16ª Revista Mazup - Sociedades alternativas

Page 1

não recomendada < 18 anos.

eDIção 16 ano 3 - Jul-ago/15 dIstrIbuIção free

sociedades alternatiVas






rolé pela ediÇÃo

letra de quem leu

nossa Capa

eXPediente

8 Trash Net 10 Beer Session 14 Tour da Felicidade 16 quem nunca? / Confundindo gorda com grávida 17 Trend Merman Hair chega ao Brasil 18 Horóscopo maldito / Ah, o inverno... 20 #TemCuPaEu / Vai ostentando, vai... 22 Nem oito, nem oitenta / O amor em tempos de diversidade 24 Capa / A diferença que nos une 32 Made in Brazil: Guile Branco, o paulista que se aventura em Hollywood 38 Troninho / Estado Islâmico

40 O gênero da modernidade 48 Coluna do Lucas / Vai, não se esconde, vem pro Sapabonde! 50 Verdades discutíveis 56 Conversa casual / A mão do morto 58 Desabafo

Mérilin Beck “Adoro a revista Mazup e super me identifico. Os assuntos abordados são interessantes e discutidos de forma criativa. quanto à linguagem, é dinâmica e de fácil compreensão. Acompanho as edições e, na última, o que me chamou atenção foi na matéria Entre Check-ins e goles, na qual diz que cerveja não é mais questão de gênero e, sim, de qualidade. Eu, como apreciadora, concordo! E ainda descobri que ‘moderadamente’ faz bem para saúde, rsrsrs. Fica a dica!”.

Entrevistas e artigos assinados não refletem, necessariamente, a opinião da Revista Mazup. Ficou na dúvida, tem sugestões ou quer dar letrinha? revista@mazup.com.br

Direção Maico Eckert maico@mazup.com.br

Redação Bárbara Scheibler Delazeri revista@mazup.com.br

Comercial Douglas Kerber douglas@mazup.com.br

Supervisão geral Douglas Kerber douglas@mazup.com.br

João Timotheo Esmerio Machado revista@mazup.com.br

Maico Eckert maico@mazup.com.br

editora Kelly Raquel Scheid kelly@mazup.com.br

Kelly Raquel Scheid kelly@mazup.com.br Rodrigo Nascimento revista@mazup.com.br

Fotografia de capa e matéria principal Douglas Kerber, Gustavo Tomazi Fotografia e Kelly Raquel Scheid

Colaboração Lucas George wendt Márcio Grings Márcio Meyer Modelos Cecília Marcolin, Mariana Dalcastagne, Sandro Fritsch e Tiago Fritsch Diagramação Dobro Comunicação Felipe Johann


Renan Amorim “Mesmo em plena era digital com o surgimento crescente de sites e blogs dos mais variados assuntos, a revista Mazup continua se destacando no meio de comunicação. Um combo de entretenimento, novidades e arte em geral reunidos de uma forma gratificante para contribuir com o conhecimento da galera. Ansioso pela próxima edição, que com toda certeza será sucesso garantido! Valeu, Mazup!”.

Projeto gráfico Pedro Augusto Carlessi

Mireli Duarte Bergmann “Recordo que recebi a primeira edição da revista em casa – os primeiros 50 a enviar um e-mail ganhariam o envio – e, desde então, acompanho o trabalho que representa bem a região, com um formato bacana e conteúdo atualizado. Apesar de ser de Lajeado, atualmente moro em Itaqui, pois estudo na Unipampa e adoro passar as páginas e encontrar reportagens de gente conhecida, que está morando/estudando a maior parte do ano longe de mim. Ajuda a matar um pouco a saudade de casa!”.

Rafael Dalmoro “Na época da informação rápida, breve e resumida em 140 caracteres, a revista Mazup consegue, de maneira incrível, prender a atenção do leitor de uma forma que poucas publicações impressas ainda conseguem. Cada edição é uma chacoalhada nas ideias com matérias extremamente ricas e originais em informação. Melhorar isso? Só se tivesse uma revista por mês!”.

mazup.com.br

Agradecimentos Cecília Marcolin, Mariana Dalcastagne, Sandro Fritsch e Tiago Fritsch

revista@mazup.com.br

Leitura experimental Bárbara Scheibler Delazeri

mazup

Impressão e CTP Grafocem

tonomazup

tonomazup

(51) 3748-2459 Rua Júlio May, 217/03 Lajeado/RS Mazup é um veículo multiplataforma de comunicação jovem.


trash net

8

#

GTA DA VIDA REAL

JURASSIC PARK EM LEGO

ALIEN CAT?

OLHE PARA CIMA

O fanatismo não para e, desta vez, é com o jogo GTA V - Grand Theft Auto V. Uns caras totalmente pirados do canal Corridor Digital, do YouTube, recriaram o game no vídeo Real GTA com extrema fidelidade aos detalhes, seja pelos ângulos de câmera utilizados, sons específicos ou mesmo no cenário escolhido: a incrível Los Angeles, que se assemelha muito com Los Santos, cidade onde a história se passa.

Fãs não faltam para a saga jurássica, né? À propósito, nos Estados Unidos, pai e filha recriaram, de forma lúdica, o cenário do primeiro filme, de 1993, Jurassic Park. Com peças de Lego - que juntas somam cerca de US$ 100 mil - e a ajuda de amigos, a dupla chegou a este stop-motion com os principais momentos do filme. Acesse Lego Jurrasic Park, no YouTube, e os bastidores da produção por Lego Jurassic Park - A Behind The Scenes Look.

Ou seria um ET com pelos, garras e sons de “miau”? Acredite, esta é Matilda, uma gatinha que em decorrência de uma luxação espontânea da lente somada a um glaucoma e uma deficiência de colágeno, ficou com seus olhos semelhantes aos de extraterrestres. Por necessitar de remédios contra dor e cirurgia, seus donos criaram uma campanha no GoFundMe e a meta de arrecadar US$ 2,5 mil foi batida em apenas cinco dias! Por mais fins felizes assim...

Vivemos em um mundo em que, à medida que as facilidades tecnológicas aumentam, a falta de tempo, a perda de valores e a superficialidade das relações também se tornam comuns. O vídeo Look Up exemplifica perfeitamente esta infeliz realidade: aliás, faz as pessoas se sentirem nele a ponto de não quererem mais saber, pelo resto do dia, de seu celular e vida virtual! Em um teste com 200 alunos de uma universidade na Inglaterra, quatro quintos dos estudantes tiveram essa reação instantaneamente.



de “loiras” a “das loiras” – Morenas, rUiVas e negras TaMBÉM! BASTou A CeRveJA ARTeSANAL CoNquISTAR eSPAço NAS PRATeLeIRAS BRASILeIRAS que uMA LevA De MuLheReS Se DeCLARou Fã De CARTeIRINhA DA BeBIDA. CoNSequeNTeMeNTe, A PoPuLARIzAção DAS ARTeSANAIS Não GANhou SoMeNTe CoNSuMIDoRAS FINAIS: eLAS TAMBéM DoMINAM o INíCIo Do PRoCeSSo, CoMo A eMPReeNDeDoRA LICeTe MARTINy.

Natural de Feliz, cidade do interior gaúcho, a publicitária trocou a área de tecnologia da informação e telecomunicações pelo ramo cervejeiro, no qual é sócia da empresa Urwald. Atuando como diretora comercial e marketing da cervejaria de São Vendelino, ela, aos 30 anos, revela que o empurrãozinho partiu de José Augusto Griebeler: “Entrei neste mercado pelo incentivo do meu sócio – hoje, meu noivo. Montar uma cervejaria é um antigo sonho dele unido à minha vontade de empreender. O espírito de liderança e empreendedorismo sempre esteve presente em mim”. Do tipo que valoriza uma cerveja bem elaborada, com bom drinkability, a empresária sempre procura conhecer várias marcas


e estar mais presente possível nas etapas de fabricação – afinal, tudo é pensado e decidido em conjunto com Griebeler. Embora quem cuide da elaboração de receitas e produção seja ele, Licete não descarta a possibilidade de se formar como cervejeira, futuramente. Sobre a aproximação das mulheres com as cervejas artesanais, ela acredita ser um reflexo do caminho certeiro que está trilhando o mercado brasileiro, com excelentes produtos disponíveis e acessíveis. “Beber cerveja é uma arte e é preciso apreciar cada gole. Já escutei muito a frase ‘eu não gostava de tomar cerveja, mas, depois que conheci a artesanal, não parei mais!’. A popularização das artesanais mostra que cerveja vai muito além do estilo pilsen: cada rótulo é uma nova descoberta de aroma e sabor!”, conta. Para a Licete, a publicidade dos fabricantes de cervejas massificadas transformou a bebida em um produto voltado ao mercado masculino, diferentemente da proposta dos comerciais de cerveja artesanal – que trazem temas culturais e/ou germânicos,

evangelizando o consumo consciente, na vibe do “beba menos, beba melhor”. Creditando a ascensão de consumidoras femininas no mercado cervejeiro à qualidade e à diversidade das artesanais, ela ainda observa que a ala masculina tem curtido muito a parceria delas na mesa de bar: “Vejo casais bebendo juntos, apreciando, tirando conclusões e trocando ideias... Isso é muito bacana! Também já existem várias confrarias femininas de cerveja – grupos de mulheres que se reúnem periodicamente para discutir e estudar sobre a bebida e seus estilos, além de realizarem a harmonização de cervejas com comidas. Na região metropolitana, por exemplo, há as conhecidíssimas Augusta Viktória e Cerveja Gaúcha”. À frente da Urwald, em funcionamento desde 2011, a empreendedora avalia que “a mulher já conquistou o seu espaço e os homens estão sabendo conviver muito bem com isso”. Prova disso é o time da cervejaria, já que é misto e tem como característica a sintonia e o respeito entre ambos os sexos.

Apesar do desafio dos anos iniciais e do demorado processo de ganhar o carisma dos clientes, Licete garante: “Não existe negócio certo. É você que faz o sucesso do seu empreendimento. Montar uma cervejaria, como qualquer outra empresa, exige muito planejamento e dedicação”. Confiante, ela diz que o segredo está em arregaçar as mangas e fazer acontecer, além de buscar um diferencial. “Fazemos muito mais do que cerveja: embalamos um produto que tem a essência do amor pelo que se produz”, finaliza.

Kelly Raquel Scheid kelly@mazup.com.br Foto divulgação/arquivo pessoal


e qUeM inVentoU a cerVeJa foraM... elas!

quando escutamos por aí que “os homens não vivem sem as mulheres” já suspeitamos sobre quando a frase possa ter surgido. Entre 8 e 6 mil anos a.C., período em que elas descobriam nada mais nada menos que a cerveja! Isso mesmo: os créditos são todos da ala feminina. Naquela época, as mulheres eram responsáveis pelo cultivo de grãos e fabricação de alimentos, como o pão, enquanto os homens caçavam. Reza a lenda que uma mulher da Mesopotâmia deixou na chuva um recipiente com grãos, que fermentaram e deram origem à primeira cerveja rudimentar da história; Até a Revolução Industrial, a profissão “cervejeira” era feminina. Como a bebida fazia parte do alimento e nutrição da família, quem assumia todo o processo de fabricação eram as mulheres, que passavam as receitas de geração para geração; Antigamente, por falta de conhecimento científico sobre leveduras, a fermentação era associada ao divino, ou melhor, à deusa Ninkasi. Seu nome significa “a dama que enche nossas bocas”;

Com a intenção de ajudar na preservação da cerveja, ainda na Idade Média, a cientista, médica e abadessa Hildegardis De Bingen foi a responsável por introduzir o lúpulo ao líquido. Como ela viveu 81 anos - o que, na época, foi considerada uma idade muito avançada -, alguns estudiosos acreditam que a cerveja produzida pela cientista foi a responsável por sua longevidade; Falando em lúpulo, a alma da cerveja e responsável pelo amargor da bebida, o ingrediente é o quê? Uma flor fêmea! Diferentemente da sua versão masculina, o cone da planta feminina tem abundância de lupulinas, as glândula responsáveis pela formação dos ácidos-alfa e óleos essenciais, que conferem aromas e sabores distintos às cervejas em que são adicionadas; Na Inglaterra, no início do século XVIII, documentos mostram que 78% dos cervejeiros licenciados eram mulheres. Inclusive, alguns utensílios domésticos utilizados na fabricação da bebida eram de propriedade exclusiva delas.


HarMonização

Pizza de Camarão, Carbonara ou Milho com cerveja weiss (Província weissbier, Providência weiss, Emmanuel Protos);

Pizza de Calabresa, Pepperone ou Salmão com cervejas IPA (Providência IPA, Província IPA, Emmanuel Summit);

Pizza de Mussarela, Marguerita ou Brócolis com cervejas Pilsen (Providência Pilsen, Província Premium);

Pizza de Calabresa, Bacon ou Tomate Seco com cervejas Red ou Pale Ale (Província Red, Providência Jararapa);

Pizza de Salame, Lombo ou Presunto com cervejas escuras (Província Dunkel, Emmanuel Motor Oil, Providência Dunkel);

Pizza de Costela Desossada ou Filé com cerveja Bitter (Providência ESB).


publieditorial

Tour da Felicidade: o que aprontamos com a Coca-Cola e Gustavo Adolfo em POA Imagina ter a oportunidade de conhecer o processo de fabricação da bebida mais famosa do mundo e, ainda, ter acesso à fórmula secreta da Coca-Cola? Agora, adicione a essa aventura as visitas pelos estádios da dupla Gre-Nal! Curtiu? Pois a gente que o diga!

14

#

Juntamente com os alunos do nono ano do Ensino Fundamental do Colégio Sinodal Gustavo Adolfo, de Lajeado, realizamos esse passeio, no dia 3 de julho. Naquela sexta-feira, desbravamos a capital gaúcha, com a missão de sermos muito felizes, claro!

A ação integrou o projeto Tour da Felicidade que a Coca-Cola está realizando com várias instituições de ensino gaúchas, em 2015, e que teve o objetivo de marcar o último ano desta galera para lá de carismática e muito – muito


mesmo – apaixonada por futebol do Ensino Fundamental. Na Fábrica da Felicidade, também conhecemos a trajetória da Coca-Cola, visitamos as linhas de produção e, como o grand finale, entramos no cofre onde está a receita do refrigerante. Para alegria dos que foram e voltaram da viagem discutindo e testando seus conhecimentos sobre o universo futebolístico, nossas próximas paradas foram os estádios! Iniciando pela Arena do Grêmio, os alunos tiveram acesso desde a sala de narração dos jogos e de coletiva de imprensa até os vestiários e gramado! Depois do almoço na Pizza Hut, foi a vez dos colorados pisarem em seu território. No Beira-Rio, percorremos o museu do clube, local onde estão reunidos os troféus e dados históricos do Internacional. Visitamos o memorial dedicado ao jogador Fernandão – que nos deixou em 2014 – e conhecemos o camarote da CocaCola, onde assistimos ao segundo tempo da partida Sub-20 entre o anfitrião e o Juventude.

Ufa! Lembranças é o que não faltarão para quem viveu esse presentaço da Coca-Cola para os formandos do nono ano do Gustavo Adolfo! emile eduarda Mattes é uma: a guria contou que as expectativas estavam grandes pelo Tour da Felicidade e que a diversão foi muito maior do que esperava. “Curti demais termos sido os escolhidos dentro do colégio, já que a minha turma não havia viajado este ano. Me surpreendi com a visita à Fábrica da Felicidade, pois não pensava que eram tantas coisas que veríamos e aprenderíamos”. Ah, a gremista também contou que ainda não conhecia a Arena do Grêmio pessoalmente. “Meu pai havia prometido que me levaria a Porto Alegre para um jogo do Grêmio e, no fim das contas, eu acabei conhecendo o estádio antes dele”, deu a letra, Emile.

Fotos Douglas Kerber/Mazup



Trend Merman Hair chega ao Brasil Cada vez mais estilos quando o assunto é corte ou comprimento dos fios do rosto, os homens agora resolveram adicionar mais um item à sua lista de vaidade: cor! Ah, e várias delas! A nova tendência masculina de colorir cabelo e barba não tem nada a ver com o MC Brinquedo, embora o funkeiro sirva de exemplo para esta nova mania. Em países estrangeiros a prática já é bastante comum e, nos últimos tempos, tem ganhado os fios do rosto dos homens brasileiros – e nem as sobrancelhas escapam.

Chamada de Merman Hair, que em português pode ser entendida algo como Cabelo de Tritão - masculino de sereia -, a tendência é inspirada na vida de criaturas marinhas míticas. As apostas vão desde azul, roxo, verde, amarelo, vermelho, laranja e rosa a uma mistura de várias cores. Atenção é o que não vai faltar para estes caras...

Kelly Raquel Scheid kelly@mazup.com.br Fotos divulgação

17

#


HORÓSCOPO MALDITO Ah, o inverno... Amada e odiada por multidões, a estação mais fria do ano muda mesmo a nossa rotina: há quem prefira casa e há quem não abra mão de estar “em todas” e que se danem as temperaturas de cortar os beiços!

18

#

ÁRIES (21 de março a 20 de abril) Agressivo pela própria natureza, ficar pelo “lar, doce lar” pode piorar o lado impulsivo e ansioso de um ariano. No entanto, a bad rola mesmo na hora de definir a programação com a galera: sempre tem um ariano mandão, barraqueiro e mimado para empacar a decisão. TOURO (21 de abril a 20 de maio) Por mais que eles sejam egoístas, digo, taurinos, dinheiro nunca é um problema para os nativos desse signo - e melhor ainda será a programação na qual eles não precisem abrir muito a mão. Como amantes de todos os prazeres, topam tudo. Não ficando entediados, que mal tem?

GÊMEOS (21 de maio a 20 de junho) Com geminianos a parceria é certa tanto para curtir uma janta em casa ou desbravar o friozinho da rua para beber por aí. Tagarelas que só, eles adoram estar em movimento assim como, do nada, podem querer apenas ficar imóveis, usando a caixinha do nada. A você, só resta aceitar. CÂNCER (21 de junho a 21 de julho) Cancerianos são sinônimo de programinhas caseiros - imagina no inverno, então. Coitados, sempre levam o troféu “caretice” entre os outros signos do zodíaco, mas alguém precisava ficar com o papel. Ai, vamos combinar, por que não hibernam de uma vez, né?


LEÃO (22 de julho a 22 de agosto) Ficar em casa? Hahahaha... E perderem oportunidades de mostrar ao mundo sua importância? Leoninos nasceram para estar sempre “em todas”, gente. Não há frio, calor, chuva ou sol que os impeça disso. Capiche? VIRGEM (23 de agosto a 22 de setembro) Desde que você dê tempo a um virginiano para se organizar, é provável que ele tope qualquer programa, seja ele por casa ou não. Ah, só assim... não convida para ir a “qualquer lugar”, com comidas, bebidas ou ambientes meia-boca. Eles são a exigência em pessoa! LIBRA (23 de setembro a 22 de outubro) Librianos tem uma forte atração pelo o que é belo, o que não significa que você precise chamar esse nativo apenas para programas sofisticados: eles curtem e muito a simplicidade das coisas, também! Em função do senso de justiça que impera sobre eles, são ruins com decisões.

ESCORPIÃO (23 de outubro a 21 de novembro) Sair com escorpianos pode ser uma ótima ideia: eles são intensos em tudo o que fazem e é óbvio que você vai curtir muito. Como têm certa obsessão por poder, não importa para onde forem, vão conquistar bons “contatos” e até fechar negócios! SAGITÁRIO (22 de novembro a 21 de dezembro) Não importa o que, quando, onde, como e porquê você vai estar na companhia de um sagitariano, garanto que será com muitas gargalhadas. Vocês podem passar até por perrengues, mas nada será estressante e ele ainda vai inspirar você a ter um olhar otimista sobre as coisas. CAPRICÓRNIO (22 de dezembro a 20 de janeiro) Sabe aquelas pessoas que se acham mais espertas e capazes que outras? Caso você for chamar um capricorniano para fazer alguma coisa, deixe que ele decida sobre o

destino: assim, caso o lugar não seja lá grandes coisas, ele não vai poder criticar você e sua escolha. AQUÁRIO (21 de janeiro a 19 de fevereiro) Não é novidade que aquarianos estão à frente do tempo, então, quando ele chamar você para um novo pico, aventura, balada, restaurante... apenas vá! Só não vira chiclete: eles são independentes e “malucos beleza” o suficiente para deixar você para trás em segundos.

PEIXES (20 de fevereiro a 20 de março) Ir à esquina com um pisciano já pode ser inesquecível! Por viverem no mundo da lua, logicamente transformam tudo à sua volta em extensão da sua imaginação. Se você está cogitando convidar um nativo de peixes para sair, definitivamente, o “onde” será o de menos: a “viagem” já está garantida.


#TEMCUPAEU

Vai ostentando, vai

20

#

É de você. Se as coisas zicam, é porque – eu aposto – você fez “comercial” demais sobre a boa nova. Fez, não fez? Nunca ouviu aquele conselho de que quanto mais a gente conta nossos planos para os outros, maior a chance de dar tudo errado? Até minha vó sabe disso.

que pagar de phoda, né? Assim fica difícil te defender, sério!

Talvez tenha escutado, sim, mas aquele desejo de ostentar que pinica por dentro sempre vence. Não pode viajar, comprar, ganhar presentes, frequentar um lugar top da galáxia ou tomar bons drinks sem anunciar em alguma rede social, hein? Tem

Já percebi também que esse é um comportamento normal e que geral anda vivendo mais online que física e emocionalmente. Afinal, por que tanta procura de aceitação externa sobre quem somos, o que temos, o que fazemos ou com quem andamos?

Depois o olho gordo impregna em você, as coisas “dão ruim” e a culpada sou eu? Ah, segura meu Poodle! Para de se vitimar e mimimi, sentenciando culpados por suas desventuras.

Na boa, conheço gente que tem vida muito mais invejável que a sua e, ó, não fica espalhando o que faz ou deixa de fazer para os outros, viu? E, não, esse povo não reclama de cobiça alheia como você, se quer saber. O silêncio te protege – é a dica mais valiosa que eu poderia dar. Esperançosamente, Inveja.

Ilustração Felipe Johann



Nem oito, nem oitenta

o amor em tempos de diversidade Propaganda com uma “nova” formulação de casais se presenteando, na data que o comércio dedica ao amor, “causa” nas redes e levanta o debate: estamos preparados?

Você já viu. Se não viu, ouviu alguém narrar como foi. O beijo gay exibido em rede nacional na novela Amor à Vida parece ter sido o pontapé inicial para ver a sociedade ir além do lugar comum também na telinha. No último Dia dos Namorados, uma empresa de perfumes e cosméticos investiu na ideia. Colocou na tela - seja ela de TV, celular, computador... - o amor como protagonista, não o gênero. Para o antropólogo Daniel Granada, ousou. Segundo ele, é preciso compreender que existem pessoas mais conservadoras na sociedade. Inclusive algumas têm preconceitos e organizam sua participação na sociedade com relação a valores ou crenças. “Em antropologia utilizamos o termo técnico de representações, que são aprendidos desde a infância. Essas mudanças na sociedade são muito recentes e

22

#

certamente a exploração comercial da afetividade homossexual pode causar reações contrárias”, explica. Nesse caso, as pessoas se unem em torno de determinados valores, certamente conservadores, em oposição aos que são expostos nos comerciais. “Por outro lado, a partir das reações conservadoras, outros que julgam aceitável o relacionamento amoroso entre pessoas do mesmo sexo também reagirão, levantando assim o debate na sociedade.” As pessoas se chocaram tanto porque possuem preconceitos contra relacionamentos homoafetivos e não estão prontas para ver pessoas do mesmo sexo se beijando nos seus lares e televisores. “O beijo ocorrido na novela também chocou quando foi ao ar. Certamente pelos mesmos motivos”, avalia.

“Mérito para o marqueteiro que não faltou às aulas de sociologia e antropologia e teve sensibilidade suficiente para perceber as modificações pelas quais está passando a sociedade.” Daniel Granada, antropólogo


Mudança não-uniforme

E quem achava que o filme seria um “tiro nos pés” da empresa, errou. O Boticário ficou de pé e mesmo sobre movimento contrário na internet manteve a campanha no ar. Isso ocorre porque a reação conservadora será contrária ao vídeo, o que paradoxalmente aumenta a audiência e publicidade do mesmo: “Mérito para o marqueteiro que não faltou às aulas de sociologia e antropologia e teve sensibilidade suficiente para perceber as modificações pelas quais está passando a sociedade, aproveitando a oportunidade para promover a marca”.

A sociedade - ou os grupos sociais - não mudam de forma homogênea ou uniforme. Sempre haverá setores progressistas e outros conservadores, cabe àqueles que lutam por uma sociedade mais justa e igualitária se organizarem e reivindicarem mudanças. “Lembro que com o movimento feminista, com os direitos dos afrodescendentes, com os indígenas e, recentemente, com os novos imigrantes, os processos são semelhantes: existem setores conservadores da sociedade que reagem às mudanças, o que mostra que há muito trabalho a ser feito da parte das minorias para a inclusão”, frisa o antropólogo. Granada diz que hoje não se questiona mais que a mulher possa trabalhar fora de casa, entretanto, por duas gerações as mulheres que trabalhavam enfrentaram barreiras. O salário ainda não é igual, a violência contra mulher ainda é uma triste realidade, mas é preciso reconhecer que avanços foram feitos. “No caso dos homossexuais, os que enfrentam maiores problemas são aqueles que infringem as normas de gênero. Neste sentido, travestis e homossexuais que se manifestam através da aparência

serão mais discriminados e sofrerão desvantagens, tanto no acesso à saúde, como à educação e ao mercado de trabalho.” A educação e o trabalho estão no centro do sistema de estratificação na sociedade: se a pessoa é discriminada na escola ou no mercado de trabalho, certamente, terá maior dificuldade de conseguir mobilidade social. “Isso quer dizer que as vulnerabilidades para pessoas que infringem as normas de gênero são acentuadas”, comenta. No caso da propaganda, a escolha foi de mostrar casais do mesmo sexo, mas que na aparência respeitam as normas de gênero. “São homens e mulheres dentro do ‘padrão’. Entretanto, o fato de demonstrarem um comportamento diferenciado - e isso é o que choca os conservadores -, também poderíamos dizer que são de ‘classe média’ ou ‘alta’, saindo dos estereótipos ou lugares sociais que os conservadores pensam que estes grupos devem ocupar”.

Rodrigo Nascimento revista@mazup.com.br Foto divulgação

23

#



a diferença qUe nos Une queM vIveu No BRASIL DuRANTe o PeRíoDo Do GoveRNo MILITAR SABe o quANTo AqueLeS TeMPoS FoRAM DIFíCeIS. eXISTIA uMA PReSSão SoCIAL INCôMoDA, PoIS ToDoS eSTAvAM CoNTRoLADoS PeLo BRuTAL APAReLho De RePReSSão Do eSTADo.

Fui parido em 1966, durante os primeiros anos da Ditadura Militar. E para a manutenção do maldito Regime, era necessário que os nascidos naquela época fossem educados sem senso crítico político e social, acreditando que tudo que fosse exótico ou diferente aos interesses da “nação” devia ser negado e combatido. Foi um tempo em que pairava sobre a nossa sociedade um “estranho incômodo”. Mas, aqueles que controlavam o povo brasileiro com mão de ferro, se esqueceram de uma lei básica da natureza: “para toda

ação existe uma reação”. Ou seja, quanto mais oprimida uma sociedade, maior a possibilidade de surgirem nela discursos subversivos e reações libertárias, contrárias ao governo.

os reVolUcionÁrios esqUecidos de UM teMpo perdido na MeMÓria E esse foi um dos grandes paradigmas daquela época. Muitos daqueles que nasceram no período de 1964 a 1986 tinham certeza de que a sociedade devia mudar suas relações sociais, econômicas e políticas. O problema é que estávamos perdidos pela falta e dificuldade de conseguir informações e conhecimento do mundo à nossa volta. Os militares brasileiros controlavam o Estado na sua totalidade – e isso incluía a imprensa, o rádio, a televisão e as editoras - e tentavam suprimir e censurar notícias do mundo livre e democrático que estava sendo construído fora da América Latina.

Nos anos 1970, a tecnologia de informática estava restrita aos centros de pesquisa de ponta – como a NASA – e a sociedade conectada à internet e a globalização ainda era um sonho distante. Sabíamos (ou imaginávamos) o que acontecia lá fora de forma marginal, pois as coisas novas do mundo e as novas tendências comportamentais chegavam até nós a partir daqueles que viajavam ao exterior e que tinham acesso a subversiva literatura estrangeira. Em 1981, com 15 anos, saí do interior do estado do Rio Grande do Sul e retornei a Porto Alegre, minha cidade natal, para concluir o antigo segundo grau. Foi naquele ano que ouvi pela primeira vez a música Sociedade Alternativa, composta e interpretada por Raul Seixas.

25

#


O Maluco e o Ocultista Esta obra prima da Música Popular Brasileira, lançada em 1974, tem como base o Manifesto/Gibi da Fundação Krig-Ha, lido e distribuído por Raul Seixas – o Maluco Beleza – durante seu primeiro show em São Paulo em ’73. Este documento proclamava que:

1

O espaço é livre. Todos têm direito de ocupar;

2

O tempo é livre. Todos têm que viver em seu tempo e fazer jus às promessas, esperanças e armadilhas;

3

A colheita é livre. Todos têm direito de colher e se alimentar do trigo da criação;

4

A semente é livre. Todos têm o direito de semear suas ideias sem qualquer coerção da intelegênzia ou da burrícia;

5

Não existe mais a classe dos artistas. Todos nós somos capazes de plantar e colher. Todos nós vamos mostrar ao mundo a nossa capacidade de criação;

6

“Todos nós” somos escritores, donas-de-casa, patrões e empregados, clandestinos e caretas, sábios e loucos;

7

E o grande milagre não será mais ser capaz de andar nas nuvens ou caminhar sobre as águas. O grande milagre será o fato de que todo dia, de manhã até a noite, seremos capazes de caminhar sobre a Terra.

Apesar de atualmente essas linhas parecerem tão singelas, foram um coice nos culhões da sociedade brasileira, que sempre teve como base a família careta, carola e reacionária. A proposta apresentada na música de Raul era a criação de uma “irmandade” - idealizada e jamais realizada – que contrapunha o Regime Militar e a Ordem Burguesa instituída. Essa nova sociedade seria baseada e fundamentada na filosofia e nos escritos do ocultista britânico Aleister Crowley – considerado pela imprensa britânica como o homem mais perverso do mundo - e sua Lei de Thelema que pregava: “Faz o que tu queres. Há de ser tudo da lei”. Essa proposta de um novo mundo anárquico, hipersexualizado e libertário parecia ser a solução obvia para a opressão estatal, religiosa e social que nos causava o “estranho incômodo”. Não é à toa que a música Sociedade Alternativa é um dos hinos do movimento da Contracultura Hippie dos anos 1970 no Brasil, que pregava o sexo livre e o uso de drogas alucinógenas para fins recreativos.

Um tempo de relações líquidas Atualmente, devido à Nova Ordem Mundial – criada pelo somatório do capitalismo, do consumismo, da informática e da internet – vivemos tempos em que as relações são líquidas, ou seja, são permissíveis, adaptáveis, fluídas, voláteis e inseguras.


orgânicos, fazedores de dietas paleolíticas, solitários e solteiros por opção, que vivem completamente em paz com suas opções de vida. Mas a ideia de uma vida alternativa, que rompe com os padrões tradicionais de comportamento da sociedade, não é nova. No mundo ocidental, os grandes reguladores da conduta humana, desde tempos imemoriais, foram as religiões cristãs. Com o fim da Idade Média no século XV, marcada pela invasão e ocupação de Constantinopla pelos otomanos em 1453, a sociedade ocidental começou a se repensar. Muitos intelectuais e cientistas europeus sabiam que sucesso militar dos islamitas estava relacionado ao desenvolvimento das suas ciências – como a engenharia, medicina, balística e astronomia. E esses mesmos cientistas sabiam que o grande entrave para o desenvolvimento da pesquisa científica era a Igreja, que se contrapunha ferozmente a qualquer inovação que pudesse colocar em risco seu poder secular. Esse novo jeito de viver e ver o mundo permitiu que surgissem incontáveis grupos que se propõe a organizar suas vidas, trabalhos e relações humanas de forma alternativa. Por esse motivo, convivemos, atualmente, com vegetarianos, polisexuais, veganos, poligâmicos, eremitas, castos, abstêmios, freaks, junkies, góticos, reclusos, religiosos, ateus, agricultores

A obra do grande arquiteto do universo e a sociedade alternativa Por esses motivos, surgiu um movimento chamado Renascimento, que teve como grande mérito uma inversão de posição do Homem com relação a Deus.

Para os pensadores medievais, o homem é um contemplador da obra de Deus. E ela é imutável e inquestionável: em primeiro lugar está o altíssimo e ele determina os caminhos da humanidade. Já para os renascentistas, o homem é a grande obra de Deus e, portanto, possui um caráter quase divino, podendo melhorar tudo a sua volta e intervir na construção do grande arquiteto do universo. Para esses novos pensadores, em primeiro lugar, vem o homem e ele é dono do seu livre arbítrio e, portanto, dono das rédeas do seu destino. O Renascimento abriu caminho para novas formas de enxergar nosso mundo e seus valores humanistas serviram de base para a filosofia Iluminista do século XVIII. Tal movimento intelectual pregava a centralidade da ciência e da racionalidade crítica no questionamento filosófico, o que implicava na recusa a todas as formas de dogmatismo, especialmente o das doutrinas políticas e religiosas tradicionais. Essa nova proposta de ruptura social serviu de base para deflagração de duas grandes revoluções, que mudaram os rumos da sociedade humana para sempre.

27

#


novas formas de ver o mundo. Exemplos destes primeiros formadores de opinião são o francês François Marie Charles Fourier (1772-1837) e o galês Robert Owen (1771-1858).

Sobre revoluções e liberdade O primeiro desses conflitos armados que propôs uma forma de vida alternativa foi a Proclamação da Independência dos Estados Unidos, em 04 de julho de 1776. O movimento mostrou ao mundo que índios, negros, mestiços e crioulos podiam, sim, administrar uma nação moderna, sem ajuda de brancos europeus. A segunda foi a Revolução Francesa, que revelou o quanto um rei e uma rainha eram humanos como todos nós e frágeis diante de uma turba faminta de pessoas e que não se precisava de intervenção de um poderoso exército para colocar os nobres na guilhotina. A partir desses dois ciclos libertários da história mundial surgiram muitos outros pensadores, que sugeriam análises diferentes da sociedade e apresentavam

28

#

O primeiro foi um socialista francês da primeira parte do século XIX, um dos pais do cooperativismo e feroz crítico do capitalismo, adversário da industrialização, da civilização urbana, do liberalismo, da Igreja e da família baseada no matrimônio. Era a favor da poligamia e da busca por prazer desmedido. Foi um dos primeiros pensadores a defender abertamente a igualdade entre homens e mulheres. Os entusiastas de suas ideias estabeleceram comunidades intencionais nas três Américas, inclusive no Brasil, para desespero dos caretas do século XIX. Outro segundo, o galês Robert Owen, foi considerado um dos fundadores do socialismo e do cooperativismo. Ser filho de artesãos e de origem modesta não o impediram de estudar e, com 30 anos, se tornou diretor de importantes indústrias escocesas de fiação, em Manchester. Ali reduziu a jornada de trabalho para 10,5 horas diárias. Foi um grande avanço para a época, pois um típico operário têxtil trabalhava de 14 a 16 horas. Preocupado com a qualidade de vida dos seus empregados, construiu casas para as famílias dos operários, o primeiro jardim-de-infância que se tem notícias e a primeira cooperativa.

Em 1817 evolui da ação assistencial para a crítica frontal ao capitalismo, tentando convencer as autoridades britânicas e estrangeiras sobre a necessidade de reformas na produção. Owen também fundou colônias socialistas pelo mundo, que funcionaram bem nos primeiros anos, mas nunca obtiveram o êxito esperado.

Pensadores e pensamentos alternativos: a proposta de um mundo novo num caldeirão cheio de ideias No século XIX também surgiram importantes pensadores propositores de novas realidades sociais e políticas, como Auguste Comte (1789-1857), Charles Darwin (1809-1882), Karl Marx (1818-1883), Albert Einstein (1879-1955), Friedrich Nietzsche (1844-1900), Sigmund Freud (1856-1939) e Aleister Crowley (1875-1947). Esse caldeirão de ideias efervescentes foi derramado dentro do século XX. Juntando a esse caldo subversivo da Ordem uma vida mergulhada dentro de uma sociedade industrial e urbana, em que o dinheiro e o consumo ditavam regras de comportamento. E quando foi somando a tudo isto indivíduos que, por se encontrarem pressionados pelo mundo do trabalho, adoeciam física e mentalmente, se criaram as condições para o nascimento e florescimento das Sociedades Alternativas do século XX.


Foto Marcello Casal Jr./AgĂŞncia Brasil


As comunidades alternativas do século XX Esses grupos humanos, na maioria das vezes, se organizavam sob a forma de comunidades agrícolas e sociedades comerciais e procuravam formas cooperativas de vida, nas quais os instrumentos, ferramentas, serviço, rendimentos e benefícios eram comuns a todos. Assim, floresceram no século XX, mundo afora, comunidades alternativas como os Amish, cristãos americanos e canadenses radicais, que vivem isolados do mundo tecnológico – não usam produtos elétricos –, se vestem de preto e possuem língua própria. Outro exemplo são as comunidades agrícolas israelenses chamadas Kibutz, cujas pessoas vivem de forma cooperativa, misturando o sionismo – movimento que defende a tradição e a identidade judaica – com o socialismo. Nos anos 1970 e 1980, essas sociedades agrícolas autossuficientes se proliferaram por todos os lugares do mundo, agregando indivíduos com filosofias e posturas de vida comuns, como hippies, naturistas, agricultores comunitários e cooperativados.

Qual é a sua tribo? Todas essas mudanças de comportamento, de postura social e impactos econômicos, no nível do indivíduo, colocaram em risco nossa saúde física e mental, afetando diretamente as relações sociais, familiares, profissionais e passionais em todos os seus níveis.

Da certeza da riqueza ao medo do extermínio

Por esse motivo surgiram no século XX indivíduos que, buscando aquilo que chamamos de “politicamente correto”, começaram a adquirir hábitos alternativos.

No século XX, o desenvolvimento da química, da farmacologia, da engenharia de alimentos, da petroquímica e da indústria proporcionou o enriquecimento da sociedade humana e, junto com essa benesse, nascia a distribuição de renda desigual, a miséria de muitos,

É por isso que muitas pessoas buscaram formas alternativas de sobrevivência, agregando ao seu dia a dia noções de sustentabilidade, reciclagem e procurando formas de viver mais saudáveis. Surgiram,

30

#

o uso indiscriminado de agrotóxicos, o esgotamento das terras férteis, o desmatamento, o discutível aquecimento global, a poluição e a fome. Todas essas sequelas, em termos planetários, transformaram as certezas da riqueza e do desenvolvimento social da humanidade, nos medos da destruição do ecossistema e do caminho inevitável do extermínio da nossa espécie. Somado a esses problemas, temos a individualização do ser humano proporcionado pela sociedade capitalista e pela tecnologia, que acabou transformando os homens e mulheres em unidades biológicas autônomas e independentes que, aparentemente, não necessitam nunca do outro.

assim, indivíduos que só se alimentam de comida orgânica, vegetarianos, veganos, macrobióticos, praticantes de meditação, recicladores de lixo, horticultores hidropônicos, produtores de energia caseira, naturistas, esotéricos, celibatários, pagãos, cervejeiros de quintal, padeiros amadores e centenas de outros tipos humanos que se dedicam a ter vidas, atitudes e hábitos alternativos. E, com o advento da internet e das redes sociais, participar de uma comunidade “de diferentes” não necessitou mais da presença física do indivíduo no grupo. Achar as pessoas da nossa tribo – aqueles que possuem comportamentos semelhantes a nós – e saber das novas tendências e novidades do grupo se tornou fácil. A tecnologia de informação nos permitiu este maravilhoso mundo novo. Apesar dos diferentes estilos das sociedades alternativas, existe um elo forte entre elas que – independente de qualquer entendimento, filosofia ou postura dos seus membros – as une: a negação e repulsa desta forma de (sobre)viver sob o jugo capitalista e do consumo.

João Timotheo Esmerio Machado revista@mazup.com.br Fotos Gustavo Tomazi Fotografia



Made in Brazil: Guile Branco, o paulista que se aventura em Hollywood Nomes como Rodrigo Santoro e Alice Braga são referência quando o assunto é ator brasileiro em produções americanas. Mas antes mesmo do galã viver o maquiavélico Xerxes, em 300, e da neta de Sônia Braga atuar ao lado de Will Smith em Eu Sou a Lenda, muitos brasileiros já travavam batalhas na carreira artística.


A cidade californiana Los Angeles é um dos endereços que se tornou destino certo para quem deseja encarar as telonas. E é lá que está Guile Branco, de 35 anos, natural de Sampa. O brasileiro conversou com a gente sobre carreira, vida pessoal, o que vem por aí e deu infos interessantes sobre Hollywood.

O START Com 17 anos, Guile começou a encarar cursos de teatro. Ao completar 23, no ano 2003, resolveu fazer as malas e partir rumo à Nova Iorque, onde trabalhou como intérprete em uma empresa de mármores que exportava para o Brasil. quando se estabilizou, deu start no seu objetivo e fez o primeiro teste para uma produção pequena, o curta-metragem Here’s To, rodado em Nova Jersey, descoberto através de um site de oportunidades para novos atores. “Lembro que quando me enviaram o roteiro para o teste eu dava pulos, de tão contente. Apanhei o trem até o local e li as falas do personagem enquanto o diretor me gravava. Peguei o papel”, lembra Guile. O ator havia subido o primeiro degrau rumo à carreira estadunidense.

Pouco tempo depois, ao ir a um evento artístico, conheceu sua primeira agente, Dorothy. Branco se tornou estagiário da agência onde ela trabalhava. E então a coisa engrenou: “No mesmo ano, a Dorothy me enviou a um teste na Dreamworks, para o filme Guerra dos Mundos, no qual interpretaria um vizinho do personagem principal, Tom Cruise. Infelizmente não fiquei com o papel”. Bem, mas o que Guile não esperava era que iria acumular filmes no currículo, nos anos seguintes...

EM SOLO HOLLYWOODIANO Em 2007, Guile Branco se mudou para Los Angeles e atualmente mora bem do ladinho de Hollywood. Hoje, conta com um agente e um manager - pessoa que orienta a carreira e tem contatos importantes. “Conseguir um bom agente é difícil, muitos atores conseguem pegando um manager primeiro, daí ele ajuda a descolar um. Muitos americanos não conseguem, mas eu nunca fiquei sem, desde 2003. Tive seis até hoje. Todos me quiseram porque como sou estrangeiro, sou diferente, portanto, interessante. Noto cada vez mais papéis para brasileiros, estamos ficando mais populares”, revela.

33

#


Por outro lado, alguns managers que o paulistano teve o orientaram a aprender o sotaque americano para poder encarar qualquer papel no cinema: “Gastei muito dinheiro em aulas. Não foi fácil. Por fim melhorei muito”. Bem, deu certo! Em 2009, Branco estreou em Los Angeles com o filme Why We Train. Em 2013, foi protagonista do curta This Thing About My Wife, dirigido por Jean Paul Oullette, de Exterminador do Futuro: “Interpretei Ricardo, personagem que me marcou, pois era muito real. Vivia uma situação amorosa complicada”, conta. O longa estreou no festival de Cannes, em 2014. No mesmo ano, Guile deu vida a Michael, em Sci fi Pabulum. “Desde 2010 também trabalho em parceria com o diretor brasileiro Gui Pereira. Fizemos vários filmes juntos, como The Adventures of Sherif Kid McLain (2013), Pizza Me Máfia (2014), com Tom Cavalcante, e Luz Câmera Ação (2014)”, diz. E não foi só em curtas e longasmetragens que o paulista deu o ar da graça: também foi um dos protagonistas da minissérie Meltdown Pot (2012), na pele de Javier. E tem novidade chegando! quatro filmes

34

#

novinhos em folha vão dar as caras, com a participação de Guile: 224, com estreia marcada para 2016; Operação X, em 2017; e Counterplay e Bro-cation, em 2018.

O BAIRRO MAIS BRILHANTE DE LOS ANGELES Guile Branco também conta sobre como as coisas funcionam em Hollywood, onde “cada empresa tem seus estúdios - centros de produção - em áreas enormes, dentro do famoso bairro. Antigamente, somente empresas consagradas como a Universal faziam filmes, mas hoje em dia muitos são feitos em Hollywood sem o nome de produtoras grandes”. Há uma grande diferença entre as companhias gigantes e as empresas independentes, com as quais o brasileiro trabalhou. “A grande sacada está na grana que essas produtoras têm. As empresas maiores contratam distribuidoras para que joguem os filmes para o mundo. Longas independentes geralmente não contam com isso, mas ficam conhecidos em festivais, como o de Cannes”, explica.


Guile já fez algumas participações em filmes de produtoras maiores, mas seu foco é nas independentes. A maioria dos atores começa assim, pois esses longas são como vitrines. Até porque, uma coisa que rola bastante é a compra de filmes independentes por produtoras icônicas: “Essa comercialização acontece muito. As companhias consagradas adquirem os direitos e distribuem como se elas tivessem produzido”. Sobre a questão da escalação de atores, rola muito nepotismo – assim como em várias outras carreiras –, ou seja, pessoas que trazem familiares e amigos para o cinema. “O diretor é parente ou camarada de alguém a fim de encarar a vida artística. A pessoa faz um teste, se encaixar, pronto. Isso é natural”, comenta.

LUz, CÂMERA, AçãO No cinema, assim como no teatro e TV, tudo começa lá no teste para tentar pegar o papel: “Os agentes ligam e passam os detalhes, depois, enviam o roteiro e o endereço do teste. Muitas vezes preciso ir aos estúdios, como warner Bros,

Paramount, Fox… Eu tenho em média 24 horas para me preparar. É muito importante ter o roteiro completamente memorizado. Se fui um dos selecionados, eles me chamam para o call-back, uma visita mais pessoal, às vezes com os produtores e o diretor. Se pegar o filme, ganho uma agenda com escalas. As gravações geralmente duram pouco mais de um mês, com uma folguinha na semana”. A forma como rolam as produções de filmes é bacanérrima. Grande parte deles é criado no computador, por isso que muitas vezes os making of – documentários de bastidores, com as gravações do processo de produção – mostram atores em cenários de fundo verde, pois fica mais fácil de trabalhar a imagem, posteriormente. Depois de gravar, a edição trata de colocar o que precisa aparecer. “A maioria das cenas é gravada no estúdio, principalmente as de interior. Mas aquelas que rolam em praias e bares, por exemplo, são em ambientes reais. Aqui em Los Angeles é comum ver estabelecimentos fechados para filmagens”, conta Guile.

35

#


A VIDA COMO ELA É Branco ainda conta que a maioria dos atores vive em Los Angeles e circula tranquilamente pelas ruas, mercados e shoppings: “Uma das coisas mais bacanas de estar no meio artístico é ver que as coisas são bem mais humanas do que parecem. Aqui não tem tanta idolatria, os

artistas famosos são vistos como profissionais de qualquer outra carreira. É claro que tem papparazzi, mas o comportamento é mais realista”. Na verdade, a maioria das pessoas sabe que a única diferença que há entre atores de Hollywood e profissionais bem-sucedidos em qualquer outra carreira é a visibilidade. Guile já teve

contato com ícones como Arnold Schwarzenegger, conversou com ele em um evento e, inclusive, já viu o cara passeando com seu filho em um parque, próximo da sua casa. Outra coisa que poucas pessoas sabem sobre o meio artístico é que apenas aproximadamente 5% dos atores de Hollywood conseguem ultrapassar a marca dos 20 mil dólares por ano. Ou seja, a grande maioria precisa ter um emprego extra, como o brasileiro – durante três horas por dia trabalha como personal trainer. Nos outros horários encara a labuta artística. “Se alguém pretende vir morar aqui nos EUA a fim de ser ator, o ideal é trazer um visto para trabalhar por tempo parcial enquanto luta para atingir o objetivo. É muito raro conseguir alguma coisa de uma hora para outra. O ator precisa de tempo para fazer conexões importantes e dinheiro para comer, se locomover e pagar aluguel”, ainda aconselha. Valeu, Guile! Sucesso sempre!

Bárbara Scheibler Delazeri revista@mazup.com.br Fotos divulgação/arquivo pessoal

36

#



Troninho

estado Não precisamos de armas ou bombas para infligir o terror. Hoje basta uma breve navegada na internet ou assistir aos telejornais para mergulharmos numa torrente de sangue. Mas isto não é novidade. Sempre nos aterrorizamos com as barbáries cometidas no distante Oriente Médio. Mas estávamos acostumados com o discurso dessa violência transmitida por notícias televisivas, com poucas cenas dela acontecendo. Normalmente as imagens que nos chegavam eram dos teatros de operações militares, edifícios destruídos e cadáveres que restavam nos conflitos armados ou atentados. E, assim, durante décadas as informações que chegavam até nós, despejadas pelos noticiários, mostravam grupos extremistas islâmicos se engalfinhando entre si e com outros radicais de outras religiões – como judeus e cristãos – numa guerra distante, sem fim, sem sentido ou razão.

38

#

islâmico Mas esse quadro mudou por dois fatores: o primeiro é a facilidade de produção e disseminação de imagens, filmes e informações via internet e redes sociais. O segundo foi o aparecimento de um grupo islâmico sunita ultrarradical autodenominado Estado Islâmico, que começou a utilizar as redes sociais para disseminar o terror, mostrando as execuções de inimigos por decapitações, mutilações, enforcamentos, afogamentos, fuzilamentos e de imolação por fogo. Quase todos nós fomos atingidos por essas cenas brutais. Mas, afinal, o que é este tal de Estado Islâmico? Bom, para entender de onde surgiu esse grupo radical religioso paramilitar, necessitamos pensar um pouco em história. Em 6 de abril de 570, nasceu Abu alQasim Muhammad, na cidade de Meca – atual Arábia Saudita. Conhecido como Maomé ou Mohammed, esse homem

foi pastor, comerciante, político e um grande líder religioso. Em 610, enquanto meditava em uma caverna, Maomé recebeu a visita do arcanjo Gabriel, que o declarou como o último Profeta de Deus (Alá). Desde aquele momento até a sua morte, recebeu outras revelações. Essas anotações deram origem ao Alcorão, livro sagrado e base da religião dos islamitas, também chamados de muçulmanos. Enquanto o profeta viveu, o Islã estava unido em torno de sua figura sagrada. Os problemas na região – entre sunitas e xiitas – começaram com a morte de Maomé, em Medina, no dia 8 de junho de 632: se instalou um conflito entre seus seguidores sobre quem seria o seu legítimo sucessor. Os sunitas – termo derivado de Sunna, um dos documentos sagrados da religião – acreditam que Abu Bakr, sogro de Maomé, seria o sucessor. Já os xiitas acreditam que Maomé ordenou divinamente seu primo e genro Ali, de acordo com o comando de Alá, para ser o próximo Califa, título do governante da comunidade muçulmana governada pela Sharia, também conhecido como Direito Islâmico.


Esse código tem como característica não separar o Estado da religião. O Califa é um político e líder religioso, simultaneamente. O Islã não é uma religião centralizada como o Catolicismo – que tem um líder supremo, o Papa – e para participar dela basta acreditar nas palavras de Maomé. Na atualidade, aproximadamente 80% dos mulçumanos são sunitas e 20% xiitas. E essas são as bases para entender o Estado Islâmico. Desses conflitos religiosos e territoriais milenares, do reconhecimento dos sunitas como uma nação – e dos demais grupos como infiéis – e da situação catalisada pela intervenção militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) – chefiada pelos Estados Unidos e que desestruturou politicamente a região após as Guerras do Golfo e do Iraque – é que nasce essa protonação de assassinos. Em 29 de junho de 2014, grupos de insurgentes sunitas e seus dissidentes (como a Al-Qaeda , o Conselho Shura Mujahideen, o Jeish al-Taiifa al-Mansoura, o Jaysh al-Fatiheen, o Jund al-Sahaba, o Katbiyan Ansar al-Tawhid wal Sunnah) e vários grupos tribais radicais que professam o islamismo sunita, se uniram e fundaram o Califado do Estado Islâmico do Iraque e da Síria (EIIS), proclamando Abu Bakr al-Baghdadi seu Califa. O EIIL, desde então, afirma ter autoridade religiosa sobre todos os muçulmanos do mundo, começando essa islamização pelo território da região do Levante, que inclui Jordânia, Israel, Palestina, Líbano e Chipre, além do próprio Iraque e Síria.

O Estado Islâmico acredita na aplicação radical da Sharia. Assim, aqueles que se recusam a conversão ao Islamismo podem sofrer torturas, mutilações ou serem condenados à pena de morte. O grupo prega a Guerra Santa (Jihad), destruição física dos infiéis e a internacionalização do Islã e da Sharia. O EIIS recruta jovens radicais por todo o mundo, fomentando a intolerância religiosa, ensinando em seus campos de treinamento a produção de bombas e a utilização de armas. Ali desenvolvem técnicas de ataques terroristas, criando um exército de assassinos suicidas. No fim do treinamento, os sicários retornam aos seus países, prontos para a Jihad: entrar em ação e matar milhares de inocentes. E, infelizmente, os últimos ataques do EIIS à França, Tunísia e Kuwait mostram que o terror está apenas no começo e que qualquer um, em qualquer lugar do mundo, está sujeito a ser estraçalhado num atentado a bomba.

João Timotheo Esmerio Machado revista@mazup.com.br Foto divulgação


o gênero da modernidade NÃO É MAIS SÓ HOMEM VERSUS MULHER. MASCULINO E FEMININO SE CONFUNDEM NA NOVA SOCIEDADE.

Em tempos em quem o amor é líquido, as relações são efêmeras e não somos mais só meninos e meninas, a disputa agora é em cima de um novo conceito social e de como o mundo encara as relações de gênero, sexo e relacionamento. A sociedade contemporânea se depara com novos atores que seguem com as relações de domínio e poder, porém vistas sob um outro olhar. “Eu pago a conta, eu abro a porta do carro, eu lhe trago flores e você é meu homem”. Esse poderia ser um diálogo, escrito às avessas por uma mulher apaixonada que quer ser gentil ao seu macho alfa, invertendo os papéis no que a sociedade considera patriarcal como “normal”. Poderia, mas não é. A sociedade atual desenha novas formas de ser homem e mulher.

Na nova sociedade o mundo se depara com uma diversidade de opções sexuais que vão além do masculino e feminino. A afirmativa do início dessa reportagem poderia ser dita por um dos pares de um casal de homens, mulheres, ou por uma mulher “moderninha” ao seu parceiro. A antropóloga Josiane Abrunhosa Ulrich explica que é pequeno pensar as relações entre masculino e feminino com o olhar do século passado. A sociedade contemporânea é marcada pela presença de homens, mulheres, gays, travestis e simpatizantes. “São novas formas de ser homem e mulher. Não estão erradas nem certas, são apenas escolhas que os membros de uma sociedade contemporânea fazem e por isso precisam ser respeitadas”, declara. Josiane quer dizer que pouco importa quem domina ou quem é dominado. Quem dita as regras e quem obedece. Quem abre a porta do carro ou quem paga a conta do motel. Os novos atores sociais reconfiguram as relações entre homens e mulheres, vice-versa e invertido: homens e homens e mulheres e mulheres.

40

#


Talvez por isso a novela choca. Impacta nos números de audiência da “Vênus Platinada” carioca e faz com que o tradicional se sobressaia. “Mas até quando? É inegável que os direitos sociais das mulheres aumentaram, que os homens percebem essa mudança. Mas a relação entre humanos não está mais só no âmbito do sexo. Transcende, faz com que novas formas de organização familiares surjam e modifiquem nossos conceitos”, comenta.

A antropóloga cita o folhetim das 21h, da TV Globo. Em Babilônia, mais do que uma relação homoafetiva entre duas mulheres está em cartaz: um novo modo de ver a vida. As atrizes escolhidas para dar vida ao casal gay, por si só são grandes nomes da teledramaturgia. Nathalia Tinberg e Fernanda Montenegro representam o posto máximo da profissão que exercem. Já dentro da narrativa fictícia, ambas estão inseridas em posições sociais de prestígio. A empresária poderosa, emergente em uma sociedade patriarcal e a advogada bem-sucedida em um mundo do direito dominado pelas cuecas. “Só isso já é um indício de que a relação entre dominante e dominado está diferente”, acrescenta.

Para a antropóloga, a discussão de quem paga, de quem cuida dos filhos ou quem está por cima quase não mais importa. De acordo com a estudiosa, a discussão de gênero é pequena diante da organização social do século XXI.

Uma nova família Dentro do que a antropologia desenha como uma “nova” sociedade estão também os novos direitos e deveres. Entre eles, a formação da família. Hoje, segundo Josiane, dois homens conseguem ter um filho legítimo por meio da adoção. Há 20 anos, por exemplo, o fato de constituir família se limitava ao registro de um pai ou uma mãe.

paga a conta nesse cenário? Quem abre a porta do carro? Quem é que é cuida dos filhos?”, indaga Josiane. Recentemente, as redes sociais foram palco de uma campanha para incorporar fraldários aos banheiros masculinos. “Por que só as mulheres têm o dever de trocar a fralda dos filhos menores? Quem foi que disse que homem não pode fazer a tarefa?”. São questões abertas para discussão, debate e adaptação. A ideia de gênero é amplificada com a pluralidade de variações na escala entre feminino e masculino. São muito mais do que “cinquenta tons de cinza”. O mundo contemporâneo precisa ser entendido sob o prisma do arco-íris. Para a psicóloga Katia Mantelli, existe uma nova visão de relações entre homem e mulher. Segundo ela, hoje em dia há famílias em que a mulher vai trabalhar fora e o homem fica em casa cuidando dos serviços domésticos e dos filhos. “A percepção de relacionamento ideal, no que diz respeito à organização e sustento, é combinada e harmonizada conforme as necessidades de cada casal. Firmando-se assim, uma espécie de ‘contratos’ entre os casais.”

Atualmente, o estado de direito admite que casais se formem a partir do interesse em comum, - ou amor, como queiram -, e tenham filhos. “Quem é que

41

#


A “luta” continua Desconsiderando a possibilidade de novos “gêneros” formados a partir das orientações sexuais da humanidade, a luta das mulheres pela equidade de direitos continua e avança sobre as décadas. Se nos anos de 1980 o movimento feminista tomou corpo e colocou a cara na rua, na década seguinte e nos primeiros anos do século XXI os papéis se reforçaram. As mulheres disputam palmo a palmo o mercado de trabalho, nas universidades são maioria, mas ainda precisam suplantar tabus de sexo e raça. Quando a etnia entra na roda do debate, uma questão mais pesada entra de sola nos direitos femininos. Há bem pouco tempo, ser mulher e negra poderia ser uma sentença de insucesso na vida. Josiane aponta essa como uma das chagas sociais.

“São novas formas de ser homem e mulher. Não estão erradas nem certas, são apenas escolhas que os membros de uma sociedade contemporânea fazem e por isso precisam ser respeitadas.” Josiane Abrunhosa Ulrisch, antropóloga

42

#

Na visão da antropologia ainda existe preconceito quanto à cor da pele e ao sexo. “Pesquisas revelam que a ocupação profissional da mulher negra é bem diferente do homem branco. Os salários são desiguais, as funções e o status também. Esse é um fator determinante para ser resolvido em uma sociedade que se vê moderna”, pontua. A violência contra a mulher é outro sinal de decadência da visão “moderna”. Cresce a rede de atenção com programas de defesa da mulher e, no entanto, elas continuam gerando estatística de morte e maus tratos: “As mulheres precisam do reconhecimento público, mas com a garantia de seus direitos sociais assegurados pelo Estado”. E o que dizer das mães que não conseguem ver o filho crescer. Trazem à luz a nova vida, mas para prover o sustento a ela, são obrigadas a trabalhar em jornadas gigantescas, deixando os filhos sob os cuidados de terceiros. “Na questão feminista ainda existem muitos hiatos, especialmente nas relações sociais entre homens e mulheres, Estado e cidadão, mercado de trabalho e trabalhador. É inegável que ocorreram avanços significativos nos últimos anos, mas precisamos crescer mais, sem desconsiderar as novas formas de ver o mundo e as novas condições sociais”, complementa a antropóloga.

O erro de tentar ser igual Para o sociólogo César Góes, o maior problema na “guerra dos sexos” entre homens e mulheres está justamente na forma como se coloca a questão. Homens e mulheres são diferentes em sua essência biológica e, por isso, tão somente por isso, jamais serão iguais. Góes fala em equivalência, não igualdade. O sociólogo também troca a expressão “guerra” por dominação. Na visão dele da sociedade, homens e mulheres buscam dominar para não serem dominados, numa relação que começou na antiguidade. As sociedades primitivas tinham na mulher o centro da atenção. Única na capacidade de perpetuar a espécie, ser fêmea na antiguidade era sinônimo de poder. “Diferente do que se vê hoje, as sociedades muito antigas eram


matriarcais, ou seja, mantinham na mulher e no feminino a referência maior.” O sociólogo explica que com o passar do tempo isso mudou. A mulher precisava procriar e cuidar da prole. Nessa reorganização primitiva, as figuras da força e do provedor couberam ao macho. “O homem passou a ser o protagonista por conta de suas características físicas e sexuais. Foi aí que a ideia patriarcal começou a ser constituída, com avanço substancial da evolução da espécie e da própria sociedade”, analisa. Esse poderio masculino levou milênios para se constituir e não pode ser derrubado ou ignorado de um dia para outro. É fato para a sociologia que os últimos 200 ou 400 anos criaram novas relações. Mas é errado tentar igualar a mulher ao homem. “A luta deve estar concentrada na equidade. Não na igualdade. O protagonismo da mulher só pode ocorrer quando ela mesma percebe que é diferente do homem, mas que pode executar as mesmas tarefas”. Da psique, o respeito às diferenças orgânicas e de pensamento são fundamentais. “Essa (diferença) é a essência da vida. É importante destacar que papel cada um tem no relacionamento. São as diferenças que fazem os pares se ressignificarem todos os dias como inteiros e não duas metades”, aponta a psicóloga Katia.

“O homem passou a ser o protagonista por conta de suas características físicas e sexuais. Foi aí que a ideia patriarcal começou a ser constituída, com avanço substancial da evolução da espécie e da própria sociedade”. César Góes, sociólogo

O gênero e o sagrado Embora venha de uma tradição milenar, a Igreja Católica, vertente cristã de onde deriva boa parte das denominações religiosas ocidentais, é um exemplo da disparidade entre o homem e a mulher. Mesmo que um altar católico seja rodeado de santas milagrosas, o poder supremo e a presidência de uma celebração são funções dadas ao homem. O padre Lucas Del’ Osbel recorre à Bíblia Sagrada para tentar explicar essa situação. De acordo com ele, nos tempos de Jesus Cristo, o filho de Deus escolheu 72 pessoas como seus discípulos. No entanto, no fim das contas somente 12 homens ocuparam o posto de propagar o evangelho daquele que veio para a remissão dos pecados.

Segundo o religioso, não há explicação, além de uma escolha pessoal de Jesus, para que seus seguidores - cuja missão foi constituir a Igreja - fossem homens. “Não há uma compreensão sobre o motivo de todos os apóstolos escolhidos em um universo de homens e mulheres tenham sido do sexo masculino”, destaca. Padre Lucas diz que, na época, Jesus já foi “revolucionário”. Perdoou a pecadora do apedrejamento público e abriu caminho para a figura feminina dentro da fé. “É a mãe, a mulher que ensina a criança a rezar. Dificilmente se vê o marido passando a doutrina aos filhos. Em diferentes funções, a mulher também tem a missão de evangelizar. Ela só não teve o privilégio de ser padre”, aponta. O religioso diz que pode ser um plano divino manter a mulher como coadjuvante na vida cristã, para que ela seja protagonista em diferentes frentes de formação religiosa. “O que dizer das irmãs ordenadas que atuam em diferentes espaços sociais? A questão feminina dentro da Igreja é uma polêmica. Mas em compensação, seu papel na evangelização é extraordinário, na comunidade”.

43

#


Homem, mulher – mulher, homem Aos que têm um pouco mais de 30, Roberto Carlos, ao menos uma vez, em um especial de fim de ano, cantou Cavalgada. Na letra em que disfarçadamente o cantor narra um ato sexual que atinge o ápice quando as “estrelas mudam de lugar”, no auge dos anos 1970, quando o feminismo estava prestes a eclodir, o “rei” deixava claro que pouco importa quem domina. No trecho “(...) sem me importar se nesse instante, sou dominado ou se domino. Vou me sentir como um gigante, ou nada mais do que um menino”, Roberto Carlos deixa claro que na hora “H”, homem e mulher se fundem em um só. É nessa hora que, nas relações sadias, cai a máscara do machismo, o sutiã do feminismo e o prazer predomina. Nessa busca de equilíbrio, ninguém precisa ser dominante ou dominado de outro gênero, quando o objetivo é comum. A antropóloga Josiane Abrunhosa Ulrich explica que esse seria o pensamento mais ajustado com o tempo atual. Existem, sim, negligências e a letargia de um estado de direito que não assegura

44

#

a mesma cobertura a indivíduos de sexos diferentes. No entanto, para a estudiosa, o feminino avança em uma cabeça fresca, aberta ao novo e sem preconceito. “Nós (mulheres) contabilizamos avanços significativos na construção da sociedade. Mas não precisamos nos travestir de homem para sermos mulheres”, define. E mesmo que alguns homens ainda cultivem uma visão “machista” da relação repleta de autoritarismo, a maioria, de acordo com a psicóloga Katia, já percebe, entende e olha para a mulher respeitando-a e dando liberdade para escolher o que quer e como quer viver em todos os momentos sua vida. “Essas questões aparecem muito pouco no consultório. Percebo que as pessoas buscam criar experiências e descobrir questões que levam a evolução do corpo e da alma”, complementa.

Rodrigo Nascimento revista@mazup.com.br Fotos divulgação





coluna do lucas

Vai, não se esconde, vem pro Sapabonde! A música brasileira possui muitos ícones gays. Renato Russo, Cássia Eller e Cazuza, por exemplo. Não é diferente com a música pop internacional. Ouça Elton John, Adam Lambert , Sam Smith ou mesmo a drag queen Adore Delano, revelada no RuPaul’s Drag Race - aliás RuPaul é um ótimo outro exemplo.

Nesse sentido, o cenário musical no Brasil é bastante democrático. Em meio aos nomes emergentes, se destacam o matogrossense Nader Assaf e a Sapabonde, gurias de Brasília. Hoje analisando a hipótese de contratar produção para a organização da agenda, as meninas da Sapabonde constatam o sucesso de uma ideia que surgiu despretensiosamente há alguns anos, na época em que elas adaptavam letras de funks, acrescentando simbolismos da cultura lésbica aos hits do momento, por diversão. O funk carioca, atualmente disseminado por todo o mundo, serve para a Sapabonde demonstrar, por meio de letras muitas vezes irreverentes, um pouco do que existe

48

#


dentro do complexo universo do “L” da sigla LGBTT (indicativo de lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais e transgêneros, em português). Defendendo a proposição de que o funk encarna o ideal de libertação do corpo, por meio de movimentos sensuais e coreografias ousadas, Carol Bitch, Luara Marola de Fogo, Nina Afetasmina e Tava G., ao serem questionadas sobre o lugar delicado de transitar em meio ao movimento feminista e o machismo presentes na sociedade brasileira, são categóricas na resposta: “O funk permite a experimentação. Durante toda a vida as meninas são educadas ouvindo que devem ser comportar dentro de um padrão estabelecido e tido como correto. O funk é a liberdade. As garotas podem ser empoderadas pelo corpo, mas jamais objetificadas por ele”. Na formação original, o grupo contava com nove membros. Hoje se apresenta com quatro. Segundo a Carol, o bonde representa um referencial para a cultura lésbica que não existia, por exemplo, quando ela era adolescente. Entre os objetivos do quarteto, está ajudar as mulheres a se libertarem dos padrões heteronormativos ligados ao corpo.

Aos poucos conquistando espaço, o Sapabonde acredita que o preconceito ainda permeia a sociedade em vários aspectos e isso pode ser demonstrado por meio de pensamentos machistas, misóginos e transfóbicos, com os quais frequentemente nos deparamos. Nesse sentido, a gente ainda tem muito caminho pela frente, segundo o pensamento das garotas. Ao cantar, expondo as ideias utilizando um recurso com forte teor crítico como o funk -, a Sapabonde dá voz às quatro meninas e a milhares de pessoas que tentam, diariamente, fazer com que suas vozes sejam ouvidas.

Lucas George Wendt gosta do que está entre aspas e além das reticências, das batidas da música, das cores, do movimento e das letras. Foto Irene Egler/Sapabonde

49

#


Verdades discUTĂ?Veis


A revanche

Sou professor e historiador de formação. Mexo com ensino de História e Ciências Humanas há mais de 20 anos. Como pesquisador, reviro arquivos, jornais e documentos, procurando explicações de variados comportamentos sociais no lodo da história, buscando sempre a realidade dos fatos. E é isto que faz a vida de um historiador difícil: procurar por uma verdade. Esta é uma busca inglória por uma simples razão: não existe uma verdade única para as coisas e nem para nada. E algumas destas verdades podem ser perturbadoras.

No dia 27 de junho, a Seleção Brasileira foi eliminada da Copa América 2015 pela Seleção do Paraguai. Os jogadores paraguaios comemoraram a vitória de forma eufórica. E tinham motivo: a equipe tinha derrotado os brasileiros, os genocidas da sua nação, aqueles que 150 anos atrás – junto com os uruguaios e os argentinos – queimaram todas as cidades do país e mataram 80% da população produtiva, lançando o Paraguai em um caos econômico e social eterno e sem solução.

matança desenfreada para a desforra e a vingança. A explosão de violência da Guerra do Paraguai foi o resultado final de mais de 200 anos de disputas e ressentimentos provocados por guerras coloniais de fronteira, no fim do mundo lusocastelhano.

A Guerra do Paraguai – aquele conflito heroico que conhecemos nos livros de história e, na qual, a Tríplice Aliança, formada pelo Brasil, Argentina e Uruguai, se lança em combate contra o facínora ditador e sanguinário Solano Lopes – só existe nos livros do Brasil.

Mas onde mora a verdade desse conflito? Na realidade, todas as visões dessa guerra brutal são verdadeiras. Não há um consenso, uma resposta única. Na realidade existem diferentes, porém verdadeiras, versões dos fatos. Sabemos que as afirmações de soldados brasileiros massacrando civis, do exército paraguaio invadindo cidades brasileiras, argentinas e uruguaias da fronteira, são verdadeiras. Da mesma forma que Solano Lopes não era santo e que o Exército Imperial do Brasil matou crianças e violentou milhares de paraguaias são fatos indiscutíveis.

Como em qualquer guerra, o conflito que destruiu o Paraguai entre 1865 e 1870 foi violento, sujo, desumano, indecente e feroz. Milhares de combatentes castelhanos e brasileiros partiram para um festim sanguinário, uma

E esse não é o único fato histórico que, aparentemente, é discutível. Podemos citar centenas de meias verdades históricas, que embaçam nosso conhecimento sobre a trajetória da sociedade humana neste planeta.

51

#


Basta analisar, por exemplo, os motivos e argumentos dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki, quando analisados por norte-americanos, japoneses e soviéticos. As alegações desse cruel ataque terrorista estatal são muito variadas. Os yankees alegam que o bombardeio atômico das cidades japonesas foi uma forma rápida de forçar os japas a rendição. Os militares americanos acreditavam que um desembarque e combate no Japão custariam a vida de um milhão de soldados e civis para ambos os lados. Os japoneses, por sua vez, viram como um ato de terror e covardia, pois seu país estava destroçado pelo conflito e prestes à rendição. Já os soviéticos entenderam que os ataques atômicos a Hiroshima e Nagasaki foram a forma que os americanos tiveram de tentar intimidá-los, mostrando que os Estados Unidos tinham poder bélico para destruir a União Soviética. O que podemos afirmar, com certeza, é que os três – russos, japoneses e americanos – estavam certos nas suas afirmações. Os pontos de vista diferentes são o resultado de vivências diferentes.

52

#

O macro e o microcosmo Para compreender a trajetória humana por este planeta – seja em um macrocosmo ou microcosmo – é necessário se ter consciência de que não existe uma explicação única para algo. Por isto, para chegarmos perto daquilo que chamamos de verdade, necessitaríamos perceber e compreender todas as

faces dos problemas ou todos os caminhos históricos que levaram a construção do indivíduo. A verdade é que, o que nós somos, nossa aparência física e nosso formato psicossocial é o resultado final do caminho que cada um traçou neste plano da existência. Somos as somas das nossas experiências e vivências. A grande verdade é que cada um constrói a sua verdade.


e mães preferem acreditar que, a culpa de ter um filho drogado não é deles e, sim, das más companhias. Da mesma forma que preferem crer que sua filhinha amada casou virgem aos 30 anos ou que o responsável pela reprovação no Ensino Médio do filho caçula (aplastado) é de algum professor. Esse mecanismo social funciona assim: uns fingem que comandam, outros que ensinam, outros que aprendem, outros que controlam, outros que obedecem, outros que rezam, outros que são honestos, outros que policiam, outros que não bebem e todos ficam felizes, pois acreditam no fingimento e na mentira.

Já falamos um pouco de verdades, mentiras e macrocosmos – a Guerra do Paraguai –, mas para entender o impacto daquilo que se chama verdade no indivíduo, necessitamos analisar o microcosmo que nos forma: a família.

Essa questão da mentira e da sua aceitação coletiva passa inclusive dentro das salas de aula. Mal pagos, muitos professores se recusam a fazer pesquisas e a preparar aulas. Jogam os livros didáticos defasados ou uma bola na frente dos alunos e aí, eles que se virem. Assim professores fingem que ensinam e os alunos fingem que aprendem, enquanto os pais fingem que se preocupam e a direção finge que controla.

O núcleo familiar brasileiro lida muito mal com a verdade. Seus membros, muitas vezes, preferem a mentira alentadora ao fato devastador. Pais

São essas estâncias do fingimento que fazem com que prédios desabem, pessoas morram por erro médico, malucos roubem os cofres

A mentira, a verdade e a família

públicos. A mentira é a base de todas as desgraças brasileiras, que infestam esta sociedade mentirosa, causando doenças, mortes e sofrimento a todos nós.

A morte da verdade Mas existe um problema muito sério nas nossas absolutas verdades como seres humanos. Como tudo na vida, as convicções também morrem. E com elas, a verdade pode sucumbir dentro de cada um de nós. Esse é um dos grandes desafios dos pais e mães da atualidade: não matar a verdade perante seus filhos. Vou me fazer mais claro... Vivemos em uma sociedade na qual as informações e conhecimentos estão disponíveis a todos, independente de posição social, idade, gênero, religião ou raça. As crianças do meu tempo tinham nos adultos – da família ou da escola – os mestres que orientavam suas vidas. Os jovens de hoje são muito diferentes, pois eles são autodidatas, tendo as informações disponíveis na internet ou na televisão. E, como é indiscutível que nenhum ser humano sabe mais que o Google, o conhecimento adulto se tornou “discutível”.

53

#


Testando a verdade dos pais Na realidade as crianças de hoje, muitas vezes, quando perguntam algo ao pai ou à mãe, estão apenas testando os adultos para ver se eles sabem do que estão falando. Caso a informação que parta dos coroas esteja errada – como dizer e afirmar que “o pipoqueiro vende maconha” ou “a cegonha te trouxe” – a verdade morre na relação pais e filhos e a confiança acaba. Outro problema da morte da verdade é a desconstrução histórica que pode ocorrer no indivíduo. Ela é uma sensação esquisita da falta de base, de fundo, de chão e de referência. Uma destas dolorosas (possíveis) verdades é a definição de gaúcho. Todos os rio-grandenses se consideram gaúchos e se orgulham disto. Mas existem diferenças entre ser gaúcho e rio-grandense. Gaúchos são homens que nasceram no pampa e vivem das lidas do gado. Rio-grandense é quem nasce no Rio Grande do Sul. Ou seja, nem todos que nascem no Rio Grande do Sul são gaúchos. Quem nasce


– por exemplo – nas serras do RS é rio-grandense serrano. E quem nasce nos Vales é rio-grandense dos vales. Logo, gauchismo está ligado a uma forma de viver das pessoas das grandes planícies abertas, onde os homens viviam montados em cavalos e da lida dos gados. Então, gaúchos são os que nasceram ao sul do Rio Jacuí. Se você nasceu no Vale do Taquari, sinto lhe informar, você – por definição – não é gaúcho.

Vidas medíocres Acreditamos ingenuamente que somos conhecedores do cosmo e dos vários mundos que nos cercam. Esse sentimento é um enorme engano. Possuímos uma modesta compreensão distorcida das nossas medíocres vidas. É difícil para nós entendermos, mas vários mundos nos cercam e cada um deles tem sua forma de compreender as coisas e os comportamentos humanos. Chamamos estas instâncias de esferas de conhecimento. Assim, cada setor da sociedade, grupo social, organização, local, família e religião possui organizações e verdades próprias, no que diz respeito ao entendimento das coisas e da vida.

O grande conflito ocorre quando confundimos as esferas de conhecimento e colocamos as verdades de cada uma delas sobrepostas às outras. Por exemplo, o que aprendemos na igreja sobre os milagres de Cristo: para a Ciência Histórica, tais fatos simplesmente não aconteceram por intervenção divina, e sim, por ação humana.

científicas dentro da academia, instrumentalizadas pela Teoria da Evolução de Charles Darwin e, concomitantemente, frequentar religiões que acreditam que Deus criou o universo e tudo que conhecemos em um sopro divino. Sem choque. Sem crise.

Para as Ciências Humanas, quem transforma água em vinho ou caminha sobre as águas é considerado ilusionista ou mágico. Até porque, para muitos humanistas, a existência de Deus é discutível. A verdade acaba destruída quando confundimos as esferas de conhecimento. A coisa funciona assim: não existe cabimento discutir dentro do espaço religioso a Teoria da Evolução, de Charles Darwin. Esse embate fora do espaço acadêmico não tem sentido e a única utilidade que existe nessa ação é causar dor e frustração nos frequentadores do templo.

João Timotheo Esmerio Machado revista@mazup.combr Imagens modificações sobre as pinturas A Criação de Adão, de Michelangelo, Família Sagrada, de Giorgio Vasari, e Batalha de Avaí, de Pedro Américo

O que precisamos entender é que o ser humano é multifacetado, podendo migrar de uma esfera de conhecimento para outra, sem traumas, dilemas éticos ou crises morais. Assim, por exemplo, podemos desenvolver teorias

55

#


conversa casual A mão do morto Longe daquela meia luz tremeluzente que, sobre a mesa, dava os ares de um palco ou coisa parecida, a cantoria não soou bem. Parecia deboche. Na mesa, além dele, ainda havia três jogadores. O chorão, o espertinho trapaceiro e o silencioso.

E foi justamente esse último sujeito, posicionado ao seu lado, exatamente o mais próximo à sua esquerda, que demonstrou reprovar a cançãozinha improvisada: - And I love you, I love you, I love you / Like never beforeee. Ele não se importa. Continua cantando: - And the songbirds keep singing / Like the know the score / And I love you, I love you, I love you / Like never before, like never buuuufóooore. A forma como canta “before” é uma tentativa de imitar o sotaque de Willie Nelson em Songbird. Ele chega perto: - Buuuufóooore. O cigarro do sujeito pende no lado esquerdo da boca prestes a despencar. E cai toda vez em que ele fala de uma forma descontrolada (em um tom sussurrado): - Cara! Não vai pegar as tuas cartas? Ele pensou “Hummm, esse idiota

56

#

fala!“. Olha fixamente para a figura. No rosto, um sorriso cínico e controlado: - Claro! Só se for agora - responde de bate pronto. Então posiciona a sua fração correspondente do baralho entre ambas as mãos e aos poucos vai desvelando a mágica. Os dedos próximos ao rosto e as cartas bem à frente dos olhos. Eis que surgem dois ases negros, dois oitos negros e um valete de paus. Esbugalha os olhos. Era a “Mão do Morto”, famosa combinação de cartas que o pistoleiro de aluguel Wild Bill Hickok tinha em suas mãos quando foi assassinado com um tiro pelas costas por um tal de Jack McCall, num Saloon de Deadwood, Dakota. Premonição? Ele conhecia essa história desde os onze ou doze anos. Guardara a vida toda entre suas coisas uma

HQ do Ken Parker que narrava esse episódio. A Balada do Pistoleiro, esse é o título do gibi. Inicialmente enxerga essa coincidência como um bilhete premiado. Tipo uma boa história pronta pra ser escrita. Pensa em diversas situações que aparentemente não tem a ver com essa. Um desenho incrível de uma mulher nua, aprisionado no escuro de uma gaveta. A declaração de amor


que ainda não foi dita. A mente dele voa como um supersônico. Do lado de fora, pela janela entreaberta às suas costas, sente o cheiro de grama cortada. Então se lembra do livro que encontrou na lata de lixo e das respostas nunca respondidas durante a leitura. Não que buscasse alguma droga de livro de autoajuda. Bem pelo contrário. Por isso, resolve não brincar com

aquela combinação histórica. Troca o valete de paus. A nova carta que chega é parecida com a que foi descartada: outro valete, só que de copas. Sorri. A “mão” do jogo é dele. Sente isso. Aposta metade das fichas. O lance de esboçar um sorriso à lá Paul Newman em Golpe de Mestre parece ter impressionado metade da mesa. Dois jogadores caem fora. Resta o silencioso homem da esquerda. Então, uma a uma, coloca as últimas cinco fichas no tablado. Fica encarando o valete. Por uma fração de segundo imagina a carta como um organismo vivo. “Apenas um ganha o jogo”, ouve essa frase com muita clareza. Vinda do nada. Talvez fosse o valete de copas falando com ele. Escuta o último aviso: “Muitos já tentaram. Poucos se deram bem”. A carta continua se comunicando. Olhando o oponente com desprezo, resolve pagar pra ver. Lembra que se esqueceu de fazer uma oração aos deuses da luxúria. BANG! Um estrondo de arma de fogo eclode bem atrás da sua cabeça.

Márcio Grings é escritor, jornalista e radialista. Esta e outras histórias leia no blog do cara: portalbei.com.br/grings Foto Fernando Mafra/Flickr


DESABAFO Transcender, eis o desafio Quando a necessidade de superar a si mesmo bate na porta, é inevitável: sempre rola aquele sentimento de descrença, não importa o quão positivos sejamos. É natural, afinal, estamos lidando com algo ainda desconhecido, a ser explorado enquanto deixamos nossos medos e inseguranças para trás. Transcender não significa, necessariamente, avançar ou se encontrar. Entenda: voltar a velhas crenças e testar novas, por não saber mais no que acreditamos, também é caminho. Quem considerar isso um erro, por favor, retorne à casa anterior – rsrsrs, o trocadilho foi mais forte, gente! Já “debutamos” e – que a modéstia foda-se, fodase, foda-se (leia cantando o hit do MC Moisés – nossa

58

#

edição 15 foi sensacional! Quem leu Vendados pelo modismo entenderá. Foram quilos e litros de conteúdos que agregaram, sobre impeachment, corrupção, preconceito... Novamente, o questionamento “como superar” a qualidade e o aprofundamento das pautas anteriores nos alcançou e, por mais que o processo de planejamento e produção de cada edição seja cíclico, nunca parece que estamos pisando no mesmo lugar. Logo, falar sobre os inconformados com padrões culturais da sociedade – os alternativos – que procuram transformar o mundo a partir dos seus próprios mundos, fez muito sentido. Afinal, quando assunto é mudar hábitos, consumos e desperdícios ou repensar o próprio “eu”, antes tarde do que mais tarde.

Como Paulo Leminski um dia escreveu: “Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além”. Vamos, para o alto e avante!

Kelly Raquel Scheid kelly@mazup.com.br Foto divulgação/David Talley




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.