Guia do Design Brasil no Mundo - Revista Tutti Condomínios nº 12 (fev/mar 2014)

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guia do

DESIGN Brasil no Mundo

Tudo é design da lancheira de plástico da escola primária ao carregador do seu iPhone, tudo foi devidamente pensado antes da fabricação

MADEIRA

As últimas tendências do material mais apreciado da natureza

Eco ou Techno Ecologia e tecnologia a serviço do design


Capa: cadeira WaterTower da Bellboy, concebida pelo designer norteamericano Mat De Scroll, é feita de pedaços de madeira reciclada de uma antiga caixa d’água no bairro do Brooklyn, em Nova York cadeira: Mat De Scroll foto: Joshua Dalsimer contato: info@bellboynewyork.com

Sem clichês Por Rê Fernandes refernandescor@uol.com.br

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assei alguns anos dando aulas de história do design na faculdade, embora essa não seja minha especialidade. Gosto mais da mão na massa, de promover oficinas, trabalhar o projeto, avaliar as ideias e, principalmente, de me ocupar das cores, minha grande paixão. Entretanto, o conteúdo deste guia me encanta à medida que foge dos clichês sobre a evolução histórica e promove um ‘descanso’ merecido à Bauhaus, escola alemã considerada um marco da atitude projetual do design no mundo. Filha da revolução industrial, essa escola decretou o fim das peças únicas e dos detalhes considerados desnecessários e criou o binômio forma X função. Assim, a arquitetura, o mobiliário, os objetos de decoração, utensílios domésticos, vestuário e até mesmo obras de arte (que passam a ser reproduzidas em escala) recebem uma nova ótica de avaliação embasada nas leis da Gestalt, a teoria da percepção da forma. Simplicidade, regularidade, fechamento, simetria, pregnância passam a ser conceitos

dominantes e sofisticados ao longo no século 20. Somente no final dos anos 90 é que outras questões passam a criar novos enfoques. A ecologia, aliada a uma demanda estética libertadora, vem traçando novos rumos para o design no mundo. A premissa de Bruno Munari, designer e arte-educador italiano, expressa em seu livro Das Coisas Nascem Coisas, parece fundamentar melhor o belíssimo material mostrado neste guia elaborado por Marcelo Gimenes, designer piracicabano radicado na Holanda. Suas escolhas de imagens e produtos, que considera ser o caminho atual do design denotam seu olhar ao mesmo tempo criterioso e livre, aberto para os movimentos da atualidade. É com conteúdos como este que a Revista Tutti Condomínios reafirma sua função jornalística de qualidade e bom gosto, o que faz com que seus leitores fiquem cada vez mais bem informados e exigentes. Texto e imagens aqui se complementam e nos brindam com aspectos inovadores e deliciosas tendências do design atual que, felizmente, não são dogmas nem regras.

Rê Fernandes, piracicabana carioca, é designer, arte e cineeducadora, autora de inúmeros projetos e artigos, professora universitária , é autora do livro Da Cor Magenta – Um Tratado Sobre o Fenômeno da Cor e Suas Aplicações. 2


O que é design? De (fora) signum (marca, sinal). A palavra inglesa deriva do latim designare, que significa ‘projetar como um todo’. Do italiano indica ‘esboço, desenho, plano ou projeto’. Desenho no uso mais genérico e projeto quando associado a um método de trabalho. Design, portanto, é uma atividade projetual responsável pela estrutura estética e funcional de um produto para sua fabricação em série. Tudo é design. Da lancheira de plástico da escola primária ao carregador do seu iPhone, tudo foi devidamente pensado antes da fabricação. Também um cesto de vime, um pregador de roupas, aquela capinha para botijões de gás cuidadosamente desenvolvida em crochê, seu carro, sua bicicleta, seu refrigerador, sua escova de dentes, enfim, tudo tem um desenho, uma estrutura estética, uma função e um objetivo.Design é emoção, carrega em si os valores culturais de uma sociedade e reflete suas preferências e necessidades. Design vai além da estética. Faz parte da herança cultural de uma sociedade e de sua evolução. Relativamente novo, o design brasileiro ganha cada vez mais espaço em nível internacional, sombreando pouco a pouco a genitora do design: a querida Itália. Nomes respeitados e produtos de alto nível fazem do Brasil 2014 o país do novo, do inusitado, da criatividade. E design tem tudo disso. Se em tempos remotos passávamos horas espiando por cima do muro, apreciando o quanto

a grama do vizinho era bela, hoje é aqui no Brasil que se produz a mais verde de todas. Com uma população criativa, jovem e a procura de novas fronteiras, o Brasil se estabelece no mundo do design internacional e inicia uma nova etapa em que a herança cultural se espalha pelo globo, levando para longe nossa visão da sociedade no mundo em que vivemos. •

Design é emoção

Árvore Generosa designer: Pedro Useche

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Entendendo o futuro Ele está à nossa volta e não à nossa frente Tendência é o que ainda está por vir, o que ainda não é. Mas o que são tendências e como elas se originam? Tendências são expressões de nossas necessidades básicas adaptadas ao nosso meio ambiente, à época em que vivemos e à forma como vivemos. Como essas necessidades se expressam depende dos recursos que não

(como por meio da pesquisa de preços pela internet), abrindo assim espaço para uma nova tendência (lojas virtuais e compras on-line). O homem se deixa influenciar e acolhe ideias novas a cada momento. Tudo tem seu ciclo. Tudo se transforma e se reinventa. Uma tendência nada mais é que a

são disponíveis, como, por exemplo, tecnologia, desenvolvimento social e cultural, liberdade de expressão, conhecimento etc. A necessidade nasce com o desenvolvimento do ser humano. Quanto mais recursos, maior a possibilidade de expressão e, por conseguinte, mais forte a tendência.

análise do meio ambiente e da sociedade em que vivemos. Toda tendência, seja ela política, social ou artística, é baseada no que está acontecendo e não no que pode estar por vir. O presente é tudo o que necessitamos para ver o futuro. Tudo está conectado. Toda ação causa sempre uma ou mais reações. Um país rico em recursos sociais e culturais se expressa de forma direcionada, criando a necessidade de novas ideias para atingir novos objetivos. No mundo do design não é diferente.

Fazendo as contas Um avanço tecnológico cria uma necessidade básica (o uso frequente do computador) que se expressa de uma nova maneira

Cadeira Bristle e jogo de talheres Satae, Francis Bitonti Studio; Mesa: Nucleo Wood Fossil, Gabrielle Ammann Gallery.

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Vestido: Luke Libermoore.

Os prognósticos de tendências ditadas pelos gurus internacionais são nada mais que observações críticas de uma sociedade e seus recursos. A crise mundial abre espaço para novas tendências, como o regionalismo e o aquecimento global, que agita o mercado de orgânicos. Assim se faz as tendências e preconizá-las nada mais é que analisar nosso dia-a-dia e nossas necessidades. •

O presente é tu do o qu e nec essitamos para ver o fu tu ro 5


Eco ou Techno? Uma tendência mais qu e nec essária No palco do design dois protagonistas distintos se destacam: a natureza que deve ser preservada e, sobretudo, protegida, e o progresso tecnológico avançando com novas técnicas, propiciando a criação de novos materiais.

bilidades. De outro lado, prolongar a vida tem seu lado funesto. Com a perspectiva de uma vida mais longa e mais saudável, o aumento da população é fato incontestável e apresenta um quadro menos positivo para o futuro da humanidade.

Cada movimento novo das tendências mundiais que se apresentam tem, em sua essência, uma dessas direções. Chegamos a um ponto de bifurcação e entendemos como seres vivos dependentes do meio ambiente, que salvar a natureza do desastre não só é nosso dever como filhos da Terra, mas também pelo simples fato de dela depender nossa (possível) futura existência. Mas nem todo mundo está preparado para o aconchego agrário, nem tampouco se emociona com a perspectiva de uma vida verde, sem radiações de wifi com a ausência da tecnologia de massa e seus estragos. O progresso vicia e nos promete vida longa. Os avanços na tecnologia e na medicina chegam a ser tão futuristas que a concepção de uma vida média de 100 anos já não é tão sci-fi como se acreditava nos anos 80. Dentro de relativamente pouco tempo, o ser humano será capaz de imprimir órgãos vitais em impressoras 3D prontos para transplante.

A natureza ainda tem seus limites e já não é mais possível viver cada dia como se fosse o único sem se responsabilizar pelo que acontece à nossa volta. A mentalidade carpe diem tem suas desvantagens e, sobretudo, um preço cada vez mais alto.

A extensão da vida biológica traz consigo a perspectiva de uma vida com mais possi6

A tecnologia ajuda na preservação da humanidade, mas depende dessa mesma humanidade a preservação da natureza, sem a qual qualquer forma de tecnologia se torna obsoleta. Nesse vai e vem de tecnologia e ecologia, designers abraçam novas técnicas e desenvolvem projetos fantásticos. Francis Bitonti Estúdio colaborou com Michael Schmidt Studios e Shapeways para criar um vestido 3D impresso, totalmente articulado, projetado especificamente para Dita Von Teese. O vestido tem cerca de 3.000 juntas articuladas únicas e é adornado com mais de 12 mil cristais Swarovski. Definindo a linguagem visual e formal para a nossa geração, Francis Bitonti Studio usa uma mistura única de técnicas de computadores e tecnologias de fabricação de ponta. Ao mesmo tempo, a mes-


O tapete Broinha da designer Cláudia Araújo, é produzido a partir de fibras de rama, um material descartado pela indústia têxtil. Matéria-prima inteligente e feito a mão, o produto não desperdiça recursos naturais e respeita o meio ambiente

Vestido: Francis Bitonti Studio Foto: Albert Sanchez

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ma tecnologia suporta e dá vazão às ideias geniais da arquiteta mais inovadora da galáxia, Zaha Hadid. O superyacht da Blohm + Voss , projetado por Zaha Hadid, é a perfeita apoteose da tecnologia e criatividade. Com 128 metros, a mother ship (nave mãe), como é chamada, agrega os mais recentes avanços de design digital e técnicas de fabricação dentro do paradigma de parametricismo (um estilo emergente, que é baseado no projeto computacional avançado e técnicas de animação digital para criar visualizações digitais e desenhos) e, francamente, dispensa comentários, afinal, navegar nunca foi tão preciso. •

Nesse vai e vem de tecnologia e ecologia, designers abraçam novas técnicas e desenvolvem projetos fantásticos Blohm+Voss/Zaha Hadid Project

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Madeira O m ilag re n a tu ral

Avançamos a passos largos rumo a um futuro digital, robótico e sem fio, expressando nossa necessidade de evolução como seres inteligentes e, ao mesmo tempo, ainda nos arrastamos na pré-história, desequilibrando nosso habitat à procura da fórmula perfeita para nossa subsistência.

miseta feita em Bangladesh, vendida a uns míseros três euros, não pode ser fruto de trabalho digno, tampouco adulto. Um móvel feito a partir da madeira extraída ilegalmente da mata responsável pelo oxigênio do planeta passa a ser também nossa responsabilidade e não só dos produtores. Designers e a indústria se unem a favor do meio ambiente, e móveis e pisos de madeira passam a ser concebidos a partir da matéria-prima e de suas origens. Reciclagem ganha status e o que seria lixo vira luxo.

Dessa necessidade evolutiva nasce, por consequência, a revalorização de produtos naturais com certificados de origem, cultivados e colhidos em harmonia com o meio ambiente e com respeito aos produtores. O consumidor assume cada vez mais sua posição de responsabilidade, se preocupando em se aprofundar na origem dos produtos que adquire. Uma caCadeira: Arne ter Laak Foto: Ellen Mandemaker

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A cadeira WaterTower (foto da capa) da Bellboy, concebida pelo designer norte-americano Mat De Scroll, é feita de pedaços de madeira reciclada de uma antiga caixa d’água do bairro do Brooklyn, em Nova York. Em 2008, o brasileiro Carlos Motta desenhava a cadeira Radar, construída em peroba-rosa de redescobrimento, especialmente desenvolvida para a exposição Used and Reused Wood, que aconteceu em Nova York, em setembro de 2010. No Brasil, essa tendência se aperfeiçoa nos pisos exclusivos e internacionalmente famosos da Indusparquet que, há mais de 40 anos, é considerada líder no segmento de pisos de madeira maciços proveniente de florestas manejadas, respeitando os aspectos ambientais, sociais e econômicos. Presente em mais de 20 países, a empresa é reconhecida mundialmente pela qualidade dos pisos e pela preocupação com o meio ambiente. Com essa sabedoria, o consumidor e a indústria reforçam a tendência ecológica em que a preocupação está na origem do produto e não no seu preço final. Uma tendência que se faz presente em diferentes países, em classes sociais distintas e sem restrições.•

Cadeira Radar, de Carlos Motta

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Piso rústico de madeira nobre da brasileira Indusparquet; tratamento manual garante um aliança harmônica entre o visual antigo e a qualidade de um piso de madeira maciço (www.indusparquet.com.br)

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Digitalmente luxuoso O novo ru mo da exclu sividade Se depender das profecias dos gurus internacionais, depois de alguns anos na escuridão dos cinzas devido à persistência da crise econômica mundial, os interiores do futuro próximo serão em cores. A tendência se espalha numa velocidade notável pelo planeta, colorindo todo o cinza e acrescentando têxteis à decoração como nunca antes. Tecidos voltam a adornar a decoração de interiores modernos, em que o uso de têxteis até então estava praticamente extinto. O retorno dos tecidos nobres, como a seda e a lã, promete uma mudança radical nas tendências dos próximos anos. A valorização dos produtos feitos à mão e de materiais de luxo, a preços e tiragem exclusivos, cresce a cada dia como que numa tentativa desesperada de individualização do consumidor. Com a padronização mundial dos centros comercias e das lojas de departamentos, o consumidor, para se sentir exclusivo e individu- alizar seu estilo, necessita de muita atenção e tratamento especial. Se até mesmo uma multinacional, produtora em massa número 1 como a Coca-Cola, oferece padroniza12

ção de seu produto – seu nome na latinha – é sinal de que essa tendência vem pra ficar. Um novo grupo aponta no horizonte, oferecendo design sob medida: os designers haute couture oferecem luxo sem restrições e sem modelagem. Nada de superprodução, produção em massa ou materiais inferiores. Cada objeto é único e desenhado especialmente para o cliente. Papéis de parede e tecidos pintados à mão ou simplesmente papel de parede customizado, em que a estampa é aperfeiçoada para o espaço decorado. Com a popularização de técnicas de impressão, são infinitas as possibilidades para a execução de projetos diferenciados e únicos, sem a necessidade de estoques e com uma pegada ecológica menos agressiva. A holandesa Snijder&Co apresenta coleções inspiradas na natureza com ares de modernidade. Os desenhos são em cores fortes contrastando com o fundo branco. O uso de sombras e a alta definição da impressão garantem o efeito hiper-realista e moderno. Os dessins são disponíveis em painéis de 3x4 metros, mas podem ser adaptados e personalizados de acordo com o ambiente. •

Almofada, pratos decorativos e papel de parede da snijder-co.nl


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Os fantásticos anos 50 Quando a qualidade fala mais alto Após a Segunda Guerra Mundial, o foco era crescer. Crescer e reinventar. A indústria oferecia o que havia de mais moderno à dona de casa moderna, e esta, em êxtase, se familiarizava cada vez mais com a ajuda dos eletrodomésticos que, pouco a pouco, invadiam seu dia-a-dia. A tecnologia chegava para nos livrar de todo excesso de trabalho manual. Com o desenvolvimento da indústria e com um continente a ser reconstruído, os anos 50 do século passado deixaram sua marca no mundo do design. Com a possibilidade de produção em massa, os anos 50 são o exemplo de progresso. A supervalorização do instituto familiar, o posicionamento da mulher como dona de casa feliz em servir, filhos educados, pais competentes e trabalhadores e família feliz acrescentam romantismo e moralidade a um tempo marcado pelo moderno. Os designers Charles e Ray Eams são exemplos transformadores da época. Seus móveis

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são até hoje sinônimo de qualidade, luxo e, sobretudo, de bom gosto. Seus modelos ainda são mundialmente comercializados a preços ainda restritos aos ‘poucos e felizes’.

No cenário atual, os anos 50 trazem à tona todo o romantismo e positividade de uma década marcada pela reconstrução da economia mundial e do posicionamento da família como centro da sociedade.

A tendência vintage é, portanto, uma resposta lógica ao cenário político e econômico atual, com a nostalgia dos anos 50 e sua promessa de tempos melhores. Afinal, em tempos incertos, o certo mesmo é procurar por certezas. E para isso nos valemos Cabideiro Loose de Jader Almeida; Vazos e luminária vintage; mesa Fifties de Guilherme Torres


do passado, quando tudo supostamente era bem melhor. Essa tendência não se restringe somente ao design vintage. A nova geração de designers e fabricantes se rende ao estilo, às linhas elegantes e à qualidade dos móveis dessa época que trazem consigo um misto de segurança e certeza, baseados na memória coletiva de um tempo positivo, de grandes empreendimentos, de reconstrução e de progresso. E é exatamente disso que a humanidade necessita neste momento. •

Lounge chair de Charles e Ray Eames na sala de estar da Eames House em Los Angeles (www.hermanmiller.com)

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