Desde 1917 em defesa do direito autoral. Reconhecida como de Utilidade Pública Federal pelo Decreto nº 4.092 de 4 de agosto de 1920.
Av. Almirante Barroso, 97 / 3º andar – Castelo Cep: 20031-005 – Rio de Janeiro/RJ – Brasil Tels: +(21) 2240.7231 / 2544.6966 Fax: +(21) 2240.7431 www.sbat.com.br
sumário 2
PRÓLOGO Aderbal Freire-Filho
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Dramaturgia: Modo de fazer Uma conversa entre os dramaturgos e diretores de companhias teatrais Paulo de Moraes, Pedro Brício e Adriana Schneider revela o jeito de cada um criar, atuar, produzir e dirigir
CONSELHO DIRETOR
Aderbal Freire-Filho Alcione Araújo Millôr Fernandes Ziraldo Alves Pinto
12 TEATRO & CIA Poéticas paralelas Aderbal Freire-Filho e Eugenio Barba 14 revistadeteatro@sbat.com.br bambinacult@gmail.com Órgão Oficial da SBAT – Sociedade Brasileira de Autores, inscrito na Ulrich’s International Periodicals Directory sob o registro ISSN 0102-7336.
Patrícia Furtado de Mendonça
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Paralelos e transversais Renata Caldas
CONSELHO EDITORIAL
Aderbal Freire-Filho Ana Velloso Regina Zappa Vera Novello
Dois artesãos confrontam as ferramentas do ofício
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A cena para crianças
DIREÇÃO EXECUTIVO FINANCEIRA
Artista plástica e escritora, Flávia Savary, vencedora de prêmio de dramaturgia infantil, desenvolve projetos de teatro para crianças e jovens
Bia Gondomar
Olga de Mello
SUPER VISÃO
Três É Editoração e Design Ltda.
EDIÇÃO
Regina Zappa COLABORADORES
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Daniel Schenker Julio Calmon Lula Maria Luiza Franco Olga de Mello Patrícia Furtado de Mendonça Renata Caldas Renato de Aguiar PESQUISA ICONOGRÁFICA
Maria Luiza Franco
Companhia brasileira em sintonia com o mundo Sediado em Curitiba, o grupo dirigido por Márcio Abreu encena obras de autores pouco difundidos no Brasil e revela vigor autoral nas operações dramatúrgicas e no trabalho com os atores Daniel Schenker
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Uma trajetória singular Atriz que estreou profissionalmente no teatro brasileiro na montagem de Eles não usam black-tie , quando já tinha 47 anos, Lélia Abramo ganha homenagens em seu centenário
REVISÃO
Maria Helena Pereira PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Mais Programação Visual
Daniel Schenker
www.maisprogramacao.com.br CAPA
Montagem com fotos de Patricia Furtado de Mendonça CTP E IMPRESSÃO
38 ENSAIO O ritmo da moda no tom do figurino Maria Luiza Franco Busse
WalPrint Gráfica e Editora TIRAGEM
5.000 FOTOS DE ACER VO CEDIDAS PELA
48 OSSOS DO OFÍCIO Uma luz muito feminina Ana Luzia de Simoni segue o caminho do pai nos palcos Julio Calmon
50 Recursos obtidos através do Convênio nº 732974/2010, celebrado entre o Ministério da Cultura e a Bambina Ação Cultural Associados Esta edição traz um encarte com a peça As nuvens e/ou um deus chamado dinheiro de Hugo Possolo.
Sbat busca novo modelo Planos de revitalização incluem divulgação para associados Daniel Schenker
52 EPÍLOGO
P R Ó L O G O
Não mando nada nesta revista,
senão a matéria de capa não seria essa. Não fica bem que uma revista publique uma matéria sobre o trabalho de um indivíduo da casa. Não é de boa ética. Menos ainda que a destaque como a matéria de capa. Apesar das minhas ponderações, prevaleceu (como sempre) a opinião da editora Regina Zappa, destacando que se não fizéssemos a cobertura desse encontro a revista da SBAT não estaria, como pretende estar, acompanhando eventos e movimentos que despertam interesse e, neste caso, deixando de ver o que se passava na nossa cara. Outra versão. Mesmo tentando ser ao mesmo tempo o autor dos prólogos (como a Regina danadamente decidiu intitular a abertura dessa revista-drama-comédia) e o ombudsman capenga da casa, e cuidando de evitar matérias que de algum modo beneficiem os de casa, dessa vez eu mesmo tomei a iniciativa de propor essa matéria, apesar de ser personagem. Apelei para o barbarismo, justificando o afrouxamento ético pela importância do trabalho do Eugenio Barba. Será uma velha desculpa, o conhecido “fui levado a”? Já tinha sido assim com o próprio evento. Convidei o Barba a dar uma oficina no Teatro Poeira e ele contrapropôs que déssemos os dois, argumentando que queria fazer uma coisa diferente, que nunca tinha feito na vida. Sua vida é cheia de oficinas, em todas as partes do mundo, é sua rotina, e era o que ele queria evitar. Como temos uma velha e querida relação de amizade, sua proposta era, como me disse e eu concordei, uma aventura que só podia ser encarada graças à confiança que existe entre amigos. O trabalho íntimo e secreto do diretor de teatro ser posto a nu, invadido. Nesse caso, o feio seria não topar. E assim nasceu esse cruzamento de dramaturgias. Conclusão. A matéria de capa. As craques Patrícia Furtado e Renata Caldas participaram do encontro: Patrícia, que olha para a criação do Barba há muito tempo e é tradutora de livros dele para o português, assim como foi a tradutora do próprio seminário, viu o encontro a partir das práticas e teorias do fundador do Odin; Renata, atriz e jornalista, que trabalha em uma tese sobre romanceem-cena, entrevistando atrizes e atores que trabalharam comigo nessas viagens romanescas, olhou o encontro dessa janela. Mesmo que não seja um mapa que coincide com o território, como na fantasia de Borges, a matéria deve ao talento das duas articulistas um relato de viagem ao mesmo tempo pessoal e informativo de uma expedição ao coração de mundos secretos da cena.
Sobre o mesmo tema, com a diferença do desnudamento ser feito em uma conversa inteligente e reveladora, é o formidável encontro de três jovens dramaturgos brasileiros. Três autores como correspondem, aqueles que fazem o trabalho completo, da pena à cena. Podíamos designá-los com um nome só, dramaturgos. Ou autores. Na divisão contemporânea dos ofícios da cena, no entanto, devemos chamá-los de autores-encenadores. Enfim, são autores como corresponde. Lembrando do nome do grupo de rock da juventude do Paulo Leminski: Adriana (Pedras), Pedro e Paulo são duas pedradas e uma paulada para manter acordado o melhor teatro brasileiro. Seria uma justa matéria de capa. Outro excelente encenador é visitado, dessa vez por nosso repórterredator Daniel Shenker: o curitibano Márcio Abreu. O teatro brasileiro afirmando cada vez mais suas muitas latitudes. E voltamos a publicar uma peça de teatro. No número passado, a autora do nosso encarte foi Carolina Araújo. Se a sua não era uma peça de teatro, como na ocasião destacamos, informando que abríamos um espaço à reflexão, era, no entanto, um diálogo vivo. Aproveitando a passagem pelo Brasil da importante estudiosa e tradutora de teatro grego, Maria de Fátima Sousa e Silva, o que publicamos foi um diálogo de duas mestras, Maria de Fátima e a doutora em filosofia Carolina Araújo, professora da UFRJ, com uma trajetória de pesquisa marcada pela investigação das relações entre a arte e a política. Pois mudamos de gênero, mas não mudamos a geografia. Continuamos na Grécia, ou melhor, na Grécia vista daqui e de hoje, agora por Hugo Possolo e os Parlapatões. Na peça publicada no encarte, o autor-diretorpalhaço e o grupo que há alguns anos agita o teatro paulista trazem o grego Aristófanes para a Praça Roosevelt, praça de gregos, troianos, paulistas e baianos. Viaje na Revista de Teatro da Sbat, reencontre a inesquecível Lélia Abramo, conheça a jovem Ana Luzia Molinari de Simoni, encante-se com o mundo colorido e cheio de fantasia de Flávia Savary. Assim como essa revista oferece rotas para mundos novos, a Sociedade Brasileira de Autores, SBAT, oferece um porto aos navegantes do mar do teatro, a segurança e a continuação da história das navegações daqueles gigantes que saíram daqui para descobrir mundos maravilhosos: Oduvaldo Vianna Filho, Gianfrancesco Guarnieri, Plínio Marcos, Jorge Andrade, Dias Gomes, Joracy Camargo, Raimundo Magalhães Junior, Manuel Bandeira, tantos, tantos. Venha para a SBAT. Aderbal Freire-Filho
DRAMATURGIA:
MODO DE MARIA MAZZILLO
Em 1999, quando viajava pela Zona da Mata de Pernambuco, fazendo pesquisa para o doutorado em Antropologia, a atriz, diretora e autora Adriana Schneider, do Grupo Pedras, esbarrou com um barbeiro inspiradíssimo. Brincante na juventude, Severino da Cocada abriu uma caderneta em branco e começou a cantar um romance para ela. Emprestou tanta vida àquele momento – comparado por Adriana à Odisseia, de Homero – que não deu outra: virou personagem principal da peça O reino do mar sem fim, comemorativa dos dez anos do Grupo Pedras, formado também por Helena Stewart, Marina Bezze, Diogo Magalhães, Ana Paula Secco, Luiz André Alvim e Georgiana Góes. Ouvidos atentos a um amigo que gostaria que escrevesse uma peça para ele, Pedro Brício, da Zepelin, resolveu a equação na narrativa de Cine-teatro Limite (2008, indicada para o Prêmio Shell de melhor autor). “Não escrevi a peça do meu amigo, mas chamei-o para o elenco de Cine-teatro”, recorda bem-humorado o autor premiado com o Shell por A incrível confeitaria do Sr. Pellica (2005), que integra a Zeppelin Cia. de Teatro, criada há sete anos, juntamente com Isabel Cavalcanti, Rui Cortez e Tomás Ribas. Agora, imagine esta cena: do telhado da casa de um primo, em Londrina, Paulo de Moraes, do Armazém Companhia de Teatro, acompanhou o enterro de um grande amigo. Verteu o pranto em imagem, mais precisamente no cenário espetacular da peça Da arte de subir em telhados (2002), um dos nove textos que fez em parceria com Maurício Arruda Mendonça em 22 anos de trajetória do Armazém Companhia de Teatro, que acaba de lançar em livro o premiado Inveja dos anjos, edição bilíngue português/inglês, com ensaio da crítica Tânia Brandão. Num bate-papo descontraído, Adriana, Pedro e Paulo falam sobre o processo de criação de suas peças.
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Paulo de Moraes, Pedro Brício e Adriana Schneider revela o jeito de cada um criar, atuar, produzir e dirigir
FOTOS: RENATO DE AGUIAR
FAZER
Uma conversa entre os dramaturgos e diretores de companhias teatrais
Espetáculo O reino do mar sem fim
Estar numa companhia ou grupo é fundamental para a produção dramatúrgica de vocês? Pedro Brício – No meu caso, não há, necessariamente, uma ligação, ou seja, eu não escrevo especificamente para o meu grupo, a Zeppelin Cia. Adriana Schneider – O Pedras se entende como um grupo de atores. Fizemos quatro espetáculos desde nosso início, em 2001. Não há a figura do dramaturgo, como no caso da Zeppelin, ou seja, nossa construção de cena é diferente. No Restin, por exemplo, partimos da poesia para elaborar o trabalho. Em O muro tínhamos a ideia de construção de
um muro. A palavra era muito sintética, como num muro, sem curvas, tudo muito seco. Em Mangiare, iniciamos o processo realizando um seminário para falar sobre comida. Já em O reino do mar sem fim, a dramaturgia surgiu de horas de entrevistas e pesquisas que fiz na Zona da Mata de Pernambuco. O fato de sermos atores investigando o processo teatral é o que entrelaça todo o processo de criação. Paulo de Moraes – Eu, como dramaturgo, existo em função do Armazém; o Maurício Arruda Mendonça não. Meus primeiros espetáculos foram adaptações de textos clássicos, mas eu não me sentia representado ali. Então, Maurício e eu
resolvemos escrever. São nove textos até hoje. O início do processo de trabalho é caótico, pois parte de discussões sobre as angústias que cada um da companhia está sentindo. Chegamos a um roteiro e apresentamos aos atores. Em seguida, partimos para a peça propriamente dita. A participação dos atores deflagra tudo. A organização das palavras cabe a mim e a ele. No início, eu ficava com a ação, ele com a poesia; hoje é tudo misturado. No final, nenhum de nós lembra quem fez o quê. O que motiva a criação de um espetáculo? Paulo de Moraes – Várias coisas colaboram, uma delas é o fato de estarmos o tempo todo juntos, no
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FOTOS: MARIA MAZZILLO
O reino do mar sem fim
Rio ou nas viagens para a apresentação da peça. Começa, portanto, no papo de bar. Então, dá para perceber o que o ator quer falar. Antes da coisa toda começar surgiu de uma ideia da atriz Simone Mazzer, que encarna Léa, a cantora que não tem êxito ao tentar se suicidar. A figura da personagem é uma explosão em cena. A música entrou no espetáculo depois que o Grupo Galpão chamou os atores para uma oficina. A vivência foi toda em cima de música. Quando os atores retornaram estavam convictos de que queriam colocar a música em cena. Buscamos e conseguimos uma sonoridade nossa, com a presença do diretor musical Ricco Viana. Eu não sou lírico, eu sou rock’n roll, então essa ‘pegada’ tinha a ver com os personagens. O fundamental é a intimidade que temos uns com os outros. Quando o Armazém se transferiu de Londrina para o Rio, em 1998, nós decidimos morar juntos. Essa ligação potencializa nosso trabalho. Pedro Brício – Para mim, o fundamental é identificar quando há
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potência teatral numa ideia. As minhas primeiras peças estavam sempre relacionadas a assuntos que eu estava querendo pesquisar. Por exemplo: A incrível confeitaria do Sr. Pellica aconteceu quando eu estava estudando o Iluminismo, lendo a obra de Molière... As ideias vão se juntando e a peça vai sendo escrita assim. Existe, claro, um projeto intelectual, temas que você quer discutir, referências estéticas, mas junto a isso estão sensações, sentimentos, até conceitos que você não domina bem. É bom também não querer dominar tanto esta fase do processo. Hoje em dia estou mais livre, não desconfio tanto do meu inconsciente. Deixo o acaso reger a obra. Fica mais parecido com a vida. A história quase se autoescreve... Pedro Brício – O Cine-teatro Limite surgiu numa conversa com um amigo que queria me chamar para escrever a peça dele. Enquanto ele me falava a respeito, eu tive ideia para uma outra peça! Claro que depois o chamei para atuar (risos).
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E não consegui escrever a peça dele. Ocorre que eu já queria fazer algo sobre Oscarito, falar da chanchada, do Getúlio, da Segunda Guerra... Eu tinha a estrutura dramatúrgica na cabeça, escrever uma peça que começasse como comédia e depois se transformasse num drama. Tive um irmão que morreu quando eu tinha 14 anos... eu queria falar de morte... essas coisas foram se misturando. Já em Comédia russa eu queria falar sobre burocracia. Como sou ator, é comum os textos surgirem através
torna ainda mais complexo. Apesar disso, em O reino do mar sem fim, que escrevi, dirijo e atuo, dividir essas três funções nunca foi motivo de conflito para mim. Em geral, a cena vem forte na sala de trabalho. É onde as coisas acontecem. Provavelmente isso ocorre por termos muita intimidade. Pedro, como esse trabalho de autor alimenta seu trabalho de ator? O trabalho de ator certamente contribui para a existência do dramaturgo. Pedro Brício – Com certeza, contribui. Com o texto e a direção, eu me tornei um ator mais calmo. Entendi que a cena requer uma multiplicidade de funções. Adriana Schneider – No filme A falta que nos move, de Christiane Jatahy, em que você trabalha como ator, parecia que estava conduzindo a história. Por isso minha curiosidade... Pedro Brício – Estou ficando um ator muito ‘de fora’, o que se tornou um problema. Fico observando como a cena está funcionando, o que é bom na construção espacial, pois a cena vai acontecendo e você vai vendo tudo dramaturgicamente. Assim, não tenho mais tantas ambições como ator. Paulo, você já trabalhou como ator? Paulo de Moraes – Já, mas sempre foi assim comigo também. No momento em que eu atuava, me
pegava observando à distância o processo. Aí começou a ficar chato. Ou então, corria o risco de ser o sujeito que manipulava. Quando comecei a dirigir, o Armazém não tinha grana nenhuma. Eu tinha que fazer tudo: escrever, dirigir, cuidar da iluminação, do cenário, produzir, criar a trilha... E as duas meninas do elenco faziam o figurino, pois roupa eu realmente não sabia fazer. Com o passar do tempo, me livrei de algumas funções. Mas de duas não abro mão: o cenário, porque define como eu vou dirigir, e a dramaturgia. Mesmo nos espetáculos em que sou convidado a dirigir, ou que os textos não são meus, preciso enxergar a construção do cenário. Agora, tem uma coisa: só escrevo para eu dirigir. Não tenho pretensão de ser um autor; na verdade, me considero um diretor de teatro que escreve, não um autor que dirige.
FOTOS: RODRIGO LINARES
dos personagens. Por isso, não são peças boas para produtores, porque tem muita gente em cena. Paulo de Moraes – Eu acho legal escrever pensando em alguém que você conhece profundamente. Assim, não tem como ter truque. Aquela pessoa vai te devolver o texto com uma interpretação verdadeira, o jogo de cena cresce, evolui. Adriana Schneider – É como uma carta na manga... Paulo de Moraes – É. Se você não conhece bem o ator, se contenta com o que ele mostra de cara. Do contrário, você tenta fazer algo diferente, vai além, pede mais. Escrever para as pessoas com as quais trabalho no meu núcleo é um desafio bacana. Pedro Brício – Acho que essa intimidade torna o trabalho mais concreto. Você não tem que descobrir o subtexto das coisas... Paulo de Moraes – Mesmo trabalhando na abstração, você alcança essa materialização, essa ‘carne’. Por exemplo: Antes da coisa toda começar é muito abstrato, mas os atores fazem com tanta intensidade que o que chega ao público é a ação, o impacto, a sensação que isso causa. Adriana Schneider – É curioso como as ideias surgem. A convivência com os atores do grupo traz as possibilidades de cena. Quando viajamos pelo projeto Palco Giratório, ficamos tantas noite conversando depois do espetáculo, durante o jantar, tomando vinho, que enxergamos ali ideias de cenas prontas para Mangiare. Mas as referências são fundamentais em todos os processos. No Muro, por exemplo, havia algo muito forte utilizando fotografias, tomamos por base a obra de Robert Kappa, além de muitos filmes. Uma personagem saiu, literalmente, de uma fotografia do Kappa que mostra soldados chinesas tomando sol. Qual é o fio condutor da produção dramatúrgica do Pedras? Adriana Schneider – No Pedras sempre trabalhamos com dramaturgias originais, autorais. Por ser atriz, diretora e autora, esse processo se
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Você jamais escreveria para outro dirigir? Paulo de Moraes – Nunca me vi fazendo isso, mas não chega a ser um problema. Agora mesmo acabamos de publicar o livro Inveja dos anjos. Se alguém quiser montar a peça, pode ficar à vontade. Dramaturgia se aprende na escola? Adriana Schneider – Na Escola de Direção da UFRJ, onde trabalho, há muitos alunos que se interessam
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Da arte de subir em telhados
pela dramaturgia, como o Felipe Barenco, que foi de lá, o pessoal do Drama Diário, muitos são de lá. O que vejo é que o interesse dessas pessoas acontece muitas vezes porque a direção está unida à dramaturgia. Percebo nos alunos uma inquietação muito grande, um interesse imenso por uma dramaturgia que atenda às questões contemporâneas a eles. A gente vem tentando na UFRJ criar cursos de dramaturgia na escrita, pois já existem Teoria do drama, Dramaturgia I até VIII, que dão conta das dramaturgias já existentes. Pedro Brício – Nossa! não imaginava essa quantidade de disciplinas voltadas para a dramaturgia... Adriana Schneider – Há a Dramaturgia VIII que trata da dramaturgia do corpo. Estamos tentando fazer algumas experiências. Por exemplo: uma professora trabalhou escrita performativa com os alunos. Foi ótimo, os alunos manifestaram grande interesse. Nós, professores, temos que repensar o ensino da dramaturgia por conta dessa tendência. Sinto que a nossa geração rompeu com uma ideia de texto formal, talvez por um modismo dos anos 1980, 1990, de brigar com a palavra... Agora, essa geração tem buscado uma reconciliação com a palavra, com o texto, indo atrás de uma voz própria. Paulo de Moraes – Claro que dá para aprender na escola. A questão é que tem muita gente nova escre-
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Cine-Teatro Limite
vendo algo que já foi escrito há muito tempo. Mas acho que a escola dá uma coisa mais esquematizada, com um nível de informação mais complexo, para a pessoa ir galgando degrau por degrau. Isso é muito legal, embora eu ache que isso seja um pouco negligenciado. Pedro Brício – Não sei... Acho que deve dar para aprender um pouco na escola sim. Mas acho também que existe muito modismo. Hoje em dia, a performance, a não atuação, enfim, certos procedimentos se tornaram contemporâneos. Nos festivais de teatro já virou um clichê... a peça com um microfone, com depoimento pessoal, quando existem muitas formas de se tentar a comunicação. No Rio, a moda é o monólogo. Na Commedia dell’arte todo ator tinha seu repertório... Os atores devem ser estimulados a produzir seu próprio material, mesmo que seja para fazer um solo. No final, o que interessa – e isso é um sinal dos dias atuais – é ter alguém no palco se expressando de uma forma autêntica. Patrocínio e prêmios de estímulo interferem no processo de criação? Pedro Brício – Eu costumava pensar que se tivesse patrocínio ia ser tudo muito mais fácil. Fiz Pellica quase sem dinheiro e resultou numa beleza estética incrível, uma intensa comunicação com a plateia. Você vê por aí produções com um elenco ótimo, dinheiro à beça, tudo para dar certo, e muitas vezes não acontece junto ao público.
FOTOS: DIVULGAÇÃO
A incrível confeitaria do Sr. Pellica
Paulo de Moraes – Antigamente havia a figura do escritor de gabinete, o cara ficava em casa... hoje isso está mais ligado ao processo coletivo. Pedro Brício – Quem tem ambições literárias pode se interessar por prêmios de estímulo, mas, com todo o respeito, se eu tivesse esse tipo de ambição optaria por escrever romances. Paulo de Moraes – Hoje mudou até o jeito de assinar um texto. Agora é ‘dramaturgia”. Alguns críticos até dizem: “não sei por que assinam dramaturgia”. Mas é um jeito de olhar para o trabalho de maneira diferente, sem colocar o texto como a coisa mais importante. A dramaturgia é uma construção que faz parte do todo. Adriana Schneider – Na verdade, é a cena que impera. Afinal, se chegar um figurino que não tenha a ver com a linguagem, ele é recusado e acabou. Paulo de Moraes – Muitas vezes a gente está montando um espetáculo e a última coisa a ficar pronta é o texto.
Adriana Schneider – No caso do Armazém, o palco dita muito a direção? Paulo de Moraes – No nosso caso, o espaço é extremamente ligado à história. Quando eu fiz Da arte de subir em telhados, a primeira coisa em que eu pensei foi no cenário. O esboço inicial remetia à morte de um amigo meu muito querido. Meu primo morava numa casa de dois andares e do telhado a gente via o cemitério. No dia do enterro desse nosso amigo, ficamos, eu e meu primo, lá no telhado, acompanhando tudo o que acontecia. Um dia me deu na telha fazer uma peça que tinha dois caras em cima de um telhado. Depois mudamos, com os personagens segurando as cinzas de alguém que tinha morrido e num determinado momento eles iam cair e parar dentro da casa. Não tinha palavra alguma! A ideia era uma imagem. Essa imagem virou cenário. No final, veio o texto. Então o mais importante era o texto? Sei lá. Era o diretor? Sei lá... O mais importante é o ator, não tem como não ser.
Adriana, quando você foi pesquisar sobre a Zona da Mata de Pernambuco para sua tese de doutorado imaginava encontrar ali uma peça teatral? Adriana Schneider – Não, foi uma arte do acaso. Estava pesquisando sobre o mamulengo e o cavalo-marinho. Conhecer o Severino da Cocada fora do ambiente de pesquisa foi tão provocador! Ele era mamulengueiro, barbeiro e cantador de romances. Eu o encontrei na barbearia e ele resolveu cantar O romance da princesa do mar sem fim, autoria de Severino Borges da Silva, de pronto, depois de abrir uma caderneta em branco. O que aconteceu ali não tinha como virar tese. Parecia a Odisseia, de Homero, só que popular. Eu procurei durante anos o folheto deste romance. Consegui num sebo em Botafogo (bairro do Rio). Em 2010, definimos no Pedras que era hora de montar. Foram 14 anos de pesquisa até consumar a peça. Sem cair no clichê do popular, valeu a pena esperar.
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T E A T R O
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C I A
O diretor teatral Aderbal FreireFilho e o italiano Eugenio Barba – que em 1964 fundou o Odin Teatret – conheceram-se em março de 1986, durante a II Muestra de Teatro Internacional de Montevidéo, no Uruguai. Mas foi em 1987, quando Barba veio ao Rio de Janeiro pela primeira vez, que tiveram oportunidade de um convívio maior. Nasceu, então, uma amizade que se perpetua ao longo dos anos, sempre acompanhada do bom vinho uruguaio Tannat, em homenagem ao primeiro encontro. Em 1990, Barba convidou Aderbal a participar da International School of Theatre Anthropology (ISTA) de Bolonha, Itália. Em 1991, o diretor carioca trouxe o amigo italiano ao Brasil em três diferentes ocasiões para apresentar espetáculos, conduzir seminários e dar palestras. Promoveu também um encontro entre Barba e os atores de seu Centro de Demolição e Construção do Espetáculo. Em 1996, o Odin voltou ao Rio pelas mãos de Aderbal, com novos espetáculos e demonstrações de trabalho. As conversas continuaram. Os encontros aconteciam no Velho e no Novo Mundo. Após 25 anos, finalmente, resolveram confrontar,
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ADERBAL FREIRE-FILHO
Poéticas
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FOTOS: PATRICIA FURTADO DE MENDONÇA
na prática, seus diferentes modos de viver e elaborar o artesanato teatral. Convidaram 60 pessoas a entrar na caixa preta do Teatro Poeira, para conhecer seus segredos. Um encontro único, memorável, um verdadeiro “cruzamento de dramaturgias”. O seminário terminou. Mas não as investigações dos dois diretores, e muito menos a troca entre eles. Com certeza também não se esgotaram as perguntas que os participantes continuarão a se fazer ao refletir sobre seu ofício no teatro, pois os estímulos, naqueles dias, não foram poucos. As questões discutidas ali, mais do que “atuais”, são “atemporais”, perpassam pelas geografias e pela História, e constituem fundamento do fazer teatral. Esses dois textos, de Patrícia Furtado de Mendonça e Renata Caldas, são fruto deste encontro. Um fruto que pode se tornar semente para quem não esteve lá, mas que deseja – nas entrelinhas – intuir um pouco do que não viu ou ouviu, e que ainda tem a possibilidade de apre(e)nder. Que sejam muitas as garrafas de Tannat a serem abertas por Aderbal e Eugenio para brindar seus próximos encontros.
EUGENIO BARBA
paralelas
Dois arte confrontam as
Patrícia Furtado de Mendonça*
* Patricia Furtado de Mendonça é atriz, professora, tradutora e consultora de projetos culturais. Mestre em Teatro pela UNIRIO, formou-se em Disciplinas das Artes, da Música e do Espetáculo pela Universidade de Bolonha (Itália). A convite de Eugenio Barba, traduz, desde 1998, seus livros do italiano para o português. Conduz uma pesquisa sistemática sobre a relação do Odin Teatret com o Brasil.
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“Pode o ator transmitir o que não se pode transmitir com palavras? Isso é o que me interessa: pôr em forma a incompreensão”. Foi com esse tipo de questionamento que Eugenio Barba abriu o seminário Cruzamento de Dramaturgias e passou a desenrolar uma série de fios que, ao se entrelaçarem, revelaram as muitas redes que atravessam e envolvem a tradição do Odin Teatret. Para Barba, somos movidos por um enorme desejo de compreender, ainda que o essencial da vida esteja fora da compreensão. “A realidade, assim como nossos fundamentos, é incompreensível”, ele diz. E é essa realidade incompreensível, cheia de mistérios e contradições, que ele busca transmitir concretamente no palco, criando as condições para que atores e espectadores rompam com os paradigmas e os clichês da vida cotidiana e encontrem aquela
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parte de si que é mais real que a real. Cada ator deve chegar a essa dimensão “outra” para entrar realmente em contato com cada espectador, para “dançar” com ele. O diretor italiano cita o cubismo como exemplo: “A pintura cubista parece não ter nada a ver com a realidade, mas na verdade o pintor está tentando trazer para um mesmo quadro todos os elementos dessa realidade. Como reconstruir todos esses aspectos da realidade através de uma montagem cênica? (...) Eu crio uma espécie de labirinto que pode me ajudar a modelar essa incompreensão, orientando-me e desorientando-me. Trabalhar com uma partitura de ações físicas e vocais, por exemplo, me ajuda nessa busca”. Em cena, Barba não quer imitar a vida, mas criar um espetáculo que tenha uma qualidade de vida própria. Para isso, seus atores devem aprender a “pensar com o
sãos
ferramentas do ofício corpo”, não como na vida cotidiana, mas construindo um novo sistema nervoso, um novo bios. É a vida virada pelo avesso, com suas vísceras à mostra. Na tradição do Odin Teatret, alguns termos que há séculos pertencem à linguagem teatral do Ocidente acabaram sendo reinterpretados sob nova luz, ganhando outros sentidos. Isso não é casual. Muito pelo contrário, é a resposta concreta às necessidades do grupo de forjar uma terminologia técnica de trabalho que dê conta da complexa engenharia de montagens que, em diversos níveis, dá origem a cada espetáculo do Odin. Uma dessas palavras é “dramaturgia”, utilizada pelo criador da ISTA em diferentes momentos do seminário. Para Barba, “dramaturgia” não significa apenas a obra de um ou mais escritores. Tem muito pouco a ver com literatura, sequência narrativa
ou trama preestabelecida. A palavra passou a ser definida em chave etimológica: drama-ergein: trabalho das ações. Ele precisava saber como interferir diretamente nas ações dos seus atores, mas considerando ao mesmo tempo a natureza estratificada do espetáculo e sua indivisível geometria. Para Barba, o espetáculo é como um organismo vivo que possui sua própria anatomia (bios cênico), independentemente da história que conta. E assim ele passa a falar dos vários níveis de organização de um espetáculo, que são suas várias dramaturgias, entre as quais: “do ator”, “do espaço”, “sonora”, “narrativa”, “do espectador”, “do diretor” (uma dramaturgia das dramaturgias). Desse modo, deixa clara sua opção de não trabalhar para o texto, mas com o texto, dando a ele a mesma importância dos outros elementos que compõem a realidade
da cena. O texto, ou melhor, os textos, são reelaborados em diferentes “ações verbais”, que acabam por criar novas associações sonoras e mentais, principalmente quando sobrepostas às ações físicas dos atores. Por isso, Barba fala de “texto” como se fosse um artesão, e o trata como se fosse poesia. Mais uma vez, utiliza a palavra considerando seu valor etimológico: tecido, tessitura – um material pronto a se transformar. Outro “organismo vivo”, uma manufatura literária que pode ser desmembrada e reorganizada, tornando-se diferente de sua origem ao se confrontar e se entrelaçar com as outras dramaturgias. Durante o encontro, ainda que falasse sobre esses vários níveis de organização do espetáculo, Barba se concentrava nos exemplos práticos relativos à “dramaturgia do ator”. São estudos que nos remetem às suas investigações sobre a
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Julia Varley
No Odin Teatret, o erro é sempre bem-vindo, pois obriga a abandonar os estereótipos e a sair da zona de conforto, levando-os a se reinventar
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“Antropologia Teatral”, campo de pesquisa que teve origem no final dos anos 1970, quando ele reflete sobre suas experiências com relação à “presença” do ator. É nessa época que começa a comparar sistematicamente alguns princípios técnicos de atores e dançarinos provenientes das mais diversas tradições teatrais do mundo. São os mesmos princípios que as testemunhas deste encontro público puderam identificar no corpo de Julia Varley enquanto ensaiava junto ao seu diretor. A “dramaturgia do ator” não é um modo de representar, mas uma técnica para realizar “ações reais” na ficção do palco. Quando um ator está ensaiando uma cena, por exemplo, pode segmentar suas ações físicas em fragmentos cada vez menores até chegar a ações minúsculas, praticamente indivisíveis ou até microscópicas, os impulsos – que podem ser invisíveis ao espectador, mas já produzem um efeito cinestésico sobre ele. Essas “pequenas formas dinâmicas”, para serem ações reais, devem necessariamente ter origem na espinha dorsal e se irradiar por todo o corpo, alterando sua tonicidade muscular. Barba sempre diz que uma ação física é como uma palavra que possui sílabas e letras. Segmentar uma ação é “silabá-la” na escrita cênica, considerando que ela deve ter começo, meio e fim, e que pode ser repetida com precisão. Se as ações são reais, vão ser imediatamente percebidas pelo sistema nervoso do espectador, do mesmo modo que reagimos ao ver os dribles de uma luta de boxe ou de uma partida de futebol. A expressão “partitura de ações”, utilizada pela primeira vez por Stanislávski, também faz parte da terminologia de trabalho do Odin Teatret e aponta para um conjunto sequencial de ações. Há quem esteja convencido de que trabalhar com uma partitura de ações limite o ator, aprisionando-o em formas rígidas e sem vida. Mas aí vem a comparação: só porque um músico segue
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uma partitura de notas fixas, ele não é capaz de “improvisar dentro da partitura”? E se pedirmos para dez músicos tocarem uma mesma composição, o som de todos será igual ou cada um imprimirá, nos matizes de suas harmonias, algo que é profundamente seu? Cada ser humano possui uma própria anatomia e uma própria biografia. E a partitura, ao invés de aprisionar, liberta. Dá ao ator a estrutura e a segurança necessárias para voar, sem medo de cair. Fundamental na tradição do Odin Teatret é o papel criativo do ator no processo de construção do espetáculo. Sem dúvida, ele é coautor e não materializa simplesmente os desejos do diretor. O diretor os provoca, sugerindo temas e apontando caminhos. Mas também espera que seus atores o surpreendam, inclusive negando suas diretrizes e desafiando-o. Cada ator traz para os ensaios seus próprios “materiais”
(partituras de ações físicas e vocais; propostas de figurinos, acessórios e objetos cênicos; temas e textos a serem trabalhados ao longo do processo, relacionados ou não a experiências e interesses pessoais), que deverão dialogar com os materiais dos outros atores, orquestrados posteriormente pelo diretor. No Odin, o erro é sempre bem-vindo, pois obriga a abandonar os estereótipos e a sair da zona de conforto, levando-os a se reinventar. Uma das “superstições” de Barba, a propósito, é absorver o erro em cena, dando espaço ao imprevisto. Como chegar à complexidade para pôr em forma a incompreensão? Procurando problemas ou buscando soluções? Esta é uma das grandes diferenças entre a arte e a vida.
Do conceito à prática: o que vimos no Teatro Poeira? Julia Varley foi a atriz do Odin que acompanhou Eugenio Barba na aventura do Teatro Poeira. Nascida em Londres, em 1954, e integrante do grupo há 35 anos, é também
autora de livros e artigos sobre o trabalho do ator, diretora teatral, professora e organizadora de variados eventos do Teatro Laboratório Escandinavo. Para o seminário carioca, Julia trouxe consigo Mr. Peanut, personagem arquétipo do Odin, que existe desde 1976, mas que em suas mãos – a partir de 1980 – ganhou sua identidade definitiva. Foi com Peanut que ela e Barba nos receberam bem no início do seminário, com o miniespetáculo Matando o tempo: 17 minutos na vida de Mr. Peanut, apresentado pela primeira vez no Rio de Janeiro. Mas, antes disso, também tivemos a oportunidade de ver Mr. Peanut no espetáculo O castelo de Holstebro, apresentado no dia anterior, em português. Durante o seminário, foram muitas as dramaturgias que se cruzaram, não apenas as de Aderbal e Barba. Mas também aquelas dos vários personagens que ganharam vida no palco. Além de Mr. Peanut, Julia nos apresentou outro personagem que aqui vamos chamar de “A mãe”, pois ainda está sendo gerado e fará parte do novo espetáculo pessoal que ela está ensaiando com Barba, Minha filha Maria, inspirado na figura da atriz chilena Maria Cánepa (1921-2006) e com textos do poeta Gonzalo Rojas, também chileno. No palco do Poeira, testemunhamos um verdadeiro work in progress. Lá, Barba estava realmente dando continuidade aos seus ensaios com Julia em função dessa
montagem. Tivemos a oportunidade de participar do processo criativo do diretor e da atriz, vendo como ela desenvolvia, em ações físicas e vocais, os temas sugeridos por Barba. As ações nasciam de improvisações que deveriam ser repetidas incansavelmente até serem fixadas. Esse era o primeiro passo: a atriz precisava recordar os impulsos iniciais que geraram a primeira improvisação, sendo capaz de reproduzir todas as ações feitas anteriormente, dando-lhes vida, tornando-as orgânicas, eficazes a ponto de gerar ressonâncias no espectador. Vimos a vida brotar no palco, crescer e se estruturar. Mas não a partir da verossimilhança, e sim com a loucura da extrema artificialidade, em busca de uma “outra realidade de vida”, evocativa, sensorial, individual. Julia não precisava sentir ou interpretar um personagem, não tinha que se emocionar com ele. Pelo contrário, precisava agir, fazer ações, estruturar e fixar os fragmentos de cena aos quais se dedicava. E assim, cenas de Mr. Peanut que pertencem ao miniespetáculo Matando o tempo iam se entrelaçando com cenas que ainda estavam ganhando forma em Minha filha Maria, fazendo surgir novas lógicas, associações, relações, como se duas galáxias se “confundissem” para gerar uma nova – e incompreensível (!) – realidade. Naqueles dias não vimos Julia fazer seu treinamento. Esse não era o objetivo do seminário. Ela já chegava para ensaiar seguindo as
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orientações de Barba. Vale dizer que hoje, no Odin, os treinamentos feitos individualmente pelos atores são diferentes do passado. Antigamente, eram mais rígidos e constantes, e faziam-se mais improvisações sem ter o espetáculo como objetivo final. Ao ser perguntado sobre a razão pela qual seus atores, hoje, não treinam mais como no passado, o diretor esclareceu que muitos conhecimentos adquiridos já foram “incorporados”: “Se agora, por exemplo, Julia é capaz de atender prontamente ao que peço – diz Barba – é porque tem a experiência de todos aqueles anos consigo. Hoje, seu corpo sabe pensar através de ações”. A poesia de Rojas sugeria temas a serem “modelados” cenicamente pela atriz. Barba dizia: “Julia, improvise uma ação física com o tema ‘uma flor de lótus, iluminada pelos raios de sol, desabrocha.’ (...) Agora, faça improvisações vocais com o
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tema ‘um pássaro voa sobre um mar de ruínas’”. Em certo momento, Julia se dirige aos participantes e diz: “No começo, eu penso na imagem e a procuro no meu corpo e na minha voz. Depois que ela já está pensada, eu preciso da imagem para repetir o que fiz, até que ela se transforme em algo novo.” São sempre temas sugestivos e abertos a todo tipo de interpretação. Podem evocar memórias pessoais ou não. O ator decide o que revelar e o que esconder. Suas ações podem ter um subtexto íntimo e secreto, velado até mesmo ao primeiro espectador, o diretor. As propostas de Barba podem parecer absurdas, colocam os atores em dificuldade. Mas é exatamente para que saiam do casulo. Para que surpreendam a si mesmos. E a ele também. É por essa mesma razão que o erro é sempre bem-vindo em cena: durante os ensaios no Poeira, por
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exemplo, ao pegar o jornal para lê-lo, Mr. Peanut o segura de cabeça para baixo, sem se dar por isso. Ao repetir a cena, segura o jornal de cabeça para cima. Barba diz: “Não Julia, na passagem anterior da cena o jornal estava de cabeça para baixo, mantenha o erro! Não importa se isso não parece lógico, aqui há uma outra lógica.” Vale recordar os primeiros segundos em que Mr. Peanut entrou no palco com Matando a vida: um caminhar estranho, movimentos não cotidianos, assim como não é cotidiana a sua figura. Mas depois é criada “uma outra lógica” na continuidade das ações. E tudo aquilo passa a ser “crível”. Em alguns momentos vimos a atriz exausta. Eram muitos os elementos a serem lembrados, com a mente e com o corpo, além do esforço para falar em português. Às vezes ela e o diretor falavam entre si em italiano, que é a língua de trabalho normalmente utilizada pelos dois – quando não estão presentes os demais atores. Quando Barba considerava importante que os participantes entendessem o que diziam, era feita a tradução simultânea de suas conversas. Mas, ao longo do seminário, durante quase todo o tempo,
tanto ele quanto Julia se esforçavam para se comunicar em nosso idioma. E o faziam muito bem. Enquanto ensaiavam, às vezes utilizavam a música, elemento dramatúrgico fundamental nos espetáculos do Odin. Não só por ocupar um lugar que a palavra não pode preencher, mas também para estimular a atriz a encontrar novos dinamismos corporais em suas improvisações, trabalhando o ritmo e a velocidade de suas ações no espaço, em todas as direções. As ações vocais também foram muito trabalhadas por Julia durante o seminário: entonações, volume, intensidade, musicalidade, coloração, dinamismo. Na tradição do Odin, as ações vocais não representam simplesmente o “texto dito”. São muito mais que isso. Elas têm um papel essencial na dramaturgia sonora do espetáculo e, como a música, também passam informações que vão além das palavras que surfam suas ondas. São uma espécie de prolongamento invisível do corpo que atua no espaço e toca o sistema nervoso do espectador. Enquanto as palavras comunicam apenas no nível semântico, os estímulos vocais e sonoros comunicam num outro plano.
Isso tem a ver com a nossa dimensão instintiva, animal. Presenciamos então vários momentos em que Julia fazia dialogar “os três idiomas do ator”, como diz Barba: sonoro (a música e a voz); ações físicas (a “dança” do ator, seus dinamismos); palavra (o texto, a história contada). Esses são os fios tecidos e entrelaçados em continuação pelos atores do Odin, na construção de sua própria dramaturgia. Conforme a proposta do seminário, em certos momentos Barba seria o assistente de Aderbal, em outros a situação se inverteria. E assim foi. Quando não estavam em cena com seus respectivos atores, sentavam-se lado a lado na plateia e, em alguns instantes, trocavam ideias sobre o que viam nas cenas um do outro. Foram muitas as conversas ao pé do ouvido que não pudemos acompanhar, mas talvez fizessem parte daquele espaço íntimo de uma cumplicidade construída ao longo dos 23 anos de amizade e troca profissional. Chegamos a ver um ou outro fazer proposições diferentes aos seus atores após essas “conversas”. Ou seja, ainda que não participássemos delas, víamos algo se transformar em cena a partir delas.
“No começo, eu penso na imagem e a procuro no meu corpo e na minha voz. Depois que ela já está pensada, eu preciso da imagem para repetir o que fiz, até que ela se transforme em algo novo.”
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Julia Varley
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Um exemplo concreto: enquanto Julia improvisava suas cenas, como Mr. Peanut ou como “A mãe”, surgiam situações que precisavam ser solucionadas cenicamente dentro da lógica (ou da não lógica) do que se queria contar. Como na tradição do Odin nenhum figurino, objeto ou acessório de cena é casual – mas possui um ou mais significados e está em constante relação com tudo o que acontece à sua volta – era preciso encontrar um novo equilíbrio para cada situação que se apresentava: em dado momento, Mr Peanut morre e precisa ser enterrado; como resolver isso cenicamente com os elementos que já se encontravam em cena e tinham outras funções? Aderbal sugere a Barba que Mr. Peanut seja coberto pela “Mãe” com o mesmo jornal que antes era lido de cabeça para baixo. Barba acolhe a sugestão e a cena ganha novos sentidos e associações. Essa escolha foi mantida não só durante os dias
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que estivemos com eles no Poeira, mas também depois que o seminário terminou e os ensaios de Barba tiveram continuidade fora dali.
Divergências ou Convergências? Há muito o que ser escrito sobre as diferenças profissionais entre Barba e Aderbal no que se refere ao próprio artesanato teatral, às ferramentas pessoais do ofício. Entre as diferenças mais visíveis, podemos dizer, por exemplo, que enquanto o diretor italiano ensaia anos para estrear um novo espetáculo, o diretor brasileiro pode montar uma peça em poucos meses. Também podemos dizer que Barba conduz uma companhia estável há 47 anos e Aderbal não vive esta mesma realidade. O Odin Teatret possui sede própria, com espaços à disposição do grupo para treinar, ensaiar e estrear. O nômade Aderbal já se
instalou em diferentes espaços, adequando-se cada vez à realidade que tem à disposição. Mas o que será que determina as escolhas profissionais e as condições materiais dentro das quais um diretor desenvolve seu ofício? Para falar das escolhas dramatúrgicas, vale retomar o tema do “texto escrito”. Se para o Aderbal do romance-em-cena o texto é, sem dúvida, o ponto de partida para a montagem, para o Barba da antropologia teatral o texto – tanto em seu sentido ampliado quanto no uso corrente da palavra em si – é o ponto de chegada. São escolhas que norteiam caminhos a serem percorridos, apontam a trajetória de uma viagem, mas não determinam seu sucesso nem constituem um juízo de valor. Desdobrando esse ponto, podemos dizer que Aderbal, desde o momento em que começa a colocar um romance em cena, reivindica de seus atores uma total precisão e fidelidade ao texto, já que “o teatro deve potencializar a palavra escrita” – afirma. Já Barba se inspira em um ou mais textos e os trabalha ao longo dos vários anos de ensaio
com seus atores, que, por sua vez, também podem se inspirar em outros textos ou histórias, segundo as associações pessoais de cada um. E todas essas “palavras” – como qualquer material cênico – são costuradas, entrelaçadas e postas em relação a todas as outras dramaturgias vivas do espetáculo. Portanto, o “texto final” é, de fato, o ponto de chegada de uma longa e labiríntica viagem. Mas será que Aderbal Freire-Filho, em seu romance-em-cena, é realmente mais fiel ao texto do que Eugenio Barba? Se, de um lado, ele busca não alterar ou desconfigurar o texto escrito, de outro é capaz de decompô-lo nos mais inusitados personagens que não foram originalmente criados pelo autor, numa fragmentação que aparentemente não o trai. Mas o que significa “trair” ou “não trair” o autor? Será que, no final, Aderbal não o “trai” tanto quanto Barba ao criar novos personagens em cena, ao “reescrever” o texto no corpo de seus atores? Estamos, então, falando de convergências ou de divergências? Será que a resposta a essa questão
intelectual é relevante para a ficção da cena, para seu resultado final? Aqui também poderíamos abrir vários parágrafos falando de algumas diferenças entre os atores do Barba e os do Aderbal, considerando que os primeiros trabalham com a segmentação e a fixação de precisas “ações físicas e vocais”, verdadeiras coreografias, enquanto os segundos têm uma margem maior de “movimentação” no espaço. É o modo de cada diretor – e de cada ator – elaborar seu próprio drama-erguein. Então, o que é mais importante? O que os une ou o que os separa? E será que aquilo que consideramos separá-los os separa de verdade? Será que, diante da ficção do teatro, existe o certo ou o errado? O feio ou o bonito? Será que não devemos ir além do “gosto / não gosto” para reconhecer esses dois missionários que lutam, cada um com as próprias armas, com o próprio artesanato, em prol da dignidade e da sobrevivência do teatro nos dias de hoje, defendendo, com unhas e garras, a ética de seu ofício? Para isso, não são os meios utilizados ou os resultados pessoais que importam, mas o que os move em suas buscas através do teatro. Na construção das relações. Na conquista da própria identidade e da própria diferença. Importa mesmo o que é subterrâneo, e não o que é visível. É neste substrato comum que Aderbal e Barba se encontram, e dialogam, fazendo juntos vibrar o mesmo diapasão.
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Paralelos Renata Caldas*
* Renata Caldas é jornalista e atriz formada pela Universidade de Brasília. Autora da pesquisa O romance-em-cena de Aderbal Freire-Filho (Prêmio Funarte de Estímulo à Crítica em Artes).
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A admiração é recíproca. Em meio a encontros em pontes aéreas de eventos teatrais, algumas questões são frequentemente debatidas pelos dois mestres do teatro. Uma delas diz respeito à identidade artística do diretor, função tão pouco palpável numa montagem. Como identificar, então, o trabalho de um diretor teatral? Esse foi o tema para começo de conversa. A tentativa foi responder à indagação na prática, como se a plateia fosse voyeur de uma sala de ensaios. Detenho-me aqui especificamente sobre o trabalho de Aderbal Freire-Filho, vez ou outra, apontando pontos tangentes à demonstração de Eugenio Barba. O uso da palavra na cena é outro aspecto recorrente nas conversas de Aderbal. A palavra é seu ponto de partida, sua fonte motora, seja para um espetáculo a partir de um texto dramático ou de um romance. Não é à toa a insistência em bater nessa tecla. Apaixonado por literatura, ele objetiva preservar os valores da palavra no palco. “Quero fazer um teatro verboso, que seja muito teatral”, diz o diretor, que
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garante: “não é a palavra que determina um teatro literário”. O alcance dessa obsessão chama-se romance-em-cena, poética que nasceu com A mulher carioca aos 22 anos (romance de João de Minas, com estreia em 1990), retornou com O que diz Molero (de Dinis Machado, em 2003) e pode ser vista em apresentações esporádicas em O púcaro búlgaro (de Campos de Carvalho, em 2006). Para se ter ideia da complexidade da linguagem, em mais de 80 peças dirigidas por Aderbal, somente as três citadas foram romances-em-cena. A primeira montagem nesse formato levou um ano e meio até ficar pronta e estreou com 4h40min. Gradativamente, os demais espetáculos foram diminuindo em tempo de ensaios e duração final. Juntamente com o primeiro romance-em-cena surgia o Centro de Demolição e Construção do Espetáculo, grupo em atividade de 1989 a 1996, que renderia uma história à parte. Vale mencionar a presença de antigos integrantes do Centro no Seminário do Poeira.
transversais
e
Outra lembrança que vem à tona é de workshops com os mesmos Eugenio Barba e Julia Varney em 1991, época em que o CDCE ocupava o teatro Gláucio Gill e promovia intercâmbios entre companhias do Brasil e do exterior. O romance-em-cena brotou dessa enorme vontade de Aderbal de preservar os valores da palavra, de mostrar que é possível colher o máximo de teatralidade de um texto que não foi feito para os palcos, de provar que o teatro não precisa brigar com a palavra. A principal premissa dessa linguagem é não alterar o texto. O romance é transposto para o palco tal qual está no livro, no máximo com pequenas interferências. Parte do texto pode até ser cortada, mas não são adicionadas palavras que não constem no original. Para conseguir êxito nessa façanha, o diretor elimina aquela figura típica do narrador e dá vida aos personagens da obra, fazendo com que os mesmos se encarreguem de descrever seus feitos. Como geralmente existem mais personagens no romance do que atores disponíveis
é comum que esses desempenhem mais de um papel. A poética de Aderbal apresenta uma brincadeira em que a ilusão e sua quebra ocorrem simultaneamente, conforme detalha seu criador: “Não é entrar e sair do jogo da ilusão. No romance-emcena você está permanentemente fora e dentro, porque o ator fala em terceira pessoa e atua em primeira; diz um texto no passado e representa esse texto no presente”. Trata-se, portanto, de um exercício extremo de aceitação da artificialidade tanto para quem vê quanto para quem desempenha. Extremo e complexo. Como foi dito, o ponto de partida é o texto sem adaptação dramatúrgica, ou seja, o romance não é transposto em texto dialógico, como certas vezes vemos no teatro e, frequentemente, no cinema. Se a adaptação não se dá na transformação de passado em presente, de narração em diálogo ou de terceira em primeira pessoa, a transposição cênica é bem trabalhosa. Eis uma adaptação e tanto, “absoluta”, como define Aderbal.
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Logo que criou o romance-emcena, o diretor afirmava que não se tratava de uma adaptação. Agora entende que é preciso fazer uma profunda adaptação para preservar a narrativa e, ao mesmo tempo, transformá-la em puro teatro. “Para fazer com que a gente identifique essas qualidades do teatro, o mistério, a sedução, a teatralidade, tenho que dar um nó nas tripas do texto, fazer uma enorme mudança para que isso aconteça”, diz. Em suma, a adaptação é cênica, não literária. O romance-em-cena é a síntese perfeita dessa busca pela natureza da ilusão, na qual a imaginação do público é aliada permanente. “Eu só posso contar essa história se o espectador aceitar que esse meu ator desmonte, monte outra coisa e de novo acredite na história”, explica o diretor. Foi exatamente o que a plateia do Poeira pôde acompanhar. É no
exercício fronteiriço que o inquieto Aderbal se sente em casa. Interessa-lhe o jogo do ator que trabalhe na fronteira com seu personagem; com o compromisso e o descompromisso; com o épico e o dramático; o distanciamento e a aproximação. Como foi dito, o narrador é o próprio personagem, que surge quando é citado no texto e “presentifica” o que narra. A explicação teórica é mais facilmente compreendida quando começa a prática do romance-em-cena. Alternadas por turnos, as demonstrações de Barba e Aderbal mostraram-se bem diferentes. A começar que Barba trabalhou com uma única atriz. Outra peculiaridade é que, por causa da plateia, a comunicação se deu ora com Barba e Julia Varley falando português, ora com tradução. Esse detalhe tira um pouco da naturalidade do que seria um ensaio corriqueiro. Cultuado principalmente
Ísio Ghelman
Raquel Iantas, Candido Damm e Gillray Coutinho
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por seu legado teórico, Eugenio Barba (com inacreditáveis 74 anos) acredita que o trabalho naquele ambiente envolve tamanha concentração, que compara o teatro a uma sala de cirurgia. De fato, sua atividade ali é minuciosa. Mais à vontade com a proposta, Aderbal e seus atores trabalham de maneira despojada, tanto na criação dos personagens quanto na exposição do trabalho, entrecortadas por risos da plateia. “Por natureza, nós, atores do romance-em-cena, somos comediantes”, justifica o diretor. A descontração nos ensaios é também um impulso na criação dos personagens e na resolução de cenas. Há concentração na elaboração das cenas, mas não é recomendável que os atores se levem muito a sério. Aderbal escolheu dois textos como base. No lugar de um romance, preferiu obras menos extensas. Começou pela crônica Sinais interiores de riqueza, do português António Lobo Antunes, sobre um médico que não consegue esquecer uma paciente. Outro texto utilizado foi do chileno Roberto Bolaño,
uma biografia inventada de Luiz Fontaine da Souza, extraída do livro A literatura nazi nas Américas. Enquanto o texto de Lobo Antunes oscila entre o humor e a melancolia, o conto de Bolaño é mais divertido, fala sobre um escritor carioca com carreira interrompida por internações num sanatório. E para desatar o nó dessa empreitada que pretende fazer da literatura puro teatro, o diretor contou com atores craques no jogo proposto. A começar por Gillray Coutinho, único a participar dos três romances-em-cena; seguido por Raquel Iantas, Candido Damm e Ísio Ghelman. Além de outros trabalhos com Aderbal, esses quatro atores integram o elenco do já mencionado O púcaro búlgaro. Antes do seminário no Poeira, a equipe havia se reunido basicamente para definir o que seria trabalhado e decorar as respectivas falas. Para isso, foi feita uma pré-dramaturgia, ou seja, um primeiro tratamento no texto que dá relevo aos personagens. Alguns estão explícitos, outros são citados, encontrados nas entrelinhas ou descobertos nos
ensaios. É fundamental lembrar que as palavras não são modificadas. Preserva-se o conteúdo da escrita, enquanto a linguagem é quase outra. A literatura agora caminha para a forma teatral. Na transposição cênica do texto de Lobo Antunes, algumas soluções são inusitadas, como a personificação de “um sorriso no lugar”, que o narrador diz deixar numa conversa desinteressante. Outra figura curiosa é Victor Hugo, a quem cabe um fragmento que abre o conto, trecho transformado em prólogo dessa “crônica-em-cena”. Mesmo com descrições remetendo ao passado, os atores seguem a orientação de eliminar o tom narrativo, reticente; procuram levar suas ações e palavras para aquele instante, tentam “puxar” tudo para o presente. Essa é uma das características do romance-em-cena que acompanham Aderbal em outros trabalhos. Mais um passo importante é definir o local da cena, muitas vezes explícito no texto escolhido. Nesse caso, há referência a um restaurante e a um consultório médico. Com o deslocamento de uma mesa, quatro
“Eu só posso contar essa história se o espectador aceitar que esse meu ator desmonte, monte outra coisa e de novo acredite na história”
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Aderbal Freire-Filho
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No romance-emcena, os atores permanecem em atenção permanente, com o corpo preparado para agir ou mudar de personagem repentinamente, seja nas apresentações ou nos ensaios
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cadeiras e alguns objetos, expõemse transições, o público acompanha a criação de novos ambientes e o deslocamento de foco das cenas, que Aderbal chamou de “artificialismo realista”. Nos exercícios a partir do texto de Bolaño, destacamos alguns aspectos da técnica de Aderbal. Aqui também a plateia viu brotar personagens citados na biografia fictícia. Num estalo, surgem tipos como um líder católico, uma enfermeira, um editor e um acadêmico. Essa descoberta agiliza a divisão do texto. Um exemplo: as falas referentes ao hospital são ditas pela enfermeira, enquanto tudo o que diz respeito à publicação dos livros vai para o personagem do editor. A etapa seguinte ao esboço da cena é preencher de humanidade os papéis, para que não fiquem só na caricatura. Por terem participado de montagens no mesmo estilo, os atores
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contam com repertório próprio, que reúne vozes e trejeitos de figuras estereotipados, além da compreensão mais ampla da linguagem e de aspectos como não ilustrar o que é dito e não descartar eventuais anacronismos, como o uso de uma lapiseira por um personagem do século XIX ou um disco dos Beatles oferecido como presente de Ofélia a Hamlet, exemplos citados por Aderbal. É, ainda, comum que objetos ganhem múltiplas funções, como um livro usado também como espelho. Uma das propostas do seminário era que um diretor assumisse o posto de assistente do outro. A troca de funções causou expectativa generalizada. Barba brincou diante do delicado convite do colega: “oferecer seus atores é como oferecer a mulher”. Uma das contribuições mais interessantes nessa alternância foi quanto ao estímulo sensorial oferecido por Barba, despertado geralmente por imagens poéticas. Barba sugeriu que Candido Damm percebesse o frio do banco naquele dia de inverno e pediu que Ísio sentisse
“o peso da glória do homem que sabe que vai virar estátua”, caso de Victor Hugo. Em outros casos, a intervenção de Barba não surtiu tanto aproveitamento, como na sugestão de respirar fundo e contar mentalmente até cem antes da primeira fala e na contagem do número de passos até chegar a um banco de praça.
Paralelos Apesar da falta de rigor em determinados aspectos, alguns conceitos da antropologia teatral podem ser identificados na criação aderbaliana. Ainda que certas características não correspondam com exatidão às noções de Eugenio Barba, arrisco-me a traçar paralelos. No romance-em-cena, os atores permanecem em atenção permanente, com o corpo preparado para agir ou mudar de personagem repentinamente, seja nas apresentações ou nos ensaios (em que há ações desconhecidas, em criação). Essa postura de quem não sai de cena, observa o andamento do espetáculo de uma coxia vazada e está pronto para atuar pode ser associada à
noção de sats, comparada à postura de base de um esportista pronto para reagir e definida por Barba em A canoa de papel (Ed. Hucitec, 1994) como “o impulso de uma ação que ainda se ignora e que pode tomar qualquer direção”. A partitura de ações físicas e vocais é percebida no processo de criação do romance-em-cena. Não se contam passos, mas o tempo corre de forma orgânica, com ritmo e precisão. Movimentos, gestos e registros vocais são desenhados e fixados de acordo com os personagens do romance. Alguns traços precisam ser bem marcados, principalmente dos tipos esporádicos. As cenas construídas são repetidas até que todas as indicações estejam assimiladas. A plateia do Poeira pôde ver que a direção de Aderbal é permeada por marcas, nas quais a precisão surge com a repetição, com o ator encontrando o tempo das ações. O diretor parte da máxima de que, quanto mais marcado, mais livre o ator está. Mesmo sem se dar conta, existe uma espécie de “partitura de coxia”, na qual cada movimento e
cada segundo são preciosos na troca de figurinos, adereços e na transição de cenas, em que móveis são redistribuídos para a cena aos olhos do público. O blecaute nunca é usado. Diferentemente do trabalho do Odin, a música não é fundamental. Aqui, os atores não são necessariamente bailarinos e o teatro não é sinônimo “teatro e dança”. Sendo assim, noções de pré-expressividade e extracotidiano ganhariam conotações diferentes na versão tropical. Disciplina e treinamento, dois conceitos-chaves de Barba, são também relativizados no trabalho de Aderbal. A rotina é flexível, conta com a criação dos atores e considerações do mestre, que costuma revezar a prática com longas conversas. Essas servem como suporte ao trabalho, seja sobre percepções do texto ou sobre rumos do teatro contemporâneo. Quem já acompanhou um processo de ensaios sabe que não há fórmula. Apesar da atmosfera de magia, não existe passe de mágica. É preciso dedicação e paciência para concretizar a proposta do diretor, que pensa o espetáculo como um todo e aperfeiçoa o material que se apresenta nos ensaios. E mesmo o trabalho mais moldado só será lapidado com a presença do público, que dialoga com a obra. Enquanto artistas cênicos buscam reinventar o mundo, as mães dos diretores continuam se atrapalhando na hora de explicar o que os filhos fazem nesse tal de teatro.
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A cena para
crianças Olga de Mello
Uma típica “filha de peixe”, a escritora Flávia Savary conseguiu nadar em águas já exploradas pelos pais, o desenhista Jaguar e a poeta Olga Savary, traçando rotas próprias. Depois de 20 anos como artista plástica, em 1995 aventurou-se como escritora. No ano seguinte, com Oitavo aniversário, primeiro amor, ganhou o Prêmio Cruz e Souza, na categoria literatura infantil, o primeiro entre os mais de 70 prêmios literários que contabiliza. “Sempre tive mania de entrar em concursos e acabei ganhando alguns”, resume Flávia, que em 2004 conquistou o prêmio Funarte de Dramaturgia para Infância e Juventude com a peça Sangue de dragão. Até escrever para teatro, dedicando-se ao público infanto-juvenil, Flávia singrou por diferentes oceanos criativos. A primeira navegação
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foi pelos mares da ilustração, ainda adolescente. Como desenhava desde criança, foi convidada por Fausto Wolff – um dos fundadores do Pasquim, junto com Jaguar – a ilustrar um de seus livros infantis. “Começaram a surgir convites de editoras para todo o tipo de publicação. De repente, descobri que tinha uma profissão”, lembra Flávia. Não que as artes plásticas fossem sua primeira opção de trabalho. Adolescente tímida, ela também gostava de escrever, mas não acalentava o projeto de fazer da escrita seu ofício. “Eu havia deliberado que jamais seria escritora, mesmo tendo decidido estudar Letras. Preferia a invisibilidade a ser comparada com os talentos de meu pai e de minha mãe”, diz Flávia, que credita à curiosidade suas incursões por diferentes atividades, entre elas a de modelo –
TRECHO DA ILUSTRAÇÃO DE ALEXANDRE CAMANHO PARA CAPA DO LIVRO CADÊ?
Artista plástica e escritora, Flávia Savary, vencedora de prêmio de dramaturgia infantil, desenvolve projetos de teatro para crianças e jovens
posou para capa de disco, na década de 1970, quando também foi protagonista de uma fotonovela. “Curiosa, sempre fui, e estava em busca do que pudesse me interessar. Primeiro vieram as artes plásticas. Depois, vi que de minha forma favorita de escrever, a epistolar, poderia partir para outros textos e chegar à dramaturgia”, acrescenta Flávia, que há cinco anos vem escrevendo um romance para jovens. “Tem fantasia e aventura, mas não será para crianças. Já está lá pela página 400”, conta a escritora, que mora em Teresópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, onde desenvolve projetos de dramaturgia para crianças e jovens ao lado do marido, o músico Braz Nascimento. O primeiro a prever o futuro de Flávia como escritora foi o desenhista Ziraldo, quando estava preso
Cadê?, de Flávia Savary com ilustrações de Alexandre Camanho. Coleção De cena em cena / Projeto Zepelim, Editora Positivo, 2010
Anabela procura e acha mais do que procura, de Flávia Savary com Ilustrações de João Lin. Editora Dimensão, 2007
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TRECHO DA ILUSTRAÇÃO DE JEAN-CLAUDE R. ALPHEN PARA CAPA DO LIVRO O HERÓI
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Vinte Cantos de Sereia, de Flávia Savary com ilustrações de Suppa. Editora Dimensão, 2004
O Roque da Cigarra, de Flávia Savary com ilustrações de Ivan Zigg. Editora Salesiana, 2008
com Jaguar e outros companheiros do Pasquim, em 1970. “Era época de Natal e eu escrevi cartas para todos eles. Ziraldo disse, então, que eu seria uma boa escritora, porque conseguia escrever como falava. Continuei escrevendo cartas, o que faço até hoje nesses tempos de Internet. Sou uma fiel usuária dos Correios, adoro mandar cartões, chocolates, presentes”, comenta Flávia. A dramaturgia seria uma de suas formas favoritas de expressão. Na infância, iniciou sua paixão pela encenação teatral, que está presente até quando escreve prosa. “As palavras não surgem na minha imaginação, mas, sim, cenas, com personagens que se dirigem para a esquerda, que saem do cenário. Ir ao teatro era lei na minha família. Eu estava sempre no Tablado e não só para assistir às peças
novas, mas para qualquer montagem do Cavalinho azul. Acho que isso acabou influenciando minha forma de criação”, observa Flávia. Definir-se como artista plástica ou escritora ainda é difícil. “Já me peguei preenchendo ficha de hotel, em viagem, informando que minha profissão é ilustradora, embora atualmente esteja mais ligada ao texto do que às imagens”, conta. Superou a pressão sofrida pelas inevitáveis comparações com as atividades dos pais ao escrever A cara de quem?. Uma pressão que a acompanha até hoje: “Ouvi a mesma pergunta desde criança. Se desenhasse, era como meu pai, se escrevesse, tinha herdado o talento da mãe. Escrever esta história foi minha catarse”, admite Flávia. A opção pela literatura infantojuvenil responde ao anseio de trabalhar com um universo maior de
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possibilidades criativas e dramáticas. Gosta de citar C.S. Lewis, o autor de Crônicas de Nárnia, para quem a literatura infantil é a melhor forma de arte para contar uma história. “Acho um absurdo que se menospreze a literatura infanto-juvenil, que chamem de ‘livrinhos’ obras memoráveis como Alice no país das maravilhas ou Peter Pan. São histórias que falam de morte, de perdas, de superação, de amadurecimento. Já o teatro infantil é um caldeirão em que podemos jogar um número de ingredientes infinitamente maior do que em textos para adultos, utilizando a fantasia para soluções mágicas, e que permite que eu invente até o infinito”, explica a escritora. A dramaturgia infantil como função educativa exige um cuidado especial do autor, que não pode ser banal, vulgar ou inconsequente, e deve buscar nas lições dos clássicos caminhos para o mundo contemporâneo, acredita Flávia. Em O roque da cigarra, de 2006, a fábula de La Fontaine é revista, trazendo uma formiga obsessiva em relação ao trabalho. “Na época em que foi escrita, havia necessidade de valorizar o trabalho e a economia. Hoje, precisamos mostrar às crianças que não adianta trabalhar ensandecidamente, que é importante sermos solidários e amigos. A solução para o dilema da peça é transformar a Formiga em produtora da Cigarra,
“É bem verdade que a menina se parecia demais com o pai e a mãe. Até aí nenhuma novidade, porque ela não era filha de chocadeira, ora! Agora, chato era ouvir sempre a mesma lengalenga onde quer que fosse. O X da questão não se resumia em parecer com um ou com o outro. O fato de ser comparada com um pedaço de alguém, mais um pedaço de outro alguém, ainda que amados, é que fazia ela se sentir igual ao Frankenstein.” A cara de quem?, Flávia Savary
porque os workaholics também têm seu lugar na sociedade”, afirma Flávia, que ainda não teve esta peça encenada. “Sou o contrário dos personagens de Pirandello, em busca de um autor. Sou uma autora em busca de um grupo teatral para montar alguns textos”, brinca a escritora, que elogia a iniciativa de diversas editoras, que voltaram a publicar textos teatrais. “Durante muito tempo, as cópias das peças só podiam ser encontradas graças ao trabalho da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, uma entidade que sempre procurou respaldar a vida cultural do país como parte de sua história. Graças a esse empenho da Sbat, a dramaturgia, felizmente, voltou a ter espaço no mercado editorial, permitindo que as novas gerações entendam o teatro como literatura”, conclui Flávia Savary.
O herói, de Flávia Savary, com ilustrações de Jean-Claude R. Alphen. Coleção Confabulando / Projeto Zepelim, Editora Positivo, 2010
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COMPANHIA BRASILEIRA EM SINTONIA COM O MUNDO Sediado em Curitiba, o grupo dirigido por Márcio Abreu encena obras de autores pouco difundidos no Brasil e revela vigor autoral nas operações dramatúrgicas e no trabalho com os atores Daniel Schenker
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O comprometimento dos atores com o trabalho, não no que se refere “simplesmente” à dedicação, mas à coragem em mostrar ao público uma fala que se aproxime da primeira pessoa, é uma das características mais visíveis da Companhia Brasileira de Teatro, sediada em Curitiba. Essa qualidade pode ser percebida no aclamado Vida, espetáculo nascido de um mergulho na obra de Paulo Leminski (perpetuado no solo Descartes com lentes), e agora em Oxigênio, montagem apresentada na última edição do Festival de Curitiba, na qual os integrantes se apropriaram do texto do russo Ivan Viripaev. “Não uso a pessoalidade de cada intérprete como material de trabalho. Não procuro fazer os atores transportarem acontecimentos de suas vidas para o palco. É verdade que em Vida eles usam seus nomes em cena. Mas quero que tragam materiais que se originaram de estímulos lançados por mim durante o processo de ensaios. Foi a partir daí que escrevi o texto de Vida”, esclarece Márcio Abreu. Em Oxigênio, os atores Rodrigo Bolzan e Patrícia Kamis dão a impressão de expressar suas próprias tomadas de posição. Na verdade, isso decorre da estrutura do texto de Viripaev. “Os intérpretes originais de Oxigênio são Viripaev e uma atriz. Em determinado momento, a atriz fala: ‘eu não posso dizer mais nada, porque o autor escreveu essa peça para dizer verdades
dele’. Considero uma evidência do que aconteceu durante a concepção do texto. A discussão entre autor e atriz foi sedimentada na escrita”, observa. Mesmo não sendo exatamente o caso de Oxigênio, hoje em dia vários espetáculos evidenciam um paradoxo: os atores assumem a primeira pessoa para depois recusá-la, como se estivessem fazendo questão de sublinhar que os fatos ali descritos não são referentes às suas vidas. Existem, claro, exceções. “Fiquei impressionado com Open house, de Daniel Veronese, cuja estrutura é baseada em uma sucessão de depoimentos pessoais, ditos sem nenhum pudor, de uma beleza inominável. E vi Mi vida después, de Lola Arias, peça em que os atores relatam suas experiências de infância durante a ditadura militar. Em Vida, há uma cena que se aproxima disso: aquela em que Ranieri Gonzales mostra suas tatuagens. As tatuagens são, de fato, dele. As histórias que conta, verdadeiras. Mas o que se desenrola depois, não”, explica. Particularmente em relação ao trabalho do ator, Márcio Abreu procura conduzir seu elenco rumo a atuações fincadas no aqui/agora da apresentação. “A minha preocupação reside em como tornar a cena viva. Às vezes, nós nos deparamos com uma dramaturgia moderna, mas nos vemos diante de um ator ainda vinculado a códigos interpretativos do século XIX”, constata o diretor de Volta ao dia, inspirado em textos de Julio Cortázar.
Oxigênio, com Patricia Kamis e Rodrigo Bolzan
ELENIZE DEZGENISKI
ELENIZE DEZGENISKI
Giovana Soar, Ranieri Gonzalez e Rodrigo Ferrarini no espetáculo Vida
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Luis Melo em O que eu gostaria de dizer
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DIVULGAÇÃO
Chiris Gomes, Tais Tedesco, Giovana Soar e Nadja Naira no espetáculo Suite 1
O exercício de apropriação realizado por Márcio Abreu e pelos atores da Companhia Brasileira de Teatro também pode ser detectado no campo da dramaturgia, seja no que diz respeito aos textos concebidos durante os ensaios, seja em relação aos que resultam de operações, mais ou menos contundentes, sobre obras fechadas de autores diversos. “A tradução de Oxigênio foi uma etapa fundamental do trabalho. Não procuramos traduzir as palavras com perfeição, e sim ver o que provocam nos atores. Então, reescrevi falas”, explica. A determinação em traduzir está ligada a um desejo de ampliar o repertório dramatúrgico. “Nas escolas de teatro são montados os mesmos textos porque não há tradução de outros. Lembro que aos 18 anos andava atrás de peças e não encontrava”, conta Márcio Abreu, que tem publicado os textos dos espetáculos do grupo pelas editoras Imprensa Oficial e 7 Letras. As demais escolhas dramatúrgicas de Abreu não foram arbitrárias. “Os estudos ligados a Anton Tchekhov e Philippe Minyana me levaram a Jean-Luc Lagarce, que reúne elementos presentes nos outros dois. Não busco textos para montar. E nem penso em sentar para escrever um”, afirma o diretor, que encenou Daqui a duzentos anos, a partir de Tchekhov, Suíte 1, de Minyana, e Apenas o fim do mundo, de Lagarce.
LUANA CAPOBIANCO
Rodrigo Ferrarini, Giovana Soar, Chris Macedo e Janaina Spoladore no espetáculo Apenas o fim do mundo
“Não busco textos para montar. E nem penso em sentar para escrever um” Márcio Abreu
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Todas essas descobertas foram, em certa medida, suscitadas pela vinda do carioca Márcio Abreu para Curitiba, aos 15 anos. “Aqui eu me condicionei a um ritmo de leituras que dificilmente conseguiria no Rio”, diz Abreu, que passa parte do ano na França e mantém vínculo forte com a capital carioca. Foi no Rio que estrearam montagens da companhia, como Suíte 1 e O que eu gostaria de dizer, resultado de criação dramatúrgica inspirada em textos do escritor português Gonçalo M. Tavares. Oxigênio, quando mostrada em Curitiba, já tinha temporada acertada no Rio. Acompanhando o movimento trilhado por diversos grupos, a Companhia Brasileira de Teatro está estreitando contato com outros coletivos. Por meio do projeto Acto 1, firmou parceria com os grupos Espanca!, de Belo Horizonte, e XIX, de São Paulo. É possível associar as companhias através das pesquisas dramatúrgicas que realizam, ainda que cada uma tenha as suas especificidades: enquanto o Espanca! se destaca pela expressiva utilização de metáforas, o XIX investe na inclusão do espectador na cena e até na transferência da cena para o espaço da plateia. No Acto 2, as companhias ministraram oficinas, participaram de debates e apresentaram trabalhos em processo, conversaram com estudantes de teatro. Agora, no projeto Rumos, do Itaú Cultural, duplas de companhias fazem intercâmbios: mantêm blogs, encontros em suas cidades e se encarregam de mostrar um “resultado”, não necessariamente uma encenação. Durante a realização do Festival de Curitiba, a Companhia Brasileira de Teatro recebeu o Espanca!, que ministrou uma oficina, intitulada Práticas de Ideias Teatrais. O grupo mineiro ainda se encarregou da leitura de El líquido táctil, de Daniel Veronese, e dirigiu a montagem de Delírio em terra quente, com cenas inspiradas em textos de Julio Cortázar, Antonio de Benedetto e Gabriel Garcia Marquez.
Chris Macedo e Maureen Miranda em Volta ao dia
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Uma trajetória singular Atriz que estreou profissionalmente no teatro brasileiro na montagem de Eles não usam black-tie, quando já tinha 47 anos, Lélia Abramo ganha homenagens em seu centenário Daniel Schenker
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Lélia Abramo (1911-2004) é um caso à parte na história do teatro. Nada mais justo que seu centenário seja lembrado. No dia 8 de fevereiro, data de seu aniversário, foi dada partida à série de homenagens à atriz, no Teatro de Arena Eugenio Kusnet, sob a organização do ator Tadeu di Pietro. Trechos do livro Vida e arte – Memórias de Lélia Abramo e da peça Rosa, a vermelha, de Dulce Muniz, ganharam leituras. Não foi uma iniciativa isolada. Sob a curadoria do dramaturgo Chico de Assis, o tributo seguiu com leituras de textos determinantes na carreira de Lélia – além
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de Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guar nieri, Esperando Godot, de Samuel Beckett, Mãe coragem e seus filhos, de Bertolt Brecht, e À margem da vida, de Tennessee Williams. Uma mostra de filmes representativos da trajetória da atriz na Cinemateca Brasileira também foi incluída na programação, que teve ainda o lançamento da segunda edição do livro Arte e vida – Memórias de Lélia Abramo. Vinda dos grupos amadores italianos, a atriz debutou nos palcos brasileiros aos 47 anos, na emblemática montagem de Eles não usam black-tie, peça dirigida por
José Renato (recentemente falecido), no Teatro de Arena, em 1958. Logo na estreia, emocionou o público no papel da sofrida Romana, que assiste ao conflito ideológico entre o marido, Otávio, e o filho, Tião. Não foi um processo fácil para a atriz, que precisou lidar com o sotaque italiano na interpretação de uma mulher de família operária. Perseguiu Romana durante toda a fase de ensaios sem a certeza de tê-la alcançado até a primeira noite de apresentação. “Ao final do ensaio geral, Zé Renato, que parecia estar bastante ressabiado, disse: ‘Lélia, insisti tanto para você fazer o papel e você está aqui e ele lá’. Passei o dia seguinte, que seria a estreia, deitada, concentrando todo meu pensamento e emoção; tomei algumas xícaras de leite e levantei-me à tarde para ir ao teatro, três horas antes do espetáculo. Enquanto esperava nos bastidores minha vez de entrar no palco, jurei a mim mesma que não fracassaria, que interpretaria a personagem com toda a garra possível. E assim foi”, disse a própria Lélia no livro Vida e arte – Memórias de Lélia Abramo. José Renato comprova a excelência do resultado alcançado pela atriz. “Ela venceu o sotaque italiano e conseguiu fazer uma mãe favelada brasileira. O esforço, o trabalho e a dedicação eram características frequentes em seus t r a b a l h o s . Em E l e s n ã o u s a m black-tie ficaram evidentes na cena final que criamos: decepcionada com a partida do filho, ela senta à mesa da cozinha e começa a catar feijão”, relembra. Camilla Amado trabalhou com Lélia Abramo na montagem ao substituir Vera Gertel. “Quando fazia A alma brasileira, com João Carlos Assis Brasil, Lélia foi assistir e perguntou: ‘quer que eu te ensine uns truques?’. Ela me disse para juntar as pontas de dois dedos. ‘Quando se concentrar nessa
atividade, sua mente ficará vazia’. Foi, de fato, o que aconteceu. Faço isso até hoje para meditar”, conta Camilla Amado. Lélia seguiu trabalhando no Teatro de Arena nas montagens de Gente como a gente, de Roberto Freire, sob a direção de Augusto Boal, e Pintado de alegre, de Flavio Migliaccio, conduzida por Boal e José Renato. Contracenou com Cacilda Becker em Raízes, de Arnold Weskler, e foi dirigida por ela em Oscar, de Claude Magnier. Ainda no Teatro Cacilda Becker (TCB) esteve em Rinocerontes, de Eugene Ionesco, conduzida por Walmor Chagas. Cacilda foi determinante na trajetória de Lélia. “Estávamos ensaiando Raízes quando recebi um telefonema avisando que minha mãe não estava passando bem. Não sei se foi a sensibilidade de Cacilda ou a percepção que teve do momento, mas ela parou os ensaios, me levou para casa e ficou ao lado de minha mãe, que faleceu dias depois. Noutra ocasião, soube que minha irmã iria chegar da Europa e estava condenada. Tinha câncer, pouco tempo de vida. Cacilda fez uma festa e, praticamente, ofereceu-a a minha irmã, que ela não conhecia, nem tinha ouvido falar”, contou Lélia Abramo a Luís André do Prado, autor do livro Cacilda Becker – Fúria santa. No Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), companhia capitaneada pelo industrial italiano Franco Zampari, integrou as encenações de Yerma, de Federico García Lorca, e Vereda da salvação, de Jorge Andrade, ambas assinadas por Antunes Filho. Voltaria a trabalhar com Antunes em Ricardo III, de William Shakespeare, e na célebre montagem de Esperando Godot, encenada por diversas atrizes – além de Lélia, Eva Wilma, Lílian Lemmertz e Maria Yuma. “O seu sentido crítico era tão apurado quanto o artístico. Dava gosto vê-
la acionar uma personagem – empolgava!”, elogia Antunes. Também marcou presença em Os ossos do barão, do mesmo Jorge Andrade, em espetáculo do belga Maurice Vaneau, com quem fez Lisístrata, de Aristófanes. Dirigida por Alberto D’Aversa esteve em Mãe coragem e seus filhos e em Os espectros, de Henrik Ibsen. Ganhou o Prêmio Molière por sua interpretação em Os olhos vazados, de Jean Cau. E surpreendeu ao participar da montagem de formatura dos alunos da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) – A mãe, de Bertolt Brecht. Filha do casal de imigrantes italianos Vincenzo e Afra Yole Scarmagnan, e integrante de uma família de artistas, Lélia Abramo teve intensa participação no cinema: fez parte dos elencos de filmes como Vereda da salvação, adaptação de Anselmo Duarte; O caso dos irmãos Naves, de Luiz Sérgio Person; Cléo e Daniel, de Roberto Freire; Joanna francesa, de Carlos Diegues; Eles não usam black-tie, de Leon Hirszman; e Maldita coincidência, de Sérgio Bianchi. Na televisão, destacou-se em novelas como Meu pé de laranja lima, Uma rosa com amor, Os ossos do barão, Pai herói e Pão pão, beijo beijo, além da minissérie O tempo e o vento. Conhecida pelo engajamento político, Lélia Abramo afirma ter sido levada a abreviar a carreira a partir de meados da década de 1980.
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O ritmo da moda no tom do figurino Maria Luiza Franco Busse
Que tal um vestido de noiva dar título a uma peça e toda a indicação de plano cenográfico ser feita a partir das roupas dos personagens? “... vestidos berrantes e compridos. Decotes.(...) Alaíde, uma jovem senhora, vestida com sobriedade e bom gosto, aparece no centro da cena. Vestido cinzento e uma bolsa vermelha”. Foi assim que a peça Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, arrebatou a dramaturgia nacional desde a estreia, em 1943, por seu texto nu e pelo figurino que configurava um cenário na dupla concepção originalmente assinada por Tomás Santa Rosa. No espaço do palco, Vestido de noiva apresentava o tempo do arquétipo matrimonial de longa duração da nossa cultura presente também no recurso do vestuário, graças à apurada sensibilidade e compreensão de Santa Rosa sobre a matéria-prima textual com que estava trabalhando. Não é à toa que ele está entre os grandes figurinistas, oficio que no Brasil tem uma extensa linhagem de talentos. Para este ensaio, além de Santa Rosa, foram selecionados alguns outros que tiveram a oportunidade de participar de espetáculos que se eternizaram. São eles, Kalma Murtinho, Hélio Eichbauer, Maurício Sette e Walter Bacci, que recebem a companhia de Flávio Souza, Ruy Cortez e Luiza Marcier, ainda com seus figurinos em cartaz. Na criação desses artistas é possível perceber o ritmo da moda em cena. Isso é o mesmo que dizer que o tempo ganha significado nos corpos. Nesse caso, é mais do que relevante lembrar que o homem se vestiu pela primeira vez para exercer sua atividade significante. Vestir-se é fundamentalmente um ato de significação para além das razões de pudor, enfeite ou proteção.
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Um ato social em meio à dialética das sociedades. Esse sentido está vivamente presente em Doce deleite, de Kalma Murtinho, e nos demais trabalhos aqui mostrados. O figurino é uma forma de gramática que dá sentido aos objetos da cultura, visto que a roupa diz respeito a todas as pessoas. Na literatura, grandes escritores dedicaram belas páginas ou longas passagens ao assunto. Goethe foi um deles. O romance Os sofrimentos do jovem Werther codificou no traje do rapaz a representação ambígua da paixão e do insucesso sentimental que acabou levando-o à decisão de não mais viver. “Custou-me muito deixar de fazer uso da casaca azul que vestia no dia em que dancei com Carlota pela primeira vez; mas, na verdade, estava já incapaz. Mandei, porém, fazer outra igual, assim como o colete e os calções amarelos. Conquanto este novo vestuário não me produza o mesmo efeito, espero, com o tempo, que hei de vir a ter-lhe a mesma amizade”, desejava o personagem. Naquele ano de 1774, quando o livro foi lançado, Werther inspirou o amor e a morte por meio de sua casaca azul, colete e calções amarelos. Milhares de jovens passaram a vestir-se como ele. E a suicidarem-se também: “Quando o médico chegou junto do desventurado Werther, achou-o ainda caído no chão, sem salvação possível. (...) Estava deitado de costas, ao pé da janela, inerte, com as botas calçadas, vestido de casaca azul e colete amarelo”. Assim como costuma ser no teatro, Werther é um caso explícito de quando a roupa faz a personalidade. Vale ressaltar que em 1791 Goethe assumiu e dirigiu o teatro da corte de Weimar por 26 anos. Bom espetáculo.
ACERVO FUNARTE / ARQUIVO BRÍCIO DE ABREU
Maria Della Costa e Sandro Polonio, com figurino de Santa Rosa para A rainha morta. Teatro Ginástico, 1946
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Figurino de Santa Rosa para Vestido de noiva A falecida, de Nelson Rodrigues, com figurinos de Santa Rosa. Teatro Municipal, 1953
A falecida, 1953
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ACERVO FUNARTE / CARLOS
ACERVO FUNARTE / CARLOS
Auristela Araújo, Carlos Perry e Luiza Barreto, com figurino de Santa Rosa para o espetáculo Vestido de noiva. Teatro Carlos Gomes, 1947
Marina Gonçalves, Aguinaldo Camargo, Abidias Nascimento, Ruth de Souza, Roney da Silva e José Maria Monteiro em O filho pródigo com cenário e figurinos de Santa Rosa. Teatro Experimental do Negro, 1947
FOTOS: ACERVO FUNARTE
Santa Rosa em seu atelier, 1955
FOTOS: ACERVO FUNARTE
O filho pródigo
Hélio Eichbauer
Renato Borghi e Henriqueta Brieba em O rei da vela
Otávio Augusto em O rei da vela, de Oswald de Andrade, com figurino de Hélio Eichbauer. Teatro Oficina, 1967
Dina Sfat em O rei da vela
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ACERVO FUNARTE FOTOS: ACERVO FUNARTE / NEY ROBS
Kalma Murtinho, 1967
ACERVO FUNARTE / ARQUIVO BRÍCIO DE ABREU
Milton Morais e Haroldo de Oliveira em Pedro Mico, com figurino de Kalma Murtinho, 1959
Bibi Ferreira em Gota d`água. Teatro Carlos Gomes, 1976
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Gota d`água, com figurino de Walter Bacci. Teatro Carlos Gomes, 1976
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Nathalia Timberg, Sérgio Britto e Clarisse Derzié em O Jardim das cerejeiras, com figurino de Kalma Murtinho
ACERVO FUNARTE / CARLOS
Isabel Camargo no espetáculo Pedro Mico, 1959
As lágrima amargas de Petra Von Kant, com figurino de Kalma Murtinho. Teatro dos Quatro, 1982
Fernanda Montenegro, Renata Sorrah e Rosita Thomaz Lopes em As lágrima amargas de Petra Von Kant
FOTOS: ACERVO FUNARTE
Fachada do Teatro Maison de France com o espetáculo O amante de Madame Vidal, com figurino de Kalma Murtinho, 1974
José Lewgoy em O Jardim das cerejeiras. Teatro dos Quatro
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Marco Nanini em Doce deleite, 1983
ACERVO FUNARTE / VANIA TOLEDO
Doce deleite, 1983
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ACERVO FUNARTE / ALEXANDRE SALGADO
FOTOS: ACERVO FUNARTE
Bia Nunes em Doce deleite, com figurino de Kalma Murtinho, 1983
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FOTOS: ACERVO FUNARTE
Marieta Severo, Otávio Augusto, Claudia Jimenez e Thelma Res no espetáculo Ópera do malandro, com figurino de Maurício Sette. Teatro Ginástico, 1978
Tony Ferreira e Otavio Augusto em Ópera do malandro
Ilva Niño em Ópera do malandro
Otávio Augusto, Marieta Severo e Cleber Thomaz em Ópera do malandro
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RENATO DE AGUIAR CARLOS CABÉRA
CARLOS CABÉRA
ÁLVARO MUTAY
Espetáculo Variações freudianas 1: o sintoma, da Cia. Inconscientes em cena, com figurino de Luiza Marcier, 2011
As conchambranças de Quaderna, de Ariano Suassuna, direção Inez Viana, com figurino de Flávio de Souza, 2010
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FOTOS: RUBENS NEMITZ JR.
Espetรกculo Me salve, musical, com figurino de Ruy Cortez, 2011
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O S S O S
D O
O F Í C I O
Uma luz muito feminina Ana Luzia de Simoni segue o caminho do pai nos palcos
Julio Calmon
Aos 26 anos, Ana Luzia de Simoni não tem medo de trabalho pesado. O fato de ser mulher não a impede de carregar equipamentos, transportar escadas ou fazer qualquer trabalho braçal habitualmente realizado pelos homens. Filha do premiado iluminador teatral Aurélio de Simoni, ela segue o caminho do pai. Atualmente, integra o corpo técnico fixo do Teatro
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Poeira, em Botafogo, mas já passou por quase todas as casas do Rio de Janeiro. Ana é um olhar feminino que clareia os cenários cariocas. A vida teatral não é apenas herança genética do pai. Sua mãe, Aline Molinari, também foi grande incentivadora. Dela veio o desejo de estar do outro lado, atuando. E foi assim que a trajetória de Ana Luzia de Simoni teve início ainda na infância. A profissão do pai só se consolidou quando ela tinha 20 anos. “Eu nasci no teatro. Por influência de pai e de mãe, passei toda minha vida ali. Foi um caminho natural. Comecei atuando, porque iluminação não é uma coisa muito feminina. Aos poucos, fui conhecendo o trabalho e peguei gosto pela coisa”, lembra. Uma das poucas a executar um trabalho tradicionalmente masculino, Ana já nem liga para atitudes um pouco conservadoras de alguns e acha graça de quem não acredita que ela pode desempenhar com louvor a mesma função de um homem. “No Rio, todos me tratam muito bem porque sabem que sou filha de um grande iluminador e vivo nesse meio há muito tempo. Mas viajei bastante na turnê de As centenárias e coisas engraçadas aconteceram. Sempre que eu aparecia para trabalhar, alguém do próprio teatro perguntava se ia chegar algum homem para cuidar da iluminação. Os mais velhos têm dificuldade de aceitar que uma mulher seja competente para fazer um bom trabalho nessa área. Alguns nem
me deixavam tocar nos equipamentos. E iluminador tem que botar a mão na massa”, diverte-se Ana. As centenárias, peça protagonizada por Andrea Beltrão e Marieta Severo, excursionou pelo Brasil com o corpo técnico quase todo formado por mulheres. As atrizes, por sinal, são parte importante da vida de Ana. Além de comandarem o Teatro Poeira (que serve também como ponto de encontro para artistas que queiram discutir e estudar), as duas são fonte de inspiração para o cotidiano da iluminadora. Na hierarquia emocional, Andrea e Marieta só perdem para a família. “Os meus pais são os meus grandes ícones de aprendizado, mas tenho levado muito coisa boa do Poeira. E sou muito fã da Andrea e da Marieta.” As horas de longas conversas de família também incluem dicas do pai sobre os caminhos da vida profissional. Como era de se esperar, é dele que Ana Luzia ainda recebe as principais aulas sobre iluminação. Aurélio de Simoni já ganhou cerca de 20 prêmios (entre eles, o Shell) nos mais de 30 anos de carreira. É na troca de experiências – inclusive com outros iluminadores – que Ana se inspira para criar e pensar novas soluções que utiliza nos palcos. “ Meu pai trabalha, estuda e sabe muito. Estou há seis anos trabalhando com iluminação e já passei por quase todos os teatros do Rio. Mesmo assim, converso muito com ele. O trabalho é muito pesado, e eu não abro mão de trabalhar com outros iluminadores. Somos autoditadas, pois quase não há cursos para a nossa especialidade. Por isso, a troca de experiências é importante para quem está no ramo”, afirma. Apesar de demonstrar satisfação por exercer a função do pai, Ana ainda guarda uma grande vontade de estar do outro lado das cortinas novamente. Em futuro próximo, quer voltar aos palcos. Para isso, conta com a bagagem que está adquirindo ao trabalhar nos bastidores do teatro carioca. “O que eu mais quero é voltar a atuar. Hoje, por exemplo, tenho um conhecimento técnico sobre o teatro muito maior. Eu sei como as coisas funcionam. Tem muito ator que não tem, seja por falta de interesse ou de oportunidade. Na minha opinião, quanto mais conhecimento tiver, melhor para o ator”, avalia Ana Luzia de Simoni, fã de rock’n roll, do seriado de TV norte-americano House, de uma boa iluminação e, é claro, dos pais.
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SBAT BUSCA Planos de revitalização incluem divulgação para associados
NOVO
Daniel Schenker
Determinada a reconquistar os dramaturgos, a Sbat (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais) está engajada no projeto de um novo modelo, formulado pela Laboris. Entre as propostas, espaço de divulgação no site para trabalhos de associados, ampliação dos cursos na sua sede e acesso gratuito à Revista de Teatro na internet. O projeto de revitalização foi apresentado em fevereiro, no Hotel Novo Mundo, por Aderbal Freire-Filho e Alcione Araújo, ambos do Conselho Diretor, juntamente com Orlando Miranda e Ziraldo Alves Pinto. Alcione ressaltou a luta de Aderbal para reerguer a Sbat. E Aderbal, além de sublinhar o desejo de que a Sociedade volte aos seus melhores momentos, falou sobre a perda de importância do teatro no Brasil ao longo do tempo. “Há autores filiados a sociedades diversas, outros que preferem não pertencer a nenhuma e ainda aqueles que são representados por agentes. Independentemente de tudo isso, o autor brasileiro precisa ser assistido pela Sbat. Durante muito tempo, perguntavam às produções teatrais se já contavam com a liberação da Sbat. Com esta pergunta, questionavam se tinham providenciado a liberação do autor. A Sbat e o autor eram vistos como equivalentes. Hoje, não mais. Entretanto, as pessoas, quando procuram um texto, costumam recorrer à Sbat, que, de fato, é o endereço do autor e precisa preservar isso, informando até mesmo os destinos de dramaturgos não associados”, afirma Aderbal.
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MODELO Na apresentação da Laboris foi feita uma comparação com práticas que costumam agradar aos associados de sociedades como a Abramus (Associação Brasileira de Música e Artes), a Argentores (Sociedade Geral de Autores da Argentina), a espanhola Sgae (Sociedade Geral de Editores e Autores) e a Spa (Sociedade Portuguesa de Autores). Também presente ao encontro, Tim Rescala reforçou a relevância da Sbat como ponto de convergência dos autores. Várias iniciativas estão sendo postas em prática. “Os cursos são iniciativas relevantes. Convidamos representantes do movimento de nova dramaturgia, como Renata Mizrahi. Nos associamos a eles antes que se associassem a nós. Revitalizamos a Revista de Teatro, publicada desde 1924. Organizaremos um grande fórum e estamos planejando um concurso de dramaturgia”, enumera Aderbal. Vale mencionar o projeto de um livro sobre a produção dramatúrgica brasileira ao longo dos séculos. Fundada em 1917 por Chiquinha Gonzaga, a Sbat contou com a adesão de vários autores em seus primeiros momentos: Oscar Guanabarino, Viriato Corrêa, Gastão Tojeiro, Eurícles de Matos, Avelino de Andrade, Bastos Tigre, Raul Pederneiras, Oduvaldo Vianna, Alvarenga Fonseca, Aarão Reis, Antônio Quintiliano, J. Praxedes, José Nunes, Adalberto de Carvalho, Raul Martins, Carlos Cavaco, Domingos Roque, Luiz Peixoto, Paulino Sacramento e Mauro de Almeida. “Pertencer à Sbat é estar na história”, resume Aderbal.
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Desenho de Lula