Desde 1917 em defesa do direito autoral. Reconhecida como de Utilidade Pública Federal pelo Decreto nº 4.092 de 4 de agosto de 1920.
Av. Almirante Barroso, 97 / 3º andar – Castelo Cep: 20031-005 – Rio de Janeiro/RJ – Brasil Tels: +(21) 2240.7231 / 2544.6966 Fax: +(21) 2240.7431 www.sbat.com.br
sumário 2
PRÓLOGO
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TEATRO & CIA Teatro e Filosofia Um elo sólido ou experiências distintas, sem conexão? O vínculo em debate Daniel Schenker
CONSELHO DIRETOR
Aderbal Freire-Filho Alcione Araújo Millôr Fernandes Ziraldo Alves Pinto
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Sartre nos palcos brasileiros Daniel Schenker
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Camus, o dramaturgo Alcione Araújo
18 revistadeteatro@sbat.com.br bambinacult@gmail.com Órgão Oficial da SBAT – Sociedade Brasileira de Autores, inscrito na Ulrich’s International Periodicals Directory sob o registro ISSN 0102-7336.
Discutem a vocação do artista e a construção do personagem
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Daniel Schenker
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Três É Editoração e Design Ltda. Bia Gondomar
Dramaturgia on line Iniciativa pioneira transforma internet em palco alternativo para produçoes teatrais
SUPER VISÃO DIREÇÃO EXECUTIVO FINANCEIRA
Melodramático, passional, ambíguo Jô Bilac assume as influências centrais de Nelson Rodrigues, Alfred Hitchcock e Agatha Christie em sua dramaturgia
CONSELHO EDITORIAL
Aderbal Freire-Filho Ana Velloso Regina Zappa Vera Novello
Sérgio Britto & Diogo Vilela
Simone Melamed
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EDIÇÃO
O teatro moder.net e a respiração artificial
Regina Zappa
Uma contribuição ao debate sobre espetáculos de teatro na internet: o ponto de vista histórico e crítico
COLABORADORES
Aderbal Freire-Filho
Daniel Schenker Júlio Calmon Lula Maria Luiza Franco Olga de Mello Renato Aguiar Simone Melamed
34 DIREITO AUTORAL “Democracia dá trabalho” Consulta pública sobre mudanças na Lei do Direito Autoral chega ao fim, mas o debate continua Maria Luiza Franco Busse
PESQUISA ICONOGRÁFICA
Maria Luiza Franco REVISÃO
Maria Helena Pereira PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Mais Programação Visual www.maisprogramacao.com.br
36 ENSAIO A expressão gráfica do teatro no início do século passado 42
CAPA
Arte em três tempos Celebrado por sua presença no palco, o ator e diretor Marcos Caruso fala da sua experiência como autor
Montagem com fotos do banco de imagens © Photl.com – Studio Cl Art
Olga de Mello
CTP E IMPRESSÃO
WalPrint Gráfica e Editora TIRAGEM
5.000
46 OSSOS DO OFÍCIO Alfaiate da imaginação José Macedo Leal confecciona figurinos de teatro e já vestiu até marionetes
FOTOS DE ACER VO CEDIDAS PELA
Olga de Mello
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Recursos obtidos através do Convênio nº 732974/2010, celebrado entre o Ministério da Cultura e a Bambina Ação Cultural Associados Esta edição traz um encarte com a peça Três maneiras de se dançar o tango de Denise Bandeira.
Tesouro sonoro Acervo de fitas com entrevistas na rádio MEC do jornalista Alfredo Souto de Almeida será recuperado e transformado em novo programa Julio Calmon
52 EPÍLOGO
P R Ó L O G O
Estou sentado diante desta mesa
onde tantos autores de teatro se reuniram ao longo de muitos anos. O salão está vazio. Vazio talvez não seja a palavra, pois estou cercado de estantes com muitos livros, a maioria peças de teatro. Ia dizer estou só, mas posso falar de solidão assim, cercado de tantos personagens? Jacques Bonnet, bibliófilo francês (Des bibliothèques pleines de fantômes), diz que na sua biblioteca está rodeado de seres reais e imaginários: imaginários, os autores daqueles livros, de quem se sabe tão pouco; reais, os personagens dos livros, suas vidas expostas e conhecidas. Eu sou o único ser imaginário neste salão, talvez seja o melhor jeito de dizer. Também ao meu redor retratos e bustos. O retrato de Luiz Peixoto, autor de tantas revistas musicais. Do genial Arthur Azevedo. Ao lado, mestre Daniel Rocha. O busto de Ernani Fornari, autor gaúcho de uma das primeiras peças que li. E, dominando o salão, o busto de Chiquinha Gonzaga, que sonhou este lugar para que dramaturgos, poetas, escritores, compositores se encontrassem. E que sonhou as gerações que ocuparam esta casa. Talvez ela esteja sonhando agora um autor e diretor de teatro sozinho neste salão, e que agora pensa nela, como em um jogo de espelhos. Na fantasia de Borges, eu existo apenas em um sonho de Chiquinha Gonzaga. Levanto, me afasto da grande mesa de reuniões, dirijo-me a uma estante e tiro dela um volume encadernado de capa verde, gasta pelo tempo. É o primeiro volume da coleção completa da Revista de Teatro, parte desse sonho cheio de labirintos. Olho o ano, impresso no primeiro número: 1922. Volto para a mesa e agora são as minhas lembranças que chegam, perdão. A Fênix Caixeiral, em Fortaleza, um prédio lindo, esquina de 24 de Maio com a Praça José de Alencar, vizinho da casa do meu bisavô, Thomaz Pompeu. Era um clube fundado por empregados do comércio no século XIX e que anos depois passou a abrigar também a Associação Comercial, ou seja, patrões e empregados convivendo na mesma casa, bonita demais para um lado só do conflito. Uma manchete do jornal O Estado, de Fortaleza, cuja redação ficava na mesma praça (como o Theatro José de Alencar também era ali, falo da geografia onde reúno o maior número de lembranças por metro quadrado). A manchete saiu quando morreu o Papa João Paulo I, depois de poucos meses de pontificado. Ainda estava no ar a memória recentíssima da sua eleição, o noticiário sobre as chacrinhas dos cardeais no Vaticano, a fumaça do habemus papam. E a manchete, em letras enormes, na primeira página do Estado: “O Papa morreu de novo”.
Oduvaldo Vianna Filho, Vianinha
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Tudo isso, por um lado, para falar da gloriosa fênix que renasce das cinzas, que nunca posso citar sem vir junto o aposto que desmonta o mito, tira a majestade, enfim, não me leva a sério. Essa palavra linda, caixeiral, de caixeiro, o empregado do comércio do tempo em que o mercado não era deus e o diabo. E, por outro lado, para falar de um sumo que não é o pontífice, um extrato substancioso de matérias teatrais, o olhar da Sociedade de Autores sobre o mundo em torno da dramaturgia. Lá vai: a Revista da Sbat, qual fênix (caixeiral), nasceu de novo.
Pelo menos não disse morreu de novo, e bem que podia: 2008, a revista recém-lançada, cheia de expectativas, três números e morreu de novo. Ainda bem que agora ela renasce (fênix caixeiral), garantida por um convênio que reconhece sua importância. Olho para o Molière, para o Vianinha, ao meu lado nesse salão (vazio?), e eles me dizem: sem culpa, ria sem culpa das coisas sérias. O Vianinha até põe a mão na boca enquanto sorri e alguém tira uma foto bem nesse momento. Conto mais uma vez: em 2004, renunciou a última diretoria eleita da SBAT. Uma assembleia geral deliberou criar um Conselho Diretor, para que a Sociedade pudesse continuar aberta. Desde aí, esse Conselho, integrado por Millôr Fernandes, Ziraldo, Alcione Araújo e o que agora é sonhado neste salão, todos sem qualquer remuneração, juntos com os funcionários, mantém a Sociedade viva. Sempre achamos que a recuperação da Sociedade de Autores tinha que partir do fortalecimento do centro cultural que ela sempre foi. Uma academia de autores de teatro, dirigida por artistas: João do Rio, o primeiro presidente, Villa-Lobos, Joracy Camargo, Magalhães Jr., Guilherme Figueiredo, muitos. Com o (re)renascimento da revista, começa a tomar corpo outra vez o centro cultural, que vai aos poucos recolocar a SBAT no seu merecido lugar. E para (re)recomeçar, nada melhor do que as bênçãos dos irmãos Sócrates e Sófocles, filhos da extraordinária mãe Grécia. A tragédia e a filosofia criam uma argamassa que sustenta até hoje o grande edifício teatral. Teatro e pensamento: a força de um centauro. “Ciência, arte e filosofia crescem agora tão juntas dentro de mim, que parirei centauros”, escreve Nietzsche numa carta a seu amigo Rohde. No espaço restrito de uma revista ambiciosa, ouvimos filósofos e artistas de teatro que falam dessa relação hoje e mais especialmente no Brasil. E mestre Alcione Araújo escreve sobre Camus. Animados por essa matéria (de capa) fundadora, anunciamos outras relações para os próximos números. Teatro e história. E psicanálise. E cinema. Teatro e... por que não os irmãos Sócrates e Raí? ... futebol. Teatro & Cia. E muito mais neste re-primeiro número. Uma introdução ao debate sobre a nova lei do direito autoral. A primeira de uma série de entrevistas com novos dramaturgos. Também o grande Caruso, o Marcos, conversa conosco. Enquanto assistimos à conversa entre dois atores que se admiram, duas gerações do teatro brasileiro representadas por artistas maiores, que mostram a vitalidade desse teatro. Outro dia, o Macedo entrou no ensaio do espetáculo que estou fazendo agora e não o reconheci, ou melhor, eu me disse, é o Macedo? tão jovem? há tantos anos? Conheça-o. E mais, e mais. Vou terminar como comecei, lembrando. Uma noite, anos 70, Teatro Senac. Estou no camarim e recebo um senhor bem vestido, um cavalheiro. Trazia um gravador e começou a me fazer perguntas. Eu estava começando no ramo, mas ele já queria me ouvir para seu programa no rádio. Um orgulho falar para Alfredo Souto de Almeida. Pois agora ligamos o rádio, outra vez, e sintonizamos em suas boas entrevistas. Ouça. A revista da SBAT está (re)começando agora. Abra o peito, abra a cabeça, abra a revista da Sociedade Brasileira de Autores de Teatro.
Aderbal Freire-Filho
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Teatro e Filosofia são campos indissociavelmente ligados ou a conexão surge de propostas específicas? Não cabe buscar um consenso. As respostas fornecidas decorrem da formação de cada artista ou teórico, da natureza de sua adesão a uma ou outra área de atuação. Ainda que de maneira algo reducionista, talvez seja possível perceber que os diretores de teatro tendem a destacar, de maneira mais apaixonada, um elo sólido entre teatro e Filosofia, enquanto os profissionais vinculados à academia problematizam esse vínculo, sem, porém, anular sua existência.
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Diretor da encenação de O banquete, adaptação do texto de Platão, José Celso Martinez Corrêa celebra a interpenetração entre teatro e Filosofia. “Estão totalmente ligados. Acho difícil um grande ator não ser um filósofo. Cacilda Becker era uma filósofa. Soube refletir no sentido mais profundo sobre o que estava fazendo”, afirma Zé Celso, referindo-se à emblemática atriz sobre a qual escreveu quatro textos, dois deles já encenados, Cacilda! e Estrela brazyleira a vagar. Os outros dois com previsão de chegar ao palco em 2011. Para o diretor, a Filosofia parece ligada ao autoconhecimento. “Entendo Filosofia como reflexão a partir da percepção, como algo que vai quase além da consciência, que está mais próximo do fenômeno, do ir além do nome. É atingir o não dito na palavra. Nietzche e Oswald de Andrade foram os dois maiores filósofos da minha vida”, acrescenta o diretor da elogiada montagem de O rei da vela, em 1967, marco da redescoberta de Oswald, símbolo da herança tardia para o teatro da Semana de Arte Moderna, de 1922. Zé Celso não investe mais
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no contraste maniqueísta entre o intuitivo e o saber. “Antigamente, eu tinha preconceito com a sabedoria. Hoje, quero radicalizá-la no trabalho com os atores, assim como a esperteza e a inteligência”, assume. Há registros de parcerias bemsucedidas entre diretores e filósofos, a exemplo da dupla formada por Hamilton Vaz Pereira e Roberto Machado, desde os áureos tempos do Asdrúbal Trouxe o Trombone. “Conheci Hamilton em 1977, na época de Trate-me leão, em São Paulo, na casa de Ruth Escobar. Regina Casé disse que nos tornaríamos grandes amigos. Era uma época em que a teoria estava por baixo. Havia desprezo pelo livro
Cacilda Becker em Esperando Godot
e pela palavra. Tornei-me uma espécie de consciência crítica do Hamilton”, lembra Machado, notório professor de Filosofia. Ambos decidiram organizar leituras a partir de Assim falou Zaratustra, de Nietzche. “Descobrimos que havia todas as indicações para a cena. Nietzche já era um filósofo que ultrapassava os muros da universidade”, acrescenta Machado, que exerceu influência determinante no teatro desenvolvido por Hamilton. “Roberto estava estudando seriamente Zaratustra e eu me interessei. Ele me falava sobre livros e pensadores. Eu tinha a sensação de sempre ter concordado com tudo aquilo”, conta Hamilton, que enveredou, ao longo do tempo, por
encenações de A Odisseia e Ilíada (em A ira de Aquiles), de Homero. A adesão à teoria não era imediata na fase final da ditadura militar. “Minha juventude era contra a escola. A coisa mudou com a geração pós-Asdrúbal. O teatro começou a ficar ‘inteligente’. Diretores passaram a buscar textos europeus, os grandes romances ocidentais”, compara Hamilton, que, contudo, deu continuidade à relação criativa com Roberto Machado, que desembocou no surgimento de espetáculos como Ela odeia mel. “Devido ao conhecimento adquirido com Roberto, Ela odeia mel foi, possivelmente, meu espetáculo mais verborrágico. Participei de uma mesa em São
“Para Platão e Aristóteles, o teatro [...] tinha grande importância na sociedade. Até porque nasceu como descendente da poesia, sem nenhuma relação com o entretenimento” Luísa Buarque, Professora de Filosofia da PUC e do CEAT FOTOS: GUTO MUNIZ
O banquete (à esq. e abaixo), adaptação do texto de Platão, foi dirigido por Zé Celso
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“Nos anos 1970, quando comecei a fazer teatro, diziam que era para fazer teatro da não palavra. A onda era a expressão corporal. O Asdrúbal Trouxe o Trombone acatou, mas nunca demonstrou desdém pela palavra” Hamilton Vaz Pereira, diretor
Paulo com outros diretores mais jovens. Fui apresentado como o defensor da palavra no teatro. Nos anos 1970, quando comecei a fazer teatro, diziam que era para fazer teatro da não palavra. A onda era a expressão corporal. O Asdrúbal Trouxe o Trombone acatou, mas nunca demonstrou desdém pela palavra”, salienta. Independentemente da amizade artística perpetuada com Hamilton, Roberto Machado aposta na intersecção entre teatro e Filosofia. “É uma associação que sempre existiu. A reflexão sobre o teatro é uma constante em toda a história da Filosofia. Desde Platão e Aristóteles até Derrida e Deleuze”, ressalta, valendo chamar
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Hamilton Vaz Pereira: leituras a partir de Nietzche
atenção para o interesse por teatro sinalizado por filósofos como Gerd Bornheim e José Américo da Motta Pessanha. Especialista em proferir verdades profundas com o máximo de informalidade, Domingos Oliveira concebeu o formato dos cabarés filosóficos. “O formato do cabaré é o mais importante que criei. Meu cabaré não tem nada da ironia e do pessimismo do alemão. Está, isso sim, ligado à percepção de que a vida é feita de terror e glória. Nós oscilamos entre esses extremos. O meu cabaré fala da glória, não do terror. Traz uma música que você conhece bem, já esqueceu e tem muita vontade de ouvir de novo. Nunca fiz um
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cabaré em que as pessoas não saíssem com vontade de dançar e viver. A Filosofia desespera; a música diverte. Desse contraste sai o cabaré, que tem na alegria a única saída”, discorre. O desespero a que Domingos se refere está, de alguma maneira, ligado à impotência diante da morte. “É o trágico da condição humana, o que é inegociável, enlouquecedor. Na verdade, o único tema que existe. Mas há diversas variações em torno dele – e algumas, belíssimas. A natureza nos deu um desejo muito forte e não podemos satisfazê-lo. Queremos voar, mas não temos asas; andar no fundo do mar, mas não temos fôlego. Portamos amor dentro de
FOTOS: RENATO DE AGUIAR
Roberto Machado: influência determinante no teatro de Hamilton
nós, mas não possuímos meios suficientes para expressá-lo, a não ser uma pequena parcela”, afirma Domingos Oliveira, que não acredita na possibilidade de confronto com o real. “A essência da normalidade é a fuga da realidade. Quem enfrenta a condição humana é louco. A questão é escolher em que grau de fantasia você quer viver. Nós, do teatro, escolhemos o máximo grau de fantasia – que é o próprio teatro”, acrescenta. Domingos Oliveira não encara a Filosofia como um campo teórico árduo. “Filosofia e arte são palavras que remetem erroneamente a hermetismo. Filosofia não é vaga e nem abstrata. Não tem nada mais divertido que o pensar. E a Filoso-
fia é delírio do pensar. Tem muito a ver com teatro. Todo teatro é filosófico, ainda que tentem que ele não seja. Sonho, inclusive, com uma escola em que o aluno só comece a se aproximar do teatro depois de um bom curso de Filosofia”, observa Domingos, que sinaliza a importância de certa cautela. “O teatro tem as suas leis, a sua existência autônoma. É talvez a maior das artes junto com a música. Não permite ser usado. O teatro propõe com segurança uma definição do homem”. No teatro de Domingos, a palavra impera. “Existe teatro sem palavra. A comunicação não verbal é um campo vasto. Mas não tem a virulência da palavra, do verbal”,
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“É uma associação que sempre existiu. A reflexão sobre o teatro é uma constante em toda a história da Filosofia. Desde Platão e Aristóteles até Derrida e Deleuze” Roberto Machado, filósofo
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opina. A adesão à palavra não o torna um adepto das obras prolixas, que exaltam conceitos de maneira austera. “Em geral, os dramaturgos mais ligados à teoria não são os melhores. Shakespeare não se debruçava sobre a Filosofia, e sim sobre a vida, e, assim, se tornava absolutamente filosófico. Woody Allen, também”, cita. Ator do cabaré de Domingos, o escritor Luiz Carlos Maciel lembra que se aproximou do teatro a partir da Filosofia. “Estudava Filosofia em Porto Alegre e me interessei
ARMANDO GONÇALVES
As moscas, de Jean-Paul Sartre, no Teatro Glauce Rocha
pelo existencialismo. Mergulhei nas obras de Jean-Paul Sartre e Albert Camus, que procuraram comunicar suas ideias e atingir um público não especializado”, sublinha Maciel, que traduziu O diabo e o bom Deus, de Sartre. Graças a Domingos, ele retornou aos palcos depois de cerca de 40 anos. Como Domingos, Maciel defende o elo entre teatro e Filosofia. E também traz à tona a figura de Shakespeare como símbolo maior. “Shakespeare fala da condição humana sob perspectiva filosófica”, atesta.
Autora de artigos e estudos (Poetas e filósofos segundo Aristóteles e Narração e drama em Aristóteles, publicados na revista Arte e Filosofia), a professora de Filosofia Luísa Buarque traz à tona a aproximação entre teatro e Filosofia grega. “Não havia uma separação tão nítida entre as disciplinas. Para Platão e Aristóteles, o teatro, enquanto discurso poético, tinha grande importância na sociedade. Até porque o teatro nasceu como descendente da poesia, sem nenhuma relação com o entretenimento”, frisa Luísa, esclarecendo que sua afirmação está ligada “ao âmbito grego”. Mas a conexão entre os dois campos não fica, segundo ela, restrita à perspectiva
histórica. “Nas artes plásticas, por exemplo, a questão conceitual é fundamental. Possivelmente no teatro também”, aposta Luísa, evocando também a discussão da quebra das fronteiras entre as manifestações artísticas na atualidade. Em que medida determinar características específicas para cada arte é uma ação reducionista? “O momento atual é de diluição. Que direito temos, ainda hoje, de querer marcar fronteiras de maneira tão rígida?”, questiona. Pedro Sussekind investiu na pesquisa sobre os dramaturgos diretamente vinculados à reflexão teórica, conciliação especialmente presente entre os autores do Romantismo alemão, como Schiller.
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Fausto, de Goethe: montagem de 1983
“Ele é um caso raro. Projeta-se como clássico da dramaturgia alemã e filósofo de arte com relevância no desenvolvimento da teoria. Sua atividade como filósofo decorre de preocupações artísticas. Em dado momento, deixa de escrever Filosofia e volta ao teatro com o intuito de pôr em prática o que pensou. Conhecia a Poética, de Aristóteles, via Lessing, importante filósofo e crítico de arte iluminista que dá partida à linhagem alemã”, explica Sussekind. Escritor, professor e doutor em Filosofia, autor de Shakespeare – O gênio original e responsável pela tradução de Ensaio sobre o trágico, de Peter Szondi, e O teatro pós-dramático, de Hans-Thies Lehmann, Pedro Sussekind traz à tona as contribuições de um movimento como o Romantismo, que, apesar de ter surgido visando à afirmação da identidade nacional (característica que manteve), internacionalizou-se pelo mundo, passando da Alemanha para a França e a Inglaterra e desembarcando tardiamente no Brasil. O pré-Romantismo na Alemanha, denominado Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), louvava a figura do gênio criativo (simbolizada por Shakespeare) e marcava oposição ao cartesianismo do Classicismo Francês de Racine e Corneille. Goethe representa um caso peculiar: afirmou-se no Romantismo para depois retomar características do Classicismo, a exemplo do que pode ser verificado em seu monumental Fausto. “O Romantismo inaugura a fase em que as fronteiras entre reflexão (Filosofia) e prática artística se tornam tênues. Está ligado à crise das formas e dos gêneros tradicionais: o que é
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“Ao se depararem uma com a outra, a Tragédia e a Filosofia se colocam diante do inefável” Fabiano de Lemos Britto, doutor em Filosofia e professor do Departamento de Educação da PUC
O programa de Artaud, com Rubens Corrêa, dirigido por Ivan Albuquerque no Teatro Ipanema
Antonin Artaud, em foto de Man Ray. Paris, 1926
tragédia?, o que é comédia?, o que é drama? Exige uma redefinição”, assinala. Doutor em Filosofia pela UFRJ, José Luiz Rinaldi não se restringe pura e simplesmente ao teatro e abre a discussão para o campo da arte na abordagem da possível relação com a Filosofia. “Arte e Filosofia não são estranhas uma da outra. Ao contrário, possuem um vínculo essencial, o que se verifica pelo incontável número de pensadores que tomaram objetos da arte ou a própria arte como circunstância, a mais adequada, para pensar o homem, o mundo e a dinâmica da realidade. Essa natural vinculação, no entanto, não está em oferta. Não é algo constatado
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ou, como parece comum pretender-se, pronto para o uso. O que aí se dá precisa ser conquistado. E conquistado à custa de um paciente cuidado”, explica. Há um movimento de mão dupla que deve ser feito para que o vínculo aconteça. “Cabe à Filosofia se perguntar se a estética é, de fato, capaz de elucidar o todo da dinâmica da obra de arte. E, especificamente quanto ao teatro, alcançou-se um horizonte que permite um pensamento essencial desse fazer e de toda a conjuntura que está envolvida no evento, cena e plateia, numa reunião que sempre ultrapassa os elementos em jogo e seu tempo. Pelo lado da arte, ao menos para
FOTOS: ACERVO FUNARTE
Esperando Godot, de Samuel Beckett: montagem de 1955 da Escola de Arte Dramática de São Paulo
os que com ela convivem, é notória a busca e a aproximação que visam à compreensão de seu fazer e à orientação adequada. Mas surge um movimento contrário, uma espécie de recusa ao pensamento. Tal recusa, no entanto, é tão nefasta como a prática comum de buscar na Filosofia explicações, justificativas e receitas
que respaldem os processos e projetos”, destaca. Charles Feitosa, professor da UniRio e doutor em Filosofia, também chama atenção para o perigo da conexão apressada entre teatro e Filosofia com o intuito de embasar, de maneira algo artificial, determinadas argumentações. “Há uma tentativa de usar a
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Programa da peça Esperando Godot, dirigida por Zé Celso em 2001
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GUGA MELGAR
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Filosofia para instrumentalizar trabalhos em artes cênicas. É usada para dar densidade, mas sem um mergulho efetivo. E na Filosofia vejo o uso da obra de arte como afirmação dos conceitos. Mas o contato entre os dois campos é enriquecedor”, garante. Fabiano de Lemos Britto, doutor em Filosofia e professor do Departamento de Educação da PUC, localiza a conexão entre teatro e Filosofia num ponto específico. “Falar de uma relação essencial entre os dois campos é um pouco problemático. Ambos se veem diante da manifestação do não dito. Aí está a semelhança. Ao se depararem uma com a outra, a tragédia e a Filosofia se colocam diante do
Sérgio Britto em A Última Gravação de Krapp e Ato Sem Palavra I, de Beckett
inefável”, afirma Britto, que aproxima o inefável da contribuição de Artaud. “Para Artaud, o inefável é sanguíneo. Nele, o impossível assume um corpo. Ao apresentar o impossível, força o teatro na direção do seu próprio limite. Vejo em Artaud um movimento crítico próximo ao que Adorno fez em relação à Filosofia – uma crítica que não fornece solução. A busca de Artaud por lucidez representa o acompanhamento da destruição das formas de maneira geral”, conclui. Artaud serve de objeto para Ulysses Pinheiro, professor do I F C S - U F R J , re s p o n s á v e l p e l a pesquisa intitulada Hermenêutica e suicídio: Artaud ou Beckett. “Pensei em fazer uma breve comparação entre Beckett e Artaud, com foco no modo como ambos tratavam a questão do suicídio. Artaud diz que foi suicidado. Para as personagens de Beckett, o suicídio não é uma questão central”, explica. O ensaio de Adorno volta a adquirir influência: “Adorno diz que as obras de Beckett não podem ser entendidas como descrição da ausência de sentido do mundo. E não devemos fazer da ausência de sentido um novo sentido porque isso seria contraditório”, acrescenta. Para Pinheiro, a discussão sobre o eventual parentesco entre teatro e Filosofia é um terreno vasto, distante de respostas prontas. “A relação entre Filosofia e teatro é menos de reflexão (no sentido de descobrir regras, padrões, normalizar o campo artístico, como algumas vezes a estética clássica pretendeu fazer) e mais de ressonância, no que se refere a pensar o mesmo, mas com meios diferentes”, aposta.
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“A relação entre Filosofia e teatro é menos de reflexão e mais de ressonância, no que se refere a pensar o mesmo, mas com meios diferentes” Ulysses Pinheiro, professor do IFCS-UFRJ
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Sartre nos palcos brasileiros Daniel Schenker
Porta-voz do existencialismo, Jean-Paul Sartre considerava que o homem estava essencialmente comprometido com a própria vida. É óbvio que tudo o que aconteceu na sua trajetória contribuiu para a consolidação de sua visão de mundo, marcada pela independência. Nascido em Paris, em 1905, Sartre não usufruiu do contato com o pai, que morreu apenas dois anos depois. Na adolescência, ingressou no curso de filosofia da Escola Normal Superior, onde conheceu Simone de Beauvoir. Estudou fenomenologia e deu partida à sua obra literária com A Náusea. Foi levado para um campo de concentração e, quando conseguiu se libertar, filiou-se à Resistência. Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, encenou sua primeira peça teatral, As Moscas, seguida de Entre Quatro Paredes, e, no imediato pós-guerra, A Prostituta Respeitosa e Mortos sem Sepultura. O teatro brasileiro não esqueceu Jean-Paul Sartre, mesmo que seus textos não desembarquem nos palcos com tanta frequência. A primeira montagem de uma peça de Sartre no Brasil foi a do Teatro Popular de Arte (TPA) para A Prostituta Respeitosa, em 1948, ano da fundação da companhia capitaneada por Sandro Pollonio e Maria Della Costa. A direção ficou a cargo de Itália Fausta. No elenco original despontava o nome de Olga Navarro. Na peça, ambientada numa cidade do sul dos Estados Unidos, um negro refugia-se na casa da personagem-título. Motivo: está sendo perseguido sob a acusação de ter abusado de uma mulher branca. O que aconteceu, porém, foi uma briga que resultou na morte de um rapaz negro, assassinado pelo filho de um senador. A Prostituta Respeitosa deverá, inclusive, voltar aos palcos nos próximos meses, em montagem assinada por Silvio Guindane. O Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) seguiu prestigiando Sartre e, em 1950, apresentou a célebre Entre
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Quatro Paredes, centrada no relacionamento entre Inês (interpretada por Cacilda Becker), Estela (Nydia Lycia) e Garcin (Sergio Cardoso), personagens já falecidos que encontram em cada um dos parceiros de infortúnio seu próprio inferno. Sob a condução de Adolfo Celi, o espetáculo (encenado em conjunto com Um Pedido de Casamento, de Anton Tchekhov) suscitou polêmica. A Cúria Metropolitana de São Paulo e o Partido Comunista Brasileiro marcaram oposição. E a companhia de Franco Zampari retornou, em 1954, a Sartre na versão de Flamínio Bollini Serri para Mortos sem Sepultura, peça que narra a história de um grupo de partidários que, durante a Segunda Guerra Mundial, atacou um vilarejo francês, matou pessoas consideradas inocentes e foi preso pela milícia. No elenco, nomes como Cleyde Yáconis e Paulo Autran. O texto voltaria a ser evocado, em 1977, por Fernando Peixoto, antigo integrante do Grupo Oficina. A companhia de José Celso Martinez Corrêa havia montado, em 1960, com direção de Augusto Boal, A Engrenagem, peça focada na figura de Jean Aguerra, antigo revolucionário que se transformou num ditador. Foi no início dos anos 60 que Sartre e Simone vieram ao Brasil. Inspirado pela lembrança da chegada de figuras tão célebres a Araraquara, Mauro Rasi, que cresceu em outra cidade do interior de São Paulo, Bauru, escreveu, muito tempo depois, A Cerimônia do Adeus, a mais notável de suas peças autobiográficas, apresentada em meio ao refinado repertório do Teatro dos 4. Nesta, especificamente, contrastou a passional relação cotidiana com a mãe com o convívio apaixonado entre Sartre e Simone, personagens de sua imaginação que surgiram materializados nas interpretações de Nathalia Timberg e Sergio Britto.
Camus , o dramaturgo Alcione Araújo
Albert Camus (1913-1960) nasceu em Argel, então colônia francesa, filho de um operário de vinha e mãe analfabeta. Mais tarde vai ao Liceu. Frequenta o teatro e adquire o costume de ler peças. Sonha em ser ator, diretor e autor. Inteligência iluminada de apaixonada vocação literária, percebeu no jornalismo seu único caminho na província. Fez seu tudo o que havia a aprender. Obtém a licenciatura, e candidata-se à agrégation. Vai para Paris. Medo tinha – estávamos na segunda guerra mundial! – mas tinha coragem de ir com medo. Sem ter alisado bancos universitários, na então capital cultural do mundo, em pleno século dos intelectuais, transitou do jornalismo à militância política, do romance ao ensaio literário, da revista cultural à resistência francesa, do ensaio filosófico ao apoio aos republicanos da guerra civil espanhola. Em pouco tempo, circula pelo demi-monde intelectual. Sua amizade com Sartre e Simone é profunda e verdadeira – o que inclui rigorosa sinceridade na avaliação do trabalho de um pelo outro, críticas ardorosas sobre as posições políticas e filosóficas numa França ocupada pelos nazistas, dilacerada por comunistas e opositores, e humilhada pelo colaboracionismo, por Petain e Vichy. Se não bastasse, a guerra da Argélia e, mais tarde, na Indochina. E como se comportar quem não acredita em Deus nem na razão? A saída está na arte e no humanismo obstinado. Em 43, Sartre publica A Náusea, elogiado por Camus, que, por sua vez, publica O Estrangeiro, que entusiasma Sartre. Além da amizade cresce mútua admiração. Tornamse os mentores da geração pós-guerra. Isso talvez tenha criado uma confusão que incomodava Camus: arrolavam-no entre os existencialistas, o que ele negou sempre: “Não sou filósofo. Muito menos existencialista.”
Como romancista e ensaísta, Camus tem seu talento consagrado e esforço reconhecido. Obras como O Estrangeiro – o livro mais vendido da Editora Gallimard desde que ela foi criada –, A Peste, O Homem Revoltado, A Queda, O Último Homem, obtiveram tal repercussão que obscureceram seu trabalho em teatro – talvez sua maior e verdadeira paixão. Além de escrever peças e fazer adaptações, dirige – conhece bem as teorias de encenação – e, algumas vezes, representa. Encenou peças de Eugene O’Neill, Bem Jonson, Tolstoi, Pirandelo, Strindberg, Kleist. Entre outras adaptações, Os Possessos, de Dostoievski. Seu amigo Jean-Louis Barrault tentou montar O Castelo, de Kafka, adaptado por Camus. Suas peças mais conhecidas são Calígula, uma profunda discussão do poder e da sanidade, e Os Justos, que discute a legitimidade do terrorismo como arma dos fracos e oprimidos. Estado de Sítio, dupla metáfora da ocupação alemã e da guerra civil espanhola, dá a ideia do quanto eram avançadas para a época, as suas concepções cênicas – foge do realismo, abre o horizonte cênico e dá toda liberdade ao diretor.
Este texto foi escrito para a orelha da edição de A Peste, cuja tradução foi feita por Alcione Araújo, com o professor de filosofia Pedro Hussak, para a editora Record.
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Melodramático,
passional,
ambíguo Daniel Schenker
Jô Bilac assume as influências centrais de Nelson Rodrigues, Alfred Hitchcock e Agatha Christie em sua dramaturgia
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Brício, Camilo Pellegrini, Rodrigo de Roure, Julia Spadaccini, Rodrigo Nogueira, Renata Mizrahi, Felipe Barenco e tantos outros. Jô Bilac veio na esteira. Mas não demorou a afirmar identidade própria. “Eu me percebo próximo de outros dramaturgos da minha geração pela realidade social, cultural, política, pelos anseios e pelas impossibilidades. Percebemos de perto a cruz e a delícia para colocar um texto em cena. E justamente esse reconhecimento, o de que estamos todos no mesmo barco, faz com
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“O autor! O autor!”. A reivindicação nem sempre diz respeito a uma saudação do dramaturgo, figura, vez por outra, desconsiderada como parte integrante do processo teatral. Durante a década de 1990, muitos colocavam um ponto de interrogação: por onde andam os autores brasileiros? Diante do evidente hiato, Roberto Alvim liderou, no Rio de Janeiro, um movimento com o intuito de estimular o surgimento de novos dramaturgos. A partir daí, vários começaram a despontar: Daniela Pereira de Carvalho, Pedro
que nos identifiquemos como uma classe, uma geração de escritores num país onde as prioridades são outras. Por isso nos admiramos, defendemos, divulgamos, incentivamos, ganhamos voz. Já a distância vem da particularidade, da identidade de cada um, das próprias escolhas como artistas”, constata Jô Bilac, nome artístico de Giovanni Ramalho Bilac. Como alguns autores na virada do século, Bilac apareceu escrevendo para um grupo – no caso, a Cia. Teatro Independente, dirigida por Vinicius Arneiro. Para a companhia, concebeu os bem-sucedidos textos de Cachorro! e Rebu. Para o Grupo Físico de Teatro, apresentou Savana glacial, peça que acaba de lhe render uma indicação ao Prêmio Shell. “Quando escrevo para um grupo lido com a intervenção direta dos artistas durante a criação do texto. Os personagens surgem a partir das circunstâncias
ácido, o trágico, o patético, o absurdo. São características presentes na minha escrita. Talvez a carga melodramática seja a mais impactante ou reconhecível por misturar humor e tragédia. Percebo o melodrama como um espelho do público. O gênero mantém-se atual justamente por seu apelo popular e direto, mesmo que exagerado ou deformado. Nós nos identificamos de imediato nessa confusão de emoções. A vida é assim”, afirma Jô Bilac, que assinou recentemente O matador de santas, peça que chegou aos palcos pelas mãos de Guilherme Leme, com elenco capitaneado por Ângela Vieira e Tonico Pereira.
PAULA KOSSATZ
da companhia em questão. A equipe colabora, mas o trabalho sozinho é fundamental. Há um determinado momento em que não gosto de interferências. Mas no instante em que vai para cena, o texto é inevitavelmente redimensionado”, observa Bilac. Vale citar outros casos de dramaturgos vinculados a uma companhia, como o de Daniela Pereira de Carvalho, que, durante alguns anos, escreveu para Os Dezequilibrados. As peças de Jô Bilac podem ser conectadas em alguns pontos, como o vínculo com uma atmosfera melodramática e a inclusão de um personagem que desestabiliza o cotidiano de um casal. “O melodrama surge naturalmente, assim como outros elementos: o mórbido, o humor
Rebu, com Paulo Verlings, Julia Marini, Diogo Becker e Carolina Pismel, foi escrita para a Cia. Teatro Independente
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Indicada ao Prêmio Shell, Savana glacial tem Camila Gama e Renato Livera no elenco
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leitura, que mantinha uma biblioteca em casa. Sempre gostei de ler e escrever. Ainda criança redigia pequenos romances, com muitos desenhos. Gostava de imaginar, recriar realidades. Na escrita, eu percebi, desde cedo, que poderia fazer do meu jeito”, relembra. O primeiro contato de Bilac, portanto, se deu com a literatura. Mas quando se deparou, aos 18 anos, com Quem tem medo de Virginia Woolf?, peça de Edward Albee, despertou para a escrita teatral. Migrou, então, para a Escola de Teatro Martins Pena, onde se tornou amigo daqueles que viriam a fundar a Cia. Teatro Independente. “Foi onde tive contato com os grandes nomes da dramaturgia mundial e escrevi minhas primeiras cenas, convencendo os meus colegas de classe a montá-las. Comecei a expor meus textos em festivais de teatro, que, além de proporcionarem uma chance de trabalho, propiciam encontros e parcerias. De lá para cá, entrei em contato com cinema, internet, televisão e gibis. E ainda quero escrever musicais, infantis e lançar livros”, assinala Bilac, que acumulou experiência escrevendo para o site www. dramadiario.com Lidar com diferentes mídias talvez não seja tão contrastante quanto pode parecer. “O vínculo maior entre todas é a inquietude, geradora da minha escrita. O primeiro movimento é provocado pela pulga atrás da orelha. O site foi uma experiência enriquecedora. Produzi cenas semanalmente com temas variados, fui levado a articular tempo e criação, a dar vazão à primeira ideia e a desenvolvê-la sem pretexto para uma montagem. Senti-me provocado de muitas formas e isso se reflete na escrita de um texto para um espetáculo”, diz o autor de textos como Sangue na caixa de areia, Bruxarias urbanas, Desesperadas e Limpe todo sangue antes que manche o carpete.
Cachorro! Foi montada com Carolina Pismel e Paulo Verlings
ANDRÉ GARDEMBERG
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A influência de Nelson Rodrigues nas suas peças é evidente. Cachorro!, não por acaso, reedita a estrutura e a musicalidade de textos do autor de Vestido de noiva. “As influências são inúmeras. Vão da minha síndica a Alfred Hitchcock. E não é força de expressão! Mas Nelson Rodrigues, Agatha Christie e Hitchcock são as principais. A vida como ela é foi um dos primeiros espetáculos adultos que vi. Pensei: ‘quero conversar com esse cara agora’. Comecei a ler Agatha Christie aos 12 anos. Minha avó tinha uma coleção com uns 70 livros dela e eu ficava roubando. Daí, quando fiz 15, ela oficializou o presente e me deu toda a coleção. Hitchcock é uma paixão. Reúne o humor cara de pau de Pedro Almodóvar com o sombrio suspense de Roman Polanski. Vi Festim diabólico e fiquei fascinado. Esses artistas me influenciam diretamente e talvez por isso sinta prazer em escrever tramas ambíguas, enredos sórdidos com conflitos apaixonados, reviravoltas novelescas, finais surpreendentes”, afirma. As referências de Jô Bilac estão ligadas provavelmente ao percurso de alguém que passou parte da infância em Madri e desembarcou no Rio de Janeiro aos oito anos. “Talvez o olhar meio estrangeiro tenha me aproximado de forma romântica da língua portuguesa. Foi sorte pertencer a uma família com o hábito da
Angela Vieira, Rafael Sieg e Izabela Bicalho em O matador de santas
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Escrita por William Shakespeare, há muitos séculos, e reproduzida por milhares de Hamlets em diferentes montagens pelo mundo afora, o famoso solilóquio “Ser ou não ser, eis a questão” acaba de ganhar novos contornos por aqui, com o lançamento, em março deste ano, do portal Cennarium, especializado na transmissão de peças de teatro via web. No caso, a questão levantada, de imediato, foi: “é ou não é... teatro?”. Polêmica devidamente instalada na ribalta vieram outras a reboque, como o receio de se perder para a Simone Melamed
internet o já reduzido público teatral. Entre os que desconfiam e os que abraçam a novidade, vale, mais uma vez, relembrar outra célebre frase do príncipe da Dinamarca, quando diz: “Nada em si é bom ou mau; tudo depende daquilo que pensamos”.
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FOTOS: DIVULGAÇÃO CENNARIUM
Cennarium: a ideia não é substituir a experiência no espaço teatral, mas ampliá-la
“A gente sempre tem receio do novo. É uma nova mídia, uma nova ideia, não se sabe ao certo no que vai dar. Porque teatro filmado não é teatro, é outra coisa. Teatro existe ao vivo. Mas não dá para negar que temos um novo meio, e temos que conviver e aproveitar todas as possibilidades do mundo digital”, ressalta o diretor João Fonseca, que acaba de ter três espetáculos gravados pelo portal: Gota d’água, Era no tempo do rei e Velha é a mãe. “A sensação é de ser um pouco cobaia. É um produto diferente e um processo que vai se aprimorando. Mas é muito bom saber que vamos deixar registrados espetáculos que foram tão bons. Porque a ideia é que funcione como um registro e como difusão. Então, a minha esperança é que prolifere mais público para o teatro”.
A atriz Paula Duarte, da peça infantil Avoar, é entrevistada para o Cennarium
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A esperança do diretor ganha respaldo numa das principais propostas do portal, que, com um investimento inicial de R$ 10 milhões, pretende ser um instrumento de fomento e disseminação do teatro brasileiro. “As pessoas perguntam se viemos para acabar com o teatro. Mas como nós vamos acabar com a nossa matéria-prima? Nós só podemos trabalhar a favor! Estamos focados para que o teatro presencial seja cada vez mais forte”, afirma Roberto Lima, diretor do Cennarium. “Se você pegar o futebol, por exemplo, quem está a fim vai ao Maracanã, independentemente de o jogo estar sendo transmitido pela televisão. As sensações que você tem num show da Ivete Sangalo são diferentes das que você tem assistindo ao DVD. É um outro jeito de assistir. O teatro virtual nunca vai ser igual ao presencial, que tem a atmosfera do teatro, a respiração do ator, o silêncio...”, pondera Lima. E já que o objetivo não é substituir a experiência no espaço teatral mas ampliá-la, o portal utiliza os recursos mais modernos para fazer a novidade valer a pena. Para começar, as peças são captadas com até doze câmeras Full HD – alta definição máxima, em bom português – e por microfones de alta potência, como os usados em partidas de futebol.
Daniel Dantas no espetáculo Macbeth, filmado para o portal
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“É a oitava maravilha do mundo! Para quem ama teatro, como eu, é uma grande oportunidade. Fui ver a peça La musica, no teatro, e depois assisti novamente no Cennarium. Tinha uma cena em que o ator chorava, mas estava de costas para o público. Quando assisti ao vivo, achei que ele estava chorando pelo movimento dos ombros. Quando vi no portal, com close, foi fantástico!”, atesta Luiz Antônio Gianesi, engenheiro paulista, de 64 anos, que já é fã de carteirinha do portal. “E para você ver como pode ser formador de público, gostei tanto da interpretação dos atores, que fui procurar alguma coisa deles em cartaz e acabei indo ao teatro assistir à peça As folhas do cedro, só porque o Hélio Cícero era o ator principal. Pela minha vivência de teatro, acho que eles vão fazer um bem para a cultura brasileira, com a criação de um acervo maravilhoso”. “O portal quer ser a memória do teatro brasileiro. E eles me convenceram por causa da memória!”, revela Bianca De Felippes, curadora do Cennarium, produtora artística há mais de 20 anos e uma das integrantes do colegiado que administra a Associação dos Produtores de Teatro do
Izabella Bicalho é produtora e protagonista da montagem de João Fonseca de Gota d´água, musical de Chico Buarque e Paulo Pontes
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Rio de Janeiro (APTR). “Imagine, daqui a 20 anos, a gente poder assistir ao Domingos Oliveira interpretando a própria avó (na peça Do fundo do lago escuro)... Esse projeto é incrível e chegou para ficar por muito tempo. São peças com relevância, numa gama imensa de gêneros, que vale a pena ficarem para sempre”, diz Bianca, ressaltando a prioridade dada a textos nacionais. Ela adiantou que em breve – além de cem produções disponíveis, making of dos espetáculos e notícias do meio artístico – será construída, dentro do portal, a Sala Paulo Autran, com trechos de algumas peças e entrevistas com o grande ator que já se foi. O Cennarium se propõe não só a ser um acervo digital do teatro nacional, como pretende se firmar como o maior projeto de inclusão sociocultural do país. Primeiro, por conta dos preços convidativos, que nunca ultrapassam o valor da metade do ingresso na bilheteria, facilitando o acesso a pessoas que não têm recursos para frequentar salas de teatro. E com um detalhe: como a cobrança não é individual, mas por login, um grupo pode se cotizar para assistir em conjunto, pelo preço de um único
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ingresso. Depois, porque as peças veiculadas no endereço eletrônico podem ser vistas de qualquer canto do Brasil e do mundo. “Em dois meses, foram mais de 200 mil acessos únicos, feitos por pessoas de mais de 500 cidades e 96 países”, conta o diretor do portal. “Essa entrada internacional foi surpreendente, o que nos levou a antecipar a legendagem das peças em inglês, espanhol e francês. Já começamos também a usar o sistema closed caption em algumas peças, para atender ao público com deficiência auditiva. Isso é sinônimo de inclusão cultural”.
Armando Babaioff (Jasão) e Izabella Bicalho (Joana) em Gota d’água
O diretor de corte, Marcos Paulo, no caminhão usado nas gravações
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O ator André Rangel na peça André Rangel é Dom!, também filmada
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Entretenimento à parte, o empreendimento também quer se transformar numa ferramenta educativa. “O estado do Rio de Janeiro, por exemplo, tem duas mil escolas e em 90% das cidades não existe teatro. As crianças não conhecem e nunca assistiram a uma peça. Nós estamos fazendo um projeto com a secretaria estadual, para disponibilizar quatro peças por mês. Assim, os alunos poderão assistir na escola e depois fazerem trabalhos específicos sobre os temas abordados”, vibra a curadora do portal. Gianesi complementa: “Eu não tive condições financeiras para ir ao teatro na minha infância. Recentemente, fui ver O despertar da primavera, que toca em temas fortes do universo jovem, como sexualidade, e a reflexão que o texto propõe é o máximo! Tenho uma amiga, professora de História, que está muito empolgada com a possibilidade de usar as peças para discutir com os alunos. O teatro faz a gente pensar”. Então, como diria Polônio, personagem da mesma tragédia do bardo inglês lá do início: “A todos, teu ouvido; a voz, a poucos; ouve opiniões, mas forma juízo próprio”.
Ao entrar no endereço eletrônico www.cennarium.com, o espectador/internauta pode surfar, gratuitamente, pelas páginas oficiais das peças em exibição no portal, obtendo informações sobre as montagens – sinopse, ficha técnica, histórico dos atores, fotos e agenda de apresentações ao vivo – além de conferir trechos dos espetáculos e entrevistas com atores e diretores. Com o ritmo de quatro gravações por semana, o portal disponibiliza novas peças a cada mês, sendo que elas nunca saem de cartaz. E o cardápio é variado! Entre dramas, comédias, musicais e infantis, já estão disponíveis espetáculos do quilate de O banquete, com direção de José Celso Martinez Corrêa, Um navio no espaço, com Paulo José; Macbeth, com Renata Sorrah e Daniel Dantas sob a batuta de Aderbal Freire-Filho e Ogroleto, dirigido por Karen Acioly e vencedor do Prêmio Zilka Sallaberry de Teatro Infantil deste ano, entre outros. Depois de escolher a produção que se quer assistir, é só preencher um cadastro e efetuar o pagamento relativo à peça selecionada, por meio de cartão de crédito, débito automático ou boleto eletrônico. Em seguida, é fornecida uma senha, válida por 24 horas, que permite assistir à montagem inúmeras vezes durante este período. Para atender a diferentes conexões de internet, os vídeos são disponibilizados em três velocidades, e é recomendado que se aguarde o carregamento total antes de dar início ao espetáculo, que pode ser desfrutado em frente ao monitor ou numa televisão conectada ao computador.
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Segundo pesquisa sobre frequência ao teatro, encomendada pelo Cennarium, numa amostra de 1.267 pessoas em todo o Brasil, das classes A, B e C com mais de 18 anos, a média é de duas vezes por ano, sendo que 58% dos entrevistados disseram não ter acesso ao teatro em suas cidades.
De acordo com a edição 2009 do Anuário de Estatísticas Culturais, produzido pelo MinC e pela Funarte, o Brasil possui 1.229 teatros e salas de espetáculos. Desse total, 44% estão concentrados nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.
Dados do Ibope indicam que 66,3 milhões de pessoas acessam a web no Brasil, seja no trabalho, em casa, na escola ou em lan houses. Em média, cada brasileiro passa 44 horas por mês conectado à rede, mais do que norte-americanos e australianos.
Com as novas possibilidades que as peças digitais trazem, tanto para o público quanto para os artistas, resta saber de que forma os dramaturgos vão navegar nessa onda inédita, sem que suas criações acabem naufragando num mar de pirataria. A advogada Deborah Sztajnberg, especializada em direito autoral, afirma que esta foi uma das primeiras preocupações dos autores, mas ficou acordado com o portal que será usado o mesmo esquema dos sites que vendem música pela internet, com contador de acesso. “A pessoa escolhe a peça, paga e tem direito a assisti-la no computador, mas não poderá fazer download. A cada acesso, o autor recebe um percentual, como acontece em outras plataformas de distribuição online”, explica. Na opinião da advogada, a iniciativa tem tudo para aumentar o ganho dos autores, pois os espetáculos ficarão em cartaz por tempo indeterminado. “O percentual vai diminuir, mas se ganhará em quantidade. O portal já está fazendo convênios com a SBAT e outras entidades. O teatro começa a evoluir com as novas mídias”, conclui Deborah Sztajnberg.
Renato Sorrah em Macbeth
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O teatro moder.net
e a respiração
artificial O teatro na internet não é teatro, mas é uma rima e pode ser uma solução. O teatro, essa arte ao mesmo tempo antiquíssima e supernova, surgida após a explosão da grande estrela dramática que produziu também o cinema, pode assim ser identificada no céu da internet e salva da geleia geral, meu santo Torquato Neto. Tão sensacional quanto a invenção do cinema falado foi a invenção que veio depois, a do teatro. O cinema falado matou o velho teatro que encontrou no caminho: três tiros do John Wayne no peito do ensaiador português que tomava seu drinque no saloon e pronto, acabou-se o velho teatro. Pois esse teatro “inventando-se” já tem história, algumas eras em poucas décadas. Como é impossível um acompanhamento ordenado dessa história, o progresso do teatro emperra na repetição. E um avanço antigo de linguagem é saudado como novo, como se Joyce e Elliot, desconhecidos, estivessem sempre surgindo e muitas vezes em subprodutos. Nada contra a recriação, falo contra o retrocesso. Como diz Lúcio, da seleção brasileira, o passado não é sofá, é trampolim. Imagine um crítico literário que não tivesse a possibilidade de ler os clássicos, nem a literatura produzida fora do seu país, a não ser em excepcionais viagens ao estrangeiro, quando leria os romances “em cartaz” naquele momento. Ou um crítico de música que só pudesse ouvir os músicos da sua vila. Ou um crítico de cinema que só conhecesse Orson Welles e Chaplin pela leitura de ensaios e biografias, e Glauber Rocha pela fama de Deus e o diabo na terra do sol, um filme perdido para sempre. Pois é com esses supostos críticos que se precisa comparar os críticos de teatro. É extraordinário que ainda assim existam bons críticos.
Uma contribuição ao debate sobre espetáculos de teatro na internet: o ponto de vista histórico e crítico Posso falar de um autor novo para deixar mais claro o que quero dizer com o teatro “inventando-se”. Vamos lá. O melhor desses caras da nova dramaturgia é um inglês de brinquinho na orelha, Bill Shakespeare. Às vezes, um espetáculo “atualiza” as peças dele contentando-se em vestir os atores com roupas moderninhas, paletó e gravata, pasta de executivo etc. A invenção do teatro passou por aí nos anos 50 do século passado, mais ou menos. Claro, não estou defendendo uma reprodução rigorosa dos vestidos da época, não se trata disso. Mas o novo em teatro, a arte do homem e da mulher vivos, não está propriamente nos seus vestidos. Pra começar, a vida é o presente ou, como diz Gilberto Gil, com um parênteses meu, o melhor lugar do mundo (o teatro) é aqui e agora. Já vi espetáculo com texto pós-becketiano, cenário pós-expressionista, roupas pós-kiwi e, por outro lado, atores no passado, declamando como no século XIX. E muitas vezes críticos pedem isso, dizem: faltou solenidade para dizer as palavras do poeta. Quando o meu Artaud grita: chega de literatura no teatro!, não fala contra os textos, contra os autores, sejam dramaturgos, poetas ou narradores. Fala contra os mortos-vivos em cena. Então, vamos navegar no grande mar do teatro. O teatro moder.net contra o teatro modernete. Talvez seja a grande saída para a crítica e a história do teatro do futuro. Para a juventude twitterista, ou seja, para os que vão conhecer primeiro o teatro moder.net, é bom lembrar que ele só vale como incentivo ao salto para uma sala mágica de teatro. Senão, vão continuar sem-teatro. E sem movimento.
Aderbal Freire-Filho
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A U T O R A L
“Democracia dá trabalho” Consulta pública sobre mudanças na Lei do Direito Autoral chega ao fim, mas o debate continua Maria Luiza Franco Busse
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m todo o país, diferentes segmentos da produção cultural se reuniram em pequenos ou grandes encontros para saber como mudar a Lei do Direito Autoral no Brasil, número 9.610/98, num movimento capaz de despertar o interesse até dos mais experientes estudiosos da comunicação em países democráticos. Foram três anos de debates e muitos meses de consulta pública na internet, encerrada em 31 de agosto último, promovidos pelo Ministério da Cultura. Foi um processo exaustivo e que ainda não terminou. No centro do debate está a participação ou não do Estado na relação entre direito individual e interesse da coletividade, o que inclui a polêmica “licença não voluntária”. A questão é chamada de supervisão estatal pelos proponentes da revisão, e de intervenção estatal pelos que se opõem a ela. Depois de organizar e tabular as vontades expressas no canal de opinião aberto no site do MinC para receber as propostas da sociedade, os coordenadores encaminharão ao Congresso
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o projeto de revisão da Lei do Direito Autoral. O que provavelmente deve acontecer ainda no começo do primeiro semestre do próximo ano. O MinC recebeu 8 mil 431 respostas à consulta pública, sendo 58% delas destinadas a aperfeiçoar a redação. E durante todo o tempo da ampla discussão, que envolveu muita escuta, troca, esclarecimentos e dúvidas, o assunto chegou às ruas. Os jornais foram tomados por embates nem sempre cordiais. Muitos dos que aprovam a revisão saíram em defesa da ideia por acreditar que a Lei em vigor favorece apenas a indústria cultural. Entidades e pessoas físicas que se sentiram afetadas de forma negativa manifestaram frontalmente seu desagrado com a proposta do MinC de rever a Lei. Foi o caso da Academia Brasileira de Letras. A instituição divulgou o documento enviado em julho ao Ministro da Cultura, Juca Ferreira, em que declara sua rejeição à revisão da Lei 9.610/98, em vigor, e reitera a “posição em defesa do direito do autor sobre sua obra” literária. Assinam a carta o presidente Marcos Vilaça, a
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secretária-geral, Ana Maria Machado, e o primeiro secretário, Domício Proença Filho, afirmando que “a opção de ceder ou não seus direitos de criador deve continuar sendo prerrogativa do autor, detentor exclusivo de suas obras intelectuais”, independentemente de qualquer regulação. O motivo da publicidade preventiva está no artigo 52-B, do Capítulo VII da revisão, que trata da ‘licença não voluntária’. O dispositivo permite ao presidente da República conceder licença de obra literária, científica ou visual, para fins de tradução, reprodução, distribuição, edição e exposição, mediante solicitação de interessado. De acordo com Marcos Souza, diretor de Direitos Intelectuais do MinC e artífice da revisão, o item que gerou muita polêmica tem por objetivo coibir abusos, e passou a ser melhor compreendido depois do caso de uma pesquisadora que não pôde usar a produção de um pintor na sua dissertação de mestrado, porque a família condicionou a autorização à apreciação do conteúdo e ao pagamento de uma quantia. “Isso é cerceamento de liberdade”, observa Marcos Souza.
O medo de se promover o acesso à cultura à custa do autor foi afastado por ele. Segundo o diretor de Direitos Intelectuais do MinC, o sentido da revisão é justamente o de preservar a autoria. Problemas na redação de alguns artigos, como o da palavra “razoável” nos motivos que concedem ao presidente da República o direito de decidir sobre a licença, deverão ser resolvidos com as sugestões retiradas da consulta pública. O presidente da Comissão de Propriedade Intelectual e Direito do Entretenimento da OAB-Barra , Rodrigo Kuster, concorda. O advogado, que também é compositor, diz que a revisão é totalmente favorável ao autor na medida em que assegura a circulação da obra, diferente da lei em vigor que dificulta o acesso aos bens culturais. “A circulação não atenta contra o direito do autor. É interesse do autor que a obra circule, porque isso traz reconhecimento e retorno econômico. A lei 9.610/98 é que não permite que bens culturais circulem”, observa. O advogado Daniel Campello, que cuida dos direitos autorais de artistas
como Beth Carvalho, MVBill e Tim Rescala, aplaude a revisão: “Participo há três anos do processo. A iniciativa é excepcional, porque a lei do Direito Autoral de 98 foi feita por elementos da indústria fonográfica, é uma lei da indústria e que favorece a indústria”. Marcos Souza explica que a iniciativa da revisão se deu pela compreensão de tornar o Estado parceiro da sociedade, assumindo seu papel constitucional de Estado para todos, na função de mediador entre direitos e deveres que equilibram o convívio social. Afirma ainda que nesta etapa do processo não está mais em discussão se a revisão é necessária. O que está em pauta são as contribuições, para que as mudanças possam avançar no sentido de beneficiar o criador da obra, preservando o interesse público. O diretor cita exemplos que, a seu ver, justificam a revisão. Segundo ele, o Brasil quase foi alvo de processo na Organização Internacional do Comércio das Nações Unidas porque o ECAD, como gestor coletivo, não repassava os direitos das produções estrangeiras veiculadas aqui. Só escapou porque o relator deixou o cargo antes de formalizar a acusação. O dramaturgo Aderbal Freire-Filho, que é membro do Conselho Diretor da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, mostra-se favorável ao trabalho de avaliação permanente do Estado nas entidades gestoras de direitos autorais. “Uma sociedade de gestão tão importante quanto a SBAT, a primeira do país, uma das primeiras das Américas, não chegaria ao ponto que chegou”, observa, referindo-se à situação de insolvência que quase acabou com a instituição. O diretor teatral também avalia que os novos desafios do mundo digital indicam ser preciso rever a lei de direito autoral e lembra que a “Alemanha lançou seu projeto de nova lei do direito autoral no mesmo dia que o Brasil”. Aderbal acrescenta: “O que eu posso dizer é que a SBAT apoia o Ministério da Cultura em sua intenção de debater a lei. Se o governo
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convoca todas as partes ao debate, as sociedades de gestão não podem fugir a essa convocação”. Indagado se a iniciativa de rever a lei seria um sinal de dirigismo estatal, Aderbal lembra o que chamou de “esmagador dirigismo da indústria cinematográfica norte-americana sobre as redes de distribuição e, consequentemente, sobre o consumidor”, e responde a questão com outra pergunta: “Dirigismo estatal em uma sociedade democrática? Não vejo como”. No vaivém de diferenças e semelhanças, o debate se mantém aceso e ainda é motivo de confronto e participação. “Democracia dá trabalho, mas é assim que tem que ser”, observa o roqueiro Frejat, criador e parceiro de Cazuza na lendária banda Barão Vermelho, presente a uma das tantas consultas públicas realizadas pelo Ministério da Cultura para discutir a revisão. São muitas as ocorrências na área de produção artística e circulação do conhecimento, por isso é “fundamental que se dê o debate”, diz o advogado e membro licenciado da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Kique Carvalho. “O momento é agora. O projeto não está pronto, está em curso. É preciso que todos os interessados falem, botem a sua voz, manifestem a sua vontade, para que a revisão chegue com representatividade ao Congresso”, salienta Kique. Juntando todas as falas, e arrematando com a do compositor Frejat, dá para aplicar a boa e velha máxima da turma do rock’n’ roll no processo de revisão da Lei do Direito Autoral: aumenta o som que isso é democracia.
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A expressão gráfica do teatro no início do século passado O teatro viveu momentos de ebulição com as companhias, revistas e musicais que tomavam conta dos palcos cariocas, no início do século passado. A Revista da Sbat foi buscar no acervo da Funarte programas de peças encenadas na época para compor esta galeria. Os programas rememoram companhias como a de Manoel Pinto, que, em 1924, se instalou no Teatro Recreio e iniciou um período de grandes espetáculos, de autores e atores próprios. Logo depois, transferiu-se para o Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes, como Companhia de Revistas Margarida Max. Nesta fase, a revista se divide entre quadros cômicos e de crítica política, musicais e fantasia. Manoel Pinto é pai de outro famoso empresário de revistas Walter Pinto, que assumiu os negócios com sua morte, em 1938. Muitos espetáculos produzidos ou dirigidos por Manoel Pinto eram também encenados no Teatro República, que ficava onde é hoje a TV Brasil, no Centro do Rio. O empresário de Jeca Tatu era o célebre Paschoal Segreto, que veio a ser dono do Teatro Carlos Gomes, antigo Teatro Cassino Franco-Brésilien, comprado por Segreto em 1904 e rebatizado de Carlos Gomes. Até ser vendido à Prefeitura, em 1988, e reaberto em 1993, depois de uma grande reforma, os herdeiros de Paschoal ainda recebiam uns trocados no caixa da companhia. Segreto dominou o mercado do entretenimento da época. Foi um dos primeiros a produzir cinema no Brasil e era chamado de “ministro das diversões”. O Teatro Íntimo Nicette Bruno (T.I.N.B.), fundado em 1953 era, na verdade, um grupo de jovens “alternativos”, como se diria hoje, e se apresentava sempre à meia-noite. Também dos anos 1950, o Teatro das Segundas-Feiras tinha o mesmo caráter. Nicette era filha da atriz Eleonor Bruno, grande paixão de Nelson Rodrigues, e liderava o
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grupo, integrado por potenciais grandes estrelas, como Sérgio Cardoso, Paulo Autran e Tonia Carrero. Ruy Affonso, também do grupo, criou o famoso Jograis de São Paulo, que recitava poesias e gravou discos com Rubem de Falco e Sérgio Viotti. Improviso era um espetáculo com textos de Olavo Bilac, Manuel Bandeira, Ruy Affonso, Jacques Prévert, Anacreonte, Carlos Drummond de Andrade, Arthur Azevedo, Paulo Vanzolini, entre outros. Foi reapresentado em junho de 1954, com Cacilda Becker, Madalena Nicol e Jardel Filho. Benjamim de Oliveira, célebre ator popular negro, foi dono do Circo Dudu, na Praça da Bandeira, que levava seu nome de palhaço. Diziam que era analfabeto, mas um excelente autor. Montava sobretudo suas peças, que ditava para a filha escrever. Barreto Junior, criador da Companhia Nacional de Comédia, era dos raros atores de fora do Rio e São Paulo, cujo prestígio ultrapassava sua terra. Extraordinário comediante de Recife, sua companhia viajava pelo Brasil. Barreto Junior gostava de representar o repertório do Procópio Ferreira. Conta-se que vinha ao Rio para as estreias de Procópio. Assistia à peça fazendo anotações, voltava para o Recife e montava suas peças com base nessas anotações. No repertório da companhia Barreto Junior havia peças de autores brasileiros do primeiro time, como Armando Gonzaga, que, junto com Gastão Tojeiro, era um dos criadores de um estilo de sucesso. A obra-prima de Gastão Tojeiro, autor da peça da companhia da Margarida Max, é Onde canta o sabiá. Divino Perfume era uma das peças escritas por Renato Viana. Ele escrevia dramas, enquanto a moda era fazer comédias. Na vida era o que se chamaria hoje um outsider. Tinha teorias sérias sobre teatro, viajava fazendo conferências e chegou a ter uma companhia para montar suas peças.
FOTOS: ACERVO FUNARTE
Os teatros República e São José recebiam artistas como Jeca Tatu, empresariado por Paschoal Segreto, e peças produzidas por Manoel Pinto
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A grande moda no começo do século passado era o teatro de revista. A Companhia Portuguesa de Revistas apresentava-se sempre no Rio de Janeiro. O Teatro Íntimo Nicette Bruno era uma companhia alternativa e se apresentava sempre à meia-noite.
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Em muitas peรงas, Benjamin Oliveira, dono do Circo Dudu, pintava-se de branco para representar protagonistas brancos. A Companhia do pernambucano Barreto Junior viajava por todo o Brasil
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Renato Viana escreveu o drama Divino perfume quando a moda era fazer comédia. A Companhia Margarida Max foi criada por Margarida, Manoel Pinto e Antônio Neves e durou até 1929. A revista Guerra ao Mosquito, de Luiz Peixoto e Marques Porto tinha Pixinguinha entre seus músicos e compositores
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A Companhia Barreto Junior veio muitas vezes ao Rio a convite do Serviço Nacional de Teatro, criado em 1937. O Cine Theatro Rex comprova a vocação viajante da companhia do Barreto Junior. José Wanderley foi parceiro de Daniel Rocha, que dedicou a vida à Sbat, como diretor e, depois, presidente. Autor de revistas e compositor, Freire Junior, que escreveu Ilha dos Amores, era da primeira geração de sócios da Sbat
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Arte em três tempos Olga de Mello
Celebrado por sua presença no palco, o ator e diretor Marcos Caruso fala da sua experiência como autor
A primeira plateia de Marcos Caruso era formada pelas freguesas de sua avó, costureira. Enquanto aguardavam as provas de roupas, elas se divertiam com as apresentações de fantoches criados pelo menino habilidoso, que montava os bonecos com retalhos de tecidos. “Foi ali que eu descobri que tinha talento para distrair um público. Nascia então, ao mesmo tempo, o autor, o cenógrafo, o figurinista”, recorda o paulistano Caruso, que fez questão de manter guardada na gaveta sua primeira criação para teatro – uma comédia escrita quando tinha 14 anos. “Não há como mexer naquele texto. Ele está lá, é uma história pensada por um menino. Tenho que respeitar, mas não vou encenar”, diz.
rcos Caruso REVISTA DE TEATRO
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Escrever seria apenas uma das múltiplas atividades que exerceu em 37 anos dedicados ao teatro. Para não se indispor com o pai, chegou a cursar Direito na Universidade de São Paulo, quando já atuava e escrevia peças para crianças. A firme determinação de estudar Arte Dramática foi abandonada assim que começou a trabalhar em um programa de incentivo à leitura. “Criava peças para textos com 30 diferentes personagens interpretados pelo público em espetáculos interativos quando percorríamos bibliotecas de comunidades e fábricas. Dali para o palco, foi um pulo”, conta Marcos, que trabalhou ininterruptamente como ator em peças de diferentes gêneros. Isso até 1984, quando amargou cinco meses sem trabalho. “Meu filho havia acabado de nascer. A situação era angustiante. Um dia, peguei os últimos trocados e comprei uma máquina de escrever Remington usada. Ao longo de três dias e três noites escrevi Trair e coçar, é só começar. Nunca mais revisei ou toquei no texto, exceto para adaptá-lo ao roteiro cinematográfico”, afirma Caruso, que se emociona ao lembrar que somente em 1986 a comédia foi montada.
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“Um dia, peguei os últimos trocados e comprei uma máquina de escrever Remington usada. Ao longo de três dias e três noites escrevi Trair e coçar, é só começar ” Assim que eu a escrevi, passaramse poucos dias e surgiu um papel para mim em televisão. Dois anos depois, houve uma folga de agenda no Teatro Princesa Isabel, no Rio, e Attílio Ricó comentou que precisava de uma peça. Entreguei o texto. E está aí, até hoje”. Desde então, continua em cartaz, a maior em longevidade na história do teatro brasileiro, superada por poucos espetáculos no mundo inteiro. “Houve época em que Trair e coçar estava atrás de Cats, mas a montagem saiu de cartaz na Brodway. Acredito que hoje só haja A ratoeira, de Agatha Christie, que vai fazer 60 anos no mesmo teatro. Eu, sinceramente, acreditava que aquela comédia traria um novo rumo para minha carreira, mas jamais imaginei que permaneceria no palco até hoje, que eu entraria para o Guiness Book de Records com ela. Quatro gerações já assistiram a Trair e coçar, algo em torno de seis milhões de espectadores de teatro. Quando o filme passou na TV aberta, eu não consegui acompanhar. Sabia que aquela comédia,
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surgida num momento tão duro da minha vida, estaria sendo vista por 100 milhões de pessoas”, relembra o ator e diretor. Marcos Caruso nunca dirigiu ou atuou em qualquer montagem de seu maior sucesso. “A peça vive lá e eu cá. Assisto dos bastidores, me encanto com as gargalhadas da plateia, mas não interfiro em sua produção. Funcionou muito bem durante esse tempo todo.
Trair e coçar, é só começar é um vaudeville abrasileirado, protagonizado por uma empregada doméstica atrapalhada, que tenta esconder dos casais que entram e saem de cena, provas de supostas infidelidades. Foi escrita “matematicamente” para provocar o riso a cada 30 segundos, diz o autor. Escrever comédia em um período amargo da vida é quase uma declaração de brasilidade: “Historicamente, este país tem uma tradição maior de comédias do que de tragédias. É na comédia burlesca, no teatro de revista, que rimos das mazelas, que brincamos com esta terra ensolarada, miscigenada, que criamos o jeitinho brasileiro. Ter como protagonista uma empregada esperta, porém ingênua, facilita a identificação pelo público, que se compadece do mais fraco e reconhece nela uma pessoa que faz parte de nosso cenário afetivo. Eu queria recriar aquele entra e sai do Feydeau, com um toque brejeiro, carinhoso, abusado, típico de nossa gente”, acrescenta Caruso. Presente nos palcos por temporadas extensas – há um ano encarna o fotógrafo que se apaixona por uma dona de casa do interior dos Estados Unidos em As pontes de Madison, peça baseada no livro de Robert James Waller –, Caruso sente que se aproxima o momento
de produzir um novo texto, como faz geralmente em intervalos de quatro anos. Autor de onze peças, seis delas são frutos da bem-sucedida parceria com Jandira Martini. Por Sua Excelência, o candidato, em 1986, a dupla ganhou o Prêmio Molière. “Foi o primeiro Molière concedido a um autor de comédia. Desenvolvi com a Jandira uma cumplicidade não apenas pelas afinidades e posicionamentos políticos, mas
“Custei a entrar na TV porque sou pé-quente. Em geral, fico mais de um ano com um espetáculo” REVISTA DE TEATRO
por dividirmos a mesma linguagem. Não escrevo mais comédias como Trair e coçar. Hoje, é através do autor Marcos Caruso que o cidadão Marcos Caruso fala. Quando me sinto indignado, tenho como fazer do tablado o meu palanque”. Diretor bissexto – das seis peças que dirigiu, apenas três eram suas –, ele lamenta não ter tanto tempo quanto gostaria para dedicar-se à direção, já que não lhe faltam convites para atuar em teatro, televisão e teatro. “Custei a entrar na TV porque sou pé-quente. Em geral, fico mais de um ano com um espetáculo”, brinca. Deixar de atuar e dedicar-se apenas à direção ou criação não está nos planos de Marcos Caruso, que não sabe dizer qual das atividades o atrai mais. Confessa que se sente constrangido por recolher percentagens da bilheteria como autor, enquanto o elenco enfrenta as plateias. Ao mesmo tempo, sente falta dos aplausos para quem escreveu a trama. “Falta ao autor o reconhecimento, o calor humano em cada espetáculo. É um trabalho solitário, mas que confere o poder de matar, de fazer nascer. É bom se desdobrar na invenção de dezenas de personagens. O ator não se espalha tanto, é mais vertical. É imenso o leque de opções que o teatro dá. O melhor, mesmo, é fazer tudo”, conclui.
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Como artistas que aprendem os segredos da profissão observando os pais nos bastidores, o menino José Macedo Leal criou-se na oficina do pai, alfaiate, que seguira os passos do avô e do bisavô. “Era assim antigamente. Todas as alfaiatarias tinham meninos que faziam acabamentos de roupas até se formarem no ofício”, conta Macedo Leal que, em 1974, trocou Salvador pelo Rio de Janeiro, onde se especializou em trajes para artes cênicas. “Vesti até marionetes com roupas de época, um trabalho delicado e interessantíssimo”, acrescenta. Hoje, aos 57 anos, é um dos profissionais mais requisitados para execução de figurinos em encenações por atores, cantores, bailarinos e passistas de escolas de samba.
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O teatro é o cliente preferido de Macedo Leal, que se entusiasma quando vê em cena as peças que confeccionou
“Só recuso encomendas por falta de tempo para atender todos os pedidos. Os contratos são fechados, em média, duas semanas antes das estreias, porque a produção de espetáculos no Brasil sobrevive de recursos captados aos poucos. Estamos sempre correndo contra o relógio”, explica. Apesar da correria, o teatro é o “cliente” preferido de Macedo Leal, que se entusiasma ao ver as peças que confeccionou em cena. “A gente sente que participa diretamente do espetáculo. No cinema ou na televisão a sensação é outra”, afirma. Ele tem preferência pelas roupas de época, que “dão muito trabalho artesanal, mas têm um glamour que os figurinos atuais não conseguem alcançar”. A especialização foi adquirida ao longo dos dez anos em que trabalhou nas redes Globo e Manchete, à frente do Departamento de Costura. Ao mesmo tempo, era chamado para fazer fantasias para as escolas de samba Salgueiro, União da Ilha e Imperatriz Leopoldinense. “Meu primeiro trabalho exclusivamente para palco foi o show de inauguração do Scala, estrelado por Grande Otelo e Watusi. Eram 80 trajes para bailarinos e artistas, igual a uma escola de samba, com toneladas de paetês para serem bordados. Hoje, não tenho nem tempo para assumir um compromissos desses”, comenta. Quando acabou o núcleo de teledramaturgia da Rede Manchete, Macedo Leal já estava trabalhando por conta própria. Atualmente tem três lojas e pretende
dobrar esse número. Uma delas é dedicada exclusivamente a roupas para espetáculos. As outras, para clientes particulares, consertos e reformas. “Mais de 60 por cento das encomendas que recebemos são de roupas para teatro e cinema. Há também alguma procura para roupas de bailarinos, mas só faço modelos masculinos, que são estruturados e com o que chamamos de taco na cava, para permitir o movimento da dança. Eventualmente, chegam pedidos para que façamos roupas para óperas, mas nem sempre podemos dar conta, devido ao volume de encomendas para teatro”, diz. Dentro da tradição familiar, o filho mais velho de Macedo é alfaiate na Rede Globo. Ele espera que uma das cinco filhas também abrace a carreira. “Há muitas mulheres trabalhando hoje em alfaiataria”, afirma Macedo, que já perdeu a conta dos espetáculos para os quais trabalhou: “Não tenho ideia. Ultimamente, fiz figurinos para Gipsy, O despertar da primavera, O bem-amado – tanto o filme quanto a peça. Um dos trabalhos recentes, do qual gostei muito, foi Era no tempo do rei, que tinha figurinos do tempo do Império”, conta. A satisfação em ver o filho trilhar caminho igual ao seu só seria completa se houvesse uma ampliação do número de aprendizes da profissão, afirma Macedo Leal, que já procurou o Sebrae para apresentar um projeto de criação de um curso profissionalizante de alfaiataria. “Existe demanda, porque há poucos profissionais no mercado. Já recebi estudantes de Moda que vieram aprender comigo a cortar roupas. Embora hoje a maioria das pessoas prefira comprar roupas prontas em vez de fazê-las sob medida, o teatro, o cinema e a televisão ainda precisam de alfaiates”, assegura.
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Tesouro Acervo de fitas com entrevistas na rรกdio MEC do jornalista Alfredo Souto de Almeida serรก recuperado e transformado em novo programa Julio Calmon
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“É justo que se deem prêmios a autores medíocres”, ironizava Nelson Rodrigues ao falar de Dias Gomes, no fim de 1961, justamente quando o Anjo Pornográfico recebia tardiamente a primeira condecoração de sua carreira como autor teatral pelo conjunto da obra lançada naquele ano. As peças premiadas pelo Ciclo Independente dos Críticos Teatrais eram Beijo no asfalto e Boca de ouro. Nos anos seguintes, os dois dramaturgos conseguiram fazer das artes cênicas um verdadeiro Fla-Flu. Metade da crítica brasileira era pró-Nelson e a outra, a favor de Gomes. O curioso é que o primeiro nunca escondeu sua paixão pelo Tricolor das Laranjeiras em suas crônicas. Já Dias era um contido torcedor rubro-negro. A frase que demonstra a rivalidade de Nelson Rodrigues foi dita
na explosiva entrevista a Alfredo Souto de Almeida, jornalista que comandou um programa na Rádio MEC dedicado à memória do teatro, durante mais de quatro décadas. Preciosidades como a metralhadora verbal de Nelson Rodrigues fazem parte de um grande acervo que Almeida conservou por longos anos em sua própria casa. E o tesouro só não é maior porque gravações feitas antes dos anos 1950 foram roubadas do antigo estúdio da rádio há mais de meio século. O radialista continuou trabalhando até os anos 1980. Entre tantos entrevistados, conversou com Arthur Miller pouco antes de o dramaturgo finalizar o roteiro de Os desajustados, último filme estrelado por sua mulher, Marilyn Monroe, e por Clark Gable, que morreria de infarto duas semanas
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depois de encerradas as filmagens. De Jean Paul Sartre ouviu um inusitado pedido: “Só quero falar de política”. Graham Greene, Vivien Leigh, Vittorio Gassman e Tennessee Williams também deixaram suas memórias no gravador de Alfredo Souto de Almeida. O jornalista morreu em 1997, deixando um baú com cerca de 300 horas de gravações. O acervo está hoje nas mãos do diretor musical Marcelo Alonso Neves, que divide seu tempo de arranjador, compositor e instrumentista com o de organizador das antigas entrevistas, responsabilidade que recebeu, há cerca de dois anos, da viúva Maria Inez Barros de Almeida. “No momento em que eu recebi essas fitas, não me dei conta da importância. Porém, bastou ouvir o primeiro rolo que quase caí para trás, cada coisa
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FOTOS: ACERVO D. MARIA INEZ BARROS DE ALMEIDA | MARCELO ALONSO NEVES
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Souto de Almeida em entrevista com Fernanda Montenegro
... com Rosamaria Murtinho
... com Nicete Bruno
mais preciosa que a outra”, empolga-se Marcelo Neves. Ele vai digitalizar todo o acervo – as fitas mais antigas têm 51 anos. O músico coordena um projeto aprovado pela Lei Rouanet, que pretende levar de volta às ondas do rádio as emblemáticas entrevistas feitas por Alfredo Souto de Almeida — como, por exemplo, uma do fim de 1963, em que ele ouve os esperançosos planos da então jovem atriz Fernanda Montenegro, interrompidos pelo Golpe militar que ocorreu no Brasil poucos meses depois. “Ele teve o enorme mérito de guardar as fitas. Hoje, descartamos muita coisa sem saber sua importância no futuro”, comenta Neves.
Em fase de captação de recursos, o projeto prevê, além da digitalização e catalogação das fitas, uma série de lançamentos quase simultâneos: um livro, um DVD e um site. As entrevistas serão catalogadas à medida que as fitas forem digitalizadas. Porém, a maior aposta do projeto é um programa de rádio semanal. Será um quadro apresentando as antigas entrevistas e sempre um convidado para comentar, de preferência o próprio entrevistado caso ainda esteja vivo. O programa terá 30 minutos e será ancorado pela atriz e diretora teatral Inez Viana e a jornalista Regina Zappa. As entrevistas de Alfredo Souto de Almeida são saborosas. Por vezes, o destaque é sua habilidade em tirar dos convidados revelações curiosas, engraçadas e até mesmo dramáticas. Em outras, os diálogos surpreendem pela relevância histórica. Como no caso de Chico Buarque, em 1974, ao comentar o
ensaio geral da peça Calabar, que seria proibida pela ditadura militar por seis anos. No áudio, escuta-se ao fundo a música Bárbara, quando os atores ainda aprendiam a canção, além de outras como Não existe pecado ao sul do equador. Os militares não só proibiram Calabar, como também a divulgação da decisão da censura. Um calaboca geral. Além do programa de rádio, Alfredo Souto de Almeida tinha uma agência de publicidade, a Focus. Mas sua dedicação ao teatro era total. Chegou a participar da formação da Companhia dos Sete, em 1959, ao lado de Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi, Gianni Ratto, Luciana Petruccelli e Fernando Torres. Era tão amigo de Fernanda Montenegro e Fernando Torres, que se tornou padrinho da filha do casal, a atriz Fernanda Torres. Muito próximo dos atores, diretores e autores teatrais, Alfredo ganhava a confiança e a amizade dos
... com Tônia Carrero
entrevistados. Na entrevista dada por Dias Gomes, os dois dão boas gargalhadas comemorando o sucesso cinematográfico de O pagador de promessas, que ganhara, em 1962, a Palma de Ouro, prêmio de maior prestígio do Festival de Cinema de Cannes, além de ter sido indicado ao Oscar no ano seguinte. “O que vale no prêmio não é precisamente a palma ou a estatueta que se recebe. É a significação que ele pode ter principalmente pelo entendimento por parte de quem julga o trabalho e do público que o aplaude”, comenta Dias Gomes, considerado por Nelson Rodrigues “o maior dos medíocres” em entrevista a Alfredo no ano anterior. Com certeza vale a pena ouvir de novo.
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