Desde 1917 em defesa do direito autoral. Reconhecida como de Utilidade Pública Federal pelo Decreto nº 4.092 de 4 de agosto de 1920.
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sumário 2
PRÓLOGO Aderbal Freire-Filho
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O império do musical Com tradição no teatro brasileiro, o gênero passou por diversas transições ao longo do tempo e se fortalece cada vez mais na cena do país
CONSELHO DIRETOR
Aderbal Freire-Filho Alcione Araújo Millôr Fernandes Ziraldo Alves Pinto
Daniel Schenker
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Revista à brasileira nasceu cantando Macksen Luiz
revistadeteatro@sbat.com.br bambinacult@gmail.com Órgão Oficial da SBAT – Sociedade Brasileira de Autores, inscrito na Ulrich’s International Periodicals Directory sob o registro ISSN 0102-7336.
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Lili Marleen Alcione Araújo
CONSELHO EDITORIAL
Aderbal Freire-Filho Ana Velloso Regina Zappa Vera Novello
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A grande estrela da canção
Três É Editoração e Design Ltda.
Protagonista de musicais de grande sucesso desde a década de 1960, Bibi Ferreira proclama fidelidade ao gênero com vigor invejável
DIREÇÃO EXECUTIVO FINANCEIRA
Daniel Schenker
SUPER VISÃO
Bia Gondomar EDIÇÃO
Regina Zappa COLABORADORES
Alcione Araújo Daniel Schenker Julio Calmon Lula Macksen Luiz Maria Luiza Franco Renato de Aguiar PESQUISA ICONOGRÁFICA
Maria Luiza Franco
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Partitura escrita na alma Marília Pêra evoca a influência familiar em sua trajetória à frente de musicais e lamenta o esquecimento relegado a muitos artistas brasileiros Daniel Schenker
38 ENSAIO O corpo inteiro a serviço da arte Maria Luiza Franco
REVISÃO
Maria Helena Pereira PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Mais Programação Visual www.maisprogramacao.com.br CAPA
Montagem com fotos do banco de imagens © Photl.com – Kacyona e do Acervo Funarte CTP E IMPRESSÃO
WalPrint Gráfica e Editora TIRAGEM
5.000 FOTOS DE ACER VO CEDIDAS PELA
Recursos obtidos através do Convênio nº 732974/2010, celebrado entre o Ministério da Cultura e a Bambina Ação Cultural Associados Esta edição traz um encarte com a peça 7 – O musical, de Charles Möeller e Claudio Botelho.
48 OSSOS DO OFÍCIO Sem sair do tom Débora Garcia prepara gargantas para musicais Julio Calmon
52 EPÍLOGO
P R Ó L O G O
O teatro nasceu musical. Assim que aqueles dois pecadores, encantados por uma sinuosa proxeneta, saíram do paraíso e fundaram a primeira cidade – padaria, farmácia, modista, bordel, igreja, casa de governo e, naturalmente, teatro – o primeiro ator, o primeirão, começou cantando. Quer dizer: contando uma história, dançando e cantando. Depois vieram muitos séculos de teatros musicais: as tragédias gregas, que eram musicais, os saltimbancos, as óperas etc. Agora que os musicais americanos encantam as nossas plateias em ótimas versões brasileiras, separo esses dois países do grande mundo que canta e dança, e pergunto: quem tem mais tradição de teatro musical, os norte-americanos ou nós, os brasileiros? Claro, isso não importa muito, somos todos filhos da serpente, o que importa é cantar e dançar. A pergunta é só uma pergunta, nem interesse acadêmico tem. Nascido e criado aqui no Sul, só me interessa dizer que o Brasil tem uma linda história de teatro musical. Destaco as Revistas de ano, de Arthur Azevedo, no final do século XIX, semente das futuras revistas que marcaram época na Praça Tiradentes e que, assim como os musicais da Broadway, lançaram canções célebres, lançavam todos os anos os sucessos da nossa grande festa, o carnaval. E esse outro teatro musical, o carnaval? Desde as grandes sociedades até as escolas de samba de hoje, um teatro de rua musical. Com enredos, grandes cenários, adereços, figurinos, cantores e bailarinos, talvez seja este o musical que o Brasil exporta, em troca da importação do musical da Broadway. Notáveis encenadores, alguns que passaram também pelo teatro falado, como diretores ou cenógrafos, participaram dessa festa: lembro aqui de Fernando Pamplona, Arlindo Rodrigues, Fernando Carcará Pinto, Maria Carmem, por exemplo. Outros foram e são encenadores exclusivos do teatro-carnaval, o grande Joãzinho Trinta, maior de todos, e uma lista que é difícil fazer sem cometer injustiças. Isso quer dizer que não precisamos importar nada? Pelo contrário, o mundo é vasto, e importar sempre foi preciso. Basta lembrar dos muitos teatros musicais ibéricos que sentaram praça por aqui, a Nau Catarineta, os Reisados, as muitas formas dos teatros musicais populares. Eles se enraizaram tanto que já são brasileiros, fundadores da nossa tradição musical. Essa diversidade é que deve ser o foco de uma leitura do nosso teatro musical. E embora um número só de uma revista não consiga abarcar tanto, tentamos. Começando por onde hoje a banda toca, vamos em frente com muitos olhares: os diretores, as atrizes, os atores, os muitos
compositores e diretores musicais que fazem músicas para espetáculos em geral (e não só para musicais), os jovens talentos, os musicais brasileiros modernos etc. Depois, um capítulo à parte para o teatro de revista e duas indispensáveis referências especiais: às estrelas de primeiríssima grandeza de todos os teatros brasileiros, Bibi Ferreira e Marilia Pêra. Curiosamente, com tanta riqueza, uma questão recorrente hoje é a que fala da necessidade de um teatro musical brasileiro que estaria por ser inventado. Uma questão que pensa, em maior ou menor grau, no padrão do teatro musical americano, mas com temas e músicas nossas. Como sou velho, lembro de uma questão semelhante cobrando, pura e simplesmente, um teatro brasileiro. Não sei se as gerações de Jorge Andrade, de Nelson Rodrigues, as de Vianinha e Guarnieri e as que se seguiram, atenderam a essa demanda que certos críticos faziam. Espero que sim, pois nunca mais ouvi queixa semelhante, comum até os anos 60, 70, por aí. Pois agora a cobrança mudou para o musical. E isso apesar de já existirem várias e diferentes afirmações de musicais brasileiros, como naquele tempo já existiam várias e diferentes manifestações de teatro nacional. Esse número da Revista da SBAT é eloquente na apresentação de muitas dessas manifestações. As versões do Theatro Musical Brazileiro, de Luís Antonio Martinez Corrêa; muitos musicais sobre vidas e/ou obras de cantores e compositores, Dalva de Oliveira, as irmãs Batista, Nelson Gonçalves, Cauby, Clara Nunes, Caymmi, tantos. Musicais variados, com compositores como Tom Jobim, Vinicius, Edu Lobo, Chico Buarque, Paulo Pontes, Boal, Stanislaw Ponte Preta, Aldir Blanc, Cristóvão Bastos, gênios da música, da poesia e do teatro brasileiros. Gota d’agua, Ópera do malandro, Orfeu, Brasileiro: profissão esperança, quanto teatro musical brasileiro! E é natural que seja assim, afinal a música brasileira valeu-se dessa tradição para criar até um tipo de teatro muito especial: os shows de nossos cantores, como os de Maria Bethânia e Gal Costa, por exemplo, com textos, poemas e canções. Espetáculos criados por diretores de teatro: o grande Fauzi Arap, Possi Neto, Gerald Thomas, muitos outros. Ou seja, falta revista para tanto teatro, tanta música, tantos artistas. Aqui estão muitos dos criadores mais presentes na cena musical brasileira de hoje. É uma felicidade que tantos ótimos artistas estejam continuando essa história. Aderbal Freire-Filho
O império do
musical Com tradição no teatro brasileiro, o gênero passou por diversas transições ao longo do tempo e se fortalece cada vez mais na cena do país
O destaque que os espetáculos musicais ganharam nos últimos anos pode dar a impressão de que o gênero é fenômeno recente na história do teatro brasileiro. Ledo engano. O musical está presente há bastante tempo na cena do país. Basta lembrar a importante contribuição de dramaturgos como Arthur Azevedo, propagador tanto da burleta quanto da revista. E de atrizes como Bibi Ferreira, que capitaneou montagens de grande porte desde os anos 1960, e Marília Pêra, que tem encarnado algumas das mais representativas cantoras. Mas não há como negar o incremento no know-how das encenações musicais e a preocupação com a formação de atores diretamente fi-
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liados a um gênero que conta cada vez com mais adeptos, entre encenadores, diretores musicais e autores – estas sim, características dos últimos anos. Alguns profissionais se envolveram a tal ponto no terreno do musical que se torna, inclusive, difícil enquadrá-los em alguma dessas funções.
Encenadores bandeirantes Charles Möeller e Cláudio Botelho começaram a trabalhar juntos em 1990 e sete anos depois formaram uma bem-sucedida dupla na realização de musicais – mais exatamente, a partir do irreverente As malvadas, texto de Möeller. “Em 90, éramos quase uma piada. A classe artística e os amigos nos achavam lunáticos. Dois garotos fazendo um musical, segundas e terças, no Teatro Ipanema, antes da reforma, com piano, bateria, clarineta e contrabaixo ao vivo e canções do (George) Gershwin versadas para o português, sem nenhum centavo? Era como acreditar em Papai-Noel! Sabíamos que éramos bandeirantes e
JOAO PAULO PACCA
Sabrina Korgut, Chris Penna, Fabrício Negri e Rodrigo Cirne em Fascinante Gershwin – Uma revista musical
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FOTOS: ACERVO FUNARTE
Otávio Augusto e Elba Ramalho em Ópera do malandro
Otávio Augusto, Cidinha Milan e Cláudia Jimenez em Ópera do malandro
“São centenas de profissionais que se beneficiam do gênero, pois recebem salários e permanecem empregados durante o ano inteiro” Charles Möeller
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estávamos abrindo estradas a chutes e pontapés. Mas com 20 anos ganhamos uma força surpreendente. Lembro uma crítica do João Máximo, sobre Hello Gershwin, em que dizia que as versões do Cláudio eram primorosas e o espetáculo, encantador. Sentamos em frente ao Cervantes e começamos a chorar”, lembra Charles Möeller, acerca do trabalho dirigido por Marco Nanini. “De 1990 a 1997 seguimos o mesmo formato em De rosto colado, Fred and Judy, Uma noite com Sondheim, Porgy and Bess e muitos outros pequeníssimos apresentados no Rio Jazz Club ou em hotéis. Fomos até para a abertura do Festival de Cinema de Gramado cantando músicas de filmes. Em As malvadas, entendemos que não poderíamos mais continuar naquele formato, pois queríamos fazer espetáculos. Escrevi uma peça com personagens, começo, meio e fim, e assinamos como dupla. Cláudio ficou encarregado das versões e do roteiro, e eu, da cena, dos atores, dos cenários, do figurinos e da luz – da encenação, em si”, conta Charles Möeller.
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A recompensa não tardou: ambos ganharam o Prêmio Sharp de melhor espetáculo. A partir daí, flertaram com o musical biográfico (Ô abre alas, sobre Chiquinha Gonzaga); apostaram em compositores brasileiros (Chico Buarque em Ópera do malandro e Suburbano coração; Ed Motta, na parceria em 7 – O musical) e estrangeiros (Cole Porter em Cole Porter – Ele nunca disse que me amava ; Stephen Sondheim, em Company! e Lado a lado com Sondheim; Burt Bacharach em Cristal Bacharach); na dramaturgia de Charles Möeller (além dos já citados As malvadas, Cole Porter, Cristal Bacharach e 7, Um dia de sol em Shangrilá); e em clássicos imortalizados (A noviça rebelde, Hair, Um violinista no telhado). Tornaram-se referência no processo de afirmação do musical e tiveram participação fundamental na profissionalização dos artistas filiados ao gênero. “Surgiram profissões que nunca existiram em teatro, como visagismo, perucaria, diretores de palco, coordenadores artísticos, chefes de elenco, dance captain (o bailarino ou coreógrafo que está presente em todos os ensaios para limpar a coreografia), calling captain (o responsável pelas deixas de entradas, cenário e elenco, que geralmente fica lendo as partituras e coordena os técnicos de varanda e coxias com rádio, canhoneiros seguidores). São centenas de profissi-
GUGA MELGAR
onais que se beneficiam do gênero, pois recebem salários e permanecem empregados durante o ano inteiro. Um musical de médio porte emprega pelo menos 200 pessoas. Um espetáculo como As bruxas de Eastwick tem 250 figurinos. Isto implica um ateliê de costura idêntico ao de um filme de grande porte”, explica Charles Möeller, referindo-se ao seu próximo projeto em parceria com Cláudio Botelho, baseado no livro de John Updike e no filme de George Miller. Até se encontrarem, Möeller e Cláudio Botelho vinham traçando percursos diversos. O primeiro, antes de ingressar no mundo do musical, apostou na carreira de ator. Passou pelo Centro de Pesquisa Teatral (CPT), capitaneado por Antunes Filho, e por montagens como as de Master Harold e os meninos, de Athol Fugard, e A gaivota, de Anton Tchekhov. O segundo acumulou experiência ao lado de Cláudia Netto em repertório que priorizava George Gershwin. Mas o vínculo de Charles Möeller com o musical começou bem antes. “Meu pai sempre foi um fã ardoroso dos musicais, principalmente da Metro. Quando ingressei no CPT, já era fanático por musicais. Desfrutava do videocassete e de coleções de amigos, que traziam filmes e discos de fora. Mas no CPT entrei no armário com os musicais, pois lá existia um ranço em relação à cultura americana. Na época, pesquisávamos
O clássico musical Hair
sobre o trabalho de Kazuo Ohno e a exclusão da palavra, considerada uma prisão. Imagina se soubessem que eu amava West side story, Um violinista no telhado, Hair e Company! Seria linchado! Quando fiz Hello Gershwin e De rosto colado, encontrei minha praia. Vim para o Rio de Janeiro e conheci Cláudio. Como diz Tevye no Violinista: ‘um pássaro pode amar um peixe, mas onde eles vão construir um lar?’ Eu amava o CPT, mas lá não era a minha casa”, diz Möeller. Cláudio Botelho se aproximou do mundo dos musicais na adolescência. “Foi por acaso, a partir do
momento em que Almir Telles me emprestou um disco de Oliver, um musical clássico inglês. Comecei a escrever versões de Oliver”, relembra. Até que um disco de Gershwin caiu em suas mãos. Além de Charles Möeller, Cláudio firmou outros vínculos profissionais, como com o diretor Jorge Takla. “Ficamos amigos a partir da encenação de O médico e o monstro, em São Paulo. Ele quis que eu trabalhasse numa versão de My fair lady, que acabou só acontecendo há pouco tempo. Estive presente em vários espetáculos que ele produziu, a exemplo de West side story e Evita”, assinala.
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Cláudio Botelho se especializou, ao longo do tempo, na tradução de letras para o português. “Firmei um método na tradução. Hoje sei como me livrar dos problemas. Aprendi com as traduções de musicais renomados, como O fantasma da ópera e Miss Saigon. Às vezes, esbarro em desafios. Reescrevi Tonight, de West Side story umas cinco vezes”, revela. Mas não contou “apenas” com a experiência. “Sempre li muita poesia francesa, principalmente Rimbaud e Verlaine. Recorria a grandes tradutores, como Manuel Bandeira e Guilherme de Figueiredo, e comparava as rimas”, afirma Cláudio Botelho, que, atualmente, tem vínculo com a Time for Fun, empresa de São Paulo especializada em grandes musicais. “Trabalho com eles desde a montagem de O beijo da
mulher aranha. Só não participei de Cats porque acho as letras intraduzíveis”, explica. Diferentemente do ocorrido com alguns musicais encenados no Brasil de acordo com as características das montagens originais, Charles Möeller e Cláudio Botelho investem em apropriações, mesmo de material consagrado, como A noviça rebelde, Hair ou Um violinista no telhado. “Temos liberdade total quando compramos os direitos. Cláudio assina, inclusive, as versões brasileiras justamente por isso. Os materiais consagrados não me assustam, pois se monto um já eternizado pelo cinema ou por alguma montagem ‘definitiva’, faço porque amo. Nunca negaria a obra só para me sentir mais autoral. Acho totalmente sem sentido montar A noviça rebelde
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Francisco Dantas, Edson França e Bibi Ferreira no musical My fair lady, 1962
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com idosos fazendo os filhos do Von Trapp e com crianças interpretando Maria, Georg e os nazistas, como na Alemanha anos atrás; ou Hair com carecas trancados num hospício branco, todos amarrados com camisas de força, como ano passado em Viena. Soa como um exercício do ego do criador, que se coloca muito acima da obra. Eu reverencio a obra e ela se abre para mim. Sondheim diz: ‘Tenho medo dos modernos, dos vanguardistas, pois são tão levianos e antigos que podem estragar em oito semanas aquilo que faço com sangue e suor há 80 anos!’ Em Um violinista no telhado, inovei, arrisquei, mas tenho certeza de que ninguém me vê na frente da obra. Os adoradores de Hair se chocaram com o que fiz, mas permaneço a serviço da obra e não ao contrário. Quando compro um musical pronto, aproprio-me dele. Demora um tempo. Tenho que estudar mais, ficar debruçado sobre o material, à deriva, até achar um caminho. Estudo muito antes do primeiro dia de ensaio, sistematicamente, das cinco da manhã ao meiodia, todos os dias. Preciso dominar tudo para entrar numa guerra, senão me sinto frágil, e musical é uma manada enfurecida que precisa de
respostas e condução. Já quando enceno meus textos, a peça sai pronta no papel. Sei como será a encenação, pois escrevo dirigindo”, afirma Charles Möeller.
Outro profissional que vem apostando na força do musical é Miguel Falabella. Sobressai em seus espetáculos o desejo de valorizar a identidade brasileira ao trazer à tona mitos do país (Carmen Miranda, em South American way) e investir numa dramaturgia própria escorada na história da nação (Império). E também a vontade de se apropriar do modelo americano nas próprias liberdades tomadas pelo Falabella ator em Os produtores e A gaiola das loucas. Em relação à brasilidade, Falabella afirma o desejo de retomar a revista. “Tenho conversado com Neyde Veneziano”, diz, acerca da estudiosa de teatro de revista, autora dos livros O teatro de revista no Brasil: dramaturgia e convenções, Não adianta chorar: teatro de revista brasileiro, Oba! e As grandes vedetes do Brasil. “Quero revisitar Walter Pinto. Já tenho até um título na cabeça: Rapaziada da geral”, anuncia Falabella, parceiro habitual de Josimar Carneiro na realização de musicais. Como espectador, Falabella não pegou a fase das revistas. “Mas vi algumas em Portugal”, conta. Mesmo nos musicais americanos que monta, Miguel Falabella procura evocar a atmosfera das revistas. “Acho que transformo as comédias musicais americanas em revistas. Um exemplo é a quebra no texto que promovi no meio de Os produtores. Em São Paulo, A gaiola das loucas virou uma revista. Aliás, só me interessa fazer o musical americano se tiver liberdade. Não faz sentido repetir. Eles já fazem melhor. Cabe retomar a nossa raiz”, diz Falabella, chamando atenção para a desvalorização do artista brasileiro. “Antes de entrar em cena penso em
ROBERT SCHWENCK
Valorização de nossa identidade
Totia Meirelles no musical Gypsy, da dupla Möeller e Botelho
Mesquitinha, Zé Trindade. Foram esquecidos. Na França, os cômicos populares são endeusados”, observa. Falabella tem alguns projetos de musical. “Comprei os direitos de Memórias de um gigolô”, diz, sobre o livro de Marcos Rey. “Também quero escrever um musical sobre a minha infância na Ilha do Governador, evocando as garotas de saia rodada nos anos 60”, revela. Sua paixão pelo musical começou cedo. “Não esqueço o impacto quando assisti a Hello, Dolly, aos oito anos. Voltei em êxtase para a Ilha. Depois vi Música, divina música e Como vencer na vida sem fazer
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Theatro Musical Brazileiro 3, Teatro Scala, Rio de Janeiro, 2002: evocação do trabalho de Luís Antonio Martinez Corrêa
“Gosto da música americana, mas tenho a impressão de que acaba se tendo mais contato com ela do que com a brasileira” Antonio De Bonis
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força. Também fiquei impressionado com A capital federal, Pippin, O homem de la Mancha”, enumera. A preocupação com a memória também norteou Antonio De Bonis, que em 1989 apresentou Lamartine para inglês ver, centrado, como o título mostra, em Lamartine Babo. Na verdade, começou seis anos antes. “Estava numa roda conversando, quando alguém cantarolou Serra da Boa Esperança e disse: ‘essa música do (Eduardo) Dussek é incrível’. Mas a música é do Lamartine Babo. Às vezes, quando Roberto Carlos grava uma música acham que é dele. Então, pensei nesse projeto. De início, queria que o Amir Haddad dirigisse. Eu trabalharia como ator. Aí Luís Antonio Martinez Corrêa concretizou o projeto de Theatro musical brazileiro e eu o ajudei na pesquisa. Levei muito tempo para conseguir dinheiro para o projeto de Lamartine e acabei fazendo com US$ 2 mil. Deu certo”, avalia De Bonis, que depois partiu para Lamartine para inglês ver 2. Antes de se lançar como diretor, De Bonis transitava entre os
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gr upos jovens da passagem das décadas de 1970 para 1980. Na época, era ator e trabalhava com o Pessoal do Despertar. “Não pensava em dirigir”, diz De Bonis, que, ao longo dos anos, firmouse como encenador de musicais voltados para a valorização do artista brasileiro. “Gosto da música americana, mas tenho a impressão de que acaba se tendo mais contato com ela do que com a brasileira”, assinala. No decorrer do tempo, realizou bem-sucedidos espetáculos de pequeno e médio portes. “Ainda que não tenha perfil para dirigir um elenco formado por 60 integrantes, a verdade é que nunca contei com grandes patrocínios. Venho trabalhando com orçamentos apertados”, explica o diretor de Dolores, sucesso protagonizado por Soraya Ravenle; É no toco da goiaba, apresentado no antigo Museu do Telephone; O meu Rio, ode à cidade; O bem do mar, sobre Dorival Caymmi; e Orlando Silva – O cantor das multidões, com Tuca Andrada. Agora De Bonis se detém em Emilinha e Marlene – As rainhas do
Memória coletiva e individual Diretora que vem lutando contra o esquecimento por meio da realização de musicais biográficos, Joana Lebreiro está por trás das montagens sobre Antonio Maria (Antonio Maria – A noite é uma criança), Mário Lago (Ai, que saudades do Lago!) e Ary Barroso (Aquarelas do Ary). “Eu me interesso por narrativas biográficas, sejam elas musicais ou não, de pessoas famosas ou anônimas, reais ou ficcionais. Também me envolvi com outro espetáculo (não filiado ao musical) sobre esse tema: Avós, mulheres e couves portuguesas, a respeito das memórias de uma imigrante portuguesa. Acho que as histórias de vida fazem pontes interessantes com a memória coletiva. O tema que eu gosto de explorar é o da memória – coletiva e individual – e que acaba resvalando nas biografias. Dois espetáculos inesquecíveis e que assisti na época em que estava me formando na faculdade, foram Dolores (sobre Dolores Duran) e Crioula (sobre Elza Soares). Dolores tinha um despojamento e um clima de boemia carioca de que gostava. E Crioula era uma farra teatral. Mas os dois me instigaram a perceber que por meio desse formato dava para
fazer as pontes com os contextos históricos e políticos da cidade, do país”, acrescenta. Por gosto ou condições do momento, Joana Lebreiro vem apostando no musical de bolso. “É um caminho que une questões práticas (orçamentárias) a conceituais. Gosto de um formato enxuto, direto e que busque uma aproximação com o espectador. A primeira vez que enveredamos pelo musical de bolso foi em Antonio Maria. Nós tínhamos vontade de fazer musical e percebemos que só daria se fosse de bolso. Colocamos, inclusive, no título: A noite é uma criança: um musical de bolso sobre Antonio Maria. A proposta era valorizar o despojamento e a delicadeza. Antonio Maria foi feito com R$ 40 mil do primeiro Fate (Fundo de Apoio ao Teatro). Ficamos mais de dois anos em cartaz, viajamos
muito. O espetáculo foi apresentado até em pátio de igreja. Meu caro amigo, que teve um orçamento mais generoso e uma estrutura de viagem mais complexa, é, ainda assim, simples. Fizemos mais de 20 cidades do país; entre idas e vindas estamos praticamente há dois anos na estrada”, revela Joana Lebreiro sobre a montagem realizada a partir de texto de Felipe Barenco, que entrecruza a jornada de uma fã de Chico Buarque (interpretada por Kelzy Ecard) com a história do Brasil. Se Barenco assinou Meu caro amigo, a trilogia anterior contou com textos de Marcos França. “São dois tipos de dramaturgia bem diferentes – tanto em termos de proposta/ resultados, quanto em processo de escrita. Os textos do França partiram de projetos pessoais dele – Antonio Maria era um projeto antigo, já
DIVULGAÇÃO
rádio, centrado na famosa concorrência entre as duas cantoras (interpretadas, respectivamente, por Vanessa Gerbelli e Solange Badin), retratada em texto de Thereza Falcão. “São dois mitos sobre os quais ainda se fala bastante por causa dos fãsclubes, que têm todo o acervo de ambas. Durante a pesquisa me deparei com preciosidades, como um clipe em que Marlene canta com Ademilde Fonseca. Fico indignado com a falta de memória. Moro em Copacabana e, às vezes, me deparo com Ademilde. Até Gal Costa já está sendo esquecida”, protesta.
Solange Badim e Vanessa Gerbelli em Emilinha e Marlene – As rainhas do rádio
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DIVULGAÇÃO / LEONARDO MIRANDA
Kelzy Ecard no espetáculo Meu caro amigo
havia um texto escrito. Mário Lago também era um desejo antigo e o texto foi escrito antes de começarmos a ensaiar” – diz Joana Lebreiro – “Os textos do Marcos falam especificamente da vida e obra desses compositores. Partem de uma abordagem mais documental, misturando dados da biografia deles com trechos de textos/poesias. Como éramos um grupo, no primeiro trabalho descobrimos um formato para contar a história. Eu me interessava em explorar uma interpretação que não puxasse para uma representação realista do homenageado, e sim para um jogo narrativo entre os atores, eles alternando o papel do
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protagonista. Depois seguimos essa linha no Mário Lago e no Ary Barroso, e Marcos escrevia os textos sabendo a forma como eu gostaria de trabalhar na cena.” Joana conta que o texto do Barenco surgiu de uma situação oposta. “Partiu de um argumento da Kelzy, que resultou num convite nosso para que ele escrevesse o texto durante parte do processo de ensaios. Eu e Kelzy sabíamos de antemão que não queríamos uma peça sobre Chico Buarque. Não teria nada da vida pessoal dele. Buscávamos um texto ficcional que falasse da história de uma fã do Chico, que relembra sua vida a partir da obra do compositor. Então, nós três estudamos juntos a obra do Chico, a história do Brasil da segunda metade do século XX e pensamos em pontos de encontro com uma ‘biografia’ da nossa personagem, Norma. O que mais norteou o nosso trabalho foi a relação entre memória coletiva e individual”, acrescenta. Projetos no terreno do musical não faltam. “Até o final desse ano deve sair o projeto de um espetáculo que vou dirigir sobre o funk no Rio, Funk Brasil: 40 anos de baile, idealizado por Pedro Monteiro e João Bernardo Caldeira. Estou animada para dirigir o meu primeiro infantil, que será justamente um musical, a partir de texto da Renata Mizrahi, Coisas que a gente não vê. Eu e Marcos estamos retomando nossa parceria e vamos começar a trabalhar no texto de um musical de ficção, que será uma brincadeira com as comédias românticas ao som das músicas do Roupa Nova”, anuncia. Sem perder o Brasil de vista, Rubens Lima Jr. vem sobressaindo com espetáculos calcados em repertório internacional. A convite dos atores/cantores Sabrina Korgut, Rodrigo Cirne e Fabrício Negri, dirigiu Fascinante Gershwin – Uma revista musical, que contou com supervisão de Marília Pêra. A elogiada montagem proporciona ao espectador um passeio por canções de Gershwin, muitas compostas em
parceria com o irmão Ira, com direito a standards como The man I love e Summertime, e letras um pouco menos conhecidas. Depois de Fascinante Gershwin surgiram vários projetos de musical: Hollywood – A magia do cinema, Tommy, À brasileira! (com textos de França Júnior), Meu querido Irving (centrado nas composições de Irving Berlin) e Uma noite com Elvis. A diversidade é justificada pelo patrimônio reunido por Rubens Lima Jr. ao longo do tempo como espectador. “Minhas referências começam nos velhos filmes musicais de Fred Astaire e Gene Kelly, passam pelo mestrado com tese em teatro musical brasileiro (Arthur Azevedo), por diversos espetáculos a que assisti no Rio e em outros países e pelo estágio que fiz nos estúdios da Warner, em Los Angeles. Inesquecível mesmo foi ver Bibi Ferreira fazendo Gota d’água, uma verdadeira inspiração”, relembra.
Autores ao sabor do passado Autor de teatro musical desde os anos 1980, Flávio Marinho escreve impulsionado por lembranças afetuosas como espectador. “Na infância
fui muito exposto aos melodramas musicais espanhóis de Sarita Montiel, Marisol e Joselito, o que fez de mim um sentimental, algo que transparece em tudo o que escrevo. Paralelamente aos espanhóis, os americanos fizeram a festa com a minha cabeça. A minha geração foi marcada, a ferro e fogo, por Julie Andrews em A noviça rebelde. Aquela maluca abrindo os braços lá no alto dos alpes suíços, dizendo que as colinas estão vivas ao som da música, é uma imagem que está cravada para sempre na minha memória afetiva. Amor sublime amor foi outro musical importante, porque me mostrou que o gênero podia abordar temas sérios – o mesmo valendo para Cabaret. Barbra Streisand em Funny girl, mais um impacto. O número final tem uma força dramática capaz de mover montanhas (em Os 7 brotinhos, fiz uma paródia dele). Fora os musicais de cinema, no teatro os musicais do Stephen Sondheim piraram a minha cabeça de vez. Sei todos de cor. Quando fui à Broadway pela primeira vez, em 1973, e vi A little night music, percebi a extensão de possibilidades cênicas, poéticas e dramáticas do gênero. Um divisor de águas, assim
FOTOS: ACERVO FUNARTE
Bibi Ferreira e Luis Linhares Bibi Ferreira e elenco em Gota d'água, 1977
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Flávio Marinho
como Sondheim na história dos musicais”, opina. A nostalgia é um ingrediente presente em musicais de Flávio Marinho. “Escrevi cinco textos para musical. Em três, percebo um viés nostálgico, talvez por ter começado a escrever musicais numa época – anos 1980 – em que eles não estavam na moda. Splish splash, o primeiro, tinha esse clima de nostalgia até porque era passado na virada da década de 1950 para a de 1960, permeado pelo rockabilly de então”, diz Marinho, referindo-se ao musical ambientado num efervescente colégio Andrews. “Sessão da tarde era mais um roteiro para musical (não tinha texto), com letras de músicas costuradas e contando uma historinha que parecia saída de um dos sucessos da Jovem Guarda. Cauby! Cauby!, o mais recente, era um musical biográfico, que mexia com a memória afetiva do público e lançava uma luz sobre a fase de ouro do rádio. Já Os 7 brotinhos era um besteirol musical, de humor e música
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BETI NIEMEYER
"Texto e música precisam caminhar de mãos dadas. Este é o grande desafio: cada vez mais, afastar o musical do show de música e teatralizá-lo o máximo possível”
Musical Os 7 brotinhos
bem contemporâneos, que subvertia Chorus Line. Em 4 carreirinhas, eu prestava uma homenagem aos conjuntos vocais que marcaram uma determinada época, mas o humor era bem irreverente, com ênfase no humor negro”, analisa. Marinho alerta para o cuidado na construção do texto, estágio ainda delicado no gênero musical. “O book de um musical, como dizem os americanos, mestres do gênero, precisa amadurecer e deixar de ser apenas o trampolim para um número musical. Esta é uma noção ultrapassada do gênero. Era assim antigamente. Precisamos aprimorar o texto do musical, para que ele venha a ser tão importante quanto a música. E fazer com que a trilha esteja organicamente inserida no contexto dramático. Texto e música precisam caminhar de mãos dadas. Este é o grande desafio: cada vez mais, afastar o musical do show de música e teatralizá-lo o máximo possível”, afirma. Recentemente, Flávio Marinho assinou a versão brasileira das mú-
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sicas de dois musicais, Esta é a nossa canção e Baby. “O trabalho não foi tão diferente do que fiz em Noviças rebeldes, A pequena loja dos horrores ou Charity, meu amor. Apenas em Esta é a nossa canção, as músicas tinham muito mais vida própria do que em Baby. Portanto, além do volume de trabalho em Baby ter sido bem maior, eu não podia ter tantas licenças poéticas nas letras, porque elas realmente contavam a história. Tive que me ater o mais possível ao original, o que é sempre mais difícil”, explica. Já Gustavo Gasparani não imaginava se projetar como autor de musicais, embora a música sempre tenha estado presente na sua trajetória. “No início da carreira, conhecia mais a história da música do que a do teatro brasileiro. A dança também foi muito presente na minha vida. Fiz balé clássico, jazz, ganhava todos os concursos de dança e na escola me chamavam de Travoltinha. Acabei me tornando passista da Mangueira. No colégio Andrews,
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fui aluno do Miguel Falabella e com ele fiz The rocky horror show e Cabaret. Todos os espetáculos infantis de que participava incluíam dança e canto”, relembra. Ao passar a integrar a Cia. dos Atores, voltada para a desconstrução de conceitos teatrais tradicionais (como a fronteira entre ator e personagem) e da dramaturgia clássica, afastou-se um pouco, mas não totalmente, do mundo do musical. “Na companhia, exercitava o meu lado de autor, pois adaptávamos quase todos os textos. Mas foi em O rei da vela que definitivamente me deparei com o desejo de escrever. Drica (Moraes) dizia, brincando, que não queria improvisar comigo porque eu era autor e não só ator. Realmente, o texto vinha de forma muito fácil nos improvisos”, conta. Sem assumir um travo nostálgico, Gustavo Gasparani gosta de se manter no passado quando o assunto é musical. Despontou como autor com Otelo da Mangueira, Opereta carioca e Oui oui... a França
é aqui! A revista do ano, esta última em parceria com Eduardo Rieche. “A nostalgia não é um traço da minha personalidade. Talvez curiosidade, sim. Na época da escola cheguei a cogitar prestar vestibular para História. Acho que esse interesse por saber de onde viemos para entender o que somos acabou se refletindo nas minhas peças”, diz Gasparani, que busca inspiração no Rio de Janeiro antigo. “A cada pesquisa que faço para os meus textos, eu me encanto mais com a nossa cidade e sua história”, declara. Gasparani costuma se debruçar sobre os contextos da segunda metade do século XIX e a primeira do XX, trazendo à tona a atmosfera de teatro de revista e fatos como a marcante influência francesa no Rio. “Já no final do século XIX, com o início das revistas, em especial com o trabalho de Arthur Azevedo, o Rio passa a mostrar a sua vocação natural para o musical. Na verdade, isto começou um pouco antes com o teatro de variedades. Não podemos
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Gustavo Gasparani em Otelo da Mangueira
Diogo Villela em Cauby! Cauby!
esquecer que foi no início do século XX que o teatro de revista, o rádio e, por consequência, a música popular brasileira atingiram o apogeu. Muitos dizem que a nossa música surgiu no teatro de revista e, aos poucos, devido à sua força, assumiu vida própria”, conta Gasparani, envolvido agora com o projeto de As mimosas da Praça Tiradentes. “A Praça Tiradentes foi o centro cultural do Brasil por mais de 140 anos. Lá surgiram o teatro e a música popular brasileira. Com a chegada da Corte, a praça e seus arredores passaram a ser o local de encontro de intelectuais e artistas, centro da boemia da época. Quis, então, torná-la cenário e assunto do meu próximo musical. Afinal, o repertório musical ligado à história da praça é de uma riqueza infinita”, explica.
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Marya Bravo, Solange Badim, Gustavo Gasparani e Gottsha no espetáculo Oui oui... a França é aqui! A revista do ano
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Em As mimosas da Praça Tiradentes, Gasparani dará continuidade à parceria com Eduardo Rieche. As afinidades entre os dois são evidentes. Rieche também aderiu ao mundo do samba com É samba na veia, é Candeia. “O que me norteou foi a profunda identificação afetiva que sempre tive com a música de Candeia. Sua obra é genial, tanto em termos líricos quanto melódicos e, diga-se, ela deveria ser bem mais gravada do que é. Além de tudo, Candeia foi um bravo defensor não só do samba, como de outras causas nobres. Ele merece todas as homenagens”, elogia. Antes de decidirem escrever Oui Oui... a França é aqui!, Rieche e Gasparani pensavam realizar um show com músicas brasileiras e francesas. “Seria uma espécie de pocket-
show ao estilo dos chansonniers, mas acabamos aproveitando o ensejo do Ano da França no Brasil (em 2009) para ampliar o projeto e transformá-lo em um musical”, lembra Rieche, que, além de As mimosas da Praça Tiradentes, tem outro projeto em vista. “Estou me dedicando a escrever um infanto-juvenil sobre a vida e a obra de Marc Chagall, também para o início do próximo ano. Transitarei entre a Rússia e a Praça Tiradentes”, brinca.
Diretores musicais repletos de parcerias Espirituoso, Caíque Botkay coleciona parcerias firmadas ao longo das décadas. Duas delas – com Ilo Krugli, em Histórias de lenços e ventos, e com Lúcia Coelho, à frente do grupo Navegando, fundado no final dos anos 1970 com alunos do colégio Bennett – evidenciam especial atenção ao teatro infantil. “Em certa medida – e digo isso intuitivamente –, o processo de criação para crianças requer um maior despojamento dos códigos sociais vigentes. O ‘politicamente correto’ afasta o imaginário infantil, pois impõe conceitos didáticos do que seja certo ou errado. Então, é preciso
estar mais aberto à ideia da sua própria imprevisibilidade interna. Resumindo: você deve permitir-se uma ‘janela’ de mergulho num mundo sem superego, sem certezas e nem lições. É por isso que os bonecos servem tão bem a este objetivo. Eles funcionam como intermediários, como cúmplices externos na ousadia de enfrentar as censuras de cada um. Algo como: o maluco é o boneco, não eu”, ressalta Caíque, que trabalhou em montagens do Pessoal do Cabaré e com encenadores como Bia Lessa, Luiz Carlos Ripper, Gerald Thomas e Sergio Britto, e voltou a dirigir recentemente – uma versão atualizada de Gimba – presidente dos valentes, de Gianfrancesco Guarnieri. Como diretor musical, Tato Taborda também trabalhou repetidamente com alguns dos mais importantes encenadores brasileiros, casos de Aderbal Freire-Filho, Amir Haddad e Moacir Chaves. “Cada um tem seu caminho e meios próprios para enfrentar a longa viagem que vai do texto à cena, mas todos têm em comum a virtude rara de não tornar complexo o que é simples e vice-versa. Tomando Shakespeare como exemplo, autor encenado por esses diretores,
a energia despendida na busca da clareza do conceito que orienta cada frase ou cena e o entendimento das diversas camadas de sentido fazem com que as palavras ganhem a transparência, a leveza e o peso justos, longe de um naturalismo raso, recurso frequente para aproximar algo aparentemente distante no tempo e espaço. A minha experiência com os três encenadores reafirma o contrário – que esses textos são incrivelmente próximos e frescos, como se acabassem de ter sido escritos por um autor na sala ao lado, que assiste aos ensaios e faz as últimas correções com o trem já andando. Com todos tive a chance de usar um espectro amplo de possibilidades, que vai da produção da música em cena, pelos atores – com recursos convencionais ou não, utilização de músicos em cena ou fora dela, sonoplastia, sound design, instalações musicais – até a música incidental pré gravada”, elogia. Algumas montagens marcaram a carreira de Tato. Uma delas ocorreu no início de seu percurso profissional – a encenação de A rosa tatuada, na versão de Luiz Carlos Ripper para o texto de Tennessee Williams, em 1984. Ripper convidou-o a dar aula de música num espaço que dirigia – o Centro de Artes do Tempo – e, logo em seguida, para integrar a equipe do espetáculo. Na ocasião, Tato Taborda aproximou-se de Angel Vianna. “Ela fazia a Strega, uma personagem que não tinha falas, só movimento. Criei um laço de afeto e admiração muito forte por Angel. Na verdade, acho que compus tudo para ela”, brinca. Nas décadas seguintes, Tato Taborda assinou concepções musicais personalíssimas nas montagens de Senhora dos afogados, de Nelson Rodrigues, a cargo de Aderbal, e A resistível ascensão de Arturo Ui, de Bertolt Brecht, dirigida por Moacir. “Nas primeiras conversas que tive com Aderbal, decidimos que esse Nelson trágico era algo meio ‘samba-canção’. Aproveitei, então, o coro dos vizinhos, que, de tão
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Luis Salem, Márcia Cabrita e Aloísio de Abreu no espetáculo Subversões 21, dirigido por Stella Miranda
onipresente e bisbilhoteiro, sentava à mesa com os Drumond para fazer uma pequena orquestra com os seus objetos de uso cotidiano. Nunca compus tantos boleros na vida. O fato de contar com um grupo tão talentoso e dedicado como eram todos os atores do Centro de Demolição e Construção do Espetáculo foi fundamental, porque a exigência musical era bem grande, com ritmos que se formavam do encaixe entre cada um. Se um deles atravessasse ou perdesse o tempo, desmontava tudo. Além disso, todos se tornaram virtuoses em pente fino”, rememora. “Em Arturo Ui, decidi usar ao vivo um instrumento-orquestra que construí em 1994, utilizado no âmbito da música de concerto. Na peça, era tocado por um dos atores, João Gabriel. Logo em seguida, esse instrumento foi batizado de Geralda, depois que uma amiga descobriu tratar-se de uma entidade feminina. Desde então, coincidentemente ou não, não deixei que fosse tocado por ninguém mais, além de mim, é claro”, diz.
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Os elos com Aderbal e Moacir duram até hoje. Tanto que trabalhou em espetáculos recentes de ambos – Depois do filme, texto do próprio Aderbal, e Retorno ao deserto, de Bernard-Marie Koltès. Também estreou a ópera Amazonas, encomendada para a Bienal de Munique, ano passado. “Esse projeto foi nutrido por uma intensa colaboração com os índios Ianomami e tenho vontade de trazê-lo para uma temporada no Rio. Estou, no momento, preparando o libreto para outra ópera com o meu parceiro alemão, Roland Quitt”, afirma. Por sua vez, Liliane Secco desenvolveu, no decorrer do tempo, contato com profissionais diferentes, como Wolf Maya (Quatro carreirinhas), Flávio Marinho (Esta é a nossa canção e Baby, ambos assinados por diretores estrangeiros) e a dupla Möeller/Botelho (Cristal Bacharach, Ópera do malandro). “Existem diretores que trabalham vários elementos simultaneamente, outros que levantam cada parte em
“Muitas vezes, quando escrevi os arranjos não fiz a direção musical; quando compus a trilha, não toquei piano; quando fiz a orquestração, não compus, e por aí vai” Liliane Secco
separado para depois juntar tudo; uns são mais objetivos, outros, mais dedicados a pesquisas; existem os mais impulsionados pela emoção e os que concebem a partir de uma lógica prática. Cabe ao diretor musical perceber esse ritmo e entrar em harmonia com o diretor”, diz ela. Liliane Secco tem alternado diferentes funções nos musicais: pianista, compositora, arranjadora, orquestradora, regente e diretora musical. “Preciso e uso todas essas ferramentas, mas não ao mesmo tempo, no mesmo projeto. Muitas vezes, quando escrevi os arranjos não fiz a direção musical; quando compus a trilha, não toquei piano; quando fiz a orquestração, não compus, e por aí vai”, explica. Para esse ano, está envolvida com o musical Quatro faces do amor, de Eduardo Bakr, com músicas de Ivan Lins; e para 2012, com uma produção da Broadway, Quase normal, e um musical infantil, Plunct, plact, zum. Como acontece com outros diretores musicais, Marcelo Alonso
Um artista múltiplo Tim Rescala tem uma trajetória singular no mundo do musical. Costuma acumular diversas funções. É autor, compositor, pianista, arranjador e ator. Qualquer tentativa de enquadrálo numa categoria soa reducionista. De início, esteve ligado aos grupos jovens da virada da década de 1970 para a de 1980, como o Pessoal do Despertar (em Happy end e Serafim Ponte Grande) e o Pessoal do Cabaré (em Poleiro dos anjos), marcados pelo humor irreverente. “Havia, em primeiro lugar, uma valorização do papel da música no teatro. Não apenas enquanto canção, mas como música incidental”, atesta Tim Rescala, que acumulou experiência em incursões pelo repertório Brecht/Weill, a exemplo ainda de Mahagonny, na versão de Luís Antonio Martinez Corrêa. “A primeira peça para a qual fiz direção musical, juntamente com Ronaldo Diamante, foi Happy end. O convívio diário com o espetáculo, também como pianista, despertou meu interesse pela cena. Os trabalhos que se seguiram, mesmo não sendo de Brecht e Weill, serviram para mostrar que havia um mundo cênico pouco explorado pela música de concerto. Essa experiência influenciou meu trabalho como compositor de música de concerto. E o contrário também aconteceu. Eu me considero influenciado não só pelas composições de Weill, mas de (Hanns) Eisler, outro parceiro de Brecht, pouco conhecido por aqui”, recorda. Além da parceria com os grupos jovens, Tim Rescala chama atenção para a relevância de seu trabalho com Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro, atores que formaram uma das mais bemsucedidas parcerias do besteirol, que rendeu espetáculos potencializados por humor ácido e crítico. “As maiores oportunidades que tive para experimentar a procura de uma linguagem que integrasse cena e música foram com eles, pois arriscavam muito mais em termos estéticos que outros
grupos, mesmo fazendo um trabalho de humor popular”, afirma Tim Rescala sobre as montagens de Bar doce bar e A porta (que lhe rendeu o Prêmio Mambembe). Outros elos determinantes valorizaram sua carreira. Um deles foi com Aderbal Freire-Filho. “Trabalhei com Aderbal em espetáculos de rua, nos quais a música tinha papel de destaque. O que mais me encanta nele é o trato com o ator. Dirige atores como ninguém. E a música para teatro, quando feita em sua forma ideal, ao vivo, pode e deve ser considerada mais um ator em cena. Ela é capaz de colaborar com o texto em termos de significado, de dramaticidade. São poucos os diretores capazes de explorar esse potencial e Aderbal é um deles”, elogia Tim, acerca do encenador com quem trabalhou nas montagens de A sereníssima República, de Machado de Assis, O caso do vestido, de Carlos Drummond de Andrade, e Os desinibidos, de Roberto Athayde. Outra conexão relevante se deu com Stella Miranda, com quem firmou parceria em Bel prazer, Metralha e Sete por dois. “É a melhor ‘cantriz’ que conheço. Acho que é tão atriz enquanto canta que não a imagino assumindo jamais um papel de cantora no sentido tradicional da palavra. Ela, aliás, cunhou o termo ‘teatro cantante’. É isso que procuramos fazer em nossos espetáculos. E como diretora, principalmente devido ao domínio de palco como ‘cantriz’, é que se destaca”, acrescenta. Com o Grupo Galpão assinou a música de Um trem chamado desejo e conquistou o Prêmio Shell. Tim Rescala também se dedica ao teatro infanto-juvenil, a julgar pela autoria de Papagueno, a orquestra dos sonhos e do inesquecível Pianíssimo (mais um Prêmio Mambembe), e à propagação da opereta, a exemplo de O homem que sabia português e À sombra do sucesso, resultado de suas parcerias com a Cia. Burlantins.
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Revista, capítulo essencial da nossa história Vertente importantíssima do teatro musical brasileiro, que abrange do início da segunda metade do século XIX até o começo da década de 1960, a revista deve ser, de acordo com a pesquisadora e crítica Tânia Brandão, dividida em quatro fases: revista de ano (1859 a 1906), revista de enredo (1906 a 1922), revista feérica e/ou musical (1922 a 1940) e revista espetacular (1940 a 1961). O nome da primeira fase diz respeito ao propósito de passar em revista os acontecimentos do ano. “É uma fase luso-francesa e depois franco-portuguesa. O grande nome ainda não estudado é o de Arthur Azevedo. De início, Azevedo não tinha contato com a França, adquirido posteriormente. Essa fase entrou em declínio com rapidez. Foi atacada pela intelectualidade”, ressalta Tânia. Na segunda fase, passa a imperar a história, o fio condutor. “A situação não mudou com a revista de enredo. A referência francesa se fortaleceu e surgiram autores de ocasião. Não apareceu ninguém com a importância de Arthur Azevedo. Pode-se dizer que ele não teve sucessor”, observa. Com a revista musical, a música popular brasileira se tornou o esteio. “O texto não tinha relevância determinante. O gênero continuou relacionado ao popularesco”, afirma. Depois a revista assumiu a proporção do grande espetáculo, fase pela qual costuma ser mais lembrada. “Foi o período do formato quase suicida da grande revista. Os custos se tornam muito altos. Dizem que Walter Pinto comprava cenários em cidades como Buenos Aires e Paris. Na sequência, vieram os shows de Carlos Machado. Ao mesmo tempo, houve a formação das escolas de samba. Esta relação não costuma ser considerada”, conclui.
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Neves firmou elos artísticos, a exemplo de sua ligação com Lúcia Coelho. “Lúcia é, sem dúvida, o ser humano mais generoso com quem já trabalhei. Dentro do turbilhão de ideias, do caos que é o processo de criação dela, reina uma sabedoria que talvez só seja percebida ao final, quando tudo o que parece desconexo começa a se encaixar. Ela dá total liberdade de criação e experimentação. Na primeira vez que trabalhamos juntos, eu me senti perdido dentro dessa liberdade. Depois, percebi que era um método”, observa. Marcelo Neves também firmou vínculo com Inez Vianna, diretora de As conchambranças de Quaderna, montagem de textos de Ariano Suassuna, que acabou rendendo o Prêmio Shell de melhor trilha sonora. “Nossa parceria começou com as montagens dos formandos da Casa de Artes Laranjeiras (CAL). Uma fase importante para experimentações e amadurecimento, e que preparou terreno para As conchambranças..., peça que deu origem à criação da Cia do Mondé”, conta Neves sobre o grupo que partirá para a montagem de um texto do dramaturgo Jô Bilac.
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Em A s c o n c h a m b r a n ç a s d e Quaderna, Marcelo Alonso Neves investiu na música tocada ao vivo. “A opção difere da maioria dos espetáculos com músicos em cena. Afinal, não se trata de um musical, apesar de o elenco cantar duas músicas. Realizando um antigo desejo, uso os músicos para executar a trilha incidental, ou seja, criar os climas engraçados, de suspense, românticos”, diz. Antes de As conchambranças..., ele vinha percorrendo o território brasileiro ao palmilhar o universo de Chico Buarque em Meu caro amigo. “Naturalmente tínhamos as músicas do Chico, mas era preciso fazer a escolha dentro deste vasto material”, esclarece. Recentemente, assinou as direções musicais de Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand, e Bartleby – O escriturário, a partir de obra de Herman Melville. “Em Cyrano, procurei, a partir do conceito desenvolvido pelo diretor João Fonseca, trazer uma sonoridade
contemporânea para os momentos incidentais, fugindo do estereótipo capa-espada-épico-heroico. Mas evitei ser demasiadamente pop para não distanciar a plateia do foco da história. Já em relação à música tocada pelos atores/personagens, busquei uma sonoridade compatível com a época. Não defendi uma tese musical do que era tocado no século XVII, mas tentei reproduzir uma atmosfera do que poderia ser uma música popular daquele tempo”, explica. Bartleby representa o desdobramento de um elo com a Cia. Dramática de Comédia, dirigida por João Batista. “Três dos espetáculos que fiz com eles – os outros dois, O homem da cabeça de papelão e A caolha – têm uma característica comum: tratam de seres que, de alguma forma, não se encaixam nos padrões de convivência em sociedade. Em linhas gerais, compus uma música que procura ajudar nos fatores psicológicos dos personagens, sendo extrovertida e burlesca para
os tipos mais solares e introspectiva para o personagem central, uma figura soturna, calada e enigmática”, diz Marcelo Neves, envolvido com as montagens de Emilinha e Marlene e Na selva das cidades, encenação de Aderbal Freire-Filho, juntamente com a Cia. dos Atores, para a peça de Bertolt Brecht. Já Lucas Marcier vem sendo associado, como diretor musical, a trabalhos mais investigativos, realizados com diretores como Enrique Diaz (em Ensaio Hamlet, Gaivota – Tema para um conto curto, O bem amado, In on It e Otro, do Coletivo Improviso), Daniel Herz (na montagem de O filho eterno, adaptação do livro homônimo de Cristóvão Tezza) e Christiane Jatahy (no filme A falta que nos move) e com o ator Michel Melamed (Regurgitofagia). Projetos não faltam. Depois de assinar a direção de Lição nº 18 – Romeu e Julieta, de Doc Comparato, trabalha na finalização do primeiro CD de Melamed e prepara o primeiro DVD da banda Brasov, da qual faz parte.
Leonardo Brício, Dani Barros e Iano Salomão em As conchambranças de Quaderna
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REVISTA À BRASILEIRA NASCEU CANTANDO Como tudo no Brasil do século XIX, o teatro de revista à brasileira foi importado da França, com escala em Portugal. O que se via nos acanhados palcos de
Macksen Luiz
um Rio, capital de um país provinciano, era pouco mais do que um arremedo de espetáculos musicais de origem francesa, quando não as próprias companhias vindas da Europa para mambembar pelo sul do Equador. Mesmo com essas importações, que se aportuguesavam a cada nova estreia, a revista começou a falar e a cantar com sotaque, senão totalmente local, pelo menos fixada na nossa geografia social e política. Arthur Azevedo foi decisivo na gênese e na aclimatação do gênero, que sobreviveu até a década de 1960 do século passado. Nas Revistas de Ano, a primeira delas em 1877, à qual se seguiram outras 19, Azevedo registrava, criticamente, os acontecimentos dos últimos 12 meses, de forma satírica e estabelecia as bases do que viria a ser o formato explorado pelos quase 100 anos seguintes.
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Nesta série de revistas, com títulos saborosos (Rio de Janeiro de 1877, Ataca Felipe, Cocota, O bilontra, O carioca, O tribofe) que já antecipavam os maliciosos títulos dos anos 1950 do século seguinte (É de xurupito, É xique xique no pixoxó, É fogo na jaca, Tira a mão daí, Te futuco... Num futuco, Banana não tem caroço), o autor demonstrava a capacidade carioca de satirizar-se e insinuava, com meios populares, desenhar questões como a da nacionalidade da dramaturgia e do espetáculo. As revistas comentavam os bons e maus costumes, os complexos coloniais e os problemas de afirmação de identidade da vida na época. Os personagens das revistas de Azevedo eram os males que assolavam a sociedade do Brasil, como a política, a fome, a seca, a inundação, o boato, a morte e o
Eu quero sassaricá!, com Oscarito, Virginia Lane e Mara Rubia, 1951
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médico (consideradas figuras inseparáveis). Além da malandragem, erigida como valor socialmente relevante, em oposição ao trabalho, e a persistência da ação política como atitude que reverte somente para o bem pessoal. A música, decisiva e integrante indissociável do espetáculo, trazia letras mordazes e composições originais, iniciando a construção do repertório do que seria conhecido como a moderna música popular brasileira. A revista foi o primeiro meio para sua difusão e popularização. Desenham-se com as Revistas de Ano arturianas a capacidade cultural brasileira de, apesar do ambiente provinciano e das restrições sociais, ganhar autonomia expressiva, devorando antropofagicamente influências importadas, devolvendo-as mastigadas e recriadas.
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A música, tanto ou mais que os outros elementos deste gênero de espetáculo, ia compondo, brasileiramente, as revistas no final do século XIX, início do XX. Se os números de cortina, o perfil dos cômicos populares – grande parte deles vindo dos circos –, a féerie dos quadros e a importação da linha de coristas – mais tarde chamadas de girls – se delineavam como estilo, eram as canções que repercutiam até mesmo nos confins do país. O maxixe, considerado dança erótica, surgiria em 1897, na revista Zizinha Maxixe, como o Corta-jaca, de Chiquinha Gonzaga, lançada nos palcos da Praça Tiradentes. Sempre acompanhada de alguma moda, como o tipo de corte de cabelo feminino, retirado da revista À la garçonne.
A música, decisiva e integrante indissociável do espetáculo, trazia letras mordazes e composições originais, iniciando a construção do repertório do que seria conhecido como a moderna música popular brasileira
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As composições escritas especialmente para as revistas também iriam criar o rico repertório das primeiras décadas do século passado
Da mesma maneira que as trilhas musicais encorpavam as revistas, outras características surgiam na formatação de um gênero cada vez mais adaptado às nossas vivências sociais. As vedetes, que até os anos 1960 dominariam as ribaltas, como Mara Rúbia, Virgínia Lane e Renata Fronzi, teve em Margarida Max, em 1931, a sua precursora em Brasil amor, responsável pelos êxitos de Pé de anjo, e O rancho fundo, de Ary Barroso e Lamartine Babo. As composições escritas especialmente para as revistas também iriam criar o rico repertório das primeiras décadas do século passado, revelando grandes nomes de músicos e letristas que se inscreveriam na história das nossas canções, marchinhas e sambas. Como Freire Júnior que, em 1924, escreveu Luar do sertão, e Aracy Cortes, que cantaria sucessos incontestáveis, como Aquarela do Brasil, Boneca de piche, Tico-Tico no fubá e Yes, nós temos bananas, todas ouvidas pelas plateias revisteiras. Antes no carnaval, depois no rádio, as marchinhas e sambas estreavam ou se popularizavam nos palcos, e isto já em 1930, com Dá nela, de Ary Barroso, ou em É batatal, na qual Oscarito, Aracy Cortes e Eva Todor ampliavam o sucesso de No tabuleiro da baiana, gravado originalmente por Carmen Miranda. Até Dercy Gonçalves, mais tarde atriz-caricata, se tornaria cantora em dezenas de revistas, carnavalescas ou não. Mas foi Virgínia Lane, a Vedete do Brasil, que arrasaria no carnaval de 1952 com a marchinha Sassaricando, saída da revista Eu quero é sassaricá, um dos maiores êxitos do empresário Walter Pinto, que modificou e tornou luxuosas e ainda mais feéricas as revistas da Praça Tiradentes.
Nélia Paula e Oscarito, 1960
Com o fim do Teatro Recreio, em 1963, reduto das produções de Walter Pinto, o teatro de revista parou de cantar e dançar, tornando-se arremedo melancólico daquilo que representou como afirmação de uma linguagem cênica que, importada a princípio, incorporou a cultura local com a espontaneidade do jeitinho e das dificuldades de não saber como fazer. Descobriu-se, empiricamente, produzindo compositores, atores – os populares como Oscarito, Mesquitinha e Grande Otelo eram imbatíveis – e vedetes, além de cenógrafos, técnicos e diretores, sem qualquer escola que os pudesse formar. E f oram criadores, os melhores de seu tempo.
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Lili Marleen Alcione Araújo
À noite, andares abaixo, ele tocava Lili Marleen com a tristeza de uma alma desamparada. Ao som melodioso do saxofone, a velha canção de guerra, que ela ouvira com Marlene Dietrich, alongava-se por corredores, varava paredes, vencia andares e ecoava dentro do seu corpo. Ela não dormia, fritava feito bife de um lado e outro na cama, ouvindo Lili Marleen com a tristeza de uma alma desamparada. Distantes vários lances de escada e sombrios corredores, fechados nos minúsculos apartamentos do abandono noturno, seus corpos eram envolvidos num silêncio de anonimato e indiferença, que os olhos não viam. A melancolia abatia o corpo preso ao seu destino. Mas a melodia do saxofone a despertava e misteriosamente os aproximava. E para ela, Lili Marleen era mágica: unia-os, sem se conhecerem. Tímido e silencioso, ele tocava inibido de sentir que o som levava sua alma nua. Alheia a esta nudez, ela ouvia com a tristeza dos que trazem a alma vestida. Mas a música que vinha do saxofone soava-lhe como um canto de sereia, e a inundava de difusa esperança. Sem entender a razão da animação, às vezes levantava-se, ia à janela aspirar o perfume dos jasmins. E, com o saxofone sussurrando-lhe ao ouvido, tomava uma taça de vinho. Sentia-se mais leve, o ar sorria à sua volta. E pensava na vida, no que poderia ter sido e que não foi. Mas o pensamento é rio subterrâneo de curso imprevisível, que banha escuras cavernas, brancas geleiras, densas florestas e praias ensolaradas. Visitava épocas de sua vida, se comovia no enredo de nostalgias, e acabava em lágrimas. Mas se consolava de pensar que temos uma vida que é vivida, e outra que é pensada. Sabia que o nada que era, era o tudo dela. Naquele mar de gente, cada um era livre para inventar a sua maneira de viver sozinho. Uma única ilusão lhes daria coragem. Não se iludiram. Vizinhos que podiam vê-lo pela janela, falavam da sua forma carinhosa, e até sensual, de tocar, abraçando o instrumento, beijando-o longamente.
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FOTOS: STUDIO CL ART E DOMÍNIO PÚBLICO
De olhos fechados, corria os dedos sobre suas saliências e curvas, movendo o corpo numa dança erótica, curvando e erguendo o instrumento; ou, ao contrário, abaixando e cobrindo-o com o corpo. Coladas na parede à sua frente, as fotos de uma mulher vestida de noiva. Em suas mãos, o saxofone suspirava, ofegava, chorava e gemia. Só após a segunda taça, ela sonhava. Gostava de sonhar para sentir-se vivendo. E ria, dava gargalhadas, que ecoavam pelo corredor. Silenciava quando o saxofone com Lili Marleen penetrava-lhe o corpo provocando arrepios e estremecimentos. E pensava no prazer que seria ser o saxofonista, sem, contudo, deixar de ser ela. Com sopros na madrugada, libertar uma fieira de notas musicais, aleatórias como a vida, que vagariam a esmo, até chegarem, quem sabe, a algum ser vivo. Wil gerne wöllt ich mit dirgehn, Mit dir Lili Marleen. “E nos demos adeus; com que prazer eu iria com você, Lili Marleen”, como diz o jovem soldado da canção. As noites terminavam depois da terceira taça. Olhava-se no grande espelho do quarto deserto, e pensava na pressa com que a vida tira o que dá, e se sentia morta muito antes de ter vivido. Era tanto cansaço, que queria que a deixassem como uma coisa largada e esquecida num canto. Logo, ambos se rendiam à calma trégua do sono, certos de que, na manhã seguinte o sol enxugaria as lágrimas. Um dia, ele se foi por exigência do síndico que, surdo ao canto do seu abandono, não quis ouvir o saxofone. Pouco depois, numa noite chuvosa, homens de branco a amarraram numa ambulância. Talvez só eu saiba que um dia eles existiram. Assisto ao pôr do sol do avião, com a involuntária revolta de quem encara a sua fragilidade. Vejo meus rios, desertos, montanhas e geleiras, e curvo-me dócil à imensidão serena do universo, ao som remoto do saxofone tocando Lili Marleen. Texto publicado no jornal Estado de Minas
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A grande estrela da canção Protagonista de musicais de grande sucesso desde a década de 1960, Bibi Ferreira proclama fidelidade ao gênero com vigor invejável Daniel Schenker
FOTOS: ACERVO FUNARTE
Quando Bibi Ferreira estreou Às favas com os escrúpulos, comédia de costumes de Juca de Oliveira, alguns disseram, não sem razão, que a atriz tinha voltado ao chamado teatro de prosa. Afinal, como intérprete, Bibi vem se dedicando prioritariamente aos espetáculos musicais, seja encarnando cantoras do porte de Amália Rodrigues, seja se apropriando, de forma bem-humorada, de canções célebres através do projeto Bibi in concert. “Em Às favas com os escrúpulos, sentia falta da música”, admite Bibi, sem, porém, minimizar seu entusiasmo diante da recente atuação pela qual foi aclamada. Muitas montagens de musicais lembradas na história do teatro brasileiro contaram com Bibi – como atriz (na maior parte das vezes) ou como diretora. Basta enumerar: My fair lady, Hello,
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Dolly, Brasileiro: profissão esperança, O homem de la Mancha, Gota d’água, Piaf – A vida de uma estrela da canção. Bibi foi ousada ao, de certo modo, capitanear o modelo do grande musical no Brasil. Os produtores temeram o risco diante de uma empreitada como a de My fair lady, de Alan Jay Lerner e Frederich Lowe, musical que contava com as presenças de Paulo Autran, Jaime Costa, Sérgio Viotti, Elza Gomes e Marília Pêra, em 1962. “Havia receio de que cada vez que começasse uma pequena ária o público não gostasse. Eu não temi. Como espectadora, gostava e achava que faria sucesso. De fato, a plateia não rejeitou. My fair lady ficou um ano e dois meses em cartaz, de terça a domingo”, lembra Bibi, que recebeu o Prêmio Saci pelo trabalho.
Bibi Ferreira no musical Gota d`água, 1977
O sucesso foi perpetuado em Hello, Dolly, de 1964, e em sua direção para Brasileiro: profissão esperança, texto de Paulo Pontes, com Maria Bethânia e Ítalo Rossi, em 1970, e com Paulo Gracindo e Clara Nunes, em 1974. “O espetáculo trazia crônicas de Antonio Maria e músicas de Dolores Duran. O texto era muito inteligente”, elogia Bibi, que resgatou o trabalho na década de 1990. Retomando parceria com o marido, Pontes, e Chico Buarque (responsável, com Ruy Guerra, pelas versões das canções de O homem de la Mancha, de Dale Wasserman, espetáculo dirigido por Flávio Rangel, em 1972) fez Gota d’água, encarnando Joana, a Medeia brasileira. Sua interpretação visceral na montagem dirigida por Gianni Ratto, em 1975, permanece como referência. “Não podia decepcionar ninguém. Eu me tranquei durante três dias num hotel porque não conseguia falar os solilóquios e diálogos. Precisava adquirir a respiração contada, os tempos. Nos diálogos, falava um português mais leviano, jogado; nos solilóquios, buscava o clássico. Se interrompesse a respiração, perdia a dramaticidade”, conta Bibi, que ganhou os prêmios Molière e Associação Paulista dos Críticos de Artes (APCA). A habilidade de se metamorfosear em grandes cantoras foi comprovada nos espetáculos centrados nas figuras de Edith Piaf e Amália Rodrigues. “Piaf se tornou um espetáculo histórico. As músicas eram maravilhosas; La vie em rose, um hino. Foi um trabalho que exigiu estudo, aprimoramento. Cabia ouvir Piaf cantar, procurar aquela alma e trazer até mim. É belo adquirir o canto de outra pessoa”, diz
Bibi sobre Piaf – A vida de uma estrela da canção, espetáculo de 1983, que permaneceu seis anos em cartaz, incluindo uma temporada em Portugal, com atores portugueses no elenco. Bibi recebeu os prêmios Mambembe, Molière, Associação Paulista de Empresários Teatrais e Governador do Estado. A dedicação para compor a fadista Amália Rodrigues não foi menor. “Eu aprendi o verdadeiro português, castiço. Levei cerca de dois meses para estudar as canções. Foi maravilhoso! Mas senti medo. Surgia em cena igual a ela: a roupa, o cabelo, a moldura do rosto. Quando entrei com os passos firmes da Amália, o público fez ‘oh!’. Só não digo que a voz fosse igual porque a dela era das melhores do mundo”, garante Bibi, que conheceu e trabalhou com Tiago Torres da Silva, que conviveu com Amália nos últimos dez anos de vida. Bem antes de participar de grandes espetáculos, Bibi Ferreira integrou o Corpo de Baile do Theatro Municipal. Filha dos atores Procópio Ferreira, um dos grandes astros teatrais da primeira metade do século XX, e Aida Izquierdo, migrou para Portugal, onde trabalhou como atriz de teatro de revista e gravou a música Tic-tac, inserida no disco Quando bate um coração. Hoje, Bibi não percebe ecos do revista, gênero que vigorou no Brasil entre a segunda metade do século XIX e o início da década de 1960. “Acho que o teatro de revista terminou. O gênero vive da charge política e durante a ditadura não se podia brincar. Depois, não voltou como deveria”, atesta. Incansável, Bibi continua assumindo riscos. Em 1999, dirigiu a ópera Carmen, de Bizet.
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Partitura escrita
na alma Daniel Schenker
Marília Pêra é uma atriz de grandes feitos. Participou de encenações emblemáticas, como My fair lady, encarnou Carmen Miranda em alguns espetáculos, impulsionou a vertente de musicais biográficos com A estrela Dalva, incorporou as cantoras brasileiras do século XX em Elas por ela, interpretou a diva Maria Callas em Master class e a “pior cantora do mundo”, Florence Foster Jenkins, em Gloriosa. Todos esses trabalhos estão devidamente documentados, mas não a origem da ligação de Marília Pêra com a esfera musical. O elo iniciou dentro de casa, no convívio com os pais atores, Manuel Pêra e Dinorah Marzullo. “Por gosto de meu pai, comecei a estudar piano aos quatro anos. Minha professora, Elza Urzupator, ainda está viva. Fui sua primeira aluna. Ela tinha 17. Estudei piano com dona Elza durante dez anos e me apresentei algumas vezes na ABI, tocando Chopin, Bach, Mignone. Por causa desse primeiro contato musical, aprendi a ler música, o que me ajudou mais tarde, quando trabalhei em musicais. Depois estudei um pouco de violão, harpa e canto”, conta Marília.
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Manuel Pêra desejava que Marília seguisse carreira musical como concertista. “Ele tocava piano, violão, violino, acordeão e gaita, tudo de ouvido. Foi carpinteiro e alfaiate de teatro, antes de ser ator. Sem qualquer respaldo financeiro, não teve oportunidade de desenvolver teoricamente sua extrema sensibilidade auditiva. Quando comecei a aprender teoria musical, me pedia para passar para ele os ensinamentos e me ouvia com grande interesse, o que me auxiliava na compreensão da matemática musical”, revela. Marília acompanhava de perto a carreira da mãe. “Lembro dela cantando e dançando em espetáculos como O casaco encantado, de Lúcia Benedetti, onde fazia a princesa, Nunca me deixarás, em que dançava nas pontas interpretando uma bailarina russa, e O ébrio, de Gilda de Abreu, contracenando com Vicente Celestino e cantando um dueto com Ed Castro. Incluí essa música nas duas montagens
DIVULGAÇÃO
Marília Pêra evoca a influência familiar em sua trajetória à frente de musicais e lamenta o esquecimento relegado a muitos artistas brasileiros
de Doce deleite”, diz, referindo-se aos espetáculos oriundos de uma coletânea de textos apresentados no início dos anos 1980 (quando participou como atriz) e em 2009 (como diretora). Mas a veia artística da família Pêra não começou com Manuel e Dinorah. Sua avó, Antônia Marzullo, era atriz. “Minha mãe deu partida à carreira ao lado da minha avó, como dançarina e cantora em revistas musicais no Recreio, João Caetano e em outras casas de espetáculos do Brasil. Minha avó foi para o teatro levada por Alda Garrido. As duas trabalharam antes numa fábrica de meias”, relembra. Os tios de Marília, Dinah Marzullo e Nestor Tangerini, também seguiram carreira artística – ela, como atriz, ele, como autor. “Esse meu tio foi autor de várias revistas musicais, ao lado de Jardel Jércolis e Ronaldo Lupo. Em Gol, peça de sua autoria, Mário Lago e Custódio Mesquita, autores que hoje são menos esquecidos que o próprio
Tangerini, eram assíduos frequentadores. Meu primo Nelson Tangerini, minha irmã, Sandra, e eu estamos tentando recuperar um imenso acervo musical desse tio. Claro que não temos encontrado interesse; afinal, é mais fácil continuar repetindo o que já está estabelecido do que contar novas histórias das quais nunca ninguém ouviu falar”, afirma. De acordo com Marília Pêra, não são poucas as falhas em registros da história do teatro brasileiro. “Há algumas fotos de minha mãe em livros de teatro em que aparece dançando em musicais do começo do século, mas sem identificação do nome dela. Da mesma forma que há fotos de meu pai com Dulcina (de Morais) ou (Henriette) Morineau, sem indicação do nome dele. E há fotos minhas como bailarina em livros que falam sobre Bibi, sem identificação do meu nome. Existem vários livros sobre teatro de revista ou sobre a TV Tupi que não citam meu tio Abel Pêra, meu pai, minha avó, minha mãe e meu tio.
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Marília Pêra no espetáculo Gloriosa
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“Às vezes, eu me pergunto se tudo aquilo que vi, ouvi e vivi não passou de uma quimera” 36
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Às vezes, eu me pergunto se tudo aquilo que vi, ouvi e vivi não passou de uma quimera”, comenta a atriz. Diante desse passado familiar, é natural que Marília tenha ingressado na carreira artística, com destaque para o desenvolvimento na vertente musical. Aos 10 anos foi levada pelo pai para estudar balé clássico no Serviço Nacional de Teatro. “Depois fui bailarina em Esse milhão é meu. Minha mãe trabalhou como atriz nesse filme e eu apareço dançando atrás da Sônia Mamede”, afirma, referindo-se à chanchada dirigida por Carlos Manga, em 1959. Recentemente, Marília assinou um espetáculo sobre Sonia Mamede, intitulado A garota do biquíni vermelho, com texto de Artur Xexéo. Marília seguiu trabalhando como bailarina. “Dancei no Maracanã quando Adalgisa Colombo foi eleita Miss Brasil. Eu fazia parte do corpo de baile do Johnny Franklin, que depois foi assistente de coreografia do Harry Hooliver, coreó-
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grafo americano em My fair lady. Foi esse coreógrafo e o diretor americano que quiseram muito que eu ganhasse o teste que fiz mais tarde para Como vencer na vida sem fazer força. Devo muito desse meu começo a esses artistas americanos”, assinala Marília, fazendo menção a My fair lady, espetáculo protagonizado por Bibi Ferreira, e Como vencer na vida..., musical produzido por Oscar Ornstein, no qual contracenou com Procópio Ferreira, ambos apresentados na primeira metade da década de 1960. Bibi Ferreira é, com certeza, uma influência determinante na trajetória de Marília. “Eu a conheci antes de My fair lady. Já a tinha visto em cena no Teatro Regina em Poeira de estrelas, espetáculo dirigido por Dulcina, em que meus pais trabalharam. Também a conhecia de histórias de amor que minha mãe e minha primeira sogra, Stella Graça Mello, contavam. Em My fair lady, eu via Bibi e Paulo Autran todos os dias. Das coxias, tentava aprender tudo o que esses dois grandes atores sabiam. Minhas referências, além da minha família, sempre foram Dulcina, Morineau, e, mais tarde, Bibi, principalmente por sua impressionante desenvoltura cênica nos musicais brasileiros”, relembra. Foi ainda na década de 1960 que Marília Pêra se aproximou de Carmen Miranda. “A primeira Carmen que interpretei foi no começo de 1965, no México. Eu era bailarina na companhia de Carlos Machado em O teu cabelo não nega. Juan Carlo Berardi era o coreógrafo e Hilton Prado, o cantor. Eu entrei substituindo uma vedete, Vera Regina, cantando um pout-pourri da Carmen. Antes de mim, havia no Brasil uma cantora chamada Marion, que fazia Carmen. Em 1972, Maurício Sherman me convidou para A pequena notável, do Ary Fontoura, o que originou uma infinidade de Carmens que tive a alegria de interpretar, no Brasil e no exterior. Uma vez, um empresário
FOTOS: ACERVO FUNARTE
Marília Pêra com Jaime Costa no musical My fair lady
português comprou um espetáculo sobre Carmen e eu fui cantar em Viana do Castelo, ao lado da cidade onde ela nasceu, Marco de Canaveses. Em 2008, Sherman e o professor Arnaldo Niskier me chamaram para fazer Marília Pêra canta Carmen Miranda. Carmen é imbatível! O repertório dela e sua alegria tornam o convívio enriquecedor para quem a ‘recebe’”, elogia. Ao longo dos anos, Marília Pêra esteve à frente de grandes musicais, valorizando tanto o repertório brasileiro quanto o americano. Foi Dalva de Oliveira em A estrela Dalva, de Renato Borghi e João Eliseu, em 1987. “Roberto Talma e Borghi me proporcionaram o encontro com ela. Foi um grande aprendizado vocal. Meu primeiro professor de canto, inclusive, foi Pasquale Gambardella, que tinha sido professor da Dalva”, diz Marília, que, no decorrer do tempo, se aprimorou com René Talbot, Vera do Canto e Mello, Eliane Sampaio, Marise Muller, Marcelo Rodolfo,
Mirna Rubin, Mariuccia Lusa e sua mãe, Ana Lusa, Ester Elias e Silvia Pinho, entre tantos outros. Bem antes de A estrela Dalva fez Pippin, de Roger O. Hirson, sob a direção de Flávio Rangel. “A dificuldade era interpretar um personagem que tinha sido feito por um cantor americano negro com vozeirão: Ben Vereen. O bom foi ter passado pelas mãos de Gene Foot, coreógrafo americano que sabia tudo sobre as coreografias de Bob Fosse, pela primeira vez montadas no Brasil”, explica. Mais recentemente fez Victor ou Victória, dando continuidade à sua parceria com o diretor Jorge Takla. “Tinha visto Victor ou Victória em Nova York, com a Julie Andrews. Sabia que a Victória era âncora; os outros personagens é que faziam sucesso. Mesmo assim, aceitei o convite de Takla e encarei a temporada como âncora”, assume Marília, que, além de todos os trabalhos citados, marcou presença em A prima dona, de Alcione Araújo.
Sem planos para fazer um musical nesse momento, Marília Pêra se mostra especialmente sensibilizada com o esquecimento relegado a muitos artistas no Brasil, não só aos integrantes de sua família. “Acompanhei o velório de Nilson Penna, que cantava árias inteiras de ópera e morreu esquecido por aí. Tenho tentado ajudar Ney Mandarino, velho camareiro que andou pela enfermaria do Retiro dos Artistas e agora está em casa, sabe Deus até quando. Ele é memória viva do teatro, assim como minha mãe. Ou Nicette (Bruno) e Paulo (Goulart). Temos Isabelita dos Patins, tão musical brasileiro, sem aposentadoria ou plano de saúde. Apesar de ter nascido na baixada dos morros do Querosene e de São Carlos, e de minha velha família de artistas musicais ter morrido quase toda na miséria, ainda levo como herança (ou fardo) um gosto forte pela música e não desisti completamente de buscar a partitura que meus pais escreveram em minha alma há muitos anos”, conclui.
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O corpo inteiro a serviço da arte Maria Luiza Franco
Especialistas dizem que a diferença entre a ópera e o musical é o uso do microfone. Na ópera, ainda hoje é pecado amplificar a voz por meio artificial. No musical, nunca foi e ainda não é preciso ser Plácido Domingo, Fernando Portari, ou contar com um Paulo Szolt para cantar a história. O ator José Mayer que o diga. Bravíssimo no papel de Tevie, protagonista do musical Um violinista no telhado, empresta o corpo inteiro à exuberância do personagem, sendo a voz tão somente mais um elemento da extraordinária caracterização do judeu iconoclasta que prefere ser feliz a se agarrar às tradições. Os musicais são a união de teatro, dança e canto. Tudo funciona integrado sem privilégio de nenhuma das partes. Pode-se dizer que o assunto que está sendo representado encontra o mesmo peso e vigor em todas essas habilidades requeridas ao ator. Os musicais são tanto crítica de costumes, como dramas privados e grandes eventos históricos. Os miseráveis, baseado no livro homônimo de Victor Hugo, bota em cena o levante popular de junho de 1832, que encheu de barricadas as ruas de Paris e resultou em torno de 800 mortos e feridos. No Brasil, os musicais chegaram na forma do Teatro de Revista. Chiquinha Gonzaga e Arthur Azevedo compuseram para o gênero, tendo ele se revelado um especialista em levar aos palcos as transformações socioeconômicas e culturais
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pelas quais passavam os centros urbanos e de um modo que agradava em cheio a pequena burguesia que começava a ganhar corpo nas cidades. “Pimenta sim, muita pimenta E quatro, ou cinco, ou seis lundus. Chalaças velhas, bolorentas, Pernas à mostra e seios nus”, assim ele definia os ingredientes e dava a receita de fazer musicais. Atento aos acontecimentos, os musicais dos anos 1960 usaram o corpo para protestar. Ainda no Brasil, Roda viva marcou uma geração, assim como a doce maneira de confrontar as classes contida em My fair lady, com as performances inesquecíveis de Bibi Ferreira e Jaime Costa. Nos anos 1970 e 1980 não foi diferente. Provocações alternativas chamavam para a reflexão os valores burgueses, caretas e acomodados. Em Hair, todo mundo cantou nu em cena. Com o pessoal do Asdrúbal Trouxe o Trombone, o teatro se fez a partir da criação coletiva e foi apresentado como obra aberta para “falar de si mesmo, ou de gente muito parecida com os asdrubalinos: a grilada e alegre juventude da Zona Sul”, como escreveu o crítico Ian Michalski. A farra da Terra, de 1983, foi efetivamente uma farra musical desenvolvida no processo de improvisação e jogos, que produziam fragmentos costurados pelas mãos do diretor. Em cena, o que importavam eram o experimento e a expressão pela via do afeto. A música de cada um tocada na alma, no sentimento e no coração, os nomes românticos com os quais se costuma denominar o corpo.
Capa do programa para o espetรกculo em Sรฃo Paulo
Jaime Costa em My fair lady
FOTOS: ACERVO FUNARTE
Bibi Ferreira e Edson Franรงa no musical My fair lady
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Capa do programa para o espetรกculo Hair, 1970
Ricardo Petraglia em Hair, 1970
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Sonia Oiticica, Bibi Ferreira, Norma Suely e Selma Lopes em Gota d’água
Capa do programa para o espetáculo Gota d’água
Bibi Ferreira e Luis Linhares
Bibi Ferreira e Francisco Milani
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Capa de programa do musical ร pera do malandro, 1978, Teatro dos 4, Rio de Janeiro
Neuza Borges, Otรกvio Augusto e Claudia Jimenez
Marieta Severo, Otรกvio Augusto e elenco
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Capa do programa e foto de pรกgina central com o elenco do musical Chorus line
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Heleno Prestes e Antonio Pedro no musical Roda viva, Teatro Princesa Isabel, Rio de Janeiro, 1968 Capa do programa, 1968
Apresentação no Teatro Princesa Isabel, Rio de Janeiro, 1968
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Antonio Pedro e Heleno Prestes
Companhia Pop de Teatro, em Theatro Musical Brazileiro – 1914-45, São Paulo, 1988
Capa de programa, São Paulo, 1988
Capa de programa, Rio de Janeiro, 1994
Companhia Pop de Teatro, São Paulo, 1988
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Capa do programa para o espetáculo em São Paulo
Marília Pera no espetáculo A estrela Dalva, Teatro João Caetano, Rio de Janeiro, 1987
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A farra da Terra, do grupo Asdrubal Trouxe o Trombone, 1983
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Capa do programa do espetรกculo Evita, Teatro Joรฃo Caetano, Rio de Janeiro
A cantora Clรกudia e Carlos Augusto Strazzer em cena
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Capa do programa
Musical Les misérables
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Sem sair do tom Débora Garcia prepara gargantas para musicais Julio Calmon
Ser disciplinado, não beber, não fumar, ter boas horas de sono e uma vida sem exageros são recomendações para um atleta. E é exatamente assim que deve se comportar o ator de um musical que deseja manter a voz perfeita para os dias de espetáculos. Ordens da preparadora vocal Débora Garcia, 44 anos. Experiente em canto, ela é a principal responsável pelo bom desempenho do ator quando solta a voz no palco. Além disso, ensina as músicas do espetáculo que vai entrar em cartaz, ajuda na escolha da tonalidade e estuda a melhor forma de executá-las. A preparação também consiste em uma série de exercícios para, principalmente, manter a saúde vocal do ator durante a temporada. É aí que vem o puxão de orelha se o ator não se cuidar. “Eu comparo a preparação vocal do ator com a de um atleta, pois o uso da voz envolve músculos que precisam estar bem condicionados fisicamente para que ele aguente uma temporada. Não tem jeito. Uma boa noite de sono, cortar o álcool e o cigarro fazem toda diferença”, diz Débora.
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RENATO DE AGUIAR
Se a peça não tem músicas cantadas pelos atores ou não é propriamente um musical, um fonoaudiólogo dá conta do recado. Ele vai corrigir vícios e maneiras de falar, e melhorar a dicção. Entretanto, principalmente para quem gosta de atuar em musicais, ter um bom professor de canto para manter a qualidade vocal é importante. Quando não está orientando e ajudando o ator em alguma peça, Débora dá aulas de canto e musicalização. Ela vive no mundo dos espetáculos desde 1994, quando trabalhava em um curso que montava musical com 100 crianças, em média, todo fim de ano. Mas o primeiro trabalho profissional surgiu em 1996, na montagem de A mãe,
de Bertolt Brecht, com a Companhia de Teatro Ensaio Aberto, sob a direção de Luís Fernando Lobo. Desde então, alterna suas lições para os alunos com a preparação de atores. Débora explica que é preciso sempre fazer exercícios de respiração e voz para somente depois ensinar as músicas. “Com as canções aprendidas, começa o trabalho de aperfeiçoamento, em que o ator canta junto com os músicos ou com uma base instrumental, dependendo de cada espetáculo. A última fase, antes da estreia, é o acompanhamento dos atores dentro do espaço cênico”, explica Débora, que varia a frequência e a duração do trabalho conforme a necessidade do espetáculo e a dos próprios atores. À exceção dos musicais, que normalmente fazem seleção prévia dos atores e poucas vezes escolhem alguém com problemas vocais, Débora tem trabalho para transformar um elenco de personalidades distintas em um grupo homogêneo musicalmente. “As pessoas são diferentes umas das outras e os problemas também. Pode acontecer de termos um elenco desigual, em que alguns cantam melhor do que outros. Pode existir um grupo de atores com problemas vocais como nódulos, por exemplo, que limitam a extensão da voz. Podemos ter até atores que desafinam”, lembra. Seu trabalho diminui quando o espetáculo entra em cartaz, mas não acaba. Ela acompanha o desempenho dos atores bem de perto, para nada dar errado. “Nessa fase, faço um aquecimento vocal antes de começar e assisto a, pelo menos, um espetáculo por semana para saber o que está acontecendo”, explica. No currículo, Débora tem trabalhos com diretores musicais conceituados, como Tim Rescala e Maria Tereza Madeira, entre outros. Mas foi ao lado da badalada dupla carioca Cláudio Botelho e Charles Möeller que enfrentou o grande desafio da carreira, quando teve que coordenar a preparação vocal de 18 jovens para A noviça rebelde, no final de
“Não tem jeito. Uma boa noite de sono, cortar o álcool e o cigarro fazem toda diferença”
2008, depois de muitas audições. “Trabalhar com as crianças nesse musical foi um desafio. Não por serem crianças, mas pelo fato de terem idades que variavam entre 5 e 18 anos, e porque algumas já tinham aulas de canto, outras não. Além disso, Möeller precisava fazer a combinação de três famílias de crianças que fariam revezamento, levando em consideração também a combinação das vozes”, recorda. Débora está trabalhando agora na produção de um novo espetáculo, com previsão de estreia no fim de setembro. Ela está preparando seis atores que vão atuar acompanhados de um quarteto de músicos em Flor Tapuya, uma antiga opereta regional com libreto de Alberto Deodato e Danton Vampré e música de Pixinguinha. Aliás, Marcelo Vianna, neto do autor de Carinhoso, faz parte do elenco. Para que todos mantenham a voz em dia até a estreia, ela propõe uma lista de exercícios: “Sempre começo com uma série de respiração. Gosto de fazer vocalizes (exercícios para trabalhar a voz usando escalas, vogais e consoantes) com movimentos corporais, que ajudam na execução. E ensino exercícios para serem feitos rotineiramente, sem a necessidade de um instrumento acompanhando”, conclui a preparadora vocal.
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Desenho de Lula