estabelecimento de parcerias importantíssimas com outras instituições e coletivos que também pensam a cidade, como O IPHAN, o Departamento de Arquitetura, a própria Secretaria de Cultura, a Secretaria de Educação, associações e coletivos socias e artísticos da cidade.

Era objetivo ver como que o mapa gigante iria ser apropriado e ocupado pelos visitantes que participaram das atividades propostas. Era objetivo provocar reflexões sobre o espaço urbano, trazer questões que ficam emudecidas, levantar memórias, trazer sentimentos de pertencimento e apropriação que muitas vezes os habitantes das cidades nem sequer chegam a perceber que tem por seus lugares. Ou seja, queríamos pela mostra, provocar o visitante a expressar seus afetos, desafetos, memórias e sonhos. E concluo que pudémos realizar isso. Como decorrência da exposição organizei o projeto de extensão univeristária Walkshop, arte, cartografia e educação patrimonial, criado junto ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, núcleo este que abraça com afeto as reflexões do projeto De Fora Adentro.


Referências teóricas das atividades:

DEBORD, Guy. Internacional situacionista: vol. I, La realización del arte. Madrid: Literatura Gris, 1958.

DEBORD,Guy. A sociedade do espetáculo. Trad. Railton Sousa Guedes. Rio de Janeiro: Contraponto,1997. JACQUES, Paola Berensteisn. Corpografias urbanas – o corpo enquanto resistência. Cadernos PPGAU – FAUFBA. Resistências em espaços opacos. Ano 5, número especial, Salvador: 2007.

JACQUES, Paola Berenstein. Notas sobre espaço público e imagens da cidade.Arquitextos, São Paulo, ano 10, n. 110.02, Vitruvius, jul. 2009 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/10.110/41>.

HELGUERA, Pablo. Transpedagogia. In: HELGUERA, Pablo; HOFF, Mônica (orgs.). Pedagogia no campo expandido. Tradução de Camila Pasquetti, Camila Schenkel, Carina Alvarez, Gabriela Petit, Francesco Settineri, Martin Heuser e Nick Rands. Porto Alegre: Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, 2011.

KOOLHAAS, Rem. Junkspace. October 100, Obsolescnce, 2002. 175-190. Disponível

em:

<

http://lensbased.net/files/

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LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1980. RIBEIRO, Ana Clara Torres. “Homens lentos, opacidades e rugosidades.” Salvador: Redobra, ano 3 (2012): 58-71.


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