13ª Revista Mazup - Cultura marginalizada

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Não recomendada < 18 anos.

eDIçãO 13 Ano 3 - Jan-Fev/15 DISTRIBUIÇÃO FREE

cultura

MaRGinaLiZada






ROLÉ PELA EDIÇÃO

LETRA DE QUEM LEU

NOSSA CAPA

eXpediente

10 Trash Net 12 Mais do que uma latinha gelada 14 Coisificação 16 Horóscopo Maldito 18 Positividade abaixo de zero 20 Nem oito, nem oitenta / O lado único da moeda dos pegadores 22 Capa / À margem do senso comum 30 Editorial de moda 36 Tem uma Lajeado em Springfield 38 Quem nunca 40 Novas formas de emocionar 42 Resenha / As Bergamotas Começaram

44 #2AnosRevistaMazup 46 #TemCuPaEu / Um bode expiatório chamado segunda-feira 48 Troninho / Vamos falar de preconceito linguístico? 50 Conversa Casual 52 Desabafo

rafaela Sulzbach “As edições da revista Mazup, além de abordarem sempre assuntos interessantes e que estão em alta, fazem com que reflitamos ao final de cada matéria lida. Gostei muito da 12ª edição, em especial da matéria ‘Quem quer dinheiro?’, pois ao terminar de ler tentei mais uma vez chegar à conclusão sobre se o dinheiro traz ou não a felicidade. Concluí que a felicidade sim, mas não o amor. Isso grana nenhuma é capaz de comprar!”

Entrevistas e artigos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da Revista Mazup. Ficou na dúvida, tem sugestões ou quer dar letrinha? revista@mazup.com.br

Direção Maico Eckert maico@mazup.com.br

redação Andreia Rabaiolli revista@mazup.com.br

Comercial Douglas Kerber douglas@mazup.com.br

Supervisão geral Douglas Kerber douglas@mazup.com.br

Bárbara Delazeri barbara@mazup.com.br

Maico Eckert maico@mazup.com.br

Kelly Raquel Scheid kelly@mazup.com.br

Patrick Silva patrick@mazup.com.br

Raquel Carneiro revista@mazup.com.br

Colaboração Alessandro Mença João Timotheo

editora Kelly Raquel Scheid kelly@mazup.com.br

Lucas Wendt Márcio Grings Márcio Meyer Taís Grün Fotografia Gustavo Tomazi e divulgação Projeto gráfico Pedro Augusto Carlessi


Stéfano Collet “Curto ler a revista Mazup, pois ela está sempre cheia de novidades - sem falar que interage com a galera da região. É sempre bom ver os amigos por aqui. Na última edição, me chamou a atenção a matéria sobre ‘Quem quer dinheiro?’. Hoje em dia, para tudo se precisa de grana, o mundo é movido a dinheiro, tanto que se torna muito estranho imaginar que no passado não havia essa preocupação!”

Diagramação Dobro Comunicação Felipe Johann Leitura experimental Adriana Mellos Bárbara Delazeri Produção de capa e matéria principal Estúdio de Moda Voga e Kelly Raquel Scheid

Nina Scheibler “Na primeira vez em que fui apresentada à revista, a galera estava rindo muito, e eu querendo saber do que se tratava - era o Horóscopo Maldito. Além de divertido, chamou a atenção pela criatividade aliada à irreverência. Depois, fui devorando a revista incomum e fiquei viciada! A edição de aniversário é um presente para o público. Para quem curte textos maduros, que nos fazem refletir sobre nossas vidas, a grande dica é ‘Quem quer dinheiro?’.”

Ilustração Alessandro Mença, Felipe Johann e divulgação Modelo Alex Kemmerich Agradecimentos Alex Kemmerich, Bianca dos Reis, Gustavo Tomazi e Tainá Gross

Impressão e CTP Grafocem Tiragem 6 mil exemplares (51) 3748-2459 Rua Júlio May, 217/03 Lajeado/RS Mazup é um veículo multiplataforma de comunicação jovem.

Juninho Demiquei “O que falar sobre a revista Mazup? Uma simples revista? Não! Já passou disso. Ela já faz parte do dia a dia da vida de muita gente, inclusive do meu. Sou fascinado pelas matérias que a cada edição surpreendem e me fazem esperar ansiosamente pela próxima. Particularmente, posso afirmar que a revista, em si, foi um dos melhores passatempos nestas férias e perfeitas que estou tendo. Hahaha! Obrigado, Mazup!”

revista@mazup.com.br tonomazup tonomazup mazup

Tamara Favaretto “Curti muito o texto ‘Deixe a literatura bater na sua cara’, da revista anterior. Interessante o modo como Duca age e pensa para chegar perto dos jovens. Ele adapta a sua literatura conforme o meio de comunicação que os jovens estão vivendo no momento. Mesmo não precisando, porque, como sabemos, o Duca faz músicas excepcionalmente boas de se ouvir e que carregam uma letra bem escrita e regada de emoção.”




trash net

SUGESTÕES PARA A XUXA

SINOPSES NETFLIX

Pau de selfie

BATA NELA

Com os boatos sobre a saída da Rainha dos Baixinhos da Rede Globo, o que não faltou foi piada pela web da Xuxa. Mas nem tudo foram pedras. Alguns fãs da apresentadora criaram o site sugestoesx. com, um verdadeiro plano de negócios para amparar a soberana dos pequenos.

Aqueles resumos de filmes e séries jamais serão os mesmos depois dessa zoeira pelo Twitter. Com uma boa pitada de ironia - e, às vezes, até mesmo sinceridade -, os usuários do microblogging reinventaram sinopses, como a do clássico Superman: “Após colocar, acidentalmente, a cueca por fora da calça, rapaz tímido descobre que pode voar”. Jogue a #SinopesNetflix por lá e leia tudo com voz de Sessão da Tarde, tá?

Na era em que cada vez mais a liberdade sexual é discutida com naturalidade, e troca de sexo deixa de ser assunto tabu, até selfie ganha pau. Ah, vai dizer que o acessório ainda não penetrou em alguma de suas redes sociais? Rsrsrs. Bom, teve gente que não curtiu a intromissão e daí surgiu o tumblr Pau de Selfie Sem o Pau, reunindo fotos em que os adereços foram camuflados das fotos. Não foi só com selfie: a belfie - aquela selfie de bumbum - também recebeu uma versão bastão.

Um experimento visual com crianças, conduzido pelo jornalista italiano Luca Lavarone, sugere que há luz no fim do túnel contra a violência cometida contra mulheres. Após uma série de indagações, os meninos eram solicitados a dar um tapa na garota que eles tinham acabado de fazer uma carícia e caretas. O surpreendente do projeto é a resposta unânime dos entrevistados: “Não!”. Claro que uma fofura desta virou viral. Se ainda não assistiu, procure por “Slap her: children’s reactions” no YouTube.

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Cerveja artesanal

Mais do que umA latinha gelada O mercado está com sede de cerveja artesanal. Das loiras geladas industrializadas às beers feitas em casa, o movimento da cultura cervejeira tem revolucionado a maneira de se relacionar com a bebida. Quem ingressa nele, garante que a premissa é a da degustação: “beba menos, beba melhor”. Não é para encher a cara, é para degustar. Para um bom degustador, a cerveja artesanal atua como um deleite para a garganta e um lubrificante social, pois é na roda de amigos que se percebe o bem maior de um líquido produzido de forma


caseira. A cultura cervejeira tem se transformado com o avanço das artesanais no mercado. No Vale do Taquari, além de um novo mercado, existe um novo hábito e modo de vida. “Tem gente que não bebe e está perdendo”, diria o comercial da cerveja industrializada, mas a “beervangelização” ensina a cultura da cerveja de alta qualidade. É muito mais do que uma latinha gelada: é a conversão de consumidores acostumados a beber o líquido de marcas massificadas em apreciadores de círculos restritos. Esse apego à cerveja artesanal, que pode custar até três vezes mais do que a industrializada, é uma tendência mundial. Nessa hora, não importa o dinheiro, o que interessa é o paladar. O Rio Grande do Sul e a região estão abertos a experimentar novos sabores. O arquiteto e urbanista Frederico Romaldo Ely Birkholz (32) se reúne toda terça-feira com os amigos, em Estrela, para fabricar cerveja artesanal. Para ele, esta é a bebida que desce redondo - assim como as horas agradáveis decorrem do hábito da reunião no íntimo círculo social de seis integrantes. “Cerveja industrializada, para mim, perdeu o prazer. A artesanal tem vários estilos, e você pode diversificar o gosto, do amargo ao adocicado”, diz

“Existe muita coisa por trás ao se fabricar uma cerveja artesanal. Entre elas, degustar de forma suave e vagarosa.” Frederico Romaldo Ely Birkholz, arquiteto e urbanista

importantíssimo: eles estão atentos às leis de pureza da Alemanha, país o qual preconiza que só são permitidos cevada, lúpulo, água e fermento durante a produção da bebida, mas dentro disso vale tudo em busca de aroma e sabor. “A degustação da cerveja artesanal depende de variáveis. Para cada estilo da bebida, existe um copo diferenciado para degustar. O copo ajuda a segurar a espuma, o aroma ou o gosto.”

ele. Ou seja, ela apetece ao paladar. E os apetites devem ser saciados com moderação. Degustar de forma suave e vagarosa. “Não queremos quantidade, queremos qualidade”, salienta. Açular o paladar sorvendo a cerveja, manter uma experiência energizante dentro de um grupo de amigos que se reúnem atentos ao movimento mundial dos “aduladores” da cerveja artesanal, é para quem tem prazer de viver no modo slow (lento), que requer o contrário do fast (rápido). “Demoramos 12 horas para fazer a primeira cerveja. Com a experiência em curso, hoje, reduzimos o tempo para quatro horas”, conta Frederico.

Os encontros do grupo, para produzir o próprio líquido, estão sacramentados. Eles não vendem, a produção é para consumo próprio. Com isso, os vínculos de amizade vão se fortalecendo fora da mesa de bar, mas atrelados a circunstâncias essencialmente prazerosas. “Você não se reúne só para beber, você está aprendendo algo e fazendo o que gosta”, acentua o arquiteto. Quanto à qualidade do líquido que é superior aos industrializados e sua origem, eles sabem os produtos que estão utilizando para fazer a própria cerveja. Entre eles, um ingrediente importante que não está nas leis de pureza, mas se torna essencial para fermentar a produção: selar as amizades.

O grupo do arquiteto faz parte de todos os movimentos que têm na cerveja artesanal a forma de desembaçar amizades. Um detalhe

Andreia Rabaiolli / revista@mazup.com.br Foto Frank Jones

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Coisificação Esses fatores, até 30 anos atrás, eram relativamente “óbvios”, pois as famílias eram “óbvias”, existindo poucas formas variantes na organização dos núcleos familiares.

Estudo crimes de morte há mais de 20 anos. Quando lidamos com histórias de assassinatos, mutilações, canibalismo e outras perversões, tentamos entender os fatores biopsicossociais, a economia, a organização familiar, a genética e outros fatores que influenciaram na formação do criminoso.

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voyeuristas e consumistas. Esses novos humanos têm uma tendência a enxergar o outro como objeto, como uma coisa e que, portanto, pode ser descartada. Esse processo de coisificação dos homens leva à desumanização da nossa espécie. Por este motivo, as relações humanas atuais são efêmeras. Por este motivo que, nas festas dos jovens, pode-se beijar na boca de forma indiscriminada ou ter encontros sexuais sem nenhum tipo de comprometimento emocional, transformando sexo em apenas sexo.

Atualmente, quando estudamos o comportamento criminoso e assassino de um indivíduo, temos de levar novos fatores em conta - como a tecnologia, a internet, as redes sociais, a descentralização e desagregação da família tradicional -, os quais influenciam diretamente na formação moral e ética dos seres humanos contemporâneos.

E como o outro é coisificado, ele pode ser sumariamente descartado como um objeto qualquer. E esses descartes, em mentes perturbadas, podem significar a eliminação física do outro, sob a forma do assassinato.

É sabido que necessitamos conviver uns com os outros para aprimorarmos nossas relações sociais. É no convívio com o outro que aprendemos a lidar com sentimentos nobres, como a empatia, a compaixão, a bondade e o amor. Esse processo de sociabilização faz parte da nossa humanização.

E nem sentem necessidade de falar.

O problema que vivemos no século XXI é que a tecnologia nos afastou fisicamente, transformando os indivíduos das novas gerações em pessoas egoístas, narcisistas,

João Timotheo Esmerio Machado é professor de História, produtor cultural, cronista, poeta e escritor de realismo fantástico. Arte Joana Coccarelli

É que as novas gerações não sabem falar.

Os jovens de hoje apenas agem. Era o que tinha para ser dito. E assim foi.



HORÓSCOPO MALDITO ÁRIES (21 de março a 20 de abril) Festeiro. Esta é a palavra que define você. E o Carnaval costuma ser uma festa em que o deboche e a sua capacidade de conquista prometem ser extravasados. Afinal, não se pode esperar seriedade o ano todo, imagine agora! Brincar e dançar em salões ou mesmo nas ruas podem ser coisas bem divertidas, e arianos vão viver intensamente a alegria dessa festa popular. TOURO (21 de abril a 20 de maio) Quietinho, caseirinho, chatinho. Você não curte aglomerações e falta de organização. Bom, sinto muito! O Carnaval tem nada de refinado ou organizado. Babaus pra você, filho do requinte e do conforto! Aproveite o feriadão para viajar por alguns dias, acompanhado de amigos ou de

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Ano novo, vida nova! E aí, como a galera se comporta no Carnaval?

seu amor, lá nas montanhas! Ah, desculpe, esqueci: a viagem já deve estar planejada há meses, né? GÊMEOS (21 de maio a 20 de junho) Uhul! Geminianos são festeiros e descontraídos! Bem-vindo, Carnaval, e as paqueras, também! Você é filho do movimento, portanto, a festa pode ser um momento único na sua vida, já que detesta gente que gruda como chiclete. Mas como todo geminiano possui dois lados e, muitas vezes, duas personalidades, talvez você seja o intelectual que prefere ficar lendo ou visitando exposições no feriado. CÂNCER (21 de junho a 21 de julho) Xô, Carnaval! Cancerianos decididamente detestam essa festa! Vocês são chorões,

caseiros, ligados aos seus familiares, e chorões. Eu já disse chorões? Os nativos desse signo certamente vão preferir uma boa viagem em família ou ficar entocados dentro de casa. Promover uma reunião particular, um almoço, assistir a uma série de filmes em casa também podem fazer parte de seus planos. Ah, e é claro que vai selecionar muito bem quem vai convidar. LEÃO (22 de julho a 22 de agosto) É festa, é colorido, é deslumbrante? Pronto, fechou! Leoninos amam o Carnaval! A não ser que a data seja mais brilhante do que você, é claro. Bem, nesse caso, como sabe que nem sempre vai conseguir ser o centro das atenções, talvez prefira ficar em seu divã curtindo os desfiles das escolas de samba na Sapucaí. Ainda


assim, tem uns que não vão desistir de causar e vão agitar as festas com a galera... e sua falta de discrição. Quanto mais movimento e barulho, melhor. Só maneira no estoque de lantejoulas, tá? VIRGEM (23 de agosto a 22 de setembro) Carnaval pra você é mesmo que nada, certo? Virginianos são pessoas fechadas, enjoadas e reservadas. Certo que vai preferir estar entre amigos em casa ou em um lugar calmo, quem sabe uma viagem para algum deserto. Bem, outra opção seria um SPA onde possa cuidar de sua alimentação, de seu corpo e de sua saúde, bláblá-blá. Longe das festas e do barulho! LIBRA (23 de setembro a 22 de outubro) Que tal deixar a balança do equilíbrio pender pra um dos lados, libriano? Vocês são bons carnavalescos... quando querem! É só jogar pra escanteio a necessidade de refinamento e equilíbrio que possui. Bem, tá, esqueci: o máximo que você consegue encarar é um baile tradicional, com uma fantasia que lembre Rembrandt ou Monet. ESCORPIÃO (23 de outubro a 21 de novembro) Escorpianos não costumam ser festeiros, preferem o aconchego

nos dias de Carnaval, recheado com boa comida e regado à bebida. Tudo sem muito barulho, certo? Estar em boa companhia também é fundamental, especialmente se for de seu amor, para você poder sufocar à vontade. Para quem não sabe, escorpianos têm necessidade visceral de amar e se relacionar profundamente, e esse dia parece cair como uma luva pra fazer isso. SAGITÁRIO (22 de novembro a 21 de dezembro) Os nativos deste signo podem ser foliões ou não, tudo vai depender do lado que estiver mais desenvolvido em si mesmos, afinal, são oito ou oitenta. Os foliões não terão limites: vão extravasar e usufruir ao máximo das festas. Onde encontrar esse povo? Bem, em qualquer lugar: nos salões, nos Carnavais de rua ou em um desfile de escolas de samba. A outra metade você pode encontrar em casa, longe do burburinho, pintando ou lendo um livro. CAPRICÓRNIO (22 de dezembro a 20 de janeiro) Carnaval? Nããão! Nada de barulho! Capricórnio é um dos signos mais fechados do zodíaco. Se pudessem morar em uma toca, certamente morariam. E nem venha com promiscuidade, né? Quase todos vocês vão preferir o aconchego de sua casa

ou de um hotel-fazenda sem televisão. Caso não consiga viajar, vai preferir chamar amigos para dividir um vinho e bater papo furado. AQUÁRIO (21 de janeiro a 19 de fevereiro) Pode vir, Carnaval! Aquarianos típicos adoram uma boa bagunça, logo, o Carnaval está entre suas festas preferidas. Se você resolver viajar, vai pra onde puder se amontoar com bastante gente. Excesso de movimento, fantasias, dança e conquistas amorosas são bem-vindos. Os aquarianos prometem marcar presença nos desfiles de rua, nas festas de salão e nas avenidas, participando dos desfiles.

PEIXES (20 de fevereiro a 20 de março) O quê? É Carnaval? Não diga! Piscianos dificilmente estarão presentes nas festas carnavalescas, afinal, vocês nem têm certeza de que estão na Terra. Mas uma boa seria convidar os nativos desse signo para participar de desfiles de fantasia. Ah, fantasia, a palavra que caracteriza a sua pessoa, não é mesmo? A festa em si não atrai, mas se vestir como um personagem diferente de si mesmo pode representar uma grande diversão.


positividade abaixo de zero se em torno dos -28°C, quase como o meu humor. Voilà! É o começo de mais um inverno no Canadá. E, bem, já estou de saco cheio de usar casaco, botas, luvas, cachecol, touca, enfim, todos esses indispensáveis entre outubro e março (digo março, porque estou sendo muito otimista). Também já refiz meus anticorpos contra a gripe. E, excepcionalmente, já me esfolei por causa da maldita camada de gelo acumulada sobre as calçadas. Detalhe: em sete temporadas glaciais enfrentadas nessas vizinhanças do Polo Norte, eu nunca tinha caído antes, um feito do qual até me gabava.

Montreal, 5 de janeiro de 2015. No momento em que redijo estas linhas, os ponteiros indicam 20h45min, enquanto o mercúrio marca uma temperatura de -18°C. O termômetro, esse danadinho, tenta nos enganar. Afinal, neste instante, a sensação térmica, para quem está na rua - sim, acredite, ainda há vida lá fora -, situa-

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Pois nesta oitava edição de friaca, despenquei do pedestal. E em dose dupla, na mesma noite! Uma das quedas se deu quando eu desembarcava do ônibus. Desci a escada, passei pela porta e, de repente, lá estava eu de joelhos sobre a neve. Só tenho algo a dizer: HU-MI-LHAN-TE. Ah, sim! Outra coisa: I hate winter. E, por favor, não me falem em aquecimento global. Pelo menos não até abril. Ao contrário do termômetro, nunca enganei ninguém. Sempre afirmei e repito: não gosto de frio. Não esquio,

não patino, tampouco pesco em rio congelado. A atividade mais radical que fiz, até hoje, na neve, foi deslizar morro abaixo com um tal de crazy carpet. O princípio é o mesmo de se deixar levar com pedaços de papelão em morros de grama. Sacou? Muito legal! Mas, convenhamos, não vai ser por causa de uma peraltice como essa que vou entregar meu coração ao inverno canadense, esse soberano que obriga todo mundo a se curvar. Tá, tá bom. Admito: a paisagem invernal é mesmo deslumbrante, principalmente quando a neve, silenciosa, estende seu manto branco, fazendo a temperatura subir. Além disso, aprecio um chocolate quente, um bom banho de banheira ou simplesmente calçar meias quentinhas recém-saídas da secadora de roupas. Uma lareira num chalé também tem seu charme. E contar com as calorias como aliadas e não mais como inimigas durante metade do ano é simplesmente libertador. Certo. Mas quando começa a primavera mesmo?

Taís Grün é jornalista, tradutora, revisora e, desde dezembro, tem andado cautelosamente pelas ruas de Montreal. Foto Dany Potvin



Nem oito, nem oitenta

O lado único da moeda dos pegadores.

uma moeda unissex Quando o macho pegador é alfa, e a fêmea sensual taxada de piriguete, a implicância da sociedade é esquizofrênica. A síndrome da culpa começa na educação familiar: pais, afastem de seus filhos esse cálice ou calem-se.

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O homem leva louvores; a mulher, mesmo que não deite na cama, cai na malograda fama: pimba, um calhamaço de conceitos em cima dela. Uma lista bem melhor de adjetivos superlativos faz dele o conquistador. Afinal de contas, se a ciência diz que a humanidade é 99,99% similar, porque fazemos tanta diferenciação no tabu do dia a dia quando uma mulher pega três numa noite carnavalesca, e o homem quatro no Planeta Atlântida? Fóruns em redes sociais e rodas de conversas entre amigos tentam desvendar essa indagação que virou clichê, mas que cola na cabeça feito chiclete: por que o pegador é lambuzado de mel e, para a pegadora, sua vida é fel? Enquanto, para os Juans - os Don Juans estão fora de cogitação -, conseguir transar “de prima” é o que faz um macho alfa altamente


eficaz, com genética privilegiada, as meninas que “dão de prima” têm, no mínimo, o comportamento em xeque. Tergiversações científicas alimentam o imaginário coletivo de homens e mulheres enquanto o planeta gira, e não, não deixe de fazer sexo. A dúvida existe, mas o sexo, seja de que forma for, persiste. Enquanto houver mundo, haverá fruição.

Mas vamos começar a desvendar a indagação por quem entende de libido. Rita Rostirolla é a primeira sex personal trainer do Brasil. A loira é especialista em ensinar técnicas de sedução para aumentar a autoestima da mulher e também em suas crônicas, picantes ou emotivas, envolve os homens. Para Rita, que não tem “papas” na língua, o “homem pegador é machão, e a mulher pegadora é galinha”. A explicação é a sociedade machista. “Por mais que tenhamos conquistado espaço e liberdade, essa liberdade é muito relativa.” A especialista frisa que a sociedade vive o acesso à informação, mas a educação é, ainda, muito repressora. “Meninos ainda são criados com a ideia de que podem tudo, e meninas crescem com muitos ‘nãos’.”

A síndrome da boa moça Apesar de emancipadas e espevitadas num salto scarpin, mulheres sofrem até hoje com a “síndrome da boa moça”. É um equívoco se oferecer, imoral amolecer. O pecado assola o inconsciente coletivo da sociedade no que tange às mulheres. “Sexo sempre vem com uma imagem negativa para

elas e de liberdade para eles. Homem não se preocupa em conquistar uma mulher, afinal, escutou que ‘vai comer todas’ quando crescer”, enfatiza Rita. A personal ensina seu melhor segredo em termos de ponderação. Se o oito ou oitenta desequilibram a balança, o segredo da humanidade está na isonomia. Ela diz que poucos pais criam filhos e filhas com igualdade, dando as mesmas informações sobre sua sexualidade e responsabilidade. Mães não devem julgar normal filho homem poder tudo, enquanto enchem a filha de restrições.

“Sexo precisa ser encarado com naturalidade por homens e mulheres, mas não é coisa que se aprende na escola, e sim no convívio familiar, na forma como os filhos veem os pais se relacionando.” Pais, já sabem, para dirimir dúvidas tolas que se apresentam na fase adulta, colocando pegadores e pegadoras em lados opostos da gangorra, inspirem-se em Chico Buarque: “Afastem deles e calem-se”. Bom, não é cristão, mas é eficaz. Ou talvez seja mais cristão do que se perceba a olhos opacos.

Andreia Rabaiolli / revista@mazup.com.br Ilustração Alessandro Mença

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À margem do senso comum Assumamos o teto de vidro em comum: quem nunca associou a forma de se vestir, o comportamento ou até mesmo a higiene de um sujeito que está ao nosso lado com a possível intelectualidade e sofisticação que ele é capaz de reunir? E depois de passar a fita métrica, fez um raio x imaginário nos possíveis gostos e preferências e, dá-lhe, carimbou seu nível cultural?

Mas se alguém questionasse você sobre “o que é cultura?”. Qual seria sua resposta? E, ainda: se lhe fosse perguntado como medir e a quem ou a que tipo de pessoa atribuiria o termo, definiria um estereótipo ideal? Esperamos, para estas duas últimas, sonoros “nãos” seus. Por ora, sua resposta - um tanto gaguejada - ao primeiro questionamento talvez seja: “Bom, cultura é uma daquelas coisas que a gente sabe o que é, mas não sabe explicar”. É passível de compreensão sua falta de precisão, pois o conceito abrange tantos fatores histórico-sociais que nem mesmo sociólogos chegam a uma definição unânime para o termo.

No entanto, pergunte a qualquer um deles uma posição sobre “cultura” e ouvirá coisas péssimas sobre um tal de senso comum.

CULT_ERROR404 É de praxe ligarmos cultura a um estado educacional e de desenvolvimento cognitivo, confundindo o conceito até com inteligência - que, em resumo, é a capacidade de um indivíduo para operações mentais e lógicas. “Nesse sentido, cultura é uma palavra usada para classificar as pessoas e, às vezes, grupos sociais, servindo como uma arma discriminatória contra algum sexo, idade, etnia ou mesmo sociedades inteiras quando se diz que ‘os franceses são cultos e civilizados’ em oposição aos americanos, que são ‘ignorantes e grosseiros’”, esclareceu o pesquisador e professor Roberto da Matta em publicação no Jornal da Embratel, há três décadas. Apesar de datado de 1981, o texto é superatual e também merece destaque por uma comparação feita pelo escritor, quando usa o exemplo de “personalidade” para explicar a mesma alienação de significado que o senso comum fez com “cultura”.

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Brevemente em psicologia, “personalidade” é o conjunto de traços que caracterizam e singularizam cada um de nós - como interesses, capacidades e emoções particulares. Em seu sentido vulgar, o termo ganhou repercussão como algo desejável ou invejável em uma pessoa. Sendo assim, certos fulanos, cicranos e beltranos teriam personalidade, e outros, não. WTF?

“Mas, no fundo, todos temos personalidade, embora nem todos possamos ser pessoas belas ou magnetizadoras como um artista da novela das oito”, ironiza, ainda, o pesquisador. E é isso: por mais que uma pessoa faça a “apagadinha”, não significa que ela seja sem personalidade. Essa característica, na real, é um dos aspectos que marcam, então, sua personalidade. Com a cultura rola o mesmo. Não é um conceito classificatório pelo qual se estabelece uma relação de superioridade ou inferioridade entre pessoas, grupos sociais, sociedades ou países. Ela funciona como um código de identidade e guia para os seres humanos de um determinado grupo a pensar, classificar, estudar e modificar o mundo e a si mesmos ao longo das necessidades e do tempo.

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DO SUOR CARNAVALESCO AO SABÃO DO BONFIM Okay. Cultura ali, cultura acolá. Que tudo é cultura e que não há essa de melhor ou pior entre elas você já entendeu. Mas, afinal, existe essa de “cultura popular”, “cultura underground”, “baixa cultura”, “alta cultura”, “cultura americana”, “cultura indígena” e por aí vai? Diante da verdade de que todas as “subculturas” são equivalentes e que nenhuma forma de cultura secundária é completa e autossuficiente, sim, existe! Nada de errado, até aí. Sabemos de cor e salteado que a cultura portuguesa ancorou de mala e cuia no Brasil, em 1500, e é ela nossa principal raiz. Por outro lado, somos resultado de um verdadeiro mosaico de vertentes culturais - um quebra-cabeça de mil peças! Apesar da mistura de gente, vinda de todos os lugares, nossa terra tupiniquim tem traços muito fortes dos povos indígena, africano, italiano e alemão. Os índios e negros, principalmente, deixaram suas marcas na música, culinária, folclore, artesanato e nas festas nacionais populares. Isso você já sabe de cor e salteado, né?

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Desse jeito, o povo brasileiro inicia a construção de um perfil cultural que dita sua tradição oral, narrativas, canções, religiões, mitos e hábitos coletivos. Desses hábitos, por exemplo, surgem manifestações culturais, como o Carnaval, espetáculos esportivos e comportamentos rotineiros - como ir à praia, curtir jogos de futebol ou as manifestações religiosas, a exemplo da Lavagem das Escadarias do Bonfim.

Diante de tantos “gêneros de cultura”, divergentes pelos seus modos de sentir, celebrar, filtrar e atuar sobre o mundo, Mattos faz um apontamento: “O problema é que sempre que nos aproximamos de alguma forma de comportamento e pensamento diferentes, tendemos a classificar a diferença hierarquicamente, o que é uma forma de excluí-la”.

Quer um exemplo? Observe o Carnaval: vai dizer que nunca ouviu alguém comentar que ele vai contra todo o comedimento e respeito ao “outro mundo” de uma comemoração religiosa, por exemplo? Assim mesmo, com tom de “isso deveria ser proibido”? É! Somos mesmo resistentes em compreender que a cultura está tão dentro, como também fora no outro - de nós, afinal, vivemos em uma totalidade na qual cada “subcultura” possui seu papel. Assim como um carnavalesco e um religioso não podem ser comparados, tais festas estão incluídas no mesmo cenário e ajudam a compor as leituras da sociedade brasileira. Não que precisamos aceitar viver em uma cultura sobre a qual divergimos. Estão aí as “contraculturas” que surgem como alternativa a valores e normas predominantes da sociedade.

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CONTRASTES Como a cultura compreende não só aspectos intangíveis - que seriam as crenças, ideias e valores -, mas também tangíveis (e aqui entram os objetos, os símbolos ou as tecnologias), há muito que exercitar o entendimento das culturas alheias. Quer uma palinha? O sociólogo inglês Anthony Giddens faz algumas comparações em seu livro Sociologia: “No Ocidente moderno, consideramos crianças com idade entre 12 ou 13 anos como sendo muito novas para o casamento. Mas, em algumas culturas, casamentos são arranjados entre crianças dessa idade como algo natural. No Ocidente, comemos ostras, mas não comemos gatinhos ou cães de estimação, sendo que ambos são considerados especiarias em algumas partes do mundo. Os judeus não comem porco, enquanto os indianos comem porco, mas evitam carne de gado. Os ocidentais consideram beijar como uma parte normal do comportamento sexual, mas, em muitas outras culturas, essa prática é tanto desconhecida como considerada repulsiva.”


RG INSTÁVEL Roberto Matta ainda ressalta que, para a antropologia, “cultura” é descrita como um conjunto de regras que nos dizem como o mundo pode e deve ser classificado e, embora cada cultura possua limitadas normatizações, suas possibilidades de atualização, expressão e reação em situações concretas são infinitas. Ah, e cultura nada tem a ver com espaço geográfico ou etnia, tá? Na verdade, ela, fixada em um arsenal de potencialidades, se constitui de variadas configurações ou relações que a sociedade estabelece no decorrer de sua história. A partir disso, é explicável por que algumas culturas desenvolvem mais e melhores potencialidades do que outras, o que não significa que esta esteja à frente de outras sociedades - apenas materializa seu dinamismo e influência para com seus membros. O pesquisador ainda observa que o nosso sistema - que tanto levanta a bandeira do respeito - confluiu para um poderoso domínio sobre a natureza, caminho oposto ao de sociedades da Amazônia, as quais o senso comum rotula como primitivas.

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E aí vai uma pulga atrás da orelha: quem é a cultura atrasada e desprimorada aqui: a sociedade tribal, capaz de entender que respeitar a vida significa incluir toda a forma de vida, ou a nossa, que explora desenfreadamente os recursos naturais a ponto de desequilibrar o meio? Rá! Captou por que é tão absurda a hierarquia de culturas, tão erroneamente pautada pelo senso comum?

Independentemente das diversas culturas pelas quais você é influenciado e com as quais se identifica, classe social, nível educacional, gostos artísticos, quantos lugares já viajou, suas preferências de lazer, religião, crenças, valores, bens matérias, nacionalidade e aspirações que o constituem, viva sem rótulos e sem rotular. Superficialidade não conta histórias. Pelo menos não as verídicas.

Com este questionamento, fica fácil entender como o conceito “cultura” desencadeia um olhar sobre nós mesmos e sobre o próximo, de como ela nos humaniza, pois incentiva a compreensão das diferenças como partes complementares.

Kelly Raquel Scheid / kelly@mazup.com.br Colaboração Raquel Carneiro Fotos Gustavo Tomazi / Estúdio de Moda Voga

HÁ VIDA SEM CULTURA? Não. É inimaginável. Como nos comunicaríamos, estabeleceríamos relações, formaríamos grupos, criaríamos valores e uma pencalhada de “íamos”? É por isso que, quando se fala em cultura, logo o termo “sociedade” salta e vice-versa. Uma coisa é intrínseca a outra.



HOT SUMMER

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Produção executiva: Ana Luísa Johann Fotografia: Karina Jacques e Marcos Castellan (Droid Studio) Tratamento de imagem: Karina Jacques (Droid Studio) Styling: Paulo Saul e Ana Luísa Johann Beleza: Graziella da Costa Modelo: Betina Haag (Premier Models Mgt) Agradecimento: Danisa



vice-versa

Tem uma Lajeado em Springfield A mensagem da televisão é a extensão da linguagem falada. A semiótica da The Simpsons é similar ao meio real. O público realmente reconhece os personagens como representantes de um certo segmento da sociedade estadunidense.

Mas será que não poderia também representar uma cidade brasileira como Lajeado? Vejamos. Springfield é, decididamente, uma city americana, e este é um dos motivos pelos quais a família desestruturada da série funciona tão bem: as instituições governamentais e suas vidas, enfim, não são distantes. Os amigos da escola são os mesmos dos bairros. A política é uma questão local. A animação é vista como uma manifestação da ideologia capitalista. Rir das piadas dos programas seria rir das contradições do capitalismo. The Simpsons celebra a família americana, que se mantém unida e sobrevive apesar de tudo. A rebelião de Bart é o tipo de rebelião segura que a classe dominante tolera como uma válvula de escape para evitar uma rebelião maior. A popularidade da série comprova que

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estamos satisfeitos com a ideologia da América moderna - rimos porque ficamos chocados com a cegueira. The Simpsons floresce porque o sofrimento não é levado a sério. Racismo, venda de armas, corrupção política, brutalidade policial, sistema educacional ineficiente: tudo pode servir de alimento para a comédia. Tudo é tolerado e não mudado. O desenho não critica, mas, com tudo isso, até promove a ideologia dominante, vendendo camisetas, chaveiros, lancheiras, videogames. Entre Springfield e Lajeado há mais coisas que supõe nossa vã filosofia. As diferenças e semelhanças entre uma cidade fictícia estadunidense e outra real de terra tupiniquim vão muito além do que produtores de desenhos animados mostram no estereotipado. Os próprios produtores sabem que a vida imita a arte, e vice-versa, e usam todo o arsenal de criatividade para humanizar o desenho e, por que não dizer, caricaturar o real. Ocorre que comparações são equacionadas somente em cidades americanas, mas Lajeado apresenta muitas das características sociais e comportamentais de uma Springfield em uma pátria de chuteiras.


Em termos de semelhanças, há que se notabilizar o tamanho e composição das cidades: Springfield é pequena não se sabe quantificar seu número de habitantes, e Lajeado, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem, hoje, quase 80 mil pessoas. Os sonhos da classe média se realizam em Lajeado em razão da expansão imobiliária. Há apenas 0,04% de zona rural. Logo, é uma cidade essencialmente urbana e cada vez mais vertical. A Prefeitura de Lajeado concedeu, em 2013, 1.270 alvarás para a construção civil. Há que se levar em conta, ainda, a sociedade: tanto em Springfield quanto em Lajeado há pessoas virtuosas e viciosas. Uma pessoa virtuosa exerce virtudes, sendo assim, temos, em Lajeado, as amigas do Hospital Bruno Born, que levam bem-estar e roupas aos doentes necessitados. Há também instituições de caridade que cumprem seu papel social fornecendo benemerência aos menos abastados. Em Springfield, a metáfora da instituição virtuosa está vinculada à figura de Lisa, filha de Homer Simpson, que devolve a carteira com dinheiro encontrada na rua - e se sente contente com seu ato - ou ajuda um idoso a atravessar na faixa de segurança. É também estudiosa.

O caráter vicioso está atrelado aos defeitos de caráter, paixão por apetites, consumo de comida e bebida e, em Springfield, neste caso, temos o próprio Homer, que, se achasse uma carteira, se adonaria, sem perceber estar cometendo uma falha de caráter. A gula também é parte integrante de sua personalidade, e seu nome é sinônimo de comida e cerveja. Em Lajeado, a analogia pode ser feita com o número de mortes violentas atreladas ao uso de drogas. Só em 2014, mais de 30 pessoas foram assassinadas, e os homicídios sugerem ligações com o tráfico de drogas. O alto consumo de bebida na noite lajeadense também é um traço de uma cidade viciosa - como em tantas outras, aliás. A sociedade americana costuma ter uma relação de amor e ódio com pessoas intelectuais. Nesse sentido, Lisa seria a “rata de biblioteca”, a que tudo lê e que, com sua sabedoria e instrução, poderia ser considerada uma “elitista”. Em Lajeado, essa relação é similar. Hoje em dia, alunos que leem livros clássicos são considerados “nerds”. Assim, tanto em Springfield quanto em Lajeado e no Brasil, há certo respeito e ressentimento em relação aos intelectuais. The Simpsons ilustra, de forma hábil, essa ambivalência americana que encontramos aqui também.

Andreia Rabaiolli / revista@mazup.com.br Ilustração divulgação




refilmagens

novas formas de emocionar Já chegamos à segunda década do século XXI. Cinematograficamente falando, vivemos um resgate das velhas histórias com as quais crescemos. As telas dos cinemas viram passar, nos últimos cinco ou seis anos, uma profusão de refilmagens de clássicos da sétima arte.

O século passado foi um período rico na história do cinema, com o surgimento de Hollywood após a Primeira Guerra Mundial - e a consequente produção centralizada de filmes nos Estados Unidos - e, também, com a fundação da Disney e da Warner Bros, em 1923.

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As animações que prendiam nossa atenção estão ganhando versões modernas, consequência do aparato cada vez mais tecnológico da indústria do entretenimento, com um objetivo muito claro: emocionar intensamente. Os traços que se encontravam e formavam os nossos personagens favoritos nos desenhos agora são substituídos por artistas de carne e osso ou criados em softwares de modelagem tridimensional. Em 2010, por exemplo, Tim Burton selecionou um elenco de peso para dar vida à sua interpretação da história de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas. A primeira

adaptação conhecida é um filme mudo de 1903. A versão mais popular, em animação, de 1951. No último ano, o mundo se encantou com a Angelina Jolie encarnando o papel de Malévola, a antagonista do conto A Bela Adormecida, cuja versão em livro mais conhecida é a presente na obra dos irmãos Grimm. A adaptação cinematográfica de Robert Stromberg, de 2014, centra a narrativa na figura da vilã da história original, apresentada como uma fada, seu relacionamento com a Princesa Aurora e suas motivações. Outro conto de fadas que todos conhecemos muito bem é A Branca de Neve. A adaptação mais famosa dessa história dos irmãos Grimm é a animação de 1937, Branca de Neve e os Sete Anões. Em 2012, foi lançado Branca de Neve e o Caçador, releitura que concentra a narrativa na rebelião promovida por Branca de Neve e pelo Caçador com o intuito de destituir a tirana rainha Ravenna do poder.


Os próximos anos prometem agradáveis surpresas. Branca de Neve e o Caçador, pensada como uma trilogia, já tem o segundo capítulo da história planejado. Outra história que vem com continuação é Alice do País das Maravilhas. Recentemente, Tim Burton anunciou a reunião do elenco de sua produção para a filmagem da sequência das aventuras de Alice, entre 2015 e 2016. Este ano, também nos trará uma nova versão da história de Peter Pan, o filme Pan, previsto para junho. Os irmãos Grimm e o francês Charles Perrault são os autores das versões mais conhecidas do conto Cinderela. De 1950, ainda resiste ao tempo a versão, em animação, a que, certamente, todos assistiram quando criança. Em fase de finalização, para 2015, se espera a versão de Kenneth Branagh, que reúne Lily James no papel de Cinderela; Helena Bonham Carter, como a fada; e Cate Blanchett dando vida à madrasta. Em 2014, pudemos assistir à refilmagem franco-germânica do clássico conto A Bela e a Fera, cuja versão animada, lançada pela Disney, em 1991, se tornou um dos maiores clássicos da década. O remake americano, com nome provisório, Beast, é previsto para algum momento entre 2015 e 2016 e tem Emma Watson no papel de Bela.

Uma das produções mais aguardadas deste ano é Jurassic World, continuação da franquia iniciada com o longa-metragem de 1993, Jurassic Park. A década de 1990 ainda nos trouxe, em 1997, Jurassic Park: O Mundo Perdido. Em 2001, assistimos a Jurassic Park III, e em 2013, ao relançamento do primeiro filme em 3D. Jurassic World é a quarta película de uma das franquias de maior sucesso da história do cinema. É difícil encontrar alguém que não tenha prendido a respiração com algumas das cenas megarrealistas com os dinossauros que permeiam a produção do início ao fim. Todo esse movimento de resgate evidencia que cinema é novidade e, além disso, é memória. Cinema é contar novas histórias e contar antigas histórias de novas maneiras.

Lucas George Wendt gosta do que está entre as aspas e além das reticências, das batidas da música, das cores, do movimento e das letras. Ilustração Alessandro Mença


rese nha Qual seria a relação entre aviões e poesia? O Vale do Taquari é uma região poética? As Bergamotas Começaram, livro de estreia do poeta lajeadense Augusto Darde, pode responder a essas e a muitas outras perguntas. Já na dedicatória de abertura, uma frase instigante: “Para um interior do RS”. Na verdade, não sabemos se é uma dedicatória; pode também significar a tomada de um rumo. As páginas seguintes nos fazem perceber que há muito a ser observado em nossas rotinas, sem necessariamente significar rotineiro. E não é preciso ir longe para identificar símbolos possíveis que nos

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definem. Atravessando o rio ou pegando a “grande estrada”, já temos interiores diversos, bem marcados. Sem deixar de lado o bom humor, o eu lírico nos traz as riquezas do detalhe, das cores, dos sons, dos cheiros: todos estranhamente familiares. Em meio a (ou por cima de) tudo isso estão os aviões, essas máquinas rápidas, barulhentas, mas que possuem “o ar da viagem do ar”. O leitor embarca em um passeio por várias naturezas de deslocamento: entre o interior e a capital, entre o céu e o chão, entre uma estação e outra. E não é preciso, de forma alguma, apertar os cintos.

AS BERGAMOTAS COMEÇARAM AUTOR: AUGUSTO DARDE 1ª EDIÇÃO | 2013 FORMATO: 10cm x 15cm 112 PÁGINAS R$ 20



#2ANOSREVISTAMAZUP

Alcancei a capital, uhul! Nós, do mazup, adoramos conquistar ou gerar novas possibilidades, novas atenções, novos territórios. Nossa vibe está em misturar, juntar a galera e ter sempre o máximo de pessoas ao nosso lado - como coração de mãe, saca? Já estou no Mazup há dois anos e, olha só: eu, que já caí na boca da moçada dos vales do Taquari e Rio Pardo, alcancei também a gauchada da Região Metropolitana! “Véi”, me belisca? E os mazupers ficaram orgulhosos por mim. Eu senti isso durante minha apresentação

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pelo bacanérrimo Gota d’Água Eventos, em Porto Alegre, no dia 2 de dezembro. Nesse dia, vários queridaços, colaboradores e parceiros, marcaram esse baita momento da minha caminhada, sintetizado, agora, por cliques. Não coube todo mundo aqui, mas tem mais gente que sabe fazer a diferença, e nós carregamos uma gratidão eterna. A Ludibriados pela Ostentação, além de comemorar meu aniversário, também foi alusiva aos seis anos da Premier Models MGT. A agência encartou seis megaproduzidos editoriais de

moda e a campanha Porto Amor, Vida Alegre nela e, com isto, dei aquele “boom”! De 40, cresci para 120 páginas. Isso é que eu chamo de ostentar e fechar o ano com chave de ouro!


Quer ver quem mais esteve no meu aniversĂĄrio? Acesse o mazup.com.br, menu Coberturas.

Foto Gustavo Tomazi / EstĂşdio de Moda Voga

Fotos Mago Marchini / Mazup


#TEMCUPAEU

Um bode expiatório chamado segunda-feira Antes mesmo de desligar o despertador e abrir os olhos, você já está bufando por minha causa. “Arrrg, odeio segunda-feira.” Porque, né, inquestionável e historicamente, a culpa da sua desgraça é toda minha. Desculpa, queridinho ou queridinha. Errooou: segunda-feira não é motivo para cara feia. Se tem uma ovelha negra nesta conversa aqui é esse seu negativismo. Em vez de lembrar que eu trago a sexta-feira em quatro dias, as únicas coisas que sua capacidade mental consegue me associar são com o fato de você precisar acordar cedo, enfrentar um trânsito de barbeiros e aguentar um chefe ou um professor mala. Mal raciocina que se não fosse eu, você permaneceria inerte em uma vidinha medíocre, sem a

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oportunidade de evoluir e garantir seu pé-de-meia. Não que praticar o nada e viajar na maionese não sejam ideias ótimas, rsrsrs, mas as coisas não caem do céu, nem nascem em árvores. Ah, e a minha crítica aqui nem é só ao seu ponto - escroto - de vista. É a mania de “tirar corpo fora” e encontrar um alvo para descarregar suas infelicidades. Você faz isso com mais frequência do que imagina. Já parou para observar? Aposto que não. Então, humano, da próxima vez que a gente se cruzar, já sabe: me agradeça. Quem sabe, o universo não seja mais generoso com você?

Kelly Raquel Scheid / kelly@mazup.com.br Foto Dogan Ucar



Troninho

Vamos falar sobre o

preconceito linguístico?

Certamente, você já torceu o nariz quando ouviu “drento”, “açúcre”, “mendingo” e “iorgute”. Citei apenas alguns exemplos, mas escutamos por aí uma infinidade de outros casos. O curioso é que, mesmo não utilizando a norma-padrão do idioma ao se comunicarem, as pessoas se entendem falando desta forma. Esta afirmação leva a uma pergunta cuja resposta é delicada. Existe o certo ou o errado no falar e no escrever? O questionamento é amplamente discutido na Linguística, ciência que estuda a linguagem. Quando falamos em sistemas de comunicação próprios do ser humano, podemos considerar o errado como uma variante paralela do certo, sem que uma invalide a outra. A doutora em Letras, professora Grasiela Kieling Bublitz, diz que “em toda comunicação humana há um fenômeno chamado variação, ou seja, nenhuma língua é falada do mesmo modo em todos os lugares, assim como nem todos os falantes de uma mesma língua falam sempre de forma idêntica”.

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Quando aprendemos, sim, somos submetidos ao que os estudiosos chamam de norma - em síntese, regras que otimizam o processo de comunicação entre o emissor e o receptor da informação; o locutor e o interlocutor. A gramática e a ortografia são exemplos, aprendidas no período escolar. Outro conjunto de regras, diferentes e mais maleáveis, correspondentes à língua falada, aprendemos no espaço familiar, pré-escolar, e são fruto de nosso convívio social. Uma parte expressiva da população permanece a vida toda apenas com esse primeiro contato com o idioma, sem a passagem pela escola. A professora ressalta que existe, considerando os diferentes níveis de instrução da população, aquilo que se chama de preconceito linguístico. A forma como um grupo fala determinado idioma é reflexo de seu nível sociocultural e da região onde se encontra, por exemplo. Essa ideia nos faz entender que existem diferentes grupos com poderes sociais e níveis de instrução distintos e, quando isso ocorre, é fácil aquele que tem melhores condições exercer poder sobre o desfavorecido. Questões como a fala e a escrita também são influenciadas nesse processo, que pode culminar com o que se chama de preconceito linguístico. Sobre a questão, Grasiela cita um importante estudioso brasileiro, Marcos Bagno. Segundo ele, o preconceito

linguístico precisa ser reconhecido, denunciado e combatido, pois é uma forma cruel de exclusão social. O fato de algumas pessoas falarem “pobrema”, “vortemo”, “muié” não constitui um problema linguístico, mas um problema social. Além de tudo isso, idiomas se transformam periodicamente de forma natural. É comum o empréstimo de palavras estrangeiras, o aportuguesamento de expressões, no caso da nossa língua, e a criação de vocábulos. As variantes regionais que fazem parte da cultura de cada povo - os dialetos refletem parte de sua história e constituem a identidade de uma nação. Existe uma fragilidade que permeia o entendimento - generalizado e equivocado - do que é certo e do que é errado, linguisticamente falando. Escrever e falar regionalismos, expressões popularizadas ou mesmo usar gírias e abreviaturas não tornam uma pessoa menos inteligente e inferior às outras. Longe disso, é pura expressão cultural. Depois do que a gente viu, pense duas vezes antes de olhar torto para quem fala “imbigo”, “mortandela” e “garage”, que são só mais algumas de nossas formas de expressão.

Lucas George Wendt gosta do que está entre as aspas e além das reticências, das batidas da música, das cores, do movimento e das letras. Foto divulgação


conversa casual Colocando a viola no saco Depois de cruzar a cidade com uma bolsa e violão atravessado nas costas, 40 graus e sol a pino queimando o lombo, não há grau de tolerância que resista a essa provação. O suor escorre como manteiga derretida pela testa dele, deslizando pelo rosto e formando um pequeno córrego entre os olhos. A camiseta branca fica com uma mancha úmida bem no peito.

Tudo deu errado nos últimos meses. Restaram o violão, as canções que sabe de cor e um último recurso: tocar em uma das praças centrais da cidade e, assim, contar com a compaixão humana para que sua caixinha encha-se de moedas e notas. Esse será o primeiro dia, e primeiras vezes geralmente não são fáceis. Tira a estante de partitura da bolsa, arma o treco bem na sua frente e se posiciona de costas para um gigantesco pé de flamboyant. Coloca a pasta de letras na armação e, logo depois, começa a afinar o violão. Olha a fonte da praça e pensa que tranquilamente poderia ficar de molho junto às tartarugas.

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Um calafrio percorre sua espinha; por instantes acha que não vai conseguir tocar. Será que precisa aceitar aquele emprego numa loja de sapatos? Uma daquelas figuras recorrentes em qualquer cidade do planeta se aproxima do músico. Com uma garrafa plástica na mão e cheirando a tonéis de pinga, esse homem tasca um pedido: - Sai uma do Cerejinha, aí? Diz aquilo e sai zoando como se fosse um palhaço que ri da própria piada. O músico fica nervoso e começa novamente a afinar o instrumento, ou melhor, desafinar, pois o violão estava ok. Algumas pessoas se aglomeram à sua volta,


uma espécie de pequeno público de desocupados e passantes que formam o princípio de uma audiência. O homem da garrafa plástica começa a conversar com um engraxate sentado sobre sua caixa, isso bem pertinho do músico: - Esse cara tá assustado. Não vai tocar. - Pois é. O sujeito tá arrodeando com aquele violão e nada. - Se sair algo, quer ver que vai tascar música de americano? - Aposto um xis como este daí vai fazer porra nenhuma. Ele ouve tudo e se desestabiliza. Em consequência disso, não dá outra, o suposto músico não articula uma única nota. Aquele diálogo do mau agouro, protagonizado pela dupla, também acaba de vez com sua confiança. Ele perdeu. Virando o ano, aquele homem vai pegar a tal vaga na loja de sapatos. Recolhe os apetrechos, coloca a viola no saco e, cabisbaixo, pica a mula daquele improvisado palco ao ar livre. O engraxate e o bêbado começam a rir da desgraça alheia.

Márcio Grings é escritor, jornalista e radialista. Esta e outras histórias, leia no blog do Grings: portalbei.com.br/grings Ilustração Felipe Johann


DESABAFO Resgate

Falando em expectativa, também, é época de renovação.

Por fim, chega a página da

Com o começar de um ano,

revista em que a gente abre o

mais um ciclo de possibilidades

coração. Pela décima terceira

e uma lista de metas para ser

vez, compartilhamos aqui as

conquistada inicia até o próximo

sensações de frio na barriga e

31 de dezembro.

missão cumprida que envolvem a produção desta moçoila.

É tempo de questionarmos escolhas e atitudes. Mas

Sim, pequena, depois de todo o

aí, perdidos em ânsias, nos

suor que produzimos nesses dois

esquecemos do quanto

anos caminhando com você -

precisamos também evoluir

segurando tua mão e, às vezes, a

como pessoas, humanamente.

soltando -, nossos olhos brilharam

Falar de “cultura”, na 13ª

ao te ver desbravando os leitores

edição, tem tudo a ver com esse

porto-alegrenses. Ver você -

resgate.

interligado, seja na nevada Montreal ou por cá, onde o

este pedaço de nós, da família Mazup - ostentando toda a tua

Estamos tão habituados a usar

calor está de matar - ambas as

singularidade, excentricidade e

filtros para dessecar o outro e,

sociedades são 100% cultura.

bom papo pela capital, nos deixou

assim, classificá-lo como melhor

ainda mais cheios de expectativa

ou pior culturalmente, que

pelas edições seguintes.

esquecemos de que tudo está

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Foto Rayani Melo

Kelly Raquel Scheid / kelly@mazup.com.br




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