E atĂŠ aos confins do terra: uma histĂłria ilustrada do cristianismo
A era dos conquistadores volume 7
E atĂŠ aos confins do terra: uma histĂłria ilustrada do cristianismo l/A 2/ 3/ 4/ 5/ 6/ 7/ 8/ 9/ 10/
era A era A era A era A era A era A era A era A era A era
dos mĂĄrtires dos gigantes das trevas dos altos ideais dos sonhos frustrados dos reformadores dos conquistadores dos dogmas e das dĂşvidas dos novos horizontes inconclusa
Justo l. González
E até aos confins da terra: uma história ilustrada do cristianismo
A era dos conquistadores volume 7
Tradução
Itamír Neves de Souza
edições vida nova
e 1994 de Justo L. González Título do original: Y hasta lo último de la tierra:
Una Historia Ilustrada dei Cristianismo Tomo 7 - La Era de los Conquistadores 1~ edição: 1983 Reimpressões: 1986, 1990, 1995 Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados por SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA, Caixa Postal 21486, São Paulo, SP.
04698-970 Proibida a reprodução por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos, xerográficos, fotográficos, gravação, estocagem em banco de dados, etc.). Permitida a reprodução parcial somente em citações breves em obras, críticas ou resenhas, com indicação de fonte.
Cristóvão
Capa: O descobrimento da América por Colombo. A óleo, 1959. ADAGP, Paris, Usado com permissão.
Printed in Brazil / Impresso
1980.
no Brasil
Dados internacionais de catalogação na publicação (Câmara Brasileira do Livro, sP, Brasil)
(CIP)
González, Justo L. E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo I Justo L. González: - São Paulo: Vida Nova, 1995. Várias tradutores. Título original: Y hasta lo último de la tierra: una historia ilustrada dei cristianismo. Conteúdo: v. I. A era dos mártires - v. 2. A era dos gigantes - v. 3. A era das trevas - v. 4. A era dos altos ideais - v. 5. A era dos sonhos frustrados - v. 6. A era dos reformadores - v. 7. A era dos conquistadores - v. 8. A era dos dogmas e das dúvidas - v. 9. A era dos novos horizontes v. 10. A era inconclusa. ISBN 85-275-0215-1 (obra completa) I. Igreja - História I. Título CDD-270
95-2793
Índices para catálogo sistemático I. Cristianismo : História da Igreja
270
Dedicatรณria ร memรณria do Doutor Ramon Vifias, meu primeiro professor de histรณria eclesiรกstica.
A era dos conquistadores
- 7
índice Lista de ilustrações Cronologia
9 11
I.
Isabel, a Católica Herança incerta O trono se afiança..................................... A guerra de Granada.................................
13 15 23 28
II.
Um novo mundo.............................................. O empreendimento de Colombo............... A importância do empreendimento de Colombo.....................................................
32 33
A justificação do ernpreendlmento. As bulas papais.......................................... O protesto: Frei Bartolomeu de Las Casas Francisco de Vitória...................................
50
III.
IV.
O empreendimento antilhano Colonização de A Espanhola.................... Porto Rico.................................................. Cuba Os escravos negros
V.
A serpente emplumada...... Pri meiros encontros com os índios........... Tenochtitlán Os Doze Apóstolos.................................... Frei Juan de Zumárraga A Virgem de Guadalupe Novos Horizontes...
VI.
Castela do Ouro............................................... Vasco Núfiez de Balboa Castela do Ouro Em direção à Centro-América
43 51 57
61 66 66 71 73
74 76 79 83 87 89 92 95 102 102
106 107
8 - A era dos conquistadores
VII.
Nova Granada :....................................... Santa Marta................................................ Venezuela................................................... Cartagena e Bogotá................................... O apostolado entre os índios: São Luís Beltrão........................................................ O apóstolo dos negros: Pedro Claver
116 119
VIII.
Os filhos do Sol............................................... O Tahuantínsuyu Francisco Pizarro Resistência e guerra civil...... O vice-reinado do Peru A obra missionária Por terras de Collasuyu
125 126 132 141 147 149 154
IX.
A Flórida............................................................ O Desafio francês O empreendimento espanhol
159 161 162
X.
O movi mento da Prata..................................... Assunção.................................................... Tucumán Buenos Aires As missões do Paraguai
165 166 166 167 168
XI.
Os portugueses na África................................
175 178 180 181
i.L.;
O Congo Angola Moçambique
110 110 112 114
XII.
Em direção ao nascer do sol.. São Francisco Xavier................................. A questão da acomodação..
184 185 190
XIII.
O Brasil As capitanias A colônia real........................................ Villegagnon e os primeiros protestantes... A triste sorte dos índios
197 199 201 204 207
XIV.
A cruz e a espada............................................
210
A era dos conquistadores
- 9
Lista de Ilustrações 1.:
2. 3. 4. 5.
6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13.
14. 15.
16. 17. 18.
19. 20-21.
22. 23. 24. 25. 26. 27. 28.
29. 30-33. 34. 35.
36. 37. 38.
Madrigal das Altas Torres . Henrique IV ,.""" , ,.'" ," Castelo de Arévalo ""." "." ". ",., ' Castelo de dom Beltrão da Cova " .." ". Os touros de Guisando " " . Bodas de Isabel e Fernando" " . Alcaçar de Segóvia ' ." " .." ". Poste de enforcar." " " "." ". Cristo das Batalhas" " "" " ..", .. Isabel e Colombo em Santa Fé ""." ..,.. Desembarque de Colombo." "., . Antigo mapa.. "" ,.." ..", .,..", "., ".', A Alhambra " ..""." " "." " " Enterro de Isabel "."" " "" " .., . São Tiago lutando contra os índios . Frei Bartolomeu de Las Casas "." " " Estátua de Francisco de Vitória " " . Vista de São João "" .." .."""""" " " Pirâmide de Chichén Itzá ..." ..""" " ..,., Antigos monumentos mexicanos " " " Dona Marina ...,.""",,, ..,,.,, .,.",." ,.." A serpente emplumada. " .... , . O fim de uma era "" , .. " ..,....." .."' . O começo de outra "".,,, ' , ,." .. " " Cortés na batalha de Otumba " .. " . Sacrifícios humanos" ", " ' ,' " A Virgem de Guadalupe " " " ". Vista aérea de uma redução ."", ." " " As missões franciscanas do Texas ..".".", Mapa: Castela do Ouro . Balboa toma posse do Mar do Sul " . Mapa: Nova Granada " " "." . Rituais fúnebres em Nova Granada.", ..,.. Mapa: O Tahuantinsuyu " " .." ' ,'o
, •
,
14 16 17 18 20
22 23 26 29 35
36 37 40 44 52 57 61 72 78
77 81 82 82
85
86
97101 10
111 113
127
10 - A era dos conquistadores
39. 40-41. 42. 43. 44. 45-47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55-56. 57. 58. 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70-71.
Festa religiosa........... . 128 Ruínas de Tiahuanaco . 130 O culto ao Sol.... 131 Pizarro na Ilha do Galo.................... 133 Muro no Cuzco . 135 Ruínas de Machu Picchu 138-139 Suplício de Atahualpa.... .. 140 Os cavalos dos conquistadores... 143 Estátua eqüestre de Pizarro 144 Blasco Núriez Vela diante de Carlos V 146 Porta no Cuzco 148 Toríbio Alfonso de Mogrovejo................... 150 Santa Rosa de Lima .......................... ..... 152 Restos das missões bolivianas , 155-156 Dom João Ponce de Leão.............. 160 Edifício de apartamentos numa missão do Texas . 170 Crucifixo paraguaio . 171 Mapa: Os portugueses na África e no Oriente . 174 Vasco da Gama . 176 O navio capitão de Vasco da Gama . 177 Antigo mapa da África . 182 Morte de São Francisco Xavier . 188 Mateus Ricci . 191 O mapa de Ricci . 192 Pequim nos tempos de Ricci . 194 O culto aos antepassados . 195 A cruz e a espada . 209 São Pedro e São Paulo no Altiplano boliviano.................................................... 213
A era dos conquistadores
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Cronologia o leitor notará que a "era dos conquistadores" corresponde cronologicamente à "era dos reformadores". Portanto, na presente cronologia nos limitamos a apontar uma série de fatos que se relacionam com o tema deste volume, e rogamos ao leitor que a utilize juntamente com a que aparece no princípio do volume anterior, onde encontrará datas e acontecimentos paralelos. 1460 1474 1479 1492 1497-98 1500 1504 1508-11 1509-13 1510 1511-15 1513
1516 1519 1520 1521
1521 1522-23 1524-28 1527-46
Morre Henrique, o Navegante Isabel rainha de Castela Fernando rei de Aragão Rendição de Granada, Colombo na América Vasco da Gama viaja para as fndias Pedro Álvares Cabral descobre o Brasil Morre Isabel Conquista de Porto Rico Alfonso de Ojeda e Diego de Nicuesa em terra firme Os portugueses se estabelecem em Goa Conquista de Cuba Balboa chega ao Mar do Sul (Oceano Pacífico) Pedrarias Dávila governador de Castela do Ouro Morre Fernando Cortés entra pacificamente em Tenochtitlán A "noite triste" Viagem de Magalhães e o Cano Tentativa de colonização pacífica em Cu maná, po r Las Casas Expedição de Ponce de Leão a Flórida Sítio e tomada de Tenochtitlán Conquista de Nicarágua (Gil Gonzalez Dávila e Francisco Hernandez de Córdoba) Pizarro chega a Tumbes e regressa ao Panamá Conquista de Yucatán
12 - A era dos conquistadores
1528 1529 1532 1533 1534-35 1535 1536-38 1536
1538 1540-53 1541 1542 1542-44 1546-48 1552 1555 1557 1558-72 1562 1565 1566 1581 1582 1601 1606 1610 1617 1628 1639 1654 1780
Expedição de Pánfilo de Narváez a Flórida Expedição dos Welsers a Venezuela Captura de Atahualpa Relações de Francisco de Vitória Morte de Atahualpa Expedição de Pedro de Alvarado a Quito Fundação de Lima Gonzalo Jimenez de Quesada conquista o reino chibcha na Colômbia Fundação de Buenos Aires Alvar Núnês Cabeza de Vaca chega ao México, depois de longo cativeiro Morte de Almagro Pedro de Valdívia no Chile Hernando de Soto chega ao Mississipi Vice-Rei nado do Peru: Blasco Núnes Vela Alvar Núfies Cabeça de Vaca em Assunção Gonzalo Pizarro dono do Peru . Morte de Francisco Xavier Villegagnon chega ao Brasil Os portugueses se estabelecem em Macau Mem de Sá no Brasil Jean Ribaut na Flórida Matança de franceses na Flórida Morre Bartolomeu de Las Casas Morre Luís Beltrão . Mateus Ricci em Macau Ricci em Pequim Morre Toríbio Alfonso de Mogrovejo Morre Francisco Solano Morre Santa Rosa de Li ma Morre Roque Gonzales Morre Martín de Porres Morre Pedro Claver Rebelião de Tupac Amaru
Isabel, a Católica - 13
I Isabel, a católica ... que nisso ponham muita diligência, e não consistam nem dêem lugar a que os índividuos vizinhos e moradores das ditas fndias e terra firme, ganhas e por ganhar, recebem agravo em suas pessoas e bens; e assim ordeno que sejam bem e justamente tratados. Testamento de Isabel, a Católica.
Isabel, a Católica, a rainha cuja política religiosa nos serviu como ponto de partida no volume anterior, encabeça também o presente. Este procedimento serve para destacar dois fatos fundamentais. O primeiro é que, na questão do tempo, a "era dos reformadores" coincidiu com a "era dos conquistadores". Enquanto Lutero se ocupava em dar os primeiros passos que levariam à reforma da igreja, Cortés e Pizarro sonhavam em conquistar glórias e impérios. O segundo fato é que, quando abandonamos a perspectiva germânica ou anglocêntrica que tem dominado boa parte da história eclesiástica, o papel da Espanha na história do século XVI se agiganta. E, como fundadora dessa S:spanha, se vislumbra sempre a figura destacada de Isabel, a Católica.
14, A era tios conquistadores
o castelo
de MadrĂgal das Altas Torres, onde nasceu Isabel.
Isabel, a Cetolice - 15
Herança incerta
Quando Isabel nasceu, no Madrigal das Altas Torres, em 22 de abri I de 1451, não se esperava q ue herdasse o trono de Castela. Tal herança correspondia a seu meio irmão Henrique, nascido da primeira esposa de João II, dona Maria de Aragão, vinte e cinco anos antes. Em fins de 1453, a mãe de Isabel, dona Isabel de Portugal, dava a João outro filho varão, Alfonso, e com isso parecia certo que o cetro de Castela nunca chegaria às mãos da infanta Isabel. Oito meses depois do nascimento de Alfonso, morreu João II, e o trono passou, sem problema algum, para seu filho mais velho, Henrique IV. Entretanto, este não tinha dons de governante, e logo apareceram os descontentamentos. O novo rei empreendeu repetidas campanhas contra os mouros de Granada, estimulado por aqueles que ambicionavam glória e despojos de guerra. Porém todas suas campanhas não passaram de meras incursões nos territórios mouros, onde os soldados se dedicavam a destruir colheitas do inimigo. Desta maneira o rei esperava debilitar os qranadinos, Porém o que na verdade conseguia era granjear a inimizade dos guerreiros castelhanos, que viam nele um príncipe titubeante. Ao mesmo tempo, outros se queixavam de que a justiça do rei se vendia por dinheiro, e que o monarca, que se mostrava misericordioso para com os mouros, era cruel com os castelhanos que criassem obstáculos para seus desejos. Entre eles se contava sua madrasta dona Isabel de Portugal, e os dois filhos desta, Isabel E1 Alfonso. O ódio do rei fêz recolher Dona Isabel no castelo de Arévalo, onde aquela que tinha sido até pouco tempo antes rainha de Castela, perdeu a razão. Foi em tais condições, odiada e afastada da corte por seu irmão, e em companhia de sua mãe louca, e de seu pequeno irmão, que a futura rainha Isabel passou os primeiros anos de sua vida. Em 1460,quando tinha nove anos, foi afastada à força de sua mãe e levada de novo para a corte, onde a colocaram sob a custódia dos capitães do rei. Ao que parece, a razão que levou Henrique a tomar tal decisão foi que se apercebeu das tramas que come-
16 - A era dos conquistadores
o trono passou sem distúrbio Henrique IV.
algum, para o filho mais velho de João II,
çavam a formar ao redor de seus meio-irmãos, e que iam se avultando porque Henrique não tinha filhos que pudessem herdar o trono. Quando era muito jovem, e antes de morrer seu pai Henrique tinha-se casado com a princesa Branca de Navarra. Logo correu a notícia de que o príncipe era incapaz de consumar o
Isabel, a Católica - 17
o ódio
do rei fêz recolher dona Isabel no castelo de Arévalo.
matrimônio e posteriormente, quando por motivos de estado decidiu dissolver a união, as autoridades castelhanas obtiveram do papa a sua anulação. A razão que então se deu, e que tornou-se importantíssima para a história posterior da Espanha era que, por "algum feitiço", Henrique era incapaz de unir-se a sua esposa. A partir disso seus inimigos começaram a chamá-lo de "Henrique, o Impotente", e por esse nome ficou conhecido na história. Enquanto isso, o rei necessitava providenciar um sucessor para o trono, e por isso contraiu um novo casamento com Joana de p;ortugal, irmã do rei desse país. Até o dia de hoje os historiadores não concordam sobre o fato de ter-se consumado ou não aquele casamento. Os cronistas da época se contradizem mutuamente, de acordo com os seus interesses partidários. Uns dizem que a impotência do rei com sua primeira esposa não se manifestou com a segunda, e apontam para o fato de que depois Henrique teve várias amantes. Outros afirmam o contrário, dizem - o que já era comentado enquanto Henrique estava vivo - que tais suspeitas amantes não foram verdadeiras, senão que simplesmente se prestaram a dissimular a incapacidade do soberano. Estes mesmos cronistas
18 - A era dos conquistadores
Estado Assim
atual passa
de um dos castelos
a
glória
deste
que
o
rei doou
a
Dom
Beltrão
da Cova.
mundo!
acrescentam ainda que Henrique, diante da necessidade de prover um herdeiro para o trono, procurava amantes para sua mulher. Foi a presença de um desses pretensos amantes que provocou um escândalo e, por fim, a guerrà civil. Dom Beltrão da Cova, a quem o rei cumulara de honras, costumava visitar a rainha quando o seu esposo estava ausente. Tais visitas deram
Isabel, a Católica - 19
lugar a conjecturas, que os inimigos do rei e de Dom Beltrão não deixaram sem explorar. Quando finalmente a rainha deu a luz uma menina, a infanta Dona Joana de Castela, não faltaram aqueles que diziam que a pretensa herdeira do rei, era na verdade a filha de Dom Beltrão. Contudo, a menina foi declarada herdeira da coroa e os poderosos do reino lhe juraram obediência. Em seu batismo, Isabel a futura rainha de Castela, foi sua madrinha. A oposição ao rei ia crescendo, e com ela o partido daqueles que, sinceramente ou por conveniência, chamavam a herdeira de "a Beltraneja". O marquês de Villena, antigo favorito do rei que via-se eclipsado por Dom Beltrão da Cova, uniu forças com seu tio Alonso Carrilo, arcebispo de Toledo, e ambos promoveram uma rebelião na qual vários dos mais poderosos nobres e prelados do reino se atreveram a exigirdo rei a declaração de sua própria desonra, fazendo seu herdeiro o seu meio irmão Alfonso e negando a legitimidade da "a Beltraneja". Contra o conselho dos seus achegados, que estimulavam a pegar as armas contra os rebeldes, Henrique capitulou. Mesmo sem declarar explicitamente que dona Joana não era sua filha, nomeou Alfonso herdeiro da coroa. Dom Beltrão teve que ausentar-se da corte, e o marquês de Vilhena recebeu a custódia do jovem herdeiro. Mas isso não satisfez os rebeldes, que estavam empenhados em despojar a coroa de toda autoridade, e nem ao rei que sentia-se humilhado. Crendo contar com o apoio do arcebispo Carrillo, Henrique marchou contra os rebeldes. Sua desilusão foi grande quando descobriu que \ Carrillo e os rebeldes tinham-se organizado para coroar Alfonso, e declará-lo deposto, ele, Henrique. Assim os rebeldes marcharam para reunirem-se em Ávila, e enquanto isso o rei fugia para Salamanca. Alfonso, que na ocasião contava com pouco mais de onze anos, se deixou levar pelas promessas dos conspiradores e aceitou o título real, contra os conselhos de sua irmã mais velha Isabel, que lhe disse que um trono fundado na usurpação necessitava de bases mais sólidas. Porém Alfonso não teve tempo para vercumprida a profecia de sua irmã, pois morreu pouco depois de coroado, deixando acéfalo o partido rebelde.
20 - A era dos conquistadores
Alonso Carrillo correu então ao convento cisterciense de Santa Ana, em Ávila, onde residia Isabel, para oferecer-lhe a coroa que antes tinha cedido a seu irmão. Porém a princesa se mostrou inflexível, argumentando com o arcebispo de igual maneira como fizera antes com seu irmão: "Se eu ganhar o trono rebelando-me contra ele (Henrique), como poderei condenar amanhã alguém que porventura me desobedecer?" Mas finalmente, junto aos velhos Touros de Guisando, chegou-se a um acordo entre as partes em luta. Segundo este acordo, os rebeldes reconheciam Henrique como soberano, e este em troca disso nomeava Isabel como sua sucessora. Deste modo o partido dos rebeldes, carentes de uma base sobre a qual colocassem a coroa da rebeldia, ganharam pelo menos a humilhação do rei. .Isabel aceitou este acordo porque estava convencida de que dona Joana, a Beltraneja, levava com justiça esse "apelido", e não era portanto a legítima herdeira do trono. Assim, quem nunca esperou ocupar o trono de Castela, e passou seus primeiros anos em meio a penú riase solidão, foi transformada na legítima herdeira de seu meio irmão Henrique IV.
Junto aos velhos Touros de Guisando chegou-se a um acordo entre as . partes em luta.
Isabel. a Católica - 27
Henrique não ficou contente com esse acerto que, afinal de contas, era uma mancha em sua honra. Ao reunirem-se as cortes do reino, elas se negaram a ratificar o acordo dos Touros de Guisando. E os partidários de Henrique se dedicaram a alijar Isabel procurando casá-Ia com algum potentado estrangeiro, enquanto fortaleciam sua posição oferecendo a mão da Beltraneja ao rei de Portugal. Entretanto Isabel não estava disposta a deixar que lhe arrebatassem a coroa que agora, depois da morte de Alfonso, lhe pertencia legitimamente. Depois de fazer suas próprias investigações, decidiu casar-se com o príncipe herdeiro de Aragão, dom Fernando, que vinha bem recomendado por vários dos conselheiros da princesa. Quando Henrique inteirou-se das gestões independentes que Isabel levava a efeito com respeito ao seu casamento, ordenou que fosse encarcerada. Porém o povo de acanha se amotinou e impediu que se cumprisse a ordem do rei. Dali Isabel passou ao Madrigal das Altas Torres, e depois a Valladolid, onde se sentia segura por contar com numerosos simpatizantes. Enquanto isso, em Aragão, os agentes do rei de Castela estavam vigiando Fernando, para que não fosse até Castela casar-se com Isabel ou incitar uma rebelião. Mas o príncipe conseguiu burlar a vigilância dos castelhanos e, enquanto supostamente dormia, escapou. Assim, disfarçado de tropeiro e com uma tropa de mulas que levava escondidos em grosseiros fardos os trajes necessários para o casamento, chegou a Valladolid, onde o esperava sua prometida. A única dificuldade que se interpunha então era o fato de que Fernando e Isabel eram primos em segundo grau, e por isso era necessário uma dispensa papal antes da celebração do matrimônio. a papa Paulo" se negava a dar tal dispensa, solicitada repetidamente pelo rei de Aragão, dizendo que o rei de Castela não estava de acordo com o casamento projetado. Porém ao chegar o momento do casamento o arcebispo Carrilo apresentou uma suposta dispensa papal, e o casamento se realizou. Mais tarde os historiadores chegaram à conclusão de que tal dispensa era espúria, mesmo que, no parecer de Isabel, o arcebispo não fizera tal arranjo. Em todo caso, quando os ventos políticos sopraram decididamente a favor de Isabel
22 - A era dos conquistadores
o casamento
teve lugar em Val/ado/id.
e Fernando, Roma confirmou a validade do casamento. Enquanto isso, Henrique declarou guerra contra Aragão, alegando que o reino vizinho tinha-se intrometido nos assuntos internos de Castela. Porém, o papado estava interessado em fomentar a unidade e a harmonia entre os príncipes cristãos, porque a ameaça turca se fazia presente na Europa. Rodrigo Bórgia, o futuro Alexandre VI, foi enviado a Espanha como delegado do pontífice. As gestões do delegado tiveram bom êxito, e Henrique consentiu em fazer as pazes com os aragoneses, aceitar o matrimônio entre Isabel e Fernando, e declarar uma vez mais que sua meia irmã era a legítima herdeira do trono. As diversas partes que aceitaram este acordo esperavam novas tensões e lutas. Porém pouco depois dos fatos que acabamos de relatar, Henrique IV morreu inesperadamente, e no dia seguinte, 12 de dezembro de 1474, Isabel foi coroada, em Segóvia, rainha de Castela.
Isabel. a Católica - 23
Isabel morava emSeçovie
quando recebeu notícias da morte de seu irmão.
\
o trono
se afiança
A urgência com que Isabel foi coroada destaca a incerteza de sua posição. Embora Fernando estivesse fora de Castela, combatendo junto com seu pai no Rosellon, Isabel e seus conselheiros decidiram não aguardar seu retorno. E o que sucedeu foi que o partido da chamada "Beltraneja" que não havia desparecido de todo se movimentou. Tão logo teve notícias do acontecido, o rei de Portugal, que tinha recebido
24 - A era dos conquistadores
em promessa a mão dessa infortunada princesa, reclamou para si o título real em nome de sua futura esposa e invadiu as terras castelhanas. Fernando acudiu pressurosamente em defesa da herança de sua esposa, enquanto essa, apesar de encontrar-se no meio de sua segunda gravidez (pouco antes tinha dado a luz a sua primogênita, a quem chamou Isabel), dedicou-se a percorrer o país recrutando um improvisado exército. O magnetismo pessoal da rainha se manifestou então, e logo Fernando pode opór-se ao invasor diante de um exército de quarenta e dois mil homens. Os dois exércitos se enfrentaram nos campos de Touro, e a batalha ficou indecisa. Porém, enquanto o rei de Portugal se dedicava a reorganizar suas tropas, Fernando enviou correios a todas as cidades de Castela, e a vários reinos estrangeiros, dando-lhes a notícia de uma grande vitória, na qual as tropas portuguesas tinham sido aniquiladas. Diante de tais notícias, o partido da Beltraneja se dissolveu, e os portugueses foram forçados a regressar ao seu reino. Entretanto, como conseqüência de suas longas cavalgadas em defesa do reino, a rainha perdeu o bebê de sua segunda gravidez. Após todas essas vicissitudes, Isabel ficou dona dos reinos de Castela e Leão, que antes tinham pertencido a seu pai João II e a seu meio irmão Henrique IV. Porém aqueles reinos se encontravam num estado tremendamente grave. Os grandes nobres e prelados tinham-se aproveitado da debilidade dos monarcas anteriores para encherem-se de poder. E era a eles a quem Isabel devia, pelo menos em parte, o poder que agora possuía. Porém a idéia de realeza que Isabel tinha não lhe permitia acomodar-se às pretensões dos poderosos. Além disso a administração pública, depois de longos anos de incertezas, estava no mais completo abandono. A administração da justiça, que Henrique tinha confiado a subalternos ineptos e indignos, deixava muito a desejar. Os campos dentre as montanhas estavam nas mãos de pequenos bandos armados, que viviam do saque. Porém o problema mais urgente, porque impossibilitava todo plano de governo por parte da rainha, era a atitude turbulenta dos magnatas, que durante o reinado de
Isabel, a Católica - 25
Henrique IV tinham-se acostumado a agir conforme seus caprichos, e a impôr suas vontades sobre a do rei. A atitude de Isabel diante dos poderosos se manifestou de imediato. Logo que surgia a mais tênue fagulha de rebelião, se apresentava a rainha, combinando a autoridade de sua posição e pessoa com a das armas que a acompanhavam, e acabava com a rebelião. Ao mesmo tempo que perdoava os que tinham sido enganados pelos grandes, castigava os chefes da revolta, para não parecer débil como seu falecido irmão. Porém, geralmente seus castigos se limitavam a tirar os sediciosos de suas posses, e quando muito, punia-os com o desterro. Assim foi a rainha afiançando seu poder por todos seus territórios, desde a Galícia ao norte até Andaluzia ao sul. As ordens militares, nascidas nos tempos das constantes guerras contra os mouros, eram outra ameaça ao poder real. As três mais importantes eram as de São Tiago, a de Alcântara, e a de Calatrava..Para dar uma idéia do poder de tais ordens, basta dizer-se que a de São Tiago contava com duas centenas de vilas e praças fortes, além das rendas de outras paróquias. Por várias décadas o cargo de grão-mestre de qualquer destas ordens tinha sido cobiçado por magnatas, e os que o alcançavam se atreviam a enfrentar o poder real. Quando o cargo de grão-mestre de São Tiago ficou vago, a rainha pediu ao papa que lhe concedesse autoridade para nomear a pessoa que o ocuparia. Um nobre, dom Alonso de Cardenas, tratou de adiantar-se aos desígnios de Isabel convocando uma eleição urgente, que devia ter lugar em Uclés. Porém Isabel ali se apresentou inesperadamente e ordenou que a eleição fosse suspensa até que chegasse a resposta do papa. Quando esta resposta chegou, a rainha num golpe mestre de habilidade política, nomeou grão mestre o próprio dom Alonso, deixando bem claro que lhe dava "graciosamente o que ele pretendia como. direito". A partir de então a grande ordem de São Tiago serviu de instrumento dócil nas mãos de Isabel. Este processo de sujeitar as ordens militares a coroa foi levado a um final feliz quando Fernando foi nomeado como o grão mestre de Alcântara em 1487, e de Calatrava em 1492.
26 - A era dos conquistadores
Quando em 1499, morreu dom Alonso de Cardenas, o rei foi feito também grão mestre da ordem de São Tiago. Um aspecto fundamental da política centralizadora de Isabel foi a reforma financeira. Até então eram muitos os que cobravam impostos de diversas classes, e só uma fração de tais impostos chegava à coroa. Com a finalidade de aumentar o poder do trono, e refrear o dos magnatas, era necessário estabelecer um sistema arrecadador que fizesse chegar os fundos às arcas reais. E foi isso que fêz Isabel. Seu principal colaborador neste campo, dom Alonso de Quintanilha, mandou fazer um inventário de todas as riquezas do reino, que se compilaram em doze grossos volumes. Baseado nesse inventário se reformou o sistema de impostos, com tão bom êxito que nos oito anos de 1474 a 1482 as entradas para a coroa se multiplicaram quatorze vezes. E, graças as reformas implanta-
Em postes como este, a Santa Irmandade fazia enforcar os malfeitores que capturava.
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das, isso foi conseguido sem aumentar as taxações sobre os trabalhadores e os necessitados. Por último, o trono de Castela se afiançou sobre a Santa Irmandade. Desde várias gerações anteriores, em diversas partes da Espanha, tinham-se organizado irmandades de defesa mútua. Porém estas tinham caído em desuso durante os reinados de João" e Henrique IV. E agora Isabel decidia dar nova vida a essa antiga instituição, se bem que colocando-a di retamente debaixo do poder real. Para por fim às rapinas e abusos que existiam por todas as partes, organizou-se uma força policial que recebeu o nome de "Santa Irmandade". Para esta força cada cem vizinhos devia contribuir com a manutenção de um homem a cavalo que estaria sempre pronto a perseguir os malfeitores. Além disso, a Santa Irmandade recebeu poderes judiciais que lhe permitiam julgar e castigar os criminosos que capturasse. Tratava-se então de urna força militar permanente, de características populares, mas que servia tanto para limpar o país dos bandidos e outros criminosos, serviço esse prestado a coroa, como também servia para fortalecer sua política de limitar o poder dos magnatas. Posteriormente, a Santa Irmandade, conseguiu autoridade até para castigar os abusos dos poderosos. Assim, uma vez mais, a coroa se apoiou sobre as classes médias e baixas para liquidar com a alta nobreza e os prelados turbulentos. Enquanto isso, continuavam as dificuldades com Portugal, cujo rei, insistindo sempre em seu propósito de casar-se com dona Joana, "a Beltraneja", reclamava para si a coroa d Castela. A França, por sua parte, aproveitava as tensões que existiam na Península Ibérica para tratar de apoderar-se dos territórios vazios. Porém posteriormente, as tropas de Isabel e Fernando se impuseram em ambas as frentes, e liquidaram também os castelhanos que continuavam apoiando as pretensões de Portugal e da "Beltraneja". Fernando se encontrava ausente em Aragão, tomando posse do trono de seu recém falecido pai quando Isabel conseguiu concluir a paz com Portugal. Unidas então as coroas de Castela e de Aragão, firmada a paz com a França e com Portugal, e assegurando o poder real dentro de Castela, ficou aberto o caminho para a mais aprecia-
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da ambição de Isabel: completar a reconquista tomada de Granada.
mediante a
A guerra de Granada Desde o ano 711, os mouros tinham estado presentes na Espanha. Mesmo que posteriormente os cristãos chegassem a crer que os sete séculos entre os anos de 711 e o de 1492, fossem uma longa guerra de reconquista contra o poderio mouro, o certo é que boa parte desse tempo passou sem que houvessem maiores conflitos entre os mouros e os cristãos, e que repetidamente se fizessem alianças políticas e militares entre eles, diante de algum atacante de uma ou outra região. Em todo caso, a obra da reconquista tinha ficado praticamente paralizada desde o século XIII, quando o rei Fernando III, o Santo tinha permitido que se estabelecesse, no extremo sul da Península, e como Vassalo de Castela, o reino mouro de Granada. A condição de vassalagem requeria que Granada pagasse tributos a Castela. Porém com o correr dos anos, o reino de Granada foi fortalecendo suas fronteiras, enquanto o de Castela via-se envolvido na anarquia, e os tais impostos ou tributos não foram mais pagos. A existência do reino de Granada era um espinho na carne de Isabel, para quem a missão histórica de Castela requeria a conquista desse reino. Fernando, por sua parte, seguia a velha política aragonesa de estar mais interessado nos assuntos do Mediterrâneo que nos da Espanha. Assim, em certo sentido, o empreendimento da conquista de Granada foi um projeto isabelino e castelhano, se bem que Fernando tomou nele parte ativíssima. Quando se sentiu suficientemente forte, Isabel tratou de fazer valer sua autoridade sobre Granada, exigindo o pagamento dos tributos que esse reino devia à coroa de Castela. ~ de se supor que a hábil rainha sabia que os mouros granadinos negar-se-iam a pagar, e que isso provocaria a guerra. Com efeito, os granadinos responderam que em Granada não se dedicavam a lavrar ouro nem prata, mas sim a fabricar armas contra seus inimigos. Diz-se que ao receber notícia desta resposta Fernando exclamou: "Dessa Granada, eu arrancarei
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Conta-se que este "Cristo das Batalhas" acompanhava os reis católicos na guerra contra Granada, e que em certa ocasião, quando os cristãos rogavam a São Tiago que os ajudasse, ouviu-se este Cristo dizer: "Para que necessitais de São Tiago, quando me tendes a mim?"
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os grãos um a um!" Pouco depois, os mouros tomaram surpreendentemente a praça de Zahara, com a qual deram começo as hostilidades. A partir daí (1481), e até 1492, Fernando e Isabel se dedicaram, por assim dizer, a tomar os grãos de Granada um a um. Cada ano se levou a cabo uma campanha nas quais sitiaram e tomaram várias praças fortes dos mouros. Fernando dirigia os exércitos, enquanto Isabel, muito perto dos campos de batalha os encorajava com sua presença e se ocupava com seu sustento. Foi em 1489, quando os gastos com a guerra exigiam medidas drásticas, que a rainha enviou suas jóias a Valência, em garantia de um empréstimo. Posteriormente se tem confundido este fato, dizendo-se erroneamente, que Isabel empenhou suas jóias para o empreendimento de Colombo. Por fim, em 1490, Fernando e Isabel consideraram-se prontos para sitiar a própria cidade de Granada. E com a finalidade de mostrar aos mouros que o cerco era permanente, e que não o levantariam antes da vitória, os castelhanos construiram em frente a cidade mulçumana a vila de Santa Fé. No início, esta cidade militar foi feita com materiais provisórios; porém quando o fogo fêz presa dela os reis católicos ordenaram que fosse reconstituída em alvenaria. Enquanto isso o reino de Granada passava por profundas dificuldades internas. Boabdil, seu último rei mouro, tinha conseguido essa posição mediante uma rebelião, e durante a maior parte do período de guerra contra os castelhanos houve também dissenções e até guerras entre os próprios mouros. Posteriormente, depois de firmar as Capitulações de Granada, os reis católicos entraram triunfantes na cidade em 2 de janeiro de 1492. A reconquista havia terminado. Como destacamos no volume anterior desta História, as Capitulações de Granada garantiam aos mouros toda classe de direitos, que logo foram ab-rogados. Posteriormente os últimos mouriscos de Castela foram obrigados a receber o batismo e a adaptarem-se aos costumes dos cristãos. A rendição de Granada permitiu a rainha ocupar-se com um marinheiro genovês que desde algum tempo antes projetava uma arriscada viagem as fndias navegando, não para o leste como era de costume, mas sim para o oeste. Foi a cidade de
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Santa Fé, nos arredores de Granada, onde se firmaram as Capitulações de Santa Fé, que serviu de base para o empreendimento colombino.
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II Um novo mundo Eu te ordeno que, com todas as pessoas que tratarem contigo, trate-as com honras e trate-as bem, desde o maior até o menor, porque são povo de Deus nosso Senhor. Cristovão
Colombo
para seu filho Diego
Apenas terminava a Espanha de ganhar sua unidade nacional, graças ao casamento de Fernando e Isabel, e de alcançar a integridade territorial com a conquista de Granada, quando lhe foram oferecidos novos mundos para descobrir, conquistar, colonizar, e evangelizar. Poucos episódios na história humana são tão surpreendentes como a enorme expansão espanhola do século XVI, sobretudo se tivermos em conta que uns poucos anos antes os reinos de Castela e Aragão estavam separados, que os mouros retinham o reino de Granada, e que a própria Castela se encontrava dividida pela discórdia das lutas sucessórias. Atribuir a Isabel toda a glória desse inesperado despertar espanhol seria cair no erro daqueles que crêem que a história é uma sucessão de personagens heróicos, e não se apercebem dos muitos fatores que fazem possível a façanha do herói. Mas, mesmo levando isso em conta, não resta dúvida de que Isabel foi a personagem do momento, soube dar forma às circunstâncias que a rodeavam, fazendo possível o nascimento da Espanha moderna e do império espanhol.
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o empreendimento
de Colombo
Quase que ao mesmo tempo da rendição de Granada, apareceu na história um personagem de origem obscura e todavia muito discutido, que compartilharia com Isabel a glória de fundar o império espanhol do além-mar. Cristóvão Colombo era de origem genovesa, ao que parece, filho de um penteador de lã, e que com vinte e cinco anos chegou a Portugal, onde começou a conseguir fortuna casando-se com dona Felipa Muniz, que pertencia a nobreza de Portugal, e cujo pai era governador da Madeira. Sobre o motivo e a maneira da chegada de Colombo a Portugal, os historiadores diferem, pois enquanto uns dizem que formava parte da tripulação de uma pequena frota genovesa que foi atacada pelos portugueses, e que foi feito prisioneiro, outros sustentam que em realidade, era um pirata, ou pelo menos um corsário, e apontam que houve um corsário de nome Coulom que tomou parte ativa a favor da França e Portugal nas guerras que temos comentado anteriormente com relação ao direito da sucessão da Beltraneja. Se assim for, se explica o fato pelo qual Colombo foi tão pouco explícito com respeito a suas origens e carreiras anteriores. Em todo caso, Colombo conheceu em Portugal, vários navegantes e cartógrafos, e além disso teve oportunidade de navegar tanto para Madeira e Porto Santo como para a Guiné, na África. Posteriormente chegou a sua famosa conclusão de que, se o mundo era redondo, como afirmavam tantos sábios, deveria ser possível chegar ao Oriente navegando constantemente para o Ocidente. Se esse foi seu projeto inicial, ou se a princípio pensava somente descobrir novas terras, inclusive as "Antilhas" que alguns cartógrafos colocavam a oeste do oceano, não está de todo claro. Ao que parece, o projeto de Colombo apresentado à corte portuguesa não consistia em buscar uma nova rota para as Indias, mas simplesmente em explorar o Atlântico ocidental. Morta sua esposa, sem esperança de que a coroa portuguesa apoiasse se empreendimento, e carregado de dívidas; Colombo abandonou o país em secreto, e dirigiu-se ao sul da Espanha. Em Huelva vivia a irmã de sua falecida esposa, e
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possivelmente o futuro descobridor queria deixar com ela o seu pequeno filho Diego. Além disso alguns antigos escritores falam de um piloto de Huelva, Alonso Sanches, que tinha vislumbrado terras ao oeste quando seu navio foi arrastado nessa direção por uma tormenta. Em vários lugares de Andaluzia, e particularmente em La Rábida, Colombo encontrou ouvidos atentos e pessoas de prestígio dispostas a apadrinhar seu projeto na corte castelhana. Visto que a corte residia em Córdoba, de onde se dirigiam os assuntos da guerra granadina, Colombo radicou-se nessa cidade. Os reis católicos não receberam com grande entusiasmo o projeto colombino. Submeteram-no a várias juntas de doutores, e o informe recebido não foi satisfatório. Ao que parece, além da questão geográfica de se o que Colombo projetava era possível, havia dúvidas acerca da legitimidade de tal empreendimento. Em todo caso, foi dito ao futuro Almirante que, por causa da guerra de Granada, a coroa espanhola não estava em condições de adotar seu projeto. Em vista da continuação da guerra, Colombo começou a falar da possibilidade de marchar para a França ou para Inglaterra, e oferecer-lhes seus serviços. Parece que realmente se preparava para viajar, quando um personagem influente, convencido do valor de seu projeto, ou pelo menos temendo as conseqüências se Colombo se colocasse a serviço de outro país e seu empreendimento resultasse em bom êxito, interviu uma vez mais diante de Isabel em prol do empobrecido aventureiro. A rainha lhe concedeu então alguns fundos, e com eles sustentou Colombo até que a rendição de Granada lhe deu novas esperanças. As condições que Colombo estabelecia para colocar-se ao serviço da coroa espanhola pareciam muito exageradas aos reis, e por algum tempo o projeto ficou em suspenso. Finalmente em abril de 1492, foram firmadas as Capitulações de Santa Fé, que lhe concediam os títulos de Almirante do Mar Oceânico e Vice-Rei e Governador Geral das terras colonizadas. Além disso, visto que a empresa era principalmente comerciai, levada pela esperança de chegar-se às fndias, foi outorgado ao Almirante e a seus sucessores a décima parte de
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Finalmente, em abril de 1492, firmaram-se as Capitulações de Santa Fé.
todo O comércio que produzisse o empreendimento. É muito provável que estas Capitulações, que têm despertado o interesse dos historiadores, tenham sido vistas pela corte castelhana como de pouca importância. Ninguém sonhava que a viagem que se preparava pudesse ter os resultados que teve e, portanto a coroa, que arriscava bem pouco na empresa, estava disposta a mostrar-se pródiga. São de todos conhecidas as dificuldades que teve Colombo para reunir a tripulação para suas três caravelas. Foi graças à intervenção e o apoio decidido do prestigioso navegante Martin Alonso Pinzón que a flotilha pode afinal fazer-se ao mar, em 3 de agosto de 1492. Depois de uma escala nas Canárias, as três caravelas partiram para o ocidente desconhecido. Colombo dirigiu sua embarcação, seguindo sempre o paralelo 28. Porém seu cálculo da circunferência da terra era inexato ao extremo, pois a
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Em 12 de outubro de 1492, os cansados aventureiros puseram seus pés na ilha de Guanahaní, a qual chamaram São Salvador.
fixava na terceira parte do que na verdade o era. Portanto, em princípios de outubro a tripulação começou a duvidar de todo o empreendimento. Se chegou a ocorrer motim ou não, não está claro. Porém em todo caso foi Martin Afonso Pinzón que, com seu prestígio entre a tripulação, conseguiu acalmar os ânimos e prolongar a busca por mais uns dias. Finalmente, em 12 de outubro de 1492, os cansados aventureiros puseram seus pés na ilha de Guanahaní, nas Lucaias, a qual chamaram São Salvador. Depois de navegarem pelas Lucaias, a flotilha colombina dirigiu-se para o sul, onde encontrou as terras de Cuba e do Haiti. A primeira recebeu o nome de Joana em honra ao infante dom João, e a segunda o nome de A Espanhola. Na Espanhola, a principal das três caravelas, a Santa Maria, encalhou, e com suas madeiras Colombo construiu o forte Nativi-
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Antiga gravura e mapa que alguns têm atribuido a Cristóvão Colombo.
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dade, na baía de Samaná. AIí deixou, como guarnição, alguns de seus homens, os da Santa Maria, prometendo-lhes visitaro lugar em sua próxima viagem. As duas caravelas restantes empreenderam viagem de retorno. Mas o mal tempo as separou, e foram aportar em dois distintos portos da Península Ibérica. Porém posteriormente regressaram a Paios de Moguer, de onde tinham partido, em 14 de março de 1493. Os reis, que se encontravam em Barcelona, fizeram trazer-lhes o intrépido marinheiro, que trouxe consigo várias provas de seus descobrimentos, inclusive alguns habitantes das terras descobertas, aos quais se chamou "índios" por procederem supostamente das índias. Ainda que se tenha exagerado a recepção dada pelos reis ao Almirante, não resta dúvida de que foi cordial, e que logo começaram fazer planos para uma outra viagem, ao mesmo tempo que se expediam solicitações a Roma para que o papa, naquela ocasião o aragonês Alexandre VI, desse as bulas necessárias para um empreendimento de colonização e evangelização. Não é necessário relatar aqui os pormenores das demais viagens colombinas. Sobre a segunda, é preciso destacar que nela navegou, como legado apostólico, o religioso frei Bernardo Boil. Além de descobrir Porto Rico e várias ilhas menores, Colombo e os seus se dirigiram de novo a Espanhola, onde encontraram destruído o forte Natividade. Os índios, fartos do mal trato dispensado pelos espanhóis, tinham-se sublevado e matado a todos os colonizadores. Ali deixou Colombo o frei Bernardo, com a responsabilidade de evangelizar a ilha, junto com o militar Pedro Margarit, com a incumbência de conquistá-Ia. Assim começou o que seria tão característico dos empreedimentos espanhóis na América, isto é, a união dos interesses de conquista e colonização com a tarefa evangelizadora. Depois de visitar de novo a Cuba, e registrar em ata que se tratava de terra firme, e que portanto havia chegado na Ásia, Colombo regressou a Espanha. Durante esta segunda viagem se manifestaram algumas atitudes de Colombo que começaram a produzir desconfiança entre as autoridades espanholas,
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que duvidavam sobre suas aptidões de comando, e além disso temiam que ele tivesse a intenção de seguir o exemplo dos grandes da Espanha. Em conseqüência disso, mesmo que tenha sido muito bem recebido no seu regresso a corte, Colombo não pode partir em sua terceira viagem tão logo quanto planejara. Além disso, enquanto o Almirante navegava em sua segunda viagem, Espanha e Portugal concluíram o Tratado de Tordesilhas, que demarcava os campos de exploração e colonização de cada uma das duas potências marítimas. Isto era indício de que a corte espanhola se apercebeu da possível importância dos descobrimentos de Colombo mesmo que os ideais do Almirante, no sentido de que as índias produziriam riquezas suficientes para organizar uma nova cruzada que tomasse Jerusalém, fossem recebidos com sorrisos por parte dos reis. A terceira viagem terminou mal para o Almirante. Nas Canárias dividiu sua frota em duas, e enviou uma diretamente para a Espanhola, enquanto ele se dirigiu para o sudoeste, onde foi parar na ilha de Trindade. Dali atravessou a península de Paria, e portanto tocou' pela primeira vez o continente americano, ainda que somente vários dias depois, convencido pelo fluxo das águas do sistema Orenoco, declarou que, tinha descoberto "outro mundo". O tratamento dos nativos, doce e acolhedor, o ouro e as.pérolas que pareciam abundar, e toda uma série de supostos indícios geográficos, convenceram o almirante que havia chegado ao paraíso terrestre, e assim o fêz mencionar. Do paraíso, entretanto, Colombo passou ao inferno. Quando chegou na Espanhola descobriu que as notícias da sua má administração e de seus irmãos Diego e Bartolomeu já haviam chegado na Espanha, e que a rainha tinha enviado Francisco de Bobadilha com amplos poderes para julgar o assunto. Sobretudo se dizia que a administração dos Colombos era por vezes débil e cruel, e que isto tinha provocado a rebelião de alguns espanhóis. Quando Bobadilha chegou a São Domingo, a primeira coisa que viu foi um cadafalso onde jaziam os cadáveres de sete espanhóis. Ao pedir contas de Diego Colombo, este simplesmente lhe disse que outros cinco seriam enforcados no dia seguinte. Sem dar mais
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Seis semanas depois de sua chegada foram convocados à presença real, em Alhambra, em Granada.
voltas em torno do assunto, Bobadilha tomou posse do local em nome da coroa e fêz encarcerar a dom Diego. Quando o Almirante se apresentou um pouco depois, também foi preso. E o terceiro dos irmãos, Bartolomeu, que na ocasião se encontrava fora da cidade com um pequeno exército e poderia ter resistido, rendeu-se às insistências do Almirante, que não desejava resistir à autoridade real. Os três irmãos foram enviados prisioneiros para a Espanha, onde seis semanas depois de sua chegada foram convocados a presença real em Alhambra, em Granada. Apesar de serem declarados inocentes de todo delito, sua má administração ficou patente; e os soberanos não estavam dispostos a conceder ao velho marinheiro o poder quase absoluto que reclamava sobre o novo mundo que tinha descoberto. Visto que o Almirante também não era uma pessoa que se contentasse com pouco, posteriormente foram de novo conferidos a ele os títulos de Almirante e Vice Rei, porém a administração de Espanhola - a única colónia que até então havia fundado - foi confiada a Nicolás de Ovando. A amargura do Almirante
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pode ser vista nestas linhas, escritas quando estava ainda em cadeiras: "Se eu roubasse as fndias, ... e as desse aos mouros, não poderia na Espanha mostrar-se maior inimizade". Não restava então outro recurso ao velho lobo do mar que empreender outra viagem. As demoras foram muitas, e enquanto isso, outros navegantes partiam para as supostas [ndias e regressavam com inforrnações de novos descobrimentos. Finalmente, em princípios de 1502, os reis autorizaram uma nova viagem de exploração comissionando o Almirante para que buscasse o estreito que se supunha existir entre o Caribe e o Oceano fndico. Com quatro caravelas e uma tripulação composta em sua maioria de moços sem experiência, Colombo se fêz ao mar. Levava entre outras coisas, uma carta de apresentação para o navegante português Vasco da Gama, que tinha partido para o Oriente rodeando a África, e com o qual o Descobridor espera encontrar-se nas fndias, depois de cruzar o estreito que procurava. A travessia do Atlântico, completada no tempo insólito de três semanas, foi a única parte feliz dessa terceira viagem. Ao chegar ao Caribe, Colombo descobriu os indícios, aprendidos anteriormente numa amarga experiência de que um furacão se aproximava. Contra as instruções reais, pediu refúgio em São Domingo, onde seu inimigo Nicolás de Ovando negoulhe, esquivando-se da pretendida advinhação de que poderia ocorrer o temporal. Colombo achou abrigo num porto próximo, e Ovando continuou com seus planos de enviar a Espanha uma frota de trinta navios. O vendaval surpreendeu a esquadra de Ovando no passo da Mona. Vinte e cinco navios naufragaram, quatro regressaram em más condições a São Domingos, e o único que chegou Espanha foi o que levava o dinheiro que Colombo tinha conseguido cobrar do que se lhe devia na Espanhola, por alguns de seus direitos. Entre os afogados naquele desastre se encontrava Francisco de Bobadilha. Depois de esperar o furacão passar, Colombo continuou sua viagem para Jamaica, dali a costa sul de Cuba, e estava a ponto de descobrir o estreito de Yucatán quando voltou para o sul, e foi parar nas costas de Honduras. Seguiu-se então um largo período de navegação ao longo da América Central, buscando sempre o suposto estreito que o levasse a mar
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aberto. Depois de diversas dificuldades nas quais perderam dois de seus quatro navios, os exploradores chegaram a costa da Jamaica. Os dois que ainda restavam estavam tão perfurados pelas bromas - moluscos em forma de bichos que comiam madeiras submersas - que Colombo não teve outro recurso além de encalhá-los e esperar que de algum modo viesse socorro de Espanhola. Entretanto os que ficaram parados na Jamaica trataram de subsistir através do comércio com os índios, e duas canoas foram enviadas a Espanhola em busca de auxílio. Porém em São Domingo, Ovando não se motrava disposto a ajudar seu rival a quem havia suplantado e a quem depois não dera ouvidos recebendo desastrosa conseqüência. Na Jamaica a espera já era longa, e boa parte da tripulação se amo:" tinou e tratou de ir a São Domingo com canoas tomadas dos índios. Quando essa alternativa fracassou, o contigente espanhol ficou dividido em dois bandos que posteriormente resolveram suas diferenças mediante as arrnas.O bandode Colombotriunfou, ainda que não sem baixas. Os índios se recusaram a dar mais provisões aos espanhóis, pois as suas começavam a escassear. Foi então que Colombo apelou para uma artimanha que depois os autores de ficção tem atribuido a muitos personagens. O almanaque apontava que logo haveria um eclipse lunar. Colombo convocou os cheges indígenas, e lhes disse que o Deus Todo Poderoso estava zangado porque eles não alimentavam adequadamente os cristãos, e predisse o eclipse. Quando a Lua se escureceu os caciques lhe imploraram perdão, e Colombo esperou para aceitar suas petições até o momento preciso em que o astro haveria de brilhar de novo. A partir de então os seus não tiveram mais dificuldades de sustentarem-se. Foi grande a alegria dos "encalhados" quando apareceu no horizonte uma caravela espanhola. E ainda maior foi sua decepção ao descobrirem que se tratava de um bote enviado por Ovando com instruções precisas de inteirar-se do que estava sucedendo na Jamaica, porém sem recolher ninguém. Finalmente, quando os infelizes já estavam há mais de um ano na Jamaica, chegou um velho bote que apenas flutuava, com as velas podres fustigado pelas bromas, que foi tudo o que puderam encontrar e contratar os que Colombo tinha
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enviado a Espanhola. Embarcados nele, os sobreviventes demoraram mais de um mês e meio para chegar a São Domingo. Alí Colombo contratou outro navio e partiu pela última vez das terras que havia descoberto. Com seu filho, seu irmão, e uns poucos marinheiros, chegou finalmente a São Lucas de Barrameda, depois de dois anos e meio de viagem. O momento não era propício para a Espanha. A rainha estava gravemente enferma, e morreu três semanas depois do regresso do Almirante. No meio de tais circunstâncias, ninguém se ocupava do velho marinheiro, principalmente porque Fernando nunca tinha sido tão entusiasta como sua esposa no empreendimento das fndias. O próprio Colombo estava enfermo, embora não seja certo se estava empobrecido também. Os fundos levados a Espanha pelo navio que tinha sobrevivido quando o furacão destruiu a frota de Ovando, e algum ouro que Colombo trouxe consigo da quarta viagem, constituíam uma boa soma. Além do mais, a coroa respeitava seu direito a décima parte do ganho nas fndias, se bem que com uma interpretação bem diferente da doAlmirante: Colombo dizia que lhe correspondia a décima parte de tudo que fosse ganho, enquanto a coroa entendia que o que lhe pertencia era os dez por cento da quinta parte que o Rei recebia. Em 1505 Fernando o recebeu, e começou uma longa série de negociações nas quais o rei lhe ofereceu bons rendimentos, enquanto o Almirante insistia em seus títulos e no cumprimento estrito das Capitulações de Santa Fé. Depois de ter estado na corte, o velho lobo do mar viajou de Segóvia a Salamanca, e dalí até Valladolid, onde morreu em 1506.
A importância do empreendimento
colombino
Se temos nos detido nesta narrativa das viagens e peripécias de Colombo, o temos feito porque nisso tudo vemos o primeiro exemplo de muitos elementos característicos do empreendimento espanhol no Novo Mundo: o arrojo audaz e visionário do Almirante, sua busca constante de lugares míticos, levado por vagos rumores, e a conquista de grandes façanhas com um grupo muito pequeno de homens. E tudo
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A rainha estava enferma gravemente, regresso do Almirante.
e morreu
três semana depois do
isso dá grande importância a empresa colombina, diminuindo assim a constante discussão sobre se foi Colombo o verdadeiro descobridor da América, ou se antes dele chegaram a estas terras os normandos ou outros viajantes. O fato é que, se tratássemos de descobrimentos, os únicos verdadeiros desco-
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bridores do hemisfério ocidental são os antepassados dos índios americanos que primeiro chegaram a essas praias, provavelmente seguindo a ponte que lhe oferecia as ilhas Aleutas. Depois foram chegando outros, e há indícios de viagens, não só através do Atlântico, mas também do Pacífico. E em todo caso, os moradores originais das chamadas "Indias" não estavam esperando ser "descobertos", pois tinham sua cultura e civilização próprias. A importância das viagens de Colombo não é diminuta, como poderemos pensar, não tanto pelo fato dele ter sido ou não o pri mei ro a ver terras americanas, mas se tornam importantes, porque de suas viagens se despreendeu uma vasta empresa de conquista, colonização e evangelização que posteriormente uniria ambos os hemisférios. Vistas sob tal perspectiva, as quatro viagens de Colombo, e tudo o que ao redor delas aconteceu, são muito mais que uma interessantíssima aventura marítima. São o primeiro indício da forma que tomaria o encontro entre os dois mundos que pela primeira vez se viram face. a face naquele 12 de outubro de 1492. Se considerarmos a história de Colombo deste modo, logo veremos que os conflitos entre as autoridades espanholas, que tanta amargura causaram ao Almirante, foram uma das características do empreendimento durante várias gerações. O que estava em jogo em tais conflitos era nada mais nada menos que a politica de Isabel e seus principais acessores, de limitar o poderio dos magnatas. Na Espanha, como temos narrado, a rainha teve de enfrentar repetidamente os poderosos, que aspiravam impôr suas vontades sobre o trono. Os pequenos burgueses, aos quais convinha uma monarquia forte e centralizadora, mais que o velho sistema feudal que os grandes tratavam de restaurar, foram os principais aliados da coroa nos seus empenhos centralizadores. Ao abrirem-se então os enormes horizontes do Novo Mundo, os reis católicos queriam assegurar-se, por todos os meios, de que não se desenvolvesse aqui uma nobreza tão poderosa que pudesse opôr-se aos desígnios reais. Esse perigo era tão mais real diante do fato de que as grandes distâncias dificultavam a tarefa do governo. Foi em parte por isso que os reis católicos negaram-se a cumprir o estipulado nas Capitulações de Santa Fé, pois elas haviam dado a Colombo recursos e poder supe-
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riores aos que tinham quaisquer dos velhos nobres contra os quais os soberanos tinham tomado severas medidas. Tão logo chegaram à Espanha as primeiras notícias dos abusos dos Colombo na Espanhola - e abusos houve - os reis enviaram Bobadilha, e o Almirante e seus irmãos foram enviados presos para a Espanha. Isto, que muitas vezes tem sido descrito como um ato de ingratidão, se ajusta perfeitamente à política que! Isabel seguia em Castela. Nem ainda os mais importantes estavam isentos da justiça real. Logo, as leis da coroa em defesa dos índios não tinham um interesse unicamente humanitário, mas se ajustavam aos propósitos políticos dos soberanos, que temiam que, se os conquistadores e colonizadores não tivessem limites em sua exploração dos índios, tornar-seiam senhores feudais com o mesmo espírito independente que os grandes da Europa. De outro lado, os conflitos entre os espanhóis no Mundo Novo não se limitaram a divergências sobre a autoridade civil, mas incluiram também as de natureza religiosa. Rapidamente os missionários estabeleciam com os índios laços mais estreitos que os estabelecidos pelos colonos, e assim começavam a protestar contra o tratamento dispensado aos habitantes naturais das terras. Os protestos dos missionários chegavam repetidamente ao trono espanhol, e por isso muitos dos colonizadores viam os missionários como obstáculos ao empreendimento colonizador. A resposta da coroa às comunicações dos missionários foi sempre ambígua, pois os soberanos estavam numa difícil situação. De um lado, a exploração dos índios era a base sobre a qual se levantavam grandes senhorios cuja obediência e lealdade à coroa não eram de todo seguras. Para evitar o desenvolvimento de um novo sistema feudal, era necessário editar leis que protegessem os índios contra a exploração por parte dos espanhóis. Além disso não resta dúvida de que Isabel sentia verdadeira compaixão para com os seus recéns descobertos súditos, e queria que, na medida do possível, fossem tratados como seus súditos espanhóis. Por outro lado, a exploração das novas terras - entenda-se, de seus habitantes - era necessária para manter o nascente império espanhol. Sem o ouro das fndias, a política espanhola na Europa não poderia subsistir. Logo, as leis que protegiam os
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índios nunca se cumpriram em totalidade. Eram obstadas tanto pelas distâncias e dificuldades na comunicação, como pelos conflitos de interesses nos quais a coroa se achava envolvida. Tudo isso pode ser visto na legislação de Isabel sobre as fndias. Sem repassar toda essa legislação, convém que nos detenhamos para ver como a rainha tratou da questão da possível escravidão dos índios. Quando Colombo regressou a Espanhola, em 1495, e encontrou os índios amotinados contra os abusos dos espanhois, iniciou uma campanha de pacificação militar. Parte do resultado dessa campanha foi um número de prisioneiros de guerra, aos quais o Almirante enviou a Espanha para serem vendidos como escravos. A chegada dessa mercadoria humana causou revolta na Península, onde Colombo havia descrito a população americana como gente pacífica, doce e simples. Isabel recorreu aos juristas da época, a fim de averiguar se Colombo estava em seu direito escravizando os índios. Ao que parece, o que mais molestava a coroa não era que o Almirante escravizasseos índios, mas que ao fazê-Io apropriava-se de direitos que deviam pertencer somente a coroa. Quando finalmente Isabel proibiu que se escravizasse os índios, excluiu dessa legislação os caribes, por serem canibais. Pouco tempo depois permitiu escravizar aos que fossem tomados como prisioneiros nos combates, e aqueles que fossem comprados de outros amos índios. Além disso, se desenvolveu o sistema de encomendas, que em muitos casos não foi mais que um subterfúgio para impôr de novo a escravidão. Quando os índios viram que os espanhois que iam chegando eram cada vez mais numerosos, negaram-se a fazer plantações, e a partir de então foi determinado que era lícito obrigar os índios a trabalhar naquelas coisas que fossem necessárias para o bem comum. Assim se estabeleceu o sistema das "mitas" que perdurou por todo período colonial. Contra tudo isso o clero protestou repetidamente. A coroa respondeu com novas leis que supostamente limitavam os abusos contra os índios, as quais, contudo, raramente eram cumpridas, e às quais sempre houve numerosas excessões. Além disso se editaram outras cujo propósito era regular a vida moral dos índios, ordenando-lhes que vestissem roupas, que não se banhassem tão freqüentemente, que vivessem em povoados, etc. Porém,
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no final das contas, cumpriu-se neles o destino que os condenava a uma situação difícil, porque a coroa necessitava de seu trabalho para encher suas arcas, enquanto ao mesmo tempo queria evitar que os conquistadores se enriquecessem demasiadamente às custas desse mesmo trabalho. Tudo isso, sem dúvida, não quer dizer que aqueles que se viram envolvidos em todo esse processo foram hipócritas desalmados, que se diziam cristãos porém, ao mesmo tempo, com descaramento, burlavam os princípios de amor ao próximo. O dito de Colombo que encabeça este capítulo foi escrito pelo Almirante com toda sinceridade. De sua convicção religiosa não resta qualquer dúvida, e até em ocasiões que não sabemos precisar parece ter tido experiências místicas. Porém ao mesmo tempo, esse homem de profunda fé tratou de enriquecer-se estabelecendo um tráfico de escravos com os índios. O mesmo pode-se dizer de quase todos seus acompanhantes. A grande tragédia da conquista não foi que se derramou sobre o continente americano uma turba de desalmados espanhóis, mas que aqueles que chegaram a essas terras eram católicos sinceros que apesar disso não pareciam capazes de ver a relação que havia entre a sua fé e o que estava acontecendo em seus dias. Isto é certo, não só de Colombo e de muitos descobridores, mas também de conquistadores como Cortés e Pizarro, que viam suas empresas como um grande serviço prestado à pregação do evangelho. A tragédia foi então que, com toda sinceridade e em nome de Cristo, se cometeram os mais horrendos crimes. Aos habitantes destas regiões lhes arrebataram suas terras, sua cultura, sua liberdade, e sua dignidade, sob o pretexto de dar-lhes cultura e religião superiores, dos europeus. Em poucas ocasiões se tem visto tão claramente como somente a sinceridade não basta para o bem agir, pois o poder cega os poderosos de tal maneira que podem cometer os mais terríveis atropelos sem que, pelo que se percebe, suas consciências sejam molestadas. O empreendimento colombino e sua seqüela levaram à mais rápida e extensa expansão do cristianismo que a igreja tinha conhecido. Nessa expansão, apareceram personagens cuja dedicação ao nome e aos ensinos de Cristo eram tais que lhes permitiram prevenir do crime que se perpretava. Porém a
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maioria dos que confessavam o nome de Cristo, e iam regularmente aos serviços religiosos, e se preocupavam pela salvação das almas, e tratavam de cumprir o que entendiam ser os preceitos do cristianismo, não sabiam elevar-se por cima dos interesses do país ou de sua esposa, e deu-se assim origem a chamada "lenda negra" sobre a conquista, que, como veremos, não é tão legendária.
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III A justificação do empreendimento ... porque em coisa tão santa e tão necessária, como é o dito empreendimento contra os infiéis, não queríamos que faltasse alguma coisa das que mais pudesse justificar ... queríamos que ... procurásseis ganhar do nosso mui Santo Padre uma bula em que de forma geral declarasse a dita guerra contra os infiéis, e desse a nós ... tudo o que com a ajuda de Deus Nosso Senhor conquistássemos das terras dos infiéis. Fernando,
o Católico.
A questão da legitimidade da empresa conquistadora preocupou tanto aos reis católicos como a seus conselheiros. Já temos dito que, entre as dificuldades que se apresentaram quando Colombo propôs sua primeira viagem, se contava a questão de se a coroa de Castela tinha o direito de empreender tal projeto. Depois do descobrimento, essa questão se apresentou mais urgente. Seguindo então o padrão dos séculos anteriores, tanto no que se referia a mediação entre soberanos
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cristãos como no que se referia a convocação das guerras de cruzadas, os soberanos espanhóis apelaram ao papado para que lhes concedesse bulas que autorizariam suas viagens de exploração, seus esforços colonizadores e, posteriormente, a conquista. Logo, apesar das vozes de protesto que rapidamente se levantaram, todo o empreendimento conquistador se realizou em nome de Cristo, e a tarefa evangelizadora foi um dos principais argumentos que se encontraram para justificar a invasão dessas terras. Portanto, no presente capítulo devemos nos deter para ver o modo pelo qual os cristãos europeus tratavam de justificar o que nelas se fazia, tanto por meio de bulas papais como através do argumento teológico e jurídico.
As bulas papais Como sucede sempre em tais casos, os cristãos europeus trataram de enfrentar a nova situação surgida com o descobrimento da América com base em diversos antecedentes que lhe pareciam aplicáveis. Um deles era a história das cruzadas. Nelas, os papas tinham declarado guerra aos infiéis, e haviam confiado a certos soberanos cristãos o comando dos exércitos. Quando tais empreendimentos resultavam ter bom êxito, os papas outorgavam, ou pelo menos reconheciam, os direitos de posse sobre as terras conquistadas, como sucedeu, porexempio, ao fundar-se o reino latino de Jerusalém. Sobre essa base, em muitos dos documentos referentes a conquista aparecem antigas frases e fórmulas que se empregaram nas cruzadas. Para os conquistadores, seu empreendimento era semelhante ao daqueles que séculos antes na Terra Santa, tinham se arremessado contra os sarracenos. Essa atitude se fazia tanto mais viável por que até o próprio momento do descobrimento os cristãos peninsulares tinham estado lutando contra os mouros, numa guerra que lhe parecia ser uma continuação das cruzadas. Nessa guerra contra os mouros se estabeleceram certos precedentes que depois se aplicariam na América. Conforme o avanço da guerra de Granada, os reis católicos se ocuparam em estabelecer a igreja nos territórios conquistados. Porém, aproveitando circunstâncias favoráveis, e com vistas a evitar motivos de
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Na guerra contra os mouros se estabeleceram precedentes que depois seriam empregados na América. A relação entre ambos empreendimentos pode ser vista pelo modo em que, na conquista da América, se pensava que São Tiago continuava lutando a favor dos espanhóis, como se supunha que havia feito antes contra os mouros.
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discórdia com a Santa Sede em questões tais como a nomeação de bispos e a fundação de novas dioceses, em 1486 os reis católicos obtiveram duas bulas papais que lhes concediam o direito de patronato sobre a igreja em Granada e Canárias. Segundo outra bula do mesmo ano, era outorgado aos soberanos, entre outras coisas, o "direito de apresentação". Tal direito consistia em poder "apresentar" em Roma os nomes das pessoas escolhidas pela coroa para ocupar os altos cargos eclesiásticos, particularmente os episcopados. Desse modo esperavam os reis católicos poder fazer nomear pessoas de seu agrado, e evitar as desavenças que repetidamente se produziam em outras partes do mundo quando ficava vaga uma sede importante. Como veremos mais adiante, esse patronato real concedido sobre Granada e Canárias foi um dos modelos que se empregaram para determinar o modo pelo qual se regeria a igreja na América. A guerra contra os mouros também serviu para levantar a questão dos limites entre Castela - depois Espanha - e Portugal. Este último reino tinha terminado seu empreendimento de reconquista antes que Castela, e portanto tinha-se lançado a tomar territórios mouros no norte da África. Em princípios do séculos XV, Celta foi tomada pelos portugueses, que a partir dali se consideraram chamados a dirigir as cruzadas contra os mouros norte-africanos. Isto trouxe uma série de negociações com os demais reinos da Península, especialmente quando a conquista de Granada abriu as portas da África a Castela. Estabeleceram-se então linhas de demarcação nas terras mouras que se esperava conquistar, e o papado aprovou tais acordos. Tudo isso serviu de base para a solução que se daria depois ao problema semelhante surgido pelo descobrimento da América. Desde várias décadas antes, Portugal tinha-se feito ao mar. Suas explorações se dirigiram na grande maioria para a costa ocidental da África, com a esperança de rodear esse continente e assim chegar às índias. Conforme avançavam, os portugueses solicitaram a aprovação pontifícia. Seu propósito era principalmente comerciar, portanto, o papa concedeu-lhes o monopólio da navegação para as Indias rodeando a África. Pouco depois, em 1456, foi-lhes concedida também a jurisdi-
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ção espiritual sobre os territórios descobertos, incluindo toda a costa africana, "até os índios". Nas quatro décadas seguintes, sempre com a esperança de chegar ao limite sul do continente, os portugueses continuaram explorando as costas da Guiné e do Congo, até que finalmente chegaram ao cabo da Boa Esperança. Os primeiros esforços em converter os africanos, e de estabelecer colônias nestas costas, foram dando uma forma concreta ao que naquelas bulas tinha sido geral. Desse modo os antecedentes portugueses serviram para dar maior precisão às bulas que os espanhóis solicitaram mais tarde. Enquanto isso, Castela tinha-se dedicado a um empreendimento que nunca pareceu ocupar toda sua atenção, porém mais tarde tornou-se uma espécie de ensaio para a conquista da América. Trata-se da tomada e colonização das Canárias. Desde o século XIV os genoveses tinham-se interessado por essas ilhas que, a partir de então foram objeto de vários empreendimentos militares e, sobretudo, da pilhagem. Posteriormente, depois de uma série de circunstâncias, as Canárias caíram sob a jurisdição de Castela, reconhecida por Portugal - o único contendente sério - em 1479. A tarefa de colonização das Canárias foi então um micro cosmo do que seria a da América. Ali também chegaram os aventureiros em busca de ouro e glória. Ali foram chegando também os missionários, que repetidamente tiveram que opôr-se aos desmandos dos colonizadores. E, segundo temos dito, foi sobre estas ilhas, e sobre o reino de Granada, que primeiro os reis católicos obtiveram o direito de patronato sobre a igreja. Foi com base em tudo isso que tanto os cristãos ibéricos como os papas levantaram as questões relativas ao Novo Mundo. A conquista, colonização e evangelização da América lhes pareciam ser uma extensão do empreendimento nas Canárias e Granada, e as bulas e demais documentos expedidos nessas ocasiões anteriores foram os modelos que se empregaram nas novas circunstâncias. O descobrimento da América apresentava vários problemas. Antes de tudo, era necessário legitimar os direitos de exploração, comércio, conquista e colonização. Na mentalidade da época, tudo isso estava estreitamente ligado a tarefa
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evangelizadora. Logo, uma das principais preocupações dos reis católicos ao mesmo tempo que o sonho colombino começou a tornar-se realidade foi obter as bulas necessárias para continuar o empreendimento. Isto não era tarefa demasiadamente díficil, pois na ocasião reinava em Roma o papa, de triste memória, Alexandre VI, de origem aragonesa, que se mostrava sempre disposto a satisfazer os desejos de Fernando, particularmente em questões tão distantes como a das terras recém descobertas. Portanto, numa série de bulas expedidas em 1493, Alexandre VI concedeu aos reis católicos os direitos que antes outros papas haviam concedido aos reis de Portugal. Desse modo, desde o ponto de vista pontifício, o mundo não cristão ficou dividido em duas grandes esferas de influência, uma portuguesa e outra espanhola. Além disso, recordando sempre que havia cristãos em lugares como a [ndia e Etiópia, dos quais somente se tinham notícias vagas, estas bulas escla-. reciam que a autoridade política e religiosa que se lhes concedia a coroa espanhola se limitava àqueles territórios que não pertencessem já a algum príncipe cristão. Em 1508, Fernando o católico obteve de Júlio II a concessão de patronato real sobre a igreja em todos os territórios descobertos ou conquistados - ou por descobrir e conquistar - na América. O rei, como patrono e fundador das igrejas nas Indias, tinha então uma série de direitos e responsabilidades, entre os quais se incluía o "direito de apresentação" de que já falamos anteriormente, quando tratamos do patronato real sobre Granada e Canárias. Ainda que naquela bula não se achava a maneira pela qual seriam manejadas as finanças da nascente igreja, dois anos mais tarde o rei obteve outra bula, na qual se outorgavam, com algumas excessões, todos os dízimos das igrejas nas índias. Desse modo a igreja americana ficou completa e diretamente vinculada em suas finanças e em seu episcopado à coroa espanhola, que recebia quase todos seus ingressos e se ocupava com seus gastos, e que além disso tinha o "direito de apresentação" que quase equivalia ao direito de nomear bispos e demais prelados para os cargos que se tornariam vagos no Além-Mar. Pouco a pouco foram se somando a este patronato real outros direitos, até o ponto em que a igreja americana chegou a perder quase todo contato
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direto com a Santa Sé, e se tornou uma igreja nacional espanhola que, sem romper de modo algum com Roma, e ao mesmo tempo que lhe jurava absoluta obediência, servia na realidade aos interesses da coroa espanhola. Tudo isso se entende se recordarmos que os reis católicos e seus sucessores imediatos se encontravam entre os mais poderosos monarcas da Europa, que por diversas razões os papas se inclinavam a aceitar suas petições, e que em todo caso os que naquela época ocupavam o trono papal eram os papas renascentistas que temos estudado noutro volume dessa história. Durante os primeiros anos depois da conquista, quando os tesouros dos astecas e dos incas não eram mais que rumores distantes, o empreendimento missionário americano se apresentou como uma tarefa onerosa que os papas renascentistas não estavam dispostos a tomar sobre seus ombros, e sim entregá-Ia aos soberanos da Espanha. Em todo caso, esta série de bulas papais teve duas funções. A primeira foi legitimar a conquista. Com base nas teorias do poder temporal dos papas que tinham se desenvolvido durante a Idade Média, havia os que sustentavam que o sumo pontífice tinham autoridade temporal sobre o globo, e que portanto podia conceder as terras dos pagãos aos reis cristãos. Essa teoria, interpretada de diversos modos, se achava atrás das bulas que concediam aos portugueses e espanhóis os direitos de exploração, comércio, conquista e exploração comercial. Porém, visto que tais teorias extremas do poder pontifício nunca tinham sido aceitas por todos, durante a conquista houve os que expressaram dúvidas sobre a validade de tais concessões papais. Outros, movidos por suas próprias experiências nas fndias, onde tinham sido testemunhas, e algumas vezes até participado, do maltrato aos índios, alçavam também a voz de protesto. Se bem que posteriormente o empreendimento seguiu o caminho traçado pelos interesses econômicos e políticos, não é possível narrar a história do cristianismo na América sem dizer algo sobre os que tão esforçadamente lutaram em prol de uma maior obediência aos ditames do evangelho.
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Frei Bartolomeu
o protesto:
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de Las Casas
Frei Bartolomeu de Las Casas
A história de Las Casas tem sido objeto de grandes controvérsias, sobretudo porque lhe culpam de haver criado, ou pelo menos difundido, a "lenda negra" sobre a conquista. De modo geral, os que tomam a atitude de acusação são historiadores católicos espanhóis que tratam de manchar ou distorcer os abusos que foram condenados por Las Casas, sem aperceberem-se de que se há alguém de quem a igreja católica espanhola deveria gloriar-se, esse alguém é precisamente Frei Bartolomeu de Las Casas.
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Nascido em Sevilha em 1474, após licenciar-se em leis, Bartolomeu partiu de sua cidade natal em 1502, com a frota que os reis católicos enviaram a América sob o comando de Nicolás de Ovando, quando Colombo estava em desgraça. Durante dez anos o licenciado sevilhano viveu na Espanhola, onde recebeu um grupo de índios de encomenda, e onde, de modo igual aos demais encomendadores, dedicou-se a desfrutar do produto do trabalho dos índios, sem ocupar-se com seu bem estar nem com sua evangelização. Oito anos passou Las Casas em Santo Domingo quando chegaram os dominicanos. No ano seguinte, no quarto domingo do Advento de 1511, isto é, imediatamente antes do Natal, o sacerdote dominicano Antonio,Montesinos pregou um sermão contra os abusos de que os índios eram vítimas. Foi um sermão fulminante, que causou grande revolta em toda a colônia. As autoridades e demais interessados trataram de fazer oalar os dominicanos, que apoiaram a Montesinos. A disputa chegou rapidamente à corte espanhola,onde ambas as partes argumentavam em defesa de suas posições. Pela primeira vez se começou a questionar seriamente o modo pelo qual se desenvolvia o empreendimento americano. Enquanto isso, o licenciado Las Casas, tinha sido ordenado sacerdote, sem que se saiba exatamente em que data, se bem que parece ter sido o primeiro a receber ordenação no Novo Mundo. Porém na questão q ue se debatia entre os dominicanos e os colonos, Las Casas, ou guardava silêncio, ou tomava o partido dos colonos. Foi no Pentecostes de 1514, que Las Casas teve uma verdadeira conversão com relação ao tratamento com os índios. A partir de então, a fé cristã lhe pareceu radicalmente incompatível com o modo desumano pelo qual os espanhóis tratavam os índios, e não teve dúvidas em dizê-lo nem em tomar o partido dos dominicanos na polêmica que o sermão de Montesinos tinha iniciado. No ano seguinte, em companhia de Montesinos, regressou à Espanha, onde conseguiu o apoio do cardeal Cisneros, na ocasião regente por Carlos V. Cisneros o enviou de regresso as fndias com uma comissão de jerônimos que devia investigar o tratamento dispensado aos índios. Porém, a má opinião que vários dos membros da co-
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missão tinham dos índios, e suas atitudes apaziguadoras para com os encomendadores, levaram Las Casas a romper com a comissão e regressar para a Espanha, onde continuou sua apaixonada defesa dos índios. Talvez para desfazer-se dele, ou talvez para dar-lhe uma oportunidade de provar suas teorias sobre o melhor modo de evangelizá-los, as autoridades espanholas lhe outorgaram um território para evangelizar, em Cu maná, que hoje é a Venezuela. O experimentado Las Casas fracassou, em parte porque tendia em idealizar a bondade dos naturais, e em parte porque os colonizadores espanhóis fizeram todo o possível para criar obstáculos ao projeto e criar todo tipo de violência. Posteriormente, quando os índios se rebelaram, Las Casas abandonou o projeto e se refugiou entre os dominicanos em Espanhola. Ali se uniu finalmente a ordem de Santo Domingo, e passou vários anos dedicando-se a trabalhos literários. Depois de doze anos em São Domingos, Las Casas partiu para o Peru, porém o mau tempo obrigou-o a desembarcar na Nicarágua. Os colonizadores dessa região reagiram de tal modo a suas idéias sobre os índios, que teve de fugir para a Guatemala. Tratou então de aplicar sua teoria de que o evangelho deveria ser pregado pacificamente, porém os índios, que não conheciam dos espanhóis mais do que a pilhagem e a opressão de que eram objeto, não se mostraram dispostos a escutá-lo. Foi durante esse período, em 1537, que escreveu O único modo de chamar todos os povos à fé. Depois foi para o México, onde fêz o trabalho missionário, e regressou a Espanha em 1540. Na Espanha, Las Casas publicou sua obra Brevíssimo relatório da destruição das fndias, que imediatamente suscitou grande controvérsia, e ainda hoje suscita tal controvérsia. Trata-se de uma narração do acontecido nas [ndias logo depois da chegada dos espanhóis. Como história, deixa muito a desejar, pois é uma obra polêrnica cujo autor trata de mover seus leitores a tomar posição em favor dos índios. Os números se exageram às vezes, e não resta dúvida que Las Casas escolheu os incidentes que melhor poderiam comover seus leitores. Porém isto não quer dizer que seu informe tenha sido falso, como têm pretendido historiadores que ficam molesta-
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dos pelo fato do livro de Las Casas ter servido aos interesses dos inimigos da Espanha. Visto em seu próprio contexto, como um chamado a seus compatriotas a viver a plenitude de sua fé no trato com os índios, a dita obra é admirável e comovedora. Em parte, como resultado deste livro, Carlos V fêz prom ulgar as Leis Novas, que limitavam os direitos dos espanhóis sobre os índios. Isto causou grande revolta na América, e no Peru se chegou a uma rebelião armada. Rapidamente as Leis Novas caíram no esquecimento, e o abuso e a exploração continuaram. Las Casas gozava de grande prestígio entre os elementos mais progressistas da corte espanhola, e lhe foi oferecido o importantíssimo episcopado de Cuzco, a velha capital do império Inca. Porém ele se negou a aceitá-lo, e finalmente foi nomeado bispo de Chiapas, no sul do que hoje é o México. Ali mostrou-se inflexível para com os encomendadores, como pode ver-se no seu Confessionário. A oposição dos colonizadores se fêz cada vez mais veemente, e depois de um ano de resistência Las Casas partiu de novo para a Espanha, onde renunciou a sua diocese. Daí em diante (desde 1547) até sua morte, em 1566, aos noventa e dois anos de idade, Las Casas dedicou-se a corrigir e fazer publicar seus escritos, e a opôr-se à política colonial espanhola. Las Casas baseava sua defesa aos índios nos princípios gerais de direito que gozavam de aceitação na Europa. Com base nesses princípios, Las Casas argumentava que os caciques índios eram os verdadeiros senhores de suas terras e de seus vassalos, e que o único direito que os espanhóis tinham no Novo Mundo era o de proclamar o evangelho. Esse direito não justificava as guerras contra os índios, nem o regime de remessas, mas simplesmente permitia aos espanhóis dedicarem-se à propagação de sua fé através de meios pacíficos. Além disso, dizia Las Casas, os habitantes originais das terras eram gente afável e generosa, que facilmente seria ganha mediante um bom exemplo e amor. Foi esse último ponto, com sua idealização do caráter índio, o que mais força deu aos argumentos dos oponentes de Las Casas, pois seus inimigos se alegravam ao ver fracassarem seus intentos de aplicar métodos pacíficos. Além do mais, à medida em que foi recru-
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Francisco de Vitória ocupou a principal cátedra de teologia de Salamanca, e foi considerado fundador do direito internacional.
descendo a inimizade entre índios e espanhóis, menos aceitação tinham os escritos e as idéias de Las Casas. Suas obras foram proibidas no peru em 1552, e na Espanha alguns anos mais tarde. Em meados do século seguinte, a Inquisição proibiu a leitura das obras de Las Casas. Francisco de Vitória Mais respeitadas foram as opiniões de Francisco de Vitória, o dominicano que, a partir de 1526, ocupou a principal cátedra de teologia da universidade de Salamanca, e que tem sido chamado de o "fundador do direito internacional". Em suas duas Relações teológicas dos índios, Vitória apresentou a questão da legitimidade do empreendimento espanhol no Novo Mundo.
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o ponto de partida dessa questão é se os índios eram ou não os verdadeiros senhores de suas possessões e de suas instituições antes da chegada dos espanhóis Isto quer dizer, que se os índios não tinham direito sobre as terras, os espanhóis podiam tomá-Ias sem atentar a eles. A isto respondeu Vitória que os índios eram certamente os senhores legítimos. Nem o pecado mortal, nem a idolatria, nem a suposta falta de capacidade mental eram suficientes para negar-lhes o direito de posse. E isto, por sua vez, quer dizer que os espanhóis não poderiam justificar a conquista dizendo que, visto que os índios era idólatras" ou visto que praticavam crimes, seus territórios não lhes pertenciam. Vitória passou então a discutir as diversas falsas razões, ou "títulos não legítimos", que se somavam para justificar a conquista. O primeiro deles é que o imperador é senhor de todo o mundo. Este título, que não se esgrimiu nos tempos dos reis católicos tinha especial importância porque ao ditar Vitória suas Relações o rei da Espanha era também o imperador, Carlos V. A isto respondeu Vitória que não é certo que o imperador seja dono ou senhor de todo o mundo e que, ainda que o fosse, ele não tinha o direito de depô r os senhores naturais dos territórios índios. O segundo título é semelhante ao primeiro, pois se baseia na autoridade universal do papa, que tinha outorgado aos espanhóis os territórios em questão. Esse título não é legítimo, pois o papa não é o senhor temporal de toda a terra, e se o fosse tampouco teria. autoridade para delegar seu poder a príncipes seculares. A autoridade do papa se baseia nas coisas espirituais e em sua administração, e portanto não se estende aos não crentes. Isto, por sua vez, quer dizer que a negação por parte dos "bárbaros" em aceitar a autoridade pontifícia não é razão suficiente para fazer-lhes guerra. Com isto, Vitória rechaçava a prática espanhola de ler aos índios um "requerimento" ou invitação em abraçar o cristianismo, e fazer-lhes guerra se se negassem. O terceiro título, que é o direito de descobrimento, tão pouco é legítimo, pois se os índios eram verdadeiros senhores de suas terras, como se tem dito anteriormente, esses territó-
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rios não estavam esperando ser descobertos, como se se tratassem de uma ilha deserta. Em quarto lugar, poderia argumentar-se que os índios por não crer em Cristo, tinham perdido seus direitos. Mas aí Vitória responde que os índios, antes de ouvir a proclamação do evangelho, não pecavam com incredulidade, e que tão pouco pecam se não o aceitassem tão logo que se lhes anunciava, se esse anúncio não ia acompanhado de provas concretas da fé. Pelas notícias recebidas, comentava nosso teólogo, "não estou convencido de que até este momento a fé cristã tenha sido apresentada aos bárbaros de tal maneira que se não a aceitem estejam em pecado mortal". Em outras palavras, que os meios violentos que estavam empregando, por sua própria natureza, exoneravam os que se negavam a aceitar um cristianismo que lhes chegava com tão tristes recomendações. Além disso, ainda que estivessem em pecado mortal por haverem rechaçado o evangelho, isso não privaria os índios de seu legítimo direito de propriedade. O quinto título se baseia nos pecados dos índios, e argumenta que os espanhóis tem o dever de castigá-los. A isto respondia Vitória que, por mais graves que fossem os pecados dos índios, os cristãos não tinham jurisdição sobre eles. Tão pouco deveria ser aceito o sexto título, que é o de uma suposta eleição voluntária do senhorio espanhol por parte dos índios. Tal eleição teria que fazer-se sem medo ou ignorância, e o que ficava patente era que tais circunstâncias não estavam existindo do Novo Mundo. Além disso, se os caciques são os verdadeiros senhores, tão pouco poderia o povo índio chamar outros para os seus lugares sem uma causa razoável para fazê-lo. Por último, havia os que diziam que Deus, numa doação especial, tinha dado essas terras aos espanhóis, como antes tinha dado aos filhos de Israel as terras dos cananeus. Diante desse argumento responde Vitória que "é perigoso crer naquele que apoia uma profecia contra a lei comum e contra as regras da Escritura, se não confirma suas doutrinas com milagres, os quais não se viam na ocasião por parte alguma nem eram realizados por tais profetas". E ainda que houvesse tal doação por parte do Senhor, isto não garantia que aqueles que
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tomassem as terras estavam isentos de pecado, como pode ver-se no caso dos reis da Babilônia aos quais Deus entregou os israelitas. Por outro lado, Vitória cria que poderia haver razões, ou "justos títulos", para fazer a guerra aos índios. O primeiro destes títulos é o da livre comunicação. Os espanhóis tinham o direito de viajar por terras indígenas, e de comerciar com eles, sempre que se ajustassem às leis que nesses territórios se aplicavam aos estrangeiros. Se os índios não permitissem esse livre comércio e comunicação, aí sim os espanhóis poderiam apelar para a força, ainda que sempre numa medida que se ajustasse às circunstâncias, e não utilizando a atitude dos índios como desculpa para fazer-lhes violência excessiva, ou para apoderarem-se de suas possessões. Em segundo lugar, os espanhóis tinham o direito de pregar o evangelho. Se bem que esta tarefa corresponde a todos os cristãos, o papa, como senhor espiritual dos crentes, pode encomendá-Ia aos espanhóis e proibí-Ia aos demais. Se os índios permitissem a livre pregação do evangelho, porém se recusassem a converter-se, os espanhóis não poderiam usar a força. Porém se os chefes índios apelassem para a força a fim de impedir as conversões e os batismos, ou se tratassem de obrigar os convertidos a abandonar a sua fé, os espanhóis poderiam utilizar as armas, sempre dentro da medida necessária para corrigir o mal, e não como desculpa para destruir o senhorio dos índios. Esta era a terceira razão que poderia ser usada em defesa da conquista. Em quarto lugar, o título legítimo seria uma decisão papal, dando aos índios novos senhores. Porém, visto que o papa só tem jurisdição sobre os cristãos, esse título não poderia ser usado a não ser no caso em que boa parte da população fosse cristã. Em quinto lugar, ainda que os pecados dos índios não lhes tiravam o seu direito de senhorio, os espanhóis tinham autoridade para defender uns aos outros, como no caso dos sacrifícios humanos e a antropofagia. A fim de evitar tais coisas, e em defesa dos que de outro modo seriam mortos, os espanhóis poderiam intervir mediante a força.
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Além do mais, os espanhóis poderiam tomar o senhorio sobre essas terras se os chefes índios, "compreendendo a humanidade e a. sábia administração dos espanhóis", pedissem ao rei da Espanha que fosse seu soberano. O sétimo título legítimo para a intervenção armada seria o das alianças feitas com algum chefe índio, que então se veria envolvido em guerra com outro. Em tal caso, os espanhóis teriam que cumprir sua obrigação com seus aliados .. Existe por último um título, que se tem somado, sobre o qual Vitória tinha dúvidas, e este é o da incapacidade dos índios em governar-se a si mesmos. Se, como diziam alguns, os índios necessitavam de maturidade mental para governar seu próprio país, os espanhóis poderiam ocupar-se com a tutela. Naturalmente, neste último ponto Vitória quase se contradisse em relação ao que já tinha dito antes, pois se os índios são incapazes de governar-se dificilmente poderiam ser senhores de suas próprias terras e instituições. As conferências de Vitória, ditadas em resposta às notícias recebidas dos desmandos ocorridos no Peru, causaram grande revolta. O imperador fêz calar os mais exaltados seguidores do mestre dominicano, porém ele mesmo viu a necessidade de julgar de novo todo o empreendimento de conquista e colonização. As Novas Leis das fndias, promulgadas em 1542, levam o selo de Vitória. A partir de então proibiram-se conquistas ao estilo da que ocorrera no Peru, e proibiu-se fazer guerra aos índios que estivessem dispostos a estabelecer relações pacíficas com os espanhóis. Porém, por outra parte, não é possível ocultar o fato de que Vitória, apesar de ter sido o grande crítico dos desmandos dos espanhóis, foi também quem previu justificação jurídica e teológica ao empreendimento de conquista e colonização. Os "justos títulos" se prestaram a enormes injustiças. A moderação de Vitória, ao mesmo tempo que condenava os crimes dos conquistadores, acabava de justificar o maior dos crimes, que foi a própria conquista, como podemos ver nas últimas palavras de sua primeira Relação: "Fica patente que, depois que tenha ocorrido a conversão de muitos bárbaros, não é admissível nem lícito ao príncipe renunciar porcompletoa administração dessas províncias".
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IV O empreendimento Antilhano ... procurareis com toda diligência animar e atrair os naturais das ditas fndias a toda paz e quietude, e que nos sirvam e estejam sob nosso senhorio e sujeição benignamente, e principalmente que se convertam a nossa santa fé católica. Os reis católicos Como vimos no capítulo anterior, as primeiras terras que Colombo visitou no Novo Mundo formavam parte do arquipélago antilhano, e foi nele, na ilha que se chamou Espanhola, que o Almirante fez a primeira tentativa de colonização, que fracassou. Em sua segunda viagem, Colombo trazia instruções mais precisas dos soberanos, no sentido de que estabele- . cesse colônias permanentes nas novas terras, e fizesse todo o possível pela evangelização dos índios. Com a finalidade de ajudá-lo neste último propósito o acompanharam, além do padre beneditino Bernardo Boil, que já temos mencionado anteriormente, três franciscanos, um mercedário e um jerônimo. Colonização da Espanhola Depois de encontrar destruído o forte Natividade, Colombo e os seus seguiram navegando ao longo da costa da Espa-
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nhola, até que chegaram a um lugar que lhes pareceu propício para fundar um povoado, a quem nomearam A Isabel, em honra a rainha. Ali os sacerdotes celebraram missa solene no dia dos Reis de 1494, e imediatamente começou a construção dos principais edifícios. A igreja, o quartel general de Colombo e o armazém foram construídos de pedra. Os demais edifícios, para a morada dos colonos, foram feitos de madeira e de palha. Quando os alimentos começaram a escassear, Colombo enviou um de seus tenentes de regresso a Espanha, com a incumbência de procurar provisões. Além do mais, foi com ele um contingente de índios que eram canibais, e ele sugeria aos reis que os repartissem entre as melhores famílias do reino para que aprendessem a língua espanhola e a fé cristã. Além disso, dizia Colombo, capturando e desterrando esses índios canibais ganhava-se a simpatia dos demais índios, que viam nos espanhóis uma força benfeitora. Porém o fato é o que Almirante tinha outros propósitos, pois nas mesmas instruções propunha que se pagassem com escravos índios as mercadorias que os expedicionários necessitavam. A resposta real foi ambígua, pois ao mesmo tempo em que aceitaram os índios que Colombo enviara se insistia na procura da conversão dos habitantes da região sem o uso da violência nem do desterro. Enquanto isso, as coisas na nova colônia não marchavam muito bem. Antes da saída do contingente que iria para a Espanha, muitos trataram de desertar e partir com ele. Depois de castigar severamente aos rebeldes, Colombo enviou uma pequena coluna a região que os índios chamavam "Cibao", pensando que talvez esse nome indicasse que se tratava de Cipango, o nome que então era dado ao Japão. Quando os enviados regressaram com algum ouro, e com notícias de terem sido bem recebidos pelos índios, Colombo foi até Cibao com um grupo maior. Porém nessa segunda ocasião os índios fugiram, talvez atemorizados pelo aparato bélico dos espanhóis. Em Cibao, o Almirante construiu uma fortaleza que chamou de São Tomé, porque os incrédulos que não criam que houvesse ouro foram refutadós. Entretanto, os índios não estavam dispostos a permitir aos espanhóis marcharem impunes por suas terras e cometerem contra eles os abusos que cada vez mais se faziam fre-
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qüentes. O cacique Caonabo, a quem se acusava de haver organizado o ataque ao forte Natividade, uniu-se a outros chefes para marchar contra São Tomé. Diante de tais notícias, Colombo mandou uma força de várias centenas de homens para defender a fortaleza, com instruções de aplicar castigos severos aos índios rebeldes, cortando-lhes as orelhas e os narizes. O chefe dessa expedição não vacilou em aplicar tais instruções com implacável crueldade. Por exemplo, quando um índio roubou as roupas de um espanhol toda sua aldeia foi tomada, e cortaram as orelhas do cacique. Enquanto isso, não há notícias de que os supostos missionários fizessem grandes coisas em favor da conversão dos índios. O principal deles, Boil, parecia estar mais interessado no seu próprio poder do que na sua obra missionária. Istochegou a a tal ponto que, enquanto Colombo estava ausente numa expedição a Cuba, Boil uniu-se a um grupo de rebeldes e repudiaram a autoridade de Diego Colombo, apoderando-se de três naves e partiram para a Espanha. Os que ficaram para trás, desmoralizados e carentes de liderança, se dispersaram por toda região, cometendo furtos e violações entre os índios. Estes, por sua vez, aproveitaram a ocasião para vingarem-se, e não poucos espanhóis foram aprisionados e mortos por eles. Nisso chegou Colombo, cansado e amargurado pela viagem infrutífera pelas costas de Cuba, disposto a despejar sobre os índios o furor de sua cólera. Os índios mortos foram contados aos milhares, e muitas centenas foram feitos prisioneiros e enviados a Espanha como escravos. Caonabo, que reuniu um éxercito de cinco mil homens e pôs sítio a São Tomé, foi derrotado e feito prisioneiro. Ao final de dez meses, os espanhóis tinham destruído todo vestígio de resistência entre os rebeldes. Porém isto não pôs fim a obra conquistadora. Os espanhóis invadiram novos territórios e submeteram seus caciques, exceto o de Jaraguá, que se fêz vassalo e ofereceu pagar tributo, e o de Higuey, cujo território estava bastante afastado. Os muitos escravos feitos nessa guerra alentaram a cobiça dos conquistadores, que durante algum tempo continuaram pagando com escravos índios as mercadorias trazidas da
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Espanha. Além do mais, decretou-se que cada índio conquistado teria que pagar um tributo trimestral de certa quantidade de ouro, ou de uma arroba de algodão. Os que não pagavam eram reduzidos a escravos. Diante de tal situação, muitos fugiram e se refugiaram nos montes, onde os espanhois os caçavam com cachorros. Nem todos os colonizadores concordavam com tais medidas. Quando o almirante estava ausente na viagem a Espanha, um forte grupo, dirigido por Francisco Roldão Jimenes, rebelou-se e fugiu para o território de Jaragua. Ainda que o partido de Roldão não se mostrava muito amável para com os índios, foram menos cruéis que os de Colombo, que continuava exigindo pesados tributos e enviando carregamentos de escravos para Espanha. Foi em conseqüência de tal situação que a rainha questionou o direito do Almirante em vender índios como escravos, e posteriormente Bobadilha depôs os Colombo, enviando-os presos a Espanha. Entretanto Bobadilha não foi melhor governante para os naturais, aos quais continuou oprimindo em benefício dos trezentos espanhóis que possuía a colónia na ocasião. A esquadra de trinta e dois navios que levou Nicolas de Ovando para 'tornar a cargo a Espanhola, levava também dezessete franciscanos encarregados de continuar a obra de evangelizar os índios. Porém estes novos missionários, como os anteriores, encontraram muitas dificuldades em seus trabalhos devido às más relações que existiam entre os índios e os espanhóis. Pouco tempo depois de ter chegado ao país, Ovando tinha conquistado a região de Higuey. Porém no território de Jaraguá, a cacique Anacaona dirigiu uma rebelião que loqo. se estendeu até Higuey, e que foi afogada em sangue. Anacoana, feita prisioneira pelos espanhóis, foi enforcada. Enquanto isso os índios submissos eram entregues em encomenda aos espanhóis, com a condição de que estes os ensinariam na fé cristã e lhes pagariam um salário. Porém o sistema de encomendas não era mais que um subterfúgio para a escravidão, proibida pela coroa. Segundo conta Las Casas, os missionários não fizeram mais que tomar em suas casas algumas crianças, filhos dos caciques, com o propósito de ensinar-lhes as letras e a fé e bons costumes.
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Em 1503 a coroa deu instruções a seus representantes na Espanhola no sentido de que os índios deveriam viver em povoados e não disseminados por toda a comarca, e que em cada povoado deveria haver um oficial do governo e um capelão. Porém tais povoados não foram os lugares felizes que os reis esperavam, pois os índios arrancados deles, e submetidos a trabalhos forçados nas minas, as vezes não podiam ver suas famílias por meses. Enquanto isso, na Europa, se faziam gestões para o estabelecimento da hierarquia eclesiástica nas novas colônias. Depois do intento falido de fundar três sedes na Espanhola, em 1511 foram fundadas por fim nesta ilha as sedes de São Domingo, Conceição da Vega, e a de São João de Porto Rico. ~ interessante e revelador notar que nas instruções reais aos novos bispos se lhes indicava que não deveriam estorvar os trabalhos de extração do ouro, mas pelo contrário, deveriam dizer aos índios que o ouro seria destinado às guerras contra os infiéis, e que em todo caso os bispos tinham que ensinar"as outras coias que vissem que poderiam ser aproveitadas para que os índios trabalhassem bem". Alguns dos primeiros bispos do Além Mar foram pessoas dignas, que se ocuparam de melhorar as condições em que viviam os índios. Porém muitos outros foram indolentes, partidários decididos dos colonos, ou nunca chegaram a tomar posse de suas dioceses. Foram os dominicanos, chegados em 1510, os que mais se afadigaram pelo bem-estar e a verdadeira conversão dos índios. Entre eles se encontra Antonio de Montesinos, a quem já nos referimos anteriormente como o chefe do protesto contra o regime de encomendas. A comissão dos jerônimos que veio a Espanhola em conseqüência da agitação de Montesinos e Las Casas sugeriu que se devolvesse a liberdade os índios ou que, se isso fosse impraticável, não se fizessem encomendas perpétuas, mas só por três anos, e que essas encomendas fossem estritamente supervisionadas pela coroa com o fim de evitar abusos. Quando a coroa decretou a liberdade dos índios, houve resistência por parte dos espanhois, cujos argumentos pareciam confirmar-se com um rebelião dos índios. O resultado foi que estes perderam a pouca liberdade que ti-
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nham, e muitos também a vida. Posteriormente os poucos que conseguiram sobreviver aceitaram o batismo de igual modo que aceitaram o domínio espanhol, porque não lhes restava outra alternativa. Porto Rico A colonização da ilha de São João (mais tarde chamada de Porto Rico) seguiu um processo semelhante ao que temos visto em Espanhola. Em 1509 dom João Ponce de Leão explorou a ilha, e no ano seguinte Diego Colombo, que na ocasião governava a Espanhola autorizou a conquistá-Ia. Com uma centena de soldados, Ponce regressou a Porto Rico, onde estabeleceu residência em Caparra. Dali, numa série de incursões, foram-se fundando outros centros, inclusive a atual capital de São João, que os expedicionários transformaram em seu quartel general. As capitulações que Ponce tinha firmado com Diego Colombo estipulavam que um dos propósitos da expedição seria a evangelização da ilha. As diretrizes enviadas pouco depois pela coroa ordenavam que se tratasse bem aos índios, evitando os abusos que tinham ocorrido na Espanhola, e que se fizesse reunir grupos de crianças índias que deveriam receber instrução religiosa e passá-Ias depois para o restante da população. Entretanto estas instruções não foram totalmente cumpridas. Em Porto Rico também se implantou o regime de encomendas, com todos seus abusos. Os índios morriam aos milhares. Os que fugiam para os montes eram caçados e castigados cruelmente. Os religiosos queixavam-se dos expedicionários, muitos deles casados na Espanha, que violentavam as índias ou se amigavam com elas. Posteriormente a população indígena desapareceu, em parte por mortandade, e em parte por absorção. Em 1512 chegou a Porto Rico seu primeiro bispo, dom Alonso Manso. Este era um homem culto e refinado, cuja principal contribuição foi a fundação de uma escola de gramática, com o propósito de ensinar o clero e a quaisquer outros que quisessem assisti-Ia. Porém, ainda que o bispo Manso seja venerado em Porto Rico por ter sido o primeiro prelado da ilha, o fato é que passou boa parte de sua carreira na Espanha. A
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sua morte em 1534, deixou a sede vaga, e não se nomeou outro sucessor senão em 1542. Enquanto isso, o licenciado Antonio da Gama, tomou verdadeiro interesse pelos índios, e recebeu da coroa a tarefa de protegê-los. Como parte de seu programa de defesa dos índios, da Gama obteve na Espanha autorização para castigar os que maltratassem os naturais da ilha. Deste modo se suavisavam um pouco os rigores do regime de encomendas e outros abusos. O novo bispo, Rodrigo de Bastidas, conseguiu
Não foi senão algum tempo depois, quando São João veio a ser um importante porto por ondo passava o ouro enviado a Espanha vindo do México e do Peru, que foram construídas as fortificações de São João, e a ilha começou 8 roo voar-se.
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que devolvessem a liberdade a alguns índios. Porém tudo isto não bastou para salvar um povo condenado a opressão e ao desaparecimento. De modo igual ao resto das Antilhas, Porto Rico ficou eclipsada com os descobrimentos e conquistas do México e do Peru. Muitos marcharam para essas terras onde o ouro era mais abundante. O próprio Ponce de Leão marchou para a Flórida, em busca de novas aventuras e maiores riquezas. Em conseqüência, para os fins do século XVI a ilha estava relativamente despovoada. No campo eclesiástico, havia, além do bispo, uma dezena de cléricos e um convento. Com esse escasso pessoal era necessário ministrar em toda a ilha. Não foi senão algum tempo depois, quando São João veio a ser um importante porto por onde passava o ouro enviado a Espanha, vindo do México e do Peru, que foram construidas as fortificações de São João, e a ilha começou a ser repovoada.
Cuba A conquista de Cuba foi feita de modo mais sistemático do que ocorreu em Espanhola. Visto que Colombo tinha sustentado que se tratava de terra firme, a coroa sempre teve interesse por empreender a conquista, colonização e evangelização de Cuba. Posteriormente Sebastião de Ocampo, que demonstrou que era uma ilha, se apresentou em Espanh la com uma expedição de conquista e colonização. Diego V la quez, com o título de Almirante, desembarcou no extr m oriente da ilha com uns trezentos acompanhantes. Ali fundou a cidade de Baracoa, e recebeu reforços procedentes da Jamaica sob o comando de Panfilo de Narváez. A expedição dividiu-se então em três colunas. Duas seguiram pelas costas, marchando e navegando do leste para o oeste, e a terceira, sob o comando de Pánfilo de Narváez, marchou pelo centro. A única oposição séria por parte dos índios foi a que dirigiu o cacique Hatuey, que tinha chegado da Espanhola com notícias sobre a crueldade e a avareza dos conquistadores. Capturado finalmente, e condenado a morrer na fogueira, conta-se que Hatuey neg_ou-sea receber o batismo que, se-
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gundo O sacerdote, lhe abriria as portas do céu, pois se os cristãos iam para o céu ele não desejava estar com eles naquele lugar. Apesar dos índios praticamente não terem oposto resistência, os espanhóis. e em particular a coluna comandada por Panfilo de Narváez, se irritaram com eles. A matança de Caonao, na qual os espanhóis destruiram toda uma aldeia de índios desarmados, foi somente um dos muitíssimos incidentes parecidos. Mais tarde se estabeleceu o regime de encomendas e o trabalho forçado em busca do escasso ouro que havia. O desalento dos índios foi tal que em muitos casos houve suicídios em massa. Outros morreram por causa das enfermidades até então desconhecidas entre eles, e trazidas pelos espanhóis. Como no resto das Antilhas, a raça índia estava destinada a desparecer, ou a ser absorvida pelos conquistadores que se juntaram com as índias, de modo legal, ou ilegalmente (ainda que quase nunca sem antes batizá-Ias, pois não podiam unir-se com os infiéis). Cuba, em grau maior do que Espanhola e Porto Rico, tornou-se o centro de expedições para terra firme. Foi nela que se organizaram as empresas dirigidas para o México e Flórida. Em vista da escassez do ouro, muitos colonos se transferiram para essas novas regiões. O resultado foi que, já em 1525, a ilha estava submersa na pobreza. A sociedade indígena, desarticulada pela chegada dos espanhóis, e arrancada de suas tarefas na busca do ouro, não podia satisfazer as necessidades da escassa população. E logo houve revolta dos índios com as esperadas matanças. As comunicações entre as sete cidades fundadas por Velasquez eram más e, em todo caso, as supostas cidades não passavam de pobres casebres. Em tais circunstâncias, a igreja demorou para estabelecer-se devidamente, e não foi senão para os fins do século XVI, com o estabelecimento de um convento franciscano e outro dominicano em Havana, que a vida eclesiástica começou a ganhar vigor.
Os escravos negros Desde muito cedo iniciou-se o tráfico de negros africanos para o Novo Mundo, para que se ocupassem dos trabalhos
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que os espanhóis não estavam dispostos a realizar. Já em 1502, Nicolas de Ovando levou consigo para Espanhola vários negros, ainda que não trazidos diretamente da África, mas de Sevilha, onde já eram escravos. Quando estes fugiram aproveitando as selvas tropicais, se deteve por algum tempo a importação de escravos negros. Porém em 1505 Ovando reacendeu o desumano tráfico ao solicitar da coroa que fosse enviada uma centena de escravos negros. A partir de então, e na medida em que ia desaparecendo a população índigena das Antilhas, a importação de escravos africanos aumentou. Em 1516, Las Casas chegou a sugerir, como um modode proteger os índios, que se trouxessem mais escravos da África. Porém logo se arrependeu de ter aconselhado tal coisa, e dedicou-se também a defesa dos negros. Alguns teólogos faziam reparos ao tráfico de escravos. Porém é notável que a principal discussão não tinha nada a ver com a injustiça da ,escravidão, mas sim com os direitos e interesses dos brancos envolvidos no assunto. Assim, por exemplo, quando em 1553 se autorizou a importação de 23.000 escravos para o Mundo Novo, os teólogos que se opuseram ao acordo basearam seus argumentos nos privilégios excessivos de certos banqueiros, que pareciam violar os direitos de outros espanhóis. A conversão dos escravos se deu lentamente. Poucos se ocupavam com ela, e se dava por certo que a instrução religiosa para os escravos era responsabi lidade de seus amos. Posteriormente toda população negra das Antilhas recebeu o batismo e se fêz cristã, apesar de ainda restarem velhos vestígios das religiões africanas, talvez em parte como um meio pelo qual os negros "violentados" conservavam algo da sua dignidade e identidade.
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V A serpente emplumada Que deixeis vossos sacrifícios e não comais carne dos vossos próximos, nem façais sodomias nem as coisas feias que costumais fazer, porque assim ordena nosso Senhor Deus, que é o que adoramos e cremos e nos dá a vida e a morte e nos há de levar aos céus. Hernán Cortés As Antilhas não saciaram muito tempo as ânsias de ouro e de glória dos conquistadores. Logo começaram a dirigir sua atenção para novas terras, que prometiam ser mais ricas e mais difíceis de conquistar. Para isso contribuiram os próprios índios que, num esforço em desfazer-se dos invasores, lhes diziam que para oriente, ou para o norte, ou para o sul, existiam grandes reinos nos quais abundava o ouro. Em 1517 (o mesmo ano que Lutero pregou suas famosas noventa e cinco teses), Francisco de Córdoba descobriu a península de Yucatán, onde encontrou forte resistência por parte dos índios. No seu regresso, trouxe informações sobre a rica civilização maia, da qual um dos deuses era a serpente emplumada, Cuculcán. Pouco depois, movido pelas informações de Francisco de Córdoba, Juan de Grijalva explorou as costas do México, e regressou com notícias do grandee rico império asteca. Tudo isto inspirou a Diego Velásquez, governador de Cuba, a organizar uma expedição para explorar e conquistar a região. Para dirigi-Ia, nomeou a Hernán Cortés, um tabelião que o havia acompanhado na conquista de Cuba. Quando a
A Serpente Emplumada
Em 1517 os espanhóis tiveram pela primeira civilização maia. Foto de John C. Goodwin.
vez cantata
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direto com a
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Por todo pais, antigos monumentos, como as esculturas olmecas e as pirâmides de Teotihuacán, devam testemunho de uma antiguissima civilização.
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expedição estava pronta, Velásquez pensou tirar o comando de Cortés. Porém este, inteirado dos planos do governador, zarpou
sem esperar
permissão.
Primeiros encontros com os índios Cortés e sua força de uns quinhentos homens e dezesseis cavalos se dirigiram antes de tudo a ilha de Cozumel, onde tiveram a sorte de encontrar um espanhol, Jerônimo de Aguilar, que tinha sido feito cativo pelos índios, e vivido com-eles por algum tempo. Aguilar seria um valioso instrumento de Cortés, pois servia de intérprete. Havia também outro espanhol a quem os índios tinham aprisionado. Porém este outro, depois de ganhar sua liberdade, conquistou o favor do cacique, casou-se e tinha família e, conseqüentemente, preferiu ficar com os índios. Cortés estimulou os índios a aceitarem o cristianismo. Quando eles se negaram, dizendo que seus deuses lhes tinham servido bem e que não tinham porque abandoná-los, Cortés ordenou que os ídolos fossem destruídos e lançados de cima da pirâmide. Depois, no lugar em que antes estavam os deuses, puseram um altar com uma cruz e a imagem da Virgem, e o sacerdote Juan Diaz disse a missa. Aquele foi o primeiro indício dos métodos que Cortés projetava implantar na convêrsão dos índios. De Cozumel, os conquistadores navegaram a Tabasco, onde encontraram forte resistência por parte dos índios. Porém, depois de três dias de luta a artilharia e a cavalaria espanholas se impuseram, e os índios se declararam vencidos. Trouxeram então presentes a Cortés, entre os quais se contavam vinte mulheres para os chefes da expedição. Uma delas, Malinche, a quem depois os espanhóis batizaram com o nom de dona Marina, servia a Cortés como intérprete, e posteríormcn te também seria sua concubina. Também ali os espanhói ergueram uma cruz e um altar, e celebraram a missa. Foi provavelmente em Tabasco que Cortés se inteirou de uma velha lenda índia, que lhe serviu de instrumento em sua tarefa conquistadora. Era a lenda de Quetzalcoatl, a serpente emplumada que também era adorada pelos maias sob o nome
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Ma/inche, a quem os espanhois batizaram com o nome de dona Marina, servia de intérprete
a Cortés.
de Cuculcán. Segundo a tradição, cujos detalhes não estão de todo claros, Quetzalcoatl tinha partido para o oriente numa embarcação feita de serpentes, dizendo que tinha que regressar a seu senhor, e que algum dia voltaria para as terras mexicanas, a fim de reclamá-Ias para si e para seu senhor. A
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lenda dizia que esse regresso teria lugar no ano designado no calendário mexicano como ce acatl, "uma cana". Para sorte de
Cortés,
seu desembarque
tinha ocorrido
precisamente
Na lenda de Quetzalcoatl, a serpente emplumada. pelos maias sob o nome de Cuculcán.
no tal
era adorada também
ano, e assim o conquistador decidiu explorar a lenda fazendo correr a notícia de que ele era Quetzalcoatl que regressava reclamando suas possessões. De Tabasco, Cortés e os seus seguiram uma rota que posteriormente os levou a região de Tlascala, o mais poderoso e guerreiro dos estados vassalos dos astecas. No caminho, apesar das admoestações do padre Bartolomeu de Olmedo, que dizia que aquele não era o procedimento correto na conversão dos índios, Cortés ia destruindo os ídolos, e exortando aos naturais a abandonar os sacrifícios humanos e todos os seus maus costumes. A ironia estava que, apesar dos sacrifícios humanos, não havia razão para pensar que os costumes em questão eram menos dignos do que os dos espanhóis, que roubavam o quanto podiam, violavam as mulheres, e tratavam os índios como se não fossem seres humanos.
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Entre os astecas, o fim de uma era era motivo de dor ...seguido de grandes festas pelo começo da nova era. Foi muito perto de,momento semelhante a este que CortĂŠs chegou ao paĂs.
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A marcha para Tlascala foi mais difícil que as anteriores pois se tratava de uma região com meio milhão de habitantes e fortes exércitos. Freqüentemente os espanhóis viam-se em difíceis situações militares nas quais só puderam salvar-se graças as suas armaduras, sua artilharia e seus cavalos. Posteriormente, convencidos de que não poderiam vencê-los, os tlascaltecas decidiram estabelecer uma aliança com Cortés e os seus. Visto que a inimizade entre os astecas e os tlascaltecas era velha e profunda, a partir de então estes últimos foram os melhores aliados dos conquistadores. Nesse caso, Cortés deixou-se convencer pelas súplicas de Olmedo e, quando seus novos aliados se negaram a destruir seus ídolos, não se atreveu a derrubá-los. O apoio dos tlascaltecas era demasiado importante, e o conquistador sabia que o perderia se não ouvisse os conselhos do sacerdote.
Tenochtitlán Durante toda essa longa marcha, Cortés tinha recebido embaixadores e mensagens de Montezuma, o imperador asteca. Essas embaixadas que lhe rogavam que não continuasse sua marcha para Tenochtitlán, também perguntava-lhe se de fato era Ouetzalcoatl, a quem os astecas esperavam. Assim, os próprios embaixadores deram a Cortés indícios de que sua política de aplicar a velha lenda estava tendo bons resultados. Em Tenochtitlán, Montezuma não se atrevia a dar a ordem que poderia ter Iiq uidado os espanhóis, por temor de q ue verdadeiramente se tratasse de Ouetzalcoatl. Ouando ficou claro que nada poderia dissuadi r o suposto Ouetzalcoatl de seu propósito de visitar Tenhochtitlán, o imperador saiu para recebê-lo. Junto com ele, e acompanhado de enorme séquito, os conquistadores entraram na capital mexicana. A situação de Cortés era precária. Se bem que tinha conseguido encontrar Tenochtitlán com um contigente de aliados tlascaltecas, ele se encontrava no meio de uma enorme cidade da qual só era possível sair por calçadas que atravessa-
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vam O lago, e nas quais havia pontes que os astecas poderiam destruir facilmente. Além do mais tinha partido de Cuba sem a permissão de Velásquez, de modo que a corte espanhola, diante da qual certamente o governador de Cuba protestaria, poderia considerá-lo rebelde. O único modo de evitar tal ação por parte da coroa era assegurar-se do êxito do empreendimento, tanto nos campos político, econômico, militar, como no religioso. Depois de poucos dias de chegar a Tenochtitlán Cortés recebeu um convite da parte de Montezuma para que se unisse a ele para uma visita ao templo do deus Huichilopochtli, a quem os espanhóis chamavam de "Huichilobos". As palavras de Cortés no templo foram cheias de falta de respeito para com a religião dos índios e o imperador, agravado, pediu-lhe que se retirasse enquanto ele ofereceria sacrifícios de arrependimento aos deuses por ter trazido o espanhol ao recinto sagrado. Aquele incidente, e vários outros, convenceram os espanhóis de que a hospitalidade com que tinham sido recebidos não continuaria por muito tempo. Montezuma continuava tratando-os como se fossem visitantes que logo abandonariam seus territórios. Naturalmente, os espanhóis não estavam dispostos a partir tão facilmente. E posteriormente, seguindo o conselho de alguns de seus capitães, Cortés decidiu dar o golpe fatal. Ele e um grupo de seus soldados se apresentaram no palácio imperial, capturaram a Montezuma, e o "convidaram" a estabelecer sua residência com eles. De posse da pessoa do imperador, Cortés julgou-se suficientemente forte para destruir os ídolos. Porém seus primeiros atos dessa índole causaram tal revolta na população, que o conquistador desistiu por algum tempo. Chegaram então notícias de que Velázquez tinha enviado a Pánfilo de Narváez para castigar o rebelde Cortés, e que ele marchava para Tenochtitlán com uma forte coluna. Cortés saiu inesperadamente de Tenochtitlán, e caiu de surpresa sobre Narváez, derrotou-o e recrutou quase todos seus seguidores. De regresso a Tenochtitlán, Cortés percebeu que a situação tinha-se deteriorado sobremaneira. Quando os princi-
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Cortés na batalha de Otumba. Quadro de Manoel Ramirez.
pais chefes índios estavam reunidos numa festa em honra de Huichilopochtli, os espanhóis cairam sobre eles e os mataram sem misericórdia alguma. Diante de tal atrocidade, o povo se rebelou. Cortés tratou de acalmar os ânimos fazendo aparecer a Montezuma. Porém este já havia perdido o respeito dos seus, que o apedrejaram de tal modo que morreu dentro de poucos dias. A situação dos espanhóis era insustentável, pois se achavam sitiados no meio de uma enorme cidade, Porfim, em 30 de junho de 1520, decidiram abandonar a capital. Naquela noite triste perderam boa parte de seus soldados e cavalos, além de quase todo ouro que tentavam carregar. Na batalha de Otumba, Cortés, e os seus, puderam por fim reorganizar-se e derrotar os astecas que os perseguiam. Então começou para os espanhóis a difícil tarefa de conquistar Tenochtitlán. Com a ajuda de seus aliados tlascaltecas, dedicaram-se a atacar várias cidades vizinhas, ao mesmo tempo em que traziam desde a costa alguns navios, desmontados em peças. Com aquela frota, montada de novo no lago, começou o assédio. Foi uma longa batalha. Os espanhóis e seus aliados tiveram que tomar a cidade de edifício em edifício e de canal em canal. Com os escombros iam enchendo os canais.
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Os sacrificios humanos foram um dos elementos da cultura as teca que maior repugnância causaram aos europeus e, conseqüentemente, serviram para justificar muitos dos desmandos dos conquistadores.
Quando estavam suficientemente perto, puderam ver alguns de seus companheiros, feitos prisioneiros pelos astecas, sacrificados no alto da pirâmide onde estava o altar de Huichilopochtli. Finalmente, apesar da valorosa resistência dirigida por Cuauhtémoc, sobrinho de Montezuma, a cidade e o próprio Cuauhtémoc cairam nas mãos dos espanhóis. A conquista tinha terminado. A partir de então, os outros caciques do México, temerosos de que sucedesse em seus territórios o mesmo que tinha sucedido nos do poderoso Montezuma, foram-se dobrando diante dos espanhóis, e declarando-se seus vassalos. Em 1525, diz-se que os astecas projetaram uma sublevação, e Cuauhtémoc e seu principal comandante foram enforcados. A conquista de Yucatán levou mais tempo, porém se completou por volta de 1541. Quanto a Cortés, seu enorme triunfo valeu-lhe o esquecimento pela corte espanhola de sua rebelião contra Velásquez,
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e lhe conferiu o título de Marquês do Vale de Oaxaca. Porém logo depois, seguindo sua política de não permitir que nenhum conquistador se fizesse demasiadamente poderoso, a coroa começou a limitar seus poderes. Em parte para escapar de uma situação que se fazia cada vez mais apertada, Cortés dirigiu outras expedições a Honduras (1524) e a Baixa Califórnia (1535). Finalmente regressou a Espanha, onde morreu em 1547. Os doze apóstolos Embora dois sacerdotes acompanhassem Cortés desde o princípio de sua expedição, é claro que não foram suficientes para a obra de conversão de tão grande império. Outros três chegaram depois, entre eles o famoso Pedro de Gante, que se dedicou ao ensino e mediante ele fêz um verdadeiro impacto no país. Porém Cortés, que apesar de todas suas violências era católico sincero e até fanático, escreveu a Carlos V rogandolhe que lhe enviasse frades, e não sacerdotes seculares nem prelados, pois os frades viviam na pobreza, e seriam um exemplo para os nativos, enquanto que os seculares e os prelados se ocupariam mais com luxos e pompas, e nada ou pouco fariam em prol da conversão dos índios. Em resposta as petições de Cortés, chegaram a Nova Espanha (que assim se chamou o México) doze franciscanos aos quais depois se deu o título de "os doze apóstolos". Eram pessoas dignas, que conservavam rigorosamente o ideal da pobreza de seu fundador São Francisco. Conta-se que um deles, Toríbio de Benavente, escutou que, quando os franciscanos passavam os índios repetiam a palavra "motollnee" e, quando lhe disseram que queria dizer "pobre", decidiu que este seria seu nome. É por isso que a história conhece o frade Toríbio, que depois se destacou pelas suas crônicas da época, como Motolinía. Outro deles, Martín de Valencia, a quem os franciscanos elegeram chefe, foi tido como santo, e sua adoração continuou por muito tempo. Ao receber aqueles franciscanos, Cortés ajoelhou-se diante deles e lhes beijou as mãos, diante do que os índios começaram a perguntar-se que poder tinham aqueles pobres pregadores que o próprio Cartés se ajoelhava diante deles.
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trabalho daqueles franciscanos, e dos muitos outros frades e sacerdotes que os seguiram, não foi fácil. De um lado, o ressentimento dos índios contra os espanhóis era grande, pois lhes haviam tomados as terras, muitos deles violaram suas mulheres, e todos eles depreciavam as mais altas conquistas de sua cultura, tratando-os como bárbaros. De outro lado, o triunfo dos cristãos parecia demonstrar que seu Deus era mais poderoso que os dos vencidos, e conseqüentemente eram muitos os índios que se apressavam em pedir o batismo, com a esperança de conquistar desse modo a boa vontade de tão poderoso Deus. principal método que seguiram os franciscanos, e os outros depois, foi estabelecer escolas onde ensinavam os filhos dos caciques e dos índios mais importantes, com a idéia de que depois essas crianças voltassem para seus lares e convertessem a seus familiares. No princípio, muitos dos caciques trouxeram, não os seus filhos, mas outros, porque temiam o mal que os sacerdotes pudessem fazer-lhes, ou que tomassem para escravos. Porém, pouco a pouco, foi aumentando o prestígio dos franciscanos, e assim foram aumentando os que estavam dispostos a enviar seus próprios filhos as escolas. Através desses alunos, um conhecimento rudimentar do cristianismo foi se estendendo por todo o país. Em alguns casos, a popularidades dos frades foi tal que quando as autoridades decidiram mandá-los a outros lugares e substituí-los por sacerdotes seculares, os índios se revoltaram tomaram a igreja, e obrigaram as autoridades a mudar de política. Como em toda a América, este fato trouxe conflitos tanto com os sacerdotes seculares como com os colonizadores, que não queriam senão explorar os desventurados índios. Enquanto os frades os defendiam, os colonizadores se aproveitavam do sistema de encomendas, que logo foi estabelecido também na Nova Espanha. Além do mais os sacerdotes seculares se mostravam enciumados com a boa vontade que os frades tinham conseguido ganhar entre os índios, sem considerar que isso se devia, pelo menos em parte, ao que Cortés já havia dito em sua carta ao imperador, isto é, que os frades viviam com o povo e compartilhavam com ele, enquanto muitos secu-
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lares não queriam senão o prestígio e a pompa de seus ofícios. Estas lutas entre os frades, os seculares e os conquistadores duraram por várias gerações. Uma das primeiras controvérsias na igreja mexicana teve a ver com os batismos em massa celebrados pelos primeiros missionários. Depois da derrota dos astecas, e ao que parece também de seus deuses, os índios corriam para receber o batismo em grandes números. Os missionários pensavam que bastava conhecer algo do monoteísmo cristão, da doutrina da redenção em Cristo, o Pai Nosso e a Ave Maria. Alguns que pareciam tímidos, e por isso não podiam repetir o que se lhes ensinava, também foram batizados. O resultado foi que os novos cristãos eram contados aos milhões. Segundo os cálculos de Motolinía, nos primeiros anos foram batizados entre cinco e nove milhões de índios. Quase todos os missionários contam terem batizado centenas deles num só dia, e terem repetido essa prática durante vários anos. Tudo isso produziu certa controvérsia, sobretudo porque existiam outros motivos de ciúmes. Os missionários foram acusados, particularmente os franciscanos, não de batizar as pessoas sem a devida preparação, como era de se pensar, mas de simplificar em demasia o rito batismal. Posteriormente a questão chegou ao papa Paulo III, que exonerou de todo pecado os que até então haviam oficiado um rito de batismo demasiadamente simplificado, porém deu instruções de que a partir de então se cumprisse o ritual que, sem ser tão complicado como o que se praticava na Europa, não se limitava à água e à fórmula batismal, mas também incluía várias das cerimônias que através dos anos se haviam somado ao rito da lavagem. Contudo, visto que o papa tinha dito que isto podia ser esquecido em casos urgentes, houve todavia casos em que alguns missionários batizaram grandes multidões num só dia, se bem que não se repetiu o que havia chegado a ter lugar antes da controvérsia, de batizar a vários de uma só vez aspergindolhes com um hissopo. Frade Juan de Zumárraga Pouco depois da conquista do império asteca, deram-se os passos necessários para o estabelecimento da hierarquia
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eclesiástica no país. A primeira diocese fundada foi a de Tlascala, encomendada ao dominicano Julián Garcés, e que uns anos mais tarde se transferiu para Puebla. Em 1527, um ano depois da fundação do episcopado de Tlascala, a corte espanhola começou a conseguir com Roma a fundação de outra diocese na cidade do México, e propôs para ela o franciscano Frade Juan de Zumárraga. Apesar da bula papal ter sido dada em 1530, e Zumárraga ter sido consagrado em 1533, desde 1527 ele esteve a cargo do clero diocesano do México. Em 1547, quando se reorganizou a hierarquia das novas terras, se designaram três arquidioceses, que seriam sedes metropolitanas dos demais bispados. (Até então, todos os bispados americanos estavam sob a jurisdição metropolitana de Sevilha). Essas três arquidioceses foram as de São Domingo, a do México e a dos Reis (Lima). Zumárraga foi feito então o primeiro arcebispo do México, se bem que ocupou esse cargo por pouco tempo, pois morreu durante o primeiro ano. A personalidade de Zumárraga na Nova Espanha nos recorda a do Cardeal Cisneros na velha Espanha. Como Cisneros, Zumárraga foi um erasmita convencido, e tratou de que a igreja neo-hispânica fosse fundada com as mesmas bases da reforma que Erasmo havia inspirado.' Semelhante a Cisneros na Espanha, Zumárraga ocupouse do estudo das letras. Foi em parte devidoa sua iniciativa que se levou ao México a primeira impressora que funcionou no Novo Mundo, e na qual se imprimiram numerosas obras para a instrução dos índios. Entre as primeiras obras impressas se contava, como temos exposto, a Suma da doutrina cristã de Constantino Ponce da Fonte, que a Inquisição condenou em Sevilha como protestante. Ainda que naquela suma, que Zumárraga publicou sem mencionar seu autor, se encontravam doutrinas de inspiração erasmita mais que protestante, o fato mesmo de escolhê-Ia para a instrução dos índios é sinal do espírito de Zumárraga. Como parte desse espírito erasmita, Zumárraga deu os primeiros passos para a fundação da universidade do México. Entrementes, apoiou decididamente a obra do colégio franciscano de São Tiago de Tlatelolco, que muitos pensavam deveria ser a base da universidade. E uma vez mais este arcebispo
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neo-hispânico nos recorda o Cardeal Cisneros, que ocupou um papel de grande importância nos primeiros anosda universidade de Alcalá. Zumárraga recebeu também o título de "protetor dos índios", e o recebeu tão seriamente que quando os ouvidores do rei se mostraram injustos para com os índios, e começaram a explorá-los em benefício de seus parentes e amigos, o arcebispo os admoestou. Quando os ouvidores responderam com palavras e ações mais fortes Zumárraga deu parte à corte, e os fêz depor. Todavia, semelhante a Cisneros, Zumárraga combinava seu espírito erasmita com um fanatismo inquisitorial. Quando, em 1536, se estabeleceu a Inquisição no México, Zumárraga recebeu o título de "inquisitor apostólico". Entre essa data e 1543, sob sua direção, houve cento e trinta e um processos, dos quais a maioria foi contra espanhóis, e treze contra índios. O mais famoso destes processos foi o de dom Carlos Chichimectecotl, um cacique de Texcoco que tinha estudado no colégio de Tlatelolco, e a quem se acusava de conservar ídolos, de falar desrespeitosamente dos sacerdotes e viver em concubinato. O acusado confessou que vivia com sua sobrinha, e que na sua casa se encontravam alguns manuscritos índios e ídolos que ele disse conservar por curiosidade. Ninguém testemunhou tê-lo visto adorando os ídolos. Porém o que no final das contas fêz com que ele fosse condenado foi que alguém declarou haver escutado ele dizer que os cristãos tinham várias mulheres que se embriagavam, que seus sacerdotes não podiam contê-los, e que por isso seu Deus e sua religião não eram dignos de crédito. Sobre essa base, Chichimectecotl foi levado a fogueira. Este fato serviu de argumento para aqueles que diziam que não se devia instruir aos índios, pois era perigoso. Entre eles se contava o conselheiro do vice-rei, Jeronimo López, que -dizla, num escrito que se conservou, que os índios não deviam receber instruções, pois eram inteligentes, e ao aprender a escrita poderiam comunicar-se entre si de um oceano a outro, coisa que não podiam fazer antes. Além disso, dizia o mesmo autor, ensinar-lhes a ler e pôr suas mãos na Bíblia era abrir as portas a todas classes de heresias. Os índios deviam permane-
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cer ignorantes, e o colégio de São Tiago devia ser fechado. Este era o início do temor que se escondia por detrás da opinião das autoridades religiosas sobre se os índios deviam ordenar-se ou não. Em 1539, numa assembléia presidida por Zumárraga declarou-se que poderiam receber as quatro ordens menores, porém não as que tinham funções sacramentais. Em 1544, numa comunicação a Carlos V, os dominicanos argumentaram que os índios eram incapazes de serem ordenados e que, conseqüentemente, tampouco deviam estudar. As vezes se apresentava, além do argumento da suposta incapacidade dos índios, a velha lei espanhola que não permitia que fossem ordenados os descendentes dos infiéis, até a quarta geração. O mesmo espírito prevalecia nos mosteiros, apesar de que os frades franciscanos estavam mais dispostos a conviver com os índios. O mais que se lhes permitia era viver no mosteiro, onde usavam batina cor de café atada com uma corda. Porém não se lhes admitia a ordem nem sequer como irmãos leigos, nem se lhes permitia fazer votos. Se algum deles não se comportava como os demais criam que deveria fazer, simplesmente o expulsavam do mosteiro. Tal política foi seguida até no caso das conversões mais sinceras, como a de um cacique que ao ler a vida de São Francisco desfez-se de todos seus bens e passou o resto de seus dias tentando ser admitido no mosteiro. Ainda que, por fim, pela insistência do arcebispo, os franciscanos de Michoacán o admitiram, nunca lhe permitiram fazer os votos permanentes. Em 1588 uma ordem real declarou que tanto as ordens sacerdotais como a vida monástica deviam estar abertas aos mestiços. Porém em 1636 o rei se queixou de que no México estavam-se ordenando demasiados "mestiços, ilegítimos e outros defeituosos". Não foi senão muito tempo depois que se começou a ordenar livremente aos índios. A Virgem de Guadalupe A lenda da Virgem de Guadalupe, objeto de devoção de boa parte do povo mexicano até o dia de hoje, teve suas origens pouco depois da conquista, e parece ser um modo em
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A Virgem de Guadalupe teve suas origens pouco depois da conquista, e parece ser um modo pelo qual a consciência indígena protestou contra a violação de que era objeto.
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que a consciência indígena protestou contra a violação que contra ela se fazia. Segundo a lenda, em 1531 o índio Juan Diego passava perto da colina de Tepeyac quando ouviu uma música, e a vozda Virgem que o chamava, dando-se a conhecer, e dando instruções para o arcebispo Zumárraga no sentido de que desejava que se construísse uma capela naquele lugar. O índio foi ao arcebispo, que não lhe deu crédito. Depois de uma segunda aparição, e de uma segunda entrevista com Zumárraga, este continuava incrédulo. Finalmente, na terceira aparição, a Virgem disse a Juan Diego que seu tio Juan Bernadino, que estava enfermo, sararia, porém que ele deveria recolher umas flores e levá-Ias ao arcebispo. Assim fêz o índio, e quando desembrulhou a manta em que trazia embrulhadas as flores, apareceu nela a imagem da Virgem de Guadalupe. Nesse mesmo dia, continua a lenda, Juan Bernardino sarou. Zumárraga, convencido pelo milagre da túnica pintada, fêz construir um templo em Tepeyac, para onde todos acudiram em devoção e gratidão. Uma das dificuldades que esta história apresenta é que não se conserva testemunho algum de Zumárraga sobre todos esses acontecimentos que, se verídicos, deveriam ter comovido o incrédulo bispo. Porém há mais, pois o frade Bernardino de Sahagún, bom historiador dos acontecimentos daquele tempo, conta que o monte de Tepeyac era o lugar em que se rendia culto a mãe dos deuses mexicanos, cujo nome era Tonantzin, isto é, "nossa mãe". Segundo diz Sahagún, iam para o local multidões para oferecer sacrifícios à deusa, e depois que se construiu o templo cristão continuavam chamando-a Tonantzin, dando a entender que esse nome queria dizer "Mãe de Deus". Para o cronista piedoso, o ocorrido ali é uma "invenção satânica, para encobrir a idolatria debaixo do equívoco deste nome Tonantzin". Em outras palavras, Sahagún, que viveu naquele tempo, dá a entender que o que aconteceu foi simplesmente que o velho culto indígena recebeu um verniz cristão. Seja qual for a verdade neste caso, o fato é que o culto a Virgem de Guadalupe parece ao historiador de hoje como um protesto, talvez inconsciente, de um povo oprimido. A lenda de Juan Diego afirma que a Virgem apareceu ao humilde índio, e
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Naquelas missões ou redutos, os frades tratavam de protegê-los tanto dos índios que não se submetiam como dos espanhois que procuravam explorálos.
não ao letrado e poderoso bispo espanhol. Depois, o bispo teve que aceitar o que dizia o índio. Além do mais, a relação entre Guadalupe e Tonantzin aponta para o fato de que, ainda que os espanhóis pudessem derrubar os templos, os senhorios e as instituições dos índios, sempre restava um centro de resistência, que permitia ao índio conservar sua dignidade e seu orgulho em sua própria história. Desde seus primórdios a lenda da Virgem de Guadalupe pode ser vista como protesto de um povo oprimido. E não é então por pura coincidência que quando o povo mexicano se rebelou contra o regime espanhol a Virgem de Guadalupe foi seu estandarte. Novos horizontes Quase tão rápido como foi conquistado o império asteca, os espanhóis começaram sonhar com novas conquistas. o cacique de Michoacán, em vista do sucedido em Tenochtitlán, se fêz vassalo do rei da Espanha em 1525, e para lá foram os
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franciscanos fundar missões e converter os índios. Depois, durante o resto do século XVI, os franciscanos se estabeleceram nos atuais estados mexicanos de Durango, Sinaloa e Chihuahua. Em vários desses lugares seguiu-se o método de juntar os índios num povoado, chamado de "missão" ou "redutos", no qual viviam sob a tutela dos frades. Ali aprendiam tanto o catecismo como as artes agrícolas e, às vezes, algumas letras. Desse modo os frades tratavam de protegê-los tanto dos índios que não se submetiam como dos espanhóis que buscavam uma maneira de explorá-los. A expansão espanhola para o norte recebeu o impulso de dois sonhos. Um deles, a esperança de encontrar uma passagem maríti ma entre o Pacífico e o Atlântico, levou à exploração do Golfo da Califórnia, pois por muito tempo pensou-se que a Baía da California fosse uma ilha, e que de algum modo se poderia passar do Golfo da Califórnia para o Atlântico. O outro sonho foi o das "Sete Cidades de Ouro", que algum índio falou aos espanhóis, e que os impulsionou quase diretamente para o norte, nas regiões do Novo México. Mais tarde, a ameaça dos franceses na Luisiana, e dos russos no Norte da Califórnia, inspirou aos espanhóis o estabelecimento de bases e missões no Texas e penetrar ainda mais na Califórnia. Os primeiros intentos de colonização e evangelização na Baía da Califórnia foram falidos. Mais tarde, foram os jesuítas que conseguiram estabelecer-se, primeiro, na costa oriental do Golfo e, por último, na península mesma. O mais destacado missionário nessa obra de expansão foi Eusébio Francisco Kino, de origem italiana, que fundou uma cadeia de missões muito além do domínio espanhol. Para essas missões de Kino e aos demais jesuítas que trabalharam sob suas ordens levaram gado e sementes de várias plantas européias. Foi Kino quem primeiro descobriu que a Baía da Califórnia era na verdade uma península. Posteriormente suas missões chegaram até o Arizona, se bem que o próprio Kino viajou muito mais além de sua mais remota missão, e sonhava converter os apaches quando morreu em 1711. Outros continuaram a obra, porém em 1767 a corte decretou que todos os jesuítas fossem expulsos dos territórios espanhóis. Várias das missões foram
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ocupadas pelos franciscanos, dominicanos e outros. Muitas ficaram abandonadas. Os franciscanos se interessaram pela região da Alta Califórnia (o atual estado da Califórnia dos Estados Unidos) no século XVIII. Quando o governo espanhol organizou uma expedição para explorar e colonizar a região, ofradefranciscano Junípero Serra uniu-se a eles, e se dedicou a fundar missões por todo o sul da Alta Califórnia. Frade Junípero foi um incansável missionário, que muitas vezes chegou mais adiante dos territórios em que se podia contar com a proteção das armas espanholas, e que se destacou por sua defesa dos índios diante dos abusos dos colonizadores. Porém o maior esforço dos franciscanos dirigiu-se diretamente para o norte, onde os conquistadores buscavam as sonhadas Sete Cidades. Umas vezes junto com os conquistadores, outras vezes depois deles, e outras vezes antes, os franciscanos foram abrindo caminho pelo centro do México, até o Novo México, onde os espanh6is fundaram em 1610 a Vila Real da Santa Fé de São Francisco de Assis, conhecida hoje simplesmente por Santa Fé. Vinte anos depois, cinquenta missionários cuidavam de mais de sessenta mil índios batizados no Novo México. Porém em 1680 houve uma grande revolta dos índios. Entre os quatrocentos espanhóis mortos se contavam trinta e dois franciscanos. Obrigados a recuar para o sul, os espanhóis empreenderam a reconquista da região em 1692, e logo os missionários trabalhavam de novo entre os índios, onde continuaram depois apesar de repetidas insurreições. A presença dos franceses na Luisiana foi o que levou o governo espanhol a interessar-se pelo Texas, se bem que antes Alvar Núnez Cabeça de Vaca tinha atravessado a região. Em fins do século XVII se estabeleceram as primeiras missões franciscanas no Texas, e nos próximos cem anos foram fundadas mais de vinte. Enquanto tudo isso sucedia no norte, e muito antes do que acabamos de relatar, no sul da Nova Espanha os espanhóis marcharam para os territórios maias de Yucatán, Guatemala e Honduras. A conquista de Yucatán demorou várias décadas para completar-se e não foi senão em 1560 que por
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Em fins do século XVII se estabeleceram
as primeiras
missões franciscanas no Texas, e nos próximos
cem anos
foram fundadas mais de vinte. Da maioria delas não restam mais que ruínas.
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fim se nomeou um bispo para a região. Porém, ali já tinham trabalhado missionários, principalmente os franciscanos. Em muitos casos permitiu-se aos caciques yucatecos manter algo de sua autoridade, se bem que sob a tutela dos espanhóis. A Guatemala foi conquistada em 1524 por Pedro de Alvarado, lugar-tenente de Hernán Cortés, e em 1534 o papa Júlio III estabeleceu a diocese da Guatemala. Honduras, sem dúvida, foi motivo de conflitos entre os espanhóis procedentes do norte, enviados por Cortés, e os do sul, mandados por Pedrarias Dávila, governador do Panamá. Depois de longas contendas, Pedro de Alvarado conseguiu impor-se e estabelecer seu governo, sob o de Nova Espanha, na nova cidade de São Pedro Sula. Além do mais, a resistência dos índios sob o comando do cacique Lempira, foi valente e prolongada. Em 1540 Alonso de Cáceres fundou a cidade de Comayagua (a Nova Valadolid), que veio a ser a sede da primeira diocese de Honduras. Em todas essas expedições havia clérigos encarregados de cristianizar os índios, porém apesar disso a obra missionária nesses territórios marchou mais lentamente que no México. Finalmente, foi também a partir do México que se empreendeu a conquista das Filipinas. Magalhães tinha visitado esse arquipélago em 1521, e depois houve várias expedições organizadas no México. Finalmente, a expedição de Miguel López de Legazpi, que chegou às Filipinas em 1565, iniciou a conquista. Em 1572 foi fundada a cidade de Manilha. Visto que havia naquele arquipélago um bom número de tribos convertidas ao Islamismo, os espanhóis deram aos naturais o nome de "mouros", pelo qual são conhecidos até o dia de hoje. Aparte dos mouros, e do forte contingente chinês que habitava o país, os espanhóis não tiveram maiores dificuldades em conquistálo. Os motivos da conquista das Filipinas não foram os mesmos do empreendimento americano, pois o que se buscava não era ouro nem grandes riquezas, mas sim uma base para o comércio com o Oriente, e para as missões nessa região. Por isso, e porque os missionários gozavam de maior poder, os abusos cometidos contra os filipinos, ainda que freqüentes, não foram tantos como os que se cometeram na América.
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Porém também ali existiu a luta entre colonos e missionários, e entre as diversas autoridades religiosas. Além do mais, porque os missionários espanhóis pensavam que os filipinos eram seres inferiores, incapazes de governar suas próprias vidas ou de cumprir com as responsabilidades do ministério ordenado, as Filipinas não se tornaram o centro missionário que se esperava. Se bem que alguns missionários espanhóis partiram desse arquipélago para trabalhar na China e no Japão, suas obras não tiveram bom êxito, e posteriormente foram suspensas.
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VI Castela do ouro Nossos convertedores tomaram-lhes o ouro e as mulheres e os filhos e os demais bens, e deixaram-lhes com o nome de batizados. Gonçalo Fernández de Oviedo Em 1509 concedeu-se a Diego de Nicuesa o comando de uma expedição que deveria colonizar a região de Veragua. Este era o nome que se dava a uma região de limites mal definidos, que incluía parte da América Central e do Panamá. A expedição, todavia, não teve bom êxito, e posteriormente os sobreviventes tiveram que receber a duvidosa hospitalidade de seus compatriotas que pouco antes tinham fundado a colónia de Santa Maria de Antigua, no Golfo de Urabá. Estes outros colonos não receberam bem a Nicuesa, e finalmente lhe deram um velho navio para que ele e os seus regressassem a Espanha ou a Espanhola. Mas todos eles se perderam no alto mar. Vasco Núnez de Balboa A colônia de Santa Maria de Antigua, onde se refugiou Nicuesa, e que também o recebeu mal tinha sido fundada em 1510 por uma expedição sob o comando do bacharel Martín de
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Enciso. Ali também houve discórdias, em parte pela má administração de Enciso, que parecia incapaz de organizar a vida da pequena comunidade e prover-lhe de alimentos. Posteriormente, Vasco Núnez de Balboa, um intrépido aventureiro que tinha-se unido ilegalmente à expedição, conseguiu chegar ao poder. Enciso foi deposto e enviado de volta a Espanha, onde se dedicou a solapar na corte a autoridade de Balboa. Entretanto, Balboa demonstrou ser um dos melhores dirigentes de todo o empreendimento colonizador. Logo ganhou a amizade dos índios da região vizinha, com os quais pode obter alimentos para sua gente e, sobretudo, ouro para enviar a Espanha para assim conseguir a simpatia da coroa. Depois de poucos meses de tomar o poder na colônia, na primavera de 1511, iniciou uma viagem de exploração para o oeste. Sua marcha foi pausada, pois em cada novo cacicado detinha-se para estabelecer boas relações com o cacique e os seus. Nas poucas vezes em que usou a força, foi muito comedido, e se assegurou de fazê-lo como aliado de algum dos chefes índios cujos territórios eram atacados pelos outros. Rapidamente conquistou grande respeito e afeto por parte dos índios. Fosse por medo, ou por qualquer outra razão, o fato é que a expedição de Balboa contou com abastecimentos, ouro e mulheres providenciadas pelos índios. Quando algum chefe índio se mostrava disposto a isso, Balboa o fazia batizar junto aos de seu povo, ainda que quase sempre com pouquissíma preparação ou explicação do significado do rito. Quando muito, se lhes dizia que por ele se tornariam cristãos e, conseqüentemente, é provável que muitos caciques entenderam que o que estavam fazendo era comprometer-se numa aliança com Balboa, a quem chamavam de Tiba, que quer dizer, "cacique cristão". No ano seguinte, depois de enviar para a Espanha o ouro obtido até a ocasião e de receber de Fernando a confirmação de seu cargo como governador da província de Darién, Balboa dirigiu outra campanha de exploração, agora não mais para o oeste, e sim para o sul do Golfo de Urabá, embrenhando-se pelos seus rios. Ali encontrou também muito ouro lavrado. Porém ao indagar do lugar de onde vinha, os índios lhe disseram que era lavrado nas terras do cacique Dabeiba, perto dali
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um pouco para o leste, e que esse cacique não tinha minas, mas que obtinha-o de outros índios maisguerreirose moradores mais distantes que ele. Diante de tais notícias, Balboa desistiu do empreendimento e se dedicou a projetar outro de maior envergadura. Na sua expedição de 1511 para o oeste, Balboa tinha recebido repetidas notícias de um grande mar que se extendia ao sul do istmo, e no qual navegavam barcos tão grandes como os dos espanhóis, segundo as informações do filho do cacique Conagre. De tudo isso o governador de Darién mandou informar ao rei, dizendo-lhe que a terra era rica em ouro, que havia todo um mar para explorar e reinos para conquistar, e que para isso lhe pedia que enviasse-lhe um contingente de mil homens. Porém o que recebeu foram notícias de que Fernando e seus conselheiros, ao aperceberem-se da magnitude da operação, não criam que deveria tal operação ficar nas mãos de um aventureiro como Balboa, e que tinham nomeado a Pedrarias Dávila para dirigir a nova expedição, e substituir Balboa. Em tudo isso se via também a mão do bacharel Enciso, que se preparava para regressar com Pe'drarias. Diante de tais notícias, não restava a Balboa outro recurso além de mostrar sua habilidade. Com um punhado de homens e com a ajuda de muitíssimos índios dirigiu-se ao "Mar do Sul". Mesmo que fosse época de chuvas, e que o aconselhável era esperar mais uns meses, o arrojado aventureiro e os seus puseram-se em marcha. Uma vez mais a amizade e o apoio dos índios foram de grande valor, pois a expedição não se extraviou nem uma só vez, mas, sim, marchou diretamente para seu objetivo. O único ato bélico foi a tomada de uma aldeia que poderia oferecer resistência, e que pertencia a um grupo de inimigos dos índios que os ajudava. Em fins de setembro de 1513, Balboa viu pela primeira vez o Oceano Pacífico, a quem chamou de "Mar do Sul" por tê-lo encontrado marchando nessa direção. Pouco depois, numa cerimônia formal, tomou posse dele em nome da coroa espanhola. No regresso deu-se um incidente que manchou a carreira de Balboa. O cacique de Pacra, que segundo outros índios tinha minas de ouro, negou-se a dizer aos espanhóis onde estavam. De fato, não haviam tais minas. Porém os espanhóis
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Balboa tomou posse do Mar do Sul em nome da coroa espanhola.
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mandaram cachorros para enfrentar o cacique e vários de seus lugar-tenentes, e depois queimaram seus corpos. Castela do Ouro A comissão real entregue a Pedrarias Dávila dava à região o nome de "Castela do Ouro", pelo qual pode ver-se o impacto produzido pelos informes de 8alboa e pelo ouro que havia mandado (deve-se lembrar que nessa época não se conheciam os tesouros do México e do Peru). Tão seguros e prometedores eram os planos do rei e seus conselheiros, que obtiveram do papa a promessa que Santa Maria e Antiga fosse feita cabeça da diocese, e nomearam para ocupar seu episcopado o frade franciscano Juan de Quevedo. Entretanto, os resultados da expedição de Pedrarias, e o posterior governo dele, foram totalmente o contrário do que se esperava. O próprio Pedrarias era um homem enfermo que raras vezes marchava com suas tropas, e que não se preocupava por limitar ou castigar os desmandos das mesmas. Seu lugar-tenente, um tal Ayora, era cruel e cobiçoso. Tão logo chegaram a Santa Maria, muitos dos expedicionários ficaram enfermos, ao mesmo tempo que Ayora destruia os trabalhos diplomáticos de 8alboa inimizando-se com os índios. Quando alguns caciques lhe trouxeram comida, e lhe fizeram uma festa, Ayora os fêz prisioneiros e os matou porque não trouxeram suficiente ouro. Muitos índios foram divididos em encomendas. Finalmente, todos os índios vizinhos fugiram e se esconderam. Os espanhóis saquearam suas cabanas e roubaram seus pertences. Porém logo começaram a passar fome. Nenhum espanhol se atrevia a sair de Santa Maria sem um forte contingente armado, porque os índios atacavam. Quando saiam em ataque, os índios se escondiam. Diz-se que mais de quinhentos espanhóis morreram, muitos deles de fome. A prometedora Castela do Ouro tinha-se tornado um inferno. O bispo Quevedo, que tinha vindo com autoridade de supervisor, decidiu regressar a Espanha com a intenção de informar o rei dos maus manejos de Pedrarias e seus lugartenentes. Muitos outros insistiram nos seus desejos de partir para Cuba ou a Espanhola. Devido a escassez de víveres, o
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governador não pode senão deixá-los ir. Entre os que partiram se encontravam os missionários franciscanos enviados na expedição, que decidiram marchar para Espanhola tanto porque não viam possibilidade alguma de êxito em suas tarefas como em sinal de protesto contra o que estava ocorrendo. Balboa, que estorvava Pedrarias, foi enviado numa missão sem sentido para o Mar do Sul. O aventureiro saiu, se bem que de mau grado, confiando que quando a corte recebesse notícias do que sucedia, Pedrarias seria destituído. Porém o governador conseguiu interceptar algumas das mensagens dirigidas por alguns de seus partidários para a Espanha, e o acusou de traidor, e em 1519 mandou executá-lo. Foi então, em parte para manchar a memória do explorador, que Pedrarias marchou para o Mar do Sul, tomou posse de novo como se Balboa nunca estivesse estado ali, e fundou nas suas costas a cidade do Panamá. Por muito tempo a antes prometedora Castela do Ouro tornou-se um pesadelo para os colonizadores espanhóis, até que, com a conquista do Peru, transformou-se em importante ponte entre os dois oceanos. Para a América Central Fora as visitas às costas centro-americanas por parte de Colombo e de outros navegantes, a primeira exploração desse território foi a da expedição de Gil Gonçalves Dávila, em 1522, sob a jurisdição de Pedrarias Dávila. Era acompanhado pelo sacerdote Diego de Aguero, que foi o primeiro sacerdote a visitar o interior da Costa Rica e Nicarágua. Segundo se conta detalhadamente, foram batizados nesta expedição 9.287 índios, se bem que em seu informe ao rei (na ocasião Carlos V) Gil Gonçalves falava de 32.000 convertidos. Em todo caso, da profundidade de tais conversões poderá o leitor fazer uma ideia, só tendo em conta que na província de Guanacaste, nos territórios do cacique Nicoyz, batizaram-se 6.063 pessoas depois de dez dias de ensinamentos cristãos. Mesmo que os informes dos expedicionários dêem a entender o contrário, houve casos de exploração e abusos, e o dito que encabeça o presente capítulo refere-se concretamente a esta expedição.
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No ano seguinte, com base na exploração de Gil Gonçalves, Pedrarias Dávila enviou uma nova expedição sob o comando de Francisco Fernández de Córdoba. Porém o que interessa à história posterior, e que é interessante notar, é que essa expedição foi custeada em parte por Francisco Pizarro e Diego de Almagro, e que Hernando de Soto tomava parte dela. Em 1524 Fernández de Cordoba fundou as cidades de Leão e Granada. Porém, pouco depois, Pedrarias Dávila supôs que seu Iugar-tenente estava em contato com Hernan Cortés, com o propósito de colocar sua colônia sob o comando do conquistador do México. Pedrarias marchou então para a Nicarágua, e fêz processar e executar a Fernández de Córdoba na praça pública de Leão. A partir de então Pedrarias ficou como governador da Nicarág ua. Em 1531, foi concedida a Leão a categoria de sede episcopal, e por algum tempo seu bispo foi cabeça da igreja na maior parte da América Central. Da Nicarágua partiram então outras expedições para a Costa Rica. Uma destas, sob o comando de Diego Gutiérrez, foi atacada pelos índios, e somente escaparam com vida o capelão e outro espanhol que depois relatou os crimes que provocaram a vingança dos índios. Acontecimentos semelhantes a estes ocorreram repetidas vezes, sobretudo depois da conquista do México. De qualquer lugar aparecia um novo capitão que sonhava ser um outro Cortés, sem aperceber-se de que as circunstâncias na América Central eram bem distintas. Porém, pouco a pouco foram sendo fundadas as que são hoje as principais cidades centroamericanas, e os índios foram se convertendo umas vezes pela força, e outras simplesmente deixando-se levar pelo prestígio e poderio espanhol. Talvez o mais interessante capítulo da história eclesiástica da América Central naqueles primeiros anos é o que se refere ao padre Juan de Estrada Rávago. Este era uma combinação de franciscano renegado, conquistador ambicioso, missionário benévolo para com os índios, e cortesão fracassado. Estrada estava a ponto de regressar para Espanha, em obediência a um mandato real que ordenava que todos os exreligiosos que se encontravam nas fndias regressassem a Pe-
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nínsula, quando se inteirou de que Juan de Cavallón, que tinha sido comissionado pela Audiência da Guatemala para conquistar a Costa Rica, não contava com os fundos necessários para a empresa. Estrada ofereceu os seus, e uniu-se a expedição. Posteriormente, ficou com a responsabilidade da nova colônia, onde, com uma única exceção, evitou toda violência contra os índios. Além disso, aprendeu a língua dos nativos do lugar e percorreu boa parte da região construindo igrejas, catequizando e batizando. Com seus próprios fundos comprou roupas, alimentos e sementes que fêz distribuir tanto entre os espanhóis como entre os índios. Por isso logo foram enviados do México doze franciscanos para ajudá-lo na tarefa evangelizadora. Perante a côrte, Estrada fazia gestões para que o nomeassem bispo, visto que de fato era o chefe da empresa colonizadora. Porém o máximo que recebeu foi o título de Vigário da Costa Rica. Em 1562, o governo de Costa Rica foi confiado pela côrte a Juan Vázquez de Coronado. E logo surgiram diferenças entre este e o sacerdote, que se dedicou a continuar seu trabalho missionário, se bem que há indícios de que obstruiu a obra do governo de Vázquez. Estra.da partiu então para a Espanha com intenção de conseguir para si o bispado da Costa Rica. Vázquez de Coronado teve que enfrentar então sérias dificuldades com os índios, a quem os espanhóis exploravam cada vez mais e que repetidamente se revoltavam. Depois da morte de seu rival, Estrada regressou a Costa Rica para continuar seu trabalho missionário, se bem que sem o título de bispo que tanto ambicionava. Em 1572 retornou definitivamente para a Espanha, onde passou seus últimos dias. Em fins do século XVI, a maioria dos índios da América Central se chamavam cristãos. Porém ainda havia grandes regiões que não estavam exploradas, nas quais os índios conservavam sua independência. Além do mais, nas regiões supostamente cristianizadas os sacerdotes eram muito poucos, e seu trabalho se achava obstruído pela enorme má vontade que os conquistadores tinham criado com sua sede de ouro. Castela do Ouro nunca deu a Espanha o precioso metal que seu nome parecia prometer.
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VII Nova Granada ... aqueles índios estão fartos de guerra e escandalizados pelos maus tratos que os espanhóis lhes tém dado ... tomando por várias vezes seus filhos, mulheres e parentes e fazendo-os escravos e roubando suas fazendas. Frei Martin de Calatayud
A pequena colônia de Santa Maria a Antiga, à qual já nos referimos no capítulo anterior, era tudo o que restava da concessão feita pela coroa a Alonso de Ojeda em 1508, de quase toda a costa norte do que é hoje a Colômbia, desde o Golfo de Urabá até o Cabo da Vela. Posto que jácontamos as peripécias da colônia de Santa Maria a Antiga, não as repetiremos, mas nos contentaremos em assinalar que foi ali que se empreendeu a conquista do continente sulamericano, se bem que, como temos visto, logo o empreendimento se concentrou para o oeste e o norte, isto é para os atuais territórios do Panamá e América Central. Posteriormente Santa Maria foi abandonada, e durante quase dois séculos os contatos entre os europeus e os habitantes da região foram escassos e esporádicos. Santa Marta A colonização permanente do continente sulamericano começou então em 1525, quando Rodrigo de Bastidas fundou a cidade de Santa Marta, que ainda hoje existe. Bastidas soube
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cultivar e conservar as boas relações com os índios. Porém para conseguir isso teve que mostrar-se duro com seus próprios compatriotas, que o obrigaram a regressar a Espanhola. A partir de então os colonos se dedicaram a assaltar e explorar os índios, com os mesmos resultados que já temos visto em Santa Maria a Antiga. Em 1531, o dominicano frei Tomás Ortiz foi feito bispo de Santa Marta e, j unto a vinte correligionários seus, dedicou-se a regular a vida religiosa e moral da colônia e a restabelecer as boas relações com os índios. Porém a isto se opunham os colonos, que se tinham deixado deslumbrar pelas lendas do Eldorado, onde o ouro era "abundante, e assim tratavam de descobrir a mística terra assaltando os índios no seu afã de forçá-los a dizer-lhes onde havia ouro. Os espanhóis não contavam com o valor dos índios, que os derrotaram em várias de suas saídas e por fim atacaram a própria cidade. Mas, vencidos finalmente os índios, desatou-se contra eles uma onda de terror e crueldade que o bispo se viu impossibilitado de impedir. Desalentado, e talvez com o propósito de prestar contas às autoridades espanholas, o bispo Ortiz partiu para a Espanha, onde morreu sem poder fazer gestão alguma. Venezuela Enquanto isso, Carlos V, cuja política européia requeria fundos que todas as suas colônias não conseguiam suprir, fêz um acordo com os banqueiros alemães da casa de Welzer. Segundo ficou estipulado nesse convênio, os alemães tinham di reito a explorar e exportar, debaixo da jurisdição e autoridade do rei da Espanha, todo o território para o leste e o sul do Cabo da Vela, isto é, aproximadamente o que é hoje a Venezuela. Em 1528 partiu da Espanha essa estranha expedição, cujos chefes e empresários eram alemães, embora os soldados, e mais vinte missionários dominicanos que tomavam parte da mesma, fossem na sua maioria espanhóis. O território destinado aos alemães tinha sido visitado antes pelos espanhóis, que não tinham conseguido estabelecer-se nele permanentemente. Sabia-se na Espanhola que havia pérolas naquela costa, e portanto foram muitos os aventureiros que a visitaram e que com seus desmandos granjea-
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Algumas tribos de Nova Granada tinham o costume de queimar os corpos de seus defuntos, e depois beber suas cinzas.
ram O mal-querer dos índios para com os espanhóis. Os que tinham-se estabelecido em Cumaná cometeram tais atropelos que os índios os mataram, e junto com os colonos morreram dois sacerdotes que tinham tratado de defender os nativos. Próximo de Cumanásefundou depois umconventodominicano que também foi destruído. Foi na mesma região, junto a um convento franciscano, que Las Casas fêz seu intento de evangelização pacífica. Porém esse projeto estava condenado ao fracasso devido ao modo pelo qual os espanhóis de Cumaná tinham tratado os índios.
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Pouco antes da chegada dos alemães, tinha-se fundado finalmente, na Venezuela, por meios pacíficos e sob a direção de Juan de Ampués, a colônia de Santa Ana de Coro, na qual as relações com os índios vizinhos eram relativamente amistosas. Em pouco tempo se nomeou um bispo para aquela cidade que parecia tão prometedora. Porém com a chegada dos alemães e dos soldados espanhóis a situação mudou. Os alemães vinham em busca das riquezas do Eldorado, e sonhavam em transformar Santa Ana de Coro em sua base de operações. Neste caso, o bispo da cidade, que não era partidário dos meios pacíficos empregados na sua fundação, deu todo seu apoio aos aventureiros, até o ponto em que após a morte do chefe alemão ficou sob a responsabilidade da empresa. Com ordens suas, osexpedicionários marcharam para o Lago Maracaibo, onde fizeram escravos índios com o propósito de vendê-los e custear assim a marcha para o Eldorado. Cartagena e Bogotá Enquanto isso, os espanhóis de Santa Marta continuavam suas explorações e conquistas, tanto ao longo do litoral como para o interior. Na costa fundaram em 1533 a cidade de Cartagena, que mais tarde chegaria a ser uma das mais ricas e fortificadas do Novo Mundo. Antes de possuí-Ia, e mesmo depois, tiveram que lutar encarniçadamente com os índios do lugar. Pouco depois, com a esperança de que lhes servissem como intérpretes e lhes ajudassem a estabelecer melhores relações com os índios, lhes foram enviados vários índios cristãos de Santa Marta. Entre eles se encontrava a índia Catalina, que ocuparia na Colômbia um papel semelhante ao de dona Marina no México. De Santa Marta partiu também a expedição de Gonzalo Jimenez de Quesada, que se enfronhou no território e fêz guerra ao cacique Bogotá, de cujas terras se apoderou. Ali se fundou a cidade de Santa Fé de Bogotá, que pouco a pouco iria eclipsando Santa Marta, até que oepiscopadofoi transferido para ela em 1562. Em Bogotá, a expedição alemã se encontrou com a de
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Jimenez de Quesada. E logo a seguir chegou outra coluna procedente de Quito sob o comando de Sebastián de Benalcázar. Faltou pouco para que os diversos pretendentes às riquezas do Eldorado chegassem às armas. Foi graças a intervenção e mediação do dominicano Domingo de Las Casas, parente de Bartolomeu, que os alemães e os quitenhos aceitaram abandonar seus supostos direitos sobre a região, em troca de altas somas e outras concessões. Este dominicano, diga-se de passagem, mostrou-se zeloso seguidor dos princípios de seu primo, defensor dos índios. Porém a situação da colónia e a ânsia pelo ouro eram tais que muito pouco se podia fazer nesse sentido. Isto pode ser visto no caso de Martín de Calatayud cujas palavras citadas no cabeçário do presente capítulo, poderiam dar a entender que se tratava de um zeloso defensor dos índios. Porém o fato é que o frei, que chegou a ser o terceiro bispo de Santa Marta, apesar de deplorar os desmandos que se cometiam contra os índios, chegou a convencer-se de que eram um mal necessário, pois os espanhóis necessitam de quem os servisse e os índios não estavam dispostos a fazê-lo. Seu sucessor, Juan de los Barrios, se mostrou mais firme, e chegou até a impor censuras eclesiásticos aos encomendadores que não se ocuparam de ensinar a doutrina cristã a seus índios, como se supunha que o fizessem, ou que abusaram deles contrariando a lei. Porém os encomendadores protestaram diante da audiência real, que determinou que a questão das encomendas era da competência das autoridades civis e não das eclesiásticas, e sobre essa base ordenou-se ao bispo que supendesse as censuras. Os mesmos conflitos surgiram em Cartagena, onde o governador Juan Badillo escravizou centenas de índios e os enviou a suas possessões na Espanhola. Isto estava proibido pela lei, porém os bispos e demais autoridades religiosas nada puderam fazer. Estes territórios também receberam o tribunal da Inquisição, se bem que não se empregou geralmente contra os índios, que estavam isentos dele por serem neófitos na fé, nem contra os escravos, que pareciam preferir seus rigores do que os dos seus amos. Com efeito, logo se divulgou a notícia entre
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os escravos de que se seus amos se apresentassem para castigá-los tudo o que tinham que fazer era gritar: "renego a Deus", e os amos estavam obrigados a entregá-los imediatamente a Inquisição, cujos castigos eram mais suaves. Posteriormente se chegou a um acordo tácito entre os amos e a Inquisição, no sentido de que, exceto em casos extremos, os escravos ficavam fora da jurisdição desta última. Houve sim alguns casos de espanhóis condenados a morte por serem judaizantes. Porém sobretudo, a Inquisição se ocupou de assegurar-se de que o "contágio protestante" não penetrasse na Nova Granada. O suposto contágio chegava por intermédio dos marinheiros, comerciantes, corsários e piratas ingleses e holandeses que por diversas razões desembarcavam nos territórios da colônia espanhola. Neste caso, as autoridades tinham grande interesse em que se aplicasse todo o rigor da Inquisição. A maioria dos capturados se convertia ao catolicismo, alguns ao que parece sinceramente e outros porque nele se achava a "vida" e, em todo caso nunca tinham sido protestantes de convicções profundas. Porém houve também casos de heróica resistência. Um deles foi o do jovem John Edon, que fora capturado em Cu maná quando tentava fazer uma transação para comprar tabaco. Depois de três anos de prisão, admoestações e torturas, foi condenado a morrer queimado em Cartagena em março de 1622. As testemunhas oculares, todos eles católicos, dão testemunho do valor daquele jovem que, mesmo sem estar amarrado, sentou-se sobre a pira e não se moveu enquanto seu corpo ardia.
o apostolado
entre os índios: São Luiz Beltrão
Ainda que a quase totalidade dos documentos que se tem conservado preocupa-se grandemente com os feitos dos grandes conquistadores, com seus desmandos com os índios, e de seus conflitos com alguns dos missionários, essa não é toda a história. De fato, a penetração espanhola de Nova Granada, como em tantas outras regiões, não foi unicamente obra das armas espanholas, mas foi também trabalho dos missionários. Muito além dos limites do poderio espanhol, em lugares onde a proteção militar de seus compatriotas era praticamente nula,
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trabalharam dezenas e centenas de missionários abnegados. Algumas vezes marchando de lugar em lugar, e outras vezes estabelecendo longas cadeias de postos missionários que se aprofundavam para o interior do país, conseguiram estabelecer com os índios contatos que seriam impossíveis para os colonos. Todos sofreram penúrias, enfermidades e vitupérios por parte tanto dos índios como dos espanhóis e alguns até a morte. Nas cidades ficavam os prelados vindos em busca de postos hierárquicos. Nelas ficavam também o pior do clero espanhol, vindo para essas terras em busca de um ambiente mais frouxo do que o que era na Espanha, e muitos deles com a esperança de tornarem-se ricos. Porém pelos montes e serras marchava uma hoste consagrada de homens dedicados a seu ministério, dispostos a dar a vida pela conversão dos índios, arriscando-se a tudo por causa da sua sagrada vocação. Para dar um idéia do alcance deste apostolado, é bastante apontar alguns números. Antes de terminar o século XVI, os franciscanos tinham na Colômbia 25 conventos e quase outros tantos centros missionários. Nos cinqüenta anos posteriores, essa cifra foi duplicada. Os dominicanos tinham vinte mosteiros até o fim do século XVI. Três deles, os de Bogotá, Cartagena e Tunja, estavam adequadamente dotados e estabelecidos. Porém muitos dos outros levavam uma existência precária em locais que não eram senão aldeias das quais os missionários saiam para levar a efeito seus trabalhos. Os grandes missionários da Venezuela foram os capuchinhos e os franciscanos, aos quais não faltaram mártires na obra evangelizadora. Em ambos os países os jesuítas, vindos mais tarde, se aprofundaram para zonas que os missionários anteriores não haviam tocado. Posteriormente, por volta do final do século XVII, havia por toda Nova Granada uma rede de mosteiros e missões que foi um dos principais elementos unificadores da região. De todos estes missionários o mais famoso é São Luiz Beltrão, o primeiro santo da América, se bem que, ironicamente, só trabalhou nessas terras pelo espaço de sete anos. Luiz Beltrão procedia de uma família valenciana relativa-
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mente acomodada. Desde muito jovem sentiu-se chamado para o mosteiro, se bem que vacilava entre a vida contemplativa dos cartuchos e a dos dominicanos, que combinavam a contemplação com a ação. Finalmente se decidiu pelos dominicanos, e logo sua santidade foi respeitada pelos seus companheiros de ordem. Com a idade de vinte e três anos já era mestre dos noviços no mosteiro de Valência. A fama de sua humildade e devoção, assim como de sua sabedoria, se espalhou por toda a Espanha, a tal ponto que mais tarde Santa Tereza o consultou antes de empreender sua reforma na ordem das carmelitas. Porém o jovem monge não estava seguro de que Deus o chamava a passar toda a vida no mosteiro. Da América chegavam notícias sobre milhares de índios que não tinham quem lhes pregasse o evangelho, e que não viam do cristianismo mais do que os abusos dos colonizadores. Em busca da vontade de Deus, desembarcou em Cartagena em 1562, quando tinha trinta e seis anos de idade. Depois de passar algum tempo nesta cidade, penetrou no país, por onde viajou constantemente pregando aos índios e condenando os abusos dos encomendadores. Mesmo que não se tenha um registro detalhado de suas viagens, parece que esteve nos atuais territórios de Bolívar, Atlântico, Antioquia e Magdalena, além do Panamá, e que seus convertidos foram uns dez mil. Aqueles que depois contaram sua vida dizem que quando percebeu que seus intérpretes não traduziam fielmente o que ele dizia, pediu ajuda ao céu, e recebeu o dom de línguas, não no sentido de que falasse línguas desconhecidas, mas no sentido tal qual aparece no livro de Atos, de maneira que os índios que o escutavam podiam entendê-lo. Sua defesa aos índios diante dos encomendadores foi valente. Entre as lendas que dele se contam, e que apontam para o tom de seus ensinos, está a que se refere a certa ocasião em que comia na casa de uns encomendadores e a discussão girava em torno da justiça do sistema. Luiz Beltrão lhes disse que o que comiam estava amassado com sangue humano. Os encomendadores, enfurecidos, negaram as alegações do missionário. Então este pegou uma pequena torta de farinha e a
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espremeu. Diante dos olhos atônitos dos encomendadores gotejou sangue da torta. Seja certa ou não a lenda, ela mostra que havia entre os missionários da época um profundo sentido da injustiça que se cometia contra os índios, e a disposição e o valor necessário para condená-Ia. Além disso, freqüentemente aparecem descriçôes de Luiz Beltrão ou de outros missionários pregando contra a opressão com um fervor semelhante ao dos profetas do Antigo Testamento. Enquanto isso as dúvidas do missionário quanto à sua vocação não cessavam. Bartolomeu de Las Casas escreveulhe uma carta na qual o aconselhava a que fizesse um profundo exame de consciência antes de dar a absolvição aos encomendadores. Em outra ocasião estava Beltrão pregando quando um encomendado r chegou e levou todos os índios. Tudo isso alimentou as dúvidas de seu espírito. Posteriormente escreveu para a Europa, pedindo às autoridades de sua ordem que lhe ordenassem regressar a Espanha. Depois de somente sete anos de ministério no Novo Mundo, partiu para sua pátria, onde com sua profunda devoção e santidade conseguiu o respeito de seus contemporâneos. Morreu em 1571, e em 1671foi canonizado por Clemente X. Em 1690 foi feito santo patrono de Nova Granada.
o apóstolo
dos negros: São Pedro Claver
Bem diferente foi a vida de Pedro Claver, o outro grande santo colombiano. Nasceu em Catalunha em 1580, pouco antes da morte de São Luiz Beltrão, e desde muito jovem decidiu unir-se aos jesuítas e ser missionário no Novo Mundo. Seus superiores não criam que fosse muito inteligente nem que tivesse outros grandes talentos de índole alguma. Quando chegou a Cartagena em 1610 era um noviço, e teve que passar cinco anos antes de ser ordenado sacerdote. Quase todo esse tempo residiu nos mosteiros de Bogotá e de Tunja, dois dos principais que os jesuítas tinham nessa região. Durante esse período sentiu profunda dor ao ver os escravos que eram trazidos da África, e dos quais ninguém parecia cuidar. Quando por fim fêz sua profissão final, em 1622, adicionou junto ao
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seu juramento outro voto: Petrus Claver, aethiopum semper servus - Pedro Claver, para sempre escravo dos negros. Parte do interesse de Claver nos negros se devia ao exemplo de outro jesuíta seu companheiro, Alonso de Sandoval. Sandoval tinha-se dedicado a evangelizar os negros e a cuidar de suas necessidades. Visto que para isso era mister conhecêlos melhor, tratava de aprender com eles sobre os costumes africanos e os diversos idiomas que falavam. Foi assim que compôs sua obra, pioneira dos estudos etnográficos africanos, Naturalidade, polícia sagrada, e profana, costumes, ritos e supertições dos etíopes, que foi publicada em Sevilha em 1627. Sandoval foi então tanto o grande exemplo de Claver como seu primeiro mestre quanto ao melhor modo de alcançar os escravos. Enquanto Sandoval ia geralmente aos lugares em que os escravos serviam seus amos, Claver se dedicou a visitá-los desde o momento em que chegavam a Cartagena. Amontoada nas dispensas mal cheirosas dos navios negreiros, aquela pobre gente sofria uma travessia que podia levar até dois meses. Durante esse tempo, apenas lhes permitiam mover-se, pois os traficantes lhes amontoavam até o limite do impossível. Muitos criam que ao chegar nas terras desconhecidas para onde eram levados seriam engordados para servir de alimento para os brancos. A comida que lhes era dada era mínima, suficiente apenas para mantê-los vivos. O cheiro de seus excrementos era tal que quando os barcos se aproximavam do porto o fedor se podia sentir a distância. Àquela gente desgraçada se dedicou Claver o resto de seus dias. Logo viu que não podia comunicar-se com eles, e tratou que os amos de escravos lhes emprestassem alguns que tinham aprendido o espanhol, para que lhe servissem de intérpretes. Porém os amos não estavam dispostos a servir-lhe nisso, pois não queriam perder o trabalho dos negros tradutores. Finalmente, Claver conseguiu que seu mosteiro comprasse alguns escravos para esse propósito. Isto pronto trouxe-lhe conflitos com seus irmãos de religião, pois alguns insistiam em tratar os escravos como tais, e requerer deles o serviço pessoal, enquanto que Claver os tratava como iguais, e desejava que os demais jesuítas respeitassem e amassem os intérpretes
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com os quais conviviam. Embora alguns destes tradutores não dessem o resultado esperado, outros se tornaram fiéis acompanhantes e amigos do missionário. Quando chegava um barco, Claver e seus intérpretes iam onde estavam os escravos. Às vezes podiam visitá-los nos próprios navios. Porém quase sempre tinham que esperar que estivessem nos barracões onde eram colocados com a final idade de prepará-los para o mercado. Estas edificações eram verdadeiros cárceres nos quais o único alivio era que havia neles mais espaço do que nos barcos, e que se lhes servia melhor alimentação, com o propósito de poder vendê-los por maior preço. Porém ali eram muitos os que morriam, vítimas das privações da viagem ou de novas enfermidades. Em certas ocasiões Claver e seus companheiros entravam naqueles barracões e encontravam vários mortos estirados no chão, completamente nus de igual maneira que os demais, e cobertos com moscas. O piso era de ladrilhos rotos, que feriam as carnes daqueles infortunados quando tratavam de descansar. Para estes lugares, os missionários levavam frutas e roupas. Dirigiam-se primeiramente aos mais débeis e enfermos, e depois ao restante. Quando alguém estava em más condições de saúde, o próprio Claver ou algum de seus intérpretes o carregava até o hospital próximo que tinham feito para socorrer os escravos enfermos. Com os demais se começava de imediato a obra de evangelização e batismo, que tinha que ser rápida, pois logo a maioria deles partiria para as plantações de seus novos senhores, e por longo tempo não teriam ocasião de escutar de novo a pregação cristã. Os métodos de Claver eram dramáticos e pitorescos. Visto que os escravos chegavam sedentos porque durante a travessia se lhes dava pouquíssima água, Clave r lhes dava de beber, e logo lhes explicava que a água do batismo satisfaria as án ias da alma, como a que lhes havia dado satisfazia a do corp . Separados em grupos, segundo as línguas que cada qual entendia, Claver se assentava entre eles, dava a única cadeira ao intérprete, que se colocava no centro do grupo e assim ensinava os princípios da fé cristã. Às vezes lhes dizia que como a serpente troca a pele, assim era necessário trocar de vida para ser batizados. Ato contínuo beliscava-se por todo
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corpo, como se estivesse tirando sua pele, e lhes explicava as coisas que deveriam deixar. Como sinal de concordância, eles também se beliscavam. Em outras vezes, para explicar-lhes a doutrina da Trindade, pegava um pequeno lenço, e o dobrava de tal modo que se viam três pregas, e depois mostrava que se tratava de um só lenço. desse modo, se diz que Claver batizou trezentos mil escravos durante seu ministério em Cartagena. Porém essa não era toda a obra do missionário, que continuava ocupando-se dos escravos mesmo depois do batismo. Visto que a lepra era uma enfermidade comum entre eles, e quando algum a contraía a seu senhor simplesmente o atirava para rua, Claver fundou um leprosário no qual passava boa parte de seu tempo quando não tinha barcos recém chegados. Ali o veriam repetidamente seus companheiros, abraçado a algum escravo leproso de quem ninguém ousava aproximar-se, tratando de dar-lhe consôlo em meio de sua solidão. Ocorreram três grandes epidemias de varíola em Cartagena durante o ministério de Claver, e em todas elas ele se dedicou a limpar as chegas dos enfermos negros, dos quais ninguém se ocupava. Ainda que seus superiores repetidamente o acusavam de não ser muito prudente, o santo missionário sabia os limites a que poderia chegar sem que seu ministério fosse sufocado pelos brancos. Nunca atacou os brancos, nem disse que a igreja devia condená-los. Porém era de todos sabido que quando caminhava pelas ruas somente saudava os negros e aqueles entre os brancos que apoiavam sua obra. Quando alguma rica senhora vinha pedir que recebesse sua confissão, Claver simplesmente respondia que tinha muitíssimos confessores disponíveis entre os espanhóis, todavia ele deveria dedicar todo seu tempo aos escravos, que não os tinham. Diz-se também que quando escutava confissões, e terminava com os escravos, dava preferência aos pobres, e depois às crianças. Talvez com essa conduta o que buscava era não ter que condenar abertamente a vida e a atitude dos que se beneficiavam com o regime da escravidão. Se não seguisse tal caminho, é muito possível que Claver tivesse sido mandado de volta a Espanha, e que sua própria consciência não lhe permitisse
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continuar seu ministério, como no caso de Luis Beltrão. Entre os escravos de Cartagena, e especialmente as escravas, Claver envontrou fiéis discípulos e ajudantes. A escrava Margarida, com a anuência de sua senhora dona Isabel de Urbina, que apoiava o trabalho de Claver, preparava os banquetes que o missionário dava em honra dos leprosos e mendigos de Cartagena em ocasiões das grandes festividades eclesiásticas. Outras se dedicavam a enterrar os escravos mortos com os quais ninguém se ocupava. Outras visitavam os enfernos, recolhiam frutas e roupas para os necessitados, etc. Durante todo esse tempo, a sociedade branca de Cartagena prestava pouca atenção ao pobre jesuíta que passava sua vida entre os escravos. Dos que se atreviam falar-lhe, a maioria o fazia para opôr-se a seu trabalho, pois se temia que se os escravos chegassem a convicção de que eram gente tão digna como as demais, se rebelariam contra seus senhores. Seus superiores continuavam informando a Espanha que o padre Claver era curto de inteligência, carente de prudência, e quase incapaz de aprender. Já no final de seus dias, atacou-lhe uma enfermidade paralizante que por seus sintomas parece ter sido o que hoje se denomina de o mal de Parkinson. Recolhido em sua cela monástica, raramente era encontrado nas ruas. Suas últimas três visitas, espaçadas entre si, foram a casa de dona Isabel de Urbina, onde vivia Margarida, ao leprosário e a um barco recém-chegado carregado de escravos. Nesta última ocasião, não pode mais do que olhar do cais, enquanto suas lágrimas corriam diante de tanta dor, que já não podia mais aliviar. Seus companheiros de mosteiro designaram um escravo para cuidar dele. Deu-se então o mais triste episódio da vida daquele santo varão, pois teve que sofrer em sua própria carne as conseqüências do mal que sua raça havia feito a raça negra. O escravo encarregado de cuidar-lhe irritou-se com ele, descuidando-se do seu leito, e de seu alimento, e fêz-Ihe sofrer tormentos muito parecidos aos que os escravos sofriam na travessia do Atlântico. Já próximo da morte do velho missionário, os habitantes da cidade se aperceberam de que estavam ao ponto de perder um santo. Então se afadiqaram em ir visitá-lo em seu leito de
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enfermidade, o que muitas vezes lhe causou novas torturas. Todos queriam levar alguma relíquia ou recordação, e despojaram sua cela de tudo quanto havia nela. Nem sequer seu crucifixo deixaram para o santo, pois quando o Marquês de Mancera se agradou dele, o superior do convento lhe ordenou que lhe entregasse. Contudo, ninguém lhe ouviu pronunciar a mínima queixa, nem sequer solicitar algo para sua comodidade. Morreu na manhã de 8 de setembro de 1654, chorado por muitos dos que o haviam desprezado em vida. Mais de duzentos anos depois foi canonizado pela Igreja Romana.
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VIII Os filhos do sol Dêem-me os capitães mais famosos, franceses e espanhois, sem os cavalos, armaduras, armas, sem lanças e espadas, sem bombardas e fogos, mas com uma só camisa e só seus punhos ... Se desta maneira saíssem vencedores, diríamos que mereciam a fama de valentes entre os índios. Blas Valera.
De acordo com o que vimos no capítulo anterior, desde que Balboa andava pelas terras panamenhas foi recebendo notícias de um grande império nas costas do Mar do Sul, do qual procediam barcos que, segundo os índios do istmo, eram tão grandes como os dos espanhóis. Foi o sonho de conquistar esse império que moveu Balboa a solicitar a Espanha maiores recursos, e por essa solicitação foi nomeado em seu lugar Pedrarias Dávila, pois não se cria que um homem de origem humilde como Balboa fosse digno de tal empreendimento. Entretanto Pedrarias não era também o homem de estatura para a necessidade, e passou todo seu tempo em intrigas centro americanas. Posteriormente, o conquistador do grande império do sul seria um homem de origem ainda mais humilde que a de Balboa, pois se conta que em sua infância se alimentou de leite de porca, e que depois se dedicou a apascentar os porcos de seu pai. Porém antes de passar a narrar tal aventura devemos deter-nos para passar uma vista d'olhos, se bem que leve, pelo império que se pretendia conquistar.
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EITahuantinsuyu Se bem que logo de início os espanhóis começaram a chamar aquela região de "Perú" ou "Pirú", por causa do nome do rio que corria por ela, os nativos do país a chamavam de Tahuantinsuyu, que quer dizer, "os quatro cantos do mundo". Cuzco, sua capital, se considerava o centro do mundo, e dali se dividiam os quatro cantos: o Chinchasuyu para o norte, o Antisuyu para a cordilheira, o Contisuyu para o mar, e o Collasuyu para o sul e o leste, incluindo o altiplano boliviano e o norte do Chile. E razão tinham aqueles índios para chamar seu império de "os quatro cantos do mundo", pois era um dos mais Vastos impérios que a história tem conhecido. Se estendia desde as fronteiras da atual Colômbia até adentrar-se bastante no Chile, e para o leste incluía boa parte do que hoje é a Bolívia, e uma porção da Argentina. Se bem que até o presente não se tenha definido o todo de seus limites, calculase que compreendia algo em torno de dois milhões de quilometros quadrados. Tratava-se de um império relativamente jovem, que em suas lendas não se ia mais adiante do que doze gerações. Segundo essas lendas, seus fundadores tinham sido Manco Cápac e sua irmã e esposa Mama Ocllo. Essa dupla foi criada pelo Sol, e por isso seus descendentes diretos, os únicos aos quais se aplicava verdadeiramente o nome de "incas", se diziam filhos do Sol. Manco Cápac e Mama Ocllo, nasceram no lago Titicaca, e dali partiram para Cuzco, onde ensinaram aos humanos as artes do governo, da agricultura, e da guerra. Aos próximos sete incas são atribuídos fatos legendários, e ainda que seja muito provável que tenha havido reis de Cuzco com tais nomes, não pode dizer-se que sejam verdadeiros personagens históricos no sentido de que se conhecessem seus feitos ou sua contribuição para o desenvolvimento do império. Foi o nono inca, Pachacútec, que ocupou o trono de 1438 a 1471, que deveras fundou o grande império dos filhos do Sol. Ele e seu filho e sucessor Tupac Inca conquistaram regiões tão extensas que as campanhas de Júlio Cezar empalidecem-se ao ser comparadas com as destes dois grandes reis. O filho de Tupac Inca, Huayna Cápac, continuou a obra de seu pai e de
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Tahuantinsuyu
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seu avô. Quando de sua morte, o Tahuantinsuyu tinha chegado a sua máxima extensão. Huayna Cápac morreu em 1527, e já tinham chegado a ele as primeiras notícias de estranhos personagens, de rosto barbudo e pele desbotada, que rondavam pelo extremo norte do império. Portanto, o grande império inca, diferentemente do romano, não chegou nem ao primeiro século de existência antes de ser invadido e destruído pelos bárbaros do norte. O regime dos incas consistia numa autocraciapaternalista. O inca era tudo. A ele pertenciam, não só a terra, mas também as feras e as pessoas. Não sem razão se conta que Atahualpa disse a Pizarro: "se eu não quizer, nem as aves voam nem as copas das árvores se movem em minhas terras". As terras do inca se distribuiam e redistribuiam periodicamente entre a população para seu cultivo, segundo o tamanho de cada grupo. Feita tal distribuição, e tendo já assinalado cada qual o terreno que lavrar, uma terceira parte do produto se utilizava para as necessidades imediatas dos lavradores, outro terço era dedicado aos deuses, e o terceiro terço era dado ao inca. A porção que correspondia aos deuses se utilizava para
Celebravam-se grandes festas religiosas, com abundante alimentação para todos.
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os sacrifícios, a manutenção dos sacerdotes e as virgens dedicadas aos deuses e ainda para as grandes festas religiosas, nas quais o povo gozava de abundante alimentação, proveniente dessa parte supostamente separada para os deuses. A porção do inca se dedicava a sustentar a todos os funcionários imperiais, ao exército e ao inca e sua enorme família (suas esposas e concubinas se contavam em centenas). Como se pode imaginar, um império de tal magnitude necessitava de uma grande máquina de governo. Os incas fizeram construir duas grandes estradas que corriam paralelas de norte a sul, uma ao longo da costa e outra pelas montanhas. Visto que todo àquele império era governado sem o conhecimento da roda, nos lugares mais íngremes da estrada das montanhas havia na realidade, uma escadaria empedrada. Ao longo dessas duas artérias, e por mil caminhos secundários, iam e vinham os correios ou chasquis, a pé, e com um sistema de sinais que permitia que as mensagens se transmitissem com relativa rapidez. Visto que na zona andina não se conhecia a escrita, as mensagens eram na maioria verbais, ajudados por um sistema de nós amarrados nas cordas de tal maneira que permitia aos chasquis recordar os detalhes das mensagens, especialmente os números. Sobre essa base, os contadores do império, desde sua capital em Cuzco, o administravam. Ao longo dos caminhos havia grandes armazéns nos quais se conservava grande parte dos alimentos que pertenciam ao inca. Esses armazéns serviam, em tem pos de escassez para alimentar a população. E em tempos de guerra se utilizavam como centros de abastecimento para os exércitos em marcha. Desse modo os exércitos imperiais podiam mover-se rapidamente, sem necessidade de carregar seus próprios alimentos. Tratava-se, pois, de uma sociedade altamente organizada, na qual, pelo menos em teoria, ninguém passava fome ou necessidade, se bem que tudo estava já regulamentado. A religião daquele vasto império era de índole politeísta, e nela se davam alguns casos de sacrifícios humanos, ainda que não na freqüência com que ocorriam no México. O deus criador era Viracocha, que segundo a lenda tinha criado a humanidade em Tiahuanaco, uma cidade em ruínas no altiplano boli-
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enorme tamanho dos monolitos de Tiahuanaco os levou a crença de que os primeiros seres humanos eram demasiadamente grandes, e que então Viracocha os destruiu e criou de novo com as proporções atuais.
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viano cujas origens os próprios incas desconheciam. O enorme tamanho dos monolitos de Tiahuanaco os levou a crença de que os primeiros seres humanos eram demasiadamente grandes, e que então Viracocha os destruiu e criou de novo com as proporções atuais. Porém o nome de "viracocha" se dava também a outras divindades menores. O sol era o principal objeto de adoração para os incas, pois dele vinha toda a vida e o calor necessário para a subsistência naquelas altas terras andinas. As principais festividades religiosas tinham que ver com os solstícios, que apontavam a graça que o sol lhes fazia de brilhar por mais um ano. Como filho do Sol, o inca era também seu supremo sacerdote e representante na terra.
Assim imaginavam os europeus o culto ao Sol entre os índíos.
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A fim de manter puro esse sangue supostamente divino, os incas se casavam com seus irmãos. Ainda que tinham muitas outras mulheres, e todos os seus filhos fossem considerados nobres, só os filhos de suas irmãs podiam herdar o trono, pois unicamente eles tinham o puro sangue divino, procedente de Manco Cápac e sua irmã e esposa Mama Ocllo. Francisco Pizarro Com a finalidade de conquistar esse vasto império, sem pensar na magnitude de tal empreendimento, porém só com uma ânsia insaciável por ouro, é que se lançou na luta Francisco Pizarro. Este era filho ilegítimo do fidalgo Gonzalo Pizarro, que não parece ter-se ocupado com ele mais do que o normal pois queria pô-lo cuidando de suas manadas de porcos. Quando um belo dia estes se dispersaram Francisco não se atreveu a voltar para sua casa pelo temor ao castigo, fugindo para Sevilha, de onde mais tarde embarcou, como tantos outros aventureiros, para tentar a sorte na [ndias. Em 1510 andava com Ojeda na sua expedição, e dali passou a formar no grupo de Balboa, cuja confiança conquistou. Ao chegar Pedrarias Dávila, passou para seu lado, e o novo governador também depositou confiança nele. Em 1522, Pedrarias mandou uma expedição sob o comando de Pascual de Andoyaga, que explorou o litoral colombiano, porém nunca chegou a estabelecer contato com os súditos dos incas. Em 1524, com licença de Pedrarias e em sociedade com Diego de Almagro, que o havia acompanhado em muitas aventuras, Pizarro se fêz ao mar. Em diversos lugares do litoral encontraram-se com alguns índios, aos quais trataram com as costumeiras violências, arrebatando-lhes todo o ouro que pudessem. Porém a escassez e a enfermidade logo fizeram suas presas os aventureiros, que teriam perecido se não fossem os reforços trazidos por Almagro, que tinha zarpado do Panamá algum tempo depois deles. De regresso ao Panamá, e com base nas notícias do império inca que tinham conseguido nessa expedição, os dois amigos entraram em sociedade com o sacerdote Hernando de Luque, que providenciou os fundos para uma nova expedição. A incredulidade
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Por aqui se vai ao Perú para enriquecer-se. Por ali se vai ao Panamá para empobrecer-se. Escolha o que seja bom castelhano o que melhor estiver.
dos panamenhos diante das promessas de Pizarro e Almagro pode ser vista no apelido que puseram em Hernando de Luque, chamando-o de "Hernando Louco". A segunda expedição de Pizarro teve a princípio a mesma sorte da anterior. Foi encontrado abandonado na Ilha do Galo, para onde Pedrarias Dávila mandou uma expedição de resgate sob o comando de Juan Tafur. Porém Almagro e Luque escrev.eram dizendo-lhe que a situação política do Panamá era tal, que se desistisse naquele momento seria necessário abandonar o projeto, porém se permanecesse na ilha eles lhe mandariam reforços e sustento com a maior brevidade possível. Foi então que se deu a famosa cena em que Pizarro traçou com sua espada uma linha na praia e disse: "Por aqui se vai até o Perú para se ficar rico. Por ali se vai ao Panamá para conti-
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nuar pobre. Escolha o que seja bom castelhano o que melhor estiver". Treze deles cruzaram a linha e se dispuseram a continuar com a aloucada empresa de conquistar o Tahuantinsuyu. Com esses, e logo que recebeu a ajuda de seus aliados no Panamá, Pizarro voltou a explorar o litoral, e ao chegar na grande e rica cidade de Tumbes, foi bem recebido obtendo provas concretas da existência da grande civilização de que tanto se havia falado. Depois de outras breves explorações, regressou ao Panamá com bastante ouro para provar o valor de sua viagem. Dali seguiu para a Espanha, onde obteve da coroa os cargos de governador, capitão geral e principal de "Nova Castela", nome que se deu a comarca. Visto que o acertado era que Almagro seria o principal, desse ponto em diante começaram entre os dois capitães as desavenças que depois levariam a uma cruenta guerra civil. Para Luque foi dado o bispado de Tumbes. De regresso daquela segunda expedição, Pizarro levou consigo vários índios. Um deles, a quem a história conhece com seu nome batismal de Felipinho, foi quem ocupou na conquista do Peru o papel que dona Marina tinha ocupado no México. Além disso, nessa expedição Pizarro deixou atrás de si, sem sequer saber, um de seus mais poderosos aliados: uma epidemia de varíola, enfermidade até então desconhecida no país, que dizimou a população e transtornou os sistemas de produção e de assistência social do Tahuantinsuyu. A terceira e definitiva expedição partiu em 1531. Ao chegar a ilha de Puná e a Tumbes, no Golfo de Guayaquil, Pizarro e os cento e oitenta e três espanhóis que o acompanhavam receberam as primeiras notícias da guerra civil que convulsionava o país. Huayna Cápac, o neto de Pachacútec, tinha morrido, e tinha deixado o trono imperial ao seu filho Huáscar. Porém também tinha separado do império o reino de Quito, e o . havia entregue a seu outro filho Atao Hualpa (ou Atahualpa), que tinha sido gerado de uma princesa quitenha. Nem Huáscar nem Atahualpa se contentaram com aquela situação, e rapidamente este último empreendeu uma guerra contra seu meio irmão. Huáscar era, sem sombra de dúvidas, o soberano legítimo, pois era filho de Huayna Cápac e de sua irmã. Por
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Os engenheiros dos incas lavravam a rocha com tal precisão que não é possível encontrar o menor interstício entre duas daquelas grandes pedras.
isso tinha o apoio da velha aristocracia de Cuzco e dos sacerdotes. Atahualpa, que a todos os olhos era o usurpador, de acordo com o ponto de vista da lei inca, contava com o apoio dos mais hábeis generais, os quais viam nele o espírito conquistador de seu bisavô Pachacútec. A sorte da guerra, no princípio indecisa, parecia inclinarse para Atahualpa, cujos generais tinham conseguido várias vitórias importantes e se aproximavam cada vez mais de Cuzcoo A sangue e fogo, Atahualpa e os seus tinham-se imposto nas regiões por onde agora marchava Pizarro, que por isso encontrou grande inimizade contra o usurpador, e com base nela foi muito bem recebido pela maioria dos nativos das terras que atravessava. Dentro de pouco tempo chegou aos espanhóis uma estranha embaixada. Vinham emissários da parte de Huáscar e de seus sacerdotes, perguntando-lhes se na verdade eram eles os "viracochas" que segundo uma antiga profecia viriam do
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ocidente, para salvar o país em momentos de grave crise. Pizarro reconheceu nisso as circunstâncias semelhantes às que tinham facilitado Cortés, na conquista do Mexico, sobre as quais tinha ouvido (não podemos dizer que as tinha lido porque ele, o governador de Nova Castela, era analfabeto). Com o estrépito de suas armas e os saltos de seus cavalos, Pizarro fêz todo possível para dar a entender-lhes que tinha poderes divinos, e lhes disse que em efeito ele e os seus eram os viracochas prometidos, que vinham para fazer justiça. A partir de então, entre os partidários de Huáscar, se chamou os espanhóis de "os vira cochas". Atahualpa, por sua vez, descrente como era, os chamava simplesmente de "sungasapa", que quer dizer barbudos. Quando mais tarde, chegaram os emissários de Atahualpa, Pizarro pôs-se também a seu serviço. Porém na caminhada pelos povoados ia proclamando que vinha restaurar o rei legítimo. Atahualpa nunca pareceu ter sentido grande temor ou respeito por aquele punhado de estrangeiros. Porém em sua retaguarda alguns se rebelavam contra ele, e por isso decidiu não marchar para Cuzco até que não se explicasse o mistério dos pretensos viracochas. Várias vezes poderia ter eliminado os espanhóis nos passos das montanhas. Porém a curiosidade de vê-los em pessoa, e seu sentido de que em sua terra "nem as aves voam sem sua permissão", provocaram sua perda. Nos arredores de Cajamarca, com umas dezenas de milhares de soldados, Atahualpa esperou seus estranhos visitantes, ao mesmo tempo que o grosso de seu exército continuava a marcha para Cuzco. Assim, aquele exército que tanto impressionou os espanhóis não era mais que a guarda pessoal do imperador. Depois de várias idas e vindas que não é necessário relatar aqui, se acertou que o inca visitaria os espanhóis em Cajamarca. Atahualpa estava tão seguro de seu poder, que ordenou ao general Rumi Nahui que cercasse a cidade com tropas armadas de cordas para prender os espanhóis que tentassem fugir. Além disso, ao aproximar-se de Cajamarca, ordenou a quase todos seus soldados que permanecessem fora, e ele entrou na praça com uns cinco ou sete mil acompanhantes, a maioria deles cortesãos sem armas.
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Enquanto isso, na cidade, se preparava o grande golpe. Pizarro colocou suas peças de artilharia de tal modo que cobrissem as duas únicas saídas da cidade, e escondeu todos os seus soldados e cavalos onde não poderiam ser vistos por quem entrava na cidade e deu ordem e instruções a que estivessem todos dispostos para começar a disparar suas armas quando chegasse o momento oportuno. O inca entrou carregado em liteira, sentado sobre um estrado de ouro, e rodeado de seu séquito. Saiu-lhe então ao encontro o padre Vicente Valverde, que valendo-se do intérprete Felipinho, fêz o "requerimento", isto é, explicou-lhe a doutrina cristã, e disse-lhe quão grandes senhores eram o papa e o rei, e o convidou a declarar-se vassalo do rei da Espanha e permitir que se pregasse o evangelho em suas terras. Se o inca entendeu ou não o que se lhe dizia, nunca se saberá. Porém certamente não estava disposto a declarar-se vassalo de rei algum. Exasperado, tomou o Evangelho que o padre Valverde, levava nas suas mãos o examinou, e ao não encontrar nele nada mais do que gravações ininteligíveis atirou-o ao chão. Então, enquanto Felipinho recolhia o livro, o sacerdote corria para os espanhóis, gritando: - Não vêem o que se passa? Porque estais com prudência e requerimentos com esse cão cheio de soberba? Saiam a ele, que eu vos absolvo ... Vingança, vingança, cristãos. Os Evangelhos foram depreciados e foram jogados por terra. Matem a esses cães que desprezam a lei de Deus. Pizarro e os seus não necessitavam de tais exortações da parte do representante da igreja. E tão logo se cumpriu o requisito de apresentar o "requerimento" ao inca, o chefe espanhol deu o sinal já estabelecido para o ataque. Ao verem agitado seu lenço, os artilheiros soltaram seus projéteis sobre os principais índios, e ato contínuo a cavalaria atacou. Os índios não tinham visto ainda uma arma como as espadas castelhanas, capazes de cortar um membro com um só golpe. Muitos trataram de fugir, porém não encontraram saída alguma. Quando por fim a pressão das pessoas se tornou muito grande a parede de pedra cedeu, e muitos fugiram espavoridos, enquanto alguns espanhóis a cavalo saíram a dar-lhes caça em campo aberto. Ao redor do inca a resistência foi mais
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Até em ruinas, as grandes construções huantinsuyu supreendem o viajante.
dos lugares mais afastados do Ta-
forte. Os índios, sem mais armas para se opor, colocavam seus próprios corpos entre os espanhóis e seu senhor. Quando os aventureiros chegaram à liteira que carregava o soberano, aconteceram atos de valor que depois eles mesmos narraram. Houve índios que, cortadas as mãos continuavam sustentando o inca em seus ombros. Outros ao verem cairos que levavam a liteira, corriam para seu lugar, mesmo sabendo que morreriam. Finalmente um espanhol agarrou a Atahualpa pelos cabelos e o atirou em terra. No final da jornada, Atahualpa caiu prisioneiro dos espanhóis, vários milhares de índios morreram na cidade, e só um espanhol ficou levemente ferido. Foi o próprio Pizarro, que foi ferido por um compatriota seu quando tentava assegurar-se de que não fizessem qualquer dano ao inca prisioneiro. A ironia de tudo isso foi que, quase ao mesmo tempo em
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Visto que na cultura inca a morte pelo fogo era ignominiosa, Atahualpa concordou em ser batizado. Depois, os espanhóis o estrangularam.
que Atahualpa caía prisioneiro dos conquistadores, seu rival e meio irmão Huáscar caía em poder de suas tropas. Assim enquanto os espanhóis eram donos de um pretendente ao trono, este era dono de seu rival.
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A pedido de Pizarro, o cativo inca ordenou que seus exércitos abandonassem as proximidades de Cajamarca. Depois de algumas negociações, Pizarro prometeu-lhe liberdade em troca de um resgate que consistia em todo ouro e prata necessários para encher uma casa com mais de cem metros quadrados até tão alto quanto alcançasse a mão do inca. Ato contínuo sairam os chasquis por todo o país, e logo o ouro e a prata começaram a chegar em Cajamarca. Pouco depois tiveram lugar dois acontecimentos importantes para a história do Peru. Um deles foi a chegada de Almagro com um contigente de reforços. Visto que os recém chegados' não estavam presentes no feito de Cajamarca, não lhes correspondia nenhuma parte daquele enorme resgaste. Ainda que os pizarristas, quase que como esmola, deram-lhe a quantidade de cem mil ducados, a partir daí começaram as rivalidades entre almagristas e pizarristas. O outro incidente de importância foi a morte de Huáscar. Este tratou de chegar a um acordo com os viracochas em troca de que estes liquidassem seu meio irmão. Inteirado Atahualpa - se por Felipinho ou pelo próprio Pizarro, os cronistas não concordam - deu ordem a seus generais de que matassem a Huáscar. Porém não se apercebeu de que isto deixava campo aberto a Pizarro, que estava de posse dele, o último pretendente do trono. Apesar de pago o resgate, os espanhóis não soltaram seu prisionei roo Assim decidi ram fazer-I he um julgamento, acusando-o de fatricida. Depois de um sumário processo, no qual estavam de acordo Almagro o padre Valverde, o inca foi condenado a morrer na fogueira. Quando, quase na hora, marchava para o suplício, o sacerdote lhe propõs que se se batizasse não seria queimado, mas que seria morto de outra maneira. Visto que na cultura inca a morte pelo fogo era ignominiosa, o inca aceitou e, depois de batizá-Io, os espanhois o mataram por estrangulamento. Assim terminou aquele renovo de Pachacútec e Huayna Cápac, em cuja terra nem sequer as aves voavam sem sua permissão. Resistência e guerra civil Os espanhóis fizeram coroar o pequeno Tupac Hualpa,
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filho também de Huayna Cápac, com a esperança de contar com um inca dócil a seus propósitos. Com ele na liteira partiram de Cajamarca para Cuzco. Porém pouco antes de chegar na capital, Tupac Hualpa morreu misteriosamente, ao que parece envenenado por um dos generais do defunto Atahualpa. Enquanto isso, os invasores faziam todo o possível para desestabilizar o império que tentavam conquistar. Com esse propósito decretaram a liberdade de todos os "yanacunas", que eram os servos do império. Apesar de que, posteriormente, planejavam converter a todos os índios em servos, no momento lhes convinha aparecer como libertadores das classes oprimidas. Pouco depois receberam uma grata nova. Manco Inca, outro dos filhos de Huayna Cápac, a quem correspondia agora o trono segundo os principais chefes e sacerdotes do império, uniu-se a eles, crendo que deveras eram "viracochas" que tinham vindo para ajudá-lo a sufocar a rebelião dos quitenhos. Pouco demorou Manco Inca em dar-se conta de seu erro. Depois de tentativas falidas, conseguiu escapar do acampamento espanhol, e a partir daí foi o principal chefe da resistência inca contra os invasores. Enquanto isso, Diego de Almagro tinha ido com os seus buscar fortuna em outras partes. Primeiro marchou para o norte, onde o general Rumi Nahui tinha-se feito rei de Ouito, Junto a Sebastián de Benalcázar conquistou essa cidade e destruiu a resistência nessas regiões do norte. Ali se encontrou também com Pedro de Alvarado, que dirigia uma expedição independente para Quito. Em troca de grande soma, Alvarado cedeu seus homens, armamentos e todos os seus direitos da expedição. Depois de regressar ao Peru, Almagro e os seus partiram para o Chile, onde sofreram grandes penúrias. Manco Inca aproveitou a ausência de Almagro para reunir um exército de quarenta mil soldados e sitiou a Cuzco, q ue na ocasião estava sob o governo de Hernando e Gonzalo Pizarro, irmãos de Francisco. Este último, que se encontrava na recém fundada Lima, não pode enviar-lhes socorro, pois ele mesmo se encontrava quase cercado. As primeiras cinco colunas que sairam em auxílio dos sitiados de Cuzcoforam aniquiladas pelos índios.
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Não! Não torem guerreiros somente, com couraças e capacetes e espadas e estandartes, os que fizeram a conquista das selvas e dos Andes. Os cavalos eram fortes! Os cavalos eram ágeis! José Santos Chocano
Se a luta tivesse sido só de índios contra espanhóis, como talvez se entenda, estes não poderiam resistir por muito tempo. Porém contavam com a ajuda de muitos índios que aproveitaram essa oportunidade para sublevarem-se contra o regime inca. Eram dirigidos pelas velhas aristocracias locais, suplantadas pelo sistema de governo estabelecido pelos incas. Além do mais, os espanhois tinham trazido numerosos índios nicaraguenses e negros do Panamá. Foram todas estas tropas auxiliares, além dos cavalos, das armaduras, e da pólvora, que permitiu aos conquistadores resistir os avanços das tropas incas.
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I
Escultura eqüestre de Pizarro, em Lima
Pouco a pouco, sem dúvida, os partidários de Manco Inca iam possuindo os conhecimentos bélicos dos invasores. E logo se viu o próprio Manco montado em um cavalo. Depois começaram a soar tiros de arcabuz do lado dos índios. Quando os de Manco fizeram alguns prisioneiros espanhóis, obrigaram-nos a ensinar-lhes como fabricar pólvora. Poste-
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riormente se deram encontros em que ficou provado que a suposta superioridade espanhola se devia somente a suas armas e seus cavalos, como numa escaramuça em que quatro índios a cavalo derrotaram a trinta peões da infantaria espanhola, A resposta dos Pizarro foi o terror. Tão logo Francisco conseguiu aliviar o cerco de Lima, enviou a seus irmãos uma forte coluna sob o comando de Alonso de Alvarado, que pelo caminho se dedicou a mutilar seus prisioneiros, cortando a mão direita dos varões, alguns deles ainda crianças de colo, e os seios das mulheres. O que escapavam de tão terrível sorte eram acorrentados como escravos e utilizados para carregar os víveres do exército, até que morressem de fadiga e inanição. Por todas as partes, pelo sangue, fogo e ferro, os espanhois semearam o terror. Porém o grande alívio que chegou aos de Cuzco, foi o regresso de Diego de Almagro, que voltava do Chile. Acompanhava-o Paulo Inca, irmão de Manco, comandando um exército índio. Durante algum tempo pensou-se que Almagro e Paulo Inca tomariam o partido de Manco, e os pizarristas temeram. Porém posteriormente viu-se em Almagro a lealdade ao espanhol, e em Paulo a ambição de ser coroado inca. Almagro, que dizia que Cuzco não pertencia a Pizarro, mas que era parte do novo governo criado pela coroa e entregue a ele se lançou sobre Cuzco, onde os únicos que lhe ofereceram resistência foram os Pizarro. Feitos prisioneiros estes, os demais espanhóis se juntaram sob o comando de Almagro e, coroando Paulo Inca como rei de Tahuantinsuyu, se dedicaram a fazer guerra a Manco Inca. Enquanto isso, se faziam gestões de paz com o chefe dos pizarristas, Frarrcisco, que desde Lima exigia a liberdade de seus irmãos e a devolução de Cuzco. Porém não conseguiram fazer um acordo, e finalmente Almagro caiu prisioneiro de Francisco Pizarro que, esquecendo que este havia perdoado a vida de seus irmãos quando os teve prisioneiros, o fêz justiçar. Diante da insurreição de Manco Inca, Pizarro pediu reforços a outras colônias espanholas, e logo começaram a chegar do Panamá,México, Nicarágua e oulras partes. Porém apesar disso, e de muitos índios e n gros que o ajudavam, a subleva-
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ção continuou. Além disso, em lugares distintos, e ao que parece sem coordenar seus esforços com os de Manco Inca, outros índios se rebelaram também. Paulo Inca, a quem os pizarristas não reconheciam o título imperial dado pelos almagristas, lutava, sem dúvida, por sua parte, portemer a vingança de seu irmão. Houve batalhas nas quais as tropas de Manco derrotaram a exércitos espanhóis de quinhentos homens número considerável nessa época no Novo Mundo - além de milhares de auxiliares índios e negros. Francisco Pizarro não chegou a ver o país "pacificado". Em meados de 1541, vários aimag ristas, cansado dos maus tratos que recebiam; assaltaram sua residência em Lima. Só os mais achegados servos do governador acudiram em sua defesa. Ferido mortalmente, conta-se que Pizarro pediu que trouxessem um confessor, e que seu pagem, que também morreu no encontro, lhe disse: "~ no inferno que você merece ir confessar".
Carlos V criou O vice-reino do Peru, e nomeou para servir como vice-rei o cavalheiro abulense Blasco Nútiez Vela.
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o vice-rei
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nado do Peru
Em fins de 1542, Carlos V criou o vice-reinado do Peru, e nomeou para servir como vice-rei o cavalheiro abulense Blasco Núnez Vela, padrinho de Santa Tereza. A razão pela qual o rei deu esse passo foi que haviam chegado notícias dos desmandos cometidos no Perú por Pizarro e os seus. As notícias procedentes daquelas terras começaram a criar dúvidas e revoltas entre os teólogos, como veremos ao tratar de Francisco de Vitória. Em conseqüência de tudo isso, e em particular com as gestões de Bartolomeu de Las Casas, se decretaram as Novas Leis de Burgos, que proibiam os abusos dos encomendadores. Além disso, o rei queria assegurar-se de que não apareceria na América uma nova aristocracia feudal, como a que sua avó Isabel a Católica, tinha tido que enfrentar na Espanha. Logo, Blasco Núriez Vela chegou ao Peru com a responsabilidade de pôr em ordem o governo espanhol, limitar .0 crescente poderio dos encomendadores, e pôr fim aos abu.sos contra os índios. Era uma difícil tarefa, pois quando tiveram conhecimento da missão do vice-rei os encomendadores se levantaram, e logo tiveram como chefe Gonzalo Pizarro, irmão do conquistador, que tinha-se assentado em um grande latifúndio vivendo do trabalho indígena. Diante de tais circunstâncias, Manco Inca, que ainda continuava sua resistência, se bem que agora reduzida a uma guerra de guerrilhas, fêz-se aliado do vice-rei. Em tais circunstâncias, a situação parecia desesperada para os encomendadores. Porém Manco Inca morreu assassinado por uns almagristas aos quais havia prestado refúgio, e pouco depois o vice-rei foi morto pelos encomendadores na batalha de Anaquito. Gonzalo Pizarro ficou então dono do Peru, com pouca resistência por parte dos nativos ou das autoridades espanholas. Entretanto a coroa não podia permitir tamanha desobediência. E, posteriormente, Gonzalo Pizarro foi feito prisioneiro e decapitado, enquanto que seu irmão Hernando passaria vinte e um anos preso na Espanha. O vice-rei nado trouxe uma certa estabilidade ao Peru. Porém não demorou muito para que as Novas Leis fossem
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Os conquistadores mandaram lavrar seus brasões nos umbrais dos antigos palácios indigenas.
esquecidas, e os espanhóis continuaram explorando os índios pelo espaço de vários séculos. A morte de Manco Inca não pôs fim à heróica resistência daquele povo. O filho de Manco Inca, Tupac Amaru, foi coroado pelos seus, e conseguiu certa medida de autonomia até que foi capturado e executado pelos espanhóis. Passado o tempo, um descendente seu, José Gabriel Condorcanqui, tomou a tocha da rebelião. Condorcanqui era um homem de refinada educação que ostentava o título espanhol de Marquês de Oropesa. Durante todo o ano de 1780, os índios se queixaram das crescentes taxas e impostos do governo espanhol. Em vários lugares houve levantes, que as autoridades conseguiam mais ou menos conter. Porém no dia 4 de novembro de 1780 Condorcanqui, tomando o nome de Tupac Amaru II se estabeleceu. Sua rebelião foi a mais difícil de apagar, pois soube
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atrair os mestiços, negros e os brancos pobres, que sentiam-se oprimidos pelos onerosos impostos, as meias, o serviço pessoal que os grandes terra-tenentes esperavam, etc. Além do mais Tupac Amaru " insistia em que sua rebelião não era contra a religião católica, da qual se proclamava filho fiel, nem tão pouco contra os espanhóis pelo simples fato de serem espanhóis, mas contra as injustiças de alguns poucos espanhóis poderosos e corruptos. Por isso, foi necessário enviar de Buenos Aires! um exército de 17.000 homens que por fim o bateu e o fêz prisioneiro. Levado diante do visitador José Antonio de Areche, um dos principais exploradores, se lhe perguntou quais eram seus cúmplices, e diz-se que sua resposta foi a seguinte: Nós somos os únicos conspiradores. Vossa mercê, por ter afogado o país com taxações insuportáveis. E eu, por ter querido libertar o povo de semelhante tirania. Areche condenou Tupac Amaru a morte. Além disso, antes de ocorrer sua sentença, matou, em sua presença, sua espôsa. Seu irmão, Diego Cristobal Tupac Amaru, continuou a rebelião até que ele mesmo também foi preso e enforcado. A obra missionária Como era de se esperar, devido a tais acontecimentos iniciais, a obra missionária no Peru não foi, a princípio, plena de êxito. A atuação de Valverde em Cajamarca indica o tom e caráter da maioria dos primeiros sacerdotes que visitaram o país. E até a própria coroa estava disposta a premiar tal conduta, pois Valverde foi feito o primeiro bispo de Cuzco. A atitude dos índios para tais bispos ficou manifesta quando os da Ilha de Puná puderam por as mãos no senhor bispo, em vingança pelos velhos crimes cometidos pelos conquistadores com sua anuência, o mataram e o comeram. Além do mais, não faltaram os curas que vieram para a América a fim de se tornarem ricos, como Hernando de Luque que custeou a empresa de Pizarro. De igual modo que em outras regiões, o trabalho missionário caiu a cargo das quatro grandes ordens dos dominicanos (os primeiros a chegar), franciscanos, mercedários e jesuítas. Porém ainda essas ordens de strita pobreza não estavam
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Toríbio Alfonso de Mogrovejo.
imunes das tentações produto da corrupção reinante. Dos mercedários se contava toda sorte de história de vícios, licenciosidade e roubos. Quando foi enviado um visitador para investigar a situação, este morreu misteriosamente em São Salvador, antes de chegar no Peru. Por longo tempo o alto clero se fêz cúmplice e se beneficiou da exploração de que eram objeto os indígenas. E também de nada adiantou o protesto quando se decidiu ter igrejas separadas, umas para os índios e outras para os brancos. Em tais circunstâncias, não é de se estranhar que muitos índios se negassem a aceitar o cristianismo, e que até havia caciques que matavam aqueles entre seus súditos que se convertiam. A nova fé era símbolo da opressão e exploração do povo. Porém apesar disso, pouco a pouco, mal ou bem,
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todos os índios foram aceitando a fé dos vencedores. Missionários e "doutrinadores" (curas pagos pelos encomendadores para doutrinar seus índios) se ocuparam de que fossem entendendo a nova fé. E muitos se ocuparam também de que a entendessem de tal modo que se tornassem mais dóceis diante de seus senhores. Em 1581 chegou a Lima, para tomar o cargo dessa arquidiocese, Toríbio Alfonso de Mogrovejo. Nessa época a arquidiocese era enorme, pois compreendia sob sua jurisdição metropolitana o que hoje é a Nicarágua, Panamá, parte da Colômbia, todo o Equador, Peru, Bolívia, Paraguai, Chile, e parte da Argentina. Vinha imbuído dos ditames renovadores do Concílio de Trento, de cujas seções tratamos no volume anterior. Que sua atuação seria difícil, pode ver-se pelo fato de que ao convocar um concílio provincial em Lima para julgar a atuação do bispo de Cuzco, de quem chegavam péssimas informações, o bispo de Tucumán tomou os documentos do processo e os queimou no forno de uma padaria. Entre tais pessoas, o novo arcebispo tratou de impôr a disciplina tridentina, e o conseguiu pelo menos de certo modo. Graças a ele, aquele concílio proibiu o "comércio do clero", e depois proibiu também aos sacerdotes que cobrassem pela administração dos sacramentos. Toríbio fêz também compôr um catecismo que se publicou primeiro em espanhol, quichua e aymara, e depois em muitos outros idiomas índios. Este "Catecismo de São Toríbio" se utilizou em boa parte da América do Sul por mais de três séculos. Além do mais, determinou dom Toríbio que os sacerdotes permanecessem em cada paróquia pelo menos seis anos, e tinham também que aprender a língua de seus fiéis. E os encomendadores deviam respeitar as doze festividades católicas que os índios celebrariam, além dos domingos (os espanhóis tinham mais de trinta festas dessa natureza, porém se opunham a que os índios as celebrassem para não perderem seus trabalhos). Os planos reformadores de dom Toríbio chocaram-se com os do vice-rei, que insi tia nos direitos de Patronato Real que, como representante do roi, lhe correspondiam. Com firmeza e humildade o Arcebispo COnlllHJOU sua obra reformado-
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Santa Rosa de Lima. Foto de OSG.
ra. Em 1726, cento e vinte anos depois de sua morte foi declarado santo pela igreja católica. A vida e obra de Santo Toríbio de Mogrovejo mostram o caráter da igreja que começava a tomar forma na região. Em
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luta constante com os elementos mais licenciosos, defendendo os índios e os pobres sem chegar a se opôr àjustiça fundamental do regime, tratando de aprofundar a fé dos nativos do país sem contar com recursos humanos adequados, o catolicismo latino americano ia se formando. Os outros três grandes santos da igreja limenha mostram o tom desses catolicismo. Santa Rosa de Lima (1586-1617) foi membro da Terceira Ordem de São Domingo, isto é, permaneceu em sua casa e ali levou uma vida ascética. Seu ascetismo a levou ao mais alto grau de mortificação da carne, até o ponto de levar escondida sob seus cabelos uma coroa de cravos de prata que lhe dilaceravam a fronte. Igual a Santa Tereza, tinha desejado ser missionária, porém seu sexo a impedia. Portanto dedicou-se a vida de meditação, e teve experiências de bodas espirituais com Cristo e de êxtases. O seu era o mesmo ideal de Santa Teresa e de tantas "beatas" (esse era o nome oficial que lhes davam) que existiram na Espanha naquele século XVI. Outro santo limenho, São Martin de Porres, era mulato e, conseqüentemente, a ordem dos dominicanos não lhe permitiu passar do grau de "donado", isto é, de servente de mosteiro. Porém logo chegou a ser um dos mais conhecidos residentes da prioría de Santo Rosário, em Lima, onde seu pai o colocou. Sua fama se deve a seu modo afável e serviçal. Apesar de ser dominicano, seu caráter era de franciscano. Visto que tinha sido barbeiro e aprendiz de farmacêutico antes de entrar no mosteiro, sabia de curas e de sangrias (naquele tempo eram os barbeiros os que se ocupavam com certos tipos de cirurgia), e, com isso e sua presença e cuidado aliviava aos enfermos, tanto humanos como animais. Logo teve todo um hospital no mosteiro, até que o obrigaram a transferir seus enfermos para uma outra parte, e os levou para a casa de sua irmã. Em seus momentos livres, ia pelos montes semeando figos e outras frutas, com a esperança de que um dia servissem de alimento a algum faminto. Porém o que surpreendia a todos era sua humildade, pois freqüentemente se chamava a si mesmo de "cão mulato". Foi essa humildade, além de muitos milagres que se lhe atribuem, que lhe valeu o título de santo, concedido pelo papa em 1888. Naturalmente. o que se destaca nele é a
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verdadeira santidade que, no caso de uma pessoa "inferior" como um mulato, negro ou índio, consistia em estar disposto a aceitar o lugar que lhe correspondia na sociedade. O outro santo peruano, São Franciscano Solano (15491610), mostra as tendências apocalípticas que tinham aqueles que buscavam ser fiéis cristãos no meio daquela sociedade corrompida e injusta. Francisco Solano era um homem calado que tinha servido de "doutrinador" na Argentina e Paraguai, e a quem todos conheciam pela sua amabilidade e seu bom humor. E, apesar disso, numa noite de dezembro de 1604 aquele espírito sossegado saiu correndo e clamando pelas ruas de Lima que Deus estava pronto para castiçar aquela nova Nívive, e que se os limenhos não se arrependessem, nessa mesma noite a cidade seria tragada pela terra em meio de um grande terremoto. O impacto do novo Jonas foi grande, e as pessoas correram às igrejas, prometendo se corrigir em seus costumes. Por terras de Collasuyu Até aqui temos nos ocupado principalmente daquelas porções do Tahuantinsuyu que hoje pertencem ao Peru e Equador, e temos dito pouco sobre a Bolívia e o Chile. Assim, mesmo que de forma ligeira, devemos destacar certos fatos da igreja nessas regiões, ocorridos naquela "era dos conquistadores". A queda de Cuzco nas mãos dos invasores europeus foi também a queda do planalto boliviano, apesar de que também por ali continuou a resistência por algum tempo. A primeira expedição espanhola a Bolívia foi a de Diego de Almagro, que em sua viagem para o Chile bordeou o lago Titicaca por terras que hoje são bolivianas. Pouco depois Gonzalo Pizarro dirigiu outra expedição, cujo resultado foi a fundação de Chuquisaca. Porém a grande invasão espanhola da Bolívia teve lugar quando se descobriu que havia riquíssimas jazidas de prata na colina de Potosí. Os índios o sabiam, mesmo que não quisessem explorá-Ias. Mas, ao chegar ao conhecimento dos espanhóis, estes dispararam para a região, e por volta de 1573 Potosí era tão grande quanto Londres. Porém pelo próprio fato de suas
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que servirem de vanguarda para a penetração
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.. e logo o território esteve semeado de igrejas.
grandes riquezas e pelo modo precipitado de seu crescimento, essa cidade era também o território mais corrompido e anárquico do continente. Logo se foram fu ndand Doutras cidades, a maior parte delas no caminho que deviam seguir as expedições que levavam a prata potosina. Quanto a obra missionária, no Planalto, ela tomou a mesma forma que tomou no Peru. Logo quase todos os índios estavam sob a encomenda de algum espanhol, e por esse meio, com base na lei do mais forte, pouco a pouco todos foram se tornando cristãos. Nas reg iões selvagens do q ue hoje é a Bolívia, sem embargo, seguiu-se uma ordem muito distinta do que ocorreu no Planalto. Ali foram os missionários, sobretudo os jesuítas, que serviram de vanguarda para a penetração européia. Os índios mojos, por exemplo, não se deixavam ver pelos conquistado-
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res, e foi só depois de árduos esforços que os jesuítas conseguiram estabelecer com eles contatos permanentes. Depois de viver com eles por vários anos, alguns dos índios aceitaram residir nos povoados, como os sacerdotes lhes sugeriam. E não foi senão longos anos mais tarde, em 1682, que por fi m se começou a batizá-Ios em grande número. Muito parecida foi a história da obra entre os índios chiquitos, chamados assim, não por sua estatura, mas por serem pequenas as portas de suas choças. Em todo caso, pelas selvas amazônicas do oriente boliviano o trabalho evangelizador continuou por vários séculos, e houve vários mártires entre os missionários. A conquista do Chile, na qual Almagro fracassou, foi empreendida depois de sua morte por Pedro de Valdivia, lugar-tenente de Pizarro. Em 1540, Valdivia marchou para o sul e fundou a cidade de Santiago. Ato contínuo, distribuiu as terras circunvizinhas, com seus índios, entre seus soldados, e se estabeleceu o mesmo sistema de exploração que temos visto nos outros lugares. Uns dez anos mais tarde, Valdivia cruzou o Bío-Bío, antiga fronteira do império inca, e fundou a cidade de Conceição. Porém os araucanos, sob o comando do famoso Caupolicán, lhe ofereceram forte resistência. O próprio Valdivia foi capturado e morto pelos nativos, e Caupolicán sofreu, depois, parecida sorte nas mãos dos espanhóis. Porém a insurreição continuou, pois os índios aprenderam as artes bélicas dos europeus, e não puderam ser dominados senão nos fins do século XIX. Portanto, do ponto de vista da "era dos conquistadores", o Chile não se extendeu muito mais adiante do Bío-Bío e os arredores de Conceição. Entre os primeiros conquistadores, houve sacerdotes muito parecidos com Vicente Valverde. De Juan Lobo se dizia que, em combate contra os índios, era como um lobo no meio de ovelhas. E vários outros pegaram também nas armas contra os índios. Quando finalmente chegaram os franciscanos e os dominicanos, em 1553 e 1557 respectivamente, a qualidade do clero, e sua atenção ao bem- star dos índios, melhoraram notavelmente. Entre aqueles primeiros dominicanos merece menção especial a figura esquecida d fr i Gil González de San Nicolas, que foi um hábil e atr vid mi ionário entre os índios, e
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posteriormente chegou a conclusão de que a guerra que se lhes fazia era injusta. Atacar com o único propósito de con-: quistar pessoas que não tinham feito nenhum mal, dizia o clérigo, era pecado mortal, e portanto não deveria oferecer-se a consolação da penitência aos que dirigiam tais guerras e não se arrependessem disso. Logo as palavras do frei Gil fizeram eco entre os demais dominicanos e os franciscanos, e chegaram a negar a confissão aos que fomentavam guerras contra os índios. A situação era difícil para as autoridades, tanto civis como eclesiásticas, porque frei Gil e os seus tinham razão. Porém posteriormente, e depois de uma série de conflitos, se ateou fogo ao fogoso pregador mediante uma acusação de heresia porque tinha declarado que as futuras gerações espanholas sofreriam o castigo dos crimes que seus pais cometeram. Isto equivalia dizer que o pecado que se transmite de pais aos filhos não é só o original, mas também o atual, e tal opinião era herética. Com essa desculpa se lhe impôs silêncio, e no padre Gil González se afogou uma das vozes proféticas de sua época.
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IX A Flórida Não por serem
franceses, mas por serem luteranos. Pedro Menéndez de Avilés Não por serem espanhóis, mas por serem traidores, ladrões e assassinos. Dominique de Gouges
Desde muito cedo os espanhóis souberam que existiam extensas terras ao norte. Em 1513 Juan Ponce de León, governador de Porto Rico, recebeu uma cédula real que o autorizava a descobrir e colonizar a ilha que os espanhóis chamavam "Bímini", na qual se dizia que existia uma fonte maravilhosa cujas águas devolviam a juventude, ou pelo menos tinha surpreendente poder curativo. O resultado foi o descobrimento da Flórida, que recebeu esse nome porque os exploradores tomaram posse dela em nome do rei da Espanha na festa da Páscoa Flórida. Depois de navegar por ambas as costas da península, e ter alguns encontros violentos com os nativos, Ponce de León regressou a Porto Rico. Levava notícias de um poderoso cacique na costa ocidental da península (perto de onde hoje está a cidade de Tampa). Visto que os nativos falavam do cacicado de Calus, os espanhóis deram àquele cacique o nome de "Carlos", por tal nome se conheceu-o desde então. Vários anos mai taro ,Ponce de León empreendeu uma segunda expediç o orn o propósito de conquistar aquela terra supostament ri a. or m foi ferido pelos índios e morreu em Cuba em con oqi"1 nela di o.
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Don Juan Ponce de León. Estátua que se ergue em São João de Porto Rico
Em 1528 Pánfilo de Narváez, de quem já temos tratado ao falar de Cuba e do México, tentou conquistar o país. Sua expedição foi um fracasso no qual o próprio Narváez perdeu a vida. Oito anos mais tarde Alvar Núríez Cabeza de Vaca e outros três sobreviventes chegaram, cansados e maltrapilhos, aos territórios espanhóis do México.
A F/6rida
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Hernando de Soto explorou a reqiao em 1539 e 1540 porém não a colonizou. E a tentativa de Tristán de Luna em 1559 não durou mais do que dois anos. O desafio francês Foi a penetração francesa na região que obrigou os espanhóis a dar-lhe mais atenção. Enquanto não existia a ameaça francesa, as autoridades espanholas estavam mais interessadas no México e no Peru, de onde fluía mais ouro e prata. Porém a presença dos franceses poderia interromper as comunicações espanholas. E em todo caso todas essas terras supostamente pertenciam ao rei da Espanha por doação papal, e qualquer outro europeu era considerado um intruso. Para o cúmulo dos males desde o ponto de vista espanhol, os franceses que em 1562 se estabeleceram nas costas da Flórida sob o comando de Jean Ribaut eram quase todos huguenotes, isto é, calvinistas. Pouco tempo depois fundou-se outra colônia semelhante sob a direção de René de Laundoniere. Em resposta a tudo isso, a coroa espanhola comissionou a Pedro Menéndez de Avilés, que chegou a São Agostinho com uma forte esquadra e atacou aos franceses. Destes, os que não fugiram e foram depois mortos pelos índios, foram mortos pelos espanhois, que degolaram cento e trinta e dois soldados. Somente perdoaram as mulheres e os meninos menores de quinze anos. Ribaut não foi capturado nesta ocasião, pois estava ausente. Porém quando naufragou e se rendeu aos espanhóis, estes o mataram, assim como aos seus setenta e tantos companheiros. Menéndez de Avilés fundou então a cidade de São Agostinho, que a partir daí seria o principal baluarte espanhol na Flórida. Ribaut e os seus não ficaram sem vingança. O ousado francês Dominique de Gourges, que não era protestante porém amigo de Ribaut, preparou secretamente uma expedição que desembarcou na Flórida, no mesmo lugar da matança anterior, capturou um bom número de espanhóis, e os enforcou. Visto que Menéndez tinha dito que matava suas vítimas "não por serem franceses, mas por serem luteranos", Gourges deixou junto aos mortos um artao cm que dizia que os tinha enforcado "não por serem pantióis, mas por serem traido-
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res, ladrões e assassinos". Então, antes de que pudessem chegar reforços de São Agostinho, partiu para a França. Porém ainda ali o perseguiu a ira de Felipe II, que reclamava vingança contra ele, e teve então que passar escondido o restante de seus dias.
o empreendimento
espanhol
Menéndez de Avilés e seus lugar-tenentes fundaram várias colônias na Flórida, porém nenhuma delas, exceto São Agostinho, conseguiu prosperar. O clima era inclemente, e os nativos eram grandemente hostis. O ouro era pouco, e também pouco foi o número dos espanhóis dispostos a partir para essas terras. De fato, enquanto rapidamente a coroa teve que regulamentar a emigração para o México e para o Peru, para Flórida não iam mais que militares e missionários. Logo, a suposta colonização da região nunca passou de uma série de postos militares, cuja função era assegurar-se de que não se estabeleceriam ali outros europeus. Não é necessário relatar a história de todas aquelas missões, basta apontar o curso geral que seguiram. Os que mais de perto trabalharam com Menéndez de Avilés foram os jesuítas. Porém também houve missionários franciscanos e dominicanos. De modo geral, estes missionários se estabeleciam em algum lugar em que havia uma guarnição espanhola, e trabalhavam a partir desse centro. Porém o fato é que tanto os nativos como os espanhóis se mostravam receosos uns dos outros. Repetidamente se deram casos em que os espanhois matavam os índios porque temiam que estes os atacassem de surpresa. E os próprios missionários tão pouco se confiavam eles, a quem viam como selvagens matreiros. O resultado foi que em quase todos os lugares se repetiu a mesma história. Algum cacique se mostrava amistoso, e os missionários esperavam sua pronta conversão. Porém alguém dizia ou suspeitava de que a suposta amizade do cacique não era mais que um subterfúgio, e que os índios pretendiam destruir os espanhóis. Aí então se matava o cacique, ou se cometia algum outro ato violento. Posteriormente, a missão fracassava, e em muitos casos a própria guarnição, rodeada de índios hostis, era obrigada a partir. Em toda essa história, não faltaram mártires
A Flórida - 163
entre os missionários, até o ponto em que os jesuítas decidiram abandonar a empresa e dedicar seus recursos humanos a campos mais prometedores. Talvez o mais interessante projeto missionário desta época foi o colégio que Menéndez de Avilés se propôs fundar em Havana. O propósito daquele colégio seria educar nele os filhos dos caciques floridanos, e de outras terras, com a esperança de que aprendessem ali a fé cristã e mais tarde, casados com espanholas e de regresso a seus países, servissem para a conversão de seus povos. O que se esperava não era que aqueles filhos de cacique chegassem a ser sacerdotes, pois nessa época era proibido ordenar os índios. O que se esperava era que, visto que pertenciam às aristocracias locais, tais conversos tivessem muito peso em suas comunidades, e abrissem então o caminho para os missionários. Além do mais, dizia Menéndez, os discípulos de tal escola serviriam também como reféns que garantiriam a boa conduta de seus pais para com os espanhóis. Assim, naquele. projeto, como em todos os que empreendia a Espanha, o propósito missionário ia unido ao interesse de conquista e colonização. Da Flórida os espanhois passaram para territórios mais ao norte, em parte porque temiam as incursões dos ingleses, que começavam a mostrar interesse nestas regiões, eem parte porque esperavam encontrar climas mais temperados e índios menos hostis. Assim se estabeleceram postos militares avançados e missões em Guale (hoje Geórgia), Santa Helena (Carolina do Sul) e Ajacán (Virgínia). Toda essa expansão tinha sua base de operações em Havana, de onde se mandavam pessoal e alimentos, pois os postos estabelecidos naqueles territórios inóspitos nunca conseguiram abastecer-se a si mesmos. Em Ajacán ocorreu um trágico incidente que mostra as dificuldades do método missionário que Menéndez de Avilés se propunha seguir em seu coi gio. Naquelas terras escreveram os jesuítas suas esperança, pois foi oferecida a eles uma ajuda pelo irmão do caciqu. to jov m, que tomou o nome cristão de Luís, tinha sido arrancad de sua pátria pelos espanhois, e de algum modo f i I vndo r México. Ali se ofereceu para acompanhar e apoiar li1)1[1 1l1L,;'\ a sua nativa Ajacán
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A era dos conouistetiores
porém, quando a expedição chegou na região não poce encontrar o povo de Luís, e a falta de alimentos a obrigou a partir para a Espanha. Quatro anos mais tarde Luís partia de Havana com uma missão jesuíta, composta por dois sacerdotes, três irmãos e quatro catequistas. Chegados a Ajacán, ficou claro que o verdadeiro propósito de Luís era simplesmente regressar aos seus, e tinha-se oferecido para o trabalho missionário porque sabia que era esse o único método que teria para poder voltar a ver sua prátria. Todo o contingente missionário foi morto pelos nativos, exceto o catequista Alonso Méndez, que conseguiu escapar e por quem se teve finalmente notícia desses fatos. A colonização espanhola naquelas terras limitou-se às costas do Atlântico, exceto no caso da península floridana, em cuja costa ocidental os espanhois fundaram a cidade de Pesacola, por temor aos franceses que tinham-se estabelecido em Luisiana. Os postos de Ajacán, Santa Helena e Guale tiveram que ser abandonados diante do avanço das colônias inglesas. Pouco a pouco, durante o século XVII!, os espanhóis foram tomando verdadeiramente posse do interior da Flórida. Porém em 1763 tiveram que ceder esses territórios aos ingleses em troca de Havana, que tinha sido tomada por eles. Vinte anos mais tarde a Flórida voltou para mãos espanholas, porém em 1819 foi cedida formalmente aos Estados Unidos, queem todo caso havia já ocupado militarmente boa parte da região. Da presença daquelas antigas missões no continente norte americano não restou mais que a lembrança, algumas ruínas, e os esquecidos ossos dos missionários que ofereceram ali suas vidas.
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Vice-reinado
da Prata - 165
x O vice-reinado da Prata ... o ódio que têm (os encomendadores) aos padres da Companhia; pela razão de terem entendido e estarem persuadidos de que por eles estão privados das encomendas e serviços que poderiam ter para suas chácaras e fazendas com os índios do Paraná. Juan Blásquez de Valverde Os territórios que hoje constituem as repúblicas da Argentina, Uruguai e Paraguai foram os últimos de toda Hispano-América em que os conquistadores se estabeleceram permanentemente. Em busca de um estreito que o levasse ao Pacífico, Juan Diaz de Solís descobriu o Rio da Prata em 1516, porém sua expedição terminou tragicamente quando foi morto pelos índios. Quatro anos mais tarde, Magalhães deteve-se na região antes de continuar sua viagem para o estreito ao qual deu seu nome. E em 1526 Sebastião Caboto recolheu os sobreviventes da expedição de Díaz de Solís, que foram os primeiros a contar lendas das riquezas fabulosas que, segundo os índios, se encontravam para o oeste. Logo se formou o mito da "cidade encantada dos Césares", onde o ouro abundava e havia um rei branco. Igual às lendas do EI Dorado e das Sete Cidades de Ouro, atraíram os aventureiros de outras regiões, neste caso a busca pela cidade dos Césares impulsionou a exploração para o interior do país. Em 1535 Pedro de Mendozá fundou a cidade de Buenos Aires, porém logo teve de abandonar a empresa devido à falta de suprimentos a hostilidade dos nativos, que os espanhóis mesmo haviam provocado.
e
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Assunção Enquanto a expedição de Mendoza começava a sofrer dificuldades, um de seus lugar-tenentes, Domingo Martínez de Irala, penetrou no interior, e em 1537 fez construir um forte ao redor do qual foi fundada mais tarde a cidade de Assunção. Em 1541, os restos da expedição de Mendoza abandonaram Buenos Aires e foram estabelecer-se em Assunção, sob o comando do mesmo Alvar Núríez Cabeça de Vaca a quem temos visto caminhar desde a Flórida até o México. Porém, a guarnição se amotinou, depondo Cabeça de Vaca, e tomando por chefe Martínez de Irala. Ao que parece, Irala e os seus foram muito mais benévolos com os índios que a maioria de seus compatriotas em outras partes do continente. Talvez isso se deva, em parte, porque sabiam que dependiam deles para sua subsistência, e que estavam isolados de toda ajuda possível no caso de um ataque por parte dos nativos. Em todo caso, o caráter pacífico daquela primeira expedição em terras do Paraguai foi um fator do bom êxito que, posteriormente, tiveram as missões jesuítas nesse país. Assim, os espanhóis viveram em relação relativamente amistosa com os índios, e as raças foram-se misturando com o nacimento de um grande número de mestiços. Logo, quase todos os crioulos de Assunção sabiam tanto o espanhol como o guarani, que era a língua dos nativos daquela região. Apesar do episcopado de Assunção ter sido criado em 1547, por diversas razões o primeiro bispo não chegou senão somente em 1556. A nova diocese ficou sob a jurisdição da arquidiocese de Lima. Os espanhóis que se estabeleceram em Assunção trataram de marchar para o Ocidente em busca da cidade dos Césares, porém constataram que os territórios que se achavam nessa direção, que hoje pertencem à Bolívia, já eram parte das terras conquistadas a partir do Peru e que, portanto, lhes estavam vedadas. Tucumán Enquanto isso, Vaca de Castro, o governador do Peru,
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sugeriu a Carlos V, como um modo de desfazer-se dos muitos aventureiros que tinham invadido o país, que se empreendes, se uma nova expedição para o sudeste (o q ue é hoje o ocidente argentino). Com a licença do rei, a empresa foi confiada a Diego de Rojas, que contornou o lago Titicaca e desceu pela ladeira oriental dos Andes. Apesar de Rojas ter encontrado a morte em 1544, por uma flecha envenenada, o resultado dessa expedição foi o descobrimento e colonização de Tucumán. Pouco depois houve conflitos de jurisdição entre os espanhóis procedentes do Peru e os que vinham do Chile, pois ambos reclamavam a região. Por esta razão, e por ser um lugar afastado, Tucumán foi por um longo tempo um território violento, no qual vigorava a lei do mais forte. Quando finalmente se fundou a diocese de Tucumán, sob a jurisdição da arquidiocese de Lima, seu primeiro bispo, o dominicano Francisco de Vitória (que não deve ser confundido com o outro dominicano de mesmo nome que foi professor na universidade de Salamanca) tornou-se um digno pastor da grei, pois foi este o bispo violento de quem falamos anteriormente, que estava mais interessado no ouro que no seu pastorado, e que arrebatou um expediente de Santo Toríbio de Mogrovejo, e o jogou no forno de uma padaria. Quando frei Francisco renunciou em 1587, sucedeu-o o franciscano Hernando de Trejo, pessoa digníssima que se esforçou em aplicar as medidas reformadoras que tinham-se estabelecido, em Lima, sob a inspiração de Santo Toríbio. Foi também em Tucumán que trabalhou entre os índios São Francisco Solano, de quem já temos tratado. Buenos Aires Embora tenha sido fundada muito antes do que Tucumán e Assunção, Buenos Aires foi logo abandonada, e teve de ser fundada de novo em 1580, agora com tropas procedentes de Assunção sob o comando de Juan de Garay. Pouco depois chegou um forte contingente de franciscanos capitaneados por Juan de Ribadeneyra. A partir de então, os franciscanos ficaram com a responsabilidade ela vida eclesiástica da recémfundada cidade.
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Entretanto, Buenos Aires não estava destinada a prosperar rapidamente. Durante muito tempo não passou de uma pequena população, pois não tinha riquezas capazes de competir com os atrativos do México ou do Peru. Em 1617 Felipe III separou-a da jurisdição do Paraguai, e três anos mais tarde foi criada a diocese da Santíssima Trindade do porto de Buenos Aires. Porém, durante todo esse tempo a cidade continuou vivendo em grande parte do contrabando e do tráfico de escravos. Em 1725 contava somente com dois mil habitantes. Foi pelos fins do século XVIII, com a criação do vicereinado da Prata (1776), que Buenos Aires começou a ganhar importância, pois foi convertida em capital de um vasto território. As missões do Paraguai O mais interessante capítulo da história da igreja em toda essa região durante a "era dos conquistadores" foi o referente às missões jesuítas no Paraguai. Já vimos que, em outros lugares, tais como o norte do México, adotou-se a potítica missionária de reunir os indíos em povoados onde viviam sob a direção dos missionários. Em alguns casos isto se fêz à força, e em outros mediante a persuasão. Porém, em nenhum lugar atingiu o êxito conseguido no Paraguai. O precursor das missões jesuítas no Paraguai foi o franciscano Luís de Bolarios, Este chegou à Assunção em 1574, e dedicou-se a aprender os costumes e línguas nativas. Quatro anos mais tarde fundou o primeiro povoado missionário, onde reuniu meio milhar de índios. Pouco a pouco, com o apoio do governo civil, fundou cinco povoados ao redor da cidade de Assunção, cada um com várias centenas de índios. Seu propósito era utilizar a presença espanhola como exemplo e estímulo para os índios, mantendo, porém, suficiente distância entre estes e os colonizadores para evitar os abusos e desavenças que haviam ocorrido em outras tentativas semelhantes. A obra dos jesuítas inspirou-se na de Bolanos.e um dos principais instrumentos foi a tradução guarani do catecismo de São Toríbio, produto dos trabalhos de Bolafios.
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Porém diferentemente do franciscano, os jesuítas estavam convencidos de que os colonos e soldados espanhóis eram um verdadeiro impedimento para sua obra missionária, e portanto decidiram enfronhar-se mais para o interior do país, para regiões onde o europeu fosse quase desconhecido. Essa política ficou confirmada quando a missão entre os guaycurúes, que eram os índios que mais pareciam ameaçar a cidade espanhola, tornou-se a mais difícil e menos frutífera. Posteriormente os jesuítas entregaram suas missões entre estes índios aos sacerdotes diocesanos, e dirigiram-se mais para o interior do país. O principal promotor dessas missões foi o padre Roque Gonzáles, natural de Assunção, que falava o guarani com a mesma fluência do espanhol. Seu caráter, as vezes doce e ousado, permitiu-lhe penetrar em regiões onde antes nunca tinha sido visto um rosto branco. Em mais de uma ocasião, quando soube que os índios eram hosns, simplesmente dirigia-se à região e pedia para falar com o cacique. Desse modo ele e outros jesuítas foram ganhando a confiança dos nativos, e quando os convidaram a viver em povoados eles aceitaram. Os povoados assim fundados eram, na verdade, pequenas teocracias. Embora os índios elegessem seus chefes, todos eram supervisionados pelo missionário, que tinha a última palavra, não só em questões de moral e religião, mas também nos assuntos práticos da comunidade. O plano básico destes povoados era geralmente o mesmo. No centro havia uma grande praça, onde tinham lugar as reuniões, as procissões e as festas. Defronte à praça estava a igreja, com a residência do missionário. Havia além disso um armazém onde se guardavam os bens comuns, e um edifício à parte para as viúvas e os órfãos. Além dos edifícios necessários para oficinas, escolas, havia um bom número de construções enfileiradas pelas ruas, e em cada uma delas pequenos apartamentos para cada família. Boa parte da propriedade era tida como comum, se bem que era permitido aos índios ter pequenos terrenos particulares. Os animais, os aparelhos de lavoura, as sementes, etc.,
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eram propriedade de todo o povoado. Ainda que todos tivessem de trabalhar certo número de horas nos campos comuns, sempre havia tempo para os que se interessavam em artesanatos especiais, e os nativos chegaram a se tornar hábeis artesãos. Nalguns daqueles povoados, foram os índios que construíram os órgãos para suas igrejas. Porém, nem tudo era côr de rosa. Cada povoado estava rodeado de grupos de índios que se negavam a abandonar a vida anterior, e que incitavam os outros a voltar para ela. Os desertores foram muitos, porém a maior parte deles voltava finalmente à "redução". Em outros casos, os índios indômitos provocaram os outros à rebelião, e foi assim que perderam a vida Roque Gonzáles (que foi canonizado em 1934) e vários
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Crucifixo procedente do Paraguai. Ainda que de data posterior, reflete que apareceu nas missões dos jesuítas.
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companheiros seus. Os piores inimigos das reduções, sem dúvida, não eram os índios, mas os brancos, tanto espanhóis como portugueses. Estes últimos temiam que as missões jesuítas fossem um modo de extensão do poderio espanhol para terras brasileiras. Além do mais, a zona em que estavam as missões era precisamente o território que estavam acostumados a invadir para buscar escravos. Os espanhóis, por sua parte, se queixavam de que as missões lhes tiravam os índios que, de outro modo, trabalhariam em encomendas. Logo, ainda que aparentemente houvesse um conflito de fronteiras entre espanhóis e portugueses, o fato é que ambas as partes coincidiam em sua
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malquerência para com as aldeias dos jesuítas. Em 1628 os portugueses de São Paulo começaram a atacar as missões. Arrasavam povoados indefesos e levavam milhares de índios, para vendê-los como escravos. Em alguns casos os missionários acompanharam seus rebanhos em seu infortunado êxodo, até que os portugueses os obrigassem a regressar. O primeiro remédio que se buscou foi transferir as reduções para territórios que estavam claramente fora das fronteiras com o Brasil. Apesar do enorme trabalho que isso acarretou, não resolveu a situação, pois os paulistas simplesmente se enfronhavam ainda mais em territórios espanhóis. Diante dessa situação, os missionários decidiram armar seus paroquianos. As oficinas dos povoados se dedicaram a fabricar armas, e o irmão jesuíta Domingo de Torres, com um tiro de arcabuz, matou a um dos chefes paulistas. Então os portugueses se queixaram diante da corte espanhola, com o apoio mal dissimulado dos encomendadores. Porém o papa Urbano VIII excomungou os caçadores de índios, e Felipe IV declarou que eles eram livres e não eram sujeitos a escravidão. Além do mais, os jesuítas organizaram um exército índio de quatro mil homens que colocaram sob o comando do aguerrido irmão Torres. Em 1641, os jesuítas e seus índios derrotaram decisivamente os paulistas. Nesse mesmo ano, o rei rejeitou as queixas dos que acusavam os jesuítas de haver armado os índios, e declarou que tinham o direito de fazê-lo, sempre que fosse em defesa própria. O futuro das missões, parecia assim assegurado. A partir de então, o número e população dos redutos jesuítas aumentaram prodigiosamente, e em 1731 chegou a contar com 141.242 índios batizados. Tratava-se da mais vitoriosa tarefa missionária levada a cabo naquela "era dos conquistadores", e teve lugar graças ao valor e a firmeza de um grupo de conquistadores espirituais que se negaram a deixar levar-se pelo atrativo do apoio militar espanhol. Porém a oposição às missões não cessou. Comentava-se que os jesuítas escondiam grandes quantidades de ouro em seus povoados. Uma longa série de investigações sempre provou o contrário, porém repetidamente havia quem revivesse a história e desse lugar a novas suspeitas e pesquisas. Além
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do mais, dizia-se que os jesuítas pretendiam criar uma república independente, e até se disse que eram governados por um rei, "N icolas I do Parag uai". Além do mais, essa era a época em que os jesuítas tinham caído em desgraça na corte espanhola e noutras. Finalmente, em 1767, foi decretada a expulsão dos jesuítas de todas as colônias espanholas. O governador Francisco de Paula Bucarelli tomou consigo um forte batalhão, temendo levantes ao fazer cumprir essa ordem. Porém os jesuítas fizeram todo o possível para que seus povoados passassem aos outros missionários em paz e harmonia. Supostamente, os franciscanos e dominicanos deveriam continuar aquele trabalho. Porém, eram poucos os missionários que essas ordens podiam dispor, sobretudo porque os jesuítas haviam deixado vazios por todos os lados. Pouco a pouco, os povoados foram se despovoando. Os administradores nomeados pelas autoridades civis começaram a explorar os índios, que perderam sua confiança nos novos missionários. Os índios se queixaram diante da coroa, porém ninguém lhes deu atenção. Assim, começaram novamente as incursões escravagistas dos paulistas, e não faltaram outras por parte dos espanhóis. Já em 1813, as antigas missões estavam reduzidas a um terço do que tinham sido na época de sua maior glória. Assim foi desaparecendo aquele empreendimento que, em seus melhores momentos, escreveu belas páginas na história da obra da igreja em prol dos desapossados e perseguidos.
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Os portugueses na Africa e no Oriente
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XI Os portugueses na África Há aqui clérigos e canónicos tão negros como o piche, porém tão educados, com tanta autoridade, tão instruídos, tão bons músicos, tão discretos e tão justos, que bem merecem a inveja dos de nossas próprias catedrais António Vieira Foi no século XIII, mais de duzentos anos antes de Castela, que Portugal completou seu processo de reconquista contra os mouros. A partir de então, o único caminho da expansão que restava era o mar, pois os castelhanos logo deram mostras de não estarem dispostos a permitir que o reino vizinho estendesse seu território às custas deles. Portanto, Portugal lançouse ao mar. Na primeira metade do século XV, o príncipe Henrique, o Navegante, deu grande impulsão a exploração da costa ocidental africana. Sob seus auspícios, e depois de quatorze tentativas falidas, marinheiros portugueses conseguiram passar além do Cabo Bojador, e explorar a costa até Serra Leoa. Embora o que tenham conseguido conhecer não fosse mais que uma margem do continente africano, isto deu motivação para novas explorações, que continuaram ainda depois da morte de Henrique em 1460. Os motivos que impulsionavam essa empresa eram vários. Um deles a esperança d h gar à fndia, e aos demais territórios onde se podia obt r o. r> iciarias, navegando assim ao redor da África, ou enc nl',IIHlo lima rota através desse
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Vasco da Gama
continente, porém além dos limites do poder dos mulçumanos, que nessa época dominavam quase toda a costa africana. Outro motivo propulsor de tais experiências era o desejo de estabelecer contatos e alianças com a Etiópia. Repetidamente chegavam a Europa informações vagas de um grande reino cristão que se encontrava do outro lado dos mulçumanos, e isto criava esperanças de que, estabelecendo contato com esse reino, fosse possível lançar uma grande cruzada conjunta que de uma vez por todas pusesse fim à ameaça do Islã. A tudo
Os Portugueses
A nave capitânea da esquadra d
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isso se somava a curiosidade, pois as notícias que chegavam com os exploradores sobre uma terra em que abundavam aves vistosas e bestas selvagens, e na qual os seres humanos tinham costumes extravagantes, despertavam os portugueses a perguntar ainda mais sobre as regiões distantes. Por último, logo somou-se o nefando motivo do tráfico de escravos, o ouro negro manchado de sangue. Em 1487 Bartolomeu Dias contornou o Cabo da Boa Esperança, e entre 1497 e 1499 Vasco da Gama subiu pela costa oriental do continente, atravessou o Oceano índico até a .índia, e regressou a Portugal com provas concretas de que era possível chegar às fndias por esse rumo. Como temos dito, quando os reis católicos confiaram a Colombo a busca do suposto caminho marítimo para as índias que hoje é a América Central, deram-lhe uma carta para Vasco da Gama, com quem ele esperava reunir-se nas índias.
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Congo
Em 1483 o marinheiro português Diego Cão descobriu a desembocadura do Congo, e recebeu notícias de que esse território, e boa parte do interior do país, pertencia a Manicongo, cujo nome era Nzinga Nkuwu. A esperança de estabelecer contato com a Etiópia o fêz tratar os súditos do Manicongo com todo respeito. Ali ficaram quatro portugueses, porém Cão levou consigo quatro africanos, em parte como hóspedes e em parte como reféns para garantir a vida dos quatro portugueses que tinham ficado. Em Lisboa, o governo lusitano tratou os africanos com todas as honras, e quando estes regressaram a seu país pouco mais de um ano depois contavam maravilhas sobre os portugueses. Manicongo ofereceu aliança à corte portuguesa, e esta respondeu enviando um contingente de missionários e artesãos. No mesmo mês, Nzinga Nkuwu fêz-se batizar, e tomou o nome de João, que era o nome do rei de Portugal. Ao mesmo tempo, os portugueses ajudavam seus aliados a derrotar seus vizinhos mais belicosos. Essa aliança se fortaleceu nos tempos do filho de João, Afonso, que havia sido educado por missionários e era cristão sincero. Afonso foi um governante cujo principal erro foi con-
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fundir a pregação cristã com a vida real dos portugueses, e consequentemente confiar em demasia nestes últimos. Diante dos domínios do Manicongo estava a ilha de São Tomé, colonizada pelos portugueses sob a direção de Fernão de Melo. Os colonos dessa ilha tinham descoberto que seu terreno era muito propício para o cultivo da cana de açúcar. Porém para dedicarem-se a esse cultivo necessitavam de mãode-obra barata, que obtinham tomando escravos do continente africano. Nos territórios do Manicongo, por outro lado, sempre tinha existido a escravidão, porém de um modo menos sub-humano da que era praticada pelos brancos. Em todo caso, Melo fêz o quanto pode para minar as boas relações entre o Congo e os portugueses, pois desse modo se beneficiaria com seu tráfico de escravos. Repetidamente os de São Tomé se interpuseram nas mensagens de Manicongo para Lisboa, e fizeram ver aos europeus que os africanos não eram senão selvagens, indignos de qualquer crédito. Às dificuldades surgidas dessa situação somou-se a má qualidade dos missionários enviados ao Congo para ajudar a substituir os que foram enviados primeiro. Muitos se dedicaram ao tráfico de escravos. Outros se negaram a viver nas casas monásticas construídas para eles, e insistiram em viver em suas próprias casas, onde tinham concubinas e filhos. O que sucedera foi que nos últimos anos Portugal tinha conseguido, por fim, estabelecer contato comercial com o Oriente, e tanto o governo como a igreja perderam seu interesse no Congo. Finalmente, o novo rei de Portugal, Manuel, respondeu às queixas de Afonso com um Regimento no qual dava instruções detalhadas sobre o modo pelo qual os portugueses deveriam se comportar no reino aliado. Porém ninguém lhe prestou grande atenção, pois o tráfico de escravos e o cultivo da cana de açúcar eram negócios d v ras lucrativos. Apesar de tudo isso, Af n ontinuava firme tanto em sua fé cristã como em LI'" confiança na boa vontade dos europeus. Em 1520, d pi' cJ( IOI)()é1 gestões, o papa Leão X consagrou como bisp J Hill () .onqo. Henrique, irmão de Manicongo. Porém, d r ÇJt( ~ :;0 II :;( lt país, o novo prelado se
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encontrou com a triste situação dos clérigos europeus que não lhe faziam caso algum. Henrique morreu em 1530, e dois anos mais tarde São Tomé foi feito bispado, com jurisdição sobre o Congo. Tudo isso foi aceito por Afonso. Porém com sua morte surgiram longas guerras de sucessão do trono, e parte do que estava em jogo nelas era o papel dos portugueses no país. Em 1572, o manicongo Alvaro declarou-se vassalo da coroa portuguesa, e desse modo o país continuou tendo uma certa autonomia até 1883. Enquanto isso, aquela aliança que tinha começado de maneira tão prometedora, e a missão que a acompanhou, tinham caído em ruínas. Os portugueses não estavam já tão interessados em chegar a Etiópia através do Congo, pois tinham contornado o Cabo da Boa Esperança e estabelecido contato direto com o Oriente. A partirde então, aÁfrica mudou de aspecto para eles, e começaram a vê-Ia, não já como um objetivo digno de atenção, mas como um obstáculo que era necessário saltar para chegar ao Oriente, e como uma fonte de escravos para as novas colônias do Brasil. Angola
Em parte devido as dificuldades com Manicongo, os portugueses começaram a interessar-se pelos territórios de Ngola, um pouco mais para o sul. Nessas terras, conhecidas hoje como Angola, os lusitanos seguiram um plano de campanha distinto do que tinham seguido no Congo, pois se dedicaram a impôr sua vontade na região. Parte do que sucedia era que os traficantes de escravos, buscando maiores lucros, utilizavam o território de Angola para burlar o monopólio que Manicongo tinha sobre o comércio humano que passava por seus dornínios. Por essa razão, fortes interesses faziam todo o possível para evitar que se estabelecesse uma aliança com Ngola. Posteriormente, o território foi transformado em uma colônia portuguesa. Porém ainda assim Portugal não tinha grande interesse nessas terras. Só aspirava obter delas escravos para a América, e refúgio para seus barcos que comerciavam com o Orien-
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te. Para Angola, como para o Congo, foi o pior de Portugal, tanto em termos do governo civil, como do religioso. O interior do país não era visto senão como o lugar de onde procediam os escravos, de modo geral capturados e trazidos até perto da . costa por outros africanos. Conseqüentemente, foram poucos os brancos que penetraram na região com essa finalidade, e muito menos os que o fizeram com algum propósito altruísta. Moçambique Embora Bartolomeu Dias tivesse rodeado o Cabo da Boa Esperança há mais de dez anos antes, não foi senão em 1498 que Vasco da Gama e os seus ancoraram na baía de Moçambique. O que tinha sucedido era que o governo português tinha esperado ter notícias de outra expedição enviada ao Oriente por via terrestre. Os resultados desse experimento convenceram a corte de Lisboa de que a via marítima era melhor, e foi por isso que enviaram Vasco da Gama . . Quando ele chegou a Moçambique, encontrou boa parte da costa oriental da África nas mãos dos muçulmanos. Depois de bombardear a cidade, seguiu caminho até Mombasa, onde fêz o mesmo. Por fim, mais ao norte, encontrou boa acolhida em Malindi, rival das outras duas cidades, e estabeleceu com ela uma aliança que perduraria por muito tempo. Depois de receber as informações de Vasco da Gama as autoridades lusitanas decidiram que era necessário enviar uma forte esquadra para a região, para estabelecer a hegemonia portuguesa e assim garantir a segurança de seu comércio. Em 1505 enviaram Francisco de Almeida com vinte e três navios e ordens no sentido de que, a caminho da fndia, estabelecesse o poderio português na costa oriental da África. Em cinco anos, toda essa costa reconhecia a hegemonia portuguesa. Quando, em 1528, Mombasa começou a duvidar dessa hegemonia, foi arrasada uma vez mais, e a partir daí a resistê ncia foi pouca. Em 1506 chegaram os primeiros sacerdotes a Moçambique, e desde então sempre os houve nessa colônia portuguesa. Porém, de modo geral não se tratava de missionários, mas de capelães cuja principal função era servir o contingente
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Mapa da África, do ano de 1497.
português que servia de guarnição nos diferentes fortes. Quando, em 1534, foi fundado o episcopado de Goa, na fndia, toda a costa oriental da África ficou debaixo de sua jurisdição. Pouco a pouco, os missionários, especialmente os jesuítas e os dominicanos, penetraram pelo país. O mais famoso herói dessa empresa foi o jesuíta Gonçalo da Silveira, que se aprofundou até Zimbabwe em busca de seu rei, o monomotapa, ao qual converteu e batizou. Porém, certos comerciantes africanos, temendo o impacto do sacerdote, disseram ao rei que o missionário não era senão um espião e um feiticeiro, e o recém batizado resolveu matar seu mestre. Este soube da trama que se fazia contra ele, e apesar disso decidiu permanecer no país, onde foi estrangulado enquanto dormia. Depois dele foram muitos os missionários que perderam a vida nos próximos cinqüenta anos. Porém apesar disso, o fato é que a maioria do clero não se interessava pelos africanos, e que com
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isso refletia a atitude do próprio Portugal, cujo interesse se concentrava no Oriente mais do que na África. Como em tantos outros lugares, aquela igreja não soube distinguir entre sua fé e os interesses coloniais._Se bem que logo se ordenassem sacerdotes, e até um bispo, africanas, e que muitos deles se mostraram digníssimos de seus ministérios, também é certo que, se esperava de tais sacerdotes africanos que tudo fosse conduzido segundo os interesses comerciais e políticos de Portugal. Na África como na América, a cruz chegou com a espada e, com demasiada freqüência, a espada foi usada de modo mais sutil possível, para dominar ou contentar aos que, de outro modo, possivelmente teriam se sublevado.
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XII Em direção ao nascer do Sol Não foi pequeno o mérito que adquiriram na China os padres, e por conseguinte a religião cristã, pelos muitos livros de nossa ciência e das leis dos nossos reinos ... A isto acresça-se que os padres sempre tinham em sua casa um bom mestre de literatura chinesa, e que trabalhavam dia e noite estudando essa literatura. Matteo Ricci Quando, no início dos descobrimentos de Colombo, o papa repartiu o mundo não cristão entre a Espanha e Portugal, a este último coube não só a África, que já vinha sendo explorada desde há muito tempo, mas também todo o Oriente, que era o objetivo para o qual se tinha dirigido boa parte da exploração da costa africana. Com o regresso de Vasco da Gama, a coroa portuguesa empreendeu a tarefa de colonizar os imensos e riquíssimos territórios que, segundo o papado, lhe correspondiam. Porém, logo ficou claro que a pequena nação ibérica, com uma população de aproximadamente um milhão de habitantes, nunca poderia apoderar-se da fndia, Japão ou China. Visto que, por outro lado, nesses países abundavam produtos de alto preço na Europa, tais como a seda e as especiarias, logo se decidiu seguir uma política, não de conquista, mas de comércio. Porém tal negócio seria muito mais lucrativo se os portugueses conseguissem monopolizá-lo. Para isso era necessário
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estabelecer toda uma rede de postos comerciais, maríti mos e militares que ao mesmo tempo em que lhes permitisse tratar com o interior desses territórios, impedisse aos seus rivais de outros países europeus o acesso. Com esse propósito os portugueses fizeram fortes em uma série de pontos estratégicos. Além de ter as bases africanas as quais já nos referimos, abriram caminho para o noroeste, pelo Mar Vermelho, apoderando-se de Socotra, Ormuz e Adén. Na fndia tomaram e fortificaram a cidade de Goa, e no Ceilão fizeram o mesmo com Colombo. Pouco depois, sua presença em Malaca abria caminho para a China aos europeus ousados que chegaram mais tarde. Por último, na mesma China, Macau lhes servia como centro de comércio com essa enorme nação. Muitos desses lugares foram tomados pela força, e em outros, como Macau, os portugueses puderam estabelecer-se porque assim o desejavam as autoridades do país, que queriam traficar com eles. Porém ainda onde teve lugar uma conquista armada, o desejo dos lusitanos era estabelecer com os nativos uma relação pacífica, que permitisse as transações económicas que desejavam realizar. Em todos os lugares acima mencionados, e em outros para onde foi estendendo-se a influência portuguesa, logo houve sacerdotes e igrejas. E se conseguiram também alguns convertidos entre os habitantes nativos, especialmente na fndia, onde algumas das castas mais baixas viam na nova fé uma presença de libertação. Todavia a maioria dos portugueses se ocupava pouco com a conversão dos nativos, ou com sua própria fé. São Francisco Xavier Foi então que apareceram em cena os jesuítas, cuja ordem acabava de ser fundada. O rei João III de Portugal, a quem tinham chegado notícias dos ideais e do zelo da nova ordem, solicitou de Roma que seis jesuítas fossem enviados às suas colónias do Oriente. Loyola respondeu que somente contava com dois irmãos disponíveis, e finalmente decidiu-se que Francisco Xavier fosse um dos enviados. Este se dispas a
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partir imediatamente, sem gastar mais tempo do que o necessário para remendar sua batina. O impacto dos jesuítas em Lisboa foi tal, que o rei quis retê-los em sua capital, e decidiu-se que um deles permanece- . ria ali, e o outro, Francisco Xavier, empreenderia a missão para o Oriente. Em abril de 1541, saiu de Lisboa o missionário, armado com o título de Núncio Apostólico para o Oriente. Durante a travessia, Xavier deu mostras de seu zelo missionário, particularmente na ilha de Socotra, onde dedicou-se a evangelizar os nativos mediante sinais, pois não conhecia o .idioma. Ao chegar em Goa, em maio de 1542, os costumes dos supostos cristãos do lugar o escandalizaram, e foi então que pela primeira vez utilizou um método que logo o faria ficar famoso. Saía com uma campainha pelas ruas, convidando as crianças a seguir-lhe. Levava-as, então, para a igreja, onde lhes explicava o catecismo e os ensinos morais da igreja, e as enviava a seus lares para que falassem aos seus pais aquilo que tinham ouvido. Desse modo, Xavier foi abrindo caminho pela cidade, Logo os adultos vieram a escutar suas pregações inflamadas. E a isso seguiram-se cenas de arrependimento, e renúncia aos prazeres, que recordavam os tempos de Savonarola em Florência. Todavia não era para pregar aos portugueses que o missionário tinha ido para a índia. Sua estada em Goa não eram mais que um interlúdio enquanto se preparava para marchar para outras regiões. Próximo dali havia uma extensa zona, chamada de a Pescaria porque era rica em pérolas. Muitos dos nativos dessa região tinham se convertido, e logo tinham ficado abandonados, carentes de alguém que os guiasse na vida cristã. Os únicos cristãos aos quais viam eram os comerciantes de pérolas, que os visitavam de vez em quando, e cujo exemplo deixava muito a desejar. Depois de cinco meses em Goa, preparando-se para continuar sua missão, Xavier foi até Pescaria, acompanhado de dois jovens clérigos que conheciam a língua da região. A princípio eram esses dois acompanhantes quem pregavam ou traduziam o que o jesuíta dizia. Porém Xavier tinha um surpreendente dom de línguas, e logo pode sair pelas aldeias com
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sua famosa campainha, chamando a todos para escutar seus ensinos. Os convertidos eram milhares. De outras aldeias próximas vinham petições solicitando que o missionário fosse até elas. Diante da impossibilidade de responder a todas, Xavier adestrou alguns convertidos, que foram por toda a região pregando e batizando. Logo houve quarenta e cinco igrejas nas outras aldeias. De Pescaria, Xavier passou à região de Travancore, onde o potentado que se chamava o Grande Monarca recebeu-o cortesmente. Quando, algum tempo depois, o exército de um território vizinho marchou contra Travancore, Xavier saiu ao seu encontro, armado somente de seu crucifixo, sua fé e sua voz de trovão, e os ameaçou com tal zêlo e persuasão que fugiram apavorados. A partir de então, foram milhares os que se converteram. Em outras regiões os potentados e os da casta sacerdotal perseguiram os cristãos, tanto por razões religiosas como porque viam neles agentes dos intrusos portugueses. O próprio Xavier foi atacado e ferido a flechadas, porém conseguiu sobreviver. Muitos hindús foram para o martírio com um gozo que recordava o dos cristãos do primeiro século. Contra os potentados que perseguiam os convertidos, Xavier tratou de empregar o poderio militar português. Porém os interesses comerciais se interpuseram, e a projetada invasão nunca ocorreu. Se bem que Xavier nunca tenha empunhado armas para sua própria defesa, também é certo que apelou a elas, ainda que sem êxito, para a defesa de outros cristãos. Em 1546, depois de deixar com outras pessoas a responsabilidade da obra na índia, embarcou para Malaca, onde aprendeu o idioma malayo, e de onde passou depois para as Molucas. Ali se inteirou de uma ilha cujos nativos, depois de abraçar o cristianismo tinham se tornado apóstatas e canibais. Para lá foi o valente missionário, e a primeira coisa que viu ao desembarcar foi um montão de nove cadáveres de portugueses, atirados pela praia. Porém apesar disso penetrou na ilha, fêz contato com os nativos, e lhes falou com tal doçura, firmeza e inspiração que se arrependeram e lhe pediram que lhes
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enviasse quem os ajudasse a manterem-se na fé cristã. Das Molucas, Xavier regressou a Malaca, e dali para Goa, onde devia atender a suas obrigações como núncio apostólico. Além do mais, desde algum tempo antes já havia estabelecido contato com alguns japoneses que lhe pediram que fosse a seu país, e antes de aceitar a esses ped idos, e assi m distanciar-se ainda mais de sua base de operações em Goa, era necessário regressar a ela. Finalmente, em 1549, pode partir para o Japão, acompanhado dos três japoneses que o haviam convidado, e de outros jesuítas. Naquele império insular esteve o missionário por mais de dois anos, e o número de convertidos, além da amável acolhida que recebeu, levaram-no a pensar que havia fincado as bases do que logo seria uma florescente igreja. Não podia imaginar que pouco depois de sua morte, por uma complexa série de razões, se desataria no país uma violenta perseguição que quase faria desaparecer sua obra. (De fato, a igreja japonesa pareceu ter sido completamente destruída, até que, três séculos mais tarde, outros missionários descobrissem que ainda restavam na região de Nagasaki uns cem mil cristãos, resultado da missão de Xavier e seus compaheiros).
Morte de São Francisco Xavier. Óleo sobre tela de Gregório Vázquez Cebollo, Museu de Arte Colonial da Colômbia.
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Do Japão, Xavier regressou a Malaca, onde recebeu notícias de que se havia criado uma nova província jesuíta, que compreendia todo o território ao oeste do Cabo da Boa Esperança, exceto a Etiópia, e que ele tinha sido nomeado superior dessa província. Visto que esse cargo deixava sobre seus ombros novas responsabilidades, o infatigável missionário teve que adiar por algum tempo o sonho dourado que abrigava em seu coração: pregar o evangelho na China. Finalmente, em 1552, pode empreender sua anelada viagem. Antes de partir despediu-se de Goa, depois de escrever ao rei de Portugal: "O que nos enche de entusiasmo é que Deus mesmo tem inspirado em nós este pensamento ... e que não duvidamos de seu poder, que sobrepuja infinitamente ao rei da China". Entretanto não foi dado ao intrépido pregador penetrar nesse país. As autoridades o impediram, e ele viu-se obrigado a permanecer na ilha de Sanchón, às portas daquele vasto império, onde morreu. Os métodos missionários de Xavier foram muitos e extremamente complexos. Exteriormente, o que quase sempre se via ele fazer era sair à rua com sua campainha, ganhar aos pequenos, e através deles a seus pais. Além do mais, seu dom de línguas era extraordinário, pois poucos meses depois de estar em algum país podia ensinar o catecismo e pregar no idioma da região. Seu zelo e caráter por vezes doce e fogoso lhe abriam portas e lhe permitiam fazer caso omisso de obstáculos e perigos que de outro modo talvez fossem insolúveis. Pouco depois de sua morte se contavam numerosos prodígios feitos por ele, ou pelos pregadores nativos que enviara às aldeias. Seu espírito de pobreza e de amor aos pobres e aos oprimidos, se pode manifestar repetidamente, e com isso ganhou o respeito de muita gente que odiava os comerciantes e os militares portugueses. Porém, ao mesmo tempo temos que dizer que, carente de recursos humanos, e impulsionado sempre por seus desejos de pregar em novos lugares, muitas vezes Xavier fez pouco pela instrução religiosa dos convertidos. Houve dias em que, segundo ele mesmo conta, balizou a dez mil pessoas. Depois marchava a outros lugares, uma v LOS deixando com outro
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clérigo a responsabilidade daquela missão, e outras vezes não, por não ter pessoal suficiente. Além do mais, mesmo que aprendesse os idiomas dos lugares em que visitava, não dava mostras de sentir verdadeiro respeito por sua cultura. Quando alguém era batizado, era lhe dado um nome "cristão", isto é, português e lhe vestiam de roupas "cristãs". Ao que parece, muitos dos convertidos de Xavier entendiam que ao batizarem-se haviam não só se tornado discípulos de Jesus Cristo, mas também súditos da coroa portuguesa. Tais métodos, que deram resultados nas regiões da América onde a presença européia esmagou a cultura do país, criavam grandes dificuldades naquelas regiões da Ásia em que existiam civilizações muitíssimo mais antigas que a ocidental, e desse ponto de vista os europeus não eram mais que uns bárbaros que visitavam seus domínios. A questão da acomodação Tudo isso se apresentou com a chegada ao Oriente de uma nova geração de missionários jesuítas. Ainda que estes foram muitos, os dois mais notáveis foram Roberto de Nobili e Mateo Ricci. O primeiro trabalhou na lndia, e o segundo na China. Nobili era um jesuíta de origem italiana que, de modo semelhante ao de Xavier, passou ao Oriente com permissão das autoridades portuguesas. Praticamente toda sua carreira transcorreu na [ndia, primeiro na Pescaria e depois na região de Madaura. Na Pescaria, Nobili se apercebeu que uma das razões pela qual aquelas pessoas estavam dispostas a converterem-se era que isso as livrava do lugar de inferioridade em que as colocava o sistema de castar hindú. Porém, ao mesmo tempo isso queria dizer que as castas superiores associavam a fé com os intocáveis e outras pessoas indesejáveis, e conseqüentemente não estavam dispostos a escutar os missionários. Nobili decidiu então seguir em Madaura um método diferente. Ele mesmo dizia que era de origem nobre da Itália, e que portanto em seu país de origem pertencia às classes mais elevadas. Vestia-se como os brâmanes e dedicou-se a estudar
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Mateo Ricci
o sânscrito. Ao mesmo tempo que conservava seus votos monásticos, seguia também a dieta vegetariana dos hindús, e
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se fazia chamar pelo título honorífico de "mestre". Além do mais, começou a dar passos para que se autorizasse a celebração da missa em sânscrito. Quando finalmente conseguiu alguns convertidos entre as castas superiores, determinou que em sua igreja somente poderiam entrar os que pertenciam a elas. Desse modo Nobili esperava converter primeiro os poderosos e, através deles, tentaria a conversão do resto do país. Segundo ele, ainda que o sistema de castas fosse mau, tratavase de uma questão cultural e não religiosa, e conseqüentemente os missionários não deveriam opôr-se. Pelo contrário, era necessário respeitar a cultura dos hindus, e utilizar o sistema de castas para a pregação do evangelho. Naturalmente, o que deveria se perguntar é se no final de contas a justiça e o amor não são parte integrante do evangelho, e se este não se desviava quando, com o fim de ganhar mais adeptos, se negavam elementos tão essenciais de sua mensagem. Por isso, os métodos de Nobili criaram controvérsias, até que foram condenados por Roma no século XVIII.
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mapa do mundo de Ricci
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Mateo Ricci seguiu na China uma política parecida com a de Nobili na lndia, se bem que não chegou a extremos. A China se mostrava hermeticamente fechada, pois não permitia a europeu algum penetrar nela. Pouco depois da morte de Xavier, um franciscano espanhol procedente das Filipinas declarou, depois de tentar pregar nesse país, que "com ou sem soldados, querer entrar na China é como tentar chegar a Lua". Porém, apesar disso os jesuítas não abandonaram o sonho de Francisco Xavier. Compreendendo que a China era um país altamente civilizado, acostumado a tratar o resto do mundo como bárbaros, chegaram à conclusão de que o único modo de poder fazer algum impacto ali seria mediante o total conhecimento tanto do idioma como da cultura do país. Portanto, nas próprias fronteiras da China, um grupo de jesuítas se dedicou a tais estudos. Pouco a pouco os chineses de Cantão foram se convencendo de que aqueles europeus, diferentemente de muitos outros aventureiros que vinham em busca de riquezas, eram dignos de estima. Finalmente, depois de uma longa série de gestões, lhes foi dado permissão para estabelecerem-se na capital provincial de Chaochín, porém não para viajar por outras regiões do país. Dentro daquele pequeno grupo de missionários encontrava-se o italiano Mateo Ricci. Após unir-se a Sociedade de Jesus em 1571, e estudar em Portugal, foi enviado ao Oriente pelas autoridades desse país. Quando foi nomeado missionário para a China, Ricci dedicou-se assiduamente ao estudo de seu idioma e seus costumes. Logo se apercebeu de que entre os chineses se dava grande valor à erudição e, conseqüentemente, dedicou-se tanto a estudar a literatura chinesa como a dar a conhecer aos chineses algo de seus próprios conhecimentos de matemática, astronomia, e geografia. Pouco a pouco, foi-se tornando conhecido como um erudito. Seu mapa do mundo e os relógios que construía granjearam-lhe a admiração por muitas pessoas. Seu tratado Da Amizade, escrito em chinês segundo as normas da literatura chinesa, foi muito bem recebido. E logo circularam notícias sobre o "sábio do Ocidente", e muitos chineses cultos acorriam para conversar com ele,
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A cidade de Pequim nos tempos de Ricci
e assim discutir sobre astronomia, filosofia, e religião. A corte imperial começou a interessar-se no autor do mapa que falava de mundos até então insuspeitáveis, e que explicava os movimentos dos corpos celestes segundo princípios matemáticos. complicadíssimos, mas que pareciam corretos. Finalmente, em 1606, foi convidado à corte imperial de Pequim, onde o governo lhe deu facilidades para construir um grande observatório, e onde permaneceu, até sua morte, em 1615.
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culto aos antepassados
A estratégia de Ricci consistiu em penetrar na China sem tratar de ganhar grande número de convertidos, pois temia que de outro modo as autoridades o expulsassem do país. Repetidamente dizia a seus chefes que na China se ganhariam mais pessoas mediante a conversão privada que com a pregação aberta. Além do mais, nunca fêz construir uma igreja ou capela alguma. Seu púlpito era o salão onde ele e seus amigos se reuniam para estudar e conversar. Com sua morte, deixou um pequeno núcleo de conv rtidos, todos da classe mais alta da sociedade chinesa. Por m sua pregação não tinha penetrado nas demais classes sociais. Depois da morte d Ri ci, a autoridades chinesas seguiram nomeando outros je ulta pc ra que fossem seus astrônomos e relojoeiros ofici i . f1011CO a pouco foi aumentando o número de convertido. ont« o'; chineses. e antes do final do século eram por volt d( :dOlllllll: centenas de milhares.
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Semelhantemente, como no caso de Nobili, os métodos de Ricci deram lugar a longas disputas entre os católicos, ainda que o motivo não fosse as castas sociais, e sim a veneração aos antepassados e a Confúcio. Os jesuítas diziam que tal veneração não era senão um costume social, que mostrava o respeito para com os antepassados. Seus opositores, na maioria dominicanos e franciscanos, alegavam que era idolatria. Além do mais, entre ambos os partidos se discutia qual de dois termos chineses deveria se empregar para referir-se ao Deus cristão. Quando o imperador da China se inteirou de que a disputa havia chegado ao papa, mostrou-se ofendido de que alguém pudesse pensar que um bárbaro europeu, que nem sequer sabia uma palavra de chinês, fosse capaz de ensinar aos chineses como falar seu próprio idioma. Porém o que não se discutiu no caso da China, e sim no caso da lndia. era se se pregava verdadeiramente o evangelho quando era apresentado de tal modo que não parecia incluir palavra alguma de juízo sobre as estruturas sociais existentes. Um cristianismo adaptado ao sistema de castas, merece verdadeiramente o nome de tal? Essa pergunta, apresentada em tais termos na [nela, seria uma das perguntas fundamentais que os cristãos teriam de se fazer nos séculos vindouros.
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o Brasil Se os índios tivessem uma vida espiritual, reconheceriam seu; Criador e sua vassalagem à Sua Majestade e a obrigação de obedecer aos cristãos ... os homens (portugueses) teriam escravos legítimos capturados em guerras justas, e também teriam o serviço e a vassalagem dos índios das missões. A terra estaria povoada de colonizadores. Nosso Senhor ganharia muitas almas e Sua Majestade receberia grandes lucros dessa terra. Manoel da Nóbrega O primeiro europeu a navegar pelas costas do que hoje é o Brasil foi Vicente Yanez Pinzón, em princípios de 1500. Porém, nesse mesmo ano, o português Pedro Álvares Cabral partiu de Lisboa com uma forte esquadra com destino às fndias. Seguindo instruções do Vasco da Gama, no sentido de que evitasse as calmarias da costa africana. Álvares Cabral desviou-se para o ocidente, e em 22 de abril seus vigias avistaram a costa brasileira. Depois de explorar a região por alguns dias, a frota continuou o caminho para a fndia, porém não sem antes enviar um navio de regresso a Portugal, com notícias detalhadas das terras descobertas e de seus habitantes. Segundo o que fora acertado entre Espanha e Portugal, e aprovado pelo papa, aquelas terras ficavam dentro do territó-
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rio q-ue pertencia ao governo de Lisboa. Porém esta estava demasiadamente ocupada com suas empresas para o Oriente, e durante um terço do século fêz-se pouco para colonizar aquelas costas. Durante esse tempo houve várias viagens de explorações, e se estabeleceram contatos com os nativos da região. A única riqueza que se descobriu alí foi uma madeira, que foi chamada de "pau-brasil" que servia para produzir tintas, e que deu seu nome ao país. O rei Manoel de Portugal concedeu o monopólio dessa madeira a um grupo de comerciantes portugueses. Estes estabeleceram pequenos postos comerciais, com armazéns, em diversos lugares da costa. Ali vivia um escasso número de portugueses que se dedicava a contratar os índios para que estes cortassem e levassem aos armazéns a madeira "pau-brasil", em troca de facas, machadinhas, agulhas, alfinetes e outras ninharias. Logo, os franceses se interessaram naquele comércio tão produtivo, e começaram a competir com os portugueses. Seu método era um pouco diferente, pois o que faziam era deixar na costa alguns representantes, que viviam entre os índios, aprendiam seu idioma, e serviam como tradutores e .corno agentes mercantis. Quando chegavam os barcos franceses, aqueles tradutores e seus amigos índios levavam a madeira até a costa, em troca de miudezas e utilidades semelhantes às que traziam os portugueses. Naqueles primeiros contatos, os europeus se maravilharam da hospitalidade com que os índios os receberam. Além de darem a eles o que comer, ofereciam-lhes suas filhas como concubinas. Segundo as primeiras informações chegadas à Europa, tratava-se de uma nobre raça de selvagens, incrivelmente inocentes, sem religião nem governo. Em tais opiniões alguns historiadores têm visto uma sutil indicação do descontentamento que começava a aparecer na Europa com respeito a igreja e aos governos. Dizer que os índios brasileiros eram perfeitamente felizes sem religião nem governo era dar a entender que talvez o mesmo poderia ocorrer na velha Europa. Entretanto, aqueles quadros idílicos da vida no Novo Mundo logo cederam lugar a outras informações. Esses índios, que pareciam tão nobres e pacíficos, eram canibais.
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Quando tomavam algum cativo de uma tribo inimiga, matavam-no com um golpe na cabeça, e o comiam em meio a uma série de cerimônias. Eram, além do mais, segundo se dizia, bastante materialistas, pois não entendiam mais do que a vida presente, e conseqüentemente dispostos a vender suas almas e mudar de religião em troca de uns anzóis e armas. Também não gostavam de trabalhar, pois se limitavam a semear a mandioca que necessitavam, e o resto do tempo passavam em caças, festas e danças. Porém apesar das opiniões desencontradas sobre os índios, todos concordavam que as terras eram ricas, capazes de produzir, não só o pau-brasil que pouco a pouco ia desaparecendo das costas, mas também cana de açúcar. E visto que nessa época o açúcar era vendido a altíssimo preço nos mercados europeus, logo surgiram os que começaram a olhar para o Brasil com olhos cobiçosos. As Capitanias Foi então que o rei João III fêz a entrega, a quinze favoritos seus, de vários territórios na costa brasileira. Estes territórios receberam o nome de "capitanias" e os "donatários" que os receberam tinham amplos privilégios, parecidos aos dos senhores feudais de então. A cada capitania correspondia cinqüenta léguas de costa e todo o interior delas, até o ponto indefinido em que começavam as possessões espanholas. O sistema de capitanias não teve bom êxito. Cinco delas nunca foram ocupadas por seus donatários, e posteriormente oito das outras dez fracassaram. As que conseguiram subsistir foram a de Pernambuco, sob o comando de Duarte Coelho Pereira, a de São Vicente, que incluía São Paulo, e foi comandada por Martim Afonso de Souza. De fato, este último tinha começado sua empresa colonizadora em 1532, antes que a coroa dividisse todo o país em capitanias. Visto que a partir daí o rei reservou para si o monopólio da madeira e das especiarias que pudessem haver, a principal fonte de riqueza para os colonos era a cana de açucaro Porém seu cultivo, e a tarefa de produzir o açúcar, necessitavam de
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muita mão-de-obra. Era necessário aplainar os montes e limpar os campos antes de ará-los e semeá-los. Depois tinha-se que cortar e moer a cana. E finalmente era necessário ferver seu caldo, e para isso se necessitava de cortar lenha. Assim, o único modo em que essa indústria poderia tornar-se lucrativa era mediante o trabalho dos índios. Porém estes se negavam a trabalhar nos campos, preferindo a caça e a pesca, e alegando que essa era tarefa para mulheres. Os artefatos que antes serviam para comerciar com os índios não eram mais suficientes para motivá-los ao trabalho nos campos de cana ou nos engenhos. Foi assim que surgiu a escravidão dos índios. Portugal, diferentemente da Espanha, demorou muito em legislar sobre se era lícito ou não escravizar os nativos do Novo Mundo. E quando essa legislação saiu, foi sempre ambígua e ineficiente. No princípio, os colonos compravam escravos de seus vizinhos índios, em troca de ferramentas e diversas miudezas. Estes, por sua vez, atacavam os inimigos tradicionais, e os submetiam a escravidão, e se os trouxessem aos portugueses, estes justificavam esse comércio explicando-lhes que estavam salvando as suas vidas como prisioneiros de guerra pois de outro modo seriam mortos e comidos pelos vencedores. Porém, esse método de conseguir escravos não foi suficiente, em parte porque os índios amigos, uma vez saciada sua necessidade de armas, machadinhas e anzóis, etc., não tinham maior interesse em continuar comerciando com seus vizinhos europeus. Começou-se então a incitar as tribos a guerrear umas contras as outras, dando-lhes toda a sorte de desculpas. Além disso, logo apareceram os traficantes portugueses, que descobriram que o modo mais barato e economicamente proveitoso de fazer escravos era navegar pelas costas e fazer cativo qualquer índio que caísse em suas mãos. Na teoria, só era lícito escravizar os índios conseguidos em "guerra justa". Porém as autoridades sabiam que as colônias não podiam subsistir sem o trabalho dos escravos, e portanto sempre foi possível encontrar alguma razão para justificar as excursões dos traficantes. Outro modo de satisfazer a demanda de escravos foi
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trazê-los da África. Os índios começaram a penetrar cada vez mais no território, e assim sua captura se tornava mais difícil. Além disso, uma vez trazidos para as plantações e para os engenhos, sempre sonhavam em regressar para os seus, e lhes era relativamente fácil desaparecer na selva. Os africanos, por outro lado, provinham de climas semelhantes aos do Brasil, porém não tinham os contatos com tribos do interior, como índios e, conseqüentemente, era-lhes mais difícil escapar. Além do mais, alguns missionários, em seus esforços para defender os índios, estimulavam o tráfico de escravos africanos. E a tudo isso acrescente-se a relativa facilidade com que os barcos negreiros podiam atravessar o Atlântico desde o Congo, Angola ou Guiné. Assim logo se somou aos portugueses e aos índios um grande número de escravos negros. A vida daqueles primeiros colonos era licenciosa e desordenada. Muitos tinham várias comcubinas índias, e alguns contavam com dezenas delas. Algumas dessas mulheres eram escravas, e outras lhes tinham sido dadas por seus pais em sinal de amizade. Os pactos selados desse modo eram utilizados para incitar essas tribos amigas a lutar contra os franceses ou outras tribos, na maioria das vezes para apoderar-se de suas terras e pessoas. A colônia real Aquele regime sem lei não podia durar muito tempo, sobretudo porque as duas capitanias que tinham obtido êxito tornaram-se em extremo lucrativas. Tanto para estabelecer a ordem como para apoderar-se de maiores riquezas, em 1549 o rei fêz do Brasil uma colônia real, e comprou seus direitos dos donatários. Junto com o primeiro governador, Tomé de Souza, chegaram os primeiros jesuítas, sob a direção de Manoel da Nóbrega. Pouco depois, em 1551, Júlio III nomeou como primeiro bispo do Brasil, Dom Pero Fernandes Sardinha. Esse primeiro governador mostrou ser uma pessoa hábil, que regeu os destinos da colônia durante quatro anos, mantendo a concórdia com os índios vizinhos e assegurando-se de que o poder real fosse obedecido por todas as capitanias, e
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não só em Salvador (Bahia), onde estabeleceu a primeira capital. O bispo mostrou ser menos sábio. Logo conseguiu a inimizade dos colonos, e não se ocupava em nada com os índios. Os conflitos com o governador não se fizeram esperar, e o bispo decidiu partir para Portugal levando suas queixas ao rei. Porém naufragou, e ele e seus acompanhantes foram mortos e comidos pelos índios. O segundo governador foi ineficiente, e foi substituído em 1558, por Mem de Sá. Este era uma pessoa firme e aguerrida, de grande habilidade política e diplomática. Logo teve umas tribos guerreando contra as outras, ao mesmo tempo em que mostrava a força das armas portuguesas. Os índios, que tinham começado a inquietar-se sob o governo anterior, se encheram de terror. Aos que não foram mortos ou fugiram para as selvas do interior, o governador obrigou a viver em povoados dos jesuítas. De modo semelhante que no Paraguai e outros lugares, os jesuítas do Brasil tinham chegado a conclusão de que o melhor meio de evangelizar os índios era fazendo-os viver em aldeias, sob a supervisão de um dos jesuítas. Por isso se alegravam com os triunfos de Mem de Sá. Um deles expressou seu contentamento com o terror que o governador havia semeado entre os índios, dizendo: "todos tremem de medo diante do governador, e esse medo, ainda que não dure pela vida toda, nos basta para ensinar-lhes ... Esse medo os ajuda a ouvir a Palavra de Deus". Isto demonstra uma diferença notável entre as aldeias jesuítas do Brasil e do Paraguai. Nas desse último país, como dissemos, tratou-se de ser seguido um método pacífico. Sacerdotes tais como Roque Gonzales faziam todo o possível para convencer os índios que lhes convinha viver em aldeias, e muito raramente apelaram para as armas dos conquistadores. Ainda mais, os jesuítas do Paraguai logo decidiram estabelecer seus povoados o mais distante possível dos colonos brancos, pois temiam o contato entre seus índios e esses colonos. Os do Brasil, pelo contrário, fundaram suas aldeias pela força, e os índios iam para elas porque lhes parecia ser o único modo
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de escapar da morte ou da escravidão. Por sua parte, os jesuítas receberam agradecidos essa ajuda do braço secular, e lhes devolviam esse favor oferecendo aos colonos o trabalho dos índios de suas aldeias. No princípio esse trabalho era remunerado. Porém, dada a enorme autoridade dos sacerdotes nessas aldeias, e dado o sistema de propriedade em comum, posteriormente tornou-se um sistema de trabalho forçado, do qual os índios não podiam escapar, e que se administrava mediante acordos entre os sacerdotes e os colonos. O êxito dessas aldeias, segundo o mediam os missionários, foi enorme. Logo os pequenos aprenderam os princípios docatolicismo e a moral que os missionários lhes ensinavam, e se dedicaram a converter seus pais, e até delatá-los quando não seguiam os preceitos da igreja. Os pequeninos que faziam tais coisas eram premiados e lisonjeados. Visto que todas as tradições dos nativos estavam intimamente ligadas à sua religião, quase todas elas foram extirpadas pelos missionários, com a ajuda de seus jovens convertidos. Em fins do século XVI, havia no Brasil 128 jesuítas, e quase todos os índios que se tinham submetido aos portugueses tinham vivido debaixo de suas tutelas. Entretanto a reação indígena não se fêz esperar. Logo apareceu um culto messiânico que combinava elementos do cristianismo com outros vindos das tradições do lugar. Quando as aldeias dos jesuítas sofriam de enorme mortandade devido a uma epidemia de varíola, os índios começaram a falar de um salvador, a quem chamavam "Santo", que os livraria do jugo dos portugueses, e faria deles seus escravos. Esse culto, que recebeu o nome de santidade, logo se espalhou tanto entre os índios dominados como entre os que continuavam escondidos nas selvas, e serviu de ponto de cantata entre os dois grupos. Em 1580 a santidade preocupava sobremaneira as autoridades, e o novo governador decidiu fazer uso de um mestiço, a quem os portugueses chamavam de Domingo Fernandes Nobre, e os índios, de Tomocauna, para pôr fim a ameaça daquele movimento. Tomocauna era um traficante de escravos que
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acostumara-se a penetrar no coração do Brasil, ganhar a confiança de alguma tribo, e regressar com milhares de escravos. Tomocauna dirigiu-se ao quartel general da santidade, onde moravam o "papa" e sua esposa, "a mãe de Deus". O resultado da sua expedição foi que convenceu a um bom número dos adeptos desse culto que lhes convinha viver na plantação do colono Fernão Cabral de Ataíde, que havia custeado a empresa. Junto com aqueles índios, Tomocauna regressou às terras de Cabral, e este os recebeu e lhes permitiu viver ali, em troca de seus trabalhos. Em 1591 chegou a Inquisição ao Brasil. Entre os processados por ela estavam Fernão Cabral e sua esposa, acusados de terem adorado o ídolo da santidade, ao qual chamavam "Maria". Eles disseram que o haviam feito só para contentar a seus hóspedes, porém o Santo Ofício condenou-os a dois anos de prisão. Quanto à Tomocauna, regressou ao monte, onde se fêz amigo do papa Antônio, chefe da santidade, e os seguidores dessa seita chegaram a venerá-lo com o nome de "São Luiz". A acusação de que foram objeto Cabral e sua esposa foi típica dos processos da Inquisição daqueles tempos. No que se referia ao modo pelo qual os colonos tratavam os índios, ninguém foi acusado de escravizar ilegalmente, de explorá-los ou de matá-los. Porém, muitos foram acusados de lhes vender armas, de participar de suas cerimônias e, sobretudo, de comer carne na Quaresma quando estavam vivendo em suas aldeias. Villegagnon e os primeiros protestantes Durante a primeira metade do século XVI, os franceses se contentaram com visitas às costas do Brasil para comerciar com os índios. Porém, nos meados do século começaram a interessar-se em estabelecer uma colônia permanente na região. Com a responsabilidade desse empreendimento surgiu Nicholas Durand de Villegagnon, um hábil soldado que tinha se destacado em várias campanhas européias. Em fins de 1555, Villegagnon chegou à baía de Guanaba-
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ra com sua flotilha de três navios. Nessa baía haviam estado antes os portugueses, e lhe haviam dado o nome de Rio de Janeiro. Porém. a colônia portuguesa teve que ser abandonada quando os índios tamoios, cansados dos maus tratos recebidos, a atacaram. Assim, os franceses não tiveram mais trabalho que declarar que eram inimigos dos portugueses para assegurarem-se de serem bem recebidos. Villegagnon e os seus se estabeleceram em uma ilha da baía. Era um local ideal para a defesa, pois estava quase totalmente rodeada de altos montes. Os lugares mais vulneráveis foram fortificados com a ajuda dos índios. Ao que parece, o lugar era inexpugnável. Porém seu ponto débil era a falta de água potável, que tinha de ser levada por terra firme. Com escravos comprados dos índios vizinhos, os franceses começaram todos os trabalhos próprios da colonização. Além do mais, visto que o projeto. consistia em fundar uma colônia em que houvesse liberdade de cultos (era essa a época que tratamos no volume anterior, quando existiram na França tensões contínuas entre católicos e protestantes), Villegagnon escreveu a Calvino pedindo-lhe que enviasse pastores protestantes. Desde o princípio, Villegagnon teve dificuldades com seus colonos. Muitos destes tinham vindo ao Novo Mundo para enriquecer-se. Porém seu chefe não lhes permitia escravizar aos índios amigos, nem aceitar as mulheres que estes lhes ofereciam. Isto deu motivo para uma conspiração, porém Villegagnon inteirou-se dela, matou seu chefe, e pôs os demais na cadeia. O próximo contingente chegado da França, sob o comando de um sobrinho de Villegagnon, trazia pastores protestantes enviados pelas autoridades ginebrinas em resposta a solicitação recebida. Porém isto aumentou as desavenças na pequena colônia. Os católicos acusavam os protestantes de tentar convertê-los, estes acusavam os católicos de lhes oprimirem. Houve vários incidentes violentos. Finalmente, Villegagnon tomou o partido dos católicos, e fêz matar a cinco protestantes, e ordenou que ·os demais fossem expulsos da colônia. Entre os assim castigados se encontrava o pastor
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Jean de Léry, um dos poucos europeus que naquelas costas tentou entender os índios. As crônicas que Léry deixou são umas das principais fontes que nos permitem conhecer hoje o modo pelo qual os índios viram a invasão de suas terras. Nelas se encontra a história do diálogo que o pastor teve com um ancião índio: - Porque é que vocês, franceses e portugueses, vieram de tão longe buscar madeira para se esquentarem? Não existe madeira em seus países? - Sim, existe - respondeu o pastor -, porém não como esta. Além do mais, não a queremos para queimar, mas para tingir as roupas, como fazem vocês com suas cordas de algodão e com suas plumas. - E precisam de muita? - Sim. No nosso país há comerciantes que têm muito mais telas, facas, tesouras, espelhos e outras coisas do que vocês podem imaginar. Um só deles pode comprar toda a madeira que vem em vários barcos. - Ah! O que você me conta é incrível. E esse homem tão rico, nunca morre? - Sim. Morre como os demais. - E o que se faz então quando morre com todas essas coisas que tem? - Ficam para seus filhos, ou senão para seus irmãos ou parentes. - Já me dou conta que vocês os franceses são loucos. Cruzam o mar com mil trabalhos e dificuldades e trabalham com afã para acumular riquezas para seus filhos Não bastaria a terra que alimenta vocês para alimentá-los a eles também? Nós também temos pais, mães e filhos a quem amamos. Porém confiamos que depois de nossa morte a terra que nos alimentou os alimentará também. Por isso podemos viver sem grandes preocupações. O pastor Léry e outros estabeleceram boas relações com os tarnoios, e quando finalmente os portugueses atacaram aos franceses, tiveram que enfrentar, não só a esses últimos, mas também seus aliados índios. Depois de graves baixas, uma expedição sob o comando do governador Mem de Sá tomou o
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forte francês. Porém, os tamoios e os franceses refugiados dentre eles, continuaram oferecendo resistência por longo tempo. Se bem que, a partir de então não houve uma colônia francesa na Guanabara, os navios dessa nacionalidade continuaram visitando o lugar, e reforçando a resistência dos tamoios e dos poucos franceses que restavam ali. Visto que alguns destes eram protestantes do ponto de vista português aquela luta se converteu em Uma guerra religiosa. Era necessário desfazer-se dos hereges que manchavam aquelas terras católicas de Portugal. A luta continuou por muito tempo. Os tamoios derrotaram repetidamente aos portugueses e aos seus aliados tupiniquins. Finalmente, os sacerdotes jesuítas Nóbrega e José de Anchieta empreenderam uma difícil embaixada entre os tamoi os. Estes os receberam dispostos a aliar-se com os portugueses, que recentemente tinham rompido com os tupiniquins, inimigos tradicionais dos tamoios. Ao aliar-se com os portugueses, os tamoios esperavam poder esmagar os tupiniquins. Graças a embaixada dos jesuítas, um forte contingente tamoio abandonou a luta ou se aliou aos portugueses. Quando finalmente chegaram os reforços de Lisboa, os colonos não vacilaram em romper seus tratos com os tamoios. Muitos deles foram mortos ou foram feitos escravos, e o resto fugiu para o interior do país. Entretanto, franceses e portugueses fizeram as pazes, com a condição de que os primeiros abandonassem a região. Isso ocorreu em 1575, e com essa decisão chegou a um ponto final o empreendimento de Villegagnon, que durou uns vinte anos. A triste sorte dos índios O que sucedeu então com os tamoios que restaram foi o indício do que posteriormente sucederia com quase todas as tribos que habitavam na costa. Os que não foram mortos ou escravizados se refugiaram nas selvas, onde invadiram os territórios de outros índios, com conseqüentes guerras e mortes. Pelo fim do século, o aventureiro inglês Anthony Knivet caiu em suas mãos, e conseguiu salvar-se persuadindo-lhes de que
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era francês. Pouco depois os convenceu a retornar para a costa e tratar de reconquistar suas terras. Aquela tribo de trinta mil membros se aproximava do mar quando foi atacada pelos portugueses. Dez mil morreram, e os outros vinte mil terminaram seus dias como escravos. Esta triste história, como toda aquela empresa colonizadora, mereceu a justa condenação do sacerdote jesuíta Antônio Vieira que, em meados do século XVII, referindo-se aos que pretendiam ir ao Brasil em busca de ouro, disse que seu verdadeiro propósito era apoderar-se dos índios, "para fazer correr de suas veias o ouro vermelho que sempre tem sido a riqueza dessa província".
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A cruz e a espada andaram juntas pelos campos da AmĂŠrica
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A cruz e a espada o
método original que empregaram Cristo e os apóstolos é sem dúvida digno de todo louvor. Porém, somente pode empregar-se onde o evangelho pode ser pregado de modo evangélico. Isto é possível nos países orientais mais adiantados, como a China, o Japão, a Arábia, a índia e os demais. Porém, querer que se siga o mesmo caminho nas índias Ocidentais é loucura. José de Acosta.
A história que acabamos de narrar é, ao mesmo tempo, impressionante e triste. É impressionante, porque ninguém negará o valor e o arrojo daqueles homens de ferro, que se lançaram a conquistar vastos impérios com um punhado de soldados. É impressionante, porque em pouco menos de um século Espanha e Portugal tinham conquistado e colonizado territórios muitíssimo mais vastos que os seus, com populações muitíssimo mais numerosas. É inegável o valor de Cristóvão Colombo, que se aventurou por mares desconhecidos nos quais se supunha existirem monstros marinhos terríveis, e toda a 'sorte de perigos. Poucos têm tido tanta fibra como Cortes, que depois da noite triste continuou firme em seu empenho de conquistar um império. E poucos têm sido tão ousados como Pizarro, que em Cajamarca se atreveu apoderar-se de Atahualpa. Porém, ao mesmo tempo é uma história triste. Triste
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porque naquele encontro foram destruídas populações inteiras e ricas culturas. Triste, porque os que fizeram isso sequer se aperceberam do enorme crime que cometiam. E triste porque, sobretudo, isso foi feito em nome da cruz de Cristo. A cristandade ocidental tinha tido outros encontros com povos diferentes dela. A invasão dos povos germânicos foi um desses encontros, as cruzadas foram outro. Porém nem em um caso nem em outro deram-se as circunstâncias que se conjugaram na era dos conquistadores. O que sucedeu nesse Século XVI foi que aquela cristandade ocidental, convencida de sua superioridade pela sua fé cristã, seus cavalos e suas armas de fogo, acreditou-se chamada a impôr sua civilização pela força. E esse chamado, como tão freqüentemente sucede, serviu por vezes como desculpa para a mais grassa exploração. Só no Oriente foi seguida uma política diferente. Ali ficou bem claro que as armas ocidentais não eram suficientes para conquistar aqueles países. Em conseqüência, o mito da superioridade ocidental não teve a força que teve na África e na América. É por isso que puderam aparecer ali missionários tais como Nobili e Ricci, que com todos os seus defeitos, pelo menos mostraram respeito pelas civilizações em que trabalhavam. Porém, na África e na América o armamento, a cavalaria e o uso do engano logo convenceram a espanhóis e portugueses de que sua civilização era verdadeiramente superior e que, conseqüentemente, tinham a missão de implantá-Ia nessas terras. Se, como conseqüencia se tornavam ricos, se conquistavam impérios, se se apoderavam de centenas de escravos, isso não era mais que a bem merecida recompensa por sua obra civilizadora e evangelizadora. Tudo isso, sem dúvida, não foi unicamente produto da era_ dos conquistadores. Desde muito antes se tinha preparado o caminho para semelhante interpretação dos acontecimentos. Quando no século quarto, começou a desenvolver-se a teologia oficial do império romano, que tendia excluir de sua proclamação cristã a necessidade de justiça nas estruturas sociais, e dava especial autoridade na igreja ao poderosos da ordem
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social, começou-se a preparar a tragédia da era dos conquistadores. De fato, estes não fizeram mais que aplicar à nova situação criada pelos descobrimentos o modo de entender a fé cristã, e a missão evangelizadora, que fora criado através dos séculos para o beneplácito dos poderosos. Com a finalidade de salvar as almas, diziam os jesuítas do Brasil, era bom que os portugueses infundissem terror aos índios. E os escravos africanos saíam ganhando com sua escravidão, diziam os negreiros, porque se lhes dava a oportunidade de tornarem-se cristãos e assim obter a salvação eterna. Cortéz e Pizarro, ao mesmo tempo que sabiam ser pecadores avarentos, criam ser evangelistas escolhidos e enviados por Deus. Porém, o mal já fora semeado séculos antes, quando houve cristãos que não vacilaram em chamar a Constantino de "o bispo dos bispos". Contra tais atropelos, houve sinais de protesto tanto entre os colonizadores como entre os cristãos. Entre os primeiros já temos assinalado que o culto a virgem de Guadalupe é, de um certo modo, a vindicação do elemento nativo frente a hierarquia dos espanhóis. Nesse caso a longa hierarquia conseguiu assimilar o protesto, e fazê-lo parte de sua própria doutrina. Porém a santidade no Brasil, e a "sataria" dos descendentes dos escravos negros, permaneceram freqüentemente fora do alcance do poder hierárquico . . Outras vezes esse protesto foi mais sutil, e então é impossível conhecer o alcance que teve. Tal é o caso do sucedido numa igreja do Planalto da Bolívia, onde o sacerdote pediu a um escultor índio que lhe fizesse imagens que representassem São Pedro e São Paulo. Algum tempo depois o índio trouxe as duas esculturas pedidas, e o sacerdote pô-Ias na entrada da igreja. Grande foi seu regozijo ao ver que muitos dos índios vinham para venerar aquelas imagens. Porém passados muitos anos, foi descoberto que, num lugar afastado, os pedestais em que antes se apoiavam aquelas duas estátuas, não eram senão dois dos mais antigos ídolos dos nativos. Assim, sem que os missionários suspeitassem, continuou por muito tempo o protesto surdo daquelas culturas que pareciam esmagadas. E houve também protestos por parte dos cristãos. Barto-
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São Pedro e São Paulo eram, na verdade, dois antigos ídolos da região
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lomeu de las Casas e Antônio de Montesinos não foram senão os primeiros de uma longa série de defensores dos índios e dos africanos. Muitos deles tinham sido esquecidos nos anais de uma igreja dominada pelos poderosos. Porém os nomes e feitos cuja memória tem chegado até nossos dias dão testemunho de que, ainda em meio àqueles tempos violentos, nas selvas mais afastadas e nos lugares mais perigosos, houve os que souberam ver a distância entre o evangelho de Jesus Cristo e os conquistadores, entre o amor a Deus e o amor a Mamom. Até os dias de hoje perdura esse conflito na igreja que se fundou naquela era dos conquistadores. Por ter chegado a estas plagas sob o signo da espada, certos elementos dentro dela creram-se na obrigação de continuar sob esse signo, e seguir acomodando o evangelho aos desejos e conveniências daqueles que detinham o poder. Porém, por ter nascido sob o signo da cruz, há nessa mesma igreja os que insistem na necessidade de colocar todas as estruturas do poder humano sob o juízo da cruz. A destruição da Armada Invencível, pelos ingleses e pelo clima, em 1598, marcou o fim da hegemonia espanhola sobre os mares. O poderio português tinha começado a decair alguns anos antes. Outras nações tomariam o lugar dessas potências e sob seus auspícios se fundariam outras igrejas em diversas partes do mundo. Porém elas também teriam de enfrentar a mesma alternativa. O último capítulo da era dos conquistadores ainda não está de todo escrito.