Arte e Resistência na Rua Copatrocínio
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Apoio institucional
Projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura
Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
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Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
ArtE e rEsisTênCia Na ruA Ano III - No 03 - Março de 2012
Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
ArtE e rEsisTênCia Na ruA
NÚCLEO NACIONAL DE PESQUISADORES DE TEATRO DE RUA NÚCLEO REGIONAL DE PESQUISADORES DE TEATRO DE RUA – SÃO PAULO
Expediente Concepção da revista e revisão técnica: Alexandre Mate. Revisão: Airton Dantas. Colaboradores: Adailtom Alves, Alexandre Falcão de Araújo, Alexandre Mate, Alexandre Menezes, Aurea Karpor, Daniela Giampietro, Daniela Landin, Emerson Natividade, Flávio Melo, Helena Cardoso, Isabela Penov, Jean Giusti, José Cetra Filho, Juliana Rocha, Lígia Marina, Lissa Santi, Luiz Carlos Cecchia, Maria Gabriela D’Ambrozio, Narah Neckis, Natália Siufi, Paulo Bio, Renata Lemes, Roberta Ninin, Suani Corrêa e Zeca Sampaio. Projeto gráfico/diagramação: Maurício F. Santana. Capa e contracapa: Roberta Lúcia. Grupo Arteiros - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva. Fotógrafos: Alexandre Menezes, Anelise Camargo, Augusto Paiva, Gil Grossi, Joca Duarte, Pablo Dantas, Reinaldo Vieira Pinto e Suani Corrêa. Jornalista responsável: Augusto Paiva - MTB 28.118. Produção executiva: Selma Pavanelli. Revista no 3: Março de 2012. Tiragem: 1.000 exemplares. Contato: mtrsaopaulo@gmail.com www.mtrsaopaulo.blogspot.com
Distribuição gratuita
Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP A792
Arte e resistência na rua / Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. n.3 (2012) – São Paulo: Movimento de Teatro de São Paulo, Grafnorte. 2009. Anual ISSN: 22375503 1. Teatro de rua – Periódicos. 2. Grupos de teatro – Periódicos. 3. Teatro – Periódicos. 4. Teatro – História – Periódicos. I. Movimento de Teatro de São Paulo. CDD 792.028
Sumário 10..............
Breve histórico do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR/SP)
13..............
Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas
20..............
Apresentação: Do conjunto de conquistas do coletivo formado por grupos de teatro de rua de São Paulo, em destaque As cenas de rua no teatro de rua, por Alexandre Mate
24..............
O grande homenageado da quinta edição da Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas: o Movimento de Teatro Popular de Pernambuco (MTP/PE), por Alexandre Menezes
26..............
Teatro de rua ou teatro na rua?, por Zeca Sampaio
29..............
Introdução ao trabalho com as leituras críticas: tem passado por ruas e avenidas, da desvairada Pauliceia, tantos espetáculos populares, por Alexandre Mate
33..............
A importância do olhar de “viajantes de fora” e seus pontos de vista acerca da 5a edição da Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas [Viajante#1] - A gente faz teatro pra libertar, por Suani Corrêa [Viajante#2] - Entre público: um momento poético num encontro real, por Flávio Melo
38..............
[CB] - Companhia Baitaclã, ao se apresentar, afirma: Feito na rua e para todos que nela estão [CB#1] - Um carinho à cultura brasileira, por Lissa Santi [CB#2] - Salve as festas do bom prazer, por Daniela Giampietro
41..............
[CE] - A Cia. Estável de Teatro se apresenta [CE#1] - Homem cavalo & sociedade anônima. Uma flor nasceu na rua!, por Isabela Penov [CE#2] - Homem cavalo & sociedade anônima: as marionetes de um absurdo sistema econômico, por Narah Neckis [CE#3] - A política do cavalo do homem, por Emerson Natividade [CE - réplica] A superação do olhar e a dialética do “nós” e “eles”, por Daniela Giampietro
48..............
[CEV] - Maíra Oliveira apresenta a Companhia do Esquadrão da Vida [CEV#1] - O dia em que um elefante foi julgado na feira livre, por Alexandre Falcão de Araújo [CEV#2] - Um Brecht popularmente brasileiro, por Lissa Santi [CEV- réplica] - O filhote do filhote de elefante em São Paulo, por Maíra Oliveira
52..............
[VCVV] - Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê (MTP/PE) por ele mesmo [VCVV#1] - Que diabos! O Diabo apareceu pra desamassar o pão que o Diabo amassou?, por Roberta Ninin [VCVV#2] - Vem Cá, Vem Cá! Vem Vê: A puta vai falar depois do bispo! O ladrão vai falar antes de Deus!, por Isabela Penov [VCVV - réplica] - Quem ensinou o Diabo a amassar o pão? É melhor nem querer saber quem foi, pois talvez possamos nos decepcionar, por Alexandre Menezes
59..............
[P-GCAJP] - Poesis - Grupo Cultural do Alto José do Pinho se apresenta [P-GCAJP#1] - O H. sapiens não pula por boniteza, por Roberta Ninin [P-GCAJP#2] - Diásporas: ritual perplexo, por Isabela Penov
65..............
[OCAT] - Oigalê - Cooperativa de Artistas Teatrais por ela mesma [OCAT#1] - Uma brava gente oigalense invade a Praça do Patriarca para encantar com versão gaudéria de o Neguinho do Pastoreio, por Alexandre Mate [OCAT#2] - O Negrinho do Pastoreio - uma maneira leve de se contar uma pesada lenda, por Narah Neckis [OCAT - réplica] - Oigalê: uma prática cotidiana de teatro de rua - do regional ao universal, por Hamilton Leite e Giancarlo Carlomagno
70..............
[I60] - Ivo 60 se apresenta [I60#1] - Café sem cafeína, por Lígia Marina [I60#2] - Perseguindo o contraponto - percurso de reinvenção de territórios, por Daniela Landin
75..............
[GACC] - O Grupo Arte da Comédia de Curitiba se apresenta [GACC#1] - Acontece que eu sou baiano, acontece que ela não é, por Lígia Marina [GACC#2] - Velhas novas notícias sobre Pindorama, por Daniela Landin
80..............
[BT] - Esio Magalhães apresenta o Circo do Só eU: um espetáculo criado no contexto da rua [BT#1] - Só? Que nada! Nós, por Luiz Carlos Cecchia [BT#2] - Nós somos feitos de eu, por Helena Cardoso [BT#3] - Nós somos feitos de eu, por Juliana Rocha
85..............
[LCCC] - La Cascata Cia. Cômica por ela mesma [LCCC#1] - Tivesse Deus criado um arlequim, por Daniela Giampietro [LCCC#2] - Bandeiras ao alto. Viva o povo e a resistência!, por Natália Siufi
88..............
[GT&C] - [GT&C] - Grupo Teamu & Companhia: Teamu - Teatro Mustardinha e Companhia
[GT&C#1] - A gente vive teatro pra libertar, por Daniela Landin Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
[GT&C#2] - Um apelo à resistência - “A gente faz teatro pra libertar”, por Daniela Giampietro 92..............
[LM] - Domingos Montagner e Fernando Sampaio (ou Padoca e Agenor) apresentam La Mínima [LM#1] - Falo eu ou fala você?, por Juliana Rocha [LM#2] - Cidadãos de nenhum lugar, cidadãos do mundo, por Luiz Carlos Cecchia
94..............
[CF] - A Companhia do Feijão se apresenta [CF#1] - O canto dos reis anônimos, por Isabela Penov
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[GCTRV] - Arte de rua no sertão de São Paulo, como autoapresentação dos integrantes do Grupo Circo Teatro Rosa dos Ventos [GCTRV#1] - Rosa dos Ventos: circo de norte a sul, teatro de leste a oeste, por Adailtom Alves [GCTRV - réplica] - Pré-diálogo - Será a Farsa o mais irresponsável dos gêneros?
101............
[TOR] - Trupe Olho da Rua por ela mesma [TOR#I] - De como um degredado consegue contar tantos desmandos em uma terra Papagalli dominada pelo que há de mais pândego, por Alexandre Mate [TOR#2] - De papagaios, índios e portugueses, por Helena Cardoso [TOR#3] - Terra Papagalli pelos olhos de um viajante estrangeiro, por Jean Giusti
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[BC] - Ademir de Almeida apresenta a Brava Companhia e Este lado para cima [BC#1] - Dialética da forma e do conteúdo, por Daniela Landin [BC#2] - Por mais dialética na guerrilha, por Paulo Bio [BC - réplica] Este lado para cima: de trabalhadores para trabalhadores, por Ademir de Almeida e Fábio Resende.
114............
[CF] - Cia. Forrobodó nasceu em um quintal para atingir outros quintais [CF#1] - Quem chegou... Ficou!, por José Cetra Filho [CF#2] - Dança, Bonifácio!, por Juliana Rocha
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[IB-TB] - In Bust - Teatro com Bonecos se apresenta [IB-TB#1] - Os incomodados que se mudem, por José Cetra Filho
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[MF] - Na afirmação de Danilo Cavalcante: Quando retornei para o mamulengo com o Mamulengo da Folia [MF#1] - A fina flor do mamulengo na cena de Cavalcanti, por Renata Lemes [MF#2] - Arrocha o fole aí, meu fio!, por Natália Siufi [MF - réplica] - Público do Mamulengo na cidade onde esconde o nome chamado Brasil, por Danilo Cavalcante
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[NPTC] - O Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo se apresenta [NPTC#1] - O básico do básico, por Aurea Karpor [NPTC#2] - Vai, vai, vai começar a brincadeira!, por Natália Siufi [NPTC - réplica] - Tradição e memória, por Simone Brites Pavanelli
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[I-RA’N] - Grupo Ifá-Rhadhá de Art’Negra se apresenta [I-RA’N#1] - Menina, que cabelo é esse?, por Maria Gabriela D’Ambrozio [I-RA’N#2] - Arte negra olindamente em São Paulo, por Adailtom Alves
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[GA] - Grupo Arteiros se apresenta [GA#1] - Quem disse que em briga de marido e mulher não se mete a colher?, por Roberta Ninin [GA#2] - A arte astuta dos Arteiros, por Adailtom Alves
140............
Programação da 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas
143............
Sobre grupos e espetáculos apresentados
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Breve Histórico do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo O Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR/SP) nasceu em 2002 por intermédio da união de sete grupos na Ação Cultural Se Essa Rua Fosse Minha. Desde então, tem crescido significativamente o número de grupos interessados em debater temas pertinentes às especificidades do teatro de rua. De agosto a setembro de 2003, foi realizado o 1o Seminário de Teatro de Rua com a participação de 12 grupos. Esse Seminário consolidou o Movimento e resultou na I Overdose de Teatro de Rua, com a apresentação de 15 espetáculos teatrais, no dia 3 de novembro de 2003, no Boulevard São João e Vale do Anhangabaú, em São Paulo (SP). Mesmo sem patrocínio nem apoio do poder público ou da iniciativa privada, a ação marcou o início de um processo mobilizatório político e artístico. O Movimento realizou, em junho de 2004, a II Overdose de Teatro de Rua. Em julho desse mesmo ano, o 2o Seminário de Teatro de Rua, que contou com a participação de pensadores, fazedores e políticos que atuam e pensam o espaço urbano. Ainda em 2004, foi realizada a 1a Temporada de Teatro de Rua de São Paulo, na Praça do Patriarca, com o intuito de transformar aquele local em espaço permanente para apresentação de espetáculos e também de divulgação da programação do teatro de rua. Desde a realização do 1o Seminário, o MTR/SP promove encontros em que se estabelecem as bases de uma atuação propositiva para que haja a inserção da manifestação artística no espaço público aberto; a luta por políticas culturais específicas que atendam às necessidades de produção, de pesquisa e de circulação da arte popular, como também as formas de ampliar o acesso ao teatro. Em 2006, o Movimento realizou a III Overdose de Teatro de Rua e lançou sua CARTA ABERTA em 29 de maio. A ação exigiu do poder público a publicação de um edital, prometido desde 2004. Em setembro desse mesmo ano, o MTR/SP realizou a 1a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, com recurso público da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, e participou do II Fórum Artístico realizado pela Cooperativa Paulista de Teatro, no qual foram discutidas política pública cultural, estética e formação do artista que atua em espaços abertos. 10
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4ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Foto de Augusto Paiva.
Em 27 de março de 2007, o MTR/SP organizou a IV Overdose de Teatro de Rua com a participação de grupos de várias cidades paulistas, como também de outros estados brasileiros. Em dezembro, foi a vez da 2a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, novamente em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. Nesse mesmo ano, o MTR/SP participou, com movimentos de outros estados, da criação da REDE BRASILEIRA DE TEATRO DE RUA, hoje presente em mais de vinte Estados. Em 2008, no dia 27 de março – Dia do Teatro –, foi realizada a V Overdose de Teatro de Rua. Naquela ocasião, solicitou-se ao poder Municipal a ampliação de recursos para o Programa de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo; ao poder Estadual, sugeriu-se a criação do Fundo Estadual de Arte e Cultura; e, em âmbito Federal, propôs-se a criação do Prêmio Teatro Brasileiro. Ainda em 2008, em novembro, o MTR/SP realizou a 3a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, com o copatrocínio da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo; apoio do Ministério da Cultura e da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo; apoio
institucional da Cooperativa Paulista de Teatro, da Coordenadoria da Juventude da Secretaria de Participação; e parceria do Município de São Paulo, do Aprendizes da Capela e do Sindicato dos Comerciários. Nesse mesmo período, realizou também o IV Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), com a presença de articuladores de 18 Estados: Acre, Amazonas, Ceará, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Roraima, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, que discutiu técnicas e estéticas do teatro de rua e política pública cultural do País. Em 2009, no mês de abril, o MTR/SP publicou a Revista Arte e Resistência na Rua e produziu um documentário sobre a 3a MOSTRA e sobre o IV Encontro da RBTR. Ainda em 2009, em novembro, realizou a 4a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, com o copatrocínio da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo; apoio institucional da Cooperativa Paulista de Teatro, da Coordenadoria da Juventude da Secretaria de Participação; e parceria do Município de São Paulo e do Sindicato dos Comerciários. Na ocasião, o Movimento Escambo Popular Livre de Rua, com forte atuação nos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte, foi homenageado. Criou-se, em 2010, o Núcleo Paulistano de Pesquisadores de Teatro de Rua, que realizou um curso de extensão coordenado por Alexandre Mate na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Esse Núcleo de 11
Lino Rojas. Foto de arquivo do Pombas Urbanas.
Pesquisadores também realizou o I Fórum de Teatro de Rua, em julho desse mesmo ano, no qual foi lançada a 2a edição da Revista Arte e Resistência na Rua. Em 23 de agosto de 2010, articulado a outros movimentos disseminados pelo Brasil, todos pertencentes à Rede Brasileira de Teatro de Rua, o MTR/ SP foi às ruas manifestar indignação pela privatização dos espaços públicos, pela ausência de políticas públicas para as artes públicas e, especialmente, pela proibição oficial de os artistas ocuparem as ruas, em claro desrespeito à Constituição Brasileira. Essa manifestação foi realizada no centro da cidade, passando pela Secretaria Municipal de Cultura e encerrando-se em frente da Prefeitura de São Paulo, local em que os participantes desse “cortejo fúnebre” leram um manifesto1 no qual constavam todos os casos de proibição e de violência contra os artistas ao longo daquele ano. Em parceira com a Secretaria Municipal de Cultura e com o apoio da Cooperativa Paulista de Teatro, esse Núcleo realizou a 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas (5 a 14 de novembro de 2010), prestando homenagem ao Movimento de Teatro Popular de Pernambuco (MTP/PE). Essa MOSTRA marcou presença nas cinco regiões da cidade, com inúmeras apresentações e vários debates, razão pela qual ganhou o Prêmio Especial da Cooperativa Paulista de Teatro, na categoria Ocupação da Cidade. O Movimento de Teatro de Rua de São Paulo conta com a participação de dezenas de fazedores e de pensadores de todo o Estado de São Paulo, com o objetivo de formar uma ação cultural que alcance os cidadãos, mobilizando a sociedade para novas formas e estabelecendo outras relações com o espaço público. p 1 Carta Aberta do MTR/SP. Disponível em: <http://www.mtrsaopaulo.blogspot.com/2010/08/carta-abertado-mtrsp-lida-na.html>. Acesso em: 5 mar. 2012.
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Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas
A Mostra nasceu do desejo do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo de levar ao conhecimento público os grupos que pesquisam essa linguagem. O objetivo primordial do Movimento é o aprofundamento estético e político dessa modalidade teatral, possibilitando a troca entre seus fazedores. Assim, a Mostra cria oportunidades e espaços para a apresentação de espetáculos, realização de debates, publicação, entre outros, ampliando, assim, a reflexão e a troca de experiências, fundamentais para o avanço estético dos coletivos. A expectativa inicial, plenamente correspondida em todas as edições, foi a de envolver os grupos durante todo o período da Mostra, reforçando sua identidade, seus elos profissionais e oferecendo ao público programação diversificada e de qualidade, de maneira a contribuir com a difusão e a valorização do fazer teatral em espaços públicos abertos. Os seminários e encontros promovidos durante a Mostra têm por alvo primordial unir os fazedores de teatro, principalmente aqueles ligados às manifestações da arte popular. Nesse processo de união, os participantes dos diversos grupos são convidados a refletir e a trocar informações sobre seu ofício, priorizando temas concernentes à prática do teatro de rua, em seus aspectos e contextos: histórico, social, técnico, estético, organização, modos de produção, bem como sobre políticas públicas para o teatro. A Mostra é uma possibilidade de se inserir no calendário cultural de São Paulo uma programação diferenciada que permita a fruição da arte em espaços abertos. Nessa perspectiva, a rua deixa de ser mero corredor de passagem para se tornar espaço de troca entre os sujeitos que a ocupam.
Estandarte do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. Foto de Augusto Paiva.
Ressignificar os espaços públicos e a vida por meio da arte é uma necessidade. Retirar, ainda que por um lapso de tempo, os cidadãos de sua correria, permitindo-lhes fruir, rir, sonhar, criticar... são objetivos das diversas ações ligadas ao Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. p
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1ª Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Cortejo de encerramento nas ruas da Cidade Tiradentes. Foto de Reinaldo Vieira Pinto.
1a Edição (Estadual) – 2006 Realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e apoio da Cooperativa Paulista de Teatro, da São Paulo Transporte S.A. (SPTrans), da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e da Fundação Nacional de Artes (Funarte), a Mostra ocorreu entre os dias 20 e 25 de setembro de 2006. Além de 20 apresentações, realizou-se também um seminário para discutir políticas públicas, com a presença de Rubens Moura (Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo), Hélvio Tamoio (Funarte), Ney Piacentini (Cooperativa Paulista de Teatro), César Vieira (Teatro Popular União e Olho Vivo – Tuov) e Ilo Krugli (Teatro Ventoforte), realizado na Galeria Olido. Fez parte da programação a exposição fotográfica de Augusto Paiva, com fotos das ações realizadas pelo MTR/SP, intitulada Filhos da Rua, apresentada na Galeria Olido e no Centro Cultural Arte em Construção. Os 20 grupos selecionados por meio de edital foram: Galpão do Clã, Companhia dos Inventivos, Abacirco, Companhia Vate Katarse, Grupo Manifesta de Arte Cômica, Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo, Mamulengo da Folia, Companhia do Miolo, Companhia Raso da Catarina, Circo Navegador, Los Patos, Farândola Trupe, Ivo 60, Companhia do Feijão, Companhia Teatral Manicômicos, Algazarra Teatral, Companhia Circo de Trapo, Coletivo Teatral Commune, Buraco d’Oráculo e Tablado de Arruar. Todas as apresentações foram realizadas na Praça do Patriarca, de segunda a sexta-feira, com público estimado de mais de 11.000 pessoas. O encerramento da Mostra ocorreu em Cidade Tiradentes, zona leste da cidade de São Paulo, com um grande cortejo teatral que reuniu vários artistas e comunidade. A escolha pela Cidade Tiradentes deveu-se ao fato de, naquele local, o grupo Pombas Urbanas e seu diretor, Lino Rojas, desenvolverem um trabalho de formação teatral em sua sede, o Centro Cultural Arte em Construção. p 14
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2a Edição (Estadual) – 2007 Realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo, em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, o Ministério da Cultura, a Funarte e apoiada pela Cooperativa Paulista de Teatro, SPTrans, CET e pelos Pontos de Cultura Commune Coletivo Teatral, Instituto Pombas Urbanas e Instituto Tá na Rua, a Mostra ocorreu entre os dias 10 e 15 de dezembro de 2007. A 2a Mostra homenageou o diretor Amir Haddad, fundador do grupo carioca Tá na Rua, que há três décadas dedica-se incansavelmente ao teatro de rua. O grupo homenageado apresentou-se na abertura do evento e foi antecedido por um cortejo dos demais grupos participantes, que se deslocou do Teatro Municipal até a Praça do Patriarca. Essa Mostra teve edital lançado em âmbito estadual, que contemplou 20 grupos que se apresentaram na Praça do Patriarca. Os grupos foram os seguintes: Cia. Os Itinerantes, Algazarra Teatral, Companhia do Miolo, Pombas Urbanas, Circo Fractais, Companhia São Jorge de Variedades, Teatro da Pateticidade, Valdeck de Guaranhuns, Companhia Cristal, Circo e Companhia, Teatro de Rocokóz, Circo Navegador, Manicômicos Núcleo Brava Companhia, Companhia das Graças, Teatro de Mamulengo da Folia, Companhia Cênica Farândola Trupe, Trupe Olho da Rua, Buraco d’ Oráculo, Companhia Raso da Catarina e Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes. O encerramento, como na edição anterior, aconteceu em Cidade Tiradentes, no Centro Cultural Arte em Construção, sede do Pombas Urbanas, com um cortejo ainda maior pelas ruas da comunidade. p
2a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Cortejo de encerramento nas ruas da Cidade Tiradentes. Foto de Gil Grossi.
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3a Edição (Nacional) – 2008 Realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo, com o copatrocínio da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo; apoio do Ministério da Cultura, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo; apoio institucional da Cooperativa Paulista de Teatro, da Coordenadoria da Juventude da Secretaria de Participação; e parceria do Município de São Paulo, do Aprendizes da Capela e do Sindicato dos Comerciários, a 3a Mostra homenageou o diretor e dramaturgo César Vieira e o Teatro Popular União e Olho Vivo, na pessoa de Neriney Evaristo Moreira. Na abertura da Mostra, realizou-se um cortejo artístico, cuja trajetória foi da Praça do Patriarca até o Vale do Anhangabaú, espaço onde o grupo homenageado esperava a todos para a apresentação do espetáculo A lenda de Sapé Tiaraju, que abriu o evento. A Mostra ocorreu entre os dias 8 e 16 de novembro de 2008. Os grupos do Estado de São Paulo foram selecionados por edital, com curadoria a cargo de Alexandre Mate e de Romualdo Bacco; os de outros Estados foram convidados pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo. A 3a Mostra contou com a participação de 20 grupos, 15 deles do Estado de São Paulo: Brava Companhia, Buraco d`Oráculo, Companhia Baitaclã, Companhia Mamulengo da Folia, Companhia Troada, Circo de Trapo, Circo Nosotros, Circo Ybimarã, Ivo 60, Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo, Teatro Popular União e Olho Vivo (sediados na cidade de São Paulo); Grupo Circo Teatro Rosa dos Ventos (Presidente Prudente), Sítio do Jeca (Pirassununga), Teatro Fabricantes e Matulão (Assis), Trupe Olho da Rua (Santos); e 5 grupos de outros Estados: Grupo de Teatro Kabana (MG), Grupo Nu Escuro (GO), Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais (RS) Off-Sina (RJ) e Será o Benidito (RJ). p
3a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Deus e o Diabo na Terra de Miséria. Grupo Oigalê - Canoas/RS. Foto de Augusto Paiva.
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4a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Cabeça de Papelão. Movimento Escambo Popular Livre de Rua - Brasil. Foto de Anelise Camargo.
4a Edição (Nacional) – 2009 Realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo, com o copatrocínio da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo; apoio institucional da Cooperativa Paulista de Teatro, da Coordenadoria da Juventude da Secretaria de Participação; e parceria do Município de São Paulo e do Sindicato dos Comerciários. A 4a Mostra homenageou o Movimento Escambo Popular Livre de Rua, que circula pelas vias públicas do País desde 1991 e reúne grupos de teatro de rua, dança, capoeira, artistas plásticos e visuais, poetas, músicos e artistas populares dos Estados do Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, São Paulo e Brasília (Distrito Federal), com o intuito de socializar suas experiências artísticas, culturais, políticas e comunitárias em “uma vivência coletiva de mobilização e organização social e de atuação política regional e local”. O Movimento é um espaço livre de produção de conhecimento, de inclusão social e de inserção do cidadão comum na vida artística. Na abertura da Mostra, realizou-se um cortejo artístico, cuja trajetória partiu das escadarias do Teatro Municipal até o Vale do Anhangabaú, espaço onde o Movimento homenageado esperava a todos para a apresentação de seu espetáculo Cabeça de papelão, que abriu o evento realizado de 7 a 15 de novembro de 2009. A 4a Mostra teve a participação de 18 grupos, 11 deles sediados na cidade de São Paulo: Buraco d`Oráculo, Companhia do Miolo, Companhia dos Inventivos, Circo Nosotros, Companhia Raso da Catarina, Como Lá em Casa, Grupo Forte Casa Teatro, Grupo Manifesta de Arte Cômica, Grupo Namakaca, Grupo Pombas Urbanas, Trupe Artemanha; três de outras cidades do Estado de São Paulo: Companhia As Marias (São Bernardo do Campo), Grupo Teatral Nativos Terra Rasgada (Sorocaba), Trupe Olho da Rua (Santos); e quatro grupos de outros Estados: Banco La Trupe (RN), Grupo Teatral Manjericão (RS), Poemia do Mundo (CE e RN), Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz (RS). p 17
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Cortejo de encerramento nas ruas da Cidade Tiradentes. Foto de Pablo Dantas.
5a Edição (Nacional) – 2010 A 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas foi uma realização do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo e da Funarte, viabilizada com recursos advindos da Lei de Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura; patrocínio da Petrobras; copatrocínio da Secretaria Municipal de Cultura; e apoio institucional da Cooperativa Paulista de Teatro e Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Homenageado dessa 5a Mostra, o Movimento de Teatro Popular de Pernambuco (MTP/ PE) continua propondo ações que estimulam a reflexão da população do Recife. O MTP/ PE também não abandonou a luta pelo tratamento digno dos gestores públicos para com os grupos de teatro popular. Cabe destacar que o MTP/PE participou da programação da Mostra com cinco espetáculos, privilegiando, por livre escolha, a periferia paulistana. Essa 5a Mostra foi realizada em duas etapas: • 1a Etapa – Fórum, lançamento do DVD e da Revista Arte e Resistência na Rua, ano II, n. 2, dedicada especialmente à 4a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, ocorrida em novembro de 2009. Essa etapa foi realizada nos dias 29, 30 e 31 de julho de 2010, no Instituto de Artes da Unesp, na Galeria Olido e no Teatro de Arena, respectivamente. • 2a Etapa – Abertura da Mostra, com entrega da placa ao homenageado dessa 5a edição e cortejo de abertura. A Mostra foi realizada de 5 a 14 de novembro de 2010, nas quatro regiões de São Paulo (centro, zona norte, zona sul e zona leste), com apresentações gratuitas de 22 grupos de teatro de rua de todo o Brasil e debates após cada apresentação. O encerramento da Mostra ocorreu em Cidade Tiradentes: 13 grupos do Estado de São Paulo – Brava Companhia, Companhia Baitaclã, Cia. Estável de Teatro, Companhia do Feijão, Ivo 60, La Mínima, Mamulengo da Folia e Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo, sediados na cidade de São Paulo; Barracão Teatro (Campinas), La Cascata Cia. Cômica (São José dos Campos), Grupo Circo Teatro Rosa dos Ventos (Presidente Prudente), Trupe Olho da Rua (Santos), Cia. Forrobodó de Teatro e Cultura Popular (São José do Rio Preto); 4 de outros Estados – Arte da Comédia (Curitiba/PR), Esquadrão da Vida (Brasília/DF), In Bust – Teatro Com Bonecos (Belém/PA), Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais (Porto Alegre/RS); e 5 grupos do Movimento de Teatro Popular de Pernambuco – Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê, Poesis – Grupo Cultural do Alto José do Pinho, Teamu & Companhia, Grupo Ifá-Rhadhá de Art’Negra e Grupo Arteiros. 18
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Editorial Os diversos coletivos que compõem o MTR/SP têm realizado muitas tarefas no sentido de trazer à luz muitos dos trabalhos suprimidos da história; ou, dito em outros termos: colocar no bonde da história o teatro de rua, uma arte pública por definição. Diversas ações como mostras, circuitos, debates, oficinas, encontros e mais uma infinidade de ações se espalham pela cidade de São Paulo, contemplando milhares e milhares de pessoas, todas realizadas pelos grupos teatrais. Além disso, esses mesmos grupos se reúnem para realizar ações conjuntas no MTR/SP, e a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas – uma referência nacional para todos os teatristas – é uma dessas ações, que, por sua vez se desdobra em outras ações, como fóruns, debates e essa revista que o leitor tem em mãos. A Revista Arte e Resistência na Rua tem possibilitado uma prática impar no meio teatral: a formação de críticos em diálogo direto com os fazedores. Importante ressaltar que, o teatro de rua não pode ser avaliado com o mesmo olhar, seja do ponto de vista técnico ou estético do teatro praticado em espaços fechados, daí a importância das apreensões críticas que vem sendo realizadas desde a 3ª edição da Mostra. Os responsáveis por essa ação são praticantes de teatro de rua, estudantes de graduação e de pós-graduação, sob a coordenação do professor Alexandre Mate. Todo esse trabalho vem sendo realizado de forma voluntária, tanto por parte do coordenador, como dos críticos. Um verdadeiro time vem sendo formado nesse processo. Apesar das dificuldades que surgem a cada ano, os teatristas se esforçam e não recuam em seus objetivos: colocar o teatro de rua em destaque, no lugar que ele merece e a revista é mais de um desses veículos! Boa leitura. 19
Apresentação: Do conjunto de conquistas do coletivo formado por grupos de teatro de rua de São Paulo, em destaque As cenas de rua no teatro de rua por Alexandre Mate2 Camelô, esse dono da calçada, Da conversa bem jogada, vende a quem não quer comprar Se tivesse tido a chance de uma escola Muita gente de cartola Lhe daria seu lugar. Ele é vesgo, pois a profissão ensina A ter um olho na esquina e outro olho no freguês, Assim de vez em quando ele escapa Gozando a cara do “rapá” Que bobeou outra vez. Aconselho, então, A muito advogado Que ganha calado Escutar o camelô com atenção O distinto aprenderá a falar de fato E ao terminar o mandato já tem uma profissão: De camelô... Camelô. Billy Blanco.
Do conjunto de conquistas do coletivo formado por grupos de teatro de rua da cidade de São Paulo, é preciso destacar o processo de formação desencadeado, em 2011, com o curso As cenas de rua no teatro de rua, coordenado por Alexandre Mate, desenvolvido no primeiro semestre do ano nas dependências do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) e, no segundo, em sedes de grupos participantes do processo: agosto – Pombas Urbanas (extremo leste da cidade); setembro – Brava Companhia (extremo sul da cidade) e outubro – Trupe Olho da Rua (em Santos/SP). Motivados pela necessidade de formar um coletivo e conscientes do processo de registro documental e de formação, um grupo de fazedores de teatro de rua de São Paulo, em 2009, deu início a um processo de reflexão nas dependências do Instituto de Artes da Unesp. Para além do trabalho estético e de organização militante, verificou-se a necessidade de se refletir histórica e esteticamente sobre questões significativas para os artistas de rua. Havia (e isso permanece) absoluta necessidade de entender e de trocar procedimentos e achados estéticos. Importava (e ainda importa) o desenvolvimento da linguagem teatral como experimento estético-social. Era (e continua a ser) fundamental criar espaços de discussão; conhecer e estudar determinadas teorias, práticas e textos, bem como empreender uma reflexão pertinente 2 Professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), pesquisador de teatro e integrante dos Núcleos Nacional e Paulistano (SP) de Pesquisadores de Teatro de Rua.
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a esse respeito. Urgia aproximar-se e apropriar-se de certas experiências desenvolvidas na história do teatro, notadamente aquelas ligadas ao teatro de rua e ao teatro épico. Caracterizava-se imperioso que os fazeres estéticos, uma vez refletidos, discutidos e polemizados, fossem redimensionados politicamente. Por último, era (e continua a ser) preciso potencializar a consciência e as práticas no concernente ao registro documental dos trabalhos apresentados pelos coletivos de rua. Essa proposta ambiciosa, que articulava tantos objetivos, foi sendo conquistada paulatinamente. E o melhor de tudo isso: de modo coletivo. Assim, sem eufemismos nem apologias vazias, pode-se dizer que há na cidade de São Paulo, dentre tantos outros, um movimento de fazedores de teatro de rua que discute e que estuda o seu fazer articulado a tantas outras necessidades e práticas sociais. O coletivo de estudos conta com número expressivo de participantes, mas, pelas contingências de sobrevivência, com alguma flutuação. Além de estudantes de teatro, em nível de graduação e de pós-graduação, há os seguintes coletivos: Algazarra Teatral, Brava Companhia, Buraco d’Oráculo, Cia. Antropofágica, Companhia do Miolo, Cia. do Outro Eu, Companhia dos Inventivos, Cia. Estável de Teatro, Cia. Os Itinerantes, Cia. Teatro dos Ventos (Osasco), Coletivo Aliança Libertária Meio Ambiente (Alma), Coletivo Território B, Como Lá em Casa, Filhos da Dita, Gaiathos Cia. Circense, Grupo Teatral Nativos Terra Rasgada (Sorocaba), Grupo Teatral Parlendas, Mamulengo da Folia, Núcleo de Pesquisa Teatral Santa Víscera, Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo, Pombas Urbanas, Populacho & Piquenique Classe C do Teatro, Projeto Bazar, Quarteto Trio Los Dos (Santos), Teatro Popular União e Olho Vivo (Tuov), Trupe Artemanha, Trupe Olho da Rua (Santos). Além dos grupos da cidade de São Paulo e de cidades vizinhas, recebemos também a visita de sujeitos e de grupos de outras cidades de São Paulo, de outros Estados e de outros países: Grupo Teatral Manjericão (RS), Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais (RS), Elizabeth Cano (Colômbia), Rolando Hernandez Jaime (Cuba), Grupo Circo Teatro Rosa dos Ventos (Presidente Prudente) e Fernando Leiras (Portugal). Conscientes também de que todo espetáculo apresentado na rua é épico, ou transita com expedientes épicos, foram realizados encontros em torno desse gênero, tanto em seu sentido narrativo e teatralista quanto em seu sentido dialético. As sínteses desses encontros, batizados por Aula 1 e Aula 2, podem ser consultados na íntegra no blog Teatro de Rua e a Cidade do Buraco d’Oráculo3. À luz das dificuldades relativas à compreensão do épico e pela necessidade e consciência de que a rua é espaço de troca de natureza política, e que o espetáculo se caracteriza em um experimento estético-social, foram lidos e de algum modo discutidos os seguintes textos: • de Bertolt Brecht: A nova técnica da arte de representar; As cenas de rua; Efeitos de distanciamento na arte dramática chinesa; O pequeno organon para o teatro; Para o Sr. Puntilla e seu criado Matti. Notas sobre teatro popular; 3
Disponível em: <http://teatroderuaeacidade.blogspot.com>. Acesso em: 5 mar. 2012.
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• de Gerd Bornheim, inserido no livro Brecht: a estética do teatro: “O efeito do distanciamento: o conceito; o público; o ator; a cena, os elementos cênicos, a música; o diretor.” • de Walter Benjamin: O autor como produtor, O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, O que é teatro épico? Ao longo do ano não foram vencidos todos os textos; entretanto, fica a consciência de como se deve ler um texto. Palavras e conceitos têm de ser revistos e revisitados; não se lê um texto sem entender seus conceitos básicos e suas articulações com contextos próximos e distantes. Exemplo significativo ocorreu no segundo encontro, com a discussão de O pequeno organon para o teatro. No último ensaio escrito por Brecht (1948), está dito reiteradas vezes ao longo dos mais de 70 capítulos que a função do teatro épico-dialético é educar e divertir. Entretanto, quando se perguntou sobre o significado de divertir e a diferença entre divertir e educar, os presentes naquele dia de discussão ficaram em silêncio, revelando falta de domínio e de conhecimento sobre o conceito; portanto, a compreensão fundamentava-se em inferência, geralmente preenchida pela ideologia da classe dominante. Em outro encontro, em que o grande grupo foi subdividido em subgrupos, finalmente a compreensão se fez: divertir, do latim divertere, significa apartar-se, divorciar-se, apodar-se... logo, distanciar-se, que se caracteriza em um dos conceitos fundamentais da teoria brechtiana. Com base nessa descoberta começou a ganhar certa clareza a questão da desnaturalização proposta por Brecht. Encontros de confronto e de polêmica, de reflexão e de revisitação, de relatos e de escuta. Encontros de troca. De maneira mais geral, o que é muito bom, os integrantes do grupo de estudo têm se utilizado das palavras e dos conceitos com mais rigor e clareza. Na medida em que tendemos ao orgânico, é evidente que essas preocupações têm migrado para as criações estéticas. Temas e expedientes têm sido revisitados e experimentados novamente a partir de novas práticas e de outros olhares. Acerca desses encontros – o último foi realizado no Centro de Formação do Apostolado de Santos (Cefas), em 27 de outubro –, escreveu o parceiro Zeca Sampaio, cujo texto aparece na íntegra. Outra conquista significativa, fruto de muito trabalho, diretamente ligada à realização da 5 Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, foi a realização de extensa programação proposta pelo I Fórum de Teatro de Rua, com as seguintes atividades: a
29 de julho, de 9h30 às 13h: a discussão, coordenada pelos integrantes do Núcleo de Pesquisadores de Teatro Paulistano, teve por tema Relatos de “viajantes” por uma imensa avenida chamada Brasil. De 15h às 18h, com o mesmo coletivo e sob a mesma coordenação, houve nova discussão com base no tema As possibilidades do teatro de rua nos espaços públicos interditados pelos representantes do poder constituído. A partir das 18h exibiram-se documentários de grupos de teatro. Dentre os aspectos discutidos ao longo do dia, ganharam destaque vários relatos de artistas-companheiros do Brasil e táticas necessárias para que os grupos consigam apresentar trabalhos em espaços públicos. Alguém lembrou não ser tão incomum, tendo em vista as várias proibições, de os artistas serem obrigados a apresentar seus 22
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espetáculos “aos pedaços”. Um trecho aqui, repressão; outro trecho ali, repressão... Ficou evidente para as pessoas que participaram do evento que a maior dificuldade – sem eufemismos – é existir (muito mais intensa do que apenas produzir). 30 de julho, de 10h às 13h, na Sala Azul da Galeria Olido (espaço da Secretaria Municipal de Cultura), o tema que pautou a discussão foi Procedimentos de trabalho e trocas de experiências. Da mesa, com mediação de Calixto de Inhamuns, participaram representantes da Companhia do Miolo, Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes, Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo, Trupe Artemanha e Pombas Urbanas. De 14h30 às 17h30, o tema foi Modos de produção e construção coletiva da obra teatral. Com mediação de Ednaldo Freire, participaram representantes da Brava Companhia, Buraco d’Oráculo, Companhia dos Inventivos, Trupe Olho da Rua (Santos) e Teatro Popular União e Olho Vivo. Das proposições apresentadas e das reflexões desenvolvidas, foram destacadas as seguintes questões: Por que ir para a rua? O que o teatro de rua tem de diferente de outros espaços de representação? Qual o significado de passar ou não o chapéu? Fez parte também da conversa o levantamento de leis acerca da regulamentação de ocupação de espaços públicos e foi evocado o artigo 5o da Constituição Brasileira que garante o direito de manifestação e de expressão de todo e qualquer cidadão. 31 de julho, de 10h às 13h, no Teatro Experimental de Arena Eugênio Kusnet, compuseram a mesa Romualdo Bacco (SP), Jussara Trindade (RJ) e Giancarlo Carlomagno (RS). O tema proposto foi Apreciação crítica da obra teatral apresentada na rua. Durante os três dias de discussão, sempre “cortados” por intervenções livres dos participantes, falas e discussões eram regadas a textos de diferentes naturezas e origens. Ainda não sistematizados, foram recolhidos pequenos relatos dos participantes acerca do primeiro espetáculo ou intervenção apreciados em espaços públicos. Estamos conscientes de nossa responsabilidade e tarefa. Estamos na luta. Estamos na História, fazendo história. Para finalizar, e porque a tarefa é imensa e desafiante, que a mobilização possa tomar por mote e guia o contido no delicioso poema de Paulo Leminski En la lucha de clases: En la lucha de clases todas las armas son buenas piedras noches poemas
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Placa em homenagem ao Movimento de Teatro Popular de Pernambuco - MTPE. Foto de Alexandre Menezes.
O grande homenageado da quinta edição da Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas: o Movimento de Teatro Popular de Pernambuco (MTP/PE) por Alexandre Menezes
Somos resistentes. Lutamos contra os absurdos cometidos por aqueles que se autodenominam “gestores públicos”. Não estamos mortos... por isso, seguimos em frente, disponibilizando nossos trabalhos em busca de dias melhores. Frase e palavra de ordem dos participantes do Movimento. No início dos anos 1980, surge em bairros periféricos do grande Recife (PE) um significativo número de grupos de teatro popular. A quase totalidade desses grupos era motivada, principalmente, pela necessidade de apresentar espetáculos que estimulassem a consciência e suscitassem o questionamento da realidade e do valor da liberdade do povo, tão desprovido de informação. Alguns desses grupos surgiram da necessidade de seus integrantes de criar um movimento cultural em bairros onde não havia organização popular, como é o caso do Despertar, em Beberibe, e do Colibri, em Fosforita. Outros surgiram a partir de grupos de jovens de igrejas, como o Teamu, em Mustardinha, e o Arruaça, em Campo Grande. Outros, ainda, para reforçar e facilitar a mobilização em bairros que já contavam com certo grau de organização, como o Teimosinho e o Mais Um, em Brasília Teimosa, o Vem Cá Vem Vê, em Casa Amarela, e o Babel no Coque. 24
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Em 1984, na Casa da Criança, em Olinda, aconteceu o 1o Encontro Estadual de Teatro Popular, com a participação de onze grupos, cujos objetivos vislumbravam a reunião de grupos de teatro popular, a instauração de uma reflexão acerca das práticas de cada um e a criação de um organismo que possibilitasse e facilitasse o trabalho coletivo desses grupos. No 2o Encontro de Teatro Popular de Pernambuco, realizado em 1986, no Recife, já se delineava, claramente, a organização daquele coletivo como Movimento de Teatro Popular de Pernambuco, e a construção de uma identidade própria. Por conta das conquistas, constituímos uma organização social politicamente autônoma, sem vínculo com órgãos públicos ou privados. Desse modo, temos sobrevivido de recursos próprios, decorrentes das ações dos grupos. As peças montadas por esse agrupamento apresentam montagens coletivas, enfocando situações e conflitos de comunidade, e tratam do trabalhador, do estudante etc. Entretanto, e exatamente pela escolha que os grupos fizeram, a poesia, a arte e o lúdico caracterizam-se fundamentais. Portanto, o conteúdo do teatro popular, de modo bastante amplo, atem-se à vida e à dura realidade dos sujeitos que protagonizam nossas obras. Nos espetáculos, procuramos observar sempre aspectos políticos, econômicos, sociais, ideológicos e culturais articulados. Não se quer dizer com isso que outros temas não sejam importantes, mas priorizamos aqueles que determinam a situação em que vivemos, tentando apontar algumas saídas para a superação do mal que aflige o povo. A origem desse Movimento caracteriza-se, portanto, por um teatro feito do povo para o povo, pois, como afirmou Augusto Boal, em vários dos seus textos escritos, “O teatro chega ao seu maior grau revolucionário quando o próprio povo o pratica, quando o povo deixa de ser apenas o inspirador e consumidor e passa a ser o produtor”. Para concluir, hoje, o movimento conta com a participação de oito grupos: Amanhã Eu Digo o Nome, Arteiros, Grupo Coquearte, Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê, Drão de Teatro, Ifá-Rhadhá de Art’Negra, Poesis - Grupo Cultural do Alto José do Pinho e Teamu & Companhia.
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo A Herança de Nós Todos. Grupo Arteiros - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
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4a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo O Amargo Santo da Purificação. Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz - Porto Alegre/RS. Foto de Joca Duarte.
Teatro de rua ou teatro na rua? Por Zeca Sampaio5
Será esta uma questão meramente acadêmica? Será que estamos ficando sisudos? Que diferença faz uma preposiçãozinha “de” ou “na”? Parece que para alguns há uma diferença e ela parece ter importância. Então, vale a pena tentar entender a questão. Se há um “Teatro” que é teatro em qualquer lugar, obviamente ele pode ser feito na rua, no circo, nas escolas, nos galpões das associações de bairro ou nos teatros municipais, sem que haja uma diferença fundamental. O que o caracterizaria como teatro, então, seria a sua qualidade pura e simples. Existiriam o bom e o mau teatro. Agora, um teatro de rua supõe outro que não é de rua, e que, para facilitar, vou chamar de teatro de palco. O que caracteriza, então, o teatro de palco, como diferente do de rua? Poderíamos começar por muitas vias, mas gostaria de pensar primeiro no tema da proteção. O teatro de palco é um teatro protegido, resguardado pela quarta parede, pela luz apagada na plateia, mas especialmente pela convenção que nos assegura que o público não vai invadir o espetáculo, não vai interferir, não vai interromper nem abandonar seu papel de plateia. Salvo raríssimas exceções, o artista no palco está seguro. De acordo com a tradição do teatro, ele é o “senhor do espaço”, é quem comanda as ações, quem “diz as verdades”, quem é “iluminado pelas musas” e a quem se deveria reverência e submissão. Às pessoas da plateia restaria assistir a tudo quietas, mesmo que 5 Zeca Sampaio é ator, diretor, músico e dramaturgo atuando em Teatro de Rua desde a década de 1970. Mestre em Artes e Doutor em Educação, desenvolve trabalhos na área de Teatro Educação, musicalização do ator e expressão corporal com base na teoria da couraça e da expressão de Wilhelm Reich.
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a obra entedie, e aplaudir no final – de preferência de pé para sentir que se esteve presente em um evento importante. A proteção desse teatro equivale – não é a mesma coisa, mas corresponde – ao muro do condomínio, aos seguranças do shopping center. No mundo da cultura são construídos muros que separam a elite “culta, talentosa, iluminada” dos pobres mortais a quem caberia apenas o papel de assistência passiva e de fãs. O egocentrismo dos artistas (não só de artistas, mas de intelectuais, de professores e de outros donos da verdade) muitas vezes facilita o caminho de construção desses castelos murados, verdadeiros condomínios de luxo da cultura. Falando em sociedade dividida... Na rua, a conversa é outra. A rua não oferece proteção tão facilmente. Aqui a convenção é falha, o espaço é aberto e interfere, o público se mistura. Quer dizer que o teatro na rua vai ser sempre um teatro sem muro? Não necessariamente. Nós podemos ir para a rua e lutar para manter o nosso reduto de proteção. Fazemos isso sempre que nos colocamos em posição de elite, de superioridade; quando, mesmo politizados e apresentando propostas revolucionárias em nossos espetáculos, tratamos as pessoas que nos assistem como ignorantes alienadas que precisam ser iluminadas pela nossa sapiência; quando utilizamos métodos de proteção que nos colocam “acima e afora da manada”; quando o diretor diz ao ator o que ele deve fazer em vez de ajudá-lo a descobrir o que quer dizer; quando nos fechamos em discussões teóricas infindas, só compartilhadas pelos iniciados (o que justifica o estranhamento com a própria questão discutida aqui); enfim, sempre que permitimos que a lógica do sistema de divisão de classes e a tradição do coronelato interfiram em nossas boas intenções. Por outro lado, grupos e atores que vão para a rua por necessidade, oportunidade ou acaso podem ter uma experiência reveladora. Na rua, o muro se desnaturaliza, ele não é o óbvio. Como um adolescente de classe média alta que seja obrigado por um acaso a andar de ônibus e, de repente, percebesse que há vida fora do shopping center, o artista que vai para a rua pode descobrir que há um muro que ele não sabia existir. Um muro de proteção que serve para encarcerá-lo. Fazer teatro de rua, então, diferentemente de fazê-lo apenas na rua, seria desmontar o muro, lutar contra o muro e entrar na área do perigo. Fazer teatro de rua, como diria o outro, é um tanto “arriscoso”. Que perigos seriam esses? Vejamos por outro caminho. Gostaria agora de tomar uma questão proposta por Zigmunt Bauman no livro Vidas desperdiçadas e que serviu de ponto de partida para a montagem do espetáculo Arrumadinho, apresentado pela Trupe Olho da Rua, segundo a qual a questão que se colocava era: Você é projeto ou refugo? Segundo Bauman, o sistema vigente (vou dizer o palavrão, desculpem os mais pudicos), o capitalismo globalizado, reino da barbárie, exige um comprometimento com o seu projeto, ou seja, coloca as coisas em termos de uma dualidade: ou se é projeto, ou se é refugo, e um rodízio entre ambos, premido pelas regras do consumo. Há de se convir que o teatro de rua está longe de fazer parte do item projeto. 27
3a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Arrumadinho. Trupe Olho da Rua – Santos/SP. Fotos de Augusto Paiva.
Isso significa que, sempre, ao praticá-lo se estará sendo empurrado para o papel de refugo. Mas essa dualidade proposta pelo sistema é, como sempre, ideológica e é também um truque sujo. É claro que sempre há alternativas, que não podemos dividir o mundo, na lógica bushiniana (desculpem o outro palavrão. Quem manda mexer na sujeira?), entre os que são nossos amigos e os que não são. Além de projeto e refugo, é possível colocar-se na posição de resistência. Quando se tenta separar o teatro de rua de um possível teatro na rua o que se tenta evidenciar é esse sentido de resistência. Um teatro que resiste ao muro, que quer manter, ou estabelecer, ou restabelecer um contato, uma interação, talvez formar de novo um lugar comum – comum unidade? – para fugir à lógica do sistema e, uma vez fora dela, poder mostrá-la como o que é: ideologia naturalizada. Um antiprojeto que expõe, que critica, que duvida, que desvela. A questão é quanto tempo se aguenta resistir? É possível permanecer nessa posição? O antiprojeto corre o risco de se tornar projeto. Um movimento forte estabelece pontes com as comissões, amplia espaços para verbas, ganha um lugar ao sol; o teatro de rua passa a ser uma categoria, com “C” maiúsculo. Quem sabe um dia, para concorrer a uma verba de teatro de rua, o grupo precise de um aval da Comissão Permanente Fiscalizadora do Movimento de Teatro de Rua: CPFMTR! Eita sigla bonita! Por outro lado, ninguém quer viver a vida toda sem condições mínimas de sobrevivência. Os grupos precisam de espaços para trabalhar, os artistas precisam de dinheiro para viver. Permanecer alheio ao mundo oficial, ao projeto, pode significar a porta de entrada para o refugo. Como fazer para que a resistência seja uma atitude permanente? Como organizar a horda da resistência sem se tornar um exército regular? Resistir como bando é possível enquanto existir o ímpeto que contrabalança a eficiência do exército hierarquizado; afinal, os soldados lutam contra seu coração. A história tem demonstrado, entretanto, que os bandos tendem a se dispersar, entrar em conflitos internos e, depois de ganhar muitas 28
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batalhas, ser vencidos pela constância, pela disciplina e pela sedução do sistema. Ainda assim, é resistir ou desistir. Ou será essa outra falsa dualidade? Bertolt Brecht, que, seguramente, pensou sobre essas e também acerca de tantas outras questões, nos acorda por meio do poema Nada é impossível de mudar, segundo o qual: Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.
Introdução ao trabalho com as leituras críticas: tem passado por ruas e avenidas, da desvairada Pauliceia, tantos espetáculos populares por Alexandre Mate6
O mar da história é agitado... Então, o que quereis?, Vladimir Maiakóvski. A Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, em sua quinta edição, é realidade para seus idealizadores, militantes e para vários habitantes da cidade de São Paulo que nunca tiveram a oportunidade de ir às salas de teatro. Cidade com 11 milhões de habitantes (no Estado são 19 milhões de paulistas de todo o País), com “poucas belezas naturais” – salvas da gana do progresso a qualquer custo –, a “pauliceia desvairada” de Mário de Andrade (um de seus mais ilustres habitantes) tem em sua gente o seu maior e mais belo patrimônio. A cidade é bela e surpreendente, erguida principalmente pelas mãos de seus trabalhadores que, em processo de transformação permanente, têm construído tantas obras sobre a destruição de séculos de exploração de gente, de bicho e de planta. As inúmeras belezas construídas pelos homens rivalizam àquelas atlântico-naturais também. Monumentos de diferenciadas naturezas balizam a cidade de infindos contrastes. 6 Professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), pesquisador de teatro e integrante dos Núcleos Nacional e Paulistano (SP) de Pesquisadores de Teatro de Rua.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Reprise. La Minima - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
Paulistano é (considerado pelo senso comum como) uma gente árida muito mais na aparência e pela perversa construção de certa ideologia dominante, que esquadrinha e rotula geograficamente os seres. Pessoas não podem ser rotuladas por geografia, por isso o são por preconceitos de diversas e contraditórias naturezas... Seres podem ser compreendidos por suas realizações, pela qualidade de suas relações, pela capacidade tática em enfrentar e superar tantas dificuldades, obstáculos e problemas; pela abrangência de seus gestos; pela capacidade e grandeza de seus acolhimentos etc. A 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, hoje referência para os fazedores de Teatro de Rua no Brasil, representa uma conquista importante de parte da população da cidade em prol do desenvolvimento da linguagem teatral no País. De outra forma, a Mostra também se caracteriza pela capacidade que os trabalhadores-artistas têm de receber seus semelhantes. Entre tantas e belas conquistas da brava gente brasileira, a manifestação teatral compreende também o modo como as gentes, não apenas paulistanas, se relacionam com seu tempo, sua história e seus semelhantes, em processos de troca mediados por símbolos. Por intermédio das artes apresentadas na rua, 30
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interferindo e intervindo no cotidiano “descolorido” da cidade, a percepção do imenso território que se ocupa tende a redimensionar-se, a ser ressignificada pela potência de sua gente-em-relação. Morador ou não, paulistano ou não, atento ou não, se tomado ou não pelo senso comum, cidadãos inocentemente desavisados (ou maliciosamente seviciados) tendem a falar uma série de bobagens acerca da cidade de São Paulo. Ela surpreende e inibe, assusta e deleita, não exige nem a altivez nem a submissão, mas a parceria. Tudo na cidade, que é um organismo vivo e pulsante – e que está permanentemente a “devorar e a parir” os homens –, exige relação, atenção, percepção dialética. Tudo na imensa cidade encontra-se em processo de migração: pessoas, endereços comerciais, viadutos, jardins, cinemas. Parece que “tudo tem pernas”, ou que a tudo se confere pernas. Espaços não visitados por um determinado e curto espaço de tempo, quando revisitados, apresentam uma
paisagem mudada. Tantas mudanças na cidade transformam a apreensão e a memória territorial de todos os cidadãos. O vivido em certo local, sobretudo se fechado, fica apenas na memória, em paisagem interior. Os espaços abertos, mesmo em sua dinâmica inalcançável – pelo fato de tudo ocorrer ao mesmo tempo – permitem certa revisitação materializada. Desse modo, o teatro praticado na rua não fica centrado no espetáculo e, sim, no modo como o espetáculo se insere na dinâmica da cidade e na maneira como ele se relaciona com os transeuntes, tantas vezes desavisados em relação aos detalhes que compõem as artérias citadinas. A Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas tem se descentralizado ao longo dos anos e convidado grupos cuja pesquisa e resultados são desconhecidos pela quase totalidade dos sujeitos, inclusive dos fazedores de teatro. Não apenas pela descentralização, mas também porque raros são os documentos críticos e da existência dessas manifestações, é que se tem buscado, há três anos, o registro crítico dos espetáculos apresentados no evento. Nesse processo coletivo, respeita-se o texto de cada leitor crítico corrigindo-se apenas, quando necessário, determinados “deslizes” quanto à norma culta da língua. Não se promove qualquer tipo de censura às reflexões. Afinal, para muitos de nós, o aprendizado ocorre ao caminhar. Da quinta edição da Mostra, levada a cabo de 5 a 14 de novembro de 2010, participaram 21 leitores críticos: Adailtom Alves, Alexandre Falcão de Araújo, Alexandre Mate, Aurea Karpor, Daniela Giampietro, Daniela Landin, Emerson Natividade,
Jean Giusti (francês em período de estudos por São Paulo), Helena Cardoso, Isabela Penov, José Cetra Filho, Juliana Rocha, Lígia Marina, Lissa Santi, Luiz Carlos Checchia, Maria Gabriela D’Ambrozio, Narah Neckis, Natália Siufi, Paulo Bio, Renata Lemes e Roberta Ninin. Suani Corrêa, companheira do Pará, e Flávio Melo, parceiro da cidade de Sorocaba, apresentam algumas impressões acerca do evento. Os resultados das 44 críticas aqui inseridas apresentam diferenças substanciais entre si. Ao se comparar o conjunto atual àquele da primeira experiência crítica, ocorrida durante a 3a edição, é inequívoco o salto qualitativo verificado tanto da qualidade dos trabalhos quanto com relação ao número de leitores críticos. O conjunto de analistas forma uma espécie de coro de receptores, cujos olhares críticos documentam e inserem o teatro de rua na história das artes cênicas no País. Como em anos anteriores, a totalidade dos ensaístas – cujo trabalho foi voluntário – compunha-se de estudantes de artes cênicas, sobretudo do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) que, de modo militante, tem “atendido” ao chamado de pensar as práticas teatrais no processo acadêmico e em sua recepção crítica. Na apreensão crítica desta quinta edição, buscou-se instaurar um diálogo entre criadores e receptores. Solicitou-se a cada grupo que apresentasse algumas coordenadas históricas de sua formação e interesses na montagem do espetáculo inserido na Mostra. Apresentado o primeiro texto (apenas quatro grupos participantes não realizaram a tarefa), seguiu-se à leitura crítica da obra (de uma a três) que, ao ser lida pelos integrantes de cada grupo, tentaram dialogar com as considerações apresentadas. É claro que há inúmeras maneiras de uma leitura crítica ser apresentada. A forma atual é adotada por se acreditar que ela possa render bons frutos para os artistas, para os receptores críticos e para os leitores desta revista. O espetáculo apresentado na rua, por não se colocar em uma redoma – blindado por uma quarta parede e por um conjunto de efeitos que centra e foca o olhar no palco –, tem lógica e 31
procedimentos diferenciados dos congêneres apresentados em caixa. O espetáculo de rua não tem uma partitura fechada, é obra que se constrói em processo. Entretanto, por não haver reflexões nem estudos publicados em português a esse respeito, muitas análises ainda se apresentam com um corte chamado fenomenológico, que considera apenas o espetáculo em si. Na rua, o fenômeno estético-social amplia-se; o espectador, em muitos casos, é parte integrante da obra: às vezes, parceiro, mesmo, de cena. Durante um espetáculo apresentado na rua, os espectadores e a obra encontram-se em meio a uma espécie de “sinfonia desconcertante”: há barulhos de toda ordem, apelos visuais. No logradouro público há dispersão e a cena tende a incorporar a paisagem da cidade e os transeuntes. É fundamental perceber como os artistas de rua conseguem “driblar” tudo isso e se relacionar com o espectador, quase sempre de passagem, quase sempre pego de surpresa. De modos mais e menos explícitos, o espetáculo de rua caracteriza-se em um experimento estético-social que, invariavelmente, por seus expedientes característicos, provoca e incita o espectador a aderir e a jogar no espetáculo. Ao parar, independentemente do tempo, o transeunte refuncionaliza tanto o seu olhar quanto o inserir-se nela. As percepções que ele tem da cidade, as que ele tem de si próprio e aquelas decorrentes das relações que ele estabelece com os logradouros pouco percebidos e com um grupo de sujeitos. Ao aceitar a obra, mesmo que de modo lancinante e fugaz, o espectador, sujeito de um processo ou experimento estético-social, acaba por redefinir perceptiva e materialmente sua inserção naquele contexto que transcende a paisagem. Em diversas leituras críticas aqui apresentadas – muitas delas premidas por um tom sionístico admirável –, há menção de modos como o sujeito espectante insere-se na obra e na paisagem, nas situações e na cidade. Desse modo, mesmo que a totalidade dos comentários atenhase às obras assistidas, há “desvios” fundamentais do entorno, dos modos de comportamento, de tipos sociais, de aspectos inusitados. Espetáculo que transforma o indistinto em área de representação. Espetáculo que interrompe um processo quase sempre rápido e indistinto do pedestre para ressignificá-lo. Espetáculo em que, mesmo de modo lancinante, pobres e ricos, mendigos e ocupados, bêbados e sóbrios, ousados e esquadrinhados ficam juntos, podem indagar-se sobre as “pedras no meio do caminho”. Coro socialmente dissonante, mas em harmonia. Na cena de rua, lugares indistintos são retomados e ressignificados por pessoas apartadas por inúmeros sensos/sentidos/classes sociais, restabelecendo trocas atávicas, simbólicas, premidas por espanto e humanidade. Tantas pessoas, permanentemente desassossegadas e juntadas em uma só, manifestaram: “Tudo vale a pena quando a alma não é [está premida pelo] pequena[o]”.
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Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
A importância do olhar de “viajantes de fora” e seus pontos de vista acerca da 5a edição da Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas [Viajante#1] - A gente faz teatro pra libertar por Suani Corrêa7
De 5 a 14 de novembro de 2010, estive em São Paulo para acompanhar a 5 Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, um dos mais importantes eventos dessa modalidade teatral do cenário nacional. A Mostra é idealizada e realizada pelo Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR/SP). a
Desde a minha participação no 7o Encontro dos articuladores da Rede Brasileira de Teatro de Rua, ocorrido em maio de 2010, na cidade de Canoas (RS), em que ouvi falar sobre a Mostra Lino Rojas, fiz todos os esforços para estar presente, pela importância que a Mostra parecia ter – e tem! – diante das discussões sobre o fazer artístico-político do Teatro de Rua no Brasil. E também para enriquecer muito mais meu olhar, alargar meus horizontes de artista-articuladora amazônica. Consegui estar presente ao evento citado, aproveitando o embalo da minha participação no VI Congresso da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas (Abrace), no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).8 Nessa 5a edição, a Mostra homenageou um dos mais importantes movimentos populares do Brasil: O Movimento de Teatro Popular de Pernambuco (MTP/PE), com 25 anos de existência, que procura levar o questionamento e a reflexão à população e aos gestores públicos em relação aos grupos de teatro popular. Aliás, o título deste meu relato é um verso de uma loa entoada pelo grupo Teamu & Companhia, durante o espetáculo Êta vida. Resolvi “pegá-la emprestada”, pois, a meu ver, traduz muito bem o sentimento que se instaurou durante os dias da Mostra Lino Rojas: libertação. O artista de rua, o Teatro de Rua faz teatro para libertar!
Abertura da 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. MTP/PE. Studio l84 - Pça Roosevelt. Foto de Suani Corrêa.
7 Integrante do Grupo Palhaços Trovadores de Belém (PA). Artista-articuladora da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), da Rede Teatro da Floresta e do Fórum Permanente de Teatro do Pará. Mestranda em Letras – Estudos Literários – pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
Na assembleia geral da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas (Abrace), foi aceito o pedido de criação do grupo de trabalho Artes Cênicas na Rua, reivindicação do Núcleo Nacional de Pesquisadores de Teatro de Rua, do qual faço parte desde maio. 8
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Tive a oportunidade de reencontrar amigos e de fazer outros tantos. Vi e ouvi muito sobre Teatro de Rua, resistência, compromisso, criação, processos, política, liberdade... E isso, somado às minhas experiências, me fez compreender, cada vez mais, a luta pela arte de rua, tanto no plano artístico e estético quanto político. E não há uma fórmula exata, precisa, para esse fazer. Por isso, não devemos entrar no campo do “certo ou errado” ao falar, descrever, criticar esse ou aquele espetáculo. Aliás, posso dizer que a 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas buscou e apresentou uma diversidade cultural e teatral enorme. O Brasil se fez presente de norte a sul do País na capital paulistana. Grupos de Porto Alegre, Curitiba, Belém, Brasília, vários de Pernambuco, São José dos Campos, Santos, Campinas, Sorocaba, São José do Rio Preto, Presidente Prudente e alguns da cidade de São Paulo mesmo. Muitos teatreiros de rua estiveram presentes, “passeando” pelo universo da cultura popular, do misticismo, do circo – com palhaços, acrobacias e malabarismo –, dos marginalizados etc. Além disso, há grupos que, além de fazer teatro, procuram desenvolver ações políticas junto à comunidade em que estão inseridos; mas, para outros, o próprio fazer teatral já é uma ação política. Um dos momentos mais emocionantes presenciado por mim ocorreu durante o debate após o espetáculo Homem cavalo & sociedade anônima, da Cia. Estável de Teatro (São Paulo). O espetáculo desenvolve-se a partir de situações sobre trabalho, moradia e consumo, mostrando a figura do homem animalizado e explorado, e é apresentado em um albergue chamado Arsenal da Esperança. Pois é... Quando ouvi as histórias dos albergados, relatadas por eles mesmos, que estavam ali presentes, falando do preconceito que sofriam e dos “malabarismos” que faziam para sobreviver no mundo capitalista como o nosso... Coração apertou ao ouvir o relato de um paranaense, que estava ali para tentar mudar sua história de vida... Mas como, se ele era um albergado?! Enfim, a volta para o hotel, naquela noite, não foi tranquila para mim. Foi a primeira vez que eu estive num albergue. Em outros momentos, peguei-me atenta ao público. Às vezes, chegava a perder o desenrolar das cenas, pois estava observando a plateia, atenta, participativa nos espetáculos. Vi muitos risos. Mas também vi algumas lágrimas. Não sei se de alegria ou de tristeza; talvez lavassem a alma daquele transeunte que muitas vezes estava só de passagem, voltando ou indo para o trabalho, para casa. Porém, algo lhe tocou, lhe atraiu e, lá, nas praças, na rua, permaneceu. Isto aconteceu durante o cortejo-espetáculo A guerrilha do bom humor, do Esquadrão da Vida (Brasília), em que os atores-músicos-acrobatas fizeram com que muitas pessoas parassem e os acompanhassem, mesmo sem caminhar junto, pois esse acompanhar se estabeleceu pelo olhar. Muitos de nós, articuladores ali presentes, notamos que várias pessoas apareciam nas janelas dos apartamentos e acompanhavam as canções, as trovas e o colorido do grupo brasiliense.
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. A guerrilha do bom humor. Esquadrão da Vida - Brasília. Foto de Suani Corrêa.
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Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
Além de gratificante, foi muito importante estar presente à 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas para ver, acompanhar e perceber de perto a expressividade e a força do MTR/SP. Assim, no papel de artistaarticuladora da Rede Brasileira de Teatro de Rua e da Rede Teatro da Floresta, vou ampliando os horizontes e o olhar sobre o meu trabalho, em relação ao grupo do qual faço parte e sobre a arte e as políticas públicas de minha cidade, Belém do Pará; além da possibilidade de contribuir com as discussões acerca do Teatro de Rua no Brasil.
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Encerramento Cobra de sete cabeças. In Bust - Belem/PA. Foto de Suani Corrêa.
[Viajante#2] - Entre público: um momento poético num encontro real por Flávio Melo9
A começar pela Praça do Patriarca, uma grande área livre em meio à concorrência por espaços no centro de São Paulo, tudo que era pedra foi diluído, “desmanchou-se no ar e na água”, em uma semana chuvosa de novembro de 2010, repleta de apresentações teatrais ao ar livre. Aconteceu ali mais uma Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Foi o que houve: um encontro entre vários grupos de artistas, de pessoas, que deram outro sentido a tudo aquilo que até aquele momento, de certa forma, estava estático. Ali, em uma das pontas daquele espaço livre, havia duas estátuas, uma quase de frente para a outra. A maior estava de costas para a Praça e a menor de frente para ela. A grande, dura e imóvel, não exibia expressão alguma, mesmo com o pouso dos pássaros e os flashes das máquinas fotográficas. A menor carregava um teor de dúvida, despertava-me uma certa desconfiança típica de quem compra um produto ilícito. Era uma falsa estátua. Agora sei, mais confiável que a outra. Em meio ao “furdunço” central da cidade, no coração pulsante da Pauliceia e do capitalismo paulistano, existe o paradoxo entre as duas estátuas, a falsa e a verdadeira, diariamente a serem desvendadas, uma estática e outra a realizar pequenos movimentos à espera de uma moeda. 9 Ator e diretor do Grupo Teatral Nativos Terra Rasgada, de Sorocaba (SP). Formado Técnico-Ator em 2002, graduado em Teatro – Arte-Educação em 2009.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Este Lado Para Cima – isto não é um espetáculo. Brava Companhia - São Paulo/ SP. Foto de Augusto Paiva.
Existiu outro paradoxo no mês de novembro de 2010: ganhou ou encheu-se de vida a vida na Praça do Patriarca – pena que a estátua de pedra não viu. Quem não resistiu bravamente como o senhor José Bonifácio de Andrada e Silva, virou-se e pode assistir às apresentações teatrais, circenses e brincadeiras dramáticas, pode ver pessoas brincando de teatro, e quem não se vetou, brincou também. Pessoas anônimas como os artistas que ali apresentavam-se, reconheciam-se no anonimato e nas brincadeiras, ora e outra nas duras verdades que compreendem o viver. Ajudaram a empurrar uma kombi, pois estavam brincando tão sério que se envolveram, apenas para dar continuidade à brincadeira, à ficção da “nau” que não conseguia sair do lugar. Então foram “marinheiros, rebocadores” e outras personagens, ajudando a história a prosseguir. Ajudaram a história a acontecer. Acima do “museu de arte” e das galerias de esgoto e de tubulações elétricas e telefônicas, e abaixo dos trinta andares de uma grande instituição bancária, num limbo encantador, os artistas populares e os populares artistas foram prisioneiros, mágicos, figurinistas e maquiadores. Até o sol e a chuva participaram, dessa vez juntos, e por mais de uma vez acompanharam a formação das rodas, as apresentações e reivindicações como a do Manuel Pedro, uma pessoa do público que fez questão de se manifestar ao término de uma das apresentações, afirmando: “O teatro deveria ser uma matéria na escola”. O público manteve a roda o tempo todo, ele era a roda no aquecimento dos atores, nas conversas entre os espetáculos, depois da apresentação e no debate. Aliás, como participou esse público dos debates, como queriam saber. 36
Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
“Quais os objetivos de fazer teatro de rua, político, social, qual a dificuldade?”, perguntou, como quem não entendia mas concordava com o que estava presenciando, o Marcos Passareli, mais um integrante da roda que estava matando umas horas de seu trabalho para acompanhar um pouco a Mostra. E eram tantas etnias, tantas tribos... tive a impressão de que o mundo viajou para São Paulo naquela semana. Como se fez presente nessa Mostra o homem; como se fez importante para o teatro o homem; como se fez importante o homem para o homem. Sentaram-se, falaram, cantaram, seguraram estandartes, banners, seguiram artistas para se esconder do sol, depois da chuva, tornaram-se atores por minutos, talvez para sempre. O que de especial acontecia ali? Talvez o encontro entre semelhantes, a maneira igualitária como o artista de rua se coloca perante os outros artistas, o reconhecimento das funções pessoais na coletividade, conforme descreve Peter Burke no livro Cultura popular na Idade Moderna (2010, p. 50) sobre uma comunidade tribal pequena, “O artífice ou o cantor caça, pesca ou cultiva o solo como outros membros da comunidade, e estes entalham ou cantam como ele, ainda que não o façam tão bem nem com a mesma frequência. A participação das demais pessoas na apresentação artística é importante. Elas respondem a charadas e cantam em coros.” É provável que a liberdade do acontecimento em praça pública, o conteúdo simples e conhecido por uma gama de pessoas seja o convite à participação dos populares. E eles participaram! Este ano, como aliás já vem acontecendo desde edições anteriores, a Mostra se expandiu, motivo pelo qual moradores da Zona Norte puderam assistir ao Filhote do filhote de elefante. Moradores da Zona Leste assistiram a Mercadores de liberdade; A herança de nós todos; Diásporas – uma dispersão da(s) humanidade(s) e Quem ensinou o diabo a amassar o pão?... Todos já de barriga cheia de comer o pão que ele havia amassado. No centro, no Teatro de Arena Eugênio Kusnet, apresentou-se o Anuário imaginário. Na Praça do Patriarca: O Negrinho do Pastoreio; Sombras da luz; Aconteceu no Brasil enquanto o ônibus não vem; Circo do só Eu; O comecim das coisas; Êta vida; Reprise; Reis de fumaça; A farsa do advogado Pathelin; Terra Papagalli; Este lado para cima – isto não é um espetáculo; O pavão misterioso; Fio de pão – a lenda da Cobra Norato e A festa da Rosinha Boca Mole. Disso, em seu conjunto, algo semelhante resultou: “Tudo isso acontecendo na sombra do advogado Norato, o misterioso, que comia o pão da Rosinha enquanto o Negrinho esperava o ônibus e apontava para cima, pensando: “só eu” estava no comecim. E agora? Êta reprise de acontecimentos nessa terra Papagalli! Na 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, pernambucanos, campinenses, prudentinos, santistas, brasilienses, gaúchos e paulistanos, todos reunidos e reunindo pequenas multidões para a festa das culturas populares, em plena Praça do Patriarca, em pleno horário comercial, lotado de pessoas. E então, ao menos naquela semana, não viraram as costas uns para os outros, nem as estátuas nem os homens, apenas uma estátua para todos os homens, mas ela não teve escolha, nós é que tivemos. 37
[CB] - Companhia Baitaclã, ao se apresentar, afirma: Feito na rua e para todos que nela estão Ao considerar o histórico de pesquisas e de criações que a Companhia Baitaclã desenvolve no estudo das máscaras, do palhaço, do teatro de rua e na cultura popular desde 1997, ano de sua fundação, destacam-se no repertório dois trabalhos mais recentes: o infantil Um conto nosso, com direção de Pedro Pires, e Anuário imaginário, com direção de Heraldo Firmino, concebidos após um ano de estudo de mesa e de campo das tradições populares brasileiras. Ao observar nosso calendário, vimos uma ampla possibilidade de abordar tradições, muitas delas ainda fortemente presentes no cotidiano das pessoas, mesmo nas grandes cidades. Em Anuário imaginário, colocamos nossas experimentações de forma cronológica, passando por algumas das festas e celebrações coletivas e, também, certos costumes que as cercam. De forma interativa, o público vivencia festejos como o Carnaval, o São João, o Reisado e a Festa do Bumba-meu-boi, revivendo canções, costumes e paladares comuns a essas datas. Percorrendo com esse espetáculo as mais diferentes regiões da cidade, notamos que um dos objetivos foi alcançado: a não classificação de um públicoalvo. É, de fato, um espetáculo que atinge a todas as idades e famílias. Assim, apresentado na rua, é feito para todos que nela estão e por ela transitam. Vemos crianças pequenas gargalhar com os mamulengos e se deslumbrar com o boi; adolescentes identificando a malícia da personagem-tipo Ragonda; adultos que querem participar da simpatia para Santo Antônio e os mais idosos se comover com o lirismo respeitoso da celebração do Divino (Espírito Santo), e estabelecer recortes de suas vidas em diversos momentos da história, provando que a identidade cultural brasileira reside no imenso quintal de cada um, que transcende o território individual.
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Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Anuário Imaginário. Cia Baitaclã - São Paulo/SP. Foto Augusto Paiva.
Com enredo simples, a história pode ser acompanhada pelo público que, tendencialmente, tem permanecido do primeiro ao último cortejo, ou pelo passante apressado da cidade, que pode observar apenas uma cena. Tocamos, brincamos e jogamos com a rua e com aqueles que nos ajudam a fazer o espetáculo, que a cada dia ganha cara nova. A articulação entre a pesquisa da Companhia Baitaclã e o preparo do elenco permitiu à Companhia criar um espetáculo simples, com o objetivo de encantar e divertir os espectadores... a nós, ativos espectadores desse imenso País.
[CB#1] - Um carinho à cultura brasileira por Lissa Santi10
Chovia muito na cidade em 6 de novembro, o que fez com que o espetáculo de abertura da 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, Anuário imaginário, da Companhia Baitaclã, fosse transferido para o Teatro de Arena Eugênio Kusnet. Apesar do espaço fechado, o espetáculo manteve-se com um clima de descontração, bastante semelhante ao espetáculo apresentado na rua! A porta da sala manteve-se aberta o tempo todo. O espetáculo, em si, iniciou após a chegança, que contou com todos os participantes da Mostra. Assim, para começar, uma deliciosa roda de dança na rua, apesar da chuva, seguida de um cortejo colorido e barulhento até o teatro. O espetáculo aludia ao popular. As festas populares brasileiras eram o fio condutor do enredo. Falou-se em Reisado, Bumba-meuboi, Festa de São João. Tudo permeado por uma interação sólida com o público, por canções, pela religiosidade e até mesmo por uma simpatia feita para Santo Antônio, com cinco moças do público. O interessante do espetáculo foi observar o que é popular em São Paulo e o é que popular no Nordeste, demonstrada pelo uso da imagem dos mamulengos nordestinos – na verdade, os próprios atores –, e do forro, aludindo ao seu clima sensual; pelo permanente aparecimento do Bumba-meu-boi do Norte articulado com as festas paulistas, entremeando-o nas cenas; pela genial adaptação do que já foi popular com o que é popular agora, por meio da utilização de personagens-tipo da commedia dell’arte, os criados Arlequim e uma Zerbineta (Francisquinha), impregnados da cultura atual. O espetáculo da Companhia Baitaclã promove um culto ao folclore e à cultura do País, uma espécie de acarinhamento gratuito. Os adereços e figurinos, climatizados, eram feitos de panos coloridos e enfeitados com fitas de cetim coloridas, assim como os instrumentos. Os atores estabeleciam uma empatia direta com o público, que se deveu ao carisma de todos no espaço de representação; era nítido o quanto os atores se divertiam, trocando esse prazer com o público em mesma intensidade e diapasão. O espetáculo evidencia o fato de, no teatro de rua, o enredo e a história servirem apenas de mote para a troca com o público. De repente, não importa mais o que o texto apresenta, mas a interação e o envolvimento entre o que é arte e o que está na rua. Além do já apresentado, a Companhia Baitaclã, com imensa dignidade, para além do discurso – na medida em que a obra demonstrou –, termina o espetáculo com a frase: “O maior tesouro de um povo é a sua cultura.” Atriz e arte-educadora, graduanda em Licenciatura em Arte – Teatro pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), atuante em arteeducação na Fundação Casa, complexo Vila Maria (SP).
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[CB#2] - Salve as festas do bom prazer por Daniela Giampietro11
A memória guardará o que valer a pena. A memória sabe de mim mais que eu; e ela não perde o que merece ser salvo. Dias e noites de amor e de guerra. Eduardo Galeano. A forte chuva caía de maneira avassaladora na cidade, impedindo que a rua e suas “personagens” presenciassem o delicioso espetáculo Anuário imaginário, da Companhia Baitaclã. Por conta disso, o histórico Teatro de Arena Eugênio Kusnet serviu de palco e abrigo aos atores e ao público naquela tarde de apresentação. Apesar da teimosia das águas, a energia do elenco, do início ao fim, era absolutamente contagiante e a rua, por várias vezes, parecia querer adentrar na cena e materializar-se no espaço. O vigor do jogo proposto entre atores e público dava a impressão de fazer com que a imaginação dos presentes pudesse deslocar as paredes do teatro em busca da rua, espaço ideal para a realização daquele momento tão poético quanto intenso. O espetáculo Anuário imaginário propõe uma abordagem lúdica inspirada em algumas crenças, músicas, mitos e brincadeiras tradicionais encontradas na oralidade e na riqueza das festividades populares brasileiras. Com divertida dinâmica, o grupo costura cenas cômicas, músicas tradicionais e brincadeiras interativas, recriando e ressignificando a tradição por meio do jogo entre atores e público. Seguindo a cronologia das festas, a Companhia Baitaclã apropria-se da diversidade que caracteriza festejos como o Carnaval, a Festa de São João, o Reisado e o Bumbameu-boi e os apresenta de modo simples, sem, no entanto, limitar-se à mera reprodução cultural. Além do preparo e da prontidão dos atores, fica evidente que, para a construção do espetáculo, houve intensa e cuidadosa pesquisa. A graça e o lirismo presentes em Anuário imaginário conduzem o público aos tempos de infância, às ruas e praças públicas ainda tomadas por celebrações coletivas e ao sentimento de se ser agente participante e transformador da própria cultura. A musicalidade do grupo é outro ponto importante do trabalho. Há ritmo, vigor e precisão na execução de cocos, frevos, xotes, repentes e maracatus. Tudo muito bem intercalado com cenas cômicas e danças populares. Em um espetáculo como esse, a alegria é a “prova dos nove” e é, sem dúvida, a maior garantia da identificação cultural entre os que fazem e que os que assistem. Talvez por isso, e adivinhando que a festa do bem querer lhe traria memórias de outros tempos e de prazeres menos individualistas, a rua tenha insistido tanto em fazer-se presente. Estudante do curso de Licenciatura em Artes Cêniocas – Teatro da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), atriz e integrante da Cia. Estável de Teatro e professora de teatro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul (SP).
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Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
[CE] - A Cia. Estável de Teatro se apresenta A Cia. Estável de Teatro é um coletivo que tem como premissa a pesquisa e a criação em conjunto com a comunidade onde está inserida. O primeiro projeto desse coletivo foi Amigos da Multidão, realizado no teatro distrital Flávio Império, em Cangaíba, na Zona Leste de São Paulo, onde – pelo edital de Ocupação dos Teatros Distritais, em 2001, e pela Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo –, desenvolveu programação diária com oficinas, espetáculos de teatro, dança e música, saraus e a apresentação de seu repertório: Incrível viagem, de Doc Comparato – projeto Formação de Público –; além dos espetáculos Flávio Império – uma celebração da vida, de Reinaldo Maia, que contou com a participação e atuação de moradores da região; e Quem casa, quer casa, de Martins Pena, apresentado gratuitamente para escolas públicas da região. Em decorrência do trabalho estético social que se estabeleceu naquela comunidade, nasceu o espetáculo O auto do circo, de Luís Alberto de Abreu, que fez extensa temporada em diversos espaços em São Paulo e percorreu alguns festivais no Brasil (Curitiba, São José do Rio Preto, Guarulhos e Santo André). Desde abril de 2006, a Cia. Estável de Teatro encontra-se em residência artística na casa de acolhida Arsenal da Esperança (casa de acolhida que abriga 1.150 homens em situação de rua), localizada ao lado do Museu do Imigrante, no bairro do Brás. Dentro dessa casa de acolhida, uma lona foi armada para apresentações e é também um lugar de convivência dos moradores da casa. A pesquisa desenvolve-se tendo como base debates entre os moradores, convidados e a Companhia; palestras com companheiros criadores de outros coletivos e convidados para o projeto; discussões sobre teatro e sociedade; apresentações dos espetáculos da Companhia e de grupos convidados; interferências artísticas resultantes da pesquisa, além de oficinas ministradas por integrantes da Companhia. Após dois anos de trabalho, uma nova etapa iniciou-se com o projeto intitulado Vagar não é Preciso, contemplado pela Lei de Fomento ao Teatro e pelo Prêmio Myriam Muniz, para a pesquisa e montagem do espetáculo Homem cavalo & sociedade anônima, cuja estreia ocorreu em setembro de 2008, seguida de uma série de debates sobre o conteúdo contemplado no espetáculo. Esse trabalho passou por um longo período de pesquisa, cujas bases conceituais estão nas formas de vagar, nas referências de território, no consumismo e nas relações de exploração de trabalho. O resultado estético dessa pesquisa é um espetáculo épico cujos episódios são costurados pela fábula de um homem animalizado e explorado na condição de cavalo, mas que, aos poucos, vai percebendo sua função histórica e social. 41
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Homem, Cavalo & Sociedade Anônima. Cia. Estável - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[CE#1] - Homem cavalo & sociedade anônima. Uma flor nasceu na rua! por Isabela Penov12
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego. Uma flor ainda desbotada Ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios garanto que uma flor nasceu. [...] É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. A flor e a náusea. Carlos Drummond de Andrade. Em frente ao abrigo para homens em situação de rua Arsenal da Esperança, esperávamos o início do espetáculo da Cia. Estável de Teatro. Ele vem – a primeira personagem, tão bem representada por Osvaldo Pinheiro –, vem e se apresenta: “Oi. Eu sou o Osmundo.” Osmundo são tantos, muitos são Osmundo. E o que ele quer? Ah, Osmundo quer tantas coisas. Naquele momento, irreverente, ele pede um RG. Afirma ter perdido os documentos em sua aventura de migrante. E agora, Osmundo? Encontra-se em estado de ninguém, em estado de total anonimato. Enquanto não conseguir um nome, periga o esquecimento, próprio e alheio, de sua existência. Adentramos o Arsenal. Só é possível ainda ver o imenso cartaz repleto de logomarcas: compre, possua, seja: a mercadoria. Eis que o imenso outdoor move-se e lentamente revela, em pleno movimento, um albergue onde 1.200 homens aguardam – com pressa – a sua vez. De quê? Onde 1.200 Osmundos buscam um nome. Vista úmida, garganta em mil nós. Osmundo quer tantas coisas. A partir de relatos e do cotidiano dos albergados da casa de acolhida Arsenal da Esperança, a Cia. Estável de Teatro criou, depois de um longo processo, a peça Homem cavalo & sociedade anônima, mergulhando em questões fundamentais das relações de trabalho – ali, onde vive parte do imenso contingente que é fruto mofado do capitalismo e é a ele tão incômodo e tão necessário. Atriz, mediadora cultural e estudante do curso de Licenciatura em Arte – Teatro na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).
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Durante a peça, os albergados vão e vêm: muitos ficam. A nós, “público estrangeiro” naquele lugar, do mesmo modo como eles no mundo, os recolhidos oferecem o olhar atento, a presença que, tímida no início, aos poucos se torna firme. Assistem ao retrato de seu cotidiano sacrificado, o abandono, a luta diária, a necessidade de mentir o endereço para conseguir um subemprego. Balançam a cabeça. Eles sabem. Assistem à classe média insípida e alheia, a despeito de tudo isso preocupada com suas questões “urgentes”: alisar o cabelo, defender-se dos “marginais”, cortar funcionários da empresa e... traje esporte fino precisa de gravata? Uma cena rica de um humor corrosivo. Olhar atento, riem. Eles sabem. Assistem ao gari que, contaminado pela perversidade da ideologia capitalista, “quarteiriza” seu turno de trabalho, dividindo-o entre pessoas a quem paga ainda mais injustamente. Baixam os olhos. Eles sabem. E assistem à figura odiosa e nada alheia do Senhor Doutor Patrão, que sabe exatamente o que quer e como conseguir: o lucro gerado pela exploração; a folga que resulta do trote apressado do Homem-cavalo; o sangue do trabalhador pago “[...] não por cinco laranjas nem três, mas até por menos que isso.” Cerram os punhos. Eles sabem. Espetáculo fundamentalmente épico, cuja fragmentação dá conta de abranger o tema em múltiplas facetas, costurado por músicas de uma beleza ímpar (direção musical e músicas de Osvaldo Hortencio): “Maria batia panela vazia/ Mexendo a comida que não existia/ João reclamava um pedaço de chão/ Riscando o asfalto com um giz na mão/ E eu com o passo ferrado no casco/ Sou cascalho, barulho de uma multidão.” A dramaturgia colaborativa encontra uma linguagem popular e penetra com intimidade na poesia triste do seu principal público. Os atores apresentam criações belíssimas, delineadas pela atitude resoluta de quem sabe de que lado está. A direção de Andressa Ferrarezi revela sensibilidade e competência.
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Homem, Cavalo & Sociedade Anônima. Cia. Estável - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
O espetáculo foi, sem dúvida, para muitos – cujos olhares atestavam isso –, um passo em direção à inquietação e à compreensão de questões tão carentes de enfrentamento, mas cujas raízes estão além dos muros da casa de acolhida Arsenal da Esperança. Homem cavalo & sociedade anônima certamente foi, para os tantos que sabem, o momento de saber que sabem. 43
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Homem, Cavalo & Sociedade Anônima. Cia. Estável - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[CE#2] - Homem cavalo & sociedade anônima: as marionetes de um absurdo sistema econômico por Narah Neckis13 Eu, que nada mais amo Do que a insatisfação com o que se pode mudar Nada mais detesto Do que a profunda insatisfação com o que não pode ser mudado. Eu, que nada mais amo. Bertolt Brecht.
A peça Homem cavalo & sociedade anônima, da Cia. Estável de Teatro, fez-se presente na 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. A apresentação, marcada para o dia 6 de novembro de 2010, foi transferida para o dia 7, por força das grandes tempestades que castigaram a cidade de São Paulo. Um espetáculo desafiador. Apesar da chuva, dos entraves sociais, políticos e econômicos, a arte resiste e torna-se instrumento de luta contra o sistema econômico vigente, onde parte da população é carente de oportunidades, massacrada em suas potencialidades, reduzida a animais, “cavalos”. A peça é fruto da vivência dos integrantes da Cia. Estável de Teatro com os moradores da casa de acolhida Arsenal da Esperança, onde a Companhia está sediada por mais de três anos, quando foram contemplados pela Lei Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, com o projeto Vagar não é Preciso. Atriz, advogada, especialista em Direito da Propriedade Imaterial, com ênfase em Direito Autoral e Incentivos Fiscais. Participa do Grupo de Pesquisa Teatral Nativação.
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Ao adentrar na casa de acolhida Arsenal da Esperança, pouco antes da apresentação, observa-se uma arena cercada. Nesse instante, é possível perceber a atmosfera do espetáculo: separação, apertamento, exclusão. Em volta da cerca transitam moradores do albergue, uns vestidos de terno, ansiosos para o evento que vai acontecer, outros discursando sobre as injustiças sociais, a situação dos negros... O símbolo da arena cercada é marcante. As arquibancadas vazias, os atores ensaiando; ao redor da cerca, onde é permitido, o público que chegava e os moradores que ali residiam esperam o evento acontecer. No momento em que se espera a abertura da cerca e o início da peça, o público é surpreendido, sendo convidado a retirar-se do albergue. Na rua, surge um homem que, sem RG, busca de todas as maneiras hospedar-se na casa de acolhida Arsenal da Esperança. Assim, implora para as pessoas darem seu RG e afirma: “[...] um homem sem RG não é nada.” Nessa trilha, inicia-se o espetáculo. O público, em forma processional, é levado a acompanhar a encenação por diversos pontos do albergue até chegar finalmente à arena cercada. Um espetáculo épico, que reúne pesquisa, engajamento político e hibridismo na linguagem cênica. A peça, uma maravilhosa “colcha de retalhos”, aborda situações cotidianas como a busca por emprego e moradia decente; conta a fábula do homem que se reduz à condição de cavalo para sobreviver e expõe relatos gravados dos moradores da casa de acolhida Arsenal da Esperança. O homem cavalo é uma alegoria de todos os brasileiros oprimidos pelo sistema, que, sem muitas oportunidades de escolha, para não dizer nenhuma, são obrigados a aceitar condições de trabalho desumanas. Estão todos à margem, porém, incluídos num sistema absurdo de desigualdades. Dentre as situações cotidianas vivenciadas no espetáculo, destaca-se a da senhora que mora em uma lata de lixo, cujo maior sonho é se casar. Uma personagem que foge da realidade através do sonho, da loucura. Sem dúvida, uma das cenas mais poéticas do espetáculo é o momento em que ela se prepara para o tão sonhado casamento, evidentemente, impossível de ser realizado. Outro ponto forte do espetáculo é representado pelo momento em que os atores, representando a classe média, misturam-se com o público, formando um grande coro. Nesse instante, desfilam pessoas perdidas, sozinhas, sem um objetivo claro em suas vidas, sem identidade, como marionetes. Por fim, o espetáculo não tem a preocupação de apontar soluções para os problemas sociais, o que o torna ainda mais interessante, uma vez que o caos ali vivenciado gera reflexão e debates. 45
[CE#3] - A política do cavalo do homem por Emerson Natividade14
A Cia. Estável de Teatro apresenta um espetáculo que abrange várias linguagens teatrais e artísticas, como o teatro musical, o teatro narrativo, o teatro naturalista, o teatro realista, arcabouços das artes plásticas, entre outras. Homem cavalo trata da animalização e do zoomorfismo. Homem cavalo aborda a situação do cidadão colocado à margem da sociedade, que busca uma forma de viver; sujeito, muitas vezes, sem nenhum recurso material, sem que isso o faça perder a esperança e a fé em dias melhores. Muitos sobrevivem diante da triste realidade. Crianças sem ter o que comer, sem ter o que vestir: preconceito, violência, roubo, discriminação... A fala de uma das personagens do espetáculo: “Vagando com pernas e ideias imprecisas, chegamos do trote pro galope”, expressa o estado de abandono.
Um espetáculo magnífico que revela os problemas da sociedade brasileira, interpretado por atores excelentes (Daniela Giampietro, Maria Carolina Dressler, Nei Gomes, Osvaldo Hortencio, Osvaldo Pinheiro e Sandra Santanna), e direção precisa de Andressa Ferrarezi. Uma dramaturgia interessante e afinada com o contexto proposto. Um todo muito bem executado.
O espetáculo começa com um cidadão brasileiro que poderia se chamar João ou José, como tantos outros espalhados por este País, que precisa de um RG para adentrar em uma instituição pública, passando por cenas de manifestação popular, bebedeira, violência sexual, roubo e agressão a um deficiente físico. Tudo acontece de forma processional, em cenários diferenciados. Finalmente, a cena se desenvolve em um palco-arena, onde várias situações cotidianas acontecem, protagonizadas por garis, empresário, jovem de piercing, noiva querendo casar... Relatos gravados de moradores da casa de acolhida Arsenal da Esperança são ouvidos de tempos em tempos. Por conta dos vários arquétipos sociais que nutrem dramaturgicamente a obra, pode-se constatar certo realismo no espetáculo, tratado de modo rigorosamente épico. O que é claramente perceptível – o sistema político social vivenciado – não é adequado, pois é preciso que todos tenham uma oportunidade, questão impossível no sistema atual. Ator, jornalista, dramaturgo, roteirista, diretor teatral, poeta e professor. Idealizador e fundador do Grupo de Pesquisa Teatral Nativação.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Homem, Cavalo & Sociedade Anônima. Cia. Estável - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[CE - réplica] - A superação do olhar e a dialética do “nós” e “eles” por Daniela Giampietro15
O espetáculo Homem cavalo & sociedade anônima é resultado de estudos teóricos, debates, observações e vivências na casa de acolhida Arsenal da Esperança. Ao entrarmos nesse espaço pela primeira vez, deparamo-nos, por intermédio dos homens ali recolhidos, com as consequências mais desastrosas da gigantesca desigualdade social à qual homens e mulheres “sobrantes do sistema” estão sistematicamente submetidos. Entretanto, nosso primeiro e relativo olhar sobre aquela casa talvez ainda denotasse certa ingenuidade, característica de quem não vivencia as mesmas dificuldades, concretas e materiais, dos albergados. Do ponto de vista imaturo de quem está parcialmente imerso nessa “nova” realidade, inúmeras vezes tivemos a tendência de nos posicionarmos como “turistas” que, mesmo atônitos diante de um quadro assombroso, mantinham-se na segurança da simples postura contemplativa. Aos poucos, entretanto, compreendemos a necessidade de destrinchar o emaranhado da relação recém-estabelecida, o que nos forçava a lutar constantemente contra a confortável posição de “espectadores das mazelas do capital”. Em meio a essa crise, a experiência na casa de acolhida Arsenal da Esperança nos fez enxergar outros horizontes, fazendo-nos repensar, inclusive, nossa organização de trabalho, nossas propostas estéticas e nossa função social como trabalhadores da arte. O olhar sensível de três leitores críticos captaram de forma bastante assertiva o que quisemos priorizar no espetáculo. Ao invés de relatar o cotidiano dos homens recolhidos, em Homem cavalo & sociedade anônima procuramos traçar uma discussão pretensiosamente ampla sobre a exploração do trabalho no modo capitalista de produção, bem como suas consequências mais avassaladoras. A fábula de um homem animalizado que, em determinado momento, quase rompe o cerco, mas que necessariamente volta a ser peça-chave da engrenagem desse sistema, tenta ilustrar o que, de fato, nos colocou em movimento e vem nos amadurecendo do ponto de vista político. O homem-cavalo representa a síntese do que hoje, efetivamente, nos aproxima de nossos principais interlocutores: a luta de classes. Estudante do curso de Licenciatura em Arte – Teatro da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), atriz e integrante da Cia. Estável de Teatro e professora de teatro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul (SP).
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo O Filhote do Filhote de Elefante. Companhia do Esquadrão da Vida - Brasília/DF. Foto de Augusto Paiva.
[CEV] - Maíra Oliveira apresenta a Companhia do Esquadrão da Vida O filhote do filhote de elefante nasceu de um sonho. Um sonho de teatro e de vida. Isso porque a adaptação foi realizada por Ary Pára-Raios – meu pai e criador da Companhia Esquadrão da Vida – antes de sua morte, em 2003. Tratava-se de um texto que vinha sendo discutido para ser encenado por nós há algum tempo e que, por contingências do destino, não pôde ser levado à rua com a presença física daquele que o imaginou. Esquadrão da Vida vem lutando desde 1979, com alegria e bom humor, para que o mundo não se esqueça que os sonhos são essenciais para sua transformação. Para que, como disse Pára-Raios, “Tenhamos nossa cidadania garantida porque não avançamos sinal de trânsito, não estacionamos em fila dupla, nem nos acostumamos a ver nossos iguais revirando lixo para matar a fome.” Essa bandeira continua sendo nossa válvula propulsora e é ela que nos motiva a seguir com o trabalho iniciado há 31 anos. Após a morte de meu pai, foi muito difícil organizar ideias e sentimentos, reorganizar o grupo. Mas uma coisa era certa: quando voltássemos às ruas seria encenando essa peça. Toda vez que lia o texto, percebia o quanto era a cara da Companhia Esquadrão da Vida. Mesmo sendo uma adaptação de um texto de Bertolt Brecht, O filhote de elefante (entreato de Um homem é um homem) parecia ter sido feito para nós, para aquele momento, em que descobríamos novas formas de organização de trabalho, pois não contávamos mais com o olhar de meu pai. Montar a peça foi um aprendizado, foi perceber como o grupo se organizava com nova direção e atores sem deixar de lado tudo o que vivera até ali. Sabíamos que manter nossa linguagem estética (com a inspiração no circo, na cultura tradicional e nas acrobacias) seria um desafio, mas tínhamos uma bela adaptação em mãos e um sólido trabalho como base para que isso acontecesse naturalmente. E foi assim, por acreditar no trabalho, por reestruturar pensamentos e redescobrir possibilidades que nasceu nosso filhote: com a vontade de mudar o mundo, de renovar esperanças, de entrar em contato com a nossa história para provocar pensamentos e emoções que estão ali, pertinho de nós, mas não permitimos que apareçam. Acreditando que a arte unifica e que o sonho, como afirmou John Lennon, não acabou. 48
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[CEV#1] - O dia em que um elefante foi julgado na feira livre por Alexandre Falcão de Araújo16
Domingo é dia de feira livre na Praça Carlos Kozeritz, na Vila Sabrina, Zona Norte de São Paulo, e é por esse cenário que a Companhia Esquadrão da Vida desfila com o cortejo do espetáculo O filhote do filhote do elefante. Num bairro que fica ao lado da Rodovia Fernão Dias, na confluência de favelas, prédios da Cohab e casas de classe média, a Companhia apresentou sua releitura do texto de Bertolt Brecht, mostrando um “Grupo teatral representando o julgamento de um filhote de elefante”. A trupe passa por entre as barracas da feira cantando, provoca risadas e intervenções, convida o público para assistir ao espetáculo. Rapidamente, as pessoas se reúnem no centro da praça para participar do acontecimento teatral. A atenção do público é garantida do começo ao fim, a apropriação do texto a partir da linguagem circense dá força e agilidade à montagem. As acrobacias e gags surgem de forma orgânica na representação, não há interrupção da narrativa para demonstrar o virtuosismo técnico dos atores, mas uma narrativa que se vale das brincadeiras circenses para contar a história. Ao mesmo tempo, as acrobacias encantam as crianças, e uma delas pergunta a um ator que estava na área de público: – Por que o pessoal não cai? – É que eles têm asas invisíveis. A criança, ao final do espetáculo, fez questão de perguntar para a atriz: – Cadê suas asas? Entre encantamento e leitura crítica, em seguida à apresentação houve um debate e várias questões foram formuladas. Os teatristas presentes lançaram provocações em relação à frontalidade da montagem, expressando um desejo de ver uma proposta de arena ou semiarena. As questões trataram também da participação do público na encenação. A peça é metateatral por excelência e os atores em vários momentos posicionam-se como público, simbolicamente assistindo à representação. Por essas particularidades do texto e pela própria natureza da linguagem de rua, talvez fosse interessante aprofundar os momentos de intervenção direta com os espectadores, numa costura sutil que não prejudique a narrativa estabelecida. É legítima a preocupação manifestada pela atriz Caísa Tibúrcio, de que o espetáculo tem de ser organizado de forma que o grupo não seja engolido pelo espaço e pelas interferências do entorno, afinal trata-se da rua, e tudo pode acontecer. Mas, por outro lado, a interferência também pode engrossar o caldo da encenação, principalmente quando se trata de uma resposta do público às provocações da cena. Ainda no debate, o grupo falou do projeto da montagem que nega um Brecht triste, sisudo, careta e opaco, e, na contramão, propõe um Brecht divertido e inteligente, pois como disse a diretora Maíra Oliveira: “Primeiro a gente tem de se divertir. Isso contagia o público [...], a brincadeira é a cara do Esquadrão.” Esse é o trabalho que o grupo concretiza: uma brincadeira que alimenta a vida em contraponto histórico a uma dinâmica social que gera a morte. Parabéns pelos trinta anos de trajetória! Longa vida e muitas brincadeiras à Companhia Esquadrão da Vida! Ator e arte-educador, mestrando em Artes pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), formado pela Escola Livre de Teatro de Santo André (SP), integrante do coletivo Aliança Libertária Meio Ambiente (Alma), de Itaquera, Zona Leste de São Paulo.
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[CEV#2] - Um Brecht popularmente brasileiro por Lissa Santi17
Ao chegar à Praça Carlos Kozeritz, na Zona Norte de São Paulo, onde aconteceria a apresentação do grupo, deparei-me com um espaço de representação frontal, delimitado apenas na parte de trás por uma grande lona amarela, presa nas árvores baixas ao redor. O cenário era composto de estantes, com uma quantidade enorme de objetos coloridos, além de acessórios e adereços de cena. Espalhados por todo o espaço de representação, viam-se cartazes com frases em favor do meio ambiente e de natureza política. Ou seja, mesmo que as pessoas estivessem assistindo ao espetáculo e fossem transportadas pela ideia de estarem em um trecho da vida, se elas corressem os olhos para o fundo do espaço de representação, logo se dariam conta de que estavam assistindo à peça de um grupo de teatro de rua que possuía suas convicções de convivência e de posicionamento político. O espetáculo é a adaptação de O filhote de elefante, de Bertolt Brecht, deixando a impressão inicial de que o texto, por sua linguagem rebuscada, se distanciava da realidade das pessoas que o grupo queria atingir, o que poderia causar certo desinteresse. Contudo, como foi dito muito bem pelos atores do grupo, Brecht “[...] é mais povo que academia.” O público era composto de crianças moradoras de rua, pessoas que foram à feira livre que acontecia na praça fazer suas compras, pessoas de passagem, além de nós, espectadores do Festival. Todos seduzidos pelo excelente e muito atraente trabalho corporal dos atores, que faziam acrobacias muito semelhantes àquelas encontradas em circos, além da maquiagem e adereços coloridos. A empatia dos atorescom o público se deu não apenas pela questão visual, mas, por algum motivo, aquele texto rebuscado também se tornou instigante. Atriz e arte-educadora, graduanda em Licenciatura em Arte – Teatro pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), atuante em arte-educação na Fundação Casa, complexo Vila Maria, em São Paulo (SP).
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Brecht construiu um teatro que pudesse ser ativo e político e que estimulasse a reflexão do público, que provocasse, que se distanciasse do que era considerado estupefaciente, acadêmico e que pudesse imprimir à arte um caráter de instrumental útil para pensar e inserir-se no mundo. Mesmo que isso tenha ocorrido com um público de décadas atrás, o que contava não era a linguagem em si, mas o conteúdo que despertasse a indignação, a inquietação, o movimento. De fato, nesse espetáculo, o texto servia apenas de mote para que as figuras coloridas, que eram os atores, pudessem fazer acrobacias que lembravam palhaços, para que os atores ficassem em cena o tempo todo, fosse como atores representando um espetáculo, fosse como atores representando o público que queriam atingir, diminuindo a distância entre os passantes da feira e aquelas pessoas maquiadas e coloridas. Além disso, como em um típico espetáculo brechtiano, qualquer mudança a ser feita acontecia aos olhos do público. O grupo soube aproximar Brecht de uma realidade das ruas, que nem sempre é a nossa realidade, aproveitando-se de vários expedientes épicos e políticos. A atitude prova o quanto pode ser preconceituosa nossa visão acerca do que é aproximar o teatro do público, e também do que significa uma arte política.
[CEV- réplica] - O filhote do filhote de elefante em São Paulo por Maíra Oliveira
Depois de 30 anos, estávamos, enfim, em São Paulo – Capital. Digo enfim porque nunca fizemos muito esforço para nos apresentar em grandes centros (fora Brasília), mas, sim, em pequenas cidades do interior. Com a nossa “Coluna Jeca”, viajamos pelas regiões do País em busca de intercâmbio com culturas tradicionais, na tentativa de possibilitar acesso irrestrito à arte e ao teatro àqueles que têm pouca ou nenhuma oportunidade em obtê-lo. Foi com muita expectativa que apresentamos nosso Filhote... em São Paulo. Afinal de contas, ali éramos praticamente desconhecidos, ainda que carregássemos conosco uma história de 30 anos. Ensaiamos O filhote do filhote de elefante por mais de um ano. Novos atores, que não conheceram nem trabalharam com Ary Pára-Raios, seu criador, juntaram-se ao grupo. Para nós, era fundamental que nos aprofundássemos em nossa história e em Bertolt Brecht para poder montar o espetáculo. À medida que estudávamos, percebíamos o quanto o teatrólogo estava presente em nosso trabalho, mesmo que não o abordássemos com tanta consciência disso. E isso acontecia independentemente do texto que estávamos montando. Era como se Brecht estivesse sempre presente na nossa história, no modo como encaramos o teatro, como nos posicionamos politicamente, como mostramos nossa cara para o público. E isso foi nos alimentando durante todo o processo de criação da peça. Quanto mais conhecíamos Brecht, mais nos aproximávamos de nosso trabalho. Foi com encantamento que ouvimos as pessoas que nos assistiram na Praça Carlos Koseritz, já que ali estava um público diferente, muita gente fazedora de teatro de rua. No debate, a lembrança sempre presente de Brecht confirmava ainda mais tudo o que vínhamos fazendo e pensando. E legitimava, de certa forma, o trabalho da Companhia Esquadrão da Vida sem a presença física do mestre Ary Pára-Raios. A ocupação do espaço, a interlocução com o público e a preocupação com a acrobacia, contribuindo para a compreensão do texto, têm muito a ver com a posição que tomamos diante do fazer teatral. A lona, os estandartes, as bandeirolas fazem parte da nossa história. E, de frente, de trás ou de banda, com alegria e festa, essa mesma história grita em cena: “Ética não é titica!”
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo O Filhote do Filhote de Elefante. Companhia do Esquadrão da Vida - Brasília/DF. Foto de Augusto Paiva.
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[VCVV] - Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê (MTP/PE) por ele mesmo O teatro é uma das formas mais antigas e autênticas de expressão, e o teatro popular, desde a commedia dell’arte, utilizou-se de “professores do povo” (atores) para assumir sua forma de expressão, tornando público e discutindo aquilo que os governantes tentavam encobrir. Essa atitude teatral dava ao povo voz para o debate e solução para os seus problemas sociais, buscando melhor qualidade de vida. O Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê foi criado em 24 de abril de 1980 na área de Casa Amarela, no bairro da Macaxeira, Vila Buriti, em Recife (PE), por dez jovens estudantes inquietos com suas dúvidas e inconformismo diante da situação política e social do Brasil daquela época (que não difere muito da atualidade). Ao utilizar o teatro como instrumento para expor suas angústias, os jovens descobriram também que aquela era uma forma de a comunidade discutir políticas públicas, compreender melhor seu papel de cidadãos, propondo, assim, um processo de mobilização social não só no bairro, mas em toda a área de Casa Amarela. O primeiro espetáculo apresentado nos bairros da Guabiraba e Morro da Conceição, em Recife, foi Zé da Silva, adaptação do texto Revolução na América do Sul, de Augusto Boal, no qual se discutia o custo de vida no País por meio da relação governo (poder público) versus empresas (poder privado) versus submissão (povo). O grupo passou por oscilações consideráveis. Por exemplo, passou de 32 para três integrantes. Mas como sempre carregou em sua bagagem a resistência, hoje atua de forma significativa no meio sociocultural com sete integrantes, que se reúnem sempre aos sábados. É também filiado ao Movimento de Teatro Popular de Pernambuco (MTP) desde 1984. Ao longo desses anos, o grupo realizou apresentações nas ruas, em escolas, universidades, sindicatos, organizações não governamentais, secretarias de saúde do Estado e de municípios, auditórios e espaços cênicos da cidade do Recife e de outros municípios, tanto de Pernambuco quanto de outros Estados. Metade do que o grupo recebe em suas apresentações fica em um fundo de caixa,para que os espetáculos possam ser apresentados para comunidades carentes sem acesso à cultura. Da trajetória do grupo constam vinte espetáculos, entre os quais se destacam: Zé da Silva, Calendário tradicional, Quem se ama não se mata, Vida louca vida, Amar mentar, Zé do mosquito, O boi doidão, Quem ensinou o Diabo a amassar o pão? e Taguna. O grupo já apresentou seus trabalhos em eventos como o lX Festival de Inverno de Garanhuns, Todos Verão Teatro (2003), 5o Festival Recife do Teatro Nacional (Mostra Paralela) e nas quatro primeiras edições do Festival de Teatro de Rua do Recife, com ótima repercussão junto ao público e à crítica. Depois de 27 anos de existência, o grupo foi selecionado, no exercício pleno de sua cidadania, com a Lei de Incentivo à Cultura do Recife e com o Fundo Pernambucano de Incentivo à 52
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Quem Ensinou o Diabo a Amassar o Pão? Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
Cultura (Funcultura), tendo a oportunidade de circular em 20 comunidades de Casa Amarela com o projeto Teatro Popular nos 4 Cantos de Casa Amarela. Por meio desse projeto, além de espetáculos, o grupo desenvolveu oficinas de teatro de rua, difundindo e fortalecendo a produção teatral no bairro. Em 2009, novamente com o Funcultura, circulou em 10 cidades do Estado de Pernambuco. Quem ensinou o Diabo a amassar o pão? é um texto colaborativo, mas não escrito pelo elenco atual, sendo Alexandre Menezes o único integrante presente desde o início do processo. A primeira concepção do espetáculo é de 1998, criada por Zezo Oliveira, ex- integrante e um dos fundadores do grupo. Desde aquela época, sempre se quis que os temas fossem abrangentes e compreendidos por todos; desse modo, o grupo adotou especialmente temas relacionados à saúde humana, cidadania e educação. Diante da necessidade de contribuir para ampliar os processos de autorreflexão sobre a cidadania, a relatividade entre os limites do bem e do mal, a influência da religiosidade, da cultura e da educação na personalidade do indivíduo, o grupo teatral propôs o texto Quem ensinou o diabo a amassar o pão?, visando a fomentar esses questionamentos. A religiosidade era o que mais pesava naquele momento. Assim, mesmo tendo formação religiosa com base no catolicismo, o grupo “simpatizava-se” mais com a religião de matriz africana. A princípio, Deus seria a personagem que percorreria o mundo fomentando tais questionamentos; depois optou-se por uma figura que fosse a mais negada e, então, o próprio Diabo foi o escolhido: “[...] se eu sou mal, alguém deve ter ensinado e Deus não foi, porque Deus é bom”. A narrativa foi construída a partir de quadros, e diferentes personagens como protagonistas em cada um deles. Em um dos quadros tenta-se apresentar uma crítica à Igreja católica. A escolha por levar esse espetáculo a São Paulo deve-se, principalmente, pelo fato de a cidade ser uma grande metrópole em que tudo o que existe no País como um todo redimensiona-se... Afinal, quem é o responsável pela personalidade má do Diabo? Quem ensinou o Diabo a amassar o pão? 53
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Quem Ensinou o Diabo a Amassar o Pão? Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
[VCVV#1] - Que diabos! O Diabo apareceu pra desamassar o pão que o Diabo amassou? por Roberta Ninin18
Domingo de sol, vento e nuvem. Menos chuva! Oba, hoje tem teatro de rua! Para a alegria de todos naquela praça, principalmente das crianças, haveria a prazerosa visita de dois grupos pernambucanos, conterrâneos da maioria dos habitantes da Vila Mara, Jardim Helena, na Zona Leste da cidade de São Paulo. Ao descer da recente estação de trem (inaugurada em 28/5/2008), perguntei: “Onde fica a Praça Casarão?” “Olha, essa praça eu não sei não, mas tem uma praça aqui ao lado”, aponta o guarda metropolitano. Não foi preciso GPS (sistema de posicionamento global) para localizar a aglomeração de pessoas à espera do espetáculo: molecada, sorveteiro, transeuntes, artistas e moradores. E espera só mais um pouquinho, pois o pessoal da organização da Mostra está “caçando” o felino que sumiu com a energia elétrica. Enquanto isso, a lona preta com a escrita branca Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê, no chão, delimitava o tempo-espaço cênico na praça. Sobre a lona, os atores, vestidos de preto, maquiavam o rosto de branco, contornando, cada um a sua cor, sobrancelhas e lábios, estendendo o sorriso com detalhes ramificados. E mais elementos à vista do público: arara com os figurinos, instrumentos musicais, pandeiro, caixa, sombrinha de frevo, estandarte com o nome do grupo e o ano de sua fundação: 24/4/1980 (na Casa Amarela, Vila Buriti), banner com o nome da peça – Quem ensinou o Diabo a amassar o pão? –, roda de aquecimento corporal do elenco e a acrobacia de um dos atores. Ou seja, muitos focos a observar e o grupo, nada a esconder. Viva o teatro popular! Opa, e não é que o gato apareceu... É dada a largada! Atriz e arte-educadora, graduada em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas; mestra pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Autora do livro Projeto Comédia Popular Brasileira da Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes (1993-2008): Trajetória do ver, ouvir e imaginar, publicado na Coleção PROPG-DIGITAL da Editora Unesp.
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O grupo inicia um cortejo, deslocando-se do espaço anteriormente delimitado. “O teatro vai voltar?”, “Eles foram embora?”, questionam alguns desgarrados do cortejo. Em poucos minutos, um organizador da Mostra, aparentemente preocupado com o público que não acompanhou o cortejo, anuncia: Venham prestigiar! Eles estão voltando! De longe se ouvia o som da caixa junto ao canto dos atores: “Meu povo, eu tô na rua/ eu vô fazê teatro agora/ quer ir mais eu, vamo”. Chegados à praça novamente, os atores posicionam-se em fila; o último em perna de pau e o primeiro, expelindo fogo. “[...] E assim criou o homem à sua imagem e semelhança”, diz o grupo, fazendo alusão à cultura cristã, permeada na obra desses artistas. A participação do público, por meio das palmas e da voz, é solicitada. O grupo pergunta: “Quem ensinou o Diabo a amassar o pão? Foi a umbanda? O cristão? Outra religião? Eu? Você? A crise? A guerra? A inflação? A globalização?” Eita, que o negócio tá esquentando... E esquentou mesmo! Até ele apareceu... O próprio, o Capeta, o Belzebu, o Coisa ruim, o Diabo, com direito a dois chifres vermelhos, tambor e fumaça. O espetáculo apresenta a personagem Capeta como mais um “filho de Deus”, questionando a injustiça cometida em julgá-lo justificativa para todas as atitudes negativas do homem. Quem é o verdadeiro culpado? Há um culpado? O Capeta pretende descobrir na “maldade” e na “bondade” de tipos populares a razão de sua própria personalidade. Nessa trajetória, o Diabo esbarra com o casal desesperado com o filho adolescente perturbado, ouvindo rock (a mãe é interpretada por um ator, comicamente
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Quem Ensinou o Diabo a Amassar o Pão? Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
de vestido e bobes na cabeça); a Virgem Maria, que, inversamente à regra, manda fiéis largarem de seu pé, de seu manto azul, para resolver seus problemas sozinhos; a prostituta (deliciosamente interpretada pela mesma atriz que interpreta a Virgem), que avança para o público e abraça um homem, dizendo ao Diabo que má não era, mas, sim, alvo de preconceito e estupro na/da vida; o pastor pop star e suas fervorosas seguidoras, dançando o hit da Aleluia e pedindo dinheiro para o público; o ladrão de arma e gorro na cabeça que, sem eira nem beira, rouba menos que “os caras” de Brasília; e o político corrupto com a maleta cheia de dinheiro, comprando votos e fazendo apologias ao latifúndio e à classe dominante. Essa personagem deixa cair dinheiro no chão, enlouquecendo a criançada, que avança na lona preta, desconcertando, por segundos, o grupo e a continuidade do espetáculo. Nesse momento, foi possível observar que o grupo – com três décadas de existência –, por alguns instantes, ficou inerte diante da reação das crianças. Algo inesperado havia acontecido? Sim e não, tanto do ponto de vista vital do espetáculo de rua quanto da realidade nua e crua: crianças, em disputa, invadem o espaço cênico da praça, catando o falso dinheiro do chão! E foi o público, maior cúmplice do jogo teatral popular, que bradou pelo prosseguimento da cena: “Sai daí, moleque!” Pausa. Risos. E o teatro, como a vida, continuou... 55
A partir da trama e das personagens apresentadas pelo grupo, é possível identificar elementos do teatro renascentista do português Gil Vicente, muito influenciado pelo teatro medieval: personificações abstratas, alegorias; tipos, profissões e comportamentos humanos; o divino, o diabólico e o humano; uma linguagem mais próxima dos espectadores; sátira aos costumes e às estruturas sociais. E, contudo, a função didática do espetáculo, apontada desde o título da peça (Quem ensinou...), somada à visão do humano que nela distingue o bem e o mal, parece esbarrar em concepções das personagens pelo grupo, menos materialistas e históricas e mais moralistas e atemporais, entre vícios e virtudes, como as do legado católico. Será que o Vem Cá Vem Vê busca um humanismo religioso (como em Gil Vicente), satirizando os desequilíbrios estruturais da sociedade com a finalidade de corrigi-los? Nem o Diabo escapa dessa! Essa personagem parece estar arrependida de seus atos e quer dar um basta nas permanentes relações estabelecidas entre sua “pessoa” e os malfeitos de outros: “Cada um que eu encontro, pior que eu! A sua Igreja católica só reza. Vai resolver? Antes era mais inserida... Quem é mau, o Diabo ou a Igreja?” Após inserções e comentários do Diabo, durante todo o espetáculo, o público o apoia e vaia a Igreja. De forma mais sutil, comparada ao renascentista português, o Diabo desse espetáculo mais denuncia e menos apavora as instituições de poder e o público. O Capeta questiona: “Por que será que não tem resposta? Não vejo saída?” Eu reflito: se o almejado é contemplar os menos favorecidos, imbuídos de inconformismo com a situação política e social, há como vislumbrar um caminho pelos paradigmas pautados na “falha moral” de nossos governantes? Não esperemos a bondade do governo, exijamos nossa necessidade e vontade! Por isso a importância da organização e da resistência cultural e política dos Grupos do Movimento de Teatro Popular de Pernambuco (MTP/PE), apoiados em movimentos de luta social e em bravos guerreiros de nossa história, como Zumbi dos Palmares e João Cândido Felisberto, “O Almirante Negro”, citado pelo Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê19. Por fim, como dinheiro não cai do céu, mais uma vez a ousadia e a resistência do teatro popular: “Contribua com o chapéu do artista popular! Aceito aplausos!” Disponível em: <http://movimentodeteatropopulardepernambuco.blogspot. com/2008_05_11_archive.html>. Acesso em: 5 mar. 2012.
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[VCVV#2] - Vem Cá, Vem Cá! Vem Vê: A puta vai falar depois do bispo! O ladrão vai falar antes de Deus! por Isabela Penov20
Invocada por uma família, surge a Virgem Maria andando lentamente ao som de uma música solene, ar de santa, envolta em seu manto azul. Um dos membros da família, boquiaberto pela aparição, joga-se aos pés da Virgem para beijar-lhe o manto. Após uma pausa, a Virgem Santíssima reage num berro escandaloso: – “Laaargue o meu manto! Mas que diacho! Pra todo lado que eu vou é gente puxando esse manto!” Esse é um trecho de umas das cenas do espetáculo Quem ensinou o Diabo a amassar o pão?, do Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê: o riso presente para transgredir criticamente dogmas morais e religiosos e nos fazer estranhar ideias e comportamentos naturalizados. O espetáculo narra a saga do Diabo em pessoa. Aflito com o papel que lhe é atribuído, o “responsável por todas as malvadezas feitas pelos seres humanos”, o Demônio sai à caça de explicações. Afinal, quem foi que o ensinou a ser mau? Será que é mesmo ele o responsável por todas as ações “más” que lhe atribuem? A história é contada a partir de uma estrutura tradicional de enredo, muito usada também em anedotas, na qual o sujeito faz determinada pergunta a um representante do poder; como este não consegue respondê-la, vai ao próximo da hierarquia social, e assim por diante, até chegar à autoridade máxima (como um presidente, o Papa ou o próprio Deus). No caso desse espetáculo, essa estrutura também é subvertida, mesclando-se figuras que representam algum tipo de poder (como o pai, o bispo, a Virgem Maria, o político, Deus...) com personagens cotidianas e marginalizadas, que aparecem justificando ao Diabo suas supostas “maldades” pela circunstância social que lhes foi imposta. Isso ocorre com o ladrão, a prostituta e até com o Preto Velho, considerado pela ideologia elitista e dominante como entidade de uma religião “do mal”. Assim, quando o Diabo é enviado à prostituta ou ao ladrão para questionar o porquê de sua própria “maldade”, eles contam-lhe suas histórias, de certa forma comovendo-o e confundindo-o cada vez mais sobre a concepção maniqueísta que damos às relações e aos comportamentos. Essa relativização chega ao ápice no espetáculo no momento em que o Diabo se encontra com o próprio Deus. A relação que se dá ali contraria visivelmente a expectativa de muitos: ao invés de contenda, o que se vê é uma conversa amigável que os faz chegar à conclusão de que um não poderia existir sem o outro, e que os dois são parte de um mesmo todo. As personagens religiosas são dialeticamente afirmadas e negadas ao mesmo tempo que sua existência não é posta em questão, seu comportamento é fortemente humanizado, fazendo delas seres propensos ao erro e, portanto, dignos de riso. O estranhamento crítico do público foi, assim, obtido sem que as transgressões soassem como afronta a possíveis crenças. Além disso, o Atriz, mediadora cultural e estudante do curso de Licenciatura em Arte – Teatro na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Quem Ensinou o Diabo a Amassar o Pão? Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
fato de os marginalizados ganharem voz, ao lado de figuras do poder institucionalizadas, dá ao espetáculo uma nova dimensão política. Entretanto, essas figuras do povo poderiam levar a um aprofundamento de questões importantes relativas ao senso comum, que muitas vezes legitima a marginalização e a rotulação de alguns com base numa suposta “índole má” que caracterizaria suas ações “criminosas” e “moralmente condenáveis”, como a prostituição e o roubo. O público permanece atento, dono de um semblante geral de riso e reflexão, convidado e bem-vindo. Cada ator estabelece com a roda uma relação de total compartilhamento, lançando mão de um humor popular, simples, direto. Vem cá, dizia aos transeuntes o colorido espetáculo, vem vê: reflexão semeada no riso; na diversão, a crítica curiosa, desnaturalizante, necessária.
[VCVV - réplica] - Quem ensinou o Diabo a amassar o pão? É melhor nem querer saber quem foi, pois talvez possamos nos decepcionar por Alexandre Menezes
Foi a segunda vez que o Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê esteve em São Paulo. Da primeira vez, brincamos em Cidade Tiradentes, em São Miguel Paulista e no centro de Santos. Não estranhamos mais a grande metrópole, estávamos em casa. Vila Mara parecia Vila Buriti, Guabiraba, Casa Amarela e tantos outros lugares de Recife por onde o grupo passou. Tinha um círculo com bancos feitos de concreto ao redor, palco da capoeira, da brincadeira da garotada e do teatro de rua, ocupado também pelos amigos do Buraco d’Oráculo. Estávamos em casa. Um grupo é um lugar de encontro, de acolhimento, onde podemos ouvir e ser ouvidos, falar de questões individuais e do contexto geral. É nessa perspectiva que montamos nossos espetáculos. Não queremos dar a receita para o público, queremos levantar questionamentos e levá-los à reflexão. O espetáculo Quem ensinou o Diabo a amassar o pão? é feito em quadros: o Diabo costura as cenas, conversando com personagens do nosso cotidiano por meio de uma dramaturgia simples, com uma comunicação direta, suscitando vários questionamentos. Os quadros vão se fechando como se fossem vários esquetes em um espetáculo com começo, meio e fim. O Mal usa vermelho, preto, chifre e arma. O Bem aparece em figurinos na cor azul, branco, paletó brilhante e cruz, propositalmente para identificar as personagens, 58
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confundindo-se com o texto das personagens prostituta, ladrão e Preto Velho, vítimas do preconceito moral e religioso, tão negados quanto o Diabo e o político, latifundiário, pastor, bispo carregados de maldades e tão aceitos quanto Deus. Nossa intenção era meter o dedo na ferida, sem querer dar voz a ninguém, e falar de questões que muita gente não fala. É impressionante como grande parte da população atribui a maldade que há na terra ao Diabo e não percebe que há outros “Diabos” vestindo paletó e gravata, donos da maioria das terras do País à custa da fome e da miséria do povo. Um político corrupto joga a responsabilidade da reforma agrária para o latifundiário que, por sua vez, culpa os políticos pela não realização dessa mesma reforma, ficando o povo no meio do jogo de interesses e de falsas promessas. Nessa cena, gostaria de retificar que o político não faz apologia do latifundiário; na verdade, acusa-o. Ainda na cena do político, algo extraordinário aconteceu. A criançada acabou por invadir a roda. Isso já havia acontecido antes, mas não com o ator que estava em cena nessa apresentação. A personagem era representada por Pablo Dantas, que estava se apresentando pela primeira vez. Um jovem inteligente, que assimila rápido as coisas e muito organizado, gosta de fazer bem tudo o que faz. Ensaiamos poucas vezes e ele já estava pronto. Mas será que estamos prontos em um lugar tão imprevisível quanto a rua? Após o espetáculo, Pablo estava em puro êxtase e, ao mesmo tempo, envergonhado por não saber o que fazer em cena com toda aquela criançada em cima dele. Achei um barato aquela cena e o que pude fazer foi pedir para a criançada voltar a sentar, e continuamos o espetáculo.
[P-GCAJP] - Poesis – Grupo Cultural do Alto José do Pinho se apresenta Alto José do Pinho, na cidade do Recife (PE), foi formado na década de 1940 por trabalhadores da antiga Fábrica da Macaxeira, chamado, então, de Alto da Munguba. Em 1988, passa à condição de bairro, desmembrando-se do bairro de Casa Amarela. A sua história teve início na intensa presença de feirantes que moravam na área; os primeiros moradores tinham fortes laços rurais e serviram como fonte para atrair outros parentes e amigos, principalmente da região norte do Estado. Inicialmente, com características rurais, foi se formando uma cultura popular, com maracatus, reisados, blocos carnavalescos, de artes cênicas, grupos musicais e outras expressões populares, o que depois foi recriado pelos mais jovens, que misturam o rock com o popular – com a presença do Maracatu Nação Estrela Brilhante em 1995, da Devotos e Afoxé Ylé Dy Egbá, entre outros grupos de manifestação cultural. 59
Poesis é um grupo de sete pessoas: jovens e adultos, homens e mulheres, artistas e profissionais que atuam nas áreas de teatro, circo, música, produção cultural, arte-educação, história, pedagogia, designer, web designer, informática e comunicação. Esse conglomerado de sujeitos cuja via artístico-cultural-político- educativo-ritualística, celebra a vida e a resistência, reagindo contra os problemas sociais existentes no Alto José do Pinho. Retoma o “Espírito”, o “Sopro” de coletividade e solidariedade por meio de processos de inclusão e de transformação social, tendo como ponto de partida a educação pela arte, com vistas à humanização ativa e visceral do território. O grupo assumiu o nome atual – Poesis – a partir do ano 2000, ao reconhecer que, apesar das diversas habilidades de seus integrantes, a transformação social e a solidariedade aliadas ao caráter artístico de suas produções os agrupava. Já o primeiro nome – Grupo Cultural do Alto José do Pinho –, que historicamente é o primeiro nome desde a década de 1980, foi o que reuniu em forma de grupo e movimento, naquela época, diversos segmentos da cultura do bairro, inclusive o da música. Foi também nessa época e sob esse nome que realizou a produção e apresentação do espetáculo A Paixão de Cristo, inovando bastante ao fazê-lo em sua maior parte em forma de dança, nas ruas do “Alto”, além de outras atividades relacionadas ao teatro, à recreação e educação. Entre 1993 e 1994, o grupo produzia, com algumas bandas locais incluídas no conceito do movimento roqueiro do bairro, o 1, 2 e 3 Gesto de Atitude e Rock holl, evento com impacto na movimentação musical da área. O grupo foi se dissolvendo, diminuindo até permanecer apenas Jailson Oliveira, que se encontra no grupo até hoje. As recreações, recitais, vídeos, debates e outros eventos continuaram a acontecer, mesmo que em pequena proporção e muitas vezes em casa do próprio Jailson. Acentuou-se e fortaleceu-se com uma marca cada vez mais enfática na ritualidade, teatro, performance e significativamente na poesia. Esses novos eventos reaproximam alguns colaboradores e novas pessoas a ponto de, a partir de 2000, construir-se um núcleo de apoio e de efetivo pertencimento ao grupo. Com inspiração político-artística e com uma rede comunitária de apoio, o grupo realiza a maioria de suas ações. Contudo, diante das inúmeras questões enfrentadas e das tarefas existentes, várias são as dificuldades, principalmente financeiras e materiais, na efetivação das ações, embora prossiga crescendo em força, sonho, ousadia e tentativas. 60
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Diásporas – Uma dispersão da(s) humanidade(s). Poesis – Grupo Cultural do Alto José do Pinho - (MTP/ PE). Foto de Augusto Paiva.
[P-GCAJP#1] - O H. sapiens não pula por boniteza por Roberta Ninin21
Após a primeira apresentação de teatro de rua na Praça do Casarão, ao lado da estação Vila Mara, Jardim Helena, Zona Leste de São Paulo, o Poesis – Grupo Cultural do Alto José do Pinho, também integrante do Movimento de Teatro Popular de Pernambuco, prepara-se. “O que eles estão fazendo? Eles estão ensaiando, né?”, murmura alguém do público. Reunidos em uma roda à parte da outra roda já estabelecida pelo encontro artístico anterior, os cinco atores pareciam rezar, orar, em forma de jogral, donde se podia escutar: “Pela arte, fazer aquilo que é nossa tarefa!”. Essa breve preparação instigava a curiosidade daqueles que ali permaneceram aguardando o próximo espetáculo. Não demorou muito, os atores aproximaram-se da roda formada pelo público. Aos poucos, cada um, por vez, adentrou o centro da roda, transformando o local num espaço temporal ritualístico. Proferiram poesias, por eles mesmos criadas, num tom declamatório e em alta voz (ajudados por microfones de lapela). Foi possível identificar o que o grupo denomina como um dos seus instrumentos fundamentais de intervenção “artística-cultural-política-educativa-ritualística”: a poesia performática; compreendida como mescla de linguagens artísticas (artes visuais, teatro, dança, música e poesia), cuja performance está calcada, principalmente, no ator, na sua entrega de “corpo e alma” ao momento efêmero da troca com o público. Atriz e arte-educadora, graduada em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas; mestra pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Autora do livro Projeto Comédia Popular Brasileira da Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes (1993-2008): Trajetória do ver, ouvir e imaginar; publicado na Coleção PROPG-DIGITAL da Editora Unesp.
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Os atores, com rosto pintado de branco, vestiam calça preta e bata de algodão cru, cada uma bordada com diferentes referências culturais e religiosas, a partir das quais o grupo construiu seu discurso poético. Eles trouxeram para o espetáculo elementos da cultura africana: a máscara tribal, a peneira de palha utilizada para jogar búzios e as miçangas; da cultura indígena: as penas, o apito e o chocalho; e da cultura judaica: um símbolo chamado Estrela de Davi, representado por dois triângulos iguais sobrepostos, tendo um a ponta para cima e o outro para baixo, bordado em uma das batas dos atores. Vale ressaltar que esses elementos – embora presentes em nossa cultura brasileira – são ainda pouco abordados do ponto de vista histórico e cultural, ou seja, pouco conhecidos além do senso comum. E apesar de o aprofundamento sobre essas culturas não ser o foco desta leitura crítica é importante apontar que minha escassa aproximação, compreensão e vivência dessas culturas dificultaram minha “entrega” à proposta artística do grupo. Será que isso aconteceu somente comigo? Percebo que perante a criação poética – Poesis – do grupo evidencia-se, mesmo de forma não completamente consciente do ponto de vista do espectador, um trabalho de leitura e de ressignificação de simbologias, uma criação a partir da retomada de elementos ritualísticos expressos em cada religião. Na experiência artística proposta pelo Poesis, foi utilizado um interessante corpo esférico oco, emaranhado, o qual remetia a um ninho de pássaro, de diferentes tamanhos; um maior (do tamanho de uma bola de basquete) que continha outros menores em seu interior. A esfera representava um mundo que continha outros mundos. Esses “mundos” menores circularam entre os atores e o público, girando e “passando” de mão em mão na roda, observados de dentro para fora e de fora para dentro. Enquanto isso acontecia, os atores comentavam: “Dentro do mundo, outros mundos. Quem sabe novos?”, “Tudo se espera da liberdade”, “Refaço do miolo do mundo”. Como se fossem mantras, palavras e frases foram pronunciadas: “Artista, poeta, louco, esperança”, “Agora somos lágrimas”, “Precisamos 62
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do fogo vivo, rebulindo ideia, ação”, “Ar, cheiro, sensação, textura” e, de forma repetida: “Resista! Resistir sempre!”. Do público, instruindo-os sobre os passos do ritual, requisitaram: “Por favor, de pé”, “Solta a voz e canta conosco”, “Vamos ouvir o nome dos seres mágicos que circulam essa esfera mágica”, “Todos os nomes juntos”. Para finalizar o processo, as esferas e os elementos trabalhados são depositados no centro da roda. O mantra parece chegar ao ápice, inclusive em volume. O público aplaude. O espetáculo Diásporas – uma dispersão da(s) humanidades desejou retratar a dor de negros, judeus, índios e nordestinos que deixam, obrigados ou não, a terra de origem, exilados, em busca de refúgio, dispersos pelo mundo. Dispersão que também provoca semeadura, brotando possíveis novas raízes em novos chãos. Pretendeu retomar o “sopro” de coletividade e celebrar a vida e a resistência, por meio da sensibilização do público, contando histórias de vidas. Houve identificação do público com essas histórias? As diásporas, como as do povo africano, sob a égide do colonialismo, da servidão, da escravidão, do capitalismo ainda refletem no mundo todo? Prova disso é, por exemplo, o desmantelamento do universo simbólico do indígena por meio de imposições doutrinárias e de seu extermínio quase cabal em nossas terras tupiniquins. Ainda há muitos desmantelamentos e mortes. É o fim do mundo? Não é preciso ser profeta para desvendar o perigo... Que a boniteza do poeta seja sempre bem-vinda!
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Diásporas – Uma dispersão da(s) humanidade(s). Poesis – Grupo Cultural do Alto José do Pinho - (MTP/PE). Foto de Pablo Dantas.
[P-GCAJP#2] - Diásporas: ritual perplexo por Isabela Penov22
Dar forma artística a um assunto significa dar importância a ele, ressaltar e proclamar sua relevância. O Grupo Poesis – Grupo Cultural do Alto José do Pinho (MTP-PE), em seu espetáculo Diásporas – uma dispersão da(s) humanidade(s), escolheu tratar ou dar importância à questão da evasão, da diáspora. O deslocamento forçado de populações massacradas pelos sistemas econômico, social e político aos quais foram obrigadas a se submeter pela força da violência ou da fome é comum ao longo dos tempos. E ainda hoje nas ruas cruzam-se passantes de tantas origens, muitos provavelmente evadidos da terra onde nasceram, imersos em ilusões ou já despertos pelo grande susto que nossa cidade deve lhes ter pregado. O tema escolhido pelo grupo é, portanto, de extrema pertinência e carrega em si grande potencial para a discussão e compreensão, por parte dos presentes, de suas deambulações como resultado de um processo histórico: a compreensão de suas histórias como parte da História. Entretanto, naquela tarde em que o Grupo Poesis se apresentou, não foi com as suas histórias nem com a História que os passantes se depararam. Defrontaram-se com uma queixa mística, uma cerimônia religiosa que se limitava a lamentar a condição dos desvalidos – um discurso vago, inapreensível, baseado em dúvidas. O texto demonstrava uma poesia vacilante e confusa. O grupo estabeleceu um jogo-ritual em que um “celebrante” recitava versos sobre o tema e os espectadores caracterizavam-se numa multidão que dançava, cantava, gesticulava etc., como em grande parte dos rituais religiosos. O público foi incluído na ação predominantemente por meio de Atriz, mediadora cultural e estudante do curso de Licenciatura em Arte –Teatro na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).
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gestos simbólicos previamente estabelecidos e da entoação de uma melodia constante e repetitiva, próxima dos mantras. O próprio grupo caracteriza o espetáculo como performático-ritualístico, cuja intenção é trazer para a rua “religiosidades, espiritualidades e ritualismos.” O que torna compreensível que as diásporas sejam tratadas, em Diásporas – uma pó(s) ética da(s) humanidade(s), não como fenômeno social, mas como fatalidade advinda de alguma causa metafísica – no sentido de algo desconhecido, contra o que não se pode nem se sabe lutar. E explica também a atitude perplexa que demonstravam os atores diante do problema que pretendiam expor – perplexidade perigosamente contaminante de quem não vê explicação nem solução possível. Mesmo quando se fala de esperança e resistência, tais frases destoam do constante tom lamentoso e estão soltas num mar de queixas que se referem a problemas apresentados como se não tivessem causa. Falta o compromisso com a esperança: tratar dos temas a que se propuseram não como acasos pelos quais se deve lamentar coletivamente, mas, sim, como fatos históricos e, portanto, transitórios, que necessitam ser compreendidos em sua totalidade, sem misticismos que não fizeram mais do que confundir aqueles que, naquela tarde, aos poucos, dispersaram-se pela Praça do Casarão, desinteressados, com ar de quem não compreende – o mesmo ar que pairava no semblante dos atores. Todo o mérito da pertinente escolha do tema dissolve-se na escolha da forma. Cabe ao grupo encontrar formas mais eficazes e lúcidas de compartilhamento desse conteúdo – tão pertinente e intimamente ligado ao cotidiano precário de tantos dos que rodeavam a Praça naquele domingo, mas que acabaram por se afastar. Importa aos artistas do Poesis aprofundar-se nas causas históricas que levaram e continuam a levar populações inteiras à dispersão e à fuga, e nos interesses que se movem por trás desses acontecimentos. Isso ajudará a evitar os equívocos que tão comumente resultam dessa apreensão metafísica e ritualística do fazer teatral, e auxiliará a traçar um caminho que os faça trocar a intenção mística pela intenção política. 64
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Diásporas – Uma dispersão da(s) humanidade(s). Poesis – Grupo Cultural do Alto José do Pinho - (MTP/PE). Foto de Augusto Paiva.
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo O Negrinho do Pastoreio. Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais - Canoas/ RS. Foto de Augusto Paiva.
[OCAT] - Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais por ela mesma A Oigalê, atualmente patrocinada pela Petrobras, surgiu em 1999 com a montagem do espetáculo de teatro de rua Deus e o Diabo na terra de miséria e, desde então, mantém um trabalho contínuo e de pesquisa com vistas ao resgate de contos e lendas da cultura gaúcha. Produziu uma trilogia pampiana para rua (Deus e o Diabo na terra de miséria, Mboitatá e O Negrinho do Pastoreio), bem como a gravação em CD da trilha sonora desses três espetáculos. Desde 2006, o grupo desenvolve um trabalho de pesquisa no teatro de sala, mesclando o teatro de sombras com o teatro de atores, o que resultou em dois espetáculos: Uma aventura farroupilha e Era uma vez... uma fábula assombrosa. Em sua trajetória, realizou mais de 1.500 apresentações em 200 cidades do Rio Grande do Sul, 18 Estados brasileiros, Argentina e Portugal, atingindo um total aproximado de 500.000 espectadores. No ano de 2010, em comemoração aos dez anos do grupo, lançou o DVD Oigalê – Uma década de teatro, que resgata a história da companhia, contendo imagens de arquivo de apresentações, ensaios e viagens, além de entrevistas recentes com integrantes, ex-participantes e profissionais convidados. A Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais também participa de movimentos em defesa de políticas públicas culturais como a Rede Brasileira de Teatro de Rua, o Hospital Psiquiátrico São Pedro, Redemoinho/RS, entre outros. O Negrinho do Pastoreio, espetáculo que finalizou a Trilogia Pampiana, é uma livre adaptação da lenda de Simões Lopes Neto, que, segundo o historiador Barbosa Lessa, é considerada a mais autêntica lenda do folclore rio-grandense-do-sul. Simboliza a opressão a que muitos povos e raças são submetidos. Narra a saga de um negrinho escravo que acaba sofrendo todo tipo de maldade por ter perdido uma corrida de cavalos. Desde então, ele passa a ser conhecido como bom procurador das coisas perdidas. Basta acender um toco de vela para o Negrinho. Se ele não achar ninguém mais acha. 65
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo O Negrinho do Pastoreio. Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais - Canoas/ RS. Foto de Augusto Paiva.
[OCAT#1] - Uma brava gente oigalense invade a Praça do Patriarca para encantar com versão gaudéria de o Neguinho do Pastoreio por Alexandre Mate23
Por intermédio dos espetáculos apresentados na rua, o pedestre desavisado se surpreende. Em plena hora do almoço, a Praça do Patriarca, bem próxima ao antigo coração de São Paulo – espaço de grande circulação de pedestres –, sob uma lona que havia sido montada para outro evento, apresenta-se o grupo gaúcho Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais. Em horário intermediário, entre o fim da manhã e o início da tarde – e é importante não esquecer que os estômagos, à sua própria revelia, promovem um festival de sonoridades roncantes –, o cortejo inicial, não “voltevolteante” na Praça, mas já no espaço de representação, convida os apressados espectadores para a cena. Isto mesmo, apesar de ser um espetáculo, a cena de rua compreende a junção dos artistas e do público. O público é atraído pelo aparentemente vetusto e belo figurino, e principalmente pela música: espécie de canto de sereia metropolitano que atrai para a cena. Com longa tradição, “gogó” e conhecimento, os oigalenses dispensam o microfone. Pronto, “de cara” dois grandes méritos do grupo já se fazem presentes desde o primeiro acorde-ação da obra: o canto e o figurino, e todos os adereços antevistos no espaço de representação: tudo se afigura caprichado. Professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), pesquisador de teatro e integrante dos Núcleos Nacional e Paulistano de Pesquisadores de Teatro de Rua.
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A música, de caráter épico-teatralista, apresenta o grupo e o seu “a que viemos”. O primeiro canto, como é tradição na rua, tem por objetivo atrair o público, e os atores têm visgo para prender à cena. Assim, e pulando do particular para o geral, trata-se de um grupo que conhece e pratica o essencial dos artistas de rua: a comunicação e a relação intensa com o público. Os integrantes do Oigalê, de fato, conhecem o seu ofício. Fundado em Porto Alegre (RS), em 1999, o grupo tem deambulado pelo Brasil e cantado, por meio de tradições gauchescas, tantas histórias em espetáculos significativos. Entre narrações e ações, com grande número de personagens, há cenas muito belas na obra. Logo no início, a “mãe África” pare um guri que, imediatamente, é acorrentado e serve de animal de tração para o filho do estancieiro. Sobre o chão forrado de serragem verde, os atores contam e mostram o negro negrinho pastoreiro dos pampas gaúchos. Da história, tudo se ouve, todas as falas e todos os cantos; na história muito que é ibérico, tanto religioso (disputa mouro-cristã) quanto popular (repente escatológico), chega até o público. Todos os acasos foram levados para a cena, diversos expedientes do popular foram incorporados. O riso chega à máscara da totalidade dos espectadores, tanto dos diversos moradores de rua, que chegam sem medo ao espaço, quanto dos apressados homens engravatados. A emoção, premida pelo poético de alguns momentos, tem espaço na obra, destacando de todas elas a cena de Nossa Senhora. A opção pelo ponto de vista do Negrinho do Pastoreio permite observar a “sofisticação da simplicidade” e consegue chegar às pessoas que naquele curto período do dia puderam ter uma nesga de encantamento na correria da grande metrópole paulistana. Por fim, e muitos conseguiram aceitar o desafio de beleza proposto pelo espetáculo e assistir à obra, o público, encantado com o que viu, aplaudiu de modo absolutamente qualitativo aquele presente de hora do almoço. De fato, ações dessa natureza possibilitam o entendimento dos versos: “A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte.”
[OCAT#2] - O Negrinho do Pastoreio – uma maneira leve de se contar uma pesada lenda por Narah Neckis24
Segunda-feira, 8 de novembro de 2010. Praça do Patriarca, horário de almoço. Em meio ao “caos” do centro de São Paulo, algo diferente acontece. As pessoas ali presentes são inebriadas com imagens, cores, músicas e cultura rio-grandense-do-sul. O grupo Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais apresentava-se na 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. O espetáculo encenado, intitulado O Negrinho do Pastoreio, é uma adaptação de uma lenda do folclore do Rio Grande do Sul. A fábula narra a trajetória de Negrinho, um escravo de muitas desventuras, torturado pelo seu senhor após perder uma corrida de cavalo e brutalmente assassinado pelo filho deste; ficou conhecido, após sua morte, como o procurador das coisas perdidas. Atriz, advogada, especialista em Direito da Propriedade Imaterial, com ênfase em Direito Autoral e Incentivos Fiscais. Participa do Grupo de Pesquisa Teatral Nativação.
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O espetáculo inicia-se com uma eleição, em que o público escolhe a música que quer ouvir: “aquela” ou “a outra”. Por fim, acabam por cantar as duas músicas, preparando o público para a lenda que será contada. Sergio Etchichury utilizou-se do sistema coringa em sua direção, desvinculando os atores das personagens, simbolizadas por máscaras: o nariz do Negrinho (oprimido) e o nariz dos patrões (opressores). Por meio desse sistema foi possível visualizar uma interpretação coletiva e unidade na narração. O Negrinho seria o ser humano oprimido pelo sistema econômico. Um espetáculo colorido, poético, sonoro, leve e reflexivo. A encenação investe num cenário simples, funcional e criativo, formado por baú de madeira, cubo de madeira, mesa metálica e araras. Um grupo que se destaca pelo aprofundamento técnico dos atores, que, além de ter sólido trabalho corporal, muitos com habilidades circenses, têm um primoroso trabalho vocal que privilegia as cores, os pesos e as dimensões das palavras encenadas. No mais, vale destacar a pesquisa do grupo relativa à linguagem do teatro de rua; os atores relacionam-se permanentemente com o público, como se esse orientasse a encenação. Um espetáculo que convida a participar, que faz ver aquilo que nos divide e que leva o público à reflexão.
[OCAT - réplica] - Oigalê: uma prática cotidiana de teatro de rua – do regional ao universal por Hamilton Leite e Giancarlo Carlomagno
Para nós da Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais foi muito gratificante e um grande prazer estarmos presentes e atuantes na 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Principalmente, depois de uma circulação pela fronteira do Brasil com Uruguai e Argentina. Dessa vez, recebemos a informação de que seria elaborada uma crítica (na verdade, foram duas!!!) e que teríamos direito à réplica. Pois, muito bem. Que assim seja! Acreditamos que nossa função como artistas de teatro de rua é levar nosso trabalho a todos os cantos possíveis para, assim, poder nos comunicar de forma mais intensa. Nosso projeto de existência não nos deixa cômodos em nossa cidade. Nascemos com um pé na estrada e outro em casa. É do nosso ofício buscar outras paragens para trocar, pensar, colocar-nos em risco e ouvir críticas. Provavelmente essa característica mambembe do grupo tenha possibilitado uma comunicação mais eficiente entre o ator e o público, relação fundamental em nosso trabalho de rua. Desde o início de nossa pesquisa, sabíamos que havia uma diferença grande entre a cultura gaúcha que buscávamos e a cultura tão propagada pela mídia. Trabalhamos com a ideia de recuperação da cultura gaúcha ou gaucha (em espanhol) em busca de nossas raízes culturais. Cultura gaucha do Rio Grande do Sul e de nossos irmãos fronteiriços uruguaios e argentinos. Buscamos a recuperação de contos e lendas, da figura do contador de causos, 68
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dessa figura fronteiriça que fala “portunhol” (português com espanhol), que é hospitaleira, que recebe as visitas em volta do fogo de chão. Não para nos diferenciar, mas, sim, para nos aproximar. Quando montamos nosso primeiro espetáculo de rua, uma livre adaptação do capítulo XXI do livro Dom Segundo Sombra, do argentino Ricardo Güiraldes, tivemos a confirmação do que antes era apenas intuição. Partindo do regional, chegávamos ao universal. Essa foi, sem dúvida, uma grande descoberta que permeia nosso trabalho até hoje. O Negrinho é uma peça de teatro de rua em que a condição física tem de estar em dia, ainda mais no calor de um meio-dia de novembro, no coração de São Paulo. A estrutura que estabelecemos nessa obra faz com que tenhamos de estar “firmes e fortes” para correr, saltar, representar em pernas de pau, pular novamente e, ufa!, voltar a um estado de tranquilidade para poder cantar. São quarenta e cinco minutos de intensa movimentação cênica, com uma média de cinco trocas de personagens para cada ator, tudo isso intercalado por uma extensa trilha sonora executada ao vivo pelo grupo de atores. Em nossos espetáculos, a música é um elemento fundamental que se integra na contação da história. Sempre executada ao vivo pelos atores, sem amplificação por opção muito clara deste coletivo. A companhia, nessa trajetória, busca um trabalho contínuo de treinamento de voz e canto para rua. Construímos nossa “marca” estabelecendo o espaço cênico em torno de quarenta minutos antes, mantendo nesse período de montagem um diálogo constante com os transeuntes e, na hora estabelecida para o início da apresentação, ainda é realizada uma brincadeira inicial por meio de uma eleição. O público presente escolhe entre as únicas duas músicas que sabemos tocar: “aquela” ou a “outra”. A partir daí “oficialmente” iniciamos os trabalhos, reunindo mais pessoas para o que vai acontecer e estabelecendo uma cumplicidade ainda maior com o público. Com o passar dos anos, incorporamos essa brincadeira a todos os espetáculos de rua em repertório. Os espetáculos da trilogia pampiana Deus e o Diabo na Terra de Miséria (1999); Mboitatá (2001) e O Negrinho do pastoreio (2002) são delimitados por erva-mate, erva característica de nossa região, herdada dos povos mais antigos. A intenção é possibilitar um pouco do “cheiro” do Rio Grande do Sul, dessa cultura socialista (mate) que está à disposição de todos. O mate, ou chimarrão, é servido em roda para estimular a conversa, a prosa, sem preconceito de cor ou raça. O fogo é para todos, o mate para quem assim o desejar. A disposição espacial é em um local fixo com formatos geométricos diferentes. Nas quatro montagens para rua (incluindo Miséria servidor de dois estancieiros – 2008), passamos pelo retângulo, círculo, semicírculo e losango. Mais uma brincadeira com as formas de relação espacial do espetáculo com o público, muitas vezes pouco notadas pela população em geral. Nossa busca é pela excelência de nosso trabalho. Uma busca intensa, constante e cotidiana. Seja no exercício físico, no pensamento ou na reflexão Pura utopia? Provavelmente, mas como diria Eduardo Galeano: “Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais a alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para caminhar.” Viva o Teatro de Rua! Viva o Teatro Callejero! Oigalê, tchê. 69
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Sombras da Luz. Ivo 60 - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[I60] - Ivo 60 se apresenta Ivo 60 nasceu em 2000, reunindo estudantes de diferentes cursos de graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Desde o início, o grupo debruçou-se sobre a relação do acontecimento teatral com os espaços públicos de circulação ou de convivência na cidade e com as pessoas que os frequentam. O desejo de criar um teatro que dialogasse com esses elementos levou o grupo não só à rua, mas também a temas que de alguma forma fossem de domínio desses frequentadores do espaço público. Até 2004, o grupo realizou diversas intervenções na cidade de São Paulo e desenvolveu uma série de peças curtas, buscando tanto o público especialista (de que trata Bertolt Brecht) quanto o encontro efetivo entre forma e conteúdo no momento presente do acontecimento teatral. Assim, em 2005, estreou Gozolândia – uma farsa democrática, fábula sobre a democracia apresentada em períodos eleitorais. Um ano depois, O menino que fugiu da peça, em que as personagens são estudantes e professores que tentam montar uma peça de teatro, foi apresentada nos teatros dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) para as comunidades escolares das Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEFs). Com Top! Top! Top!, de 2008, o grupo buscou adaptar, recriar e traduzir a obra do cartunista Henfil para o teatro de rua, em grande medida afastando-se dos processos anteriores. No entanto, durante esse processo, a partir de uma oficina sobre a linguagem do bufão e um punhado de questionamentos sobre a exclusão absoluta de alguns indivíduos, germinou a semente de Sombras da luz. O texto de Sombras da luz é uma colagem feita pelo Ivo 60 e por Silvia Leblon, diretora convidada. Os retalhos desse tecido são histórias, casos, canções e opiniões recolhidos em entrevistas com frequentadores do Parque da Luz, no bairro do Bom Retiro, região central da capital paulista. Esse assemblage textual e as figuras construídas pelos atores (que são, por sua vez, sobreposições de pessoas, personagens e estados encontrados no jogo do Palhaço e nas mimeses corpóreas de observações daqueles frequentadores do parque) são a base da encenação e da dramaturgia. Esse mecanismo de criação é, em grande parte, um retorno a questões originais no trabalho do grupo, como a improvisação como resultado estético e o domínio do público sobre os temas e as formas propostas na cena. A escolha do texto é, em verdade, a escolha de um processo, de uma pesquisa que investiga tanto a forma quanto o conteúdo, separando-os apenas no caráter teórico, mas nunca na prática teatral. 70
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[I60#1] - Café sem cafeína por Lígia Marina25
Quando recebi o convite para participar do grupo de leitores críticos desta publicação, pensei em estabelecer como critério para a própria noção de crítica o seu sentido de “pôr em crise”, uma crise geradora de movimento por meio da diferença, do apontar de contradições. Uma dessas contradições diz respeito à distância entre as intenções do artista e a sua realização formal. Essa contradição não indica erro ou má formação da obra, mas pode revelar, exatamente em sua incompletude e irrealização, aspectos da realidade histórica presente. Assim, o primeiro espetáculo a que assisti na 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas foi Sombras da luz, do grupo paulistano Ivo 60. O espetáculo foi criado, dentre outros pressupostos, com base na pesquisa do palhaço conduzida pela diretora Silvia Leblon, e pela relação dos atores com os habitantes e transeuntes no dia a dia da Praça da Luz, situado no centro da cidade de São Paulo. Ao assistir a peça, parece-se estar diante de um espetáculo que se utiliza de procedimentos épicos em um diálogo acentuado com a herança formal de Bertolt Brecht: “estranhamento” entre personagem apresentado e ator que o apresenta, gerando quebra da ilusão teatral, triangulação com o público, narração, quebra da unidade de espaço (apesar de o espetáculo ter sido apresentado na Praça do Patriarca, centro de São Paulo, o grupo itinerava pela Praça), dentre outros. O teatro épico foi sistematizado por Brecht como uma tentativa de dar conta – por meio de uma forma teatral que sintetizava recursos épicos de momentos teatrais anteriores –, de conteúdos como luta de classes, relações de poder, ideologia etc. Assim, cada procedimento formal teria seu correspondente conteudístico num par em que conteúdo é forma, e vice-versa. Sombras da luz mostra os desejos e anseios de cinco personagens criadas por meio do que Silvia Leblon chamou, em debate com o público, de “busca por equivalências” entre as “sombras internas” dos atores em estado de palhaço com as “sombras internas” dos habitantes-transeuntes entrevistados na Praça da Luz. Ainda segundo Leblon, o grupo não objetivava fazer nenhuma pesquisa política e sociológica profunda da situação histórica que gera individualidades daquele tipo, mas, sim, perceber quais os temas comuns sobre os quais as pessoas queriam falar e discutir, percebendo que eram o amor, o casamento, a relação com Deus ou o Divino, casa, alimento e, sobretudo, a busca pela dignidade. Mas será que a peça vai ao encontro da intenção do grupo e dos entrevistados na busca por essa dignidade? Ao contrário do que foi discutido durante aquele debate, a busca pela dignidade dessas personagens surge obscurecida por procedimentos formais épicos que não revelam o estado de coisas, a realidade histórica e social que gera a situação indigna que marca profundamente a vida dessas personagens. Graduada em Licenciatura em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) e atriz do Grupo II Trupe de Choque.
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Sendo assim, o grupo Ivo 60 mostra uma peça épica esvaziada dos conteúdos que geraram esses procedimentos, pois o holofote que o grupo coloca sobre a questão está voltado apenas para o indivíduo, gerando mais sombras, como se a luz estivesse posicionada diretamente para os olhos do espectador, cegando-o. A atitude de criar, a partir de entrevistas, de outras vozes que não as do grupo, é mais uma filiação ao espírito dialético brechtiano. No entanto, ao buscar, por meio das denominadas “equivalências de sombras”, a unidade e não a diferença, o grupo novamente esvazia o épico. Será que tal esvaziamento dos conteúdos históricos em uma forma alheia aos seus conteúdos originais não revelaria os limites do próprio projeto brechtiano nos dias de hoje? Ou por outra, não estaríamos, exatamente por conta desses limites, diante de uma forma capaz de revelar características dos dias atuais?
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Sombras da Luz. Ivo 60 - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[I60#2] - Perseguindo o contraponto – percurso de reinvenção de territórios por Daniela Landin26 E a história humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não tem voz. Ferreira Gullar.
Um barulho grave, um som de tambor. Longe da tenda erguida para abrigar as apresentações programadas para a 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, uma das atrizes esgueira-se até um carro-forte em trânsito e refugia-se atrás Estudante do curso de Licenciatura em Arte, com habilitação em Teatro, pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero (SP).
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dele. Batuque nas mãos, toca uma espécie de alfaia e surge tão rapidamente quanto desaparece, executando um movimento constante de se ocultar e de se revelar ao público. Em um espaço próximo, um ator esconde-se dentro de um saco preto, recebe a companhia de outro e, rapidamente, de todos os artistas do grupo. Do encontro, surge uma música sem sentido preciso, levada a cabo pelos atores em sonoro nonsense. Um todo melódico de grunhidos e “blablação” que segue num crescendo até alcançar um ápice. Pausa. Tem início a travessia. Após o primeiro momento do espetáculo, o público caminha para o espaço onde o novo movimento será realizado. No caminho, um rapaz alto, conhecido como Bygdin, que trabalha com a companhia desde 2005, divulga o mais recente trabalho do grupo, o espetáculo Ópera de sabão. Enquanto entrega os folhetos, fala a respeito da nova peça: “É outra comédia do Ivo 60.” A processionalidade, ainda que restrita, é uma das características de Sombras da luz, aludindo à tradição do teatro popular, cujos artistas vivem e sobrevivem sob o signo da itinerância, mas também às pessoas que não só inspiraram, mas contribuíram efetivamente para a construção do processo de criação. O trabalho é fruto de uma pesquisa que teve como partida a investigação em torno do palhaço e, como chegada, o Parque da Luz, na região central da cidade de São Paulo. Lá, o grupo pôde experimentar diversas possibilidades de relação com os frequentadores do local, que, de certo modo, são também mambembes que percorrem muitos territórios. Com isso, é possível ler o espetáculo como um conjunto de visões de mundo e reminiscências de vivências de cinco grandes figuras desterritorializadas (ou desterradas) que, marginalizadas, são clownescas, momescas – tipos, portanto, cômico-trágicos, mas também trágicos. Num dos aglomerados provocado por uma parada, uma senhora aproxima-se e, desviando-se das pessoas, encontrando uma e outra fresta, aqui e ali, passa a assistir a uma cena. Minutos depois, dirige-se a outra mulher, que a acompanha: “É besteira...”; e partem. De fato, o material de que é feito o espetáculo é muito parecido com aquele que se serve Manoel de Barros em sua poesia, isto é, o esquecido, aquilo que é tido como imprestável, inútil – mistérios do chão e do pequeno. Manoel preferiria as sombras às luzes, o não saber no lugar da certeza? (O primeiro livro do poeta mato-grossense, que nunca foi publicado, chamava-se, vejam só, Nossa Senhora de minha escuridão.) Sombras da luz, que é mais um trabalho de performance, como processo de criação que prima pelo inacabamento e estética intervencionista, sem personagens dramaticamente definidos ou narrativa linear, reveste-se de uma poesia ainda mais triste ao evocar figuras tão presentes do cotidiano das ruas, tão reconhecíveis, tendo em vista uma experiência paulistana, mas, paradoxalmente, invisíveis como sujeitos históricos, pessoas desprovidas de direitos relativos ao pertencer – à cidade, à sociedade, à história. Nisso, chegamos ao ponto mais controverso do trabalho do Ivo 60: a representação de figuras que beiram o estereótipo. Se, por um lado, a escolha pela escuta e interlocução com os frequentadores do Parque da Luz, apartados socialmente, demonstra a busca dos artistas em olhar uma parcela da realidade sob um 73
ponto de vista popular, por outro, a forma encontrada para a apresentação deles gera dúvida no que se refere a esse próprio ponto de vista. Exemplos que justificariam essa ressalva são encontrados no humor empregado na construção do tipo nordestino, tão conhecido e veiculado pela comunicação “de massa”, no discurso de violência produzido pelo palhaço-mendigo (e sabemos que se trata, na realidade, de contraviolência) e nas concepções em torno da instituição do casamento. No entanto, dando continuidade à reflexão, é possível lembrar que o universo da cultura popular oscila entre a reprodução da ideologia dominante e a apropriação/reinvenção de discursos e práticas, quando se instalam as fissuras na malha construída pelas relações entre poder e saber e na busca por outra lógica. (Na peça, o palhaço-doente e o palhaço-erudito propõem contrapontos surpreendentes.) A fábula de A violeira, de Tom Jobim e Chico Buarque, referência trazida pelo espetáculo, além de remeter à deambulação – do artista e do exilado –, propõe essa tensão entre o conformismo e a resistência: “E não tem tira/ Nem doutor, nem ziguizira/ Quero ver quem é que tira/ Nós aqui desse lugar/ Será verdade/ Que eu cheguei nessa cidade/ Pra primeira autoridade/ Resolver me escorraçar/ Com a tralha inteira/ Remontar a Mantiqueira/ Até chegar na corredeira/ O São Francisco me levar.”
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Sombras da Luz. Ivo 60 - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Aconteceu no Brasil Enquanto o Ônibus Não Vem. Grupo Arte da Comédia de Curitiba/PR. Foto de Augusto Paiva.
[GACC] - O Grupo Arte da Comédia de Curitiba se apresenta O Grupo Arte da Comédia, de Curitiba (PR), ao longo dos últimos quatro anos, tem se dedicado a uma pesquisa apoiada em dois pontos principais: o primeiro consiste na busca por uma linguagem popular a partir da tradicional forma teatral chamada commedia dell’arte. A principal razão por essa escolha estética nasce do desejo do grupo em se comunicar com um público diversificado, independente de seu nível de escolaridade, status social ou econômico. O Grupo Arte da Comédia trabalha com máscaras, privilegiando a expressão corporal por meio de acrobacias, gags, jogos de cena facilmente reconhecíveis, sem deixar, entretanto, de abordar seus temas com riqueza e profundidade. O segundo ponto é a busca por um teatro que tenha como tema principal o povo brasileiro e suas idiossincrasias. A pesquisa fundamenta-se em nossa crença de que o teatro é um espaço importante para a construção da identidade cultural e da cidadania do nosso povo, além, é claro, do prazer e do divertimento. O teatro é uma forma de expressão e de construção de conhecimento que engrandece o cidadão em sua humanidade e sociabilidade. Procuramos realizar uma arte pública que possua na sua própria essência o ato da cidadania. É um exercício de liberdade que expõe, pela representação, o homem em suas relações, em um ato ao mesmo tempo individual e coletivo. A missão do Grupo Arte da Comédia é criar, produzir e difundir espetáculos artísticos de relevância social e cultural, bem como ações pedagógicas e de formação artística a partir de linguagens populares, estimulando a reflexão sobre a vida. Os objetivos do grupo são: colaborar com a prática de cidadania por meio da difusão de bens culturais; descentralizar as ações artísticas, priorizando as comunidades de maior vulnerabilidade social; oferecer ações pedagógicas para formação artística; promover o valor do teatro popular em geral e, especificamente, o valor do teatro de rua; criar condições para realizar intercâmbios culturais e artísticos. 75
[GACC#1] - Acontece que eu sou baiano, acontece que ela não é por Lígia Marina27
Enquanto pesquisava em páginas de busca na internet sobre Aconteceu no Brasil, enquanto o ônibus não vem, do Grupo Arte da Comédia de Curitiba (PR), deparei-me com duas críticas acerca da peça, elaboradas por Paulo Bio e Alexandre Mate (também colaboradores nesta publicação), sobre a apresentação do referido grupo na 25a edição do Festivale de São José dos Campos. As duas críticas nos dão uma dimensão bastante relevante do que foi apresentado pelo grupo na 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas: [...] investigaram a fundo e de forma muito competente a commedia dell’arte: as personagens, as máscaras, movimentação etc. com o objetivo de usar o aparato estudado para compor um universo de “tipos” brasileiros [...] como o malandro carioca, a mulata, o coronel, o eterno servo brasileiro (escravo, empregado...), o nordestino etc. que são, por sua vez, costurados numa narrativa rocambolesca que envolve todo este “saco de gatos” chamado Brasil.28 Tendo em vista a tradição da commedia dell’arte, em que o texto é um pretexto para as ações das personagens (e a verve histriônica dos atores), vejo como maior problema do espetáculo, tanto a ausência de ponto de vista de personagem popular como o excesso de palavras. Nesse caso, o corte precisaria ser impiedoso.29
Outra característica apresentada pelo grupo, vinda da tradição da commedia dell’arte, é a inserção de “comentários” sobre temas e questões da realidade atual durante a encenação. Assim, vez ou outra, os atores expunham temas “da ordem do dia”, como xenofobia na internet (à época das eleições presidenciais de 2010), dentre outras. A partir do exposto, em relação à forma como o grupo elabora suas personagens e seu texto, a obra faz jus ao título – Aconteceu no Brasil –, já que o que se informa são “acontecimentos” da formação brasileira: no Brasil vivem o malandro carioca, a mulata baiana, o patrão, o empregado, a xenofobia etc. Assim, parece que, ao tomar emprestado à tradição da commedia dell’arte o seu aspecto de obra-mensagem – já que os comediantes, ao viajarem pela Itália feudal, levavam notícias e informações de acontecimentos de uma região a outra –, o grupo também nos informa e noticia, como manchetes de um jornal, o que se passa no Brasil, sem viés reflexivo, exatamente segundo as regras da isenta matéria jornalística. Em seu texto O narrador, Walter Benjamin afirma que: “[...] verificamos Graduada em Licenciatura em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas, pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) e atriz do Grupo II Trupe de Choque.
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28 Paulo Bio. Brasil na rua Disponível em: <http://www.fccr.org.br/index.php?option=com_content&view =article&id=803:confira-as-criticas-do-25o-festivale&catid=81:festivale&Itemid=88>. Acesso em: 5 mar. 2012.
Alexandre Mate. Uma comédia de rua curitibana invade a Praça Afonso Pena, em São José dos Campos. Disponível em: <http://www.fccr.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=80 3:confira-as-criticas-do-25o-festivale&catid=81:festivale&Itemid=88>. Acesso em: 5 mar. 2012.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Aconteceu no Brasil Enquanto o Ônibus Não Vem. Grupo Arte da Comédia de Curitiba/PR. Foto de Augusto Paiva.
que com a consolidação da burguesia – da qual a imprensa, no alto capitalismo, é um dos instrumentos mais importantes – destacou-se uma forma de comunicação. [...] Essa nova forma de comunicação é a informação.”30 Temos, assim, uma era que informa, pelos mais variados meios de comunicação, os diversos acontecimentos que se passam em todo o mundo sem propor uma reflexão sobre eles. Não estaria, assim, o grupo curitibano, ao não propor uma reflexão formal mais profunda sobre a formação da identidade nacional brasileira, e por ligar a realidade social à sua encenação por meio da inserção dos comentários à maneira de um telejornal, corroborando a mesma lógica informacional tão cara à ideologia capitalista? Walter Benjamin. O narrador. In: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994, p.202.
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[GACC#2] - Velhas novas notícias sobre Pindorama por Daniela Landin31 Mas de repente me acordei com a surpresa: uma esquadra portuguesa veio na praia atracar. Da grande-nau, um branco de barba escura, vestindo uma armadura me apontou pra me pegar. E assustado dei um pulo lá da rede, pressenti a fome, a sede, eu pensei: “vão me acabar”. Me levantei de borduna já na mão. Ai, senti no coração, o Brasil vai começar. Chegança. Antonio Nóbrega.
Extraordinária horda de mascarados percorre as ruas da cidade, um bando de figuras de rostos deformados, barulhentos, tocando seus instrumentos populares. E a chegada no local onde um cenário móvel, de madeira e tecidos, aguarda a apresentação que o público verá logo mais, para ser depois desmontado, e levado para a próxima parada dos artistas viajantes. A cena poderia acontecer em muitas partes do mundo, não fossem essas figuras mascaradas metáforas explicitamente brasileiras, tipos que se encontram em um recôndito qualquer do País e relacionam-se, a partir de um modus vivendi próprio, no intervalo de tempo – uma semana – entre uma condução e outra. Com passagens por vários festivais, como o 14o Encontro Nacional de Teatro de Rua de Angra dos Reis (RJ), em 2009, um ano antes da edição da 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, os artistas de Aconteceu no Brasil, enquanto o ônibus não vem demonstram, não o mesmo, mas renovado vigor na apresentação de seus tipos brasileiros, num espetáculo marcado pelo jogo estimulante e pelas falas ágeis, entre outros elementos bem trabalhados da comédia popular e do teatro épico. Merecem destaque o prólogo, em sua apresentação das “personagens” e do próprio caminho que será percorrido pela história que vai ser contada; o uso dos coros como uma das possibilidades de quebra do fluxo narrativo com as inserções musicais feitas pelos próprios atores despidos de suas máscaras; a triangulação precisa dos artistas, comentando determinado aspecto do espetáculo; e as narrativas de cada uma das figuras que compõem a história global. Chama atenção o trabalho de elaboração, à brasileira, de tipos a partir da tradição popular italiana da commedia dell’arte, síntese Estudante do curso de Licenciatura em Arte, com habilitação em Teatro, pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero (SP).
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Aconteceu no Brasil Enquanto o Ônibus Não Vem. Grupo Arte da Comédia de Curitiba/PR. Foto de Augusto Paiva.
elaborada no século XVI de toda uma tradição cômico-popular ancestral. Os zanni, a dupla de servos que se envolvia em inúmeras trapalhadas ao tentar vencer os poderosos, são, no espetáculo do grupo curitibano Arte da Comédia, o malandro carioca e o sertanejo migrante, em meio a outros tantos arquétipos brasileiros. Mais que estereótipos nacionais, personificações de regiões do País caracterizadas por comportamentos e sotaques típicos, as máscaras, animadas pelos atores, carregam representações imagéticas do Brasil. Instantâneos de facetas históricas de um País que ainda não resolveu questões que remontam às origens do Estado brasileiro: exploração econômica, dominação política, relações que se estabelecem a partir do favor e do clientelismo, e não pela via da solidariedade, da justiça social ou da reversão das opressões. Vivemos um processo ininterrupto, repleto de contradições, e já assistimos a avanços e descontinuidades das segregações. Relacionado a isso, outro mérito do trabalho dos comediantes está nas referências ao tempo atual – Aconteceu no Brasil... foi criado há quatro anos –, comunicando a percepção de que estamos diante de uma obra que não está fixada no período em que foi concebida, mas, ao contrário, que se atualiza e se modifica em seu caminhar. Daí comentários relativos a políticos que ascenderam ao poder, por exemplo – do governador paulista à nossa “presidente fêmea”, como diz uma das personagens-tipo. A criação dos artistas do Arte da Comédia insere-se em um debate amplo ao discutir questões como escravidão, exploração, mandonismo, machismo, conformismo, mas também a diversidade e, sobretudo, a resistência, ao tratar das táticas populares de burla ao poder, sem esquecer a alegria e o humor. Ou seja, um projeto estético-político que pensa e repensa o País. Nisso, faz sentido o comentário de um dos atores em cena: “Isso é debate público?”, para ouvir como resposta: “Não, isso é teatro!” Uma das preocupações dos artistas da companhia, de acordo com os próprios integrantes, é criar espetáculos voltados a diferentes públicos com diversos níveis de leitura. Dessa forma, percebemos que o teatro apresentado na rua, no espaço público, deve suscitar reflexões que se pautem por um ponto de vista popular, questionando o pensamento único, homogeneizador. Aconteceu no Brasil, enquanto o ônibus não vem existe no interstício do todo dominante, revelando as contradições esquecidas. Afinal, sempre é bom lembrar: existem inúmeros lugares no País em que as pessoas precisam esperar uma semana por um transporte público. 79
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Circo do Só Eu. Barracão Teatro - Campinas/SP. Foto de Augusto Paiva.
[BT] - Esio Magalhães apresenta o Circo do Só eU: um espetáculo criado no contexto da rua Desde que comecei a fazer teatro me interessei pelo teatro de rua. Em 2001, conheci o trabalho de um palhaço que se formou e amadureceu na rua, espaço principal para a expressão de sua arte. Trata-se de Chacovachi, um palhaço pioneiro no movimento de retomada da rua como espaço para apresentações de onde o artista tira o próprio sustento, passando o chapéu no fim de cada espetáculo. Eu já tinha informações a respeito da commedia dell’arte, que mantinha suas companhias com as contribuições do público, mas nunca havia presenciado essa relação de troca tão concretamente como vi no trabalho daquele palhaço. Para mim, foi a primeira vez que senti a relação do teatro de rua como um mercado de trabalho. A primeira vez que vi Chacovachi trabalhando na rua, encantei-me com a simplicidade do espetáculo e com seu domínio cênico para abordar um público e mantê-lo interessado até o fim da apresentação. Fiquei fascinado com sua energia para sustentar e manter a atenção do público durante oitenta minutos, nem sempre sendo simpático com as pessoas. Aliás, a figura de Chacovachi, bem diferente do palhaço tradicional que conhecemos, tem, num primeiro momento, uma relação mais de curiosidade do que de empatia. Já tinha feito e criado espetáculos para a rua, mas a relação com o público era sempre, de certa forma, a mesma do teatro apresentado em salas, ou seja, as pessoas vão até o local onde será feita a apresentação. Não tinha a experiência de abrir um círculo de espectadores desavisados para lhes propor que assistissem ao que seria apresentado por mim. Essa relação que Chacovachi estabelecia com seu cotidiano de trabalho, eu ainda não havia experimentado. E com esse objetivo fui para a Argentina para experimentar essa vivência, levando O pintor, um espetáculo com histórico em festivais e eventos no Brasil. 80
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Depois de apresentar o espetáculo para Chacovachi, ele me disse que o espetáculo era bom, porém “teatral” demais para ser apresentado no contexto da rua, e que poderíamos preparar uma convocatória, ou pensar num espetáculo mais circense, no qual eu pudesse ter mais oportunidade de experimentar a relação com um público da rua, e não o público já preparado para ver um espetáculo. Assim, criei o Circo do só eU, treinando alguns números circenses e preparando um roteiro no qual eu poderia jogar, sendo palhaço, com o repertório disponível para sustentar a relação com o público e tentar mantê-lo interessado por um tempo. O objetivo do espetáculo não era exatamente contar uma história, ma’ me relacionar com o público a partir de um material preparado para ser uma proposta. Dessa forma, Circo do só eU é o espetáculo mais aberto à participação do público no repertório do Barracão Teatro.
[BT#1] - Só? Que nada! Nós por Luiz Carlos Cecchia32
Quando soube que escreveria uma crítica sobre uma encenação de rua com um único ator em cena, confesso ter ficado meio desconfiado. Afinal, um único ator poderia dar conta de uma apresentação na Praça do Patriarca, em São Paulo? Conseguiria prender a atenção das pessoas no “vuco-vuco” daquela região da hipertrofiada metrópole paulistana? Depois de assistir à apresentação e de muito refletir sobre ela, acho que ainda não tenho a resposta. Não porque o ator/palhaço Esio Magalhães não tenha feito uma apresentação eficientíssima – na verdade, foi incrível –, mas porque ele demonstrou incrível Historiador formado pelo Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Unifieo), diretor e dramaturgo da Cia. Teatro dos Ventos (Osasco/SP).
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Circo do Só Eu. Barracão Teatro - Campinas/SP. Foto de Augusto Paiva.
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habilidade para envolver o público, fazendo com que todos participassem da apresentação, inclusive uma graciosa e divertida senhorinha que fez questão de colaborar com seus comentários e gracejos. Não foi possível, por isso, saber onde terminava o ator e começava o público. De certa forma, o Circo do só eU abre uma instigante discussão sobre a separação que muitos artistas de teatro (seja de rua, caixa, espaços alternativos etc.) ainda estabelecem entre cena e público, mesmo quando suas propostas não pressupõem essa separação. Às vezes, acreditam que, para ser “interativos”, basta dar umas olhadelas para alguém do público ou fazer-lhe algum gracejo quase silencioso enquanto outro ator está dando suas falas. Penso que nos traímos pelo tanto que essa divisão está ideologicamente embrenhada em nossa capacidade criativa e que, para não incorrermos constantemente nesse erro, é fundamental que passemos a entender o papel do público como elemento atuante da encenação, mudando, assim, seu caráter nessa relação artística. Na verdade, a relação só pode tornar-se artística e política (como a maioria de nós deseja) quando a qualidade da relação mudar de cena versus público para simplesmente nós. Como fez Esio Magalhães.
um palhaço discute com seu produtor. O produtor explica que toda a trupe do Circo do Sol não virá para o espetáculo daquele dia – receberam proposta melhor. O palhaço olha ao redor, cativa a atenção de quem já parou para observar a discussão, e propõe-se a fazer ele mesmo todos os números do circo. Ele mesmo, mas não sozinho: “Vamos fazer o espetáculo juntos!”, grita ao redor – e o público ajuda a estender uma lona improvisada e senta em círculo, ansioso por risadas inesperadas no meio de um dia que já não é comum. Durante todo o espetáculo, o palhaço Zabobrim (Esio Magalhães) está com todos e com cada um do público, a todo momento. Cada número é executado com a participação ativa de todos, seja girando pratos, sendo amarrado em cena, deixando que o palhaço faça graça de seu cabelo ou seu nome,
Aliás, ele concluiu a apresentação com uma simples, porém profunda, canção cuja letra quase que se resumia a algo como: de eu e você, fazemos nós.
[BT#2] - Nós somos feitos de eu por Helena Cardoso33
É uma terça-feira de quase fim de ano no centro de São Paulo. Meio-dia. Sol e vento concorrem sobre as cabeças dos passantes na Praça do Patriarca. Em meio à gente corrida que deixa os prédios frios para sua hora de almoço, Atriz e criadora da Digna Companhia de Teatro e Dança. Atualmente, cursa Licenciatura em Arte, com habilitação em Teatro, na Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (Unesp).
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vaiando ou aplaudindo. E rindo. Rindo muito. Zabobrim recria com o público cinco números clássicos de circo, de maneira simples e brilhante. Durante o primeiro número, em que um rapaz o ajudava a girar pratos sobre varas de pau, uma senhora cega que ouvira as risadas, grita: “Eu também quero rir!” Zabobrim interrompe o número, pega-a pelo braço, consegue uma cadeira com a produção da Mostra e a faz sentar. “Eu estava lambendo o chão para a senhora sentar”, goza o palhaço da demora em instalá-la. A atenção dada a Luzia a fez se sentir confortável para participar de todos os números seguintes, o que gerou o comentário de Zabobrim: “Nosso circo tem até mascote agora!” E as risadas de Luzia sobressaíam em meio ao coro do público. O público escolhe a ordem em que quer ver e fazer os próximos números: uma macaca (o próprio palhaço) que anda de monociclo; uma pulga acrobata; uma demonstração de força; e a orquestra do circo. Jupiara, a pulga, é sem dúvida o número mais gracioso. Munido apenas de um saco plástico, contando com a imaginação e a colaboração do público, o palhaço faz crer nas grandes acrobacias de um pequeno inseto, e nas suas mordidas e coceiras pelo corpo de seu dono e treinador. Um número que todos já viram igual ou parecido em algum picadeiro na infância, mas que ainda faz todos darem largas risadas. A grande beleza do espetáculo de Esio é a generosidade e a simplicidade com que ele lida com os presentes. Sua habilidade e experiência em criar o espetáculo e executar os números saltam aos olhos – claro, trata-se de um homem de muitas horas de espetáculo, de palco, de rua, de picadeiro. Mas é a tranquilidade com que Esio joga com cada pessoa que faz do Circo do só eU um espetáculo especial. O espetáculo só acontece na relação. Só acontece se o espectador estiver junto. E é só por isso que ele existe, como explica a canção final (“porque é para rir, mas o espetáculo também tem mensagem!” ri-se Zabobrim): “De eu em eu/ Que fazemos nós/ Nós somos feitos de eu.”
[BT#3] - Nós somos feitos de eu por Juliana Rocha34
Em 9 de novembro de 2010, na Praça do Patriarca, um espetáculo começa com o solo de um palhaço – o circo do “só ele”. Na rua, o desnudamento do homem e a aparição do artista em sua máscara – o nariz do palhaço – são revelados aos mais atentos. Em uma pequena barraca, ali mesmo no meio da Praça, sem se esconder do público, é possível perceber o anúncio do espetáculo que está por começar, acompanhando a preparação do artista que faz a própria maquiagem. Atriz, arte-educadora e pesquisadora, graduada em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas, e mestre em artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (Unesp), com a dissertação: Tempo de jejuar e resistir – a presença do kung fu no treinamento do ator: a experiência extracotidiana no teatro vocacional em proposição épica.
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Eu. Barracão Teatro - Campinas/SP. Foto de Augusto Paiva.
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Nas ruas, parece não haver espaço nem razão para o mistério dos bastidores, coxias e cortinas que revelam o artista e que também os ocultam ao fim da sessão, e o palhaço Zabobrim, em sua singeleza e despretensão aparente, certamente sabia disso. Assim, o discurso poético da Praça e todos que passaram por lá naquele dia ganharam um presente em forma de um pequeno circo; sem lona, sem animais, sem pipoca ou algodão doce, sem funâmbulos ou cuspidores de fogo, mas com um palhaço que revela a alegria do grande circo e como é potente e agradável estarmos só. O alto-falante anuncia o espetáculo! Pede desculpa ao público porque o grande circo não poderá mais vir, como todos esperavam, mas que em seu lugar se apresentará Zabobrim. Logo ali ao lado, perto da estátua de José Bonifácio, o Patriarca da Independência, outro espetáculo. Um homem sustenta com as mãos um bastão longo, em sua extremidade equilibra um recipiente cheio de água, na água dois pequenos bonecos de plástico boiam movimentando-se livremente, subindo e descendo. Nós, observadores atentos, somos estimulados e convidados a participar de algo que de tão misterioso e inusitado nem sabíamos do que se tratava. Mas a Praça é grande, generosa e recebe todos os artistas – diferentemente dos detentores do poder que se articulam para limitar sua utilização. Gravata borboleta vermelha xadrez, chapéu verde com lista laranja, suspensório vermelho e calça azul. A primeira coisa que se faz no circo é montar a barraca. Ao som de música, arma um pequeno guarda-sol colorido. O público segura a “lona”, delimitando o espaço cênico e o ritmo no pandeiro anuncia o Circo do só eU. Como nos grandes espetáculos, são apresentados vários números: no primeiro, vemos o chinês Chig Ling Po que equilibra pratos com o auxílio do moço sorridente do público; no segundo número, a macaca Monalisa no monociclo, que se apresenta ajudada por Paulinha e Ana Rosa, as moças que também pararam para olhar; o terceiro número traz a pulga Jupiara, que pensa que é piolho e que é treinada para realizar grandes saltos para dentro de um saco; o quarto número é o de força e precisa da ajuda dos rapazes mais corpulentos do público. Neste, o palhaço lembra que, ao vestir seu paletó, fica poderoso como ninguém – “Ninguém me pega, ninguém me prende”. E foi assim, apresentando os números, talvez já conhecidos dos circos, mas com muita astúcia, poesia e posicionamento crítico, que o palhaço envolveu toda aquela gente que passava e que ficava, incluindo uma senhora cega que parou o espetáculo pedindo para ser notada. A energia e a força do espetáculo uniram os deficientes, os bêbados, trabalhadores – incluindo os da rua, que terminaram sua função e chegaram mais perto, como o moço do garrafão de água. Ouvimos falar sobre a questão das cotas, que somos feitos de eu, sobre o terno do poder, que temos um palhaço no Senado, que o conhecimento não tem dono – e por ser essa uma verdade, pudemos, com aquela apresentação, observar os preceitos de Bertolt Brecht, que nos lembra que no teatro educar e divertir apresentam-se como essenciais. 84
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo O Comecim das Coisas. La Cascata Cia. Cômica - São José dos Campos /SP. Foto de Augusto Paiva.
[LCCC] - La Cascata Cia. Cômica por ela mesma La Cascata Cia. Cômica dedica-se ao teatro de concepção popular e acredita no riso como forma de expressão que abarca todos os aspectos da realidade, tratando das questões que afligem o homem. Criada em fevereiro de 1995, com o nome Cia. Trapos & Farrapos, a companhia tinha como foco principal a linguagem do cômico popular e do teatro de rua, e apresentou as seguintes montagens: A farsa do advogado espertalhão (1995), O chapéu de Fortunato (1997), O pastelão e a torta (1998), O corno imaginário (1998), A morte de Mané Bufão (2001). Com a estreia de Precisa-se de um Mané (2005), a companhia passou a se chamar La Cascata Cia. Cômica, totalmente dedicada à linguagem do palhaço. O caminho trilhado pela companhia indica suas expressões artísticas, marcadas por elementos concernentes a essa linguagem e pela sua pesquisa, que nasce no teatro de rua e encontra a linguagem do circo, revelando uma maneira particular de ver o mundo, com os olhos de quem acredita que o riso diminui a distância entre as pessoas. Nessa busca pela graça na simplicidade das coisas, com o foco voltado para as possibilidades de encontros entre o palhaço, a música e o espectador, é que se constrói o trabalho da companhia: tendo o ofício do riso como caminho e o palhaço como caminhante. Surge La Cascata Cia. Cômica. O espetáculo O comecim das coisas reconta o mito universal da criação do homem, utilizando elementos regionais. A opção de La Cascata Cia. Cômica para a criação desse espetáculo inspirado na história universal, no livro Gênesis e na cultura popular do Vale do Paraíba, é de um teatro que fale ao coração, pois, no mundo caótico em que vivemos, uma forma de transgressão é pela gentileza, pelo belo, pela aproximação entre as pessoas. Partindo da hipótese de que as primeiras montanhas do mundo formaram o Vale do Paraíba, e o primeiro rio, “fruto da lágrima divina”, foi o Paraíba do Sul, Deus inspirou-se na beleza de suas primeiras obras no Vale para dar vida ao homem, a mais especial de suas criaturas. Deus, ponteando sua viola, compôs o mundo e homem. 85
[LCCC#1] - Tivesse Deus criado um arlequim por Daniela Giampietro35
Aos poucos, o som da viola vai atraindo os curiosos. Transeuntes desavisados, meninos com pés descalços, “homens-sanduíche”, artistas de teatro e outras tantas pessoas aglomeram-se em uma roda enquanto a música cria um ambiente muito diferente do habitual na agitada capital paulistana. Em instantes, a companhia La Cascata Cia. Cômica, grupo teatral de São José dos Campos (SP), apresentará o Comecim das coisas, transpondo, de modo paródico, o mito cristão de Adão e Eva para o bucólico universo interiorano. Uma modinha de viola parece frear o ritmo alucinado do centro da cidade no momento em que os quatro atores realizam o início do espetáculo. Com maestria, os jogadores cantam, tocam e narram a criação do Paraíso, conduzindo a imaginação dos presentes para as belezas do Vale do Paraíba. O espetáculo é dividido em cinco “acordes”, que contam desde a criação de um mundo paradisíaco, passando pelo nascimento do primeiro homem e da primeira mulher, até a expulsão do casal do Paraíso. Misturando narrativas, músicas e ação dramática, os cincos “acordes” são orquestrados por meio da adoção de elementos populares e regionais para recriar as personagens e recontextualizar a conhecida história.
O grupo abusa da criatividade e do lirismo ao aproximar poeticamente o mito cristão dos elementos populares e ao trazer à cena a cultura regional do interior paulista. O cenário simples tem a delicadeza e a expressividade do trabalho artesanal. No entanto, o espetáculo não aprofunda a relação sacro-profano instaurada pelo apelo popular e, ao invés de subverter o aspecto da moralidade contida no mito, opta por manter Adão e Eva na condição de pecadores desobedientes. Expulsos do Paraíso, o casal é condenado a vagar, enquanto Deus volta para o céu para “zelar” por suas criaturas. Tivessem, talvez, Adão e Eva a mesma esperteza e irreverência do povo, saberiam carnavalizar a situação, colocando em questão a autoridade que lhes oprime e que lhes tentara ocultar, ainda que por zelo, os tortuosos e necessários caminhos para o conhecimento.
O jogo entre os atores, apesar dos recursos cômicos adotados e dos expedientes narrativos, às vezes perdia o contato direto com o público, sobretudo em alguns momentos de diálogo entre as personagens, o que pode caracterizar-se problemático para um espetáculo de rua. Alguns espectadores, que pareciam estar se divertindo muito, tentaram por várias vezes “avisar” aos atores sobre os perigos que correriam se dessem ouvidos à “comadre serpente”. Estudante do curso de Licenciatura em Arte – Teatro da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), atriz e integrante da Cia. Estável de Teatro e professora de teatro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul (SP).
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo O Comecim das Coisas. La Cascata Cia. Cômica - São José dos Campos /SP. Foto de Augusto Paiva.
[LCCC#2] - Bandeiras ao alto. Viva o povo e a resistência! por Natália Siufi36
Resultado de um exercício de curso com Luís Alberto de Abreu, a dramaturgia do espetáculo O comecim das coisas, de La Cascata Cia. Cômica, recria o mito judaico-cristão da criação do homem no universo brejeiro e caipira do Vale do Paraíba. Não mais versículos ou capítulos, mas acordes dividem a trajetória de um Deus bondoso e todo de branco, que, nos dois primeiros acordes, cria a natureza e o seu filho, a quem ensina a pescar. No terceiro acorde, o homem sente-se só, espelhado nas águas do Rio Paraíba, e seu pai cria a “muié”, de uma das costelas de seu filho. A primeira coisa que diz quando criada é: “Eu nasci pra gostá docê.” Depois o pai explica ao filho: “A muié gosta das coisa romântica, das coisa doce, das coisa bonita”, e explica que, no casamento, “[...] o homem é a cabeça, a muié é o pescoço.” O quarto e quinto acordes são a recriação brejeira da história do evangelho, da serpente, da maçã e da expulsão do homem e da mulher do Paraíso. O filho triste se despede do Pai, também triste, relembrando os momentos de pesca, já com alguma saudade, quando Deus responde: “Filho, quando sentir minha falta, é só olhar pra cima”. Deus, num patamar mais alto do cenário, despede-se dos filhos expulsos, que olham para cima. “E assim caminha a humanidade, podendo escolher seu próprio caminho.” Ao fim do espetáculo, olhando para o céu, os atores cantam: “O amor será nossa bandeira, a esperança nossa companheira.” O cenário simples e bem artesanal casa com o figurino e com a proposta da narrativa caipira, sugerida pelo grupo. A interpretação é ainda fechada para um espetáculo de rua, já que várias vezes ignorou as intervenções do povo, que tentava dialogar com Eva e Adão sobre a serpente ou outros perigos. Destaque para Márcio Douglas, que trabalha com um perfil mais cômico, utilizando técnicas da palhaçaria e muita triangulação, transformando-se muitas vezes num mediador entre a história e os espectadores. A tentativa de recriação do mito para o universo popular talvez tenha se esquecido de trazer, além do linguajar, o ponto de vista popular, que seguramente não consideraria Adão e Eva pecadores arrependidos. A ótica popular transita com a resistência, que não legitima os valores dados e postos pela classe dominante. Não sei se nossa bandeira é o amor nem se a esperança é que deve nos acompanhar, quando se continua num sistema extremamente voraz e explorador. E se não falamos nós da nossa fome, quem falará? O teatro, principalmente na rua, é também espaço de resistência, pois é um dos poucos lugares onde o povo tem voz e vez, nessa sociedade que se alimenta da cultura de massa, da religião que aliena e do trabalho que explora. Bertolt Brecht pensa o teatro como diversão, em que o espectador se reconhece autônomo nas situações e pode refletir sobre elas. Depois de 500 anos de colonização, de exploração e mortes, Adão pode olhar para a frente e querer viver, comer, ter prazer e se divertir! Enquanto Eva e Adão olharem para o céu, esperando as respostas, manteremos vivos os preconceitos, as injustiças sociais e tanta fome de tudo o que há de bom para se viver! Licenciatura em Arte – Teatro, pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Atriz do Grupo Teatral Parlendas.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Êta vida.Grupo Teamu & Companhia - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
[GT&C] - Grupo Teamu & Companhia: Teamu – Teatro Mustardinha e Companhia O grupo nasceu em 1981, na comunidade de Mustardinha, em Recife (PE), inicialmente na igreja, por conta do incentivo de um padre progressista, Jacques Trudel. Na época, chamava-se Grupo de Teatro Amador da Mustardinha (GTAM). A passagem da sonoridade francesa para a portuguesa ocorreu em 1985, quando o grupo rompeu com a igreja, estudou técnicas teatrais e começou a levar para a cena os problemas cotidianos, Nesse momento, o grupo ganhou o nome Teamu – Teatro Amador da Mustardinha. No ano seguinte, 1986, estreou o primeiro espetáculo criado especialmente para a rua: Os meninos do não. Devido ao momento histórico que o País atravessava nos anos 1980, o grupo engajou-se em diversas ações políticas, como a luta pela Constituinte em 1987 e a Greve Geral, em 1988 e 1989. Ainda nos anos de 1980, participou da organização do Movimento de Teatro Popular de Pernambuco (MPT-PE), inicialmente ligado à Federação de Teatro Amador de Pernambuco (Feteape). Em 1987, o MTP-PE rompeu com a Feteape, e as histórias do Teamu e MTP quase se confundiram, ficando ambos os coletivos na mesma sede. Em 1991, com outros coletivos, o grupo criou o projeto Ponto de Encontro, cujas reuniões aconteciam semanalmente com programação cultural e muita discussão sobre a conjuntura política do Brasil. Em 1997, a musicalidade do grupo desembocou em outro projeto: a banda regional Vote! O que é isso? No ano seguinte, 1998, o grupo foi à Itália, apresentando-se em algumas cidades, como Firenzi, Veneza e Milão. No currículo do grupo constam treze espetáculos: A quebra das correntes (1985), Os meninos do não (1986), O legado da droga (1987), Natal dos dois mundos (1987), O palhaço que perdeu a alegria (1988), Bumba cultura popular (1989), USA Brasil (1990), Êta vida! (1991), Funeral de um lavrador (1998), Barraca Brasil (1998), O bê a bá do SUS (2001), O bê a bá do teatro popular (2003) e A peleja do Doutor Raiz nas terras de Dom Nicotino (2005). 88
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O espetáculo Êta Vida!, recriação da brincadeira do Bumba meu boi, utiliza basicamente as personagens e o início do seu enredo. Narra as desventuras de Catirina, que, após comer a língua do boi, vê-se sem o marido Mateus, que fugiu para a cidade. Pressionada pelo Capitão, ela resolve procurar o esposo. Nesse novo enredo, as agruras dos mais simples são transferidas para a cidade. O espetáculo, criado em 1991 a partir da discussão sobre os quarenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e tomando o Bumba meu boi como estrutura, apresenta o descumprimento diário dos direitos básicos. Ao chegar à cidade, Catirina vê-se obrigada a trabalhar e morar em condições precárias. Seu senhorio é também o Capitão. Dessa forma, o enredo nos mostra que não importa aonde o pobre vá, vê-se condenado ao sofrimento.
[GT&C#1] - A gente vive teatro pra libertar por Daniela Landin37
Um terreiro organizado com os indícios das oferendas às entidades. De um lado, a bandeira do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); do outro, a do Estado de Pernambuco. Ao centro, em destaque, uma estrutura ornamentada com máscaras homenageia o teatro popular de rua e o próprio grupo, o Teamu & Companhia; na frente, colada ao público, a bandeira do Brasil. Passada a hora programada para o início do espetáculo, parte do aglomerado de pessoas que esperava pela apresentação passa a se manifestar por conta do atraso. Alguma ansiedade se instaura. Finalmente, um pequeno cortejo formado por três homens caracterizados de brincantes, caras pintadas, começa a soar na Praça do Patriarca, no centro da cidade de São Paulo. Chegam festeiros, belos em sua singeleza, presença plena e sincera de artistas populares que buscam o encontro. Um deles, dançando com uma burrinha feita de madeira e tecido, compõe uma imagem docemente divertida. Já no espaço de representação – o terreiro político –, iniciam a conversa com o público e a apresentação, em tom de ensaio aberto. Nesse momento da escrita, cedo à tentação de procurar o significado da palavra “ensaio” no dicionário e descubro, entre outras possibilidades, “experiência”, “estudo”, “tentativa”, “treino”. O espetáculo dos pernambucanos do Teamu traz a oportunidade de pensarmos o trabalho teatral, especialmente o popular, de rua, sob a égide desses sentidos. Estudante do curso de Licenciatura em Arte, com habilitação em Teatro, pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero (SP).
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Antes de qualquer coisa, já esclarecem o mal-entendido – é a primeira cena. Explicam que não houve atraso: o espetáculo começou pontualmente às 18 horas, como estava previsto, quando iniciaram o processo de maquiagem e de caracterização, na rua mesmo, mas longe dos olhos do público, que esperava confortavelmente sentado no lugar convencionado, em frente ao espaço onde o cenário havia sido montado. Um dos atores chega a perguntar a um produtor da 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas se foi isso mesmo que aconteceu. Ele confirma. “Vamos, então, recomeçar”, anuncia o brincante. Inspirados pela fábula do Bumba meu boi pernambucano (desenvolvido pelo mestre Antonio Pereira no início do século XX), os artistas do Êta vida reinventam a história popular para discutir temas como moradia, trabalho e o próprio teatro de rua na perspectiva do oprimido, aquele que está à margem dos bens materiais e simbólicos. Um dos bordões dos artistas é: “Não há evolução social sem revolução cultural”. No espetáculo, Mateus – “Não o da Bíblia, o do Boi” – foge para São Paulo. Catirina, grávida, vai atrás dele e é rejeitada. É, então, obrigada a buscar algum lugar, mesmo que precário, para morar na capital paulista. Uma trajetória como a de muitos nordestinos que deixam o seu Estado de origem a fim de conseguir uma vida melhor, uma história como muitas que povoam e caracterizam a própria história da cidade de São Paulo. A narrativa é pontuada por inúmeras rupturas e descontinuidades, como brincadeiras com vinhetas relativas a comerciais televisivos, sátiras de todo tipo – “São Paulo é conservador, né? Vou no Serra...” –, comentários bem-humorados sobre pessoas que assistiam à apresentação, sendo que, muitas vezes, as quebras ocorrem por “erros” dos próprios artistas. Sem nenhuma intenção de esconder possíveis “falhas”, confusões no texto ou na música, comunicam a imperfeição e o inacabamento como traços de um trabalho muito amparado na relação que o grupo estabelece com o público. As canções executadas ao vivo e cantadas no microfone refletem de forma marcante o discurso e os posicionamentos dos atores. Canções a respeito do fazer artístico no espaço público, onde todos compõem e participam do espetáculo (“Vocês acham que estão assistindo, mas estão também atuando.”), do teatro popular e seus significados (“Eles fizeram teatro pra dominar/ A gente faz teatro pra libertar/ Eles usaram o teatro pra dominar/ A gente vive o teatro pra libertar”) e que prestam homenagem aos artistas de rua, e, principalmente, ao Movimento de Teatro Popular de Pernambuco. Com isso, os brincantes demonstram a percepção de quem sabe de onde fala e de onde vem: o nome do grupo – Teamu – refere-se à Mustardinha, bairro da cidade do Recife (PE), onde se localiza a sede dessa companhia, que existe há quase 30 anos. A prática dos artistas do Teamu remete à militância do educador Paulo Freire – a origem pernambucana é outra bonita proximidade –, no envolvimento profundo com os movimentos sociais populares com os quais devemos aprender e aos quais temos também o direito de ensinar, numa relação político-pedagógica. Os brincantes que passaram pelo centro de São Paulo naquele mês de novembro evocaram um dos mais belos pensamentos freireanos, expressos de forma sucinta em uma das canções: a libertação realiza-se não no sentido de efetuar algo no outro, mas no de libertarmos uns aos outros em comunhão. 90
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Êta vida.Grupo Teamu & Companhia - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
[GT&C#2] - Um apelo à resistência – “A gente faz teatro pra libertar” por Daniela Giampietro38
A roda aos poucos vai se formando na Praça do Patriarca, no centro da cidade de São Paulo. O espetáculo esperado é o Êta vida, da tradicional companhia teatral pernambucana Teamu & Companhia. Figurinos, máscaras e adereços compõem o espaço cênico enquanto duas malas e um baú delimitam o círculo. Dentro das malas e do baú, evidenciam-se as bandeiras de Pernambuco, do Brasil e do MST. Já passa das 18h e o público começa a demonstrar sinais de ansiedade com o que julga ser um atraso. Vinte minutos após a hora prevista para o início do espetáculo, três atores aproximam-se em chegança, adentrando o espaço cênico e propondo um primeiro embate com os presentes: “Teatro de rua começa com os preparativos. Começamos a nos maquiar, ali, às 6 h em ponto. Pensamos que vocês fossem até lá.” O grupo parece emergir das tradições mais longínquas do teatro popular, evidenciando seu aspecto mais libertário. Do ponto de vista estrutural, o espetáculo dispensa qualquer tipo de formalismo, ao mesmo tempo que propõe uma releitura da tradição. A riqueza da música e dos elementos tradicionais da cultura pernambucana são entrecortados pelo jogo direto entre os brincantes e o público. Tendo o improviso como chave principal, os atores revezam-se cantando, tocando e representado as personagens do enredo. Em Êta vida, as figuras tradicionais do Bumba meu boi são brincadas de modo crítico. O Patrão paga um salário mínimo a Mateus que, dessa forma, é obrigado a migrar para São Paulo. Catirina, grávida, decide também sair de sua terra natal em busca do marido. Em São Paulo, não conseguem lugar para ficar e, ao ocuparem o terreno do Capitão, são expulsos pelo Derrubador de Elite, um policial especialmente treinado para derrubar barracos. E é assim, em meio às desventuras vividas em uma terra hostil, que nasce o filho dos dois, ou ainda, a semente que simbolizará a resistência e o renascimento. “Não há evolução social sem revolução cultural”, diz um dos atores à certa altura do espetáculo. De fato, se a cultura pode ser instrumento de dominação nas mãos das elites, deverá ser também por meio dela que a voz do povo encontrará formas revolucionárias para “hastear suas bandeiras”. Mas o maior mérito do espetáculo, além da evidente proposição libertária e da ironia escancarada no jogo de improviso, talvez esteja em seu principal e mais importante apelo: numa terra cercada por poucos donos, faz-se urgente a necessidade de romper as cercas e repartir os bois. Estudante do curso de Licenciatura em Arte – Teatro da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), atriz e integrante da Cia. Estável de Teatro e professora de teatro da Fundação das Artes de São Caetano do Sul (SP).
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[LM] - Domingos Montagner e Fernando Sampaio (ou Padoca e Agenor) apresentam La Mínima O palhaço está nas ruas e nas feiras, nos parques de diversão, nas histórias em quadrinhos, no cinema mudo ou falado, nos espetáculos de variedades e nos textos clássicos. O palhaço vai existir sempre. Ele nos possibilita perceber limites, diferenças e semelhanças por meio de um universo fantasioso, mas não menos objetivo. É ele que nos permite rir de nós mesmos. De Homero a Bocaccio, de Gogol a Millôr, de Carlitos a Oscarito, de Leonardo da Vinci a Laerte, a humanidade, há pelo menos 28 séculos, registra o humor e ri dela mesma. Realmente rir deve ser o melhor remédio.
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Reprise. La Mínima - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[LM#1] - Falo eu ou fala você? por Juliana Rocha39
Ocupando o espaço cênico da praça, delimitado por uma lona circular no chão, os palhaços Agenor e Padoca, com o compromisso de nos fazer rir, nos são revelados no momento de sua construção, quando o artista caracteriza-se diante de nós, realizando sua maquiagem – momento em que a participação do público/transeunte já é essencial. “Moça, segura esse espelho para mim!” E realiza sua pintura no rosto e passa gel nos cabelos com tranquilidade, fazendo dessa ação o início do espetáculo. O mesmo acontece com o outro palhaço que irrompe a cena com a saída do primeiro. Com uma música bastante circense, daquelas que incitam o corpo ao movimento e às palmas, o público é convidado a participar: “Aproximem-se, venham todos!” Bem próximo, um senhor que já havia decidido ficar, com gestos grandiloquentes “regia”, assim como fazem os maestros, a música que tocava. A construção do espetáculo trazia aspectos intensamente vivenciados por nós, em que a disputa por um espaço era presentificada pelos palhaços, decididos a realizar o espetáculo sozinhos. Assim, utilizando-se de estratégias circenses, tentavam ganhar a atenção do público que, em determinado momento, era dividido imaginariamente: metade aplaudindo Agenor e a outra metade, Padoca. Era claro que, apesar de a encenação trazer esse aspecto de disputa, a relação dos artistas era de parceria e conexão tão evidentes que fazia vibrar o mais tímido participante do público, que permanecia em relação sensível com os artistas durante todo o espetáculo. Atriz, arte-educadora e pesquisadora, graduada em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas, e mestre em artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), com a dissertação: Tempo de jejuar e resistir – a presença do kung fu no treinamento do ator: a experiência extracotidiana no teatro vocacional em proposição épica.
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Trazendo os elementos do circo, não só na figura dos palhaços, mas também nas acrobacias, os dois, depois de tentativas frustradas de se apresentarem sós – “Falo eu ou fala você? Quando eu falo você não fala!” –, decidem unir-se, iniciando, assim, a parceria que nos lembra que a união de uma classe pode e deve potencializar uma ação. Quem passou pela Praça do Patriarca naquela semana encontrou Agenor, Padoca, Zabobrim, Marmita, Pipoca e tantos outros palhaços e artistas que se aproximaram do povo para lembrar como as coisas mudam nesse País, que agora temos um palhaço [alusão a Tiririca] na Assembleia e também que a diversão é garantida àqueles que, com os olhos e ouvidos atentos, percebem que a arte é para todos, mas não o riso fácil, telegrafado, muitas vezes perverso dos programas de televisão e, sim, o riso que intenta a inteligência e eleva-nos à compreensão.
[LM#2] - Cidadãos de nenhum lugar, cidadãos do mundo por Luiz Carlos Cecchia40
É interessante notarmos como a figura do palhaço permeia o imaginário coletivo. Desde as formas mais tradicionais até as mais contemporâneas, parece que esse cidadão de lugar algum e de todos os lugares está sempre caminhando ao nosso lado, e quando menos esperamos ele salta à nossa frente, nos aponta o dedo indicador e diz: “Não se esqueça, não há muitas diferenças entre nós.” Foi essa a conclusão a que cheguei enquanto assistia à encenação Reprise, de La Mínima. Afinal, esse tipo de apresentação faz sucesso há tantas centenas de anos que não há outra explicação para sua longevidade senão a identificação entre cada um de nós e esses senhores de narizes vermelhos. Entretanto, não basta borrar o nariz e sair tropeçando nas meias para ser um palhaço. A longevidade dessa personagem deve-se à construção de uma tradição artística que realiza um olhar arguto sobre as contradições humanas, para depois mostrá-las publicamente, expondo seus absurdos cotidianamente mascarados pelas representações sociais. Claro que, sendo uma tradição artística, envolve treino, habilidades e conhecimentos próprios e necessários. Creio que foi a habilidade em realizar essa tarefa que fez com que La Mínima prendesse o público em sua apresentação. É interessante perceber como nos fizeram rir de nós mesmos, de nossas mesquinharias e egoísmos enquanto estas estavam personificadas naqueles dois palhaços que não se aturavam, mas acabaram trabalhando juntos para o bem do público e, ao fim e ao cabo, para o seu próprio bem. Creio ser esse o grande valor de uma montagem como Reprise: colocar-nos diante de espelhos. Mas se qualquer pessoa daquele público não esteve interessada em tais reflexões, tudo bem, ainda assim pôde compartilhar e colaborar com as risadas coletivas provocadas por uma encenação divertida e de muita habilidade, quebrando a dura e reificada vida paulistana. O que por si já torna a vida bem melhor, ao menos naquele momento. Historiador formado pelo Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco (Unifieo), diretor e dramaturgo da Cia. Teatro dos Ventos (Osasco/SP).
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[CF] - A Companhia do Feijão se apresenta Reis de fumaça integra um conjunto de espetáculos que conecta tradições dramáticas brasileiras à pesquisa de linguagem realizada pela Companhia do Feijão desde 1998. Como proposta cênica, surgiu da busca por espectadores diferentes dos frequentadores regulares do circuito de salas teatrais, a quem se proporcionasse uma pausa no cotidiano da cidade, gerando ao mesmo tempo diversão e reflexão. Tratou-se não de simplesmente levar um espetáculo preconcebido à rua, mas, sim, de buscar a raiz de uma manifestação de rua. É na praça que o espetáculo se configura. Na base da criação esteve o estudo de performances executadas sobretudo em espaços abertos e com a participação de grande número de pessoas. Manifestações populares transmitidas por gerações, com origens perdidas no tempo, resultantes de combinações de tradições ibéricas, ameríndias e africanas. Criações de origem comunitária que, à primeira vista, escondem a complexidade de seu mecanismo interno, de sua organização espetacular e da exigência de uma técnica de execução apurada de seus intérpretes. A companhia aprofundou a abordagem sobre os espetáculos populares, suas músicas, danças, sua parte dramática e a relação desse tipo de espetáculo com o meio onde é apresentado – a rua e seus espectadores. Paralelamente a esses estudos práticos, investigou as origens dessas manifestações e colheu depoimentos de alguns dos atuais detentores de suas tradições. Detectou sua teimosia em não desaparecer, sua natural resistência à cultura de massas e o seu poder aglutinador de pessoas que fazem disso sua vida, mesmo que o tempo de dedicação seja o de suas horas de folga. Estudou-se também o cotidiano dos brincantes e identificouse um abismo entre a dura realidade de seu dia a dia e, em contraste, a alegria, a necessidade de brincar com a realidade, de onde vem a força dessas manifestações. Percebeu-se também essas manifestações como criadoras de identidades, dado que o universo dos brincantes é constituído amplamente de pessoas de origem humilde, que executam trabalhos não qualificados e subalternos, de onde nasce uma espécie de invisibilidade pública e a consequente necessidade de se tornar “visível” e participante, pelo menos durante os festejos populares. Partindo dessa experiência e desse estudo, chegou-se a uma performance de rua que não objetiva simplesmente a recriação de algumas dessas danças dramáticas. Parte, antes, de alguns de seus princípios, e incorpora outros, específicos, da pesquisa de linguagem que a companhia vem realizando desde sua criação. 94
Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Reis de Fumaça. Companhia do Feijão - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[CF#1] - O canto dos reis anônimos por Isabela Penov41 Abre a porta, gente Que venho ferido Pela falsidade, ó janana Dos meus inimigos Se tu vens ferido Pode entrar pra dentro Que o sangue do teu peito, ó janana É meu alimento. Canto de pedido de “abrição de porta” do Reisado.
Reis de fumaça é o termo usado por Mário de Andrade em suas pesquisas sobre tradições populares para designar os Reis de Congo – reis negros coroados pelas comunidades escravas no Brasil, numa festa solene. Nas congadas, os escravos eleitos eram festejados, adorados. A figura do rei destacava-se e adquiria importância ímpar. Alegria efêmera: nos dias que se seguiam, seu cotidiano era de privação e de sacrifício, como o dos demais escravos. O espetáculo Reis de fumaça, da Companhia do Feijão, nasceu de um desejo do grupo de pesquisar o espaço da rua, as tradições populares e a utopia. Partindo do período da escravidão no Brasil, o grupo desenvolve sua narrativa até culminar no cativeiro de hoje: a mesma sujeição sob novos nomes e formas, transformada apenas na aparência por meio de astutas estratégias ideológicas dos estratos dominantes ao longo do tempo. Essa história é contada em fragmentos, especialmente relatos de pessoas comuns, escravos de ontem e de hoje, sobre suas histórias de luta, privação e castigo. Tais relatos são costurados por narrativas e canções e brincadeiras diversas da tradição popular, que completam a história dessas personagens. Retratam aqueles que, como brincantes, ganham nova Atriz, mediadora cultural e estudante do curso de Licenciatura em Arte – Teatro na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).
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dimensão para sua existência, mas no momento seguinte são novamente massacrados por uma vida de sujeições: são os nossos Reis de fumaça. Os folguedos, ali, são seu espaço de expressão e de manutenção da esperança, oportunidade rara de alegria. Numa arena de luta entre o cotidiano de escravo e a necessidade de um respiro na utopia, o brincante resiste também pela alegria, brincando de rei – até que a realidade lhe imponha o fim do reinado. Os atores estabelecem com o público uma relação de compartilhamento e atraem os passantes pelo humor convidativo que se sente à vontade para subverter dogmas morais e religiosos – sem afastar o espectador com pretensas verdades, mas aproximando-o da crítica pelo riso. Em geral, o caráter fragmentário da dramaturgia resulta quase sempre em vantagem para um espetáculo de rua, pois se adapta melhor ao caráter de constante e hostil movimento do espaço urbano, contemplando qualquer passante a qualquer momento. Apesar disso, nesse espetáculo perde-se a ligação entre os fragmentos, tornando difícil situá-los num discurso determinado – que parece latente nesse trabalho do grupo. O sentido político e crítico que a peça guarda em potência vai perdendo a consistência. O espetáculo aos poucos vai trazendo para muitos a sensação de confusão, de não saber mais exatamente sobre o que se está falando, visto que os fragmentos cênicos apenas pincelam informações e retratos, sem profundidade na abordagem das relações sociais que lhes servem de mote. Resulta disso que nem o tema da escravidão é abordado de maneira aprofundada, nem se compreende exatamente a relação entre este, as narrativas e os relatos. Ainda assim, a dimensão política de Reis de fumaça persiste ao redimensionar por meio da cultura popular as histórias de opressão que quase nunca constam nos livros. Faz-nos bem ouvir o canto da voz anônima dos escravos/ trabalhadores desse nosso tempo – ainda de grilhões –, dividindo conosco a alegria resistente dos reis efêmeros que dançam e cantam em roda nos quintais de seus senhores. 96
Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Reis de Fumaça. Companhia do Feijão - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[GCTRV] - Arte de rua no sertão de São Paulo, como autoapresentação dos integrantes do Grupo Circo Teatro Rosa dos Ventos Rosa dos Ventos é um grupo de arte de rua que busca a construção de uma linguagem própria influenciada por elementos do teatro, circo, música e cultura popular. Nosso ambiente de atuação é o extremo oeste do Estado de São Paulo, região marcada pela política conservadora, por grandes latifúndios e de pouco ou nenhum acesso à arte e às manifestações culturais. O trabalho do grupo está focado na pesquisa continuada, criação de espetáculos, formação de novos grupos por meio de oficinas e construção de uma política cultural sólida que garanta o acesso à cultura para populações desatendidas e o fomento ao trabalho artístico. Fundado em 1999 por estudantes da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente, o Grupo Circo Teatro Rosa dos Ventos nasce de um projeto de extensão universitária, denominado Projeto Alegria, em que teatro, folclore e circo foram cenicamente representados por palhaços. O fato de estar na rua, local totalmente imprevisível, fez com que as personagens fossem muito além das relações estabelecidas pelo par Branco e Augusto, dois tradicionais palhaços de circo. A trilha seguida passa por um processo de pesquisa em bufonaria, da observação dos artistas saltimbancos de rua e dos repentistas nordestinos, que se tornaram influências importantes na constituição das personagens desenvolvidas. Exploram-se nessas pesquisas e nas atuações a forma absolutamente bem-humorada como esses artistas relacionam-se com o público e a eleição dos temas levados para a encenação.
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo A Farsa do Advogado Pathelin. Grupo Circo Teatro Rosa dos Ventos - Presidente Prudente/SP. Foto de Augusto Paiva.
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Montar a A farsa do Advogado Pathelin foi uma proposta do diretor Roberto Rosa para o grupo, feita com o propósito de oferecer um elemento que pudesse extrair benefícios da linguagem até então consolidada e apresentada ao público na rua de forma popular. Os espetáculos anteriores, como Hoje tem espetáculo e Saltimbembe mambembancos, as técnicas de circo e de jogos cômicos são bases importantes do desenvolvimento desse espetáculo, focado no ludismo livre para o improviso dos atores, com o propósito de divertir. A farsa do Advogado Pathelin veio oferecer aos trabalhos anteriores do grupo novo elemento, na medida em que, com o texto, há uma história a ser contada que dialoga com a forma e com a proposta do Rosa dos Ventos. A junção desses elementos e o esforço de concatenar linguagens está em franco processo de construção e tem, por isso, merecido críticas importantes e apreciadoras dessa tentativa, criando desafios mais ousados do que se pensava no início do projeto.
[GCTRV#1] - Rosa dos Ventos: circo de norte a sul, teatro de leste a oeste por Adailtom Alves42
O Grupo Circo Teatro Rosa dos Ventos nasceu em 1999, a partir de um projeto de extensão universitária da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente. O projeto chamava-se Alegria e, nesse momento, os integrantes do curso tomaram contato com o palhaço. Em nove anos de existência, o grupo montou cinco espetáculos, dentre eles A farsa do advogado Pathelin, participante da 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. O espetáculo estava programado para ocorrer dia 10 de novembro às 18h; entretanto, devido à chuva, foi transferido para o dia seguinte às 15h. A transferência do espetáculo merece um pequeno adendo. A produção da Mostra solicitou relutantemente à Subprefeitura da Sé que autorizassem o uso de uma lona para que os espetáculos não fossem transferidos ou mesmo cancelados em caso de chuva. Mas, apesar de a Mostra ser produzida com recursos da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, e mesmo querendo contratar a mesma empresa que semanalmente tem sua lona montada na Praça do Patriarca para eventos de instituições bancárias, a produção da Mostra não foi autorizada, daí a transferência do espetáculo para o dia seguinte. O adendo fez-se necessário, pois os meandros jurídicos, difíceis e incompreensíveis ao cidadão comum, fazem parte de A farsa do advogado Pathelin, texto clássico de autor anônimo do século XV. A peça está situada no tempo do capitalismo nascente, em que duas personagens da burguesia em ascensão são fundamentais para se compreender os entraves burocráticos de hoje: o advogado Pathelin, representante da estrutura jurídica, e o comerciante Guilherme Côvado, representante do poder financeiro. Ao povo, representado na personagem de Teobaldo, só resta a astúcia para burlar o poder financeiro, a estrutura jurídica e manter-se vivo. Mestre em Artes, membro do Núcleo Brasileiro e Paulistano de Pesquisadores de Teatro de Rua e ator do Buraco d`Oráculo.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo A Farsa do Advogado Pathelin. Grupo Circo Teatro Rosa dos Ventos Presidente Prudente/SP. Foto de Augusto Paiva.
O espetáculo integra o universo circense à história a começar pelo aquecimento do público durante a montagem da estrutura e na delimitação do espaço cênico, feita pelos palhaços Dez Pras Sete (Fernando Ávila), Beterraba (Gabriel Mungo), Madureira (Felipe Madureira) e Custipil de Pinóti (Tiago Munhoz). Além dos palhaços, os atores utilizam-se de pernas de pau, malabares e acrobacia, tudo acompanhado pelo som da bateria, da guitarra, do teclado e de outros instrumentos percussivos manuseados pelo “homem banda” Robson Toma. O ponto alto da integração entre o universo circense e a história é no jogo de malabares, realizado após a aplicação do golpe, por parte de Pathelin, em Guilherme Côvado, que delira, vendo em cada clave seu suposto dinheiro e a possibilidade de acumulação, aproveitando para “cuspir” suas verdades, dentre as quais explorar a todos para acumular cada vez mais. Como pede toda boa farsa e todo bom palhaço, a escatologia e o grotesco estão em cena. “O corpo grotesco e ridículo caracteriza-se no antídoto do corpo sério, bem comportado, consolidado pela moral, servo das instituições que formam e conformam o indivíduo para a vida em sociedade”, como afirma Mario Fernando Bolognesi em “Dilemas para a atuação cômica” (Rebento, 1. 2010: 76). O grupo tem total domínio sobre o uso do grotesco em cena. O jogo entre os palhaços está presente ao longo do espetáculo, por ter uma relação direta com o público e sempre desembocar no riso. Isso cria uma facilidade, fazendo com que, em alguns momentos, se abandone a história que se propõe contar. Assim, ao invés de explorar a riqueza e as nuances que a história oferece, o grupo cai no conhecido: as tiradas de palhaços. Faltou ao Rosa dos Ventos “confiar” mais na história que estão encenando. Nesse sentido, nem mesmo a direção bem cuidada de Roberto Rosa eliminou esse pequeno entrave. 99
[GCTRV - réplica] - Pré-diálogo – Será a Farsa o mais irresponsável dos gêneros? Trabalhar com um texto clássico, magistralmente representado por vários grupos talentosos, é um desafio corporal e dramatúrgico com muitos pesos. A tentativa de colocar isso em uma peculiar linguagem de circo-teatro de rua é outra fonte de inspiração e uma enorme tarefa. Os riscos foram assumidos desde o início. Tentamos encaixar a dimensão de um suposto texto secular, apresentado em ruas e voltado para o povo no passado, e trazê-lo para nosso cotidiano surrado por mil hábeis releituras. Assim, o texto que se apresenta hoje para todos pode até ter sido representado na Idade Média, mas não ipsis litteris. O texto original que nos chega é uma versão burguesa, apresentada nos teatros para um público culto e que originalmente causaria pouca ou nenhuma empatia popular nos dias de hoje. Essas afirmativas, no entanto, não nos protegem; ao contrário, nos enfia visceralmente em uma solução que está para ser dada. Somos viciados no povo! Centramos nossa referência na roda e por isso a roda nos embriaga. Jogamo-nos mais nessa transformação da forma de comunicação culta desse texto para uma linguagem do povo atual e o resultado disso nos alegra. “Esquartejamos” todas as perspectivas que nos remeteram ao clássico. Não é que não confiamos no texto! Desconfiamos de não obter a mesma felicidade obtida em trabalhos anteriores. A versão desse texto que trabalhamos originalmente é apenas um registro histórico de uma de suas milhares montagens que pululam pelo mundo. Nossa ideia central é privilegiar o humor característico desse gênero, que é direto, histriônico, exagerado, físico, violento e próximo ao absurdo, com uma proposta de interpretação que ainda nos é capenga, na qual os atores passariam por três níveis: em alguns momentos estaria clara a presença desse ator despudorado conversando com o público; em outras situações, os palhaços Dez Pras Sete, Custipiu de Pinóti e Beterraba fazem sua ingerência contando uma história paralela e, por fim, as personagens escatológicas da farsa proposta (Pathelin, Guilhermina, Guilherme, o Pai e Teobaldo). Percebemos coerência entre as ponderações do texto Rosa dos Ventos: circo de norte a sul, teatro de leste a oeste apresentadas por Adailtom Alves e as de outras críticas, aceitando-as e rejeitando-as. O aceite é próprio de nossa compreensão da “manquidão” que há em algumas soluções. Sem alternativas apropriadas à nossa linguagem, afrouxamos para o texto. A sedução do texto, nas mesmas letras como lá estão, não foi suficiente, e ficamos em um meio-termo bizarro que dilacera as referências dos guardiões do texto e também não nos satisfazem. Estamos em um meio caminho danado que nos empurra para amadurecer nos dois lados. Está ficando cada vez mais evidente para nós o fato de ser infiéis incorrigíveis, mas a história a ser seguida nos provocou um salto de qualidade, exigindo uma infidelidade programada que nos entala a goela. Em nossas análises, o desdém às opções morais, ainda que jocosas, nos impede de contar a história sem modificá-la. O épico que se encaixa nessa história, suas partes ontológicas que são tão caras, modificam-se por opções estéticas e conclusões que foram construídas ao longo do processo de criação da peça, significando para todos um grande dilema. Esse trabalho segue e não estamos com o texto pronto e acabado. Ao contrário, as avaliações de fora são muito bem-vindas e fazem com que repensemos todo o processo de criação. 100
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Terra Papagalli.Trupe Olho da Rua - Santos/SP. Foto de Augusto Paiva.
[TOR] - Trupe Olho da Rua por ela mesma A Trupe Olho da Rua surgiu em 2002 com o objetivo de pesquisar, exercitar e difundir o teatro de rua, na rua e para a rua, com base em experiências empíricas distanciadas do mercado e pautadas pela utopia e pela ideologia não hegemônica. Os integrantes do grupo montaram nove peças afeitas à farsa, ao circo e ao épico, sempre apoiados por uma pesquisa musical autoral e por uma abordagem dramatúrgica coletiva, que nasce e desenvolve-se a partir de roteiros que problematizam e que colocam em chave de interlocução o fruto de suas pesquisas teatrais e indagações políticas e sociais. A Trupe mantém um repertório ativo de sete espetáculos, já promoveu e participou de diversos projetos de circulação na Baixada Santista e na Grande São Paulo e realizou duas edições da Mostra de Teatro Olho da Rua (2009 e 2011), em Santos, sua cidade sede. O grupo tem como prática e procedimento manter apresentações regulares independentemente de ter ou não apoio público ou privado. A constante troca com outros grupos de teatro de rua, por meio da participação em mostras e seminários, como também no Movimento de Teatro de Rua de São Paulo e na Rede Brasileira de Teatro de Rua, aprofundam e potencializam tanto as referências artísticas e ideológicas do grupo como suas ações práticas e políticas ao longo desses oito anos. A escolha da montagem do texto Terra Papagalli deu-se pelo interesse e possibilidade de recontar e refazer a história da nossa região, refletida na trajetória inicial da invasão portuguesa ao território que hoje chamamos de país. Também para promover uma reflexão sobre o berço da nossa colonização e de seus fatores políticos e culturais, em contraponto a outros espetáculos ufanistas como a Encenação da chegada de Martim Afonso em São Vicente, realizada há mais de 20 anos na nossa região a serviço da desinformação e do sistema vigente, que tem como regra exaltar e legitimar seus atos bárbaros ao longo da História. A partir desse impulso, subvertemos o romance Terra Papagalli (1997), de José Roberto Torero e Marcus Aurellius Pimenta, que narra a vida de um pária quinhentista, pai do nosso caráter, degredado da nossa história, temperada com os mesmos condimentos que norteiam a cultura política brasileira até os dias de hoje. Da primeira leitura coletiva passaram-se quatro anos de idas e vindas até a abordagem que culminou na montagem desse quase-espetáculo épico farsesco. 101
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Terra Papagalli.Trupe Olho da Rua - Santos/SP. Foto de Augusto Paiva.
[TOR#I] - De como um degredado consegue contar tantos desmandos em uma terra Papagalli dominada pelo que há de mais pândego por Alexandre Mate43
No centro da cidade de São Paulo, na mesma Praça do Patriarca, em que tantos espetáculos de rua, de diferentes modalidades, têm sido mostrados à população, graças à iniciativa e desobediência dos artistas de rua – no dia do espetáculo o frio era de rachar –, apresentou-se uma das grandes revelações do teatro de rua paulista, a Trupe Olho da Rua, de Santos (SP). Com 8 anos de existência, formado por um coletivo de artistas muito jovens, o grupo tem vários trunfos, dentre eles o essencial para quem se apresenta na rua, a qualidade de troca e de relação efetiva com o público. A obra original, lançada em 1997, de autoria de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta, conta a história do degredado Cosme Fernandes (Bacharel de Cananeia), que chega às terras brasileiras com Cabral; apresentando, desde lá, uma história deliciosamente reveladora de tantos desmandos, falcatruas, licenciosidades. Os integrantes da Trupe adaptaram a obra de modo bastante macunaímico, embalados por tantas lições de Darcy Ribeiro, e não deixaram por menos, surpreenderam e divertiram a partir de contundente revelação de nosso permanente processo de acanhamento. O espetáculo começa com um “auto-de-pedra”, em que as personagens são incitadas a acabar com os hereges no Novo Mundo; dentre os castigos – em linguagem sempre paródica, que o grupo sabe trabalhar maravilhosamente –, podem ser destacados: relacionar-se com o goleiro Bruno (aquele que parece ter matado a ex-namorada e sumido com o corpo dela), ouvir Xuxa de trás para frente; enfrentar fila do SUS para se tratar... O início do espetáculo é puro Professor do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), pesquisador de teatro e integrante dos Núcleos Nacional e Paulistano de Pesquisadores de Teatro de Rua.
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deslumbramento da capacidade de atração e de conquista participante do público. Os 7 atores rodiziam-se em imenso número de personagens, categorizados entre aborígenes, europeus – devassos e religiosos... Claro, pelo tratamento permanentemente paródico, parece que todos estão nutridos pela devassidão. A obra, tanto no original quanto na adaptação, não tem um olhar maniqueísta, mas de revisitação à precária síntese que caracteriza a Terra Papagallis. Os integrantes do grupo, de fato, têm domínio excepcional do espaço. O espetáculo, feito sumidouro, vai se deslocando em sentido circular pela Praça; às vezes, o público segue o deslocamento proposto por uma velha Kombi do grupo que, ao longo do espetáculo, transforma-se em traquitana e ganha a conotação de meio de transporte, de fortificação protetora, de palco, de barco, de camarim... A ousadia do grupo inclui também a Kombi e sua transformação em uma personagem da cena. A obra tem sofisticação climatizada e traduzida para a cidade do século XXI. Crianças a partir de certa idade e qualquer habitante das Terras Brasilis consegue entender e identificar-se com o que vê. Desse modo, mesmo com a temperatura de quebrar os ossos (menos de 15o) com garoa fina durante quase toda a apresentação do espetáculo, um número bastante grande de espectadores seguiu o espetáculo com processionalidade pela Praça. A encenação tem espetacularidade: ela ganha e se espraia no chão, no tempo e no espaço com tudo envolventemente grande, eloquente, carnavalizado. Os papagaios (nós, os espectadores) não podemos deixar de nos relacionar com a obra, comentá-la, intervir sempre que chamados. Entre nós, papagaios macunaímicos, havia uma senhora, deficiente visual; mesmo sem enxergar nada, depois de algum deslocamento pelo espaço, ela ficava uma pequena fração de tempo meio aturdida, mas logo se reintegrava prazenteiramente à cena que se seguia. Assistir à obra e vê-la fruindo o espetáculo era muito tocante, muito tocante! O espetáculo não deixa sequer as tantas pombas da Praça quietas. Em determinado momento, perto de mim, algumas moças extremamente alegres; como haviam acabado de chegar, uma delas arrisca e diz às demais tratar-se de uma excursão. Que interessante, uma pessoa que não conhece ou não consegue identificar tão bem as modalidades de teatro (pela “tradução” apresentada) é capaz de criar uma categoria especial: um espetáculo-excursão. A constatação da moça, que posteriormente foi chamada de Vânia, ocorre junto da fala de uma das personagens: “Aqui [em terras brasileiras] mais vale o brilho do vidro do que a virtude do remédio.” Ao ouvir isso, Vânia solta um retumbante “Vich!” O espetáculo cansa, posto que muito longo, mas arrebata, arremete para dentro de raízes que tantos, contaminados por certa ideologia estadunidense e de outros impérios, tentam eliminar de si: fui literalmente tomado pelo redemoinho da Trupe.
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[TOR#2] - De portugueses
papagaios,
índios
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por Helena Cardoso44
Um relato crítico e sarcástico da fundação de um paraíso e sobre a elaboração de suas (não) leis por exilados sem escrúpulos e suas (in) conveniências. É a história de nosso país contada pela talentosa Trupe Olho na Rua no espetáculo Terra Papagalli. Sua participação na 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, na Praça do Patriarca, centro de São Paulo, teve um conveniente palco para o apedrejamento de um herege: a escadaria da Igreja de Santo Antônio. À frente da igreja, simpáticos tapetinhos trançados convidavam os passantes a se sentarem e assistirem ao espetáculo. Do exílio de marginais portugueses à caravela-kombi (liderada por Pedro Álvares Cabral e empurrada pelos tripulantes condenados), até chegar à “Terra dos Papagaios” e seu desenvolvimento, o espetáculo mistura a cada cena referências históricas e atuais de maneira ágil e bem-humorada (como no funk da Portuguesinha Pocotó). Os atores levam o público em uma peregrinação pela Praça a cada “mudança de cenário”, explorando todas as possibilidades que o espaço público oferece: cenas que acontecem em diferentes planos (usando o topo do veículo, a escadaria da igreja, atores rastejando entre o público), a interação constante com os espectadores (que respondem a perguntas, participam como personagens, cantam em coro), o choque do contraste entre figurino e trajes cotidianos, e o impacto das vozes cantantes e instrumentos sobre o caos sonoro do centro urbano.
espetáculo e, com boa potência vocal, mantém o longo e intrincado texto nas alturas. As cenas são enriquecidas com canções de própria autoria e de arranjos variados. O enredo é muito rico em nuances, e a trupe escolhe não deixar passar batido pela atenção do público cada detalhe de como o espírito aproveitador de nossa realidade política foi construída ao longo da história, o que deixa o espetáculo talvez longo demais para os trabalhadores da região que tinham apenas uma hora de almoço, trocada, naquele meio-dia, pelo alimento do teatro. O que mais me chamou a atenção foram a energia e o fogo nos olhos do elenco ao cantar o rap de guerra dos índios, depois de passada mais de uma hora de encenação frenética. Toda a postura política do fazer arte na rua, do fazer teatro, da crítica frente à sociedade e da crença de que se pode, sim, por intermédio da arte, conscientizar, politizar e mudar, estava ali, nos olhos deles. Força e longa vida à Trupe Olho na Rua.
Impressiona a estrutura que a trupe conseguiu levantar para o espetáculo, com grande quantidade elementos de cena, parafernália eletroacústica e figurinos variados. O elenco faz jus a toda essa estrutura, sabendo mover-se de cena em cena sem deixar cair o ritmo do Atriz e criadora da Digna Companhia de Teatro e Dança. Atualmente, cursa Licenciatura em Arte, com habilitação em Teatro, na Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (Unesp).
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Terra Papagalli.Trupe Olho da Rua - Santos/SP. Foto de Augusto Paiva.
[TOR#3] - Terra papagalli pelos olhos de um viajante estrangeiro por Jean Giusti45
A arte teatral vive em constante evolução e com ela a escrita dramática adquire novas feições. O teatro de rua, movido por estas e outras ambições vive dessa imediatez, desse incessante fazer e refazer: na troca direta e espontânea com os ouvintes e participantes, com o povo da metrópole, a língua ao ar livre junto ao corpo do ator readquirem significado primordial. A cada espetáculo a trama, o jogo, os embates são redimensionados. Em meio à multidão, a fala dos atores se carrega de uma potência quase elétrica, cinética, em outras palavras: essencial. Se acrescentarmos a potencialidade poética, metafórica e alegórica, a troca não deixa ninguém indiferente. O embate além de lúdico, brejeiro e poético reafirma os seus alicerces políticos. A língua teatral irriga as palavras de novas acepções. Parece-nos interessante reativar esse poder da língua ao abrir nossa apreciação da peça Terra Papagalli. O título de entrada brinca com a reversibilidade dos sentidos. O latim macarrônico, com laivos arcaizantes e eruditos remete, no entanto, a uma perspectiva histórica e social estigmatizada: Terra Incógnita, Terra Papagalli sem nome, uma terra onde as cores miríficas das aves, exoticamente conotadas numa visão eurocentrista, aves falantes numa cacofonia orquestrada, numa ladainha de latim vulgar, de espanhol, de português do reino, de batávio etc., suprime o lugar do humano. Quem falar, vituperar mais alto e com mais brilho e mais argumentos ganha a jogada! Tal como o rock pesado fechando em apoteose o espetáculo... A Praça do Patriarca, no coração de São Paulo, e suas ruas adjacentes, a despeito do tempo nublado; esse espaço urbano de passagem, como que suspenso no ar, tornou-se um palco flutuante, uma calorosa carroça de “boemianos”. A força liberadora do teatro e a potência mágica do circo e dos participantes lembram o quanto a cidade nos pertence, é ou deveria ser de todos. Mais do que nunca a arte teatral nos lembra o quanto somos simultaneamente frágeis e potencialmente invencíveis. Ao anoitecer, a pulsação nesse centro histórico é como que nova, regeneradora. Duas pitonisas nos acompanharam durante os espetáculos: a deficiente visual Dona Luiza e seus sorrisos; e uma Deusa Negra, senhora de idade, de tranças lindas, cujo nome perdeu-se entre gargalhadas e risos. Professor de português radicado na França. Esteve em São Paulo durante o segundo semestre de 2010 por intermédio do projeto Erasmus Mundus, como parte de seus estudos de doutoramento pela Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo (sob orientação de Antônio Pasta Jr.). Estagiou no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp) nas aulas de graduação e pós-graduação ministradas por Alexandre Mate.
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O espaço de jogo não possui delimitação, estamos num espaço aberto, cidadão, confraternal e alegre. O teatro está na rua, teatro de rua. Passantes, curiosos, amadores, amantes do teatro, meninos reagem. Apenas devemos corrigir um erro de semântica: os meninos não são de ruas, estão indevidamente largados na rua. Hoje somente meninos-espectadores, nosso futuro. À direita, a estátua do Patriarca da Independência, José Bonifácio, dando as costas do alto do seu pé de estátua à 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Enquadrados por prédios suntuosos, gigantes de estaturas desiguais, remetendo a vários momentos da história ufanista da nossa arquitetura paulista, o nosso frágil batel! Uma mão invisível lançou um fio de funambulista do alto do decadente esplendor do Othon Palace Hotel, cinquentão aposentado até o topo do banco… À esquerda, como que sorrindo para eles, a alegoria da Guanabara. A Trupe Olho da Rua já invadira a cena com o seu Cavalo de Troia, uma Kombi da “Mironga do Cabuletê”. Esta faz de vez de palco, de caravela, de cátedra, de pelourinho, de trilho elétrico, de alçapão, de caixa de pandora, de mirador! Ei-la que irrompe e despeja sobre os passantes e os espectadores uma energia irradiante, brincalhona, poética, corrosiva, enfim, democrática. Os oito atores, músicos, de ótima formação e duma belíssima energia, diga-se de passagem, fazem-nos participar da revisitação dos primórdios na nossa história. Ativa e alegremente assistimos à página da nossa colonização, quadros às avessas, a história revisitada por aqueles que padeceram dos mitos oficiais. O porquê do título faz então pleno sentido. Perambulando, expandindo-se junto ao público ao sabor da marcha dos acontecimentos e relatos, aqui e acolá, em várias estações e ângulos da Praça, a Trupe vai desvendando vários quadros. Cada espectador, ao catar o seu tapetinho, seu pedaço de chão, de terra que lhe compete, segue os diferentes quadros desse périplo, dessa epopeia. Ao participarem desse puzzle participantes-sem-terra e atores-ambulantes alegoricamente recompõem, em última análise, uma geografia de um possível Brasil. Entre padres glutões, inquisidores e monges tomados de priapismo, os índios reelaboram os fios e a trama de uma outra história. Os tempos da colonização são reinterpretados à luz da modernidade fria, pela farsa e pela sátira, sátira essa que reata com o seu sentido etimológico: o excesso, a saturação dos gêneros. Isso explica o paroxismo de certos trejeitos, carretas, gritos, vagidos tal como a babilônia linguística; deglutição, mastigação, os acontecimentos, o relato, vão sendo reelaborados num frenesi de ritmo e numa cadência desvairada. É esse pantagruelismo que confere ao espetáculo uma lancinante amarração, quase em círculos concêntricos. Os quadros catapultados, um após o outro, como que a tropelo, como dominós, desenham um conjunto instável, em perpétua instabilidade. Como se os acontecimentos, os fatos, passos mostrados ficcional e artisticamente não tivessem consistência, imunes à experiência, ahistóricas. A nossa famosa inconsistência susbtanciosa… A nossa Modernização Conservadora toma sentido novo. Desde os primórdios, o Brasil foi parido na violência e ofertado ao mais poderoso, ao mais astuto. Terra Papagalli à maneira do poeta e músico Antônio Nóbrega em Chegança, nos ensina que antes de estabelecer uma língua padrão, uniforme, unívoca muitas vezes, o país “Terra de Ninguém”, segundo a visão dos colonos-mercenários, pariu monstros e erigiu-se à força de trapaças e ciladas. A força da manifestação artística cabe em seu poder de redimensionar e de questionar o estabelecido. O espetáculo se encerra, o patriarca Andrade e Silva continua dando as costas ao povo. Até quando?
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[BC] - Ademir de Almeida apresenta a Brava Companhia e Este lado para cima46 Brava Companhia é um grupo de teatro que surgiu em 1998, na periferia sul da cidade de São Paulo, que desde sua origem realiza intensa pesquisa artística e ampla ação cultural que inclui, entre outras coisas, a circulação por centenas de bairros periféricos da cidade, a realização de oficinas e mostras, espetáculos premiados e apresentados em festivais de todo o País, a participação ativa em movimentos e fóruns de discussão sobre políticas públicas de cultura, e, desde 2007, a ocupação cultural do Sacolão das Artes, espaço onde tem instalada a sua sede. Este lado para cima, cujo subtítulo é isto não é um espetáculo, é a montagem mais recente da Brava Companhia, resultado de uma pesquisa que teve como mote inicial o questionamento sobre o “mundo de imagens e de aparências” no qual a sociedade se encontra imersa hoje, atordoada pela excessiva espetacularização da vida que, em função do capital, obriga todos a uma rotina de produção e de consumo, transformando o próprio homem em mercadoria. A certa altura do espetáculo um ator se dirige ao público e, de forma irônica, propõe a seguinte questão: Por que é necessário o trabalho de tantos para sustentar o luxo e o conforto de poucos? Essa cena retrata bem a essência desse trabalho da Brava Companhia que, em uma hora e vinte minutos, desfila de forma ácida, porém bem-humorada, uma série de questionamentos, provocações e críticas ao capitalismo e a suas formas predatórias de exploração do trabalho, expondo teatralmente na rua a questão da luta de classes. A dramaturgia trata os representantes do poder com escárnio, mas nem por isso poupa os trabalhadores da crítica à sua incapacidade de organização (ou de sua organização incapaz) perante os seus opressores. Até mesmo o Teatro é questionado, em cena que coloca atores constrangidos tentando explicar a suposta relevância do seu trabalho para uma plateia que protesta por não ter condições de se alimentar dignamente. Este lado para cima é esteticamente sujo e agressivo, e apesar de seu conteúdo crítico e autocrítico, não abre mão da diversão. É o Teatro que a Brava Companhia quer compartilhar nessa 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas com o seu principal público: a classe trabalhadora. Um Teatro em movimento e com o olhar aberto para o tempo presente e para o mundo à sua volta. Até que os trabalhadores percam a paciência. 46
Integrante da Brava Companhia e um dos diretores do Grupo.
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[BC#1] - Dialética da forma e do conteúdo por Daniela Landin47 Quando os trabalhadores perderem a paciência. Depois de dez anos sem uso, por pura obsolescência A filósofa-faxineira passando pelo palácio dirá: “declaro vaga a presidência!” Meta amor fases: coletânea de poemas. Mauro Iasi.
“Tá lá o corpo estendido no chão.” Logo, no asfalto, só o desenho do cadáver. E o público de frente pro crime. Isto não é uma crítica. (Um exercício de interlocução, talvez). O travessão desse diálogo começa por uma reflexão em torno do curioso nome do trabalho, que pode ser dividido em duas partes. A primeira, Este lado para cima, da qual tratarei logo mais, e a segunda, isto não é um espetáculo, que tende a remeter à experimentação de linguagem relacionada ao discurso político. A negação da noção de espetáculo parece ser construída por três camadas: ao se caracterizar muito mais por um manifesto que se materializa ele mesmo em uma manifestação pública, um levante à espécie de panfleto criado para incitar a mobilização; ao refutar o teatro espetacular, que exige uma plateia e não um público e que não busca uma forma relacional; e, por fim, ao rejeitar a transformação do trabalho artístico em mercadoria, em conjunto de imagens e aparências da chamada “sociedade do espetáculo”, em capital. Os artistas deixam claro que forma e conteúdo são de fato indissociáveis. Este lado para cima faz referência à principal questão discutida pela Brava Companhia: a luta de classes – e, por consequência, a urgência de uma revolta da classe trabalhadora para “ir para cima” ou a luta para que os trabalhadores percam a paciência, como diz o poema. A cena-metáfora que tão bem exemplifica o debate pretendido é aquela em que é encenado o processo de construção de um banco de madeira, em todas as suas etapas contraditórias e de exploração. Dessa forma, o grupo mostra compartilhar do pressuposto segundo o qual ao se tomar consciência de uma totalidade inicia-se o movimento de “desalienação”. No fim da fabricação do banco, o ato que anuncia o futuro desejado: este lado para cima. O trabalho é resultado de um caminho que os artistas vêm trilhando – e que vem sendo acompanhado por um público mais amplo desde o espetáculo A Brava – em termos de formalização de linguagem, tendências estéticas e acabamento do discurso, sempre aberto à autocrítica, mas acabado – existem teses já edificadas em cena, todas elas pautadas pela concepção histórica materialista. Este lado para cima – isto não é um espetáculo é caracterizado também pelo uso frequente da quebra do fluxo narrativo, para além das canções e coros, e que contraditoriamente (esse dado, para um grupo que se pauta pelo materialismo dialético não é necessariamente um problema) faz com que o Estudante do curso de Licenciatura em Arte, com habilitação em Teatro, pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero (SP).
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público se dê conta, a todo momento, de que está diante de um espetáculo teatral. Algumas dessas interrupções da história são feitas por um dos diretores que invade a cena e entra em embate com os atores. Numa das vezes, o expediente dá conta de levantar as dificuldades de se levar adiante um trabalho de militância, quando tantas “necessidades” pequeno-burguesas são reivindicadas – a aula de teatro e o jogo de futebol concorrendo para desmobilização. Em outra, o diretor sai desqualificando o próprio espetáculo: “teatrinho de merda!”. Existem ainda inúmeras falas recortadas que pontilham a apresentação, comentando e reforçando a leitura de mundo evidenciada na cena anterior. Em uma delas, a diferença entre “nós” e “nóis” traz à tona a presença da divisão numa sociedade fragmentada e a importância de uma consciência de classe. Uma palavra sobre contradições. Um Senhor do público acompanhava com bastante interesse o desenrolar do espetáculo, intervindo frequentemente, de forma a comentar o que se passava no espaço de representação. Fazia críticas ao prefeito de São Paulo e advertia: “funcionário público tá tudo ferrado”. Num surpreendente tempo cômico, dialogava com os atores, levando, em muitas situações, o público ao riso. O grupo mantinha o jogo com esse Senhor de forma saborosa, e a apresentação prosseguia. No entanto, em determinado momento, um dos artistas foi conversar (talvez isso tenha acontecido mais de uma vez) com o homem. Será que pediram para ele diminuir o número de participações? Sem nenhuma tentativa de julgamento, o questionamento tem o intuito de repensarmos as relações tensas e caóticas entre público e fazedores de teatro de rua.
[BC#2] - Por mais dialética na guerrilha por Paulo Bio48
Brava Companhia é um dos belíssimos exemplos da gradual e revolucionária transformação na geografia teatral da cidade de São Paulo. Alinha-se aos inúmeros grupos e coletivos de teatro que vêm surgindo (ou melhor, fortalecendo-se, impulsionados pela Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo) nas margens da cidade. O grupo faz parte dessa alteração substancial do cenário artístico paulistano, ao mesmo tempo que trabalha na contramão da cultura hegemônica. Assim, além de alterar os paradigmas produtivos da cultura de classe, ao fazer da periferia seu centro de atuação, a Brava subverte as velhas orientações Mestrando na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) onde estuda a teoria do teatro brasileiro nas décadas de 1960 e 1970; formou-se em artes cênicas também pela ECA-USP em 2010 e participa do coletivo crítico da Revista Bacante desde 2009.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Este Lado Para Cima – isto não é um espetáculo. Brava Companhia - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
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estilísticas na criação teatral e, assim como a grande maioria de tais coletivos periféricos, se movimenta esteticamente a partir de combustível político em seu árduo trabalho de guerrilha na busca por um teatro cujas formas e assuntos se materializem pelo contato direto com as massas populares. No espetáculo Este lado para cima – isto não é um espetáculo, a Brava Companhia mostra uma colagem de vários fragmentos exemplares sobre opressão e controle do povo pelas elites na sociedade do espetáculo (o grupo vale-se da obra de Guy Debord como referência teórica). Permeando os fragmentos, desenvolve-se a história da construção de uma enorme “bolha” que cobrirá toda a cidade no alto da qual os grandes capitalistas residirão e gozarão eternamente dos prazeres da vida, enquanto a turba popular, com seu penoso trabalho produtivo, sustentará a estrutura. Esta imagem de nossa realidade desigual, baseada na exploração de uma classe (improdutiva) sobre a outra (produtiva), apresenta, todavia, as personagens dos capitalistas como seres possuidores de exagerada consciência das engrenagens de exploração, isto é, são inescrupulosos acumuladores hedonistas, maldosos manipuladores da massa em favor de seus privilégios, calculistas operadores da máquina ideológica que ludibriará os trabalhadores e manterá em funcionamento seu perverso mundo opressor. Os capitalistas assemelham-se aos vilões (ávidos pela dominação do mundo) dos velhos filmes de ação e ficção da indústria cultural hollywoodiana. Contudo, tal consciência escancarada do sujeito falseia as complexas engrenagens do capitalismo e corre o risco de deslocar o problema sistêmico para o nível moral de condenação maniqueísta do indivíduo. A suposta confusão se dá, talvez, por uma indefinição formal na representação. Na intenção de representar a constante luta de classes em que o Capital, que detém os meios de produção material, explora (ou suga, assim como um vampiro, na famosa imagem de Karl Marx) o verdadeiro trabalho produtivo (o sangue) da classe trabalhadora, Brava gravita entre a alegoria e o indivíduo. Desse modo, quando pretende representar O capital acaba representando o capitalista. Assim, a transfiguração de uma classe em seu sujeito objetivo não tem, aqui, possibilidade metonímica (a parte pelo todo), pelo contrário, cria a ilusão de que O capital é igual ao capitalista – e não de que o capitalista é a imagem alegórica do Capital, como parece ter sido o objetivo do grupo. Adenúncia, então, se torna simplista e irreal, pois não representa a opressão intrínseca da máquina do capital, tendendo a representar tal exploração como fruto unicamente (e especificamente) de maldosos capitalistas cobiçosos do acúmulo infinito. Seguindo esta lógica, se os capitalistas, porventura, fossem bons e comprometidos com a humanidade, não haveria exploração. O que, sabemos, não é verdade, basta lembrar, por exemplo, de Sérgio Buarque de Hollanda e da cordialidade brasileira. O perigo, portanto, desta indefinição formal é criar imagens falsas do problema ao invés de contribuir para a compreensão popular das engrenagens da realidade criticada. Contudo, é louvável a inquietação do grupo em desmontar a maquinaria ideológica e desnaturalizar as estruturas 110
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sociais que nos circundam (“as coisas não são assim, elas ficam assim”). Seu teatro de agitação, esquemático, materialista e no espaço público da rua, é um instrumento político de luta e resistência – não por acaso, esses procedimentos são alvos constantes de eterna desqualificação pela ideologia dominante. Mas é justamente por encampar este teatro na contramão, de vanguarda (por que não?), é que se tem como dever aprofundar radicalmente a dialética de seus assuntos e buscar incessantemente a forma dialética que congregue essa disposição política.
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Este Lado Para Cima – isto não é um espetáculo. Brava Companhia - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[BC - réplica] Este lado para cima: de trabalhadores para trabalhadores por Ademir de Almeida e Fábio Resende49
Um dos eixos de estudo que orientaram a montagem de Este lado para cima é a teoria de Guy Debord, apresentada na obra A sociedade do espetáculo, uma aguda crítica à sociedade capitalista que, sob a égide do Capital, se organiza em torno da “falsificação da vida”. Fazemos questão de destacar esse dado porque ele é fundamental para a análise dessa obra que, por meio de suas opções formais, tenta mostrar algumas táticas sórdidas utilizadas pelo capital espetacular mercantil para manter sua condição e o seu controle sobre a população, e discutir alguns dos efeitos produzidos nesse processo. Especialmente os efeitos que têm se manifestado em nosso atual momento histórico (as políticas de higienização e de repressão instauradas nos grandes centros urbanos como São Paulo, a igreja e a mídia espetacular atuando, cada vez mais, na alienação da classe trabalhadora e o Estado, refém dos interesses do Capital). Não há a pretensão de se elaborar e discutir, durante os noventa 49
Integrantes da Brava Companhia e diretores do espetáculo.
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minutos de duração da peça, todos os processos que envolvem a luta de classes em andamento na sociedade. Mas existe a pretensão de despertar, pelo menos, algum incômodo sobre o assunto. A ideia de uma bolha invisível e gigantesca, habitada por alguns privilegiados e desfigurados detentores do poder, pairando sobre uma cidade e ditando o modo de vida dos que vivem logo abaixo, é a tentativa de uma figuração alegórica do capital espetacular mercantil. Capital que cria falsas necessidades, aliena e obriga os sujeitos históricos a buscarem satisfação incessantemente para essas falsas necessidades, sendo o espetáculo, segundo Debord, o grau máximo dessa alienação. Desse modo, na tese número 47, afirma Debord: “O consumidor real torna-se um consumidor de ilusões. A mercadoria é esta ilusão efetivamente real, e o espetáculo a sua manifestação geral. E, na mesma fonte, tese número 30, afirma o autor: A alienação do espectador em favor do objeto contemplado [...] se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. [...] a exterioridade do espetáculo aparece no fato de que seus próprios gestos já não são seus, mas de um outro que os representa por ele.
No início da peça, os atores alertam o público para que ele não se contente apenas com o que vê de imediato: “Nada acontece por acaso. Nada é assim mesmo, e pronto. Para tudo existe uma explicação. Para tudo existe uma ‘historinha por trás’”. Na tentativa de escapar dos julgamentos morais e de análises maniqueístas, não são apresentados heróis virtuosos em Este lado para cima. Mostra-se ao público uma classe detentora do poder (poderosos) e outra alienada (trabalhadores). A segunda, com o seu trabalho alienado, mantém o poder da primeira, em relação dialética, em constante movimento, que se dá em um mesmo momento histórico. Como opção formal de encenação, as figuras dos trabalhadores e dos poderosos são construídas com um caráter excessivo, e interpretadas de modo épico por diferentes atores e atrizes durante a peça. Mesmo na última cena da peça, quando um indivíduo solitário invade a Bolha, não há heroísmo romântico. Há apenas um ato isolado, distorcido e amplificado pelos meios de comunicação espetaculares, que serve para que as figuras do Poder se aproveitem da situação, utilizando-a como justificativa para a ampliação do estado policial – situação, aliás, que encontra paralelo no mundo real ao se observar o tratamento dado por grande parte da mídia e do Estado brasileiro às ações de alguns movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Desse modo, assim está no citado livro de Debord, tese de número 58: À aceitação dócil do que existe pode juntar-se a revolta puramente espetacular: isto mostra que a própria insatisfação tornou-se mercadoria, a partir do momento em que a abundância econômica foi capaz de estender sua produção até o tratamento dessa matéria prima.
Brava Companhia é um grupo formado por filhos de pedreiros, 112
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Este Lado Para Cima – isto não é um espetáculo. Brava Companhia - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
costureiras, metalúrgicos, marceneiros, empregadas domésticas, ou seja, trabalhadores. Todos moradores da periferia sul da cidade de São Paulo, local onde se encontra a sede da Companhia, no bairro Parque Santo Antônio, onde se deu a pesquisa e montagem de Este lado para cima. Todo esse contexto concreto no qual vivem seus criadores e que permeia a concepção da obra também é determinante para sua análise. São trabalhadores tentando dialogar com outros trabalhadores, sabendo que muitos não conseguem elaborar sua própria condição de exploração. Daí a importância de dialetizar nossos próprios processos de trabalho e de vida. O teatro é capaz de fazer isso, e a Brava Companhia assume a responsabilidade de criar simbolicamente, por meio do seu teatro, um mundo contraditório, em movimento e passível de mudança. Este lado para cima é uma tentativa nesse sentido, com limites a serem superados em outros momentos, em criações teatrais vindouras e necessárias. Para finalizar, tomando Debord, na mesma citada fonte, tese 88: [...] a revolução burguesa está feita; a revolução proletária é um projeto, nascido na base da precedente revolução, mas diferindo dela qualitativamente. [...] A burguesia chegou ao poder porque é a classe da economia que se desenvolve. O proletariado só poderá ser o poder se ele se tornar a classe da consciência. 113
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo O Pavão Misterioso. Cia. Forrobodó de Teatro e Cultura Popular - São José do Rio Preto/SP. Foto de Augusto Paiva.
[CF] - Cia. Forrobodó nasceu em um quintal para atingir outros quintais A Cia. Forrobodó de Teatro e Cultura Popular foi criada em 2004 pela atriz Aline Alencar e pelo ator e músico Marcelo de Castro. A incessante busca por uma “estética própria”, fundamentada na pesquisa da cultura popular brasileira e em algumas de suas manifestações, entre elas o teatro, foi o principal motivo pelo qual decidimos criar a companhia. Vimos no teatro popular uma maneira de aproximação com o povo e várias de suas riquezas. Percebemos, também, que trabalhar com a linguagem popular é o que realmente gostamos de fazer. Como ponto de partida, em meados de março de 2005 realizamos a montagem do espetáculo É poesia popular, baseado no folheto de literatura de cordel A chegada de Lampião no Inferno. Ao reunir o cordel a diversos expedientes da cultura popular brasileira, nosso intuito era principiar nossas práticas teatrais na rua e estabelecer esse contato até então desconhecido por nós. Nossa carreira pelo teatro de rua inicia-se em Mirassol, cidade a 463 km de São Paulo. Nosso segundo trabalho garantiu a continuidade ao trabalho de pesquisa sobre o cordel, e nos aprofundamos no processo de adaptação de O romance do pavão mysterioso, obra com a qual nos identificamos. Inicialmente, adaptamos a obra para o palco, em espaço fechado, mas bastou a excelente proposta de Ednaldo Freire, em uma extensão regional do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, para buscarmos a rua. 114
Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
A Cia. Forrobodó de Teatro dos fundos de quintal e das sobras de panos, descobrindo sua cortina remendada de canções e poesias, caracterizada mambembe, esteve na 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas em 12 de novembro de 2010, nos aproximando ainda mais, de maneira mais viva, das ideias e propostas do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP) e de muitos grupos importantes para nós, que trilhamos pela senda da rua não faz tanto tempo assim. Nossa companhia tem apenas dois atores, estamos no interior do Estado e poucas são as oportunidades de diálogo. Gostamos muito de fazer teatro. Ao longo desses 6 anos, lutamos para manter nossa ideologia e nossa família, tarefa não muito fácil. Parafraseando a letra de Pavão misterioso: somos poucos, mas descobrimos que podemos voar.
[CF#1] - Quem chegou... Ficou! por José Cetra Filho50
Uma apresentação de rua é bem-sucedida quando o passante detém-se para ver e ouvir o que está acontecendo naquele espaço e interessa-se pelo que assiste, emociona-se, raciocina e permanece até o fim. O índice de retenção pode ser medido pelo quociente entre o número de passantes que assistiu ao espetáculo todo e o número total de passantes que parou para vê-lo. Sabe-se que o teatro de rua é concebido de tal maneira que o público pode ver partes da encenação, mas é o todo que deve ser apreciado e avaliado e, neste caso, não importa o momento em que o espectador chegou, mas sim se ele permaneceu até o fim, envolvido pelo espetáculo. Poucas vezes, em minha experiência com espetáculos de rua, vi um índice de retenção tão alto como o do irresistível O romance do pavão mysterioso de Aline Alencar e Marcelo de Castro. As pessoas foram chegando, chegando... E foram ficando, ficando... Coisa bonita de ver a alegria contagiando rostos visivelmente cansados e desesperançados. Usando o esquema de personagens narrando uma história, os atores/personagens/ narradores contam de maneira lúdica e divertida a história de Evangelista, que parte da Turquia para a Grécia em busca da linda Creusa, enclausurada numa torre pelo pai tirano. O texto é baseado no folheto de literatura de cordel O romance do pavão mysterioso de José Camelo de Melo Resende. O telão pintado remete à trajetória do herói pelo mar Egeu. Cabe destacar aqui a criação de cenários, de figurinos e de objetos de cena extremamente simples, mas muito criativos, todos eles confeccionados pelo casal de atores no quintal de sua casa em Rio Preto (SP). Aline, como narradora, compõe um tipo histriônico com voz esganiçada que remete à saudosa Myriam Muniz; seus tipos na fábula (Creuza e Florista Cigana) são hilários. Marcelo, com muita graça, também se encarrega da narração e dos demais personagens. O grande trunfo do grupo é a improvisação sobre os fatos imprevisíveis que vão acontecendo na rua (a chegada do helicóptero do prefeito, uma reação mais exteriorizada de um espectador). Eles se valem dessas situações para criar uma ação engraçada que dinamiza o espetáculo sem prejudicar a história que está sendo contada. A Praça do Patriarca, no coração de São Paulo, morreu de rir na fria manhã de novembro embalada pela alegria da Cia. Forrobodó. Pesquisador de teatro, mestre em teatro pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), cuja problematização concerne à recepção do espectador teatral pelo olhar de um espectador.
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[CF#2] – Dança, Bonifácio! por Juliana Rocha51
E foi assim, como quem “chega chegando”, que se iniciou na Praça do Patriarca, no centro de São Paulo, na 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, o cordel virado teatro O romance do pavão mysterioso. Um palhaço que tocava e cantava e uma palhaça que cantava e encantava, atentos aos movimentos da Praça e dos que por ela passavam, perceberam que, embora presente em todos os dias, o anfitrião do local que dá nome à praça, José Bonifácio de Andrada e Silva – o Patriarca da Independência em forma de uma grande estátua – permaneceu de costas para todas as representações. Mas ele foi convidado, com entusiasmo, a participar da brincadeira, da dança e do teatro. “Dança, Bonifácio, dança!”. O teatro de rua é assim, a gente nunca sabe exatamente quando começou, mas o cortejo prosseguia convidando, além do Patriarca da Independência, também os que passavam. E os artistas de rua, à vontade como quem está em casa (e estavam), nos revelavam aspectos da pólis que passariam despercebidos por nós. Falaram ao orelhão, nos apontaram a casa do prefeito (referindo-se ao prédio da Prefeitura), o Viaduto do Chá e as figuras estratificadas do local por demais habitado. “Olha! Os senhores advogados!” Aos engravatados – venham assistir ao espetáculo! “Olá, Bob Marley!”, a um negro rastafári também convidado. Ao som do “Pavão misterioso, pássaro formoso...”, conduziram-nos a um semicírculo delimitado por panos multicoloridos enrolados, começando a história baseada no cordel O romance do pavão misterioso de José Camelo de Melo Resende. Assim como o cordel, os aspectos da cultura popular representados por músicas, brincadeiras, máscaras, os palhaços Pipoca e Marmita e os bonecos, muitos bonecos: o cara de garrafa PET, o cara de lata, o cara de galão de água, de cabo de vassoura, cabeça de chapéu jornal eram apresentados com singeleza e precisão, conduzindo o público a uma relação intensa e divertida com o teatro, como deve ser. E a Praça foi se enchendo, quem chegava não saía mais. Os palhaços, cujos nomes evidenciam questões relevantes dos representantes dos estratos apartados da sociedade e de uma vida digna – a comida, ou a falta dela –, em meio à representação fantástica e poética nos lembravam, por exemplo, que deveríamos falar com Kassab, já que temos agora um palhaço no “Senado” (Seria isso um ganho ou uma perda?), que novela é tudo igual, reformulando a questão: Por que existe a Globo? Na aridez da rua, espectadores empolgados gritavam elogios – “Linda!” – à atriz, que respondeu com agradecimento dizendo que aquilo não costumava acontecer; e também insulto que logo foi censurado pela plateia volumosa que respondeu com sonora vaia. Estávamos muito bem representados pelos artistas/família que nos conduziram com destreza ao riso, às lágrimas e à reflexão, fazendo com que aquela tarde fosse um divertido forrobodó. Vida longa aos ensaios no quintal de casa que ganha as praças com poesia magistral, encanto e simplicidade pouco vista, e que possam interferir cada vez mais nas artérias da pólis mostrando a cara desse teatro tão necessário.
Atriz, arte-educadora e pesquisadora, graduada em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas, e mestre em artes pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), com a dissertação: Tempo de jejuar e resistir – a presença do kung fu no treinamento do ator: a experiência extracotidiana no teatro vocacional em proposição épica.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Fio de Pão – A Lenda da Cobra Norato. In Bust - Teatro Com Bonecos - Belém/ PA. Foto de Augusto Paiva.
[IB-TB] - In Bust – Teatro com Bonecos se apresenta O grupo tem a missão de apresentar espetáculos accessíveis e de compartilhar a crença na Arte como direito do ser humano. Com identidade artística, revelada nos resultados cênicos, crê na construção de uma linguagem particular e no desenvolvimento de uma dramaturgia própria. Em atuação constante desde 1996, é referência no Pará. Em Belém, apresenta espetáculos em espaços teatrais, praças, ruas, centros comunitários, empresas, escolas e na própria sede, o Casarão do Boneco, atingindo aproximadamente 15 mil pessoas por ano. Contemplado pelas edições dos projetos de circulação Bonecos na Estrada, Caravana Funarte e Palco Giratório, o grupo esteve, além do Distrito Federal, em 28 cidades dos Estados do Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, e em 50 municípios do Pará, apresentando o repertório, realizando oficinas e workshops. Produziu seis versões da mostra Semana de Bonecos. Participou do projeto Praça de Bonecos, da Cia. Sobrevento, e de cinco edições do Centro de Estudos e Práticas de Teatro de Animação, da Cia. Truks, em São Paulo. Esteve no 12o Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga (CE); no Sesi Bonecos do Brasil e Sesi Bonecos do Mundo – Região Norte; no X Festival Recife do Teatro Nacional; no 9o Festival de Formas Animadas de Jaraguá do Sul (SC) e no 3o Amazônia Encena na Rua. Durante 10 anos produziu o Programa Catalendas, com a TV Cultura do Pará. Veiculado na Rede Pública de Televisão, Rede Vida e Canal Rá Tim Bum, hoje integra a programação internacional do Canal Brasil. São 90 episódios com lendas, mitos e causos do imaginário popular. O grupo utiliza bonecos dividindo o jogo da cena com o ator e com a plateia. A brincadeira e o bom humor são a essência do trabalho. No imaginário amazônico e nas culturas do Pará, coleta histórias, recursos cênicos, musicalidade. 117
Sinopse do espetáculo O grupo recupera do imaginário popular a história de uma cabocla que, atraída por um cobrão embruxado, dá à luz duas cobras: Norato e Caninana. Os irmãos têm sinas diferentes: Caninana, de ser má; Norato, de ter que encontrar alguém que possa desencantá-lo para virar gente. No espetáculo, Norato e Caninana são bonecos de luva (de pano) que contracenam com fantoches, Manés-cocos e brinquedos de miriti, típicos do Estado do Pará, numa analogia com o teatro de bonecos popular. A lenda, transformada em cordel, é contada por uma família mista de nordestino que migrou para o Norte (assim como o cordel), o violeiro cego Jurandir, sua mulher, paraense, e o filho, personagens dos atores-manipuladores. A encenação se desenvolve num paralelo de situações, misturando a lenda com o cotidiano cômico dessa família, proporcionando identificação direta com o público infantil. Desde que ninguém se esqueça que já foi garoto, criado solto e danado, é um espetáculo para qualquer idade. O espetáculo estreou em 1997; de lá para cá, foi assistido por cerca de 30 mil pessoas. Agora está literalmente de roupa nova, e sempre é um novo espetáculo, pois é um marco na pesquisa desenvolvida pelo In Bust sobre a utilização do boneco popular na dramaturgia do teatro com bonecos.
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Fio de Pão – A Lenda da Cobra Norato. In Bust - Teatro Com Bonecos - Belém/PA. Foto de Augusto Paiva.
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[IB-TB#1] - Os incomodados que se mudem por José Cetra Filho52 Eram crianças com fome que pateavam pelas estradas, em miúdo bando, e que outras das aldeias arrasadas iam consigo levando. Fé e esperança, portanto, existiam; mas nem carne nem pão. Se alguma coisa furtaram – quem as deixou sem abrigo não me venha falar mal delas não. Cruzada das crianças. Bertolt Brecht.
Crianças de rua enroladas em cobertores para se protegerem do frio que invadiu a cidade em pleno novembro chegaram em bando à Praça do Patriarca, no centro de São Paulo, para ver o que estava acontecendo. Sentaram-se próximas ao palco fumando e falando alto. Os espectadores “bem pensantes”, de início incomodados, aos poucos foram se acostumando aos verdadeiros donos daquele espaço e para quem verdadeiramente um espetáculo de rua é destinado. A garotada assistiu à representação com atenção, participando ativamente. A ideia de teatro dentro do teatro – a lenda é contada pelas personagens do violeiro Jurandir, de sua mulher e de seu filho, interpretados pelos três atores do Grupo – não é original, mas funciona perfeitamente para a concepção do espetáculo. A narrativa desenvolve-se mais naturalmente nas cenas sobre a lenda da Cobra Norato, notando-se certo desconforto dos atores naquelas em que são as personagens narradores e que parecem forçadas a “fazer graça” para manter o ritmo da encenação. Curiosamente, são nesses momentos que o espetáculo apresenta os problemas mais sérios de quebra de ritmo. O grupo define-se como Teatro com Bonecos e não como Teatro de Bonecos, que contracenam com as personagens vividas pelos atores. O anoitecer precoce, o frio, as rajadas de vento e o chuvisco contribuíram para opacizar a apresentação do simpático grupo de Belém (PA), cujo nome – nada original – resulta da palavra embuste, presente no nome do Grupo com um irônico In Bust em inglês. Acrescente-se aos fatores climáticos, certa timidez presente no espetáculo. Bonecos muito pequenos sumiam no palco improvisado diante da enorme e feia ferragem da Praça do Patriarca; quebras de ritmo perigosas para qualquer evento teatral e quase sempre fatais para um espetáculo apresentado na rua e problemas de sonorização foram outros fatores que prejudicaram a apresentação. Tudo isso poderia acarretar uma fria reação do público, mas não foi o que se viu: a maioria permaneceu até o fim, aplaudiu a apresentação, e um garoto de rua agradeceu ao grupo conclamando os espectadores a darem uma ajuda em dinheiro: “Pra quem trouxe tanta alegria pra nóis.” Depois disso, o que um leitor crítico ranzinza tem a dizer? Parabéns, In Best, volte sempre! De preferência, num dia menos frio. Pesquisador de teatro, mestrando no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), cuja problematização está ligada à recepção do espectador teatral pelo olhar de um espectador.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo A Festa da Rosinha Boca Mole. Mamulengo da Folia - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[MF] - Na afirmação de Danilo Cavalcante: Quando retornei para o mamulengo com o Mamulengo da Folia Minha paixão sempre foi o mamulengo, desde os doze anos, quando assisti à primeira apresentação, lá em Pernambuco, perto da casa de meus pais. Durante um período da minha vida larguei os bonecos e fui fazer teatro como ator. Trabalhei em alguns grupos fazendo teatro de rua, fiz cursos, oficinas. A experiência foi rica, de muito aprendizado, mas eu nunca me sentia completo, sentia falta das brincadeiras de criança que via nas feiras e festas. Até que um dia decidi voltar a fazer teatro de mamulengo, do meu jeito. Botei a mala nas costas e saí pelo Brasil: Pernambuco, Paraíba, Alagoas, aqui em São Paulo. Hoje me vejo como brincante de mamulengo e pesquisador, com três histórias em repertório. A Rosinha Boca Mole, que apresentei na 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, foi pensada como crítica à ditadura da beleza que há na sociedade. Por isso, Rosinha tem a boca grande e cabelos lisos. Todas as minhas histórias têm um fundo crítico porque partem sempre do que vejo no dia a dia. O Mamulengo da Folia é um espaço de pesquisa e de busca, que se preocupa com a extinção desse brinquedo que, infelizmente, só existia em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Ainda são pouquíssimos os mamulengueiros atuantes. A ideia do meu trabalho consiste, sobretudo, em dar continuidade a esse teatro, que, por ser popular e de crítica social, contém em si as sátiras, as paródias, as situações que levam o público ao riso. Esta é a principal meta do mamulengueiro, deflagrar o riso, mantendo o público preso ao espetáculo o tempo todo. 120
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[MF#1] - A fina flor do mamulengo na cena de Cavalcanti por Renata Lemes53 [...] se no teatro eu não te atar, boneco eu juro vou me esfarrapar, eu não consigo viver sem teu dengo, meu mamulengo. A flor do mamulengo. Luis Fidélis (compositor e cantor cearense de Juazeiro do Norte)
A garoa que ameaçava cair naquela manhã de sábado não intimidou o artista Danilo Cavalcanti que já se arvorava a sair do galpão onde lhe era destinada a cena para convidar, de modo bastante inusitado, os passantes a assistirem ao espetáculo Deita aí, deita! Ordenava o bonequeiro ao sanfoneiro que àquela altura tocava sua sanfona no chão, deitado. “Finge que morreu, finge que morreu! Ei, você que está aí passando do outro lado, socorre aqui o homem pelo amor de Deus, acho que ele morreu.” O espetáculo havia começado. O artista popular é assim, sempre pronto a inventar mil peripécias para atrair seu público, ele deseja intensamente “ir aonde o povo está”. O artista de Canhotinho (PE), que aprendeu a arte de criar e manipular mamulengos em sua terra natal, cumpre, naquela manhã, uma tarefa muito especial: manter seus bonecos em constante diálogo com o público, constituído majoritariamente de crianças. A tarefa que mantém um trabalho de bonecos atrativa aos seus espectadores é extremamente complexa e requer do bonequeiro habilidade refinada. Ele precisa estar atento ao comportamento e à reação do público para ser capaz de colocar em jogo seus bonecos, utilizando os clássicos quiproquós para tornar verossímil as estranhas figuras do mamulengo. As vozes dos bonecos também lhes emprestam realidade, é só comprovar no olhar e ouvidos atentos do público que ri e comenta as adversidades entre o bem e o mal na Festa de Rosinha Boca Mole. A história passa-se como uma espécie de pretexto, fragmenta-se, é interceptada por múltiplos personagens; afinal, o público está mesmo interessado em exercitar a imaginação, acreditando que naquele momento aquelas figuras têm por debaixo dos panos coração, fígado e rins. Portanto, é na tensão entre ficção e realidade, no jogo de faz de conta que reside a alma de um boneco. Todos os espectadores, sejam elas crianças ou adultos, sabem que é tudo de mentirinha; o que eles não imaginam é que por trás de tantas vozes e movimentos distintos, um só artista, um só manipulador faz vibrar como realidade pulsante, o élan que mantém espectador e bonecos em um mesmo jogo. Afinal, que mistério há entre o boneco e o bonequeiro? Teria acaso o corpo dos bonecos tomado a alma do bonequeiro? Inventando uma realidade própria do universo dos bonecos, o artista Danilo Cavalcanti, por trás do pano, mistura-se com suas próprias criaturas. Ao manter a combinação entre movimento, voz, fábula e improvisos com o público, o artista constrói um ritmo que garante interesse constante; longe do tédio, o espectador embarca nas “verdades” mais mentirosas ou nas “mentiras” mais verdadeiras que o homem criou para si: diabos, valentões, solteironas, traições, sucesso, Atriz e diretora da Companhia do Miolo. Mestre em Artes pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – São Paulo.
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suborno, vingança, romances e outras tantas querelas perpassam a cena nascidas das mãos do artista. Entre um acontecimento e outro, uma boa lembrança: “sanfoneiro, toca o fole”. A festa de Rosinha Boca Mole segue solta, parece que estamos todos em algum terreiro de terra batida, com aqueles bonequinhos dançando em nossas almas. A herança do mamulengo se perpetua porque atualiza a relação entre espectador e público, cuja experiência é marcada pelo lúdico, pelo imaginativo e pelo fabulativo. As figuras se repetem, são arquetípicas; os elementos (música, dança, confusões, disputas) também apresentam os mesmos traços – desde que foram brincados nos primeiros momentos lá na terra do “Deus dará”, nos rincões desse Brasil Nordestino – mas são, a cada apresentação, tornados novos, visto que mantêm viva a vida fantástica dos bonecos, esses que se parecem tanto com a gente. Mas em tempos de internet, videogames, Google earth, quando somos bombardeados diariamente por uma multiplicidade de informações, em que a realidade e a ficção se confundem, a experiência imaginativa, lúdica e fabulativa se empobrece substancialmente. O artista de Canhotinho sabe que os tempos são de combate e maneja com destreza seus bonecos, tendo como aliada a crença no sensível, no homem que brinca, na criança que imagina, na mulher que dança, nos seres que fabulam, que narram, que experimentam a vida de outros modos. Nomeio aqui o artista Danilo Cavalcanti de bonequeiro, aludindo ao sentido do “bonequeiro” cearense, expressão que se diz de toda pessoa que “bota boneco”. É aquela criatura que apronta todas, que desconcerta as situações. Cavalcanti é ligeiro, atento e traz em seu repertório respostas desconcertantes, próprias de um artista popular. É com habilidade que conduz seus bonecos e músicos, e brinca com as diversas reações do público, extraindo de cada situação um riso, uma surpresa, um movimento novo. “Nossa, é um homem sozinho aqui atrás!”, exclama a criança curiosa no fim do espetáculo, examinando por dentro da empanada de chita os muitos bonecos para somente duas mãos. A boca aberta, o olhar surpreso, ela procura entender talvez o que acontece com aqueles mulambos de cabeça de madeira. Como se mexem, falam, choram? Eis o mistério, menino! 122
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo A Festa da Rosinha Boca Mole. Mamulengo da Folia - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[MF#2] - Arrocha o fole aí, meu fio! por Natália Siufi54
O teatro de mamulengo é um teatro de bonecos popular do Nordeste que se caracteriza pela presença da empanada ou torda – armação de paus e chita dos bonecos feitos de madeira (mulungu, umburana ou carrapateira) – e do mamulengueiro. Em Pernambuco, os mamulengueiros costumam brincar com um trio de forró, conferindo mais autenticidade e energia para a brincadeira. Antigamente, a apresentação era feita nos sítios e chegava a durar até doze horas. Começava com histórias mais leves para crianças e adultos, e se estendia noite adentro com música bebida e dança, finalizando com os bêbados e alegres que permaneciam na festa. O clima e ritmo iam esquentando e no fim do brinquedo as histórias eram mais acaloradas, com palavrões, sacanagens e muita pancadaria entre os bonecos, que têm a cabeça de madeira inclusive para suportar as batidas de cabeça de um boneco em outro, ou do boneco na empanada. A esse respeito, Mestre Ginu repete, em diversas fontes documentais: “Não existe mamulengo sem dança, romance e cacetada.” Importante contextualizar esta arte, já que a cultura popular é sempre deixada de lado nos livros e na história oficial, considerada por muitos intelectuais e acadêmicos como inferior, sem elaboração ou simplória. Prova disso é que na maioria das universidades de artes do Brasil, quando se fala sobre boneco ou máscara, se ensina a manipulação do teatro japonês, das máscaras italianas... mas raramente fala-se algo sobre mamulengo, e são pouquíssimas as publicações acerca desse assunto. O dia nublado prometia chuva; por isso, um pouco antes das 11h, a Companhia Mamulengo da Folia se organizou para iniciar a apresentação do espetáculo A festa da Rosinha Boca Mole no espaço Sacolão das Artes, no Parque Santo Antônio, periferia da zona sul da cidade de São Paulo. O local fechado, diferente da rua, inibe o acesso do público, mas com muito entusiasmo e o show especial do sanfoneiro, que tocou até deitado no chão, o grupo conseguiu atrair alguns moradores que passavam pela rua. Mesmo assim, os espectadores, além das crianças que já estavam no espaço e dos passantes que foram conquistados pelos artistas, eram basicamente os colegas de teatro de rua que participavam da 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Danilo Cavalcante, pernambucano de origem, já está há mais de dez anos na cidade de São Paulo, mas mesmo assim percebe-se em sua brincadeira o “tempero” pernambucano na forma dos bonecos, na fragmentação do roteiro, na espontaneidade e relação constante com o espectador e na apropriação de histórias e de nomes da brincadeira tradicional. Destaque para o jogo do ator com os espectadores. Incrível como mesmo de dentro da empanada toda fechada, conseguia ver e aproveitar as mínimas reações do público, transformando-as em novas cenas. Já que a brincadeira do mamulengo depende muito da interação com o público, o espaço acabou interferindo no espetáculo, que apesar de animado Licenciatura em Arte – Teatro, pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Atriz do Grupo Teatral Parlendas.
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e com ritmo muito bom, provavelmente na rua teria ganhado mais força e espontaneidade, pois os espectadores não estariam sentados em cadeiras, mais livres para interferir nas cenas ou mesmo para entrar no espaço e dele sair a qualquer momento. As cadeiras parecem ter deixado o público numa postura mais passiva durante todo o tempo. Evidenciaram-se a presença e a influência da capital metropolitana no jeito de brincar de Danilo, adaptando muitos elementos do brinquedo: a prosódia menos carregada, contendo ainda algumas palavras e expressões nordestinas; o tempo mais acelerado, à semelhança de um desenho animado, modifica-se talvez para prender a atenção do espectador, não mais dos sítios, agora acostumados ao tempo televisivo; há mais preocupação com a manipulação dos bonecos, que nunca estão parados, menores e mais leves do que os da brincadeira tradicional. Influência e também exigência do mercado paulista, como o próprio mamulengueiro relatou: “Por várias vezes fui procurado por produtores que pediram o espetáculo sem tanto peido e porrada, já que seria feito para crianças.” Traços da cultura dominante, que discrimina e inferioriza a cultura popular e suas tradições, estimulando a cultura de massa e estrangeira; que tenta suprimir o grotesco e a ingenuidade do mamulengo, mas não questiona as programações televisivas, essas sim, extremamente violentas e carregadas de erotismo. As crianças que haviam acabado de assistir a um espetáculo infantil mais comercial e com cunho pedagógico, que estava em cartaz no espaço do Sacolão, participaram ativamente o tempo todo, falando com os bonecos, vibrando em cada cena, sem se importarem com os peidos ou com as brigas que aconteciam, querendo inclusive participar das confusões e propondo soluções. – Só porque você é delegado você tem que mandar em tudo? (Fala de um menino pequeno que não aceitou as palavras de ordem de um dos bonecos). Muito importante também é a forte crítica social e política contida no espetáculo, com seus bonecos representando figuras comuns da sociedade como o delegado, o empregado, o padre, o coronel... No debate final, Paulo, bonequeiro e ator do grupo de teatro In Bust, do Pará, ressaltou a sofisticação que há na arte popular, aparentemente simples mas que carrega uma dificuldade profunda, não somente na manipulação e no roteiro, como na sua forma de jogo com o público: “Uma das maneiras de fazer teatro mais difíceis”. Hermilo Borba Filho, um dos únicos pesquisadores de mamulengo no Brasil, esclareceu um pouco o que havia acontecido na apresentação e falou sobre o que muitos espectadores poderiam ter sentido: É espantoso o dom desses artistas populares, com suas invenções, sua voz, sua habilidade manual, sua personalidade artístico-artesanal, seu analfabetismo de letras, seu cancioneiro, sua miséria, sua ingenuidade, sua obscenidade, sua inconsciência, seu orgulho, sua condição humana [...] Quando a figura surge no alto da empanada [...] encarna o valente, o ridículo, o apaixonado, o covarde, encarna sentimentos ou paixões e os espectadores – olhos brilhantes, burladores ou odiosos, bocas torcidas no riso ou na raiva, caras fechadas ou abertas, passam a considerá-la “viva” e dialogam com ela. (BORBA Filho, 1987: p.7)
O Trio Agrestino deu energia e ritmo nos momentos de troca de bonecos e de cenas. O sanfoneiro extremamente divertido fazia caretas e brincadeiras, e o trianguleiro dialogava com os bonecos como se eles fossem reais, o que deixava o jogo todo ainda mais engraçado. Pena a chuva ter impedido o uso da rua e talvez ter esfriado um pouco a energia dos artistas, mas para os que estiveram no Sacolão, mesmo muito nublada, aquela manhã de sábado foi cheia de calor.
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[MF - réplica] - Público do Mamulengo na cidade onde esconde o nome chamado Brasil por Danilo Cavalcante
Agradeço as duas criticas bem fundamentadas, mas vale lembrar ao público que o espetáculo de mamulengo – urbano ou rural – é destinado a um público especifico. Em tese, o mamulengo não satisfaz às necessidades teatrais ou mesmo emocionais do público intelectual e burguês que habitualmente frequenta nossos teatros. Quando muito – e a afirmação é mais geral –, o mencionado público assiste a uma função por curiosidade, por atitude exótica ou por aspecto folclórico Qual é o espaço do mamulengo: Rua? Teatro? Praças? Galpão? São todos. O mamulengo é um fenômeno vivo, dinâmico, em constante processo de mutação, de transformação. Assim, sendo de natureza dramática, possui possibilidades consideravelmente mais amplas de incorporar os fatos culturais do cotidiano à cena e deles tirar todo o proveito cômico. Desse modo, em contínua transição, o brinquedo vem apresentando processos de transformação que atestam seu caráter dinâmico, como a passagem do presépio para o mamulengo ou do presépio de fala para o teatro de bonecos. Quanto à estrutura do espetáculo, dificilmente se encontrará no mamulengo da zona rural o espetáculo estruturado em peça, isto porque sua estruturação ocorre em passagens. Há certa tendência no urbano, ao contrário, de estruturar o mamulengo por meio da criação de peças, todas elas com títulos, tentando-se incorporar elementos urbanos da atualidade, criando situações, conflitos, e, muitas vezes, utilizando-se de uma fala de características mais urbanas, isso se observa no emprego de ditos, de piadas e no uso de personagens típicas de contextos citadinos. À luz dessa rápida exposição, os trabalhos do Mamulengo da Folia estruturam-se a partir das características urbanas sem perder suas influências rurais. 125
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo O Básico do circo. Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[NPTC] - O Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo se apresenta A história do espetáculo O básico do circo remete à criação do Núcleo Pavanelli e ao seu desenvolvimento artístico na pesquisa de um teatro popular feito em espaços abertos. O grupo começa em 1999 basicamente com treinamento circense e musical. A maior tarefa era montar um espetáculo que abarcasse todo o conhecimento adquirido por Marcos e Selma Pavanelli em sua formação com a Família Medeiros – tradicional família circense –, e incorporar as habilidades dos demais integrantes. Sendo assim, O básico do circo foi montado a partir do que cada artista sabia fazer ou podia aprender e do seu tipo. Baseados em um roteiro de esquetes clássicos de palhaço, técnicas circenses e música ao vivo, o espetáculo aconteceu pela primeira vez na Mostra de Teatro de Rua de Juiz de Fora (MG), em 2000. Depois dessa primeira montagem que permaneceu até 2004, outros artistas passaram pelo grupo e pelo Básico. As técnicas circenses se aperfeiçoaram; a musicalidade, a ocupação do espaço cênico, os figurinos, adereços e a relação com o público não perderam sua essência: o circo tradicional e o palhaço brasileiro. Para o grupo, esse espetáculo é a base artística na formação do ator/ palhaço, que deve estar preparado para exercer sua função em qualquer espetáculo, explicitamente circense ou não, com ou sem máscara. A mediada que o ator toma conhecimento do seu tipo, ele não mais o limita. Ele reconhece em si características que podem potencializar sua interpretação em determinados personagens. É assim que os circos-teatro e os circos de teatro trabalham e, por isso, conseguem manter em seu repertório cerca de 30 a 40 espetáculos e apresentar grande parte deles ao mesmo tempo. O circo-teatro é a escola do Núcleo Pavanelli, que vem utilizando esta base nos seus processos de criação e na formação dos atores que se integram ao grupo. O básico do circo é a primeira lição. 126
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[NPTC#1] - O básico do básico por Aurea Karpor55
Fazia frio. Desceram de um ônibus artistas de rua de várias regiões do País a fim de ver um espetáculo que ali seria apresentado. O lugar era uma praça vazia na zona sul da cidade de São Paulo. Aos poucos os artistas do Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo foram vestindo os figurinos, ajeitando a maquiagem e logo uma roda animada se formava tocando e cantando ritmos populares na esperança de espantar o frio. Cada um com seu instrumento em mãos dava cor e vida ao cortejo que então se iniciava nos arredores daquela praça. Na melodia simples de cantigas circenses seguimos pelas ruas avistando pessoas nas janelas e portas de suas casas – encolhidas, mas sempre de sorriso no rosto. Surpresa se deu quando o cortejo alcançou uma igreja, e ao ouvir o som dos artistas na rua, uma “multidão” (era muita gente mesmo) saiu nas escadarias para aproveitar aquele momento de alegria. Os artistas não se fizeram de rogados e ocuparam o solo sagrado, dentro das grades que delimitavam o espaço externo do templo, colorindo o dia cinza que o céu proporcionava. Fez sucesso, principalmente entre as crianças, uma cobra de várias cabeças levada ao cortejo pela In Bust – Teatro com Bonecos, de Belém do Pará (PA). Por fim, chegamos de volta à praça onde um picadeiro tinha sido armado, com uma enorme estrela ao centro. O dono do circo, a meiga bailarina, dois palhaços, uma barreira e a charanga (banda musical) davam início ao espetáculo O básico do circo. Sentei-me no chão, bem perto desse picadeiro. O público prestava atenção em cada detalhe. A bailarina, nova no circo, foi apresentada, e os dois palhaços iniciaram uma disputa pelo amor da moça. Para dar vida a essa disputa o espetáculo traz à tona esquetes clássicos circenses muito bem harmonizados com a trilha sonora ao vivo. Um momento especial em que o público é trazido literalmente à cena é a cômica luta de boxe entre os dois palhaços, em que quatro pessoas são chamadas para segurar uma corda, delimitando o ringue dessa luta. Há também na peça pirofagia, malabarismo, corda, perna de pau e improvisos. Jovens (porém não menos talentosos) contracenam com o experiente Marcos Pavanelli, Dono do circo nessa apresentação. Chama a atenção essa disponibilidade que o grupo tem de abraçar novos artistas. O básico do circo é de uma simplicidade e despretensão de encher os olhos. Quando a peça acabou, apesar do frio (que a esta altura já tinha sido esquecido), me deixou com gostinho de “quero mais”. Tive a sensação de ser uma criança que havia ido pela primeira vez ao circo. Um respiro poético em meio ao cotidiano tumultuado de São Paulo. Ainda durante a apresentação descobri que esta não era a primeira formação de elenco, e a cada nova cena, uma atriz sentada ao meu lado comentava com orgulho que já havia feito parte daquele espetáculo. No debate final, o que enxerguei na peça se confirmou na fala de Simone Pavanelli (Barreira): O básico do circo é uma escola. E que escola! Uma via de mão dupla entre os novos integrantes e os fundadores do Núcleo. Uma peça que possibilita formação e aprimoramento dos artistas que dela participam. Dez anos de peça, mais de 500 apresentações, diversos profissionais envolvidos. O básico do circo já diz no nome a que veio: simples, despretensioso, popular, e feliz. Feliz nas escolhas e na realização. Feliz de espírito. Atriz, diretora e produtora. Graduada em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas, e mestra em Artes pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp).
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[NPTC#2] - Vai, vai, vai começar a brincadeira!
por Natália Siufi56
Muito antes do início do espetáculo, todos os artistas da 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas se organizavam para um grande cortejo pelo bairro do Campo Limpo, periferia do extremo sul paulistano. A alegria de todos pela belíssima realização da Mostra que estava chegando ao fim conferia mais brilho e energia para a caminhada, que começou e terminou na praça, passando por ruas estreitas, cheias de casas e até por uma igreja que ficava nas proximidades da região. Foi mágico o momento em que os fieis saíram da celebração e se depararam com malabaristas, acrobatas, palhaços e uma grande cobra de sete cabeças, arte do grupo In Bust – Teatro com Bonecos de Belém do Pará (PA). O cortejo invadiu o pátio e ficou por ali alguns minutos até partir para o local onde o Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo apresentaria o espetáculo O básico do circo. O roteiro simples e funcional, como é característica da arte popular, conta a história de Stinguela e Tontin, dois palhaços do circo que se apaixonam pela mesma bailarina. O dono do circo tenta colocar ordem na confusão, mas os dois “funcionários” são muito desastrados e acabam sempre aprontando alguma. Os números circenses são realmente os básicos, como o próprio nome do espetáculo anuncia: o chicote, a perna de pau, a pirofagia e os malabares, muito bem executados e orgânicas. Destaque para o desempenho dos palhaços na perna de pau, que lutam capoeira e dançam, sempre muito seguros. O mais bonito é que, na simplicidade dos números e do roteiro, o público se diverte e participa, como em um espetáculo debaixo da lona. Os músicos dão um tempero especial ao espetáculo. Apesar de um pouco sem ritmo em algumas cenas, a apresentação não perdeu a atenção do público em nenhum momento. O jogo entre os atores pode ser mais trabalhado, já que o palhaço dá esta liberdade de um sacanear o outro, brincar, desafiar. Acho que isso só apimentará o roteiro e melhorará o ritmo e a energia da peça. Os esquetes tradicionais da palhaçaria clássica foram incorporados de forma muito eficiente, como na cena do boxe e do balde. O duelo de repentes também é muito interessante e deixa uma sensação de “quero mais”. Todo o espetáculo é muito bem pensado e elaborado, inclusive o figurino, a música, o roteiro, os esquetes. Mesmo em se tratando de um elenco recém-formado, algumas interações com os espectadores e mesmo entre os atores poderiam ser mais aproveitadas. Dos idosos às crianças, todos riram muito, contagiados pela energia daquele circo, que mesmo sem lona se fez enorme na Praça do Campo Limpo, que naquela tarde foi ressignificada e transformada em ponto de encontro, em ponto de lazer e de cultura. O teatro de rua tem o poder de, subitamente, sem avisar, retirar os passantes do seu cotidiano propor-lhes uma experiência de troca e de aprendizado, de riso e de diversão. Licenciatura em Arte – Teatro, pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Atriz do Grupo Teatral Parlendas.
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Viva o circo brasileiro, com seus números clássicos e tradicionais! Viva a cultura popular e o teatro de rua! Viva a 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas, que conseguiu reunir tantos parceiros em um encontro tão rico de experiências! Viva O básico do circo, que recupera tantas lembranças doces dos circos de outrora, dos palhaços brasileiros, dos artistas e rueiros!
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo O Básico do circo. Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
[NPTC- réplica] - Tradição e memória por Simone Brites Pavanelli Nós, que não somos descendentes de famílias circenses, não nascemos com serragem nas veias. Ela entra com o tempo. Depende de muito esforço, pesquisa, treinamento e respeito por essa arte milenar e pelos artistas que fazem do circo sua razão de ser e de viver.
Esse é o texto de abertura do programa do espetáculo O básico do circo. Ele traduz em palavras curtas o que as duas críticas apontaram: a simplicidade com que o espetáculo foi construído, a percepção das referências do circo tradicional e o espetáculo como escola. Nesses dez anos de função, muitos artistas/palhaços imprimiram suas marcas, criaram gags, e cada um no seu tipo fez o espetáculo único. A necessidade de todos que entram no grupo de fazer parte do “básico” se dá justamente no que foi apontado nas críticas em relação ao jogo entre os palhaços e deles com o público. Ela se dá de forma mais confiante e apimentada à medida que o palhaço se sente dono da sua comicidade, começa a ampliar seu repertório e passa a incorporar a interferência do público a seu favor. Os novos atores, novos também na idade, deixam rapidamente de lado o ego e as idealizações do ator burguês para viver o que o palhaço como personagem pode proporcionar em termos de repertório para um ator popular e improvisador. 129
Outro ponto relevante é a música ao vivo e sua utilização como comentários de cena. Mesmo quando não sabíamos tocar percebíamos a importância da música como elemento fundamental para contar uma história, transmitir sensações e para expressar o pensamento das personagens. Com o aprimoramento das técnicas musicais e percussivas do grupo, em 2007, com a entrada do trompetista Mizael Alvez e do sanfoneiro Anderson Areias, a musicalidade do espetáculo deu um salto qualitativo, musicalidade esta que nos permitiu ser vistos como circos antigos, que chegavam com suas charangas. Por fim, quero deixar registrado que, à semelhança dos circos tradicionais, não passamos por um processo de treinamento do palhaço. Nosso treinamento é o conhecimento da história, é a observação dos esquetes e a prática diária.
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo O Básico do circo. Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo - São Paulo/SP. Foto de Augusto Paiva.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Mercadores de Liberdade. Grupo Ifá-Rhadhá de Art’Negra - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
[I-RA’N] - Grupo Ifá-Rhadhá de Art’Negra se apresenta Ifá, o Orixá do Destino: Jogo de Ôpon e do Ôpêlê Ifá, Ifaradá (em Iorubá, língua africana, significa resistência pelo conhecimento), comungado com o ato de resistir à opressão posta à nossa frente, herança de uma abolição que nunca existiu, deu-se então o surgimento de Ifá-Rhadhá de Art’Negra numa comunhão de pensamentos oriundos de militantes do Movimento Negro em Pernambuco. Observadas as poucas iniciativas voltadas para preservação e revitalização da cultura dos afrodescendentes por meio do teatro, Ivo Rodrigues e Walter Araújo, resistentes e sobreviventes da militância desse Movimento Negro, idealizaram uma oficina básica de teatro com forte predominância do aspecto da negritude no Estado. Foi em 2002, e teve lugar no Espaço Pasárgada – Casa Manuel Bandeira, imóvel localizado no centro do Recife, onde viveu boa parte de sua vida o poeta Manuel Bandeira. A oficina, com a participação de aproximadamente 30 pessoas, foi concluída e daí então os participantes resolveram dar continuidade aos trabalhos de autoafirmação do Ifá-Rhadhá, prosseguindo com os encontros semanais nos quais a discussão maior girava em torno da seguinte questão: O que fazer para a potencialização do Ifá-Rhadhá?, ora naquele espaço cultural, ora na Casa da Cultura de Pernambuco. Surgem, então, os espetáculos voltados para a ressignificação da cultura negra nos tempos atuais, revelando uma trajetória histórica em que negros eram trazidos “a ferro e fogo” para o Brasil em navios negreiros e lançados aos martírios dos canaviais e das senzalas, sem deixar de lado quilombos, quilombolas, Zumbi dos Palmares – mártir da epopeia do povo negro no Brasil – e a obra do poeta negro pernambucano Solano Trindade. Em uma análise mais profunda observa-se que a mesma não deixa de ter sentido hoje. Desde o começo fomos resistentes, abnegados, determinados, e conseguimos montar vários espetáculos, como Negra resistência (2002), Exaltação à negritude (2004), Marcas da resistência (2005); Mercadores de liberdade (2008). Em função da necessidade dos componentes, ficaram no caminho. Por parte dos que permaneceram – Adriana Correia, Ana Paula, Ivo Rodrigues, Leonardo Soares, Lucas José, Marília Marley, Paula Alves, Roberta Lúcia, Wagner Matias e Wanessa Kelly – houve grande empenho para trazer à tona questionamentos relativos ao futuro e a traços que ainda são realidades da população negra do Brasil. Com uma dramaturgia voltada para elementos da cultura negra, tendo como preocupação maior o conteúdo a ser apresentado, como forma de questionamento, reflexão e até mesmo dados que possam contribuir para a auto-afirmação do povo negro. 131
Podemos afirmar que a ideia de grupo norteia o trabalho do Ifá-Rhadhá de Art’Negra, oriunda do pensamento nascido de um momento muito forte e marcante da história do Brasil, que é foi a ditadura civil-militar (1964), e os processos de comercialização da cultura popular.
[I-RA’N#1] - Menina, que cabelo é esse? por Maria Gabriela D’Ambrozio57 Mas ninguém fica pra sempre na frente. [...] Chega! [...] Nunca mais vou dormir de touca. Chega! [...] Selo, carimbo, estampilha no centro da cuca eu levei e calei. Mas sou marraio no jogo, no tronco ferido eu sou o rei [...]. Ou bola ou bulica. João Bosco e Aldir Blanc.
Às 13 horas, em São Paulo, o sol destaca as diversas cores que nascem no Galpão do Grupo Pombas Urbanas. Num dia de domingo, estandartes e acrobacias perpassam as ruas estreitas da Cidade Tiradentes. Olhares curiosos brilham entre janelas e portões – um cortejo convida a comunidade a participar de mais um encontro da 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas: o primeiro espetáculo do dia vai começar... É o Grupo Ifá-Rhadhá de Art’Negra, que já se coloca em cena. Os pés descalços desbravam o chão da rua. As sementes emaranhadas nos tornozelos dos atores e o ritmo do tambor do percussionista vão demarcando os traços de uma cultura. A roda está aberta. A música que introduz o espetáculo é mais um signo. Em Mercadores de liberdade a liberdade tem cores: verde, amarela, vermelha e negra. As cenas de criação e direção coletivas do grupo explicitam as tantas peripécias que colocam a maioria da população brasileira à mercê das estratégias e consequências do sistema vigente. A cena pela procura de um emprego é uma delas. E apesar de a personagem desempregada negra ter o melhor currículo... Quem será que ficou com o emprego? O grupo também mostra um dos espaços sociais em que se reproduz o preconceito e impõem a normatividade – a escola. É nesse momento que a professora desdenha abismada: “Menina, que cabelo é esse?!” Para a professora, a “menina” não tem nome e o cabelo dela parece estar fora do “padrão”. A “menina” reage, perguntando aos companheiros de sala, que nesse caso estão representados pelo público: “Isso é preconceito, não é pessoal?!”, e sem esperar resposta dos espectadores se encaminha até a diretoria, onde se dá a “resolução do problema”. A esse respeito, Ieda Maria Martins, em A cena em sombras (1995), afirma: No caso brasileiro, os enunciados que definem o sujeito negro manifestam uma categorização e um pensamento coletivo que, implicitamente, legitimam todos os atos de violência a eles acoplados.” Estudante do curso de Pedagogia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Estudou Teatro na Fundação das Artes de São Caetano do Sul (SP). Atriz do Grupo Teatral Parlendas.
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Fazer da suposta “solução do problema”, apresentado em cena, responsabilidade do espectador, faz do público parte ativa do espetáculo. E, muitas vezes, não solucionar a tal questão social, não acabar a cena com um final feliz, suscita outras reflexões. É como observar que a raiz do problema não está no indivíduo, mas sim numa estrutura que nos oprime. O conteúdo estava presente, mas para que o espetáculo tenha mais força e dimensão política é necessário refletir também sobre a forma, a estética escolhida. Mercadores de liberdade possui um roteiro de cenas fragmentadas; poderia investir mais em expedientes épicos, fazer dos narradores também indagadores das questões sociais explicitadas. A rua pede atores inteiramente presentes em cena. A insegurança de alguns atores e a falta de ritmo entre algumas cenas ocasionaram certa dispersão dos espectadores. Há também a necessidade de uma voz que funcione, que possua maior projeção e, por vezes, essa precisão faltou no decorrer do espetáculo. A música poderia ser mais explorada. O som percussivo possibilita a criação de ambientes, de sensações, que poderiam compor, em comunhão, com gestos simbólicos de resistência das danças africanas. “Oxum! Iansã! Pai Oxalá!” As palavras, manifestadas ao decorrer do espetáculo, representam o reconhecimento e a resistência de um povo. Nos nossos Brasis, a História está mal contada. O preconceito, construído quase sistematicamente pelos poderes sociais dominantes, tornou a cultura da população negra repudiada e desconhecida. O espetáculo ressalta essas questões, recupera frases de artistas negros como Solano Trindade, e grita: “A África é o berço da humanidade. África: o ventre fértil do mundo!” Em uma dessas ressalvas, quando diziam que o Brasil – a Bahia, o Rio de Janeiro – era habitado por muita gente de Angola, da Guiné-Bissau, de Moçambique, e que São Paulo tem muita gente que veio de Pernambuco, um homem, que muito se divertia com o espetáculo, gritou: Ei! Não fala mal de Pernambuco, não!
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Mercadores de Liberdade. Grupo Ifá-Rhadhá de Art’Negra - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
Foi bonito ver os atores referindo-se aos espectadores como: “todas e todos”, preocupando-se com a luta pela igualdade: de classe, de cor e de gênero. É emocionante ver o público interferindo no espetáculo e reagindo por conta dele. É como se o grito, a fala significasse o incomodo, a necessidade de compartilhar ou discordar do que se vê, do que se ouve. O espetáculo tinha importância naquele lugar. 133
[I-RA’N#2] - Arte negra olindamente em São Paulo por Adailtom Alves58
Convidada do Café Teatral, realizado na Casa d`Oráculo em 6 de dezembro de 2010, Iná Camargo Costa expressou-se mais ou menos nesses termos: “Em uma sociedade justa não há necessidade de atores, pois esses fazem parte da divisão social do trabalho, são especialistas. Numa sociedade igualitária todos poderão se expressar para os seus.” Penso que muitos grupos ligados ao Movimento de Teatro Popular de Pernambuco (MTP-PE) praticam seu teatro nessa perspectiva, sobretudo o Ifá-Rhadhá de Art`Negra, que atua em comunidades periféricas de Olinda e Recife (PE). Ivo Rodrigues, militante do teatro e da cultura negra, que esteve à frente, por diversas gestões, da Associação de Teatro de Olinda – entidade que realiza o Ato Ambulante (programação teatral nas comunidades periféricas de Olinda) – é o fundador do Ifhá-Rhadhá de Art`Negra. Apesar de fundador, logo, integrante mais antigo do grupo, trabalha com os seus de forma igualitária, horizontal; suas criações são coletivas, como é o caso do espetáculo de que se trata aqui. Tomando como ponto de partida o surgimento do homem na África – o continente negro como ventre sagrado da humanidade –, o espetáculo Mercadores de liberdade apresenta os heróis negros a perseguição e o preconceito que sofrem todos aqueles que têm a pele negra, ainda nos dias de hoje. O espetáculo mistura poemas, músicas e situações cotidianas das comunidades pernambucanas, encontradas em qualquer cidade do Brasil: o preconceito contra o afrodescendente. Com base no cumprimento da Lei no 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e da cultura afrobrasileira nas escolas públicas e particulares, o espetáculo torna-se instrumento importante à sua divulgação, mas também cai na armadilha legalista, pois o cumprimento da lei não é garantia de justiça; trata-se de uma reparação. Por outro lado, cabe ressaltar que o grupo apresenta-se em comunidades que muitas vezes desconhecem seus direitos legais e sua história, daí sua função primeira, de ordem didática. Com poemas de Solano Trindade, músicas de ritos afros e danças que acompanham essas músicas, tornam a cena plasticamente bela. Entretanto, nos parece que se esses mesmos movimentos dançados fossem usados como treinamento (uso pré-expressivo), eles poderiam potencializar ainda mais as cenas, já que os movimentos poderiam ser utilizados teatralmente, isto é, na composição de personagens e na sua movimentação. Todo o espetáculo é épico: cenas entrecortadas, atores direcionando-se diretamente para o público, personagens criadas em cena, na presença de todos, sem misticismos. A maneira como se colocam em cena também é didática, pois prova que o teatro pode ser realizado por qualquer pessoa. Por fim, cabe dizer que o espetáculo foi apresentado após longo cortejo que saiu do Centro Cultural Arte e Construção, gerido pelo Pombas Urbanas, e seguiu pelas ruas de Cidade Tiradentes, com a presença de diversos artistas. Mesmo sob ameaça de chuva, o Ifá-Rhadhá de Art`Negra optou por se apresentar na Praça Lino Rojas, em clara demonstração de sua opção pelo espaço aberto, local em que a relação entre o público e os artistas é mais livre e libertária.
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Mestre em Artes, membro do Núcleo Brasileiro e Paulistano de Pesquisadores de Teatro de Rua e ator do Buraco d`Oráculo.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo A Herança de Nós Todos. Grupo Arteiros - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
[GA] - Grupo Arteiros se apresenta Movido pela vontade de realizar uma arte que rompesse barreiras, inclusive as impostas pelas tradicionais salas de teatro e interessado por uma arte que discutisse as inquietações e as angústias humanas, surge, em 2001, o Grupo Arteiros, certos de que a rua é o lugar onde nada continua da mesma forma, onde a obra é sempre modificada, o espetáculo não é único. O trabalho do Grupo Arteiros baseia-se na diversidade da cultura popular, na influência de seus brinquedos e na irreverência de seus brincantes. Ao longo de sua trajetória, o grupo já produziu os seguintes espetáculos: O boi às avessas (2002), A herança de nós todos (2004), Dom Dragão nas terras do Boi Bunzar (2007), entre outros, contribuindo, assim, para a ressignificação do nosso espaço cultural, norteando a melhoria da qualidade de vida, propondo à população uma reflexão sobre gênero, saúde, habitação, educação, questões diretamente ligadas à cidadania, com apresentações em ruas, praças... O grupo, sempre que possível, participa de festivais, mostras, seminários, movimentos sindicais. Filiado ao Movimento de Teatro de Rua de Pernambuco (MTP/PE) e à Associação de Teatro de Olinda (ATO), vem se articulando com grupos de teatro de rua para ampliar a difusão dessa linguagem tão essencial à nossa vida. 135
[GA#1] - Quem disse que em briga de marido e mulher não se mete a colher? por Roberta Ninin59
Último dia e última apresentação artística da 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Inesquecível, revelador, revigorante, debochado, alegre e provocador – características básicas de um teatro popular calcado na cultura cômico-grotesca das tradições e brincadeiras das festividades brasileiras. Assim, recheado de hipérboles, aconteceu A herança de nós todos apresentado pelo Grupo Arteiros (MTP/PE), num domingo, na Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, maior bairro da metrópole. Em frente de um conjunto habitacional, ocupando a calçada e metade da rua próxima ao Centro Cultural Arte em Construção, sede do grupo Pombas Urbanas, ocorreu a apresentação: um lugar familiar à população circundante e circulante, cujo espaço propicia a quebra de uma rotina comum à vida dos trabalhadores por meio de ações artísticas promovidas pelo pessoal do Pombas Urbanas. Nós, o público, sentados na calçada e na rua... A sensação era de que estávamos em casa! Arara de figurinos, caixas de som, atores se maquiando, burburinhos, crianças, cachorros e adultos compunham o cenário inicial do espetáculo. Os atores vestiam um macacão amarelo e vermelho, tinham o rosto pintado de branco, e o nariz avermelhado: eram palhaços! Enquanto a maioria dos Arteiros estava se preparando, uma dupla tomou conta do espaço: um palhaço tocando pandeiro e uma pastora, de corpete preto, blusa branca, saia e flores na cabeça, respondendo ao diálogo cantado. Não pode, tem criança! Comentou o palhaço – uma interjeição instigante, pois despertou a curiosidade do público e chamou mais atenção para a dupla. Senhoras e senhores, estava aberta a sessão de Pastoril Profano! Este folguedo popular dramático praticado no Nordeste do Brasil (Alagoas, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte), paródia do Pastoril Sagrado – folguedo do ciclo natalino que descreve o percurso das pastoras a caminho de Belém para conhecer Jesus – aborda sambas e cançonetas, transformando louvações em deboches e em músicas picantes. Com essa influência, a dupla canta Casamento da pastora (domínio público): Papai, eu quero me casar/ Oh, minha filha, você diga com quem/ Eu quero me casar com o sanfoneiro/ Oh, minha filha, você não casa bem/ Por quê? Papai/ O sanfoneiro aperta o fole/ E, depois, vai apertar você também... Muitos risos. Para completar, o palhaço pergunta ao público: Se você fosse um objeto, queria ser o quê? Depois, ávido, ele responde: eu queria ser aqui um pirulito (aponta para o pirulito de alguém do público) pra derreter dentro da sua boquinha... Mais risos. Enfim, além dessa deliciosa farra servir como excelente prólogo para as histórias que os Arteiros brincariam em cena, a figura feminina, representada pela pastora, introduziu uma importante observação sobre a personagem feminina Atriz e arte-educadora, graduada em Educação Artística, com habilitação em Artes Cênicas; mestra pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (Unesp). Autora do livro Projeto Comédia Popular Brasileira da Fraternal Companhia de Arte e Malas-Artes (1993-2008): Trajetória do ver, ouvir e imaginar; publicado na Coleção PROPG-DIGITAL da Editora Unesp.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo A Herança de Nós Todos. Grupo Arteiros - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
em nossa sociedade – inclusive nos folguedos – que, posteriormente, será também interpretada por um palhaço travestido. E com vocês, os foliões do grupo pernambucano! Apresentados por uma bandeira: ARTEIROS – OLINDA – 2001 (nome, local e ano de constituição do grupo), e formando um conjunto musical com pandeiro, bumbo, triângulo e chocalho, os Arteiros cantaram a sua entrada, trazendo a referência da Folia de Reis60: “Boa noite pra quem é de boa noite/ bom dia pra quem é de bom dia/ abençoa pai/ o Arteiro é o rei dessa folia”. E mostram a que vieram, de forma bufonesca, comentando e contrariando o apresentador da folia: “Boa tarde! É um espetáculo grandioso!”, diz um folião. “É pequeno e mais ou menos!”, diz outro. Três curtos esquetes são apresentados, cada um por meio de dupla de palhaços em oposição: um autoritário, o outro ingênuo. Os roteiros são: Bronca Mão de Vaca Portonha manda e desmanda em seu marido, Singelo; Sr. Tosco Burrinando Que Nada Pensa de Oliveira Junior, ao acender seu único cigarro com seu último fósforo, é advertido pelo Sr. Quem Avisa Amigo É da Silva; Tosco, sempre a procurar emprego, manda e desmanda em sua mulher, Singela. Entre advertências, mandos e desmandos, a relação de opressor e de oprimido evidencia-se. Comicamente, há as personagens cujos nomes lhes são característicos, e há o Singelo e a Singela, que, masculino ou feminino, representam predominantemente os oprimidos. É importante frisar que o opressor e o oprimido, na história, pertencem à classe trabalhadora e reproduzem, muitas vezes, os valores opressores da classe dominante (burguesia), sem consciência de seus atos, de sua classe. Nesse sentido, é possível perceber em A herança de nós todos que os Arteiros metem a colher na briga de marido e mulher, superando preconceitos de gênero e de cor que vendam a divisão de classes na sociedade capitalista e a consequente As festividades de Reis foram introduzidas no Brasil pelos Jesuítas por volta de 1559, após a vinda do primeiro Governador Geral, Tomé de Sousa (1503-?1579), que trouxe esta tradição sob a forma de canto, dança e encenação, no processo de catequese e ensino. O culto aos Reis Magos com sua folia esteve presente na inauguração do forte em homenagem aos Reis, em 06 de janeiro de 1598, na cidade de Natal (RN). Disponível em: <http://www.ia.unesp.br/pos/stricto/artes/dissertacoes_artes/2008/ dissertacao_ivanildopiccoli.pdf>. 60
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dificuldade material e humana de relação entre os nossos. Nós, trabalhadores, não somos os grandes proprietários de herança, a nossa herança é outra... A interpretação dos palhaços é a chave da encenação e dramaturgia desse espetáculo é recheada de tensão cômica, de entradas dialogadas, improvisação e triangulação com o público. O palhaço como personagem-tipo é responsável por satirizar tudo e a todos. A mandona Bronca Mão de Vaca Portonha, por exemplo, foi satirizada pelo palhaço que a interpretou e, por meio desta personagem feminina, ele também satirizou o nordestino e, por extensão, a si próprio, ao dizer: “Aquele pernambucano vai chegar, ele come que nem uma porra!”. A relação com o público, então, se dá por estranhamento. No entanto, no terceiro esquete, a opressão contra Singela e o fato de esta personagem ser interpretada por uma palhaça, talvez tenha causado menos estranhamento e mais identificação, conferindo à cena uma pitada dramática. Para finalizar, gostaria de registrar melodias tocadas pela bandinha que acompanhou, à moda do carnaval de Olinda, todas as palhaçadas: no primeiro esquete foi tocada A banda de Chico Buarque; no segundo, Onde está o dinheiro? de Paulo Barbosa, Francisco Mattoso e José Maria de Abreu; e, no terceiro, Tem pouco diferença de Durval Vieira e Espumas ao vento de Accioly Neto. Com esta música foi encerrada a apresentação, no momento em que Tosco se ajoelha, entrega um botão de rosa à Singela e os dois se beijam. Depois disso, os palhaços retomam os instrumentos iniciais da Folia, tocam e cantam. Movida pelo meu contentamento, compartilho a letra dessa música com os leitores, com os queridos Arteiros e com o meu avô Elizio Manuel da Silva, nordestino da cidade de Floresta (PE): O meu pai era paulista/ Meu avô, pernambucano/ O meu bisavô, mineiro/ Meu tataravô, baiano/ Meu maestro soberano/ Foi Antonio Brasileiro/ [...] Vou na estrada há muitos anos/ Sou um artista brasileiro. (Paratodos de Chico Buarque).
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo A Herança de Nós Todos. Grupo Arteiros - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
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5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo A Herança de Nós Todos. Grupo Arteiros - MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
[GA#2] - A arte astuta dos Arteiros por Adailtom Alves61
Colocar-se cenicamente na rua exige teatralidade, que pode ser exemplificada pelo desvelamento de que se trata de teatro e pela relação direta entre público e artistas. Ainda que teatralidade não se resuma a isso, os dois exemplos nos servem para ilustrar a relação criada pelo Grupo Arteiros com seu espetáculo A herança de nós todos, apresentado na Cidade Tiradentes, na programação da 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Alguns integrantes do Grupo Arteiros também fazem parte do Grupo Ifá-Rhadá de Art`Negra, que finalizada a apresentação ali ao lado, saem de cena e começam a se preparar na presença do público. Enquanto se aquecem, vão aquecendo também o público, em um diálogo direto com os espectadores. Nesse caso, o diálogo estabelecido com o público é tão fundamental quanto a relação entre as personagens, porque é isso que move a história. Lembra a relação criada pelo mamulengo (boneco tradicional do Nordeste) ou a relação esperada por Dario Fo no seu Manual mínimo do ator (1999: 204), para quem “tapas e galhofas” é do que gostam o público. Mas é preciso saber fazê-lo e os Arteiros sabem muito bem. O espetáculo aborda situações cotidianas que discutem o lugar dos oprimidos e opressores e como nós, cidadãos comuns, não estamos imunes a isso. Somos tanto um como o outro dependendo do lugar ou papel que ocupamos em uma sociedade hierarquizada. Assim, as situações podem aparecer em casa entre marido e mulher, no trabalho ou na rua. São três pequenas histórias que mostram como estamos imbuídos da ideologia dominante, provando a máxima de Karl Marx de que a ideologia dominante perpassa todas as classes sociais. A criação coletiva de roteiro, direção, adereços e figurinos mostra o trabalho em grupo, forma organizacional tão presente em nossos dias e, ao mesmo tempo, revela o domínio do grupo em relação ao que querem fazer e mostrar. Cabe destacar ainda o pleno domínio sobre os aspectos cômicos: triangulação, diálogo direto com o público, escuta sensível em relação aos comentários do público – inserindo-os em cena –, uso de duplo sentido etc., criando um riso inclusivo que acolhe a todos e no qual se ri até de si mesmo. Tudo isso faz do Grupo Arteiros popular por excelência. A 5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas encerrou em alto astral com a presença desse grupo pernambucano. 61
Mestre em Artes, membro do Núcleo Brasileiro e Paulistano de Pesquisadores de Teatro de Rua e ator do Buraco d`Oráculo.
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PROGRAMAÇÃO DA 5ª MOSTRA DE TEATRO DE RUA LINO ROJAS com debates após as apresentações
05/11 :: SEXTA-FEIRA 20h Cerimônia de Abertura e Homenagem ao MTP/PE Local: Teatro Studio 184 (Praça Roosevelt, 184 – Consolação) Fundado em Fevereiro de 1997 por Dulce Muniz, Dema de Francisco e Roberto Áscar, o teatro e sede do Núcleo do 184 é um importante espaço de criação e resistência cultural na cidade de São Paulo. Informações:
(11) 3259-6940 nucleodo184@yahoo.com.br
CENTRO 06/11 :: SÁBADO 13h30 Concentração 14h Cortejo de Abertura Local de saída: Praça do Patriarca - Centro Encerramento do cortejo: Rua Teodoro Baima – Consolação 15h Cia. Baitaclã (São Paulo-SP) Espetáculo: Anuário imaginário Local da Apresentação: Rua Teodoro Baima – Consolação ZONA LESTE 06/11 :: SÁBADO 20h Cia Estável de Teatro (São Paulo-SP) Homem, cavalo e sociedade anônima Local da Apresentação: Arsenal da Esperança (R. Dr. Almeida Lima, 900 – Brás) Apoio Local: Cia. Estável de Teatro Informações: (11) 8121-0870 Espetáculo:
ZONA NORTE 07/11 :: DOMINGO 11h Esquadrão da Vida (Brasília-DF) Espetáculo: O filhote do filhote de elefante Local da Apresentação: Praça Carlos Kozeritz- Jardim Julieta Apoio Local: Núcleo Pavanelli, CICAS e Sinfonia de Cães
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ZONA LESTE 07/11 :: DOMINGO 16h Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê (MTP/PE) Espetáculo: Quem ensinou o diabo a amassar o pão? 17h Poesis – Grupo Cultural do Alto José do Pinho (MTP/PE) Espetáculo: Diásporas – uma dispersão da(s) humanidade(s) Local das Apresentações: Praça do Casarão (ao lado da estação de trem Vila Mara/Jd. Helena) Apoio Local: Buraco d`Oráculo Informações: (11) 8188-3670 / 8152-4483 PRAÇA DO PATRIARCA - CENTRO 08/11 :: SEGUNDA-FEIRA 12h Oigalê CAT (Porto Alegre-RS) Espetáculo: O Negrinho do Pastoreio 15h IVO 60 (São Paulo-SP) Espetáculo: Sombras da Luz 18h Arte da Comédia (Curitiba-PR) Espetáculo: Aconteceu no Brasil enquanto o ônibus não vem 09/11 :: TERÇA-FEIRA 12h Barracão Teatro (Campinas-SP) Espetáculo: Circo do só eu 15h La Cascata Cia Cômica (São José dos Campos-SP) Espetáculo: O comecim das coisas 18h TEAMU & COMPANHIA (MTP/PE) Espetáculo: Êta vida 10/11 :: QUARTA-FEIRA 12h La Mínima (São Paulo-SP) Espetáculo: Reprise 15h Companhia do Feijão (São Paulo-SP) Reis de fumaça
Espetáculo:
18h Circo Teatro Rosa dos Ventos (Presidente Prudente-SP) Espetáculo: A farsa do advogado Pathelin 11/11 :: QUINTA-FEIRA 12h Trupe Olho da Rua (Santos-SP) Espetáculo: Terra Papagalli 18h Brava Companhia (São Paulo-SP) Espetáculo: Este lado para cima – isto não é um espetáculo 12/11 – SEXTA - FEIRA 12h Cia Forrobodó de Teatro e Cultura Popular (São José do Rio Preto-SP) Espetáculo: O pavão misterioso 18h In Bust - Teatro Com Bonecos (Belém-PA) Espetáculo: Fio de pão – a lenda da Cobra Norato
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ZONA SUL 13/11 - SÁBADO 11h Mamulengo da Folia (São Paulo-SP) Espetáculo: A festa da Rosinha Boca Mole Local da Apresentção: Sacolão das Artes Av. Cândido José Xavier, 577 – Pq. Santo Antônio Apoio Local: Brava Companhia Informações: (11) 5819-2564 e 5511-6561 16h Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo (São Paulo-SP) Espetáculo: O básico do circo Local da apresentação: Praça do Campo Limpo – Campo Limpo Apoio Local: Trupe Artemanha Informações: (11) 5844-4116 ZONA LESTE 14/11 - DOMINGO 12h Cortejo de Encerramento - O cortejo circulará por algumas ruas do bairro, retornando ao local de onde partiu. Local de Saída: Centro Cultural Arte em Construção Av. dos Metalúrgicos, 2100 – Cidade Tiradentes 13h Grupo IFÁ-RHADHÁ de Art’Negra (MTP/PE) Espetáculo: Mercadores de liberdade 14h Grupo Arteiros (MTP/PE) Espetáculo: A herança de nós todos Local das apresentações: Praça 65 próximo ao Terminal Velho Centro Cultural Arte em Construção. Apoio Local: Pombas Urbanas Informações: (11) 2282-3801- 2285-5699 pombas.urbanas@terra.com.br
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SOBRE GRUPOS E ESPETÁCULOS APRESENTADOS
Teamu & Companhia (MTP/PE) Êta vida Sinopse: Adaptado do Bumba meu boi pernambucano (do Mestre Antonio Pereira e seu “Boi Misterioso”) e utilizando a linguagem de Teatro de Rua, o espetáculo traz como tema central a discussão do exercício da cidadania, enfocando e propondo um aprofundamento em temas como reforma agrária, saneamento básico e moradia, trabalho e direito à vida. Espetáculo:
Grupos do Movimento de Teatro Popular de Pernambuco – MTP/PE Grupo de Teatro Popular Vem Cá Vem Vê (MTP/PE) Quem ensinou o Diabo a amassar o pão? Sinopse: No espetáculo, o Capeta é apontado como justificativa para todas as atitudes negativas cometidas pelos homens, mas o próprio Capeta contesta, procurando os responsáveis. Desse modo, ele percorre o mundo falando com tipos populares, travando uma discussão sobre a relatividade entre o bem e o mal. Espetáculo:
Ficha Técnica Direção: Alexandre Menezes Figurino, adereços e maquiagem: O Grupo Cenário: Charles Medeiros Elenco: Alexandre Menezes, Ana Paula Cordeiro, Charles Medeiros, Jonatas Lima, Lucas José e Pablo Dantas Email: alexandrevemca@hotmail.com
Poesis – Grupo Cultural do Alto José do Pinho (MTP/PE) Espetáculo: Diásporas – uma dispersão da(s) humanidade(s) Sinopse: O espetáculo retrata a dor dos povos que deixaram suas terras – negros, judeus, índios e nordestinos, deixando para trás família, fome, pobreza e miséria –, ressaltando a capacidade humana em adaptar-se a novos ambientes e a reconstruir a vida. Ficha Técnica
Jailson Oliveira Gerson Braga e Igor Nestor Figurino: Magda Santiago e Bélgica Soares Poesias: Integrantes do Grupo Poesis Elenco: Jailson Oliveira, Magda Santiago, Gerson Braga, Bélgica Soares, Igor Nestor, Érico Barreto e Rafael Freitas Email: poesissonorus@yahoo.com.br Coordenação: Música:
Ficha Técnica
Teamu & Companhia Guedes Direção musical: Sergio Diniz Elenco: Anderson Guedes, Carlos Fernandes, Josafá Manoel, Sergio Diniz e Valéria Félix Email: teamuecia@hotmail.com Criação roteiro/Texto:
Direção cênica: Anderson
Grupo Ifá-Rhadhá de Art’Negra (MTP/PE) Mercadores de liberdade Sinopse: O espetáculo conta, por meio de expressões afrodescentes, cenas e textos, as ligações com o passado histórico do negro e o surgimento do homem no àiyé, como a África é o “ventre fértil do mundo”. Ao mostrar o negro no cotidiano de hoje, buscando o entendimento da autoafirmação, o espetáculo é uma exaltação a Zumbi dos Palmares, Malunguinho, Solano Trindade, Dona Santa, Mestre Luiz de França, Dom Helder Câmara, dentre outras personalidades, que contribuíram para um mundo mais justo. Espetáculo:
Ficha Técnica Direção: Coletiva Figurino, adereços e maquiagem: Ivo Rodrigues, Adriana Barros, Adriana Correia e Wanessa Kelly Cenário: Ivo Rodrigues e Adriana Barros Elenco: Lucas José, Marcia Maria “Marilia Marley”, Adriana Barros “Drica Barros” e Ivo Rodrigues Programação visual: Ginaldo Pereira Efeitos sonoros: Ivo Rodrigues, Leonardo Soares e Lucas José Colaboradores eventuais: Wanessa Kelly, Paula Alves e Wagner Matias Email: ifarhadha@hotmail.com
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Grupo Arteiros (MTP/PE) Espetáculo: A herança de nós todos Sinopse: O espetáculo trata dos conflitos entre oprimidos e opressores e de como se dá a passagem de um para outro. Para retratar tais conflitos, o espetáculo recria situações do cotidiano por meio da história de Bronca Mão de Vaca Portonha, que manda e desmanda em seu marido, Singelo, e do Sr. Tosco Burrinando Que Nada Pensa de Oliveira Junior, que além de viver à procura de emprego, também manda e desmanda em sua mulher, Singela. Ficha Técnica Roteiro e Direção:
O grupo
O grupo Lúcia, Ivo Rodrigues, Leo Soares, Lucas José e Luiz Filho Email: luladerua@hotmail.com Figurino, adereço e maquiagem: Elenco: Roberta
Grupos Convidados In Bust – Teatro Com Bonecos (Belém – PA) Fio de pão – a lenda da Cobra Norato Sinopse: A peça recupera do imaginário popular a história de uma cabocla que, atraída por um cobrão “embruxado“, dá a luz a duas cobras: Norato e Caninana. Os irmãos têm sinas diferentes: Caninana, de ser má; Norato, de ter de encontrar alguém que possa desencantá-lo para virar gente. A lenda, transformada em cordel, é contada por uma família nordestina mista que migrou para o norte (assim como o cordel): o violeiro Cego Jurandir, sua mulher paraense e o filho, personagens dos atoresmanipuladores. A encenação se desenvolve num paralelo de situações, misturando a lenda com o cotidiano cômico desta família e proporcionando uma identificação direta com todas as idades. Espetáculo:
Ficha Técnica
Adriana Cruz, Anibal Pacha e Paulo Ricardo Nascimento Figurino: Anibal Pacha Confecção de Figurino: Anibal Pacha Cenário, adereços e bonecos: In Bust Sonoplastia: In Bust Assistente de palco: Cristina Costa e Iris Cruz Nascimento Texto: David Matos e Paulo Ricardo Nascimento Direção: Anibal Pacha Produção: In Bust – Teatro com Bonecos Email: inbust@inbust.com.br Atores e manipuladores:
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Companhia do Esquadrão da Vida (Brasília – DF) O filhote do filhote de elefante Sinopse: O texto é uma adaptação livre de Ary PáraRaios e do Esquadrão da Vida para o texto O filhote de elefante, de Bertolt Brecht. A peça, de forma metateatral, mostra o cotidiano de uma trupe que tenta finalizar uma montagem, revelando ao público um pouco do processo do trabalho artístico ao tematizar a construção e a modificação da realidade vivida como obra conjunta da criação social. Espetáculo:
Ficha Técnica
Ary Pára-Raios e do Esquadrão da Vida para o texto O filhote de elefante de Bertolt Brecht Direção: Maíra Oliveira Com os atores-músicos-acrobatas: Caísa Tibúrcio, Gabriel Preusse, Joana Vieira, Maíra Oliveira e Vinícius Santana. Figurino/Cenário: Nina Coimbra e grupo. Programação visual: Ico Oliveira Produção: Tatiana Carvalhedo Email: esquadraodavida@gmail.com Adaptação livre:
Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais (Porto Alegre – RS) Espetáculo: O Negrinho do Pastoreio Sinopse: Esta é a terceira e última parte do projeto de pesquisa intitulado Trilogia Pampiana. De forma mais direta que nos espetáculos anteriores, o texto trata de questões sociais, sobretudo por ser uma lenda abolicionista. Um negro escravo perde a corrida de cavalos na qual seu senhor apostou muito dinheiro. É cruelmente torturado e jogado em um formigueiro, de onde Nossa Senhora o resgata. Como decorrência disso, passa a ser conhecido como um auxiliador na procura de coisas perdidas. Ficha Técnica
Simões Lopes Neto Hamilton Leite Direção: Sergio Etchichury Atores: Di Machado, Giancarlo Carlomagno, Hamilton Leite, Paulo Brasil e Vera Parenza. Músicas: Gustavo Finkler Máscaras: Ricardo Vivian Figurino: Vera Parenza Adereços: Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais Arte gráfica: Vera Parenza Ilustração: Paulo Martins Fontes Produção e execução: Oigalê – Cooperativa de Artistas Teatrais Email: oigale@terra.com.br Texto:
Adaptação:
Grupo Arte da Comédia (Curitiba – PR) Espetáculo: Aconteceu no Brasil enquanto o ônibus não vem Sinopse: Num lugar perdido do País moram Dona Josefina e suas duas filhas, Amarinda e Miranda. Um dia, chega ao lugar o Coronel Vicente Capador, acompanhado de seu criado Saci. Eles viajam em direção ao porto de Santos, onde Capador pretende vender uma preciosidade que capturou na Floresta Amazônica: trata-se do último índio do Brasil. Para conseguir realizar o seu grande negócio, terá de dar conta das armadilhas que Saci inventa. Ficha Técnica
Roberto Innocente e Grupo Arte da Comédia Roberto Innocente Diretora de Produção: Ana Rosa Genari Tezza Elenco: Ana Rosa Genari Tezza, Tatiane, Cléber Borges, Alaor de Carvalho, Janine de Campos, Susana Bueno e João Graff. Assistência de Direção: Ana Rosa Tezza Direção musical: Paulo Demarchi Cenário, adereços e máscaras: Roberto Innocente CenoTécnico: Alfredo G. Filho Figurino: Mônica Dioconde, Amábilis de Jesus e Grupo Arte da Comédia Costura: Maria do Rocio Guarize Design gráfico: Felipe Gallarzza Email: tezza.anarosa@gmail.com Texto:
Direção artística:
Grupos de São Paulo
Cia. Estável de Teatro (São Paulo – SP) Homem cavalo & sociedade anônima Sinopse: O espetáculo apresenta um cruzamento de situações sobre trabalho, moradia e consumo, costurado pela fábula de um homem animalizado e explorado em seus esforços por sobrevivência, como metáfora das impossibilidades, ilusões e contradições estampadas em nosso cotidiano. Espetáculo:
Ficha Técnica Elenco: Daniela Giampietro, Nei Gomes, Osvaldo Hortêncio, Osvaldo Pinheiro, Sandra Santanna, Di Marina e Andressa Ferrarezi. Operador de luz: Luíz Calvo Contrarregra: Zeca Volga e Maurício Hiroshi Produção: Cia. Estável de Teatro Operadora de som: Flávia Morena Email: ciaestaveldeteatro@gmail.com
IVO 60 (São Paulo – SP) Sombras da luz Sinopse: A peça traz histórias bonitas de quem já perdeu tudo, menos a sensibilidade. Gente que acredita que “a buniteza é compartilhar os fracassos”. Chegar, casar, ter filhos, morrer. A sabedoria na loucura, o riso na tragédia, a liberdade no fracasso. E assim, de perto, a vista não vê mais onde começa a luz e onde termina a escuridão. Espetáculo:
Companhia Baitaclã (São Paulo – SP) Espetáculo: Anuário imaginário Sinopse: O fio condutor da história é o calendário que leva a percorrer as diversas manifestações populares do Brasil, de janeiro a dezembro. Nessa viagem, o público é convidado por divertidas figuras a vivenciar festejos, relembrando e descobrindo canções, costumes e tradições de nosso povo. Criação e concepção: Companhia
Baitaclã
Sabryna Mato Grosso Heraldo Firmino Elenco: Heraldo Firmino, João Invenção, Monique Franco e Sabryna Mato Grosso Músicas: Heraldo Firmino e Canções de Domínio Popular Figurinos e adereço: Denise Guilherme e Sabryna Mato Grosso Email: ciabaitacla@ciabaitacla.com.br Texto:
Direção:
Ficha Técnica
Silvia Leblon IVO 60 e Silvia Leblon Elenco: Ana Flávia Chrispiniano, Felipe Sant’Angelo, Mariana Leite, Pedro Felicio e Pedro Granato. Direção musical: Amilcar Farina Produção: Júlia Barnabé Cenário: Luiz Ricardo Florence e Gabriela Tamari Figurino: Oficina 2+ Preparação corporal: Xica Lisboa Treinamento: Ricardo Pucceti – LUME Email: juliabarnabe@gmail.com Direção:
Ficha Técnica
Dramaturgia:
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La Mínima (São Paulo – SP) Reprise Sinopse: Ao chegarem ao local da apresentação, dois palhaços descobrem que foram contratados para o mesmo lugar, no mesmo horário, pela mesma pessoa. Depois de infrutíferas tentativas de provar um ao outro sua prioridade no picadeiro, tomam uma decisão: em nome de seu fiel público, realizarão este trabalho juntos. Espetáculo:
Ficha Técnica Elenco: Domingos
Montagner e Fernando Sampaio Montagner e Fernando Sampaio Supervisão geral: Leris Colombaioni Música original: Marcelo Pellegrini Assessoria de reprises clássicas: Mário Bolognesi Figurino/adereços: Inês Sacay Direção de produção e administração: Luciana Lima Produção: La Mínima Email: laminima@laminima.com.br Direção, concepção e cenografia: Domingos
Barracão Teatro (Campinas – SP) Espetáculo: Circo do só eu Sinopse: O majestoso Circo do Sol, com todas as suas atrações fenomenais, aceita prazerosamente o convite para se apresentar na cidade até que recebe outra proposta muito mais lucrativa e decide cancelar, de última hora, a apresentação do espetáculo. O palhaço Zabobrim vem até vocês tentar apresentar sozinho o grande espetáculo! Ficha Técnica Criação, direção e atuação: Esio
Magalhães (Palhaço Zabobrim) Produção executiva: Suzana Santos Produção: Barracão Teatro Técnico: Fernando Henriques Email: barracaoteatro@barracaoteatro.com.br
Companhia do Feijão (São Paulo – SP) Reis de fumaça Sinopse: Espetáculo composto de fragmentos de danças dramáticas populares, de relatos de personalidades ligadas a estas manifestações, de documentos históricos relacionados à escravidão no Brasil, de poesias e músicas populares de diversas origens e de recriações de experiências pessoais do elenco. Busca propiciar aos atores da companhia e aos espectadores uma experiência diferente e profunda em relação ao fazer teatral convencional. Espetáculo:
Ficha Técnica
Pedro Pires e Zernesto Pessoa Renata Amaral e Julio Maluf Figurinos: Luiz Augusto dos Santos Elenco: Fernanda Haucke, Flávio Pires, Guto Togniazzoto, Pedro Pires, Vera Lamy e Zernesto Pessoa Email: feijao@companhiadofeijao.com.br Direção e Dramaturgia:
La Cascata Cia. Cômica (São José dos Campos – SP) O comecim das coisas Sinopse: Inspirado no livro Gênesis e na cultura popular do Vale do Paraíba, a peça reconta o mito universal da criação do mundo a partir de elementos da cultura regional, partindo da hipótese de que as primeiras montanhas do mundo formaram o Vale do Paraíba. O primeiro rio, “fruto da lágrima divina”, foi o Paraíba do Sul. Deus se inspirou na beleza de suas primeiras obras do Vale para dar vida ao homem, a mais especial de suas criaturas. Dramaturgia e Direção: Marcio Douglas Direção musical: Paulo Williams Figurinos: Eva Siellawa Cenário: Marcio Douglas Iluminador: Daniel Augusto Produção: Glauce Carvalho Elenco: Paulo Williams, Marcio Douglas, Glauce Carvalho e Eva Siellawa. Email: contato@lacascata.com.br Espetáculo:
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Direção musical:
Grupo Circo Teatro Rosa dos Vento (Presidente Prudente – SP) Espetáculo: A farsa do advogado Pathelin Sinopse: O espetáculo propõe uma saborosa fusão entre circo e teatro. Utilizando o jogo do palhaço, acrobacia, malabarismo, pernas de pau e música ao vivo, o grupo conta a história do advogado Pathelin, um grande trapaceiro que, diante de sua ruína financeira, aplica um golpe em Guilherme Côvado, renomado comerciante de tecidos. A surpresa da montagem fica a cargo da inserção de conflitos paralelos, vividos entre os palhaços durante a encenação.
Brava Companhia (São Paulo – SP) Este lado para cima – isto não é um espetáculo Sinopse: A ordem e o progresso fundamentam o surgimento de mais uma cidade, e os seus habitantes vivem em razão do trabalho e sonham com um futuro de felicidade. Uma crise, causada pelos seus próprios dirigentes, se abate sobre essa metrópole e ameaça a ordem estabelecida. Por conta disso, os mesmos dirigentes constroem o “mais avançado artefato da tecnologia humana”: A Bolha – que do céu vigiará tudo e todos, para manter as coisas como sempre foram.
Ficha Técnica
Ficha Técnica
Autor: Anônimo
Brava Companhia Fábio Resende e Ademir de Almeida Atores: Cris Lima, Débora Torres, Henrique Alonso, Joel Carozzi, Luciana Gabriel, Marcio Rodrigues, Rafaela Carneiro e Sérgio Carozzi. Reserva: Maxwell Raimundo Cenários, adereços e Figurinos: Cris Lima, Débora Torres, Joel Carozzi, Marcio Rodrigues, Rafaela Carneiro e Sérgio Carozzi Concepção sonora: Brava Companhia Produção: Kátia Alves Assistente de Produção: Luciana Gabriel e Max Raimundo. Email: bravacompanhia@terra.com
Roberto Rosa Cenografia: Criação coletiva Direção:
Música original, operação e criação da sonoplastia: Robson
Toma coletiva Elenco: Felipe Madureira, Fernando Ávila, Gabriel Mungo, Robson Toma e Tiago Munhoz Técnicos: Luis Paulo Valente e Antônio Sobreira Email: circoteatrorosadosventos@yahoo.com.br Figurinos: Criação
Trupe Olho da Rua (Santos – SP) Terra Papagalli Sinopse: O espetáculo conta a história de um degredado do início do século XVI, tido como o primeiro rei do Brasil: o bacharel de Cananeia. Terra Papagalli estabelece um diálogo crítico com os valores éticos que percorrem nossa pátria-mãe, do seu “descobrimento” aos dias de hoje. Espetáculo:
Espetáculo:
Criação:
Direção e Dramaturgia:
Ficha Técnica Autores: José Roberto Torero e Marcus Aurellius Pimenta Adaptação: Zeca Sampaio e Trupe Olho da Rua Orientação do tema: Zeca Sampaio Direção: Caio Martinez Pacheco Atores: Alan Plocki, Anna Fecker, Caio Martinez Pacheco, João Luiz Pereira, João Paulo Pires, Raquel Rollo e Rogério Ramos Equipe técnica: Maurício Rayel Figurinos: Sergio Guerreiro Assitentes de Figurinos: Ana Maria Silva Guerreiro, Raquel Queiroz e Rose Diniz Adereços: Márcia Alves e Iuri Guerreiro Cenário e sonoplastia: Trupe Olho da Rua Músicas originais: Zeca Sampaio, Alan Plocki, Raquel Rollo, Sergio Argento e Rogério Ramos Preparação vocal: Priscilla Rodrigues Gonçalves (Wendy) e Guilherme Marino Preparação corporal: Míriam Carbonaro Produção: Raquel Rollo e Caio Martinez Pacheco Participação especial: Bujarrona Road (Kombi 96) Email: trupeolhodarua@gmail.com
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Cia. Forrobodó de Teatro e Cultura Popular (São José do Rio Preto – SP) Espetáculo: O pavão mysterioso Sinopse: Baseado no folheto de cordel O romance do pavão misterioso, obra-prima de José Camelo de Melo Resende, a peça narra a saga de Evangelista, um jovem corajoso que se apaixona pela condessa da Grécia, filha de um conde que a mantém aprisionada em um quarto de sobrado. Cruel, o conde permite que sua filha apareça uma única vez ao ano para ser admirada pela população. Sabendo disso, Evangelista se lança na aventura de conquistar a condessa; nesse meio tempo, encontra um cientista que o ajuda a construir um misterioso invento que o auxiliará em sua aventura. Ficha Técnica
Baseado no folheto de literatura de cordel O romance do pavão misterioso de José Camelo de Melo Resende. Direção: Cia. Forrobodó de Teatro e Cultura Popular Elenco: Aline Alencar e Marcelo de Castro Direção musical: Marcelo de Castro Cenário: Cia. Forrobodó de Teatro e Cultura Popular e Well Andrade Adereços, bonecos e maquiagem: Cia. Forrobodó de Teatro e Cultura Popular Figurinos: Aline Alencar Produção: Cia. Forrobodó de Teatro Fotos: Ruy Barbosa Jr. Email: contato@ciaforrobodo.com.br Texto:
Companhia Mamulengo da Folia (São Paulo – SP) Espetáculo: A festa da Rosinha Boca Mole Sinopse: O Coronel Libório celebra o casamento de sua filha Rosinha Boca Mole com o vaqueiro Benedito em uma grande festa. Eis que o conflito se estabelece: o coisa ruim, o fut, como é chamado o diabo, invade a festa impedindo o casamento e obrigando Rosinha a casar-se com ele. Ficha Técnica
Danilo Cavalcante Agrestino Email: mamulengo_canhotinho@yahoo.com.br Brincante:
Músicos: Trio
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Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo (São Paulo – SP) Espetáculo: O básico do circo Sinopse: Uma trupe circense tem em sua companhia uma nova bailarina, desastrada e trapalhona. Os palhaços fazem de tudo para conquistá-la, enfrentando até mesmo o dono do circo. Entre uma reprise e outra, a trupe apresenta seus números de perna de pau, chicote, malabares e pirofagia e, ao final, a grande questão: quem ficará com a bailarina? Ficha Técnica
Simone Brites Pavanelli e Marcos Pavanelli Marcos Pavanelli Elenco: Anderson Areias, Dany Ivan, Lucas Branco, Marcella Brito, Marcos Pavanelli e Simone Brites Pavanelli Direção musical: Charles Raszl Produção: Simone Brites Pavanelli Email: pavanelli@nucleopavanelli.com.br Texto:
Direção:
Equipe de produção Selma Pavanelli Aurea Karpor, Natalia Siufi, Noemia Scaravelli, Rogério Munhoz e Selma Pavanelli Curadoria: Ednaldo Freire e Romualdo Bacco Site: http://mtrsaopaulo.blogspot.com Coordenação geral: Produtores:
5a Mostra de Teatro de Rua Lino Rojas. Espetáculo Êta vida. Teamu & Companhia – MTP/PE. Foto de Augusto Paiva.
Fim para recomeรงar.
Arte e Resistência na Rua Copatrocínio
Apoio
Apoio institucional
Projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura
Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
Realização
Revista do Movimento de Teatro de Rua de São Paulo (MTR-SP)
ArtE e rEsisTênCia Na ruA Ano III - No 03 - Março de 2012
Foto de Augusto Paiva
Cortejo de Encerramento - Foto de Augusto Paiva