The Untold History

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THE UNTOLD HISTORY CAPÍTULO 01 – ONDE TUDO COMEÇA A história a seguir se passou há muitos e muitos anos, numa região feudal atualmente chamada de Japão. Naquela época, a região era dividida em cinco províncias, das quais quatro eram duramente governadas pela província central, Hikariomotsu. Enquanto esta era provida das mais avançadas armas e técnicas de plantio, comércio, etc., as demais províncias eram fadadas a uma vida de pobreza e lamento. Tal situação já se arrastava por décadas, sem nem ao menos o povo compreender o que os levou a tal realidade. A província mais ao norte da região, denominada Sakurajima, era conhecida como a “Província do Fogo”, pois durante os primórdios, a população utilizava deste elemento para forjar suas armas. E é nesta província onde toda a nossa aventura vai começar. - Vai! Joga pra mim! Tô livre! – gritou o jovem pulando no meio da rua de pedras. Era um rapaz bem afeiçoado, com olhos castanhos e cabelos de mesma cor arrumados em um imponente topete. Sua pele era branca e era possível ver diversas pequenas cicatrizes, uma até cortando sua sobrancelha esquerda, mostrando o quanto aquele jovem gostava de aprontar. Suas calças e botas eram em um tom de cinza escuro, enquanto sua blusa de um bordô profundo e refinado. Ele corria e pulava gritando pela rua, enquanto as demais crianças corriam e chutavam a bola em sua direção. Isto mesmo, as demais “crianças”! Todos que brincavam não tinham mais que dez anos de idade, enquanto aquele jovem aparentava ter uns dezenove! E mesmo assim era o que parecia mais infantil em meio às brincadeiras! Ele ria, pulava, gargalhava, corria, suava, tombava, se ralava, brigava com as crianças lhes dando cascudos, e quando tocava a bola com seus pés, a lançava com força ao gol, entrando com goleiro e tudo! Ele gritava em comemoração enquanto as crianças o abraçavam pulando. - Kogeta!!! – gritou uma voz feminina – Venha almoçar!!! - Já vou mãe!!! – respondeu o garoto, dando de ombros e continuando a brincar com as crianças. Sua mãe, Misti, olhava pela janela da humilde casa enquanto via o jovem ignorando-a. “O quê?!” pensou ela saindo janela a fora tirando as tamancas com a mão e arremessando-as no filho!!! Quase acertara as crianças inocentes, mas conseguiu acertar em cheio um dos calçados na cabeça de Kogeta, que gritou um “AI!!!” de dor, fazendo todos rirem!


- Eu disse pra almoçar A-GO-RA!!! – gritou Misti calçando os sapatos enquanto Kogeta ruborizava em público e voltava para casa. Sentados à mesa estavam Kogeta e seu pai, Frakes, um senhor já de certa idade. Misti servia uma espécie de guisado em seus pratos. Ela terminou de servir e se sentou. Todos fizeram uma reverência e começaram a comer silenciosamente. Frakes observava como os outros dois evitam se olhar. - Hum... Muito bem, o que houve? – interrompeu o patriarca. - O que houve? – reclamou Kogeta – Mamãe, essa louca, gritando e tacando coisas em mim na frente dos meus amigos! - Mulher... – respondeu Frakes se virando para Misti. - Eu louca?! Eu louca?! – retrucou Misti a Kogeta, ignorando por completo seu marido – Você tem que aprender a ter mais responsabilidade! Sabe que horas são?! E esses seus “amigos” não passam de crianças de dez anos de idade! Não acha que está na hora de amadurecer?! - Filho... – virou Frakes para Kogeta. - Amadurecer? – continuou Kogeta – O que você espera que eu amadureça mais? Vivemos nossa vida sossegados aqui na província! Será que não podemos relaxar um pouco e nos divertirmos como pessoas normais pelo menos uma vez na vida? - Mulher... – se virou Frakes. - Calado! – respondeu Misti, calando a boca de Frakes antes que ele continuasse – É claro que podemos e devemos relaxar de vez em quando! Mas você está fazendo disso um hábito Kogeta! Você não se preocupa com nada! É incapaz de lavar uma louça! De varrer a casa! Incapaz de fazer uma comida! Nem suas cuecas! Você acha que vai ter seus pais para sempre?! - Filho... – Frakes né. - Talvez se tivesse algo que me motivasse nessa casa ou nessa província eu faria alguma coisa!!! – gritou Kogeta se erguendo um pouco. - “Motivasse”?! – questionou Misti – E todo o treinamento militar que lhe demos?! O que você fez com isso?! Já poderia estar servindo em algum exército de Hikariomotsu! Fazendo algo que preste!


- Servir naquele exército de mimados?! – respondeu Kogeta – Não obrigado! E mesmo que eu servisse em algum lugar, do que adiantaria?! Nós vivemos em paz! Ninguém se interessa nesse pedaço de terra podre na qual vivemos! - Kogeta, não fale assim! – interviu Frakes – Ainda assim somos felizes por termos onde morar... - E outra coisa! – interrompeu Misti – Você não sabe até quando viveremos nessa gloriosa paz! Não sabemos o dia de amanhã! Você deveria é estar treinando para saber se defender! - Vocês são um bando de paranoicos isso sim! – gritou Kogeta se retirando da mesa. Frakes e Misti olhavam o filho revoltado ir em direção ao quarto. - Oras! Quem ele pensa que é para falar assim comigo?! Eu vou atrás dele agora e fazê-lo pedir desculpas!!! Mas segurando a mão de Misti, Frakes a deteve e respondeu: - Mulher... Deixe-o. Ele é um garoto ainda e não percebeu a importância de se ter um porto seguro. De ter uma família. De ter responsabilidade. Eu irei ao quarto dele e lhe falarei sobre algo importante. Para isso, preciso buscar aquele artefato. - Não acredito que você dará aquilo a alguém inexperiente como ele! – resmungou Misti. - Calma querida... – respondeu Frakes, lhe dando um selinho – Deixe que do Kogeta eu entendo bem. - Boa sorte! Frakes bateu à porta do quatro de Kogeta, empurrando-a um pouco. - Posso entrar? - Já entrou né... – veio a voz do jovem, deitado à cama no escuro e virado para a parede, de costas para a porta. Seu pai se aproximou da cama, sentando-se na beira.


- Sabe filho, eu entendo que aturar a sua mãe seja difícil... Realmente muito difícil... Às vezes até impossível (e riram um pouco)... Mas gostaria que soubesse que tudo o que ela faz e diz é porque se importa muito com você. Kogeta ouvia as palavras do pai em silêncio sem se virar. Frakes continuou: - Nós já passamos por tanta coisa nesses anos de vida, e não desejamos que sofra. Por isso ela te cobra tanto que amadureça e que saiba lidar com as adversidades da vida. - Mas pai! O que ela espera que eu demonstre a ela?! – respondeu Kogeta se virando. Nesse momento ele viu sobre o colo de seu pai uma katana. A bainha era vermelha, com pequenas pedras douradas encrostadas. Seu cabo era marrom e sua lâmina de um cinza cobreado interessante. Não era a lâmina mais bonita, mas tinha certa firmeza, presença. - O que é isso? – perguntou o jovem curioso. - Isso? Esta é a arma com a qual seu pai treinou no exército de Sakurajima há muitos anos atrás. É bonita né? Foi a única que consegui comprar com o pouco dinheiro que tinha na época! Gostaria que ficasse com ela... - Oi? Pra mim?! - Sim... Sabe filho, eu já sou um velho. Já está na hora de passar algumas coisas para você. E eu adoraria que alguém que tanto amo como você ficasse com essa katana, que já tanto me serviu. - Eu... Eu nem sei o que dizer! Muito obrigado pai! – disse Kogeta aceitando a lâmina das mãos do pai. - No entanto – interrompeu o pai antes de entregá-la ao filho – haverá uma condição para isso! Você deverá treinar e aprender a usá-la, sempre fazendo isso em prol do bem! Em prol das pessoas que cruzarem o seu caminho! Não estou lhe dando uma arma para tirar a vida de ninguém! Estou te dando uma arma para proteger essas vidas! Os dois se olharam nos olhos por alguns instantes. Kogeta fechou os seus abaixando a cabeça e estendeu as mãos, recebendo finalmente a katana de seu pai. - De acordo pai! Eu a usarei para o bem!


Nos dias que se seguiram Kogeta saía de manhã para treinar em um bosque próximo. Ele conferia diversos golpes de sua katana nas árvores tentando aprender movimentos. Era bem desengonçado. Havia esquecido todo o treinamento e precisava correr atrás do tempo perdido. Foi quando em uma dessas manhãs ele ouviu um grande estrondo vindo de sua vizinhança! - O que foi isso?! – se perguntou assustado olhando para a direção de onde vinha o barulho. Então, por cima das grandes árvores do bosque, ele começou a ver um rastro de fumaça se alastrar. Algo realmente grave acontecera. Kogeta correu como louco para casa. Quando entrou no meio urbano, via pessoas correndo e fugindo, outras caídas ao chão machucadas e muitos soldados com vestes douradas arrastando prisioneiros! “O que diabos estava acontecendo?!” se perguntava. Foi quando finalmente chegou à viela onde morava e viu todos seus vizinhos sendo acorrentados pelos soldados. Lá, no meio da confusão, seus pais sendo violentamente arrastados e oprimidos! - Soltem eles!!! – gritou o jovem partindo para cima e sacando a katana. - Não Kogeta! Vá embora! – gritou sua mãe. - Fuja meu filho! Você não será páreo para eles! – gritou o pai. Kogeta realmente se sentiu intimidado quando viu todos aqueles soldados se virarem para ele e brandirem suas espadas. Agora compreendia o porquê de sua mãe tanto insistir para que treinasse! Mas nunca esperara que sua pacata província fosse atacada! Aquilo não fazia o menor sentido. Os soldados começaram a avançar em sua direção, e ele sentia suas pernas tremerem enquanto via seus pais gritarem para que fugisse, mesmo que o medo não o deixasse ouvir mais nada. Foi quando os soldados pararam e ele finalmente pôde ouvir aquela voz irônica se manifestar: - Ora, ora, ora... O que temos aqui? Um reles camponês se voltando contra o exército de Hikariomotsu? Kogeta procurou pela voz e finalmente a encontrou. Pouco mais à frente, um grupo de soldados se aproximavam arrastando canhões. Sobre o primeiro e maior dos canhões, um jovem vinha sendo escoltado pomposamente. Ele usava uma veste dourada que refletia a luz do sol, tornando difícil ver seu rosto, que aos poucos se revelava. Sua pele era alva, e tanto seus olhos como cabelos arrepiados eram negros. Sua expressão era cruel, ainda que jovial. Devia ter a mesma idade de Kogeta.


- Quem é você?! – perguntou Kogeta. - Quem sou eu?! – respondeu o líder do exército, escondendo por trás do sorriso falso a insatisfação de não ser reconhecido – Quem sou eu?! Ele não sabe quem sou eu!!! – falou se voltando para o exército que ria. Ele desceu do canhão e deu alguns passos – Eu sou Edwen, príncipe herdeiro de Hikariomotsu! Líder dos quatros generais da “Província da Luz”! Filho do rei Azufre e da rainha Lariel! E em nome de meu pai e da minha província, tomo posse de Sakurajima, assim como de todos os seus moradores! - Posse?! – retrucou Kogeta em meio aos gritos de revolta dos prisioneiros – Com que direito você toma posse das vidas dessas pessoas?! E o que há de interessante nessa província?! - Direito? – perguntou com ar de deboche – Que direito vocês têm? De permanecer na sarjeta? De comer os restos que a nossa província não aproveita? De resistir à mudança? Minha província precisa de mão de obra e expandir seu território. Quando essa província se tornar parte de Hikariomotsu tudo melhorará! Mas é claro, para aqueles que souberem abaixar a cabeça... Kogeta respondeu isso da forma mais orgulhosa e arrogante que lhe veio à mente. Não abaixou a cabeça, mas ergueu sua katana em direção a Edwen! Todos os soldados se mobilizaram para atacá-lo, mas Edwen os deteve. - Deixem! Deixem que venha... Faz tempo que não me divirto com uma presa resistente... - Kogeta! Por favor, vá embora!!! – gritou Frakes, temendo pela vida do filho enquanto Misti chorava! Kogeta não podia ouvir mais nada! Precisava provar que era capaz! Precisava defender sua província! Precisava acabar com aquele cara! E partindo para cima como um louco, travou o combate mais curto de toda a história dos combates! Seu ataque foi rechaçado em menos de um segundo por Edwen, que lançou sua katana longe e o derrubou ao chão! Os soldados riram. Kogeta percebeu que não estava apto para enfrentar aquele adversário naquele momento. Teria que... Teria que... Fugir! E isso doía em seu ego, mas logo ele viu o olhar de desespero de seus pais, temendo pela sua vida. Não titubeou, virou de costas e bateu em retirada, catando sua espada e correndo o quando pôde. Os soldados se prepararam para persegui-lo, mas foram detidos por Edwen mais uma vez. - Deixem que vá! Um bom filho a casa sempre retorna! Acredito que o encontrarei novamente... Agora levem os escravos!


Kogeta corria desesperado tentando não esbarrar em mais nenhum soldado de Hikariomotsu. As lágrimas caíam de seu rosto num misto de tristeza, raiva e humilhação. Mais tarde, naquele mesmo dia, no luxuoso palácio de Hikariomotsu, onde tudo era dourado, Edwen se encontrava diante de seus pais, o rei Azufre e a rainha Lariel. Num canto mais ao lado do salão, Samares, sua irmã observava a cena. - Com ordem de quem você tomou Sakurajima, Edwen? – perguntou Azufre, num tom sério e profundo. Era um senhor de muita idade e longos cabelos brancos, mas que mantinha sua imponência. - Eu não preciso de ordem alguma! Eu sou o príncipe herdeiro desta província! E logo serei o rei! – respondeu Edwen mostrando sua índole e tirania. - Você só será o rei quando seu pai vier a falecer. – respondeu calmamente Lariel, com sua nobre e orgulhosa beleza. Seus cabelos estavam presos em um pomposo arranjo – Por enquanto, você é apenas um príncipe, que mal saiu dos cueiros. - Oras mãe! Como pode falar assim comigo?! Eu acabo que expandir nosso território e conseguir mais escravos! Vocês deveriam estar me parabenizando! - Todas as coisas tem seu tempo, Edwen! – respondeu Azufre – Não se precipite tanto tentando provar a sua capacidade. Nós já sabemos do que você é capaz, e do que será quando for rei... Agora por favor, retire-se. Edwen saiu cômodo a fora chutando tudo o que via pela frente. Samares, sua irmã observava tudo em silêncio. Era uma bela e alta mulher, com vestes douradas e volumosos cabelos negros cacheados. Em sua mente, uma mistura de satisfação e recalque habitava. Estava feliz por ter seu irmão reprimido pelos pais, mas não podia deixar essa situação assim. Querendo ou não, Edwen havia expandido o território de Hikariomotsu, e ela não podia deixar isso barato. Mas Sarames não era impulsiva... Sabia a hora certa de dar o bote.


CAPÍTULO 02 – UMA PRINCESA SEM MODOS “BRUUUUURP” fazia o estômago de Kogeta, que a essa altura até sentia falta do guisado de sua mãe. Já se passaram dois dias desde que fugiu de Sakurajima seguindo para o sudeste. Se continuasse por mais um tempo chegaria à “Província da Água”, Kantaburica, na qual os antigos moradores sobreviviam principalmente da pesca. Foi quando um casal despreocupado passou por ele comendo alguns pedaços de pão. Aquilo chegava a ser cruel com o pobre coitado. Kogeta então pensou “Eles são somente dois, sendo um homem de estatura mediana e uma mulher indefesa. Eu tenho certo preparo físico e uma katana. Posso assaltá-los e comer um pouco de pão...”. Mas assim que pegou no cabo de sua katana e se preparou para o crime, lembrou-se da voz de seu pai lhe instruindo para que usasse sua lâmina apenas para o bem e desistiu de tal atitude. Ele então se sentou na beira da estrada e ergueu as mãos humildemente, esperando por qualquer alma que lhe doasse algum trocado. Enquanto se via naquela situação refletia sobre muitas coisas de sua vida, que outrora eram triviais, e que agora faziam toda a falta. A comida e broncas de sua mãe, a presença sábia de seu pai. Como gostaria de tê-los de volta para lhes dar mais valor. Pouco a pouco, ao mesmo tempo em que sua mente ganhava mais maturidade sobre a vida, suas mãos ganhavam mais trocados dos poucos que cruzavam aquela estrada. Um pouco mais tarde, naquele mesmo dia, Kogeta chegou finalmente a Kantaburica. A província era um pouco diferente da sua. Enquanto Sakurajima era praticamente toda composta por pessoas humildes, Kantaburica apresentava duas realidades: o centro, formado por casas ricas e palácios e a periferia, também não muito pobre. Kogeta só pensava em comer alguma coisa e logo foi procurar o primeiro armazém que encontrasse. No entanto, antes que pudesse matar sua fome, passou por uma viela e viu uma cena peculiar. Dois indivíduos cercavam uma garota. Era uma bela e diferente garota por sinal. Sua pele era morena, com olhos azuis profundos e seus cabelos brancos de laterais raspadas eram presos em um rabo de cavalo. Vestia um quimono azul e branco de muito requinte, escondendo parcialmente uma katana de cabo e bainha azuis. - Devolva a nossa fruta! – gritou um dos homens à garota. - Mas eu não a roubei! – respondeu a garota, segurando para si algumas frutas junto ao corpo. - Isso é o que todos os ladrões falam! – retrucou o outro homem. - Estou dizendo que essa fruta não foi roubada! Eu comprei com meu próprio dinheiro! – continuou insistindo a garota.


- O problema é que não acreditamos em você! – respondeu o primeiro homem – E você vai nos entregar essa fruta por bem ou por mal! – continuou o segundo. - Algum problema aqui?! – interrompeu Kogeta, chegando todo galante e atrapalhando o avanço dos homens. - Não se intrometa em nossos assuntos! – reclamaram os indivíduos. - Acho que não ouvi direito... – continuou Kogeta – Por que não repetem isso para a minha katana! E sacou a katana! Os dois sacaram pequenas lâminas e partiram para cima do jovem. Por sorte, Kogeta até que brigava bem, e logo conseguiu desarmá-los! Não satisfeitos, eles partiram para o combate mano a mano, derrubando a lâmina de Kogeta. A jovem se meteu na confusão e logo os quatro estavam rolando pelo chão empoeirado! Após alguns socos e pontapés, os dois homens bateram em retirada e a jovem se ergueu, ajudando Kogeta. - Valeu pela ajuda! – disse a garota de modo descontraído. - Não foi nada! – respondeu Kogeta tirando a poeira da roupa – Detesto esses tipinhos que... CADÊ?! - Cadê o que? - Minha bolsinha com os trocados que juntei! Eles devem ter roubado!!! Aqueles miseráveis!!! - Isso é muito comum aqui na periferia de Kantaburica. Me diga, para que era o dinheiro? - Eu o juntei o dia todo para conseguir comer uma refeição direitinha... – respondeu Kogeta apático enquanto seu estômago roncava de plano de fundo. - Tome, fique com uma das minhas frutas. – ofereceu a jovem entre risos – Aqueles babacas nem perceberam que eu tinha roubado mais do que apenas uma! - Vo... Vo... VOCÊ REALMENTE TINHA ROUBADO AS FRUTAS?! EU DEFENDI UMA LADRA?! – gritou Kogeta atônito! A garota riu alto, mas logo teve seus risos interrompidos por uma carruagem parando diante de si. Dois soldados desceram escoltando um pomposo homem de túnica azul. O homem também tinha a pele morena e cabelos compridos brancos.


- Pa... Pai?! – indagou a menina tremendo. - Posso saber o que a princesa de Kantaburica está fazendo na parte pobre da cidade? – perguntou o homem sem nem ao menos abaixar a cabeça. - Princesa?! – indagou Kogeta – Você é a princesa desse lugar? - Longa história... – concluiu a jovem olhando de lado para Kogeta. - Venha logo Erie! – ordenou seu pai. - Pai, se possível, gostaria que esse jovem nos acompanhasse até nossos aposentos reais... - E qual o propósito disto? – perguntou o pai erguendo a sobrancelha. - Ele acaba de salvar a minha vida de dois ladrões! – Kogeta ficou chocado com a dissimulação dela, mas riu por dentro – Temos uma dívida para com ele, e se possível ao menos gostaria de lhe oferecer uma boa refeição. - De acordo... – disse o homem após encarar Kogeta por alguns segundos – Deixem que nos acompanhe. O pai de Erie entrou na carruagem, seguido pela menina que puxava Kogeta pelos braços. Ele não se sentia muito confortável em receber carona de desconhecidos, mas a ideia de uma boa refeição o esperando fazia aquilo valer muito a pena. E realmente valeu! A enorme mesa estava repleta de tudo do bom e do melhor! Kogeta mal podia esperar que fizessem as referências para atacar como uma fera a comida! Era perceptível a fome que tinha, o que deixava todos constrangidos. Todos exceto Erie, que se comportava de uma maneira peculiar para uma princesa. Ela agarrava o frango com as mãos e se lambuzava toda o mordendo! Falava de boca cheia! Tirava cera do ouvido durante a refeição! Sua mãe só faltava chorar vendo aqueles modos. Buscando se distrair disso, ela resolveu puxar assunto com o forasteiro. - E então... Eh... Kogeta certo? O que achou da comida? - Está maravilhosa senhora Geneva! – respondeu ele com uma sinceridade estampada na cara e limpando os cantos da boca. - Fico feliz que tenha gostado! – respondeu com um sorriso. Geneva era a rainha de Kantaburica e era uma mulher loira de singular beleza e uma aura brilhante. Todos gostavam de estar em sua companhia – Nos conte mais, o que o trouxe à nossa província?


Kogeta abaixou a cabeça e ficou em silêncio por alguns instantes até conseguir falar. - Minha província, Sakurajima, sofreu um ataque repentino do exército de Hikariomotsu e todos meus vizinhos e familiares foram feitos escravos. Por sorte eu pude fugir e acabei vindo parar aqui. Todos olhavam sentidos para aquele jovem que se abria com uma sinceridade natural. Geneva resolveu continuar. - Sentimos muito. Aquele povo de Hikariomotsu tem uma postura horrível. Eles não se importam com os outros, querendo sempre que sua vontade prevaleça. Mas tenho certeza que sua família estará bem. - Sim, eles vão ficar bem... – respondeu Kogeta – E um dia eu voltarei para resgatá-los. Erie olhou para o jovem e sentiu uma determinação interessante naquela fala. Mas logo teve sua atenção interrompida pelo comentário de seu pai, Aral. - Há pessoas aqui que também mantém uma postura horrível não é mesmo Erie?! - Aff! – bufou a garota – Vai começar de implicância?! - Implicância? Eu? – questionou Aral – Te damos tudo do bom e do melhor e como você nos agradece? Fugindo de casa incontáveis vezes para bancar a ladra durona por aí?! - Isso sempre acontece? – perguntou Kogeta à Geneva de surdina. - Todo dia... – respondeu ela baixinho. - Realmente, toda família tem problemas... – constatou Kogeta. - Garanto que o problema não sou eu! – retrucou Erie – Não tenho culpa se eu não sou a princesinha que meus pais gostariam que eu fosse! - Se você não é uma princesa, então é o quê?! – indagou Aral, se enervando. - Se vocês me deixassem descobrir eu agradeceria! Mas eu não posso fazer nada! Tenho que ficar confinada nessa mansão estúpida! Vivendo como um enfeite! – e se ergueu da cadeira!


Logo estavam os dois, Erie e Aral erguidos discutindo e batendo com os punhos na mesa. Geneva que olhava tudo sem se meter virou-se para Kogeta e bem baixinho perguntou: - Quer sobremesa? - Adoraria! E os dois saíram do aposento, deixando pai e filha a sós para seu conflito pessoal diário. Novamente em Hikariomotsu, nos vemos no salão do palácio principal, onde Lariel, a “Rainha da Luz”, encontra-se sentada em seu trono, recebendo a visita de sua filha Sarames, que prontamente se ajoelha diante da mãe mostrando seu respeito. - Diga Sarames, a que devo tanta urgência? - Minha amada mãe, eu venho estudando detalhadamente a expansão territorial de Hikariomotsu e observei uma limitação em nossas frentes de batalha. - Limitação? - Possuímos grandes equipamentos e armas para combate terrestre, incluindo escalada em terrenos de difícil acesso, mas falhamos se atacados por tropas fluviais. - A que se refere? - O rio que cruza a província de Kantaburica. Ele passa bem próximo à nossa província. Seria uma porta de acesso a possíveis invasores. Acredito que uma expansão territorial começando por essa província seria mais bem proveitosa do que atacar Sakurajima por exemplo. Além disso, conseguiríamos acesso à pesca, melhorando nossas guarnições. - E suponho que isso nada tem a ver com mostrar mais eficiência que seu irmão, certo?! – perguntou Lariel, levantando a sobrancelha de um modo irônico. - Jamais minha mãe! – disse Sarames, tentando esconder o sorriso sínico – Jamais tomaria alguma atitude sem a permissão de vocês. Mas de fato, acredito ser capaz também de ajudar o crescimento de minha adorada província. - Está bem. – disse Lariel se levantando e apontando seu braço – Lhe dou permissão para que ataque Kantaburica. Lembre-se de não falhar! - Pode ficar tranquila, mamãe... – concluiu com um sorriso cruel nos lábios.


Mais tarde, naquele mesmo dia, Kogeta e Erie se encontravam em uma espécie de varanda do luxuoso palácio onde a garota morava. Erie realmente estava longe de possuir os modos de uma princesa. Estava jogada ao chão com um capim na boca enquanto balançava os pés para cima. Kogeta limpava a lâmina da sua katana do lado. - E então? É difícil não corresponder às expectativas de nossos pais hein... – falou o garoto. - Nem me fale! Eu não tenho do reclamar, sabe. Tenho tudo do bom e do melhor aqui no palácio. Mas honestamente, eu sinto que nada disso aqui é para mim. Essas roupas chiques, esses modos de boneca, essas comidas em pequenas porções. Sabe, eu queria é sair por aí, brigando, lutando com minha katana, comendo um bom e suculento pedaço de carne, sujando meus pés, correndo! - Parece divertido! – respondeu Kogeta entre risos – Apesar de a minha realidade ser mais humilde, meus pais também me cobravam que tivesse mais responsabilidade, que trabalhasse mais, que treinasse mais. Cara, eu só queria relaxar um pouco sabe... Jogar bola, comer besteira, paquerar as gatinhas... Só isso... Mas... - Mas? - O pior, é que eles estavam certos sabe... Se eu tivesse treinado mais, teria sido mais apto a protegê-los. - Não se culpe. Você não sabia o que ia acontecer. - Pois é... Mas é difícil... Bom, você disse que gostaria de lutar com sua katana um pouco né?! – e dizendo isso deu um pulo e ficou de pé – Que tal praticarmos um pouco?! - Só se for agora!!! – e Erie pulou como um moleque sacando sua espada! Os dois rodopiavam e brandiam golpes com as lâminas um contra o outro enquanto trocavam risos! As empregadas do palácio corriam apavoradas enquanto eles derrubavam todos os vasos que estavam por perto! E Kogeta sentia que Erie lutava melhor do que ele, pois cada vez era mais empurrado, até finalmente perder o equilíbrio e cair de bunda em uma fonte de água gelada! Todos riram! Foi quando ouviram um estrondo! Um grande estrondo seguido por um forte cheiro de queimado e uma fumaça surgindo no céu. - Oh não... – pronunciou Kogeta. - “Oh não” o que? – indagou Erie.


- Eu conheço esse som! E logo correram em direção à porta do palácio. Lá encontraram o rei Aral com sua esposa Geneva. Eles se mantinham firmes diante da ameaça que se aproximava. Vindo pomposamente pelo meio da grande rua, um imenso pelotão de Hikatiomotsu avançava! As vestes douradas reluziam tanto o brilho laranja do pôr do sol que era até difícil ver quem os liderava. Mas logo suas dúvidas foram esclarecidas, e diante de todos, Sarames desceu lentamente de cima de uma grande carruagem de guerra. - Em nome de Hikariomotsu, eu, Sarames, a “Princesa da Luz”, tomo esta província! - Não acha um tanto abusado da sua parte, criança, vir até a minha presença e reclamar posse sobre a minha cidade?! – rebateu Aral, com veemência. Sarames não respondeu, apenas tirando sua grande espada das costas! Aquela lâmina era imensa! Como uma mulher tão magra podia erguê-la com tanta facilidade?! - Está certo! Eu lhe desafio para um duelo! – disse a mulher – Se eu vencer, esta cidade será minha! - De acordo! – respondeu Aral, sacando sua katana. - Mas querido... – tentou interromper Geneva. - Mulher, um homem nunca foge à luta! E dizendo isso, ele partiu para o combate. Todos olhavam ao redor estarrecidos com a violência dos golpes. Aral aplicava golpes certeiros, mas que eram facilmente defendidos por Sarames, que parecia estar se divertindo. Ela nem ao menos suava, enquanto ele já demonstrava dificuldades devido à sua idade avançada. Não tardou muito para que Sarames rodopiasse e aplicasse um violento golpe, arremessando a espada de Aral longe e derrubando-o de joelhos ao chão! A arma dela havia não só rechaçado a katana como cortado sua perna ao mesmo tempo. Aquela cena era mais humilhante do que dolorosa! O rei de Kantaburica de joelhos! Aral sentia vergonha enquanto todos o olhavam incrédulos. - Vá logo! Termine com isso! – gritou Aral, querendo que Sarames retirasse sua vida. - Do que está falando? - respondeu a jovem – Acha mesmo que irei te matar? Um homem como o senhor, que nessa idade tem força para combater desse jeito, dará um ótimo escravo! Nós precisamos de mão de obra, não de defuntos!


Se Aral tivesse como, retiraria a própria vida tamanha vergonha, mas logo foi abraçado por Geneva, que chorava aliviada por ele estar vivo. Kogeta e Erie corriam de encontro a eles enquanto viam os soldados de Hikariomotsu avançando para cima dos moradores e os arrastando! Erie já se preparava para tirar a Katana quando viu seu pai aos prantos virar-se e gritar: - Não!!! Fuja Erie! Você pode ser nossa única salvação!!! Erie não conseguia ouvir direito, queria lutar, queria libertá-los, mas foi contida por Kogeta, que já provara da força dos generais de Hikariomotsu e sabia que naquele momento eles não seriam páreos. - Por favor! Confiamos Erie a você! – gritou Geneva enquanto as lágrimas sorviam por sua face. - Por favor! Proteja nossa filha! – gritou Aral enquanto os guardas o arrastavam! - Não!!! – gritou Erie sendo arrastada para o lado oposto por Kogeta. Sarames percebeu o que acontecia, e com um sorriso cruel no rosto ordenou: - Guardas, prendam aqueles dois! – apontando para eles. Kogeta usou a força que tinha e puxou Erie, começando a correr! Ela corria vendo seus pais ficando para trás e sendo feito prisioneiros. Corriam e viam Sarames ficando para trás com aquele sorriso cruel nos lábios. Os dois correram até cansar sendo perseguidos pelos soldados. Somente quando se esconderam pelas vielas mais estreitas, é que conseguiram despistá-los. - Vamos Erie, não podemos ficar aqui! Precisamos partir! – disse Kogeta tentando recuperar o fôlego. - E vamos para onde? Abandonar meus pais? Minha província? - Nesse momento não há nada que possamos fazer! E essa não é mais sua província! É apenas mais uma posse de Hikariomotsu! Devemos nos apressar, sair daqui e achar um local seguro! Com lágrimas nos olhos, Erie o seguiu, deixando sua amada província para trás. Mesmo nunca concordando com o modo como foi criada, sentiria falta de todo aquele luxo e mordomias. Ela nem sabia o quanto sentiria falta.


CAPÍTULO 03 – O LADRÃO DE ALEXANDRITA Kogeta e Erie continuaram fugindo por um longo caminho, indo sempre na direção sudeste. No meio do caminho tiveram a sorte de encontrar algumas árvores frutíferas e colheram um pouco para se alimentar. Agora era a hora de fazer uma pausa para lanchar. O rapaz comia as frutas, não muito saborosas, mas era o que tinham. Ele olhava o quanto Erie era bonita, mesmo estando tão arrasada. Seus olhos continuavam mareados, como se ela quisesse prender as lágrimas. - Vamos, coma um pouco. – insistiu Kogeta. - Não tenho fome... - Eu entendo. Também fiquei assim quando minha província foi atacada. Mas de nada adiantará se você não se alimentar, apenas ficará mais fraca para quando formos resgatá-los. - “Resgatá-los”?! Está dizendo que pretende voltar e lutar?! - Não que eu tenha algo planejado ou qualquer coisa do gênero, mas eu não pretendo deixar meus pais como escravos eternamente! - Sabe, me anima ouvir você falando assim... Mas depois de ver aquela mulher derrotar meu pai tão facilmente, me pergunto do que seríamos capazes? - No momento? Provavelmente nada... E é por isso que precisamos treinar, pensar em alguma estratégia, não sei... Mas com certeza pensar de estômago cheio é melhor do que pensar de estômago vazio! Erie conseguiu dar um sorriso diante da simplicidade do garoto, e com um esforço, aceitou uma das frutas. Realmente não estava muito boa, mas ela comeu um pouco. - Obrigado... – disse a garota – É bom ter alguém que tenha passado por algo semelhante junto de mim nesse momento. - Sabe... – disse Kogeta olhando as nuvens no céu – Eu sempre acreditei que as coisas só acontecem na hora certa e com as pessoas certas... Deve haver algum propósito para termos nos conhecido nessa situação tão tensa. Se não for um propósito maior, que envolva nossas províncias, ao menos deve ser um propósito para nossas vidas...


Erie ouvia aquelas palavras com um estranho encantamento. Não saberia dizer se foi o clima e a fragilidade de seu coração naquele momento, se foi a luz do sol por entre as nuvens, ou se a própria beleza adolescente de Kogeta, mas Erie apenas conseguiu se aproximar o suficiente para, como que num sopro de mágica, os dois se beijassem. Logo que terminaram o beijo, os dois ruborizaram, levantaram sem graça e continuaram o caminho. - Eh... Veja... – continuou Erie sem graça – Logo estaremos em Alexandrita, a “Província da Terra”! - Espero que lá tenhamos mais sorte! Logo eles chegaram à “Província da Terra”, Alexandrita. E mal podiam acreditar no que viam. A cidade era extremamente pobre! As pessoas viviam em miséria total, se escondendo em barrocos à beira da estrada, dividindo espaço com ratos e baratas. Crianças doentes, idosos se arrastando, mulheres se prostituíam à luz do dia, marginais espreitavam em cada esquina. - Meu Deus! O que é isso?! – perguntou Kogeta. - Depois da ascensão de Hikariomotsu, todas as riquezas de Alexandrita, que era uma província mineradora, foram roubadas. Você acha que todo aquele ouro que o povo de Hikariomotsu usa em suas vestes, palácios e armas veio da onde? Eles sugaram tudo o que podiam daqui até não deixar mais nada. Aquela situação era muito dolorosa de se assistir. Mas de repente, como que um raio se aproveitando da distração dos dois, um vulto cruza por eles, arrancando violentamente o colar de tecido que Erie carregava!!! - Ei!!! Meu colar!!! – gritou a jovem! Eles só tiveram tempo de ver o bandido correndo! Logo eles foram atrás dele! O homem era muito rápido, mas Kogeta não ficava muito para trás! Ainda bem que tinha um bom preparo físico! Mas quando tentou segurar o bandido pela roupa, o mesmo se jogou ao chão rodopiando num golpe de artes marciais, chutando Kogeta para trás, erguendo-se novamente e correndo como louco! - Como ele fez aquilo?! – se perguntou Kogeta, levantando meio zonzo. - Vamos! Não há tempo a perder! – gritou Erie passando correndo por Kogeta, deixando-o para trás – Aquele colar me foi dado pela minha mãe! É de um tecido fino caríssimo!


- Você não deveria gritar essas coisas assim tão alto! – alertou Kogeta. Mas era tarde! Logo uma multidão de ladrões corria atrás deles querendo também aquele colar! Após a correria, os dois desistem da perseguição. Aquele ladrão era muito ágil e forte! Kogeta tentava se recordar da feição do homem durante o milésimo de segundo que viu sua face antes de tomar o pontapé. Era um jovem até bonito, com olhos castanhos avermelhados, cabelos negros desgrenhados e pele morena. Seus músculos eram bem salientes e carregava uma mochila de tralhas, o que atrapalharia qualquer um de correr daquela maneira, mas ele tinha uma agilidade incrível. - E agora?! O que faremos?! – perguntou Erie, já se pondo a chorar por perder o colar. - Calma! Acho que não poderemos fazer nada sobre o colar... Mas... – e olhando ao redor, Kogeta viu uma humilde casa de chá – Acho que podemos tomar um chá! - Chá?! Os dois jovens adentraram à humilde casa de chá. Era basicamente toda de madeira, mas muito bem arrumada e extremamente limpa! Tudo era muito caprichado! Havia poucas mesas, com poucas pessoas tomando chás que pelo cheiro pareciam extremamente deliciosos. Só o cheiro já os fez esquecer um pouco os problemas. Foi quando avistaram um senhor careca de longa barba branca atrás do balcão. Ele possuía uma barriga saliente e uma expressão simpática, com bochechas meio rosadas. Quando viu os jovens não tardou em dizer: - Suichõ! Vá atender os clientes! - Já vou pai! – respondeu uma voz suave vinda do interior da cozinha. - Ai não! Devem ser daquele tipo que forçam os clientes a comerem! – cochichou Erie para Kogeta. Mas quando estavam prestes a bater em retirada, tiveram a visão esplendorosa do jovem que vinha os atender! - Boa tarde! Em que poderia ajudá-los? – perguntou o jovem com uma cordialidade e educação tamanhas. Os dois ruborizaram diante de tamanha beleza! Aquele jovem era lindo! Absurdamente lindo! Possuía a pele branca. Seus olhos eram de um castanho profundo, onde sob o olho esquerdo uma pequena pinta repousava. Seus cabelos eram negros e


ondulados até a altura dos ombros. Vestia uma veste estranha, como longas mangas verdes, e acessórios em metal. Em seu pulso um rosário se mantinha enrolado. - Eh... Vocês estão bem? – perguntou novamente o jovem, fazendo-os acordarem do encantamento com sua beleza. - Ah, sim sim! Tomaremos um chá! – responderam os dois acompanhando-o e se sentando em uma mesa. O jovem lhes entregou a carta para que escolhessem. Após um tempo, eles decidiram o sabor e ele foi buscar. Os dois observavam como todos aqui não tiravam os olhos dele. E todos pareciam estar encantados, como se o real motivo de estarem ali não fosse o chá, e sim aquele rapaz. Mas o chá estava longe de ser ruim! Na verdade era maravilhoso! Como era possível haver uma casa de chá tão boa em uma província tão miserável?! Eles pagaram a conta com uns trocados que Erie carregou consigo durante a fuga e logo receberam a visita do anfitrião. - E então, o que acharam dos nossos chás? – perguntou o velhinho animado. - Nossa! São sublimes! – respondeu Kogeta. - Realmente, muito gostosos! – concordou Erie. - Nossa! Não sabem o quanto fico feliz por ouvir isso! Cada cliente satisfeito enche meu coração de felicidade! Os chás de hoje estão sendo feitos pelo meu filho, Suichõ, que os serviu! Ele está aprendendo para me substituir. O jovem veio de encontro ao pai, que o abraçou deixando-o sem graça. Suichõ acenou timidamente para os dois. - Está de parabéns Suichõ! Seus chás são deliciosos! – parabenizou Kogeta. - Maravilhosos! – concordou Erie. - Eh... Muito obrigado! – respondeu timidamente o jovem, abrindo um sorriso que fez os corações de todos se acalentarem! - Como preparam esses chás?! – perguntou Erie, curiosa. - Nós temos a nossa própria horta onde colhemos as ervas, porque não mostra a eles Suichõ? – sugeriu o pai. - Tudo bem! Venham comigo, por favor.


Os dois seguiram o jovem até os fundos da casa de chá, onde encontraram uma pequena horta, muito bem arrumada e cultivada. - É aqui que cultivamos todas as nossas ervas. Dá um pouco de trabalho, mas eu gosto muito de lidar com as plantas. - Você e seu pai parecem gostar muito do que fazem. – concluiu Kogeta. - Na verdade, eu gosto mais. – respondeu Suichõ, surpreendendo-os. - Como assim? – perguntou Erie. - O sonho do meu pai é que eu fosse um combatente, um soldado, como ele fora nos seus tempos. - Seu pai?! Aquele velhinho rosado?! Era um soldado? – perguntaram os dois. - Pois é, pode não parecer, mas ele já foi um dos melhores soldados que Alexandrita já teve. Coronel Garnet! Orgulhava-se muito disso. Até que perdemos minha mãe em uma guerra. Aquilo foi um golpe terrível para nós. Deixamos de lado todo o treinamento militar, e passamos a nos dedicar ao que minha amada mãe Jade mais gostava, o chá. - Sinto muito. – disse Erie. - Não tem problema. Eu era mais novo quando aconteceu. E eu não gostava mesmo de lutas. Na verdade, sempre achei sem sentido a violência. A desigualdade que existe nessa cidade... É absurda... - Concordo. – disse Kogeta – Nós dois acabamos de nos tornar vítimas dessa desigualdade. Nossas províncias foram dominadas por Hikariomotsu! Acabamos tendo de fugir. - Nossa! Sinto muito! – respondeu Suichõ – Se precisarem de qualquer coisa, faremos o que for preciso para lhes ajudar. - Bom, nós estávamos perseguindo um bandido quando chegamos até aqui. Ele me roubou. – disse Erie. - Vish, isso é difícil de resolver. – concluiu Suichõ – O que mais tem aqui nessa cidade é ladrão.


- Bom, nós também planejamos treinar e pensar em alguma estratégia para retornarmos e salvarmos nossas famílias. – continuou Kogeta – Se você quiser se juntar a nós. - Me juntar a vocês numa batalha? Tô fora! Não que eu não ache digno o que estão fazendo ou me revolte com as atitudes de Hikariomotsu. Mas é que realmente brigas não são para mim. Pode soar meio egoísta, não os ajudar por não ter sido atingido diretamente por eles, já que graças a Deus temos nossa casinha de chá ainda, mas me arriscar numa batalha seria arriscar o único bem precioso que restou ao meu pai, a minha vida sabe. - Eu compreendo... E não te culpo por isso, fique tranquilo. – respondeu Erie, colocando a mão no ombro de Suichõ. - Está tudo bem. Se puder nos ajudar com quaisquer mantimentos ou dicas para nossa viagem, já seremos muito gratos! – concluiu Kogeta. - Bom, sobre os mantimentos podem ficar despreocupados. Não temos muito, mas o pouco que temos compartilharemos com vocês sem dúvida. Agora uma dica? Bom... Deixe-me ver... Por que vocês não continuam indo para o sul? Chegarão à “Província do Ar”, Coromuel. Dizem que lá treinam os melhores arqueiros do mundo! Até onde eu sei o exército de Hikariomotsu não possui arqueiros, logo, isso pode ser uma vantagem contra eles! - Boa ideia! – concordaram os dois. Depois de passarem uma noite na casa de chá de Garnet, os dois partiram para o sul, levando consigo uma bolsa cheia de mantimentos e um coração cheio de esperanças. Suichõ e seu pai os viam se afastando e acenavam gentilmente, mostrando que ainda há pessoas boas nesse mundo. - Bom meu filho, o que acha de ir buscar um pouco de água para fazermos mais chá?! – perguntou Garnet. - Tudo bem papai, irei buscar. – concordou Suichõ. Não muito longe dali, o ladrão que roubara Erie corria tentando se esconder pelas vielas da periferia da cidade. Logo saiu do perímetro urbano e adentrou uma área mais natural, como um grande bosque. Mas para seu azar, deu de cara com uma gangue de malfeitores que ali faziam uma espécie de churrasco. Eles assavam algum animal magricela. Logo, perceberam que ele tentava se esconder porque deveria ter algo de valor consigo. Eles sacaram seus punhais e o ladrão se viu cercado, sendo forçado a sacar um grande sabre de sua cintura.


O jovem ladrão se mostrou um baita adversário, derrubando vários dos malfeitores. Mas infelizmente, em um momento de descuido, foi golpeado nas costas, tombando no rio, levando consigo somente o colar em uma mão e o sabre na outra. Não muito longe dali, Suichõ recolhia a água para o preparo do chá. Foi quando viu que a água estava ficando vermelha lentamente. Assustado olhou para o rio e percebeu o corpo boiando até se prender à margem. Movido pelo intuito de ajudar, Suichõ puxou o homem para a beira e virou-o para cima, percebendo que ele ainda estava vivo, somente meio inconsciente. Apesar de mal tratado, aquele homem possuía uma beleza singular, que chamava atenção de qualquer um. Depois de um segundo distraído pela beleza do ferido, Suichõ pôde perceber que em suas mãos ele segurava o colar e o sabre com força, como se não quisesse largá-los por nada. Não podia deixá-lo ali. E usando da pouca força física que tinha, Suichõ ergueu o homem nos braços e o levou para casa para cuidar de suas feridas.


CAPÍTULO 04 – AQUELA QUE NUNCA ERRA Com certo esforço, o charmoso ladrão abria os olhos. Não compreendia muito bem onde estava, era uma espécie de quarto, bem simples, mas muito arrumado. Olhou para os lados, como se procurasse alguma pista de onde havia parado, quando deu de cara com o semblante belíssimo de Suichõ, sentado ao lado da cama, observando-o. O ladrão corou! Havia ficado totalmente sem graça diante da beleza estonteante do jovem, chegando até mesmo a virar-se para o outro lado. - Finalmente acordou! – Suichõ cortou o clima – Evite fazer movimentos bruscos, suas feridas ainda não sararam completamente. - Onde estou? – perguntou o ladrão com certa timidez e dificuldade. - Eu lhe achei boiando no rio aqui perto com uma baita ferida nas costas. Trouxe-lhe aqui para casa e cuidei do ferimento. Você dormiu até agora. - Quanto tempo eu dormi? - Algumas horas. Mas não se preocupe, já está anoitecendo, e é melhor pernoitar por aqui. Já já lhe trarei a refeição. – Disse Suichõ erguendo-se da cama indo em direção à porta do quarto. - Não lhe preocupa abrigar um desconhecido em sua casa? – perguntou o ladrão, espantado pelo gesto do outro. - Não me importa saber quem você é... – respondeu Suichõ com seu ar sereno – Não deixaria de ajudar qualquer pessoa que fosse. Logo a noite terminou de cair e Suichõ e Garnet foram se deitar. Eles estavam tendo uma noite tranquila, de sono profundo depois de um longo dia de trabalho, quando de repente ouviram gritos e estrondos! Os dois acordaram assustados e correram para ver o que se tratava. Foi quando viram dois moradores da vizinhança imobilizando um homem e derrubando-o no chão! - Garnet! Venha ver! Pegamos esse maldito ladrão fugindo das suas terras! – gritou um deles. - E veja só o que levava consigo! Não são suas pratarias?! – completou o outro. Garnet abaixou-se para ver e confirmou que eram suas pratarias. E não só isso, confirmou também que o homem que os roubara foi o mesmo que acolheram e cuidaram as feridas. Suichõ olhava sem acreditar. Como aquele homem era capaz de roubar os que o salvaram. Aquilo realmente não estava certo.


- E vocês acreditam que ele teve a audácia de dizer que vocês deram essa prataria para ele?! – gritou um dos homens que o segurava no chão. - É verdade... – respondeu Suichõ, surpreendendo a todos – Eu dei a prataria para este homem. E ele até mesmo esqueceu-se de levar consigo isto... – e tirou de seu bolso uma espécie de pingente de prata. Todos permaneciam perplexos sem compreender. Garnet, que já conhecia bem seu filho, compreendeu o que ele fazia e convidou os dois homens para entrar, deixando-o a sós com o ladrão. Este não conseguia levantar os olhos e encarar seu salvador pela segunda vez consecutiva. - E então? Porque não vai embora de uma vez e leva as pratarias? – perguntou Suichõ com um tom seco e severo. - Por que fez isso? Por que me defendeu? – perguntou o Ladrão sem coragem para olhá-lo nos olhos. - Por quê? Porque não se combate a maldade com mais maldade... – aquilo surpreendeu o ladrão, que ergueu o olhar encarando-o – Eu não lhe conheço para lhe julgar, mas posso presumir que roubar seja uma das poucas coisas que sabe fazer. É a sua natureza, é o seu carma, não o meu. Eu não preciso me tornar aquilo que combato. Não preciso me tornar ruim para punir o seu mau hábito. Portanto, se precisa dessa prata para viver, eu a ofereço humildemente a você. E torço para que encontre a motivação certa para trilhar um caminho melhor. A motivação certa para descobrir que você é mais do que isso... O ladrão não conseguia entender. Apenas sentiu um enorme aperto em seu peito e as lágrimas tombaram de sua face, que chorosa de vergonha, se encolheu de encontro ao chão. Chorava como uma criança. Suichõ ajoelhou-se pondo sua mão sobre a cabeça do ladrão, como que o acariciando. Com certo esforço, o ladrão se ergueu e começou a falar: - Nunca, nesses meus poucos anos de vida, me trataram com tamanha dignidade como agora... Nunca me deram uma oportunidade de tentar ser algo a mais do que um mísero ladrão... Nunca acreditaram que eu poderia ter uma alma, que eu poderia ser alguém. E agora, quando ajo de acordo com a única coisa que sei fazer, você me oferece a chance de mudar meu coração, você me oferece a chance de sentir a fé de alguém sobre mim... Eu... Eu não sei o que dizer... - Você é alguém! – respondeu Suichõ com um sorriso que acalentaria a alma de qualquer pessoa – E roubar não é a única coisa que você sabe fazer. Você apenas ainda


não descobriu seus outros talentos. A propósito, qual seu nome? Eu ainda não sei nada sobre você, ou melhor, sobre esse novo alguém. - O meu nome é Kon’nan. Nasci na parte mais pobre de Alexandrita. Minha família sempre viveu em miséria, e meu pai, Ônix, deixava bem claro que só sobreviveria quem arranjasse sua própria comida. Era um bêbado mesmo. Logo eu pude compreender que teria que me virar como pudesse. Eu comecei a vender coisas nas ruas, mas as pessoas daqui quase não tem dinheiro para comprar nada. Não tardou muito para que eu visse meus irmãos mais novos morrerem de fome e minha mãe adoecer. Ela era tudo o que havia me restado. Logo, meu pai também desapareceu. Minha mãe não lhe servia nem mais como amante ou para cozinhar. Ela só conseguia ficar doente. Era incrível como mesmo assim seu sorriso era apaziguador – e dizendo isso, Kon’nan se lembrava do sorriso de sua bela mãe, Andaluzite, fazendo com que lágrimas escorressem de seu rosto sujo – Foi nesse momento que o medo tomou conta de mim. Isso é estranho, pois ao mesmo tempo em que o medo de perdê-la me dominava, já que era tudo o que me restou, fui invadido por uma coragem sem limites. Eu precisava fazer qualquer coisa para garantir sua vida. Então eu comecei roubando algumas frutas, carnes, coisas para casa. Mas os remédios de minha mãe eram caros e eu precisei de mais dinheiro. Comecei a roubar metal para vender, e roubar dinheiro de quem desse sopa. - Foi um caminho doloroso sem dúvida. – concordou Suichõ. - E sabe o que é pior? Tudo isso, para nada. Alguns anos depois, minha mãe faleceu, e lá fiquei eu, sozinho, em um barraco sujo e fétido, fazendo a única coisa que aprendi nesses anos todos, roubar. - Isso tudo até hoje. – concluiu Suichõ – Pois agora você está tendo a chance de mudar. Basta saber se você irá aceitá-la ou não. – E se pôs de pé, estendendo a mão para Kon’nan. Kon’nan não conseguia entender aquilo direito. Aquela sensação quente em seu coração sempre tão gelado. Aquele jovem tão belo à sua frente, que parecia ser a chama que aquecia seu coração e iluminava o novo caminho de sua vida que se abria agora. Sentia que não podia perder essa oportunidade de mudar, e erguendo-se confiante, apertou a mão de Suichõ, fazendo uma grande reverência e agradecendo por tudo. Suichõ pôs uma mão em seu ombro e com a outra retirou-lhe as lágrimas do rosto, falando por fim: - Fico feliz que tenha compreendido. Agora, se estiver de acordo, devolveremos a prata do meu pai. Além disso, ele já tem certa idade e não é mais um homem forte. E eu também não sou o maior exemplo de força física que temos por aqui. Estamos precisando de braços fortes como os seus para arrumar as cadeiras e mesas da casa de chá. Acredito que meu pai achará a oferta interessante. E também, você precisa de um


trato nesse visual. Afinal, um funcionário da nossa casa de chá deve servir sempre bem apessoado! – e riu simpaticamente. Como combinaram, Kon’nan devolveu toda a prata diante de Garnet e seus vizinhos, pedindo perdão e contando tudo o que ouviu de Suichõ. Nunca havia se sentido tão digno em sua vida, e estava determinado a dedicar sua vida a um novo caminho de honestidade para pagar sua dívida. Eles não tinham ideia do quanto suas vidas ainda iriam mudar... E para melhor! Kogeta e Erie continuavam seu trajeto. Aos poucos a trilha se tornava cada vez mais rochosa e íngreme. O suor já começava a escorrer por suas faces. Foi quando, sem olhar para trás, Erie perguntou a Kogeta: - Kogeta, deixe-me fazer uma pergunta. Ambos fomos obrigados a deixar nossas províncias e caímos na estrada buscando alguma forma de resgatarmos nossos pais. Mas... Você tem algum plano específico? Ou só estamos andando aleatoriamente? - Isso é uma boa pergunta! – respondeu rindo – Na verdade, quando deixei Sakurajima só tinha em mente me tornar mais forte para voltar e salvá-los. Depois acabei te conhecendo, e fomos parar em Alexandrita, e aquilo tudo... Pra ser franco, não sei qual próximo passo devemos dar. - Temia que dissesse isso. De qualquer forma, já estava pensando em algo... - O que? - Coromuel, a “Província do Ar” para onde estamos indo. - Deveria se chamar “Província das Rochas”, porque só tem pedra por aqui! - Chama-se “Província do Ar” porque está localizada no alto dessas montanhas, onde o ar é rarefeito, tornando difícil a respiração para quem não está acostumado. - Você conhece bastante sobre eles... - Por ser uma “princesa”, eu tive uma educação de primeira, isso eu não posso negar. Então me contaram muitas coisas sobre as províncias. - E te contaram porque os generais de Hikariomotsu são tão idiotas? - Boa pergunta! – risos – Nunca mencionaram o porquê de eles estarem no comando. Mas de qualquer forma, logo chegaremos a Coromuel. – e apontou para o alto da grande montanha à frente, onde podiam ver a silhueta das construções – Dizem que lá é a província mais inacessível de todas, provavelmente estaremos seguros.


- Inacessível? - Não me pergunte o porquê... Mas logo eles descobriram o porquê! Do nada, eles ouviram uma espécie de zunido, como se milhares de abelhas viessem em sua direção. Mas não eram abelhas. Quando olharam para o céu à procura do barulho, viram a luz do sol se escurecer como se tivesse ficado nublado! Mas também não eram nuvens! Era pior! Milhares de flechas disparavam contra eles!!! O pavor subiu por suas espinhas! Eles só tiveram tempo de correr feito loucos e se esconder atrás de uma grande pedra que serviu de escudo! Era por isso que Coromuel era inacessível! A chuva de flechas durou uns três minutos! Eram milhares! Por isso aquela província ainda se mantinha longe do alcance de Hikariomotsu! Não havia como chegar até o topo sem ser atingido. - Precisamos pensar em algo!!! – gritou Kogeta apavorado com a constante chuva de flechas. - Temos que mostrar que não somos inimigos! - Já sei! Quando a chuva de flechas acabou e a luz do sol voltou a iluminar o monte, um ponto branco apareceu tímido em meio às rochas... Era... Era uma ceroula!!! Kogeta usou suas próprias roubas de baixo brancas para sinalizar a paz! Erie se abaixava fechando os olhos sem graça! Eles então ouviram um soar, como um grande berrante. - Esse é o sinal de paz! Já ouvi falar sobre isso! – falou aliviada Erie. Timidamente, eles saíam de trás da rocha, vendo os vultos se aproximar de onde estavam. A tímida neblina que cobria o monte e dificultava a visão aos poucos ia se dispersando e eles iam conseguindo ver quem se aproximava. Era uma garota. De uma beleza delicada. Possuía a pele branca com sardas, olhos castanhos profundos e cabelos negros costados à altura do pescoço. Usava uma típica vestimenta de arqueira nas cores preta e branca. - Oi! – Kogeta tentou ser gentil. Mas a jovem em fração de segundos apontou seu arco e flecha diretamente para o nariz do jovem! Kogeta gelou de medo! - Quem são vocês?! – perguntou a jovem friamente.


- Deixe-me nos apresentar. – falou Erie – Este é Kogeta, da província de Sakurajima e eu sou Erie, princesa da província de Kantaburica... - Você é a filha do rei Aral e da rainha Geneva?! – perguntou a jovem surpresa e demonstrando ter mais conhecimento do que eles podiam imaginar – O que faz aqui?! - Nossas províncias foram atacadas por Hiakriomotsu! – interrompeu Kogeta, sem modos – Fomos obrigados a fugir e estamos viajando pelas províncias restantes em busca de algum suporte, alguma ideia para que possamos resgatar nossos pais! - Resgatar seus pais? Enfrentando Hikariomotsu? Isso seria muito ousado e perigoso de fato. – e a jovem finalmente abaixou o arco – Aquele povo não presta, e é por isso que vivemos aqui, isolados e afastados de sua maldade! Já que não queríamos bater de frente para evitar um conflito pior, desenvolvemos técnicas de defesa impenetráveis, como puderam ver agora pouco. - Bota impenetrável nisso! – respondeu Kogeta rindo ironicamente – Quantas flechas vocês dispararam em nós? - Duas mil setecentas e trinta e duas! – respondeu a garota seriamente – Mas isso foi só a linha de frente do nosso pelotão de arqueiros. Aqui em Coromuel todos treinamos desde novos no arco e flecha. De qualquer forma, não vou deixá-los aqui. Venham comigo. Nossa província deve muitas finezas à Kantaburica, então estaremos honrados em abrigá-la, Erie. A propósito, me chamo Lips, filha de Noto e Zephir, os líderes da província. - Muito obrigado! – responderam os dois a seguindo e contentes. Eles então se depararam com o grande portão de madeira de Coromuel. Era feito de toras enormes! Pesado até para abrir! Do alto da grande muralha, milhares de arqueiros apontavam seus arcos preventivamente. Qualquer um que não fosse bem vindo seria exterminado aqui com certeza! Eles finalmente entraram em Coromuel, e o que viram foi uma simples província com casas de madeira e rocha. Nada muito vaidoso ou pomposo. As pessoas se vestiam de forma humilde. Crianças corriam pelas ruas e todos pareciam levar uma vida bem feliz. Kogeta se lembrava da sua vizinhança com saudades. Lips ia guiando-os e apresentando o lugar: - Ali é onde meu tio Euro constrói todos os arcos da província. Mais à frente temos o restaurante da tia Zonda, sem dúvida a melhor comida do lugar! E tudo bem barato! Recomendo que passem por lá! - Passaremos, com certeza! – respondeu Kogeta, já com fome.


Não tardou para que Lips chegasse à sua casa, um pouco maior, mas ainda humilde, onde encontrou seus pais e apresentou os dois jovens. Eles foram convidados a jantar e contar sobre o que passaram. Logo, encontravam-se os dois e Lips sentado ao redor de uma mesa quadrada com os pais da garota e senhores da província. - Vocês passaram por coisas terríveis, meus sentimentos. – Comentava Noto, o pai de Lips. Era um senhor de certa idade e com longos cabelos e barba negros. Vestia uma roupa tipicamente oriental, com um chapéu em forma de prisma. - Não se preocupem, podem ficar o tempo que quiserem em nossa província. Eu ainda me lembro de seus pais quando éramos pequenos! – concluiu Zephir, a mãe. Uma mulher muito elegante e com longos cabelos grisalhos amarrados em um penteado ornamentado – Ficaremos gratos em lhes acolher. - Muito obrigado! – responderam os dois em coro. - Mas na verdade... – interrompeu Kogeta – Não sabemos se queremos realmente “ficar”. Precisamos montar uma estratégia, encontrar reforços, alguma coisa que nos ajude a libertar nossos pais. - Vocês pretendem atacar Hikariomotsu? – perguntou Noto – Isso seria uma loucura! - É muito arriscado para dois jovens como vocês! – concluiu Zephir – Mesmo nós, com todo nosso exército preferimos usar de uma postura mais defensiva do que partir para o ataque. - Eu compreendo - continuou Erie – mas se permanecermos na defensiva, nossos pais serão escravizados para sempre! Houve um momento de silêncio e Noto fez uma expressão como se pensasse em alguma coisa, uma forma de ajudá-los. - Bom, podemos lhes acolher, fornecer suprimentos e até mesmo armas. Mas não garanto que poderemos ajudá-los com alguma postura ofensiva. Todos nós de Coromuel estamos acostumados a nos defender e não atacar. - Eu poderia ajudá-los! – interrompeu Lips, surpreendendo a todos! - Nem mais uma palavra! – reprimiu-a Noto. - Mas pai!!! - Sem “mais” mocinha! Já conversamos sobre isso!!!


- Sobre isso?! – perguntou Erie curiosa, enquanto Kogeta parecia distraído com a comida deliciosa servida pela tia Zonda, que entrava de vez em quando no cômodo. Era uma mulher rechonchuda de bochechas rosadas, cabelo ornamentado e uma expressão bem simpática. - Não sei a quem Lips puxou o temperamento agressivo. – respondeu Zephir entre risos – Ela sempre quis sair da província e lutar em uma guerra! Que absurdo! - Não é absurdo! – respondeu Lips se levantando – Acredito que às vezes o ataque pode ser a melhor solução numa guerra! Não podemos apenas ficar nos defendendo enquanto todos são massacrados pelos inimigos! - Mas devemos nos proteger! – respondeu Noto. - Sendo egoístas?! – rebateu Lips. O clima ia esquentando e Kogeta e Erie assistiam tudo de camarote comendo a deliciosa comida de Zonda. Realmente era muito gostosa! - Já chega desse papo! – respondeu Noto se erguendo abruptamente – Amanhã convocarei os homens da província e farei um comunicado! Aqueles que desejarem ir com vocês, terão minha permissão para lhes ajudar. Mas deixo claro que isso será de escolha deles! - Muito obrigado! – responderam os dois. - Agora querida – continuou Zephir – mostre os aposentos aos jovens. Erie pode dormir no seu quarto se preferir. - Tudo bem mamãe... – respondeu Lips, levando os jovens consigo. Ela não podia perceber ainda, mas seus pais temiam muito perdê-la. Enquanto Kogeta dormia só de ceroulas todo aberto em seu quarto, Lips e Erie conversavam um pouco. - Meus pais são um saco! – resmungava Lips – Eles não me deixam ser quem eu sou!!! - Bem vinda ao clube! – respondeu Erie rindo – Meus pais me criaram para ser a “princesinha do lar”! A boneca de porcelana deles! A garota frágil, delicada e indefesa que eles poderiam controlar para todo o sempre! - É mesmo?! E essa espada aí?


- Isso? - e tirou a katana – Eu ganhei do meu avô Kivu, muito doido! – risos – Mas só fui aprender a usar nas ruas, nas confusões em que me metia! Mas por que seus pais não deixam você ser quem você é realmente? Vocês já não tem uma província impenetrável? Qual o perigo? - Eu não sei... Minto... Na verdade eu sei sim... – e olhou para as estrelas pela janela entreaberta – Meus pais foram os únicos que tiveram um filho de todos os tios. Meu tio Euro nasceu sem fertilidade, enquanto minha tia Zonda seguiu por um caminho meio difícil de engravidar... Quando eu nasci, foi como se fosse a filha que todos quiseram! Por isso a preocupação excessiva! Por isso fui criada aqui, como numa bolha. Mesmo me tornando a melhor arqueira da província inteira! Mesmo assim, não podia fazer nada que pudesse me machucar, que já vinham me proteger. Com muito esforço consegui um lugar no comando do pelotão de arqueiros... - Pais são esquisitos... Amam-nos tanto que acabam nos machucando para nos proteger... - Falou tudo! As duas conversaram mais um pouco sobre garotos e coisas do gênero (incluindo Kogeta, o qual Erie não quis comentar muito) e logo caíram no sono. No dia seguinte, toda a província estava reunida na praça central para o comunicado de Noto. Ele subiu no palanque improvisado e começou a falar: - Meus honrados irmãos e irmãs de Coromuel, eu peço-lhes atenção para um comunicado. Ontem recebemos a visita de dois viajantes, Kogeta, da província de Sakurajima e Erie, da província de Kantaburica. Ambos tiveram suas terras invadidas pelo cruel exército de Hikariomotsu! Fugindo do perigo e buscando ajuda para libertarem suas famílias, os dois acabaram por chegar à nossa província. E, visando isto, eles me pediram que lhes emprestasse meu exército, meus homens para que lhes acompanhassem na luta. – Nesse momento um murmurinho começou e os soldados falavam entre si – É claro, que isso será da escolha de vocês. Peço agora para aqueles que aceitarem ir com eles, pronunciem-se. O silêncio pairou. Nenhum dos soldados queria partir para o ataque contra Hikariomotsu. Todos estavam acostumados com sua zona de conforto na defensiva. Não queriam atacar. Aquilo mexeu com os brios de Lips, que via todas as suas expressões covardes ao lado do pai. Não se contendo, ela subiu ao púlpito! - Não acredito nisso! E vocês ainda se consideram homens?! – gritou a jovem. - Lips! Desça já daí! – ordenou seu pai.


- Não! Não posso acreditar que todos estes homens prefiram ficar em silêncio enquanto as demais províncias são destruídas! - Lips! Não discuta com seu pai! – advertiu Erie. - Não os culpe! Não podemos envolvê-los também em nossos problemas já que não querem! – continuou Kogeta. - Eu não posso concordar com isso! – respondeu Lips – Se ninguém pretende partir, eu partirei com eles!!! - Ora Lips, não diga asneiras!!! – brandiu seu pai! Foi quando um gigantesco estrondo chamou a atenção de todos! Todos pararam de falar e se viraram para a direção da muralha de Coromuel. Uma fumaça escura subia enquanto os arqueiros vinham correndo amedrontados! - O que está acontecendo?! – perguntou Noto, mas ninguém respondia. Todos estavam apavorados. Eles correram até o alto da muralha e tentaram ver o que acontecia lá em baixo, mas a fumaça escura dificultava sua visão. Aos poucos, eles foram finalmente vendo a terrível realidade. Um imenso pelotão do exército de Hikariomotsu avançava escalando o paredão de rocha! - Homens! Não fiquem parados! Segundo pelotão, disparar flechas!!! – ordenou Lips, sempre pronta para o combate. Os arqueiros dispararam suas incontáveis flechas! Lips olhava satisfeita, acreditando que derrotaria facilmente o exército inimigo. Mas quando as flechas se aproximavam deles, vultos rodopiavam em torno dos soltados, rechaçando as flechas para longe! “O que é isso?!” se perguntou assustada! Lips ordenou mais flechas, mas todas foram novamente rechaçadas! Ninguém conseguia entender o que era aquilo! Foi quando finalmente viram, avançando por entre a neblina, um gigantesco canhão! O exército disparou, causando um grande estrago na muralha e por pouco não atingindo Lips, que correu de encontro ao pai. Assustados, eles recuaram para o interior da província, enquanto o exército de Hikariomotsu avançava, adentrando pelo buraco causado pelo canhão. Os soldados tentavam se defender, mas em combate a curta distância os soltados invasores levavam vantagem e iam pouco a pouco dominando os habitantes locais! Lips cansou de correr e se virou! Seus pais, que corriam junto de Kogeta e Erie se viraram e tentaram puxá-la, mas ela resistiu e ficou firme a olhar o vulto que surgia por entre a fumaça. Era um homem alto, de porte físico musculoso. Cabelos lisos loiros e olhos azuis muito claros. Possuía uma expressão confiante, ainda que meio


debochada, como se não estivesse prestando muita atenção ao que acontecia ao redor. Parecia até distraído. Suas vestes eram douradas e reluziam enquanto andava. - Quem é você?! – gritou Lips, enfurecida, enquanto as pessoas e soldados de sua província eram subjugados ao redor. - Oi?! – perguntou o homem, como se tivesse a atenção desperta pela garota. - Quem diabos é você?! – repetiu Lips. - Ah! Eu sou Garvin, um dos quatro generais de Hikariomotsu! – disse o homem com uma risada sincera, quase simpática. - Um dos generais? Como Edwen e Sarames? – perguntou Kogeta, já segurando o cabo de sua katana. - Uhum... – concordou o homem – Pelo visto já conheceu meus primos né?! Bem malucos eles, hehe! - Então você é primo daqueles dois! – perguntou Erie, também sacando a katana. - Não interessa de quem ele é parente! – interrompeu Lips – Só me interessa que ele irá se arrepender de ter colocado os pés na minha província!!! – e armou seu arco, pronta para disparar! - Acho que você não entendeu garotinha... – respondeu Garvin – Não entendeu ainda o porquê do meu pelotão ter sido escolhido para invadir Coromuel... - Não interessa!!! – e enfurecida, disparou uma flecha certeira na direção de Garvin! As flechas de Lips nunca erravam o alvo! Mas como que em câmera lenta, Garvin abriu um sorriso, e rodopiou no ar enquanto duas estruturas como chicotes saíam de seus punhos e rodavam em seu redor, formando uma espécie de barreira no ar! A flecha de Lips ricocheteou para longe!!! Ela estava chocada! Nunca havia visto uma estrutura de combate como aquela! Tentou lançar mais e mais flechas, até duas ao mesmo tempo, e todas foram rebatidas pelos chicotes de Garvin! - Agora você entendeu garotinha? – perguntou o homem enquanto recolhia seus chicotes – Vocês são uma província de arqueiros. Não há como flechas transpassarem a defesa do meu pelotão, o “Chicote Dourado”! - Talvez os chicotes dele só sirvam para armas de longo alcance! – sugeriu Kogeta.


- Vale a pena tentar! – respondeu Erie, e logo os dois partiram para cima com suas katanas, mas Garvin rodava como um peão e se defendia de todas as investidas com seus chicotes, mesmo eles estando tão perto! Lips não conseguia acreditar que toda sua técnica de arco não valia de nada naquele momento! O que poderia fazer?! Via nos olhos de seus pais a expressão clara do desespero vendo sua província ser tomada e as pessoas escravizadas! Logo, viu Garvin acertar dois murros em Kogeta e Erie, jogando-os longe! Lips não sabia o que fazer, e tudo o que restava era acreditar que as técnicas do inimigo eram basicamente de defesa... Mas logo suas ilusões foram desfeitas! Garvin sacudiu os braços como duas serpentes, disparando seus longos chicotes em todos! As estruturas de metal feriam e cortavam todos os que roçavam nelas! Mais uma vez ele fez o ataque, ferindo Kogeta e Erie, que caíram longe. Lips estava lá, parada, assustada, sem saber o que fazer, quando Garvin olhou para ela com uma expressão assustadora e preparou o ataque! Aquele seria certeiro! Foi quando Noto se jogou na frente, sendo amarrado pelo chicote de Garvin, que o lançou ao ar e depois o derrubou abruptamente de encontro ao chão! Foi possível ouvir alguns de seus ossos quebrando enquanto o senhor de Coromuel ficava inconsciente! - PAI!!! – gritou Lips correndo de encontro a ele! Zephir, no entanto, empurrou a filha para longe! - VÁ EMBORA LIPS!!! – gritou a mãe desperada, enquanto o outro chicote de Garvin a enrolava também!!! - Mãe!!! Não posso deixá-los! – gritava Lips enquanto as lágrimas corriam por sua face! Logo, Garvin começou a arrastar seus pais de encontro a ele! Ele ria da cena dos dois senhores feridos sendo arrastados! Lips se arrastava ao chão chorando enquanto cada vez mais ficava difícil alcançá-los! - Lips... Por favor... – disse com dificuldade Noto, que acordava lentamente devido ao atrito – Por favor, fuja com Kogeta e Erie.. – os dois iam despertando enquanto ouviam as palavras do senhor – Só você conseguirá salvar nossa província! Fuja! Lips compreendia que naquele momento não haveria como derrotar Garvin, não sem pensar em algum plano! E ver seus pais naquela situação não lhe permitia pensar em nada a não ser arrancar a cabeça do adversário! Foi quando sentiu as mãos de Erie e de Kogeta lhe abraçando e puxando-a para longe!


- Vamos Lips! Estaremos com você! – gritou Kogeta! - Você não estará sozinha! Daremos um jeito de salvá-los também! – continuou Erie. Lips apenas conseguia ver sua província e seus pais ficando para trás nas mãos risonhas de Garvin enquanto toda a cena era encoberta pela fumaça dos canhões que destruíam tudo aquilo que outrora ela chamara de lar.


CAPÍTULO 05 - GAROTAS Lá estavam eles, Kogeta, Erie e Lips descendo as montanhas. Lips não falava uma só palavra desde que sua província tinha sido atacada pelo exército comandado por Garvin. Sua expressão era apática e ela parecia trêmula. Seus olhos pareciam sem vida. - Aqui parece ser um bom lugar para descansarmos um pouco, o que acham? – sugeriu Kogeta. - De acordo, minhas pernas doem! – respondeu Erie – Vou aproveitar e procurar algumas frutas para comermos. - Vai lá! – respondeu Kogeta, enquanto observava Lips sentando em um canto mais distante em silêncio. Ele olhava para a bela garota e pensava em algo inteligente para dizer, mas inteligência não era o seu forte, apesar de se achar sabichão. Sem dizer muita coisa, ele apenas se aproximou a sentou do lado da garota, que o olhou de rabo de olho. - Diga... – disse Lips seca. - Não é nada... Só... Que eu estou aqui tá... Aquelas não eram as melhores palavras que alguém poderia dizer à Lips naquele momento, mas ela sentiu uma estranha sinceridade naquele gesto. Como se realmente Kogeta compreendesse como ela se sentia. Foi aí que lembrou que ele de fato já havia passado por isso. Lips então encostou sua cabeça ao ombro de Kogeta, deixando o garoto sem graça, e por fim falou: - Como... Como você se sentiu quando isso aconteceu à sua província? - Incapaz... – e olhou para o céu límpido sobre eles – A sensação de incapacidade é a pior coisa. Ver quem amamos sendo tomados de nós e não podermos fazer nada. É uma mistura de raiva, frustração e culpa. - Raiva... É... Pode ser que seja... Ou pode ser pior... – divagava Lips, sem que Kogeta a ouvisse direito. Kogeta estava bem ruborizado com aquela situação. Mesmo que Lips estivesse em um momento sensível, era impossível não reparar sua beleza. Era uma jovem encantadora. E naquela posição, estavam todos fragilizados. Foi então que ela ergueu os olhos para ver o céu, e viu o olhar de Kogeta, que também era um rapaz muito galante. Como se uma força estranha os movesse, os dois se beijaram. No exato momento em que Erie retornou!


As frutas tombaram ao chão, chamando a atenção de todos! - Erie!!! Eu... Eu posso explicar!!! – gritou Kogeta corando e erguendo-se rapidamente. - Explicar?! Oi?! – gritou Lips – Vocês tem alguma coisa?! - E você não percebeu?! – respondeu Erie, como uma fera enciumada! - Claro que não!!! Você não me disse que tinha nada com ele quando teve a oportunidade! - É porque eu não imaginei que você se recuperaria tão rápido da perda de sua província e sairia agarrando o homem dos outros!!! - Homem dos outros?! – perguntou Kogeta, sem entender aquela possessividade. - CALA A BOCA!!! – gritaram as duas para ele, que se calou! - Como você ousa dizer que eu já superei a perda da minha província!!! – continuou Lips – Você tem ideia do que eu estou sentindo?! Diferente de você, eu sempre gostei da minha vida! Você que deve ter dado graças por sair daquela vidinha fútil que detestava!!! - Eu? Dar graças por perder todo o meu lar?! Você perdeu a cabeça?! Ou ainda está em devaneios por causa do beijo do Kogeta?! - Ah, então você sabe o que o beijo dele por causar!!! - EU TE MATO!!! – e partiram as duas, uma para cima da outra!!! - Calma garotas!!! – gritava Kogeta, tentando segurar o riso. As duas agarravam seus cabelos e os puxavam de um lado para o outro quase como numa dança! Ao mesmo tempo, elas se aplicavam chutes, parecendo dois cangurus! As unhas lanhavam uma na outra! Os tufos de cabelo voavam! Kogeta não sabia se se preocupava ou se ria! Foi quando a briga começou a ficar mais séria, e elas começaram a dar socos uma da outra!!! Kogeta deixou o riso de lado e começou a ficar assustado com a violência do combate! Não gostaria de receber um soco daqueles! As duas belas garotas, que outrora se portavam como damas, pareciam dois animais enfurecidos, se agredindo! Foi quando Erie sacou a katana! Agora a coisa ficou séria! Kogeta gelou! Lips sacou o arco e disparou uma flecha! Eri tentou desviar, mas a mira da adversária era perfeita e teve que se defender com a lâmina! Lips disparava várias flechas certeiras enquanto Erie avançava se defendendo com a katana, até finalmente


ficar cara a cara para aplicar um golpe, o qual foi defendido com o arco! As duas rodavam e aplicavam golpes com o arco e com a katana! Aquilo parecia um duelo de titãs! Kogeta já havia desistido de apartar a briga e resolveu sentar para assistir até o final. As duas continuavam como se não existisse cansaço! Foi quando Lips conseguiu rechaçar para longe a lâmina de Erie, que por sorte, aplicou um poderoso golpe, lançando também o arco longe! As duas mais uma vez engataram em um combate corpo a corpo, caindo no chão e rolando pela poeira! Kogeta saboreava as frutas enquanto via as duas rolarem ladeira abaixo se chutando e batendo. Foi quando finalmente pararam de rolar e Erie se viu sentada sobre Lips, pronta para aplicar um soco certeiro... Mas foi aí que viu... Os olhos de Lips derramavam lágrimas escurecidas pela poeira. Erie não conseguiu atacar mais... Não podia atacar aquela jovem que tanto chorava e sofria. Lips então disse: - Eu... Eu estou com medo... Muito medo! - Medo? – perguntou Erie, abaixando a mão com a qual iria atacar. - Eu nunca senti tanto ódio na minha vida!!! Por quê?! Por que destruíram meu lar?!!! – e gritou como uma criança, agarrando-se ao quimono de Erie como uma criancinha. Foi quando Erie percebeu que aquilo era uma bobagem. Brigar por causa de um beijo, diante de tudo o que estavam passando. Todos estavam sofrendo. E passando por cima do ciúme, Erie abraçou Lips fortemente, até que ela pudesse se acalmar um pouco. - Calma... Estamos aqui... Já passamos por isso, e vai passar... Claro que só passará definitivamente quando reavermos nossos mais, mas até lá, nós estaremos contigo te dando força. Não vamos te deixar! E nós vamos conseguir! - Obrigada... – disse Lips entre soluços. - Ué? Quem ganhou a briga?! – interrompeu Kogeta, que se aproximava terminando de comer a última fruta. Lips e Erie se ergueram olhando secamente para ele... - Parece que tem alguém aqui que não está sofrendo tanto não é mesmo?! – perguntou Erie. - Erie, eu acho que erramos o alvo... Não deveríamos ter atacado uma à outra... É esse salafrário que temos que pegar!!!


E as duas partiram para cima de Kogeta como duas selvagens, disparando flechas e aplicando golpes de katana! Kogeta corria apavorado enquanto só conseguia gritar choramingando: - CALMA GAROTAS!!! Depois de uma boa surra, tudo se acalmou um pouco, e os três continuaram seu caminho. Logo logo chegariam novamente à Alexandrita, a “Província da Terra”.


CAPÍTULO 06 – O FESTIVAL DE ALEXANDRITA Erie e Lips caminhavam à frente de olhos fechados fazendo birra, enquanto Kogeta vinha atrás carregando toda a bagagem. - Eu não acredito que vocês ainda estão chateadas comigo! – perguntou o garoto, suando por causa do peso. - Você ouviu alguma coisa, Lips? – perguntou Erie com deboche. - Acho que só algumas moscas perturbando mesmo... – respondeu a outra, também debochando. Kogeta detestava estar sendo ignorado. Foi quando finalmente chegaram à Alexandrita. Mas a província parecia diferente de antes. Ela estava mais arrumada, as pessoas mais bem vestidas, ainda que continuassem pobres, mas pareciam mais felizes, mas receptivas. O que será que estava acontecendo? Para Lips tudo era novo, ela nunca tinha saído de Coromuel devido à sua criação defensiva, e achava o máximo poder conhecer outra província. Foi quando em meio à multidão, Erie e Kogeta viram enfim um rosto conhecido! Suichõ, carregando algumas sacolas de ervas! O garoto continuava belo como sempre e sua visão acalentava o coração mais sofrido! Logo correram em sua direção! - Suichõ! Suichõ! – gritavam eles! - Kogeta! Erie! Que prazer em revê-los! – respondeu o jovem abrindo aquele sorriso que fazia o dia brilhar mais! Lips se aproximou envergonhada diante da beleza do jovem, que, notando-a, perguntou: - E quem é esta que vos acompanha? - Eu... Eu sou Lips... – respondeu tímida. - Ela é de Coromuel. Sua província também foi atacada por Hikariomotsu... – respondeu Erie. - Também? – perguntou Suichõ com um ar meio preocupado. - O que lhe preocupa? – perguntou Kogeta. - Não, não é nada de mais... Apenas minhas paranoias. Vamos até a casa de chá! Papai vai ficar feliz em lhes ver!


E lá foram eles seguindo o jovem, já imaginando os deliciosos chás que tomariam. Não tardou muito para que avistassem a casa de chá, e estava toda arrumada. - Suichõ, se me permite perguntar, o que está havendo na cidade? Tudo está arrumado, até as pessoas! – indagou Kogeta. - É o Festival Anual de Alexandrita! – respondeu o jovem – Todo ano comemoramos como se fosse um aniversário da província. Vocês chegaram bem no dia. À noite todos bebem e comem, brindando por mais um ano! - É difícil de acreditar que numa cidade tão pobre as pessoas ainda arrumem forças para festejar! – comentou Erie. - É justamente esse o motivo! – explicou Suichõ – Mesmo com a grande pobreza de Alexandrita, nós ainda encontramos motivos para sorrir! E esse é o objetivo do festival, nos lembrar de que a felicidade não se encontra nas coisas grandes, mas sim no convívio com aqueles que amamos... Todos refletiam ao ouvir aquilo. Como estava certo. Foi quando puderam avistar Garnet, o pai de Suichõ, acenando de longe! Continuava com a expressão simpática e rosada. E do lado dele, um rapaz trabalhava carregando toras de lenha para o forno da casa de chá. Enquanto iam se aproximando lentamente, Kogeta e Erie se entreolhavam e iam reconhecendo aquele homem. Aqueles músculos fortes e morenos carregando todo aquele peso eram difíceis de esquecer... Era o ladrão que os roubara! - É ELE!!! – gritaram os dois apontando o dedo pra Kon’nan! - Oi?! – responderam todos. - Foi ele que nos roubou quando viemos aqui da primeira vez!!! – explicou Erie, já sacado a katana e partindo para cima de Kon’nan – Devolva meu colar!!! - Isso é verdade Kon’nan? – perguntou Suichõ, olhando seriamente para o rapaz. - É sim... Sinto muito... – respondeu Kon’nan abaixando a cabeça – Já retorno com o seu pertence... - Ele vai fugir!!! – gritou Kogeta vendo o rapaz se retirar. - Não é preciso se preocupar... – continuou Suichõ – Kon’nan está morando conosco agora. Ele deixou para trás essa vida de crimes. - Será que podemos confiar mesmo nele?! – Perguntou Erie.


- Nele não sei... – respondeu Garnet – Mas se tem uma coisa em que eu confio, é no julgamento do meu filho... Se Suichõ diz que Kon’nan é confiável, então ele é! Logo o rapaz estava de volta, devolvendo o colar de Erie, que emocionada, não conteve o choro ao lembrar-se de sua mãe. Kon’nan pediu desculpas, e Erie, com certo esforço, agradeceu pela devolução. - Bom, agora que tudo foi esclarecido, por que não entramos para tomar um pouco de chá com biscoitos?! – sugeriu Garnet, sempre animado! - Até que enfim! Não aguentava mais esperar por esse momento! – gritou Kogeta, correndo como uma criança para dentro da casa de chá. - Gente, esses chás são tão bons assim? – perguntou Lips. - Espere e verá... – respondeu Erie. E logo Lips estava corada se deliciando com os chás servidos por Suichõ! Ela não sabia se corava mais de tão gostosos os chás, ou cada vez que Suichõ se aproximava e sorria para ela! - Vocês vão ficar para o festival certo?! – perguntou Garnet. - Não vejo porque não! – respondeu Erie. - É, acho que me fará bem um pouco de distração! – concluiu Lips. - Vai ter chá e biscoitos?! – perguntou Kogeta rindo. - Melhor que isso! – respondeu Garnet – Vamos encher a cara e comer carne grelhada! - UHUUUUU!!! – gritaram todos! A noite caiu e os fogos foram soltos! Em cada canto de Alexandrita as famílias comemoravam mais um ano, que apesar de pobre, havia sido um ano de luta e resignação! Eles valorizavam cada momento vivos como uma vitória. Cada momento na companhia de quem se ama como uma dádiva. E isso era o que passavam de geração para geração. Na casa de chá não era diferente! Todos sentados em volta de uma fogueira, queimando seus pedaços de carne ao fogo e bebendo bastante vinho e saquê. Cada um contava piadas e histórias do passado. Garnet, como bom pai que é, contava momentos constrangedores da infância de Suichõ, o que o deixava sem graça e fazia todos rirem!


Erie contava dos mimos que recebia no palácio e de como detestava ser uma “menininha”, preferindo as brincadeiras de garoto! Lips, com algum esforço, lembrouse das coisas positivas de seu lar, e falou de como era bem tratada na infância e de como sempre foi protegida por todos. Coromuel era de fato uma grande família. Chegou então a vez de Kon’nan falar, e com dificuldade, já que estava mais pra lá do que pra cá de tanto álcool, tentou se lembrar de alguma coisa divertida da infância, mas tudo o que conseguia lembrar era miséria, morte e fome. Então, surpreendendo a todos, falou: - Bom... Eu não tenho muitas histórias felizes ou engraçadas como já sabem... Mas tem uma interessante que aconteceu antes que eu crescesse... - Conta! Conta! – disseram todos. - Bom, como sabem, eu levava uma vida – soluçou de bêbado – digamos – soluço – com fonte de renda alternativa né... E certa vez, acabei me metendo em uma confusão, que quase me fez perder a vida... Acabei boiando sem rumo em um rio... – aquela frase chamou atenção de Suichõ e de Garnet – Até que por sorte, fui resgatado por uma pessoa que cuidou das minhas feridas... - E aí? Era uma garota?! – perguntou Kogeta rindo, ansioso e bêbado. - Isso não vem ao caso... – respondeu Kon’nan rindo – O que importa é que na época eu era todo errado. Adivinhem o que eu – soluço – fiz? - O que?! O que?! – perguntaram todos curiosos. - Eu roubei a pessoa! Sério! Eu roubei tudo o que ela tinha em casa! – disse entre risos e soluços – Eu era horrível cara... Mas aí, fui pego e me levaram de novo para eles! Sabe o que aconteceu? - Você tomou uma merecida surra! – respondeu Erie, chamando a atenção de todos! – Que foi gente?! Eu ainda estou com vontade de bater nele uai! - Não... – continuou Kon’nan – A pessoa me perdoou... E nesse dia, eu conheci alguém que acreditou que até mesmo um – soluço – ladrão miserável como eu tinha alma e merecia uma segunda chance... - Ué, mas você disse que isso aconteceu antes de você crescer... – perguntou Garnet, entendendo sobre o que Kon’nan falava. - Sim... – continuou o ex ladrão – Depois disso, finalmente cresci como ser humano...


Todos olhavam boquiabertos. Nunca pensaram ouvir aquilo da boca de Kon’nan, que quase não falava. Suichõ o encarava, tendo finalmente percebido o quanto fora importante na vida daquele rapaz sentado ao seu lado. Kon’nan então se levantou de supetão quase caindo pela bebida e gritou: - Preciso tirar água do joelho!!! – e correu para o mato, fazendo todos rirem! - Bom, bom, agora é minha vez! – continuou Kogeta – E a minha história com certeza será a mais engraçada! - Não sei por que seria diferente! – concluiu Erie secamente. O fato é que nada mais ali chamava a atenção de Suichõ. Ele só pensava se Kon’nan estava bem de fato. Havia se lembrado de muita coisa do passado. Precisava vê-lo. - Com licença! – disse Suichõ levantando-se e seguindo o mesmo caminho de Kon’nan. Suichõ caminhava por entre a mata escura, tomando cuidado para não tropeçar nas raízes das árvores, já que não estava muito sóbrio. “Onde será que Kon’nan se meteu?” pensava ele. Mas logo não tardou a ouvir um barulho e encontrar o amigo perto de umas moitas. Kon’nan suspirava aliviado enquanto urinava. Ele ficou um bom tempo urinando, precisava mesmo esvaziar a bexiga. Suichõ então se aproximou sem saber o que veria, e acabou dando de cara com a cena “constrangedora”! Suichõ corou e tapou os olhos! - Me... Me desculpe!!! Não foi minha intenção!!! – disse Suichõ envergonhado. - HAHAHAHAHA! Tá com vergonha de quê cara?! – respondeu Kon’nan, enquanto balança as partes e as guardava – Nós somos homens! Tudo igual! - É difícil não ficar constrangido diante do “tamanho” dessa igualdade aí!!! – respondeu Suichõ, um tanto irônico, um tanto envergonhado. Percebendo isso, Kon’nan se aproximou de Suichõ sem dizer uma palavra sequer. Suichõ não entendia, e recuou alguns passos, batendo por fim com as costas numa árvore. Kon’nan avançou mais, ficando cara a cara com ele. Era incrível como mesmo no escuro, os olhos brilhantes de Suichõ permitiam que sua beleza resplandecesse. Kon’nan apoiou uma das mãos na árvore, aproximando-se ainda mais do rosto de Suichõ e por fim falou: - Você ficou constrangido por causa do tamanho? Ou porque você gostou do que viu?!


Suichõ não sabia o que dizer! Sua cara estava quente enquanto não conseguia desviar o olhar dos olhos penetrantes de Kon’nan bem diante do seu rosto. Não conseguia entender o que estava acontecendo. Foi quando, surpreendendo o belíssimo jovem, Kon’nan investiu contra ele um voluptuoso beijo! Suichõ perdeu o ar enquanto sentia a língua voraz do musculoso homem tocar a sua! Kon’nan segurava-o pela nuca com uma mão e com a outra puxava sua cintura de encontro a si! O jovem sentia aquele corpo rígido roçar sua pele! Aquelas mãos grossas segurando-o com força! Aquela boca morder seu lábio... Até que Kon’nan simplesmente o soltou e foi embora, voltando para a fogueira, como se nada tivesse acontecido! Suichõ não conseguia entender bulhufas do que tinha acontecido! Apenas tocava os próprios lábios com os dedos e ainda conseguia sentir o quente sabor da boca de Kon’nan na sua.


CAPÍTULO 07 – A ÚLTIMA DOS GENERAIS Todos se encontravam dormindo espalhados pelos cantos da humilde casa de Garnet. Cada um em uma posição mais esdrúxula que o outro devido ao teor alcóolico em que se encontravam. Todos dormiam menos Suichõ, é claro, que não conseguia esquecer o acontecido da última noite. Foi quando de repente um enorme estrondo os acordou num susto! Todos pularam de suas camas! A casa tremia! Eles correram para fora para ver do que se tratava e viram a última coisa que desejavam ver. Um enorme exército de Hikariomotsu fazendo reféns e destruindo tudo por onde passavam! Tinham se aproveitado do momento vulnerável da província após o festival para atacá-la! No meio da rua onde se passava toda aquela cena trágica, uma garota desfilava como uma serpente rastejando. Sua expressão era de asco enquanto mantinha a cabeça erguida e olhava de cima para baixo para todos. Seus longos cabelos eram loiros e desgrenhados. Sua pele alva possuía sardas rosadas enquanto seus olhos eram de um azul quase branco. Usava um batom preto que contrastava com suas vestes douradas. E aquelas vestes chamavam muito a atenção! Sua saia era estranha, reluzia, mas ninguém conseguia visualizar direito em meio à confusão. - Já pra dentro! – gritou Garnet, ordenando que todos entrassem. Como um doido, ele começou a procurar alguma coisa, algo que estava guardado. - O que está procurando pai?! – perguntou Suichõ nervoso. - Chegou a hora! – respondeu Garnet – Finalmente chegou a hora de lhe entregar... - Me entregar o que?! E de dentro de uma pequena caixa, Garnet tirou uma lâmina, como uma pequena espada. - Essa alabarda passou de geração em geração na nossa família! – explicou Garnet – Chegou a hora de passá-la para você, meu filho. - Mas pai... Você sabe muito bem que eu não gosto de violência... Não quero usar isso contra ninguém... E não é uma alabarda, olhe só o tamanho dessa... Mas quando ia terminar sua frase, Garnet pressionou o cabo da lâmina em um ponto, e ela se desdobrou em uma gigantesca alabarda! Aquilo impressionou a todos! Ele então entregou a alabarda nas mãos do filho e continuou seu discurso:


- Não pense nessa lâmina como algo para tirar vidas humanas... Pense em algo para proteger as suas vidas e de outros inocentes! Foi nesse momento em que a casa de chá foi invadida e vários soldados começaram a quebrar tudo! Kon’nan, com seu “jeito delicado”, partiu para cima deles com seu sabre, facilmente derrotando-os! Logo se puseram a sair da casa, mas se viram em meio ao caos! Milhares de soldados corriam atrás das pessoas na rua, agredindo-as e arrastando-as! Suichõ apenas conseguia se perguntar por que era necessária tal barbárie contra pessoas tão pobres, que nem ofereciam resistência? Eles corriam pela rua turbulenta enquanto travavam pequenos combates com os soldados pelo caminho! Kon’nan esmurrava quem quer que cruzasse seu caminho, atingindo por vezes até os próprios moradores da cidade! Kogeta e Erie se livravam dos soldados próximos com suas katanas enquanto Lips atirava flechas nos mais distantes, limpando o caminho mais à frente! Suichõ corria junto de seu pai tentado se defender com a lâmina, mas de fato não combinava com violência. Foi quando cruzaram com um grupo de homens truculentos da cidade que corriam na direção contrária deles! - Ué?! Eu os conheço! – gritou Garnet se virando para ver o que faziam. - Quem são eles?! Guerreiros de Alexandrita? – perguntou Lips. - Não! São bandidos! – explicou Garnet – Mas entre um roubo e outro eles frequentavam minha casa de chá! - Você servia chá a bandidos?! – perguntou Erie surpresa. - Ué?! Todos são dignos de uma boa xícara de chá! – respondeu Garnet com seu habitual sorriso. Foi quando eles avistaram soberana, a garota arrogante de vestes douradas indo em direção ao grupo de bandidos truculentos. Ela se parou diante deles e observou com desdém cada um deles empunharem suas armas. - É isso? Pretendem me atacar? – perguntou a jovem seriamente. - Não deixaremos que faça o que quer com nossa província! – gritou um dos bandidos que brandia um machado de duas lâminas. - Não entendo porque invadir um local tão pobre! Que serventia tem isso para você?! – gritou outro mais ao fundo, que carregava uma espada. - Serventia? – perguntou a garota com deboche – Eu sou Airilyn, filha de Laucian e Yvanna, irmã de Garvin, e a última dos generais de Hikariomotsu! Não tenho


a menor obrigação de lhes dar satisfações, mas se querem saber, pouco importa se sua província é miserável ou não! Minha missão aqui é expandir nosso território, e farei isso, quer vocês queiram, quer não! - Somente por cima dos nossos cadáveres! – gritaram os bandidos avançando como loucos para cima da garota! Todos se preparavam para ver uma chacina! Aqueles homens a fariam em pedaços! Mas o que viram foi bem diferente! Com um sorriso irônico no rosto, Airilyn pulou no ar rodopiando sua saia que reluziu a luz do sol matutino! Sua saia era feita de katanas! Isso mesmo! Dezenas de katanas presas à sua cintura! Conforme ela rodopiava, defendia todos os ataques e atacava ao mesmo tempo os bandidos! O sangue jorrava! Todos olhavam abismados os corpos dos bandidos tombarem um a um enquanto ela rodava belissimamente e pousava com graça em meio à grande poça de sangue. Uma gota de sangue respingou em suas vestes e ela fez uma cara de desgosto. - Sua maldita!!! – gritou Garnet, chamando a atenção da jovem – Mesmo que fossem bandidos, eram meus clientes! Meus fiéis clientes! - Vamos embora pai!!! – gritou Suichõ puxando-o! Logo os jovens começaram a correr tentando fugir! Mas Airilyn abriu novamente um sorriso peçonhento e sussurrou: - Velho atrevido... Ao dizer essas palavras, ela retirou uma das katanas da saia e lançou certeiramente em Garnet, que teve seu ombro direito transpassado! Ele urrou de dor, caindo ao chão! - PAI!!! – gritou Suichõ, abaixando-se para socorrê-lo. - Vá embora Suichõ!!! – gritou Garnet – Nesse estado só serei um atraso! - Que isso! Eu o carrego! – sugeriu Kon’nan. - Não! – respondeu Garnet – Acabarei atrasando você também! Kon’nan me faça um favor! – e puxou o rapaz pela gola – Proteja meu filho! Ajude-o a usar a alabarda! Kon’nan queria levantá-lo e prosseguir, mas viu Airilyn se aproximando sorrateira! Com certeza se se virasse de costas seriam acertados novamente por uma katana dela! Não tendo opção, apenas concordou com a cabeça e saiu correndo puxando Suichõ pelo braço, que chorava vendo o pai ficando para trás!


Eles correram o quanto puderam, sempre se livrando dos soldados invasores que apareciam pela frente até que finalmente Garnet não pôde mais vê-los. De joelhos no chão, o senhor abaixou a cabeça e viu a sombra se aproximar dele. Airilyn parou a seu lado e pôs-se a observar a guerra que acontecia. - Ande de uma vez... Mate-me... – disse Garnet. - Te matar? Que presunçoso... – respondeu ela sem desviar o olhar do combate – Acha que sua vida vale o meu interesse? Um senhor como você que resistiu à dor do ombro perfurado para falar asneiras não é uma força a ser desperdiçada... Trabalhará como escravo... E pela audácia, será castigado diariamente... A vida será o pior castigo para você... Após algum tempo, o grupo de cinco jovens parou em um monte rochoso, já estando a uma distância segura da área invadida de Alexandrita. Ainda assim conseguiam ouvir o som dos canhões e das pessoas gritando. Eles estavam suados e feridos levemente. Mas seu psicológico é que estava gravemente abalado. Suichõ tentava se erguer ainda trêmulo e chorando. Kon’nan meio que o consolava. Lips apoiava-se em seu arco, sem fôlego. Kogeta e Erie ajudavam um ao outro a se recompor. Naquele dia, eles andaram por muito tempo, finalmente se distanciando de Alexandrita e parando para acampar em uma área desértica a nordeste da província. O sol se punha e dava um colorido alaranjado às rochas. A paisagem era de uma beleza vazia, já que ninguém conseguia parar para admirá-la. Foi quando Kogeta cortou o silêncio: - Hum... E agora? Vamos para onde? - Kogeta! Sem pressão! – repreendeu Erie. - Não é pressão! – continuou o garoto – Nós não temos para onde ir! Todas as províncias foram tomadas! O que faremos?! - Precisamos achar um local seguro e discreto para montarmos um acampamento. – respondeu Lips, tentando manter o foco – Após isso, vamos nos preparar... - Preparar? – perguntou Suichõ, virando-se e deixando de ver o pôr do sol. - Agora somos somente nós! – continuou Lips – Precisamos nos preparar para invadir Hiakriomotsu! - Invadir Hikariomotsu?! Tá loca?! – perguntou Erie – Seremos massacrados!


- Não, o que Lips disse pode estar certo! – interrompeu Kon’nan, chamando a atenção de todos por quase nunca falar – Se todas as províncias foram atacadas, isso pode significar que seus generais não estão em casa! Talvez tenhamos uma brecha para atacar a cidade central! - É verdade! – concordou Kogeta – Airilyn mesmo disse que era a “última dos generais”! - Não quero nem ouvir esse nome! – exclamou Suichõ. - Está certo! Vamos nos preparar! – disse Lips se erguendo e se pondo junto a eles que observavam o pôr do sol – Está chegando a hora de recuperarmos o que nos foi tirado! Os cinco olhavam o brilho dourado do sol com determinação e mágoa em suas faces. Aquela situação chegara a um ponto crítico. Precisavam atacar Hikariomotsu com tudo o que tinham, mesmo que fosse em vão, não poderiam deixar de marcar o muro inimigo com sua resistência. A única deles que apresentava alguma dúvida em seu coração era Erie, que de alguma forma, sentia que não seria assim tão fácil.


CAPÍTULO 08 – BEM VINDOS À ESCURIDÃO Alguns dias se passaram desde o ataque à Alexandrita. Kogeta havia caçado uma espécie de preá e Erie o preparava para o jantar. - Como está se sentindo? – perguntou o Jovem. - Ainda meio insegura... – respondeu Erie, enquanto limpava o animal – Sinto como se nosso ataque não fosse dar certo! - É natural estarmos inseguros! Olha por tudo que passamos recentemente! Sabe, quando foi que eu pude imaginar que tudo isso aconteceria assim, do nada?! Mas como meus pais sempre me disseram, as coisas acontecem na hora que tem que acontecer e quando estamos preparados para enfrentá-las! Talvez toda essa guerra tenha algum propósito bom por trás... - Você gosta de falar bonito apenas! – respondeu Erie debochando – Qual propósito bom pode haver em uma guerra? Não tente bancar o sabichão comigo tá. Ultimamente, depois de tudo o que passamos, eu nem sei mais quem eu sou direito, qual é o meu lugar, mas tem uma coisa que eu sei, é que meus instintos nunca me enganaram. - Eu não estou bancando o sabichão! Eu sou! – respondeu Kogeta rindo. Erie quase jogou a preá em cima dele! Riram um pouco. Kon’nan observava Suichõ limpando as hortaliças para fazer salada. No que se tratava de plantas, ele era sem dúvidas o melhor. Como era belo. Até um gesto simples, como descascar batatas, se tornava uma visão esplendorosa quando era feito por Suichõ. Ele havia amarrado o cabelo em um rabo de cavalo, mas algumas mechas pendiam pela sua tez, deixando-o muito atraente e quase que feminino. Kon’nan coçou a cabeça sentindo-se constrangido e tentou fugir dos pensamentos, olhando em volta e deu por falta de Lips. Procurou um pouco mais e a viu sentada distante, riscando algo na areia. Ela também era muito bela. Seus cabelos curtos lhe davam um visual jovial ao mesmo tempo em que suas vestes de arqueira lhe davam um ar formal e maduro. - Vou procurar um pouco de lenha para a fogueira! – disse Kon’nan, dando uma desculpa para sair do local. “Lenha?” Pensou Suichõ olhando para a fogueira e vendo ela repleta de lenha e mais um monte de pedaços sobrando logo ao lado. Achou estranho. Kon’nan se aproximou devagar e pôde ver Lips desenhando movimentos circulares na areia com a base de seu arco. Ela balbuciava algumas palavras bem baixinho. Kon’nan tentou ouvi-las:


- Hum... Muito rápido... Talvez se... Não, não dará certo... Braço esquerdo passa na frente nesse momento... Talvez por cima? Não... Ele roda por cima também... - O que está fazendo? – perguntou ele curioso, dando um susto em Lips. - Nada! Hehe! – respondeu ela sem graça, apagando rapidamente os rabiscos na areia. - Por que está tão distante de nós? – perguntou ele. - Vim fazer mais flechas, gosto de estar concentrada quando as afio. - Hum... Tudo bem. Vou deixá-la então... - Não precisa, já acabei com elas por hoje. - Ah sim... – e sentou-se ao lado da jovem – E então... - O que? - Como está se sentindo? - Sei lá... – e ela olhou para as nuvens – Sabe, quando parece que você lida com um sentimento que até então nunca lidou dentro de você? Sabe, como se estivesse conhecendo uma parte de você que nunca conheceu?! - Nossa, e como sei.. – interrompeu Kon’nan. - Oi? - Nada... Prossiga... - Pois então... Há tanta raiva ainda dentro de mim! – explicou a garota – Uma raiva tão grande pelo exército de Hikariomotsu! Eu nunca senti isso! É quase como se eu estivesse perdendo a minha identidade! Sinto-me vulnerável, assustada, agressiva e... E... - E com medo de se tornar igual ou pior que eles. – completou Kon’nan. - Exatamente... – disse Lips olhando para ele e sentindo-se compreendida finalmente.


Por um momento ela corou. Olhou bem no fundo dos olhos castanhos de Kon’nan. Era um homem e tanto. Ele a olhou com sua expressão forte e finalmente falou: - Já ouvi falar algumas vezes que não se combate ódio com mais ódio. A cura para o ódio é o amor... - Não ando acreditando que o amor possa aparecer facilmente para mim... - Basta você se permitir a aceitá-lo... E dizendo isso, Kon’nan passou sua mão pela nuca de Lips e lhe tascou um baita beijo! Lips não podia (e não queria) resistir aquilo! Kon’nan pegava-a com força. Mordia seus lábios, puxava sua cintura. Mas então Lips sentiu que ele começou a procurar por seus cabelos nas costas, como se desejasse cabelos longos. Ele a beijava e saboreava como se procurasse por um gosto. - Está tudo bem?! – interrompeu Lips. - Está! Está tudo ó... – Mas antes de terminar a frase, Kon’nan viu Suichõ estático olhando para os dois. Os olhos do belo garoto brilhavam marejados. Sua expressão era vazia, assim como o que sentia em seu peito. Kon’nan pareceu extremamente envergonhado enquanto Suichõ virou-se e saiu sem dizer nada. O silêncio ecoou. Lips olhava para Kon’nan, para Suichõ se afastando, para Kon’nan, para Suichõ, para Kon’nan, para Suichõ, para as flechas! - Eh... O que acabou de acontecer aqui? – perguntou ela meio sem graça. - Sei lá! – respondeu Kon’nan sem olhá-la nos olhos – Vai entender o que deu nele! - Não estou perguntando o que deu nele! Estou perguntando o que houve aqui! Com nós dois! – perguntou Lips, ficando nervosa. - Ué?! Beijamo-nos, só isso! Qual o problema?! Deveria haver algum problema nisso?! Porque pra mim não há problema nenhum nisso! Eu sou homem, você é mulher! É o que a gente faz! Beija-se! Qual o problema?! – e gaguejava cada vez mais! - Não, não foi só isso! – respondeu Lips olhando-o assertivamente – Você me beijou para fugir do sentimento novo que nasce em você, o qual não reconhece! Kon’nan olhou apavorado para Lips diante de tamanha assertividade da garota!


- Em outras palavras, - continuou Lips – Você me usou para fugir de algo que sente pelo Suichõ magoando-o! - Não! Digo, sim, mas não queria magoá-lo! Ai!!! Sei lá! – e jogou as mãos na cabeça esfregando-a – Eu nem sei mais o que está acontecendo comigo! – e levantou-se para ir embora. Lips, no entanto segurou sua mão impedindo-o. - Aonde pensa que vai? Sente aqui do meu lado e me conte tudo! Como tudo isso começou! Kon’nan não sabia se se sentiria à vontade para falar sobre aquilo, mas era a primeira vez que alguém queria ouvir sobre seus sentimentos e então se pôs a falar. Contou desde o dia em que conheceu Suichõ até o acontecimento do festival. - Então, é só isso? – perguntou Lips, depois que ele terminou seu monólogo. - Só isso?! Como você acha que estou me sentindo?! Eu sempre gostei de mulher! Como posso agora me ver apaixonado por um cara! - Preste atenção no que irei lhe falar Kon’nan, e quero que reflita sobre isso... Eu estou aqui insegura, com medo de toda a raiva que está nascendo em meu coração por termos nossas províncias destruídas... E você está aí inseguro e sofrendo por causa do AMOR que está nascendo em seu coração! Você está confuso por causa de amor? Cara, é amor, pouco importa se é por um homem ou por uma mulher! Se mais pessoas sentissem amor, o amor verdadeiro, livre de julgamentos, jamais estaríamos vivendo uma guerra! Kon’nan não falou nada, apenas escutou atentamente aquelas palavras e refletiu sobre elas. Lips então se ergueu e recolheu suas flechas. - Agora me vou, já está tarde e os meninos devem ter terminado a janta, estou faminta! – e colocando a mão no ombro de Kon’nan – Lembre-se de uma coisa, independente da sua escolha, você tem em mim uma amiga, alguém que te ouvirá sem julgá-lo! Não se esqueça disso! - Obrigado... Obrigado mesmo! Acho que nunca tive uma amiga! – e corou. Lips voltou para o acampamento, passando por Suichõ, que estava sentado descontando nas batatas sua raiva! Ele tirava lascas enormes juntas da casca! E sua expressão tão bela parecia uma carranca furiosa! Lips se abaixou perto dele e sussurrou em seu ouvido: - Desculpe pelo que viu, eu não tinha ideia... Mas também não está sendo fácil para ele... Dê tempo ao tempo... – e saiu, deixando Suichõ mais confuso ainda.


Os cinco jantaram a carne com legumes sem muita conversa. A comida estava gostosa, então eles até se animaram um pouco e suas faces ameaçavam sorrisos. Kogeta então se pôs de pé, ergueu sua katana sobre o fogo e começou a falar: - Juro solenemente que lutarei com meus companheiros para reaver nossas famílias e nossos lares! Amanhã partiremos para Hikariomotsu, onde nosso futuro nos aguarda! - Você bebeu escondido? – perguntou Erie, quebrando o clima como sempre, e fazendo os outros rirem. - Vamos lá! Não corta minha onda! Continua! – insistiu Kogeta. - Aff! Tudo bem! – e juntou sua katana à dele sobre a fogueira – Enfrentaremos um futuro incerto amanhã! Mas o que pude aprender nesses últimos tempos é que mesmo à frente da adversidade, coisas boas podem surgir, assim como as pessoas boas que vocês são surgiram! - Ownnn! – fizeram todos rindo! - Minha vez! – disse Lips, erguendo-se e colocando o arco sobre as katanas – Juro solenemente cravar uma flecha na bunda de cada soldado de Hikariomotsu que enfrentarmos! – e mais uma vez riram! - Ai gente, vocês não querem realmente que eu... – disse Suichõ, tentando manter a classe, ainda um pouco aborrecido. - Ah! Vamos! Para de bobeira! – insistiram os outros. Com esforço, Suichõ ergueu a grande alabarda e a colocou sobre as outras armas, quase as tombando no fogo! - Juro que, independente do que sentir, lutarei ao lado dos meus amigos – e olhou friamente para Kon’nan, que gelou – e farei o possível para resgatar nossas famílias! Todos comemoraram e olharam para Kon’nan, o último que faltava, e o pior com as palavras. Sem pensar muito, ele jogou seu pesado sabre sobre as armas e gritou: - Vamos arrasar geral!!! Todos gritaram e riram, por um momento esquecendo as tristezas recentes. É incrível como a juventude tem o poder de tornar efêmero o sofrimento e se reabastecer


de ânimo por pouca coisa. Logo eles foram dormir ansiosos com o dia que enfrentariam pela frente. A noite passou devagar. Estavam muito ansiosos para dormir direito! Acordaram, comeram um pouco! Aqueceram-se. Alguns oraram pedindo proteção aos deuses para a batalha que estava por vir. Logo partiram em direção à Hikariomotsu, que se encontrava mais a noroeste. Não tardou muito para que avistassem a grande muralha que cercava a província central! Ela feita de gigantescas pedras! O rejunte entre elas era de um material dourado, que emanava pompa e soberba a todos que se aproximavam. Como eles passariam por aquela muralha? Era só isso que tinham em mente! Será que escalariam? Que quebrariam as rochas? Se perguntavam tudo isso. Até que Kogeta teve a ideia de circular um pouco a muralha para ver se encontravam alguma abertura. Não demorou muito até que viram uma grande abertura! Logo acima dela uma parte mais baixa da muralha, como que dentada. Tinha algumas torres, como postos de observação. Mas não viam ninguém. Talvez conseguissem adentrar por aquele buraco. Só precisariam escalar alguns metros e teriam acesso! Se sua teoria estivesse certa, só enfrentaria soldados menores e conseguiram tomar a província como num verdadeiro golpe de estado! Estavam animados! Chegaram tão longe! Nada poderia dar errado! Foi quando um brilho metálico reluziu pelo buraco. Algo estava saindo de lá! “O que é isso?” se perguntaram os cinco. - A que devemos a honra da visita?! – perguntou uma voz irônica! Os cinco olharam para o alto, mais acima do buraco e avistaram os quatro generais de Hikariomotsu! Edwen, Sarames, Garvin e Airilyn! Todos pomposos e orgulhosos com suas vestes douradas! - Viemos reaver o que nos foi tirado! – gritou Kogeta, respondendo à pergunta de Edwen. - E o que seria isso? A honra de vocês? Ou somente a inteligência básica? – continuou Sarames, provocando risos nos demais generais. - Quero que repita isso quando lhes derrotarmos! – gritou Erie em resposta. - E vocês acham que isso será possível? – perguntou Garvin em sua corriqueira inocência – Gente, eles estão realmente querendo nos derrotar! – se virando para os companheiros. - Garvin, irmãozinho... Você me dá náuseas! – respondeu Airilyn, logo se voltando aos recém-chegados com seu olhar de desprezo – Vermes insolentes... Percebo que não aprenderam nada com o que passaram... - Como ousa falar assim! – gritou Lips, enfurecida.


- Nós não iremos recuar diante de suas ameaças vãs e ferinas! – gritou Suichõ sacando sua alabarda enquanto Kon’nan sacava seu sabre também. Logo todos sacaram suas armas, estavam convictos que o combate seria de igual para igual e que venceriam, até ouvir a risada maligna de Edwen. - HAHAHAHAHAHA!!! “Ameaças vãs”? Vocês não tem mesmo noção de com quem estão se metendo não é mesmo? – e estalou os dedos. Do buraco, a estrutura metálica saiu mais e mais. Logo aquilo começou a ganhar forma graças à claridade do dia e os cinco puderam ver a atrocidade metálica que apontava para eles... Era um gigantesco canhão! Aquilo era quase do tamanho de um prédio! Nunca em outra ocasião os jovens se sentiram tão “nada”... Eram pequenos como insetos a mercê de um enorme pé. - Oh... A gente não vai usar o Giga Canhão em míseros cinco perdedores como eles, vai?! – perguntou Garvin. - Claro que vamos! – respondeu Airilyn, sedenta por sangue. - Não é por serem cinco míseros perdedores meu caro primo... – explicou Sarames solenemente – É pela audácia de se voltarem contra nós... É pela petulância de mostrar resistência contra a maior potência que já existiu... Não podemos permitir que esse símbolo de rebeldia e luta permaneça vivo... - Deve ser... Eliminado! – concluiu Edwen, pressionando o botão do canhão fatidicamente! Era como se o mundo tivesse perdido o som. Tudo se movia em câmera lenta. Um feixe de luz condensou-se na boca do canhão enquanto os jovens perceberam a burrada que tinham feito! Atacar uma província como aquela de frente! Não deveriam ter dado ouvidos a seus impulsos agressivos! Agora era tarde. Eles se viraram e começaram a correr. O desespero estava estampado em suas faces. Não se ouvia nada. O canhão carregava enquanto eles tentavam tomar distância. Quando finalmente disparou, varrendo de branco todo o local! O rastro de destruição era tamanho. As rochas se quebravam sem que seu som pudesse ser ouvido e tombavam num misterioso espaço recém-revelado. E junto com elas, os cinco jovens despencavam inconscientes em meio a mais absoluta escuridão.


CAPÍTULO 09 – ESPÍRITOS Os fatos narrados a seguir são no mínimo controversos. Alguns dos protagonistas afirmam não passar de ilusões de suas mentes causadas pelo trauma da queda na escuridão, enquanto outros afirmam que realmente tiveram contato com criaturas de outro plano. De qualquer modo, cada uma dessas experiências serviu de aprendizado para os jovens, fazendo com que finalmente conhecessem não só a si mesmo, como ao mundo no qual habitam. Kaonashi, o espírito da reciprocidade Suichõ abriu os olhos. Estava parado de pé, em meio a uma grande escuridão. Não havia nada. Absolutamente nada. Apenas o vazio. Ele virava e olhava ao redor, chamando por seus amigos, mas nenhuma resposta vinha. Tateou seu corpo, procurando por algum ferimento, mas estava ileso. Por um momento pensou estar cego, já que nada via, mas, fechando os olhos, percebeu a diferença de tons, logo, ainda podia ver. Não tardou muito para que avistasse um pronto branco distante. Ele andou, estranhando o fato de que não ouvia seus próprios passos. Quanto mais se aproximava do ponto, mais se sentia assustado, como se um calafrio subisse por sua espinha. Foi quando chegou a uma distância onde pôde discernir o objeto. Era uma máscara. Uma máscara branca com expressão estranha, parada flutuando no ar. Não havia corpo embaixo, somente a máscara. Suichõ ficava nervoso só de olhar para aquilo, mas com um pouco de coragem, perguntou: - Quem está aí? - Quem está aí? – respondeu a grave voz vinda da máscara. - Eu lhe perguntei primeiro! É amigo ou inimigo?! O que aconteceu com meus companheiros?! – Suichõ começava a se preocupar. - E você? É amigo ou inimigo? O que aconteceu com seus companheiros? – continuou a voz. Suichõ não entendia as indagações, e preocupado, sacou a alabarda, que reluziu no escuro! Ele não sabia o que fazer, mas aquela situação o assustava muito, e movido pelo medo, achou melhor atacar aquela escuridão à sua frente. O medo do desconhecido faz com que o ser humano aja com violência. Ele aplicou um golpe na máscara, transpassando-a com a lâmina. Nada aconteceu! Era como se a máscara não tivesse matéria física! Aquilo gelou Suichõ! Logo começou a ouvir um grunhido estranho, e sob a máscara uma grotesca bocarra se abriu! Suichõ tremeu dos pés à cabeça! Aquilo era assustador! A boca cuspiu sua grossa


língua, arremessando o jovem longe! A escuridão recolheu sua língua e fechou a boca. A máscara agora parecia ter uma expressão mais agressiva. Suichõ se ergueu com dificuldade se apoiando na alabarda. Não compreendia, e mais uma vez tentou um ataque! Novamente sem efeito, e outra vez foi rechaçado pela língua da escuridão, caindo violentamente ao chão! Não entendia nada! Com dificuldade, Suichõ se ergueu e viu alguns pacotes de chá cair de seus bolsos. Ele sempre andava com pacotes de chá para uma emergência, mania que herdou de seu pai. Olhou para a máscara à sua frente e viu que a expressão dela era de dúvida, quase que curiosa. Estranhamente sentiu uma identificação com aquele sentimento. Não! Não era ele que estava se identificando com a máscara! Era ela que estava correspondendo aos sentimentos dele! Foi aí que percebeu que o tempo todo, aquela máscara só o estava imitando! Quando perguntou no início, ela respondeu com dúvida, indagando-o também. Quando resolveu atacá-la, foi atacado de volta. E agora que se surpreendeu com os pacotes de chá, a máscara demonstrou algo semelhante. Aquele “ser misterioso” à sua frente apenas estava correspondendo aos seus sentimentos. Tentando compreender o que estava acontecendo, Suichõ resolveu sentar-se e respirar um pouco. Percebeu que a máscara parecia tomar uma expressão mais calma, observando-o. - Você apenas foi recíproco comigo, certo? – perguntou gentilmente, estendendo a mão. - Reciprocidade... – respondeu a escuridão, depositando certo peso na mão de Suichõ, como se o saudasse. - Reciprocidade? – perguntou o jovem – Retribuir da mesma maneira como nos tratam? – e se lembrou da raiva que sentiu quando Airilyn atacou sua província. - Tratar da mesma forma como te tratam... – e a escuridão colocou sua “mão” sobre um ferimento de Suichõ, causado por um de seus ataques. O jovem parou por uns segundos e compreendeu finalmente. - Quando você me tratou da mesma forma que eu lhe tratei, você causou dor... E eu revidei essa dor, causando mais dor... – o jovem finalmente havia compreendido sua lição – No fim, criei um ciclo de ódio, o qual só cessou com um gesto de gentileza e calma... - Já que compreendeu, posso retribuir com sabedoria... – explicou a escuridão, tornando a máscara com expressão gentil – Não se trata apenas de cessar o ciclo de ódio... Trata-se de não se tornar igual ou pior aqueles que lhe fizeram mal... – e colocou as mãos nos ombros de Suichõ.


- Trata-se de retribuir o ódio com o amor... – repetiram os dois juntos, e finalmente, a máscara e a escuridão desapareceram. O portão da verdade Lá estava Kon’nan correndo feito louco! Estava tudo claro, como se o ambiente fosse formado apenas por luz! Ele corria nu. Corria desesperadamente como que perseguido por alguma coisa. Olhava para trás diversas vezes, como se algo estivesse o alcançando. E realmente estava. Atrás do jovem um imenso portão negro se arrastava! Parecia feito de pedra, e sua estrutura ao redor era como corpos contorcidos! As portas se abriam, e lá dentro uma escuridão ecoava com um misterioso olho observando-o! Kon’nan corria cada vez mais enquanto estranho braços saíam de dentro do portão como se fossem tentáculos de sombras! Ele corria o quanto podia, corria cada vez mais! Quando mais corria, mais se sentia frágil, mais se sentia desajeitado, e foi quando percebeu que estava diminuindo de tamanho! Não só de tamanho como de idade também! Kon’nan corria e ia se tornando um garotinho aos poucos! Logo estava engatinhando, divagando sem ter consciência do que o perseguia há pouco. O portão também sumira. Ele ficou ali, engatinhando por um bom tempo em meio à luz. Até finalmente ver um vulto se abaixar diante dele e o erguer nos braços. O vulto revelou sua face, era sua mãe, Andaluzite! Ele brincava com seus cabelos com suas mãos pequenininhas. Mas logo percebeu que não se tratava mais de sua mãe. Os cabelos haviam mudado de cor. De castanho passaram para um tom negro. Estavam mais lisos. O bebê Kon’nan olhou curioso ao se deparar com o rosto de Suichõ. O que aquilo significava? Sentiu que uma pressão começava a crescer em seu peito e logo se viu adulto novamente, ainda nos braços de Suichõ. Deu um grito! Caindo de costas ao chão! - O que está acontecendo?! – perguntou assustado ao nada enquanto se erguia. No entanto, ao virar-se, viu novamente o portão, desta vez parado e de portas fechadas. - Por que está me perseguindo? – perguntou, esperando alguma resposta. Nada veio, então continuou as indagações – Por que me tornei uma criança?! Por que vi minha mãe?! Por que ela se tornou o Suichõ?! - Tantos “Por quês”! Não se cansa da sua ignorância? – veio a voz vinda do portão. - Ignorância?! – perguntou Kon’nan assustado por ter uma resposta finalmente.


- Eu sou o portão da verdade! E a verdade, assim como o sol, nunca permanece escondida por muito tempo, por isso lhe persigo, para que você me encontre e me aceite. - Aceitar que verdade? – perguntou curioso. - A verdade que você já sabe, mas reluta em aceitar. – e dizendo isso o portão abriu suas portas! Não havia mais escuridão nem olhos lá dentro, somente luz, uma luz branca e acolhedora. - Quer que eu entre aí? – perguntou Kon’nan. - Você quer entrar? – perguntou o portão. Kon’nan não respondeu. Hesitou por um instante, mas tomou coragem e mergulhou no interior do portão. Jogou-se na luz e sentiu um calor gostoso preencher seu corpo. Enquanto voava em meio à luz, viu lembranças de seu passado. Percebeu o quanto sentia falta de sua família, e mais do que isso, o quanto sentia falta de receber amor. Quando pensou nesse sentimento, viu a imagem de Suichõ à frente. Sentiu-se tão feliz por vê-lo e lembrava os momentos que passou com ele, desde o início, quando foi curado, quando ele lhe deu o voto de confiança, e até o momento em que se beijaram. Viu tudo como num filme. - Estou confuso... – disse ao vazio. - Por quê? – perguntou o portão. - Porque compreendo o quando senti falta do amor, e parece que finalmente encontrei alguém disposto a isso verdadeiramente... Mas... Mas... - Kon’nan... – chamou a voz do portão educadamente – Espíritos se atraem pela vibração, pela energia, e não pela aparência, não pelo físico... - Quer dizer... Que não é errado? - Você fugiu da verdade, e sofreu, acabando por fim deparando-se com ele... Você lembrou-se de seu passado, recobrou seu sentimento, e acabou por fim deparandose com ele novamente... Desde quando amar é errado Kon’nan? - Amar? – perguntou Kon’nan ao portão – Eu amo o Suichõ?! – perguntou Kon’nan a si próprio – Eu... Amo o Suichõ... – já não perguntando mais... E toda a ilusão desapareceu junto com o medo da verdade.


O medo de si mesmo Lips caminhava por uma espécie de bosque. Era como se as árvores fossem petrificadas. Não havia vida ali. Tudo era escuro e sombrio, e ela se sentia estranhamente fraca e desamparada. Cada vez que passava por uma árvore, via no vulto o semblante de algum dos generais de Hikariomotsu e tomava um susto! Aquilo estava mexendo com seus nervos. Chamava por seus amigos, mas ninguém respondia. Foi quando chegou a um ambiente mais aberto, totalmente escuro, no qual havia alguém pouco mais adiante. Aquela pessoa era familiar. Lips se aproximou com cuidado, até finalmente se chocar como que viu: Era ela própria!!! - O que é isso?! – gritou assustada diante da própria imagem! Mas nenhuma resposta veio. Sua imagem permanecia imóvel, com semblante frio. - Isso é algum tipo de ilusão? Uma armadilha de Hikariomotsu?! – perguntou preocupada e paranoica, mas mais uma vez, nenhuma resposta veio. Foi quando sua imagem começou a se mexer, sacando seu arco e empunhando uma flecha. Lips observava assustada e confusa. Seu reflexo se virou para esquerda e disparou a flecha! Lips não podia acreditar no que via! A flecha cravava certeiramente em Erie, que se encontrava presa em uma árvore! - NÃO!!! – gritou horrorizada! Seu reflexo mantinha a expressão serena e maligna! Lips sacou seu arco e disparou contra o reflexo, mas não lhe causou dando algum, pelo contrário, sentiu uma pontada e viu a flecha perfurá-la no mesmo lugar! - O que é isso?! – perguntou sem entender nada! Mas logo viu o reflexo empunhar mais uma flecha e disparar contra Kogeta que estava mais adiante! Aquilo a fez gritar de desespero! – PARE!!! PARE POR FAVOR!!! – Lips não conseguia aguentar a ideia de se ver fazendo aquelas atrocidades! Tentou novamente disparar uma flecha, mas mais uma vez foi atingida no lugar do reflexo! Tombou de joelhos sem entender enquanto via sua imagem disparar contra Suichõ e Kon’nan! Gritou de pavor enquanto as lágrimas escorriam por sua face! - PARA!!! POR FAVOR!!! EU NÃO QUERO FAZER ISSO COM ELES!!! SÃO MEUS AMIGOS!!! POR FAVOR!!! EU NÃO SOU UM MONSTRO!!!


Mas a imagem não respondeu, apenas sacando mais uma flecha, desta vez em Garvin! Desta vez Lips não sentiu culpa nem dor. Não sentiu nada. Aquilo chamou sua atenção, enquanto seu reflexo a olhava seriamente. O silêncio ecoou entre as duas. Lips caída de joelhos no chão sabia que precisava entender aquilo. Era muito doloroso se imaginar ferindo quem se ama. Mas quando se viu matando quem odiava não sentiu nada. Então, toda aquela raiva fazia parte de si? Abriu os olhos sem acreditar enquanto as lágrimas caíam. Lips começava a compreender. Havia negligenciado sua raiva e suas emoções negativas durante muito tempo por ter vivido praticamente em uma bolha, em uma província fechada na qual não saía da zona de conforto. Ao ser “ferida” tão cruelmente por Garvin e seu exército, experimentou uma raiva que não conhecia dentro de si! Experimentou uma parte sua até então desconhecida e que fugia à imagem de boa moça que fazia de si mesma! Finalmente se ergueu e encarou com firmeza seu reflexo. - Compreendo... Finalmente compreendo! Você também faz parte de mim... Como ser humano que sou, também sou passível de sentir raiva, ódio, rancor, medo, e todas as emoções negativas que neguei e achei que não possuía. Sempre pensei ter controle absoluto da minha vida, da minha província, das minhas emoções. Mas não temos controle de nada... E descobri isso da pior maneira, sendo atingida, me sentindo vulnerável... Sentindo-me vulnerável a mim mesma! E é claro que sentir essa raiva não significa que revidarei da mesma maneira... Não devo me tornar igual a quem em fez o mal... Pelo contrário, devo compreender que se uma pessoa é capaz de fazer despertar o mal em alguém, eu posso ser capaz de fazer despertar o bem! E com essa raiva, junto da minha determinação, eu levarei justiça ao mundo e resgatei aqueles que amo! Protegerei aqueles que amo! E mais importante, me amarei com todas as minhas imperfeições! E dizendo isso, Lips correu de encontro a seu reflexo, abraçando-o e lhe dando um beijo, o qual fez com que toda a ilusão desaparecesse. Fuligens Erie se encontrava em uma espécie de casa de campo. Era um local simples, porém muito bonito. Tudo requintado e arrumado. Adentrou a casa e vagou pelos cômodos, todos vazios. Após um tempo recordou de onde estava. Era uma propriedade de sua família na qual iam passear às vezes. Chegou à sala de estar na qual havia vários porta-retratos. Toda a cena era amarelada, como se o sol estivesse nascendo e entrando pelas frestas. Ela olhou para as fotos e se viu pequena, sempre bem vestida, como uma boneca. Seus pais sempre a carregando, a cercando de mimos, de bonecas. Viu algumas fotos suas estando suja, depois de brincar na rua, com sua mãe brigando com ela. Riu um pouco. Lembrar-se do passado a fazia bem. Foi quando viu um pequeno vulto preto mover-se próximo ao chão, como se algo fugisse! “Será um rato?” pensou, e tratou de seguir o vulto. Vagou por mais alguns cômodos até finalmente chegar a um quarto de bebê. Era o quarto onde dormia, com


todos seus pertences, até mesmo o berço em madeira pintado de branco. Mas o que chamou sua atenção foi o que cobria o local: milhares de coisinhas pretas peludas! Eram como bolinhas de poeira, pareciam fuligens! Mas andavam como aranhas! Aos montes, cobrindo tudo o que passavam de negro! - Ei! Estão sujando tudo!!! – gritou ela, tentando espantá-los! Mas quanto mais tentava, mais sujava suas mãos e o quarto. As fuligens se agitavam e sujavam tudo. Viu então um grande retrato seu vestida como uma princesa sendo praticamente coberto por aqueles serezinhos misteriosos! Não podia permitir isso, e logo correu para cima, tentando espantá-los! Mas percebeu que eles começaram a adentrar ao retrato, como que por uma espécie de rachadura no vidro. - Ué?! Para onde foram?! – se perguntou encucada. Não contendo sua curiosidade, Erie retirou a camada de vidro e puxou a foto, que estava colada devido ao tempo. Debaixo daquilo havia alguma coisa, algo completamente coberto pelas fuligens, que pareciam agitadas, como se ela tivesse descoberto uma coisa preciosa! Erie sentiu que precisava ver o que era aquilo. E enchendo os pulmões de ar, deu um baita sopro, que lançou todas as fuligens para longe! Surpreendeu-se com o que viu, pois não deixaram nada sujo! Era uma belíssima pintura de uma gueixa guerreira! E o rosto era muito semelhante ao seu! Ao lado da gueixa havia outros guerreiros. Percebeu a semelhança com seus amigos. As fuligens pulavam em volta dela, como se estivessem felizes. - O que vocês têm?! Parecem que estão contentes por eu ter achado esta pintura. Foi quando as fuligens começaram a rodopiar no chão, deixando algo escrito com sua poeira enquanto desapareciam lentamente. Erie surpreendeu-se com o que leu: “Você descobriu a si mesma” Finalmente compreendeu. As fuligens estavam cobrindo seu passado, aquilo que ela ainda temia estar apegada, a ideia de ser uma princesinha frágil, e lhe mostraram o que ela é de verdade, uma guerreira! Talvez, depois dessa crise, se aceitasse a si própria como a mulher forte que é, seus pais com certeza a aceitariam também! Ergueu-se vitoriosa e orgulhosa por ser quem é, e toda a ilusão desapareceu. Wan Shi Tong Kogeta vagava por uma espécie de biblioteca. Era um local muito grande, com milhares de estantes repletas de livros. Aquele de fato não era o local onde gostaria de estar já que detestava estudar. Andava com cara de tédio até que finalmente ouviu um


barulho que chamou sua atenção. Correu e se escondeu atrás de uma estante, observando a estranha cena. Mais adiante, um vulto negro e comprido folheava diversos livros e jogava-os longe, como se procurasse alguma coisa. Era estranho, não parecia humano. Tinha uma forma esquisita e mexia a cabeça de maneira circular. Kogeta sentiu-se curioso e deu um passo à frente, observando que pequenas plumas vagavam pelo ar e caíam perto de seus pés. Foi quando o ser deu um grito de euforia, o que deu um baita susto no menino! O vulto finalmente achara o que procurava e começou a folhear como louco. - Vejamos, onde está? Onde está? Aqui! Aqui está! Kogeta... Seu nome é Kogeta – e virou-se para trás, revelando se tratar de uma gigantesca coruja negra. - Vo... Você sabe meu nome?! – perguntou Kogeta assustado – E você fala?! - Noto que possui a peculiar habilidade de constatar o óbvio... – respondeu a coruja. - Quem é você? – perguntou o jovem se aproximando. - Me chamam de Wan Shi Tong, o guardião do conhecimento. E você foi enviado até mim para aprender... - Aprender?! – questionou o jovem, fazendo cara de deboche – O que eu preciso aprender? Já sei tudo! - Hum... Foi mais fácil do que achei. Você acaba de me dizer o que precisa aprender... A ser humilde... A compreender que a vida é um constante aprendizado, e que isso não se dá apenas através de livros... - O que quer dizer com isso? – perguntou Kogeta curioso. Wan Shi Tong entregou o livro a Kogeta, que o abriu ao mesmo tempo em que a coruja abria suas asas. O livro era sobre ele! Contava toda a história de sua vida, incluindo acontecimentos, sentimentos, pensamentos, tudo o que ele havia feito na vida! Do mais banal, até o mais íntimo! Kogeta corava ao ler tudo aquilo sobre ele e saber que eram verdades! - Envergonhado de alguma coisa? – perguntou a coruja. - Não... Nada! – respondeu ele sem graça – Mas o que eu devo aprender aqui então? - Isso é você que deve descobrir! – e alçou voo!


Kogeta ficou lá, parado com o livro aberto na mão. Não vendo outra solução, sentou-se em um canto e começou a ler desde o início. Relembrou sua vida toda. Ria de algumas situações, em outras chorava. E começou a notar que em vários momentos ele sentia-se de uma forma, e logo depois percebia que estava errado e que aprendia uma lição. Viu a cena de seus pais lhe dando broncas para que treinasse e ficasse mais atento e ele achando que sabia de tudo, que não precisava se preocupar. Logo depois sua vizinhança foi destruída. Começou a perceber que não sabia nada sobre a vida de seus amigos, seus companheiros, apenas que sofreram como ele. Isso já bastava, é claro, mas não compreendia seus sentimentos, não tinha parado para pensar sobre isso. Agora descobria o quanto tinha sido egoísta e egoico a vida inteira. Foi quando começou a chegar às últimas páginas esse deparou com um dilema que até então não tinha encarado. Viu uma página inteira só para contar de Erie e de Lips! De como as duas sofreram e mesmo assim se mantiveram fortes e de como a beleza das duas o encantavam. O texto corria de uma forma que apresentava os pontos positivos e negativos de cada uma delas, quase que as comparando até o final da página. Kogeta virou a página ansioso para saber quem “venceria” aquela disputa em sua vida, mas a página estava em branco. A última página do seu livro estava em branco. - Entendeu?! – perguntou Wan Shi Tong, surgido do nada e dando um tremendo susto em Kogeta, que gritou e lançou o livro pro alto! - Não me mate do coração assim!!! - Desculpe, não foi minha intenção. - Wan Shi Tong, deixe-me lhe fazer uma pergunta... Por que a última página do meu livro está em branco? - Porque a vida é assim... Nós nunca sabemos o dia de amanhã, o futuro não é algo palpável... - Mas até o momento o livro não me mostra quem é melhor, Erie ou Lips! - É porque até o atual momento de sua vida, você não se decidiu por uma delas... Assim que você perceber qual delas é a pessoa mais importante para sua vida, sua última página se escreverá... - Entendo... Ou melhor, não entendo... – respondeu o garoto, surpreendendo a coruja. - O que não entende?


- Nada... Depois de ler o meu livro, percebi que é melhor dizer que não entendo as coisas, já que ainda tenho muita coisa a aprender. Sempre me achei um sabichão, mas não consegui nem ao menos escolher uma pessoa para ser feliz comigo, quiçá escolher uma maneira de salvar meus pais do domínio de Hikariomotsu. Então, é melhor dizer que não entendi, e buscar esse entendimento junto de meus companheiros... Foi quando uma porta se abriu do nada, deixando uma grande luz branca invadir a biblioteca por inteiro. - Você pode ir... – disse Wan Shi Tong, apontando para a saída com sua enorme asa – Compreendeu o que precisava... Compreendeu o quando lhe falta compreender... - Obrigado! – respondeu Kogeta, saindo correndo e sorrindo feito um moleque porta à fora! - Bom, agora arrumarei a bagunça que eu fiz... – concluiu Wan Shi Tong olhando para enorme pilha de livros bagunçados que atirara longe procurando pelo de Kogeta. Pouco a pouco, os cinco jovens iam acordando. Eles sentiam-se muito doloridos e confusos, sem lembrar-se ao certo do que acontecera, apenas do canhão de Hikariomotsu disparando contra eles. Olharam para o alto e viram bem distante o buraco por onde caíram, parecia até uma pequena estrela. Foi quando outra luz os chamou atenção. Assustaram-se e tentaram recuar, mas não havia saída. Sentiam-se muito machucados e doloridos para fugir de alguma coisa, e àquela altura, só poderiam ser os soldados inimigos. Mas não. Foram surpreendidos quando alguns homens vestidos de maneira muito pobre chegaram com tochas nas mãos. - Meus jovens... Vocês estão bem? – perguntou o primeiro dos homens. - Eh... Não muito... – respondeu Kogeta, tentando se manter firme. - Onde estamos? – perguntou Erie. - Ah sim, nos desculpem a grosseria... – continuou o homem – Eu sou Baikal, o líder de Yamiomotteiru, a província subterrânea. - Província subterrânea? – perguntou Suichõ admirado enquanto Kon’nan tentava ajudá-lo a se erguer, mas não recebia atenção. - Yamiomotteiru? Nunca ouvi falar... – Completou Lips.


- Ninguém nunca ouviu falar... – respondeu uma voz surgindo por de traz de Baikal. Foi quando um jovem moreno e corpulento, mas de expressão doce e cabelos desgrenhados se aproximou – Eu sou Huran, filho do Baikal... Nossa província é desconhecida de todos, pois vivemos presos e exilados abaixo de Hikariomotsu... - Abaixo de Hikariomotsu?! Tem uma província embaixo da outra?! – se perguntaram os jovens assustados. - Se não houver problema, venham conosco, e nós lhes contaremos toda a verdade... – respondeu Baikal. Os jovens aceitaram com determinação e partiram junto dos moradores de Yamiomotteiru. Finalmente era chegado grande momento!


CAPÍTULO 10 – A HISTÓRIA NÃO CONTADA O grupo de jovens acompanhava os desconhecidos em meio à escuridão. Baikal e Huran os guiavam com auxílio de tochas. Finalmente, após caminharem com dificuldade, chegaram a uma gigantesca cidadela! - Não acredito! – exclamou Kogeta. - Há uma cidade embaixo de Hikariomotsu?! – perguntou Erie. - Vocês nunca ouviram falar de Yamiomotteiru mesmo? Então eles fizeram um bom trabalho... – comentou tristemente Huran. - “Eles”? – Perguntou Lips. - Não se apressem. Contaremos-lhes tudo no devido tempo, agora vamos tratar de suas feridas... – concluiu Baikal. Os jovens adentraram Yamiomotteiru ficando cada vez mais chocados com a pobreza e miséria do lugar. Até mesmo Kon’nan, que havia crescido pobre nunca passara por tantas pessoas doentes, famintas e pálidas pela ausência do sol. Eles chegaram até um dos poucos casebres “sólidos” da cidade e foram atendidos por Ruby, irmã de Baikal, que cuidou de seus ferimentos. Logo chegou Bones, marido de Ruby, que lhes ofereceu um pouco de pão e água, tudo o que tinham. Eles comeram agradecidos. Mesmo sendo uma refeição humilde, foi a mais gostosa que podiam ter tido naquele momento. Após descansarem, eles sentaram-se em uma grande roda para iniciar a conversa. Suichõ começou a falar: - Então... Desculpe a ansiedade, mas preciso compreender logo isso! Como assim há uma província inteira sob Hikariomotsu?! - Eu entendo sua ansiedade. E não os culpo por nunca terem ouvido falar de nossa cidade. – explicou Baikal – A origem disso tudo aconteceu há muitos anos, bem antes do nascimento de vocês. - Por favor, nos conte... – insistiu Lips. - Pois bem... – continou Baikal – Há muitos anos, para ser mais exato, na época de seus avôs, nosso reino era dividido apenas entre quatro províncias: Sakurajima, Kantaburica, Alexandrita e Coromuel. Cada uma delas era tida como a província de um respectivo elemento, já que se valiam destes para sua sobrevivência. Todos os reinos eram amigos e viviam em harmonia, respeitando seus limites e diferenças. Até que um dia, resolveram criar uma nova província, denominada Hikariomotsu, a “Província da


Luz”. Foram eleitos quatro líderes, sendo cada um oriundo de uma das demais províncias. Dessa forma, cada província teria seus direitos garantidos e opiniões levadas em conta. Os quatro líderes eram: Andrus (de Sakurajima), Vitória (de Kantaburica), Cécias (de Coromuel) e Citrino (de Alexandrita)... Houve um alarde entre todos os jovens! Baikal e Huran não entenderam o que acontecia. - Cécias é o nome da minha avó! Só havia uma com esse nome em Coromuel! – gritou Lips. - E Citrino o nome do meu avô! - continuou Suichõ. - Não pode ser! – interrompeu Kon’nan – Porque Citrino era o irmão da primeira esposa de meu pai, Zoisite! Então nós somos quase parentes! – e olhou assustado para Suichõ! - Peraí! – interrompeu Kogeta – Andrus era meu avô também! - Eu não sei se em Kantaburica só tinha uma Vitória, mas é o nome da minha vó também! – concluiu Erie. Todos se olharam assustados! Aquilo só poderia ser algum tipo de pegadinha do destino! Toda a origem de Hikariomotsu se dera devido a seus antepassados! Mas como era possível?! Baikal então continuou a história: - Bom, não importa muito o grau de parentesco, e sim como a história se desenrolou. Anos se passaram de muita paz, com todas as províncias vivendo em igualdade sendo governadas pelos seus respectivos governantes. Até que, por infortúnio do destino, Andrus veio a se casar com Vitória! Eles viveram uma linda história de amor, só que tudo não passava de uma ilusão, pois o coração de Vitória batia mais forte por Citrino! – todos olhavam pasmos como se assistissem a uma novela – Os dois então viveram um tórrido romance extraconjugal! – Huran observava como seu pai se empolgava contando a história – Até que em um belo dia, Andrus pegou-os em flagrante! Imaginem o horror! A ira o possuiu! Andrus baniu Vitória e Citrino para as profundezas de Hikariomotsu, uma espécie de calabouço natural, mesmo contra os conselhos de Cécias, que pedia para que tivesse misericórdia. Andrus os exilou e se autoproclamou imperador de Hikariomotsu! Alguns anos mais tarde, ele veio a conhecer Ariel, com a qual se casou e teve Azufre, atual rei da “Província da Luz”. Nesse meio tempo, Vitória e Citrino se casaram e resolveram por si próprios formar o que hoje conhecemos como Yamiomotteiru, a “Província das Trevas”! E eu nasci dessa união junto de minha irmã Ruby. Ruby e Bones tiveram Sapphire, sua linda filha, enquanto eu consegui meu filhão de coração, Huran!


- Papai me salvou das ruas... – explicou Huran com amor nas palavras. - Mas por que “Yamiomotteiru”? Porque “Província das Trevas”? – perguntou Lips. - Não tenho certeza, mas meu pai dizia que era porque vivíamos à sombra de Hikariomotsu. – explicou Baikal. - Discordo... – continuou Lips – Mesmo que vivam na escuridão e pobreza, possuem muito mais luz em seus corações do que aqueles vaidosos que vestem roupas douradas e se orgulham de fazer o mal! - A Luz e a Treva coexistem... – continuou Suichõ – Não dá para separá-las, já que há bondade e maldade em todos os seres. O que me chama atenção é que até hoje, nenhum de nós sabia dessa história! Não é possível que nossos pais a esconderam de nós dessa forma! - É exatamente aí que está a questão! – continuou Baikal – Após ver a loucura de Andrus, Cécias saiu de Hikariomotsu e recolheu sua província no alto das montanhas, isolando-a do resto. Ela preferiu esquecer todo aquele sofrimento. Para Érebo, Kivu e Opala, irmãos de Andrus, Vitória e Citrino, foram contadas mentiras para que não tentassem retirar o poder de Hikariomotsu! O que mais nos choca, é saber que todos foram criados vivendo uma verdade triste, de miséria, uma realidade alienada, sendo sempre adestrados por um passado do qual não tinham noção! - É impressionante como as pessoas tem essa capacidade, de repetir o erro, de serem domesticadas, sem nem ao menos se questionar se suas ações estão certas! – continuou Huran – Como Suichõ disse, há bondade e maldade em todos, então seria errado criticarmos os atuais generais de Hikariomotsu por seus atos. Edwen, Sarames, Garvin e Airilyn são, de fato, terríveis, mas isso é apenas o reflexo de sua criação! Eles foram criados achando que seus atos são justificáveis e que estão fazendo o melhor para sua província, independente do que acontece às demais! - Está certo! – disse Kogeta se levantando num pulo! – Vamos voltar para Hikariomotsu e jogar a verdade na cara deles! Eles têm que compreender! - Não viaja! – gritaram todos! - Esqueceu-se do que fizeram na nossa última tentativa de aproximação? Dizimaram-nos! – disse Erie. - E o que você sugere? – perguntou o garoto – Precisamos mostrar a verdade a eles!


- O ser humano consegue criar ilusões tão fortes que às vezes se torna difícil ver a verdade, mesmo que esteja à sua frente... – concluiu Baikal. - Eu sugiro que planejemos algo... – falou Lips, erguendo-se com dificuldade – Não podemos agir guiados pelo impulso agressivo. Foi isso que nos custou à vitória, e por sorte sobrevivemos. Temos isso como vantagem, pois acham que estamos mortos. Precisamos agir friamente para conseguir adentrar aquela fortaleza! - Eu posso lhes ajudar a planejar algo! – disse Huran, animado. - Filho! – repreendeu Baikal – É claro que concordo com vocês e acho isso tudo uma injustiça! Mas vocês não terão chance contra o exército inimigo! Não posso permitir que vá! Não aguentaria lhe perder! - Mas pai... – respondeu Huran chateado, ainda que compreendendo os sentimentos do pai. - Não precisamos do Huran, sem ofensas! – disse Erie, se erguendo – Precisamos apenas da experiência de vocês para bolarmos uma estratégia de combate! Vocês são a província mais próxima de Hikariomotsu! Se há alguém que sabe como derrotá-los, esse alguém é Yamiomotteiru! - Está certo! – disse Kogeta dando de ombros – Afinal, eu não sei de nada mesmo! Vamos montar uma estratégia! - Tudo bem! Deixem comigo! – disse Huran correndo indo buscar alguma coisa – Aproveitem e descansem! Algum tempo depois, estavam todos sentados em roda novamente enquanto Huran abria grandes plantas da província no meio de todos! - Uau! Plantas de Yamiomotteiru e Hikariomotsu! Como conseguiram?! – perguntou Kon’nan. - A de Yamiomotteiru eu que fiz, usando como base a de Hikariomotsu, que veio trazida pelo esgoto! – respondeu Huran – Eu me amarro em desenhar! - E eu me amarraria em ter um sócio como você na época que era ladrão! Imagina só com uma planta des... – e Kon’nan foi interrompido pelo olhar de desaprovação dos amigos! - Bom, vamos à estratégia! – começou Huran – Como sabem, a maior parte das frotas do exército de Hikariomotsu está espalhada pelo reino expandindo seu território nas outras províncias. Por isso, os quatro generais voltaram para o centro, a fim de


protegê-lo! Há uma ligação entre as duas províncias! Um grande túnel que leva diretamente ao centro de Hikariomotsu! – todos se admiraram – Mas esse túnel é fortemente vigiado por dois pelotões de soltados de Hikariomotsu! Um que vigia a entrada de nossa província, e outro que vigia a saída da deles... Precisamos pensar em algo para lidar com esses dois obstáculos primeiramente... - De quantos soldados estamos falando exatamente em cada pelotão? – perguntou Kon’nan. - Aproximadamente dez... – respondeu Huran. - Beleza! Deixe que eu e Suichõ cuidamos da nossa entrada! – completou Kon’nan. - Oi?! – respondeu Suichõ seco. Ainda estava chateado. - Algum problema com a ideia? – perguntou Kon’nan, meio sem graça. - Não, tudo bem... – respondeu Suichõ, percebendo que aquela não era hora pra sentimentos pessoais interferirem. - Muito bem! – continuou Huran – Após passarem pelo túnel, vocês sairão no pátio central de Hikariomotsu! Os generais se dividem em quatro pontos estratégicos: Edwen a noroeste, no palácio principal; Sarames a nordeste, na parte social e educacional da província; Garvin a sudoeste, nos galpões bélicos, onde guardam as armas; e Airilyn a sudeste, comandando o Giga Canhão e vigiando os prisioneiros! - Como você sabe exatamente onde cada um deles fica? – perguntou Erie. - Eles são tão vaidosos que até seus nomes estão escritos nas plantas da cidade! – respondeu Huran rindo. - Está bem! Eu cuido do Edwen! – disse Kogeta. - Tenho minhas contas a acertar com Sarames também! – continuou Erie. - Eu lidarei com Garvin! – disse Lips – Dessa vez será diferente! - E nós dois cuidados da Airilyn! – disse Kon’nan se aproximando de Suichõ, que o encarou seriamente. - Muito bem! Descansem por hoje. Treinem e se preparem psicologicamente. Amanhã os levaremos até o túnel. – concluiu Baikal.


Todos eles se levantaram e seguiram seu rumo para dentro da casa. Kogeta olhava para Erie e Lips caminhando lado a lado e por um momento lembrava-se da ilusĂŁo com a coruja. Ainda nĂŁo tinha escolhido quem ficaria ao seu lado...


CAPÍTULO 11 – O CERCO – PARTE 01 O grande dia havia chegado! Todos os jovens aguardavam o momento em que confrontariam não somente seus mais terríveis inimigos, como também seus futuros incertos! Kogeta, Erie e Lips estavam mais atrás enquanto Suichõ e Kon’nan se apresentavam diante do gigantesco túnel a sua frente. Os dois permaneciam sérios encarando o enorme buraco negro, preocupados com o que logo encontrariam. Huran se aproximou dos dois para mais uma última advertência: - Não se esqueçam! Este túnel os levará diretamente para o centro de Hikariomotsu! Mas durante o trajeto encontrarão dois pelotões de aproximadamente dez soldados! - Pode deixar! Cuidaremos deles! – disse Kon’nan. - Assim que limparmos o túnel faremos o sinal para que sigam adiante! – completou Suichõ. Logo os dois adentraram a imensidão escura do túnel. Eles caminharam durante algum tempo no breu sem dizer uma só palavra. Evitavam fazer qualquer barulho para não chamar atenção de possíveis inimigos. Foi Kon’nan os parou. Precisava falar algo para Suichõ. - Suichõ, por favor, espere... - O que foi?! – cochichou o outro. - Eu... Eu gostaria de lhe pedir desculpas pelo que fiz... – respondeu sem graça. - “O que fez”? A que se refere? – perguntou Suichõ, fingindo não entender. - Você sabe muito bem! Eu te magoei ao beijar Lips... - Ora... Porque eu estaria magoado? – perguntou tentando se fazer de forte. - Não precisa tentar mentir para mim... – Disse Kon’nan se aproximando, e Suichõ já podia sentir a temperatura quente do corpo do companheiro – Eu fiz aquilo porque eu mesmo não me compreendia... Queria fugir do que sentia... Queria fugir do que sinto por você... - “O que sente por mim”?


- Sim... Eu nunca havia sentido algo assim por um cara... Mas você despertou algo diferente em meu coração... Não se trata sobre o sexo de quem é... Trata-se sobre a pessoa que despertou amor em meu coração... Trata-se sobre a pessoa com a qual eu quero viver o resto da minha vida! Se estivesse mais claro seria possível ver Suichõ corando diante da declaração! Mas ainda que sentisse que seu coração fosse explodir pela boca, ainda estava realmente magoado com o beijo que viu. - Olhe Kon’nan... – disse ele, tentando mudar de assunto – Acredito que agora não seja o melhor momento para discutirmos isso... Já é possível ver as tochas inimigas... - E quando será o momento de discutirmos isso?! – perguntou Kon’nan, segurando Suichõ pelos punhos, quase fazendo barulho – Quando estivermos lutando contra os Generais de Hikariomotsu?! Ou quando estivermos mortos caso não consigamos vencer?! - Preste atenção no que vou lhe dizer! – e Kon’nan viu uma estranha firmeza no olhar de Suichõ – Se sairmos dessa com vida, se resgatarmos nossas famílias, lhe prometo que conversaremos e nos entenderemos quanto a isso! Kon’nan o encarou por alguns segundos. Era só essa a motivação que precisava para dar cabo do primeiro pelotão mais a frente! Correndo feito um louco, ele sacou seu sabre e partiu para cima dos dez soldados inimigos! Kon’nan lutava como um monstro! Suichõ não ficou para trás e sacou sua alabarda, derrubando todos os que tentavam lhe enfrentar! Surpreenderam-se um pouco, pois não eram somente dez soldados, e sim em torno de vinte! Aquilo deu trabalho! Com esforço, os dois conseguiram vencer o pelotão, caindo ao chão lado a lado, exaustos! Durante o combate, poucos ferimentos foram feitos em seus corpos, mas eles não podiam arriscar outra luta. Usando de um pouco de violência, Kon’nan interrogou um dos soldados, fazendo-o revelar a quantidade de soldados do segundo pelotão. No mínimo trinta! Não conseguiriam lidar com aquilo! - O que vamos fazer?! Se só vinte já nos deram trabalho! – disse Kon’nan. - É para isso que estou aqui... – respondeu Suichõ com uma estranha confiança – Não acha mesmo que dependerei somente da sua força física? Claro, sem querer menosprezá-la... - O que tem em mente? – indagou Kon’nan curioso. Suichõ não respondeu nada, apenas tirou uns saquinhos com ervas dos bolsos.


- O que é isso? – perguntou Kon’nan. - Nada de mais... Apenas um chazinho diferenciado... – respondeu Suichõ com um sorriso – Agora me ajude a deixar todos os soldados inconscientes e trocarmos de roupa com dois deles! Mais adiante, o segundo pelotão dos soldados de Hikariomotsu espreitava em seu posto. Logo, viram duas tochas se aproximando. Ficaram desconfiados, mas logo viram os uniformes dourados e se aliviaram. - O que fazem por aqui? – pergunto o líder do segundo pelotão. - Bom dia! – respondeu Suichõ disfarçado, e abrindo um belo sorriso capaz de conquistar qualquer um – Vocês não vão acreditar no que o líder do nosso pelotão achou em Yamiomotteiru! Uma venda de chá!!! - Venda de chá?! – perguntaram os soldados inimigos. - Pois é! – respondeu Kon’nan, entrando na onda – Como, vivendo nessa miséria, eles encontraram ervas para produzirem este chá?! E o pior, é uma delícia!!! - O comandante Jardel já explicou! – disse Suichõ, revelando o nome do comandante que eles haviam descoberto ao interrogarem os soldados – São plantas que não precisam de luz, por isso conseguem crescer com a umidade daqui de baixo! – e encenaram uma pequena discussão – E ele pediu que trouxéssemos um pouco para vocês experimentarem! – E Suichõ bebeu um pouco de uma das canecas. - Bom, já que é um presente do comandante Jardel, porque não, né?! – perguntaram os soltados, aceitando as canecas e bebendo, compartilhando entre si. O chá estava realmente uma maravilha! Era adocicado, ao mesmo tempo em que não era enjoativo. Refrescava como se tivesse um quê de limão no fundo. Em poucos goles, todos os soldados do segundo pelotão tombaram inconscientes ao chão!!! - O que você deu para eles?! – perguntou Kon’nan assustado com Suichõ. - Chá de Lasca de Érato! Um poderoso narcótico! - E porque você anda com isso?! E outra, como não fez efeito em você?! - Eu já sou imune ao efeito dela. E sempre ando com uns pacotinhos de chás, pois nunca se sabe quando o poder do chá irá salvar sua vida! Como agora, por exemplo! – e riu.


Após trocarem suas roupas novamente, Kon’nan buscou os demais. Eles terminaram de atravessar o gigantesco túnel, chegando finalmente a uma escadaria que subia e dava para uma espécie de grade. Com algum esforço, eles removeram a grade e deram conta que estavam exatamente no centro de Hikariomotsu! Agora a verdadeira batalha iria começar! Todos deram as mãos e urraram com fé, separando-se e buscando os respectivos postos de batalha! Agora seria tudo ou nada!


CAPÍTULO 12 – O CERCO – PARTE 02 Erie corria pelos caminhos de Hikariomotsu! Era estranho estar dentro do território inimigo e não encontrar nenhuma resistência. Assim como Huran havia previsto, todos os exércitos estavam ocupados expandindo o território, então seria mais fácil encontrar os generais cara a cara! Não demorou muito para que chegasse a uma estrutura parecida com uma torre, só que muito pomposa, como se as paredes fossem todas de cristais. Em baixo, alguns soltados a esperavam. Acima, soberana, Sarames estava sentada em uma espécie de terraço, observando o avanço da jovem. - Sarames! É você mesmo que eu quero! – gritou Erie, com sua habitual “gentileza”. - Me quer?! – perguntou a vilã com ironia no tom de voz – Você tem a audácia de sobreviver ao ataque do nosso Giga Canhão, você invade nossa província, mancha nosso solo com suas patas imundas, e ainda vem gritar na minha presença que me quer?! Não acha mesmo que me darei ao ridículo de lhe enfrentar, acha? - Está com tanto medo assim? – perguntou Erie, fatidicamente! Os guardas automaticamente apontaram suas lanças para ela! - Não! – interrompeu Sarames – Quero que ela me explique melhor o que quis dizer com “medo”... Porque teria medo de uma “ex princesa” como você? Você não foi capaz de fazer nada quando perdeu seus pais... Acha que será capaz de fazer alguma coisa agora? - Sarames... – e Erie começou a falar serenamente – Pode ser difícil, e às vezes quase impossível, mas acredite, as pessoas podem mudar... Muita coisa se passou desde nosso primeiro combate... Eu compreendi muita coisa sobre mim, o que me ajudou a compreender muita coisa sobre você... - Você compreendeu sobre mim? – e Sarames pareceu não gostar disso – Seria o mesmo que a terra compreender o sol! Que insolência! Guardas derrotem-na! Os guardas bem que tentaram, mas Erie realmente estava mudada! Abateu cada um deles com uma precisão ferina! Sarames se admirou! Aqueles não eram os mesmos movimentos da garota que foi vítima do canhão! Era muito pouco tempo para ter mudado tanto. O que será que tinha acontecido?! Foi quando teve a atenção chamada pela lâmina de Erie erguida e apontada para si! - Venha! Desça de seu falso pedestal e me enfrente! – gritou Erie.


- Acha que eu tenho medo de um inseto como você?! – rosnou Sarames, descendo da torre pomposa. Ela descia degrau por degrau lentamente, era quase lindo de se ver. - Não... Não é de mim que você tem medo... – respondeu Erie friamente, não agradando Sarames nem um pouco. As duas se puseram cara a cara. Erie continuava apontando sua katana enquanto Sarames retirava sua pesada espada das costas. O sol brilhava na lâmina imponente! - Pelo seu atrevimento, eu lhe darei a honra de morrer perante a minha espada! – proferiu Sarames. - Veremos! – respondeu Erie. E as duas partiram para cima uma da outra! As lâminas se chocavam e faíscas voavam! Era incrível a força que Erie tinha que fazer para revidar os ataques da pesada espada de Sarames, que não precisava impor nenhum esforço, pois só o peso da arma já era arrasador! Mas isso não atrapalhava o combate! As duas rodopiavam, atacavam e se defendiam ao mesmo tempo quase que em um balé! As vestes douradas de Sarames reluziam como se fosse um ser divino enquanto o quimono, já maltratado, de Erie dava um ar medieval e clássico a seus movimentos! Elas continuaram nessa dança durante muito tempo. As defesas eram perfeitas e os soldados olhavam com pavor! Nenhum sabia brandir uma espada tão bem! Sarames se perguntava o que tinha mudado em Erie e notava que os olhos da garota não possuíam hesitação alguma! Sua alma estava diferente, não possuía medo! Aquilo estava irritando a vilã que, movida pela raiva, agarrou Erie pelos cabelos e arrastou pelo chão, quase cravando a espada fatalmente em seu pescoço! Erie só conseguiu se salvar, pois abriu mão da vaidade e cortou o próprio cabelo com katana, conseguindo rodopiar e evitar o golpe! Não satisfeita, Erie, ainda rodando, aplicou um tremendo chute no estômago de Sarames, o que a fez tombar mais adiante. - Vo... Você me chutou?! – perguntou a vilã assustada com a violência da garota! - Sim! – respondeu Erie, descabelada e se erguendo como uma fera – E você ainda não viu nada do que eu vou fazer!!! E pariu para cima de Sarames! Erie deu um baita soco direto na lâmina da inimiga, tanto cortando sua mão, quanto arremessando a arma longe! Sarames não podia acreditar que havia ficado desarmada daquela maneira! E o pior, não poderia acreditar no que se seguiria! Erie começou uma série de socos, murros, chutes, joelhadas, cabeçadas, cotoveladas, pisadas, cruzados e até mesmo rasteiras! Sarames se viu em frangalhos!!! Tombou como uma fruta podre e desmantelada! Tentou se erguer com


dificuldade vendo seus cabelos negros misturados com o sangue que escorria de seu rosto ferido. - O que... O que é você?! – perguntou bufando. - O que eu sou?! – respondeu Erie – Pois é... Eu demorei pra descobrir o que eu sou! Sabe por que eu falhei no início, quando nos conhecemos? Porque eu não era quem sou de verdade! Naquela época eu vivia uma mentira! Vivia o conto de fadas que meus pais projetaram para mim, de uma menina indefesa e delicada que precisava dos outros para lhe cuidar e proteger! Mas eu descobri... Eu descobri que não sou nada disso! Não sou a princesinha que os outros queriam! Longe disso! Eu sou porca! Eu sou grossa! Eu sou bruta! Eu sinto ódio, sinto mágoa, sinto rancor! Eu sou uma mulher de verdade! Não... Eu não sou só uma mulher de verdade! Eu sou uma mulher de verdade forte pra caramba!!! E somente quando eu me enxerguei como a guerreira que sou eu pude me dar conta que vencer você seria algo fácil!!! Porque você ainda nem ao menos conseguiu descobrir o que é!!! - ORAS! COMO OUSA!!! O QUE QUER DIZER COM ISSO?! – gritou Sarames enfurecida! - Você é apenas o reflexo da criação dos seus pais! – e cravou sua katana no chão, assustando Sarames! – Você tem medo, e esse medo grita em suas atitudes! Você sabe que sempre estará em segundo plano, mesmo sendo mais velha! Seu irmão sempre será o herdeiro legítimo por ser homem! Acha que eu não sei o que é ser desvalorizada por ser mulher?! Ser posta como um objeto? Eu sei, e como sei! E você sabe também! Você teme ser fraca! Você teme ser tudo o que seus pais acham que você é: “a segunda opção”! Por isso você precisou ser tão cruel esses anos, por isso você precisou mostrar tanto poder! Até sua arma é desproporcional a você! Tudo isso para compensar a falta que você tem deles! A falta que você tem de você mesma! De ser quem você é de verdade! Tudo isso pra compensar o enorme vazio que há em você como ser humano!!! - AAAAAAAAHHHHHHH!!! CALE-SE!!! – gritou Sarames aos prantos, erguendo-se e chorando, buscando de alguma forma sua lâmina e partindo para cima de Erie em um último ataque desesperado! Erie não se deu ao trabalho de abrir os olhos! Rechaçou a lâmina longe e ainda por cima atingiu Sarames em cheio, partindo suas vestes, e expondo-a ao chão! Caiu de joelhos segurando as roupas para não ficar nua! Sentia vergonha! Sentia-se pequena diante dos olhares voluptuosos dos soldados que outrora a serviam. Encolheu-se e chorou como uma garotinha, finalmente reconhecendo o medo que sentia. Erie se aproximou dela, abaixando-se e disse calmamente: - Calma lá querida... Você ainda não sabe a metade da história... – era hora de contar toda a verdade para Sarames, e fazê-la compreender que tudo o que foi até hoje


não passou de uma continuação vazia e sem sentido de uma trama muito mais antiga que sua existência. Suichõ e Kon’nan corriam pelo seu caminho buscando chegar até onde os prisioneiros ficavam. Kon’nan olhava para Suichõ, que mantinha a sua beleza até mesmo quando corria. Ele se lembrava da astúcia do companheiro durante o combate anterior. Não conhecia aquele lado dele, e isso só provava que era uma pessoa cada vez mais admirável. - Suichõ! – falou ele – Precisamos conversar! - Agora não! – respondeu o outro secamente, estamos chegando! E de fato, logo chegaram! A masmorra era imensa! Como se fosse um gigantesco pavilhão de metal composto apenas por grades, onde as pessoas ficavam amontoadas lá dentro como animais! - Que horrível! – falou Kon’nan ao ver a situação – Precisamos resgatá-los! - Calma! – chamou a atenção Suichõ – Não é estranho? Mesmo que os exércitos principais não estejam, não há nenhum guarda vigiando-os! E todos estão calados, como se estivessem assustados com alguma coisa... - Comigo... – veio a voz ferina e cruel que chamou atenção dos dois! Os dois ergueram o olhar e viram, sobre o pavilhão dos prisioneiros, Airilyn, desfilando como uma víbora traiçoeira com sua belíssima saia de katanas. - Airilyn! Desça daí! Nós a derrotaremos! – gritou Kon’nan. - Vocês o que?! – perguntou ela, parando seu desfile o olhando com desdém para eles – Não entendi direito... Vocês o que?! - Kon’nan... – sussurrou Suichõ - Não perca tempo com ela... Eu serei seu adversário... Corra até os prisioneiros o mais rápido que puder! - Como assim? – sussurrou o outro de volta – Você pretende enfrentá-la sozinho? Isso é loucura! - Cale a boca e apenas vá! Eu tenho um plano! Seu sabre deve ser o suficiente para abrir aquelas grades! Agora vá! VÁ DE UMAVEZ!!! Kon’nan não sabia o que esperar de Suichõ, mas já tinha decidido confiar de vez no companheiro! Correu feio louco na direção das celas! Airilyn viu aquele movimento


descontrolado e pulou como uma fera enraivecida rodopiando sua veste de lâminas! Se caísse sobre Kon’nan ele seria fatiado sem dúvidas! Foi quando, surpreendendo a todos, Suichõ arremessou sua alabarda como uma lança, ferindo a perna de Airilyn e cravando a arma na parte superior da grade! Airliyn saltou para o lado, permitindo que Kon’nan alcançasse seu objetivo! Ele logo tratou de tentar quebrar a grade! - Ora seu maldito! – gritou ela enfurecida para Suichõ, que permanecia pleno apenas observando – Como ousa me ferir! É idiota por acaso?! Acabou de se desarmar!!! - Eu não preciso da arma para acabar com você... – respondeu Suichõ, sereníssimo! - É o que veremos!!! – e Airilyn ergueu-se furiosa contra ele! Ela avançava e rodopiava com sua terrível saia de katanas! O plano de Suichõ funcionara! Devido ao ferimento na perna, Airilyn estava mais lenta! Era possível desviar de seus golpes! Ele havia estudado bastante os movimentos que ela usara em seu último combate, e a maior parte de sua força vinha dos pés que usava como apoio! Ferindo as pernas, ela ficava mais fraca! Suichõ só precisava ganhar tempo para que Kon’nan libertasse os demais, mas aquela grade não parecia colaborar! - Anda logo Kon’nan! – gritou ele. - Tá difícil aqui!!! – respondeu o amigo, surrando a grade com seu sabre! - Você acha que conseguirá ganhar tempo para ele?! – perguntou Airilyn, sacando duas katanas da saia e partindo para o combate com as mãos! Por essa Suichõ não esperava! Usando duas katanas nas mãos ela se tornava uma adversária ainda pior! Ele tentava desviar, mas cada vez era ferido mais! Precisava de sua arma, mas ela estava cravada na parte de cima da grade! Cada vez mais ele se feria e o sangue já jorrava! Precisava pensar em algo! Foi quando teve uma ideia! Talvez funcionasse! E virando de costas loucamente para Airilyn, que achou aquilo um ultraje, ele correu na direção de Kon’nan! Suichõ só teve tempo de gritar para alertar companheiro, que se virou de súbito e conseguiu compreender do que se tratava! Com um esforço, Suichõ apoiou seu pé nas mãos de Kon’nan, que o lançou para o alto, alcançando finalmente sua alabarda! Suichõ pairou no ar pousando certeiramente sobre a lâmina! Parecia um combate de beleza! É claro que Airilyn não se agradava daquilo e partiu para cima dele gritando como uma louca! Suichõ percebeu que ela não estava indo na direção dele, mas sim na de Kon’nan, que ainda estava distraído olhando sua beleza!


Não podia permitir que Airilyn o ferisse, e pela primeira vez compreendeu o que seu coração sentia por Kon’nan! Jogou-se com sua lâmina ignorando todos os ferimentos! Caiu de joelhos, cravando sua alabarda no chão como uma barreira intransponível no exato momento em que Airilyn deu sua rodopiada mortal! As lâminas da saia de Airilyn atingiam a alabarda de Suichõ e se partiam uma a uma junto do ego da vilã que se despedaçava! Não podia tolerar aquilo!!! Se valendo das duas lâminas que ainda tinha inteiras nas mãos, ela preparou o golpe fatal para cravar sobre Suichõ que ainda se encontrava caído de joelhos!!! Mas então, em um gesto nada feminista, Kon’nan saltou por cima de Suichõ e acertou um baita murro na fuça de Airilyn que tomou arregaçada ao chão!!! Ela ainda tentava recobrar os sentidos quando Suichõ foi mais esperto e correu ao seu encontro catando todas as partes quebradas de suas lâminas! Ele fincou cada uma delas em uma parte de sua veste, deixando-a presa ao chão como um cão raivoso! As lâminas cortavam a mão do jovem, mas ele não ligava para a dor, só queria ter certeza que aquela besta permaneceria ali presa! Quando ela percebeu o que ocorria, gritou como um monstro! Toda a sua beleza se desfez em meio às lágrimas misturadas com maquiagem, baba, sangue e poeira! Suichõ se erguia com dificuldade, recebendo ajuda de Kon’nan enquanto olhavam para aquela jovem, totalmente transtornada diante deles. Qual seria o preço da soberba e crueldade que ela teve durante a vida? Um fim humilhante e digno de pena... Os prisioneiros urraram de felicidade!!! Finalmente sua algoz havia sido derrotada! Eles agitaram as celas, que graças aos esforços de Kon’nan, já estavam fracas e cederam, oferecendo a todos novamente a tão amada liberdade! As pessoas corriam sorrindo, felizes, enquanto Suichõ e Kon’nan se olhavam em meio à multidão como se o mundo tivesse ficado em silêncio. Nada mais existia além dos dois. Não precisavam de mais nada, apenas um toque... Apenas um beijo... E se beijaram em meio à multidão, que boquiaberta, corou. - Eita! Acho que terei muito que entender! – comentou Garnet ao ver o filho nos braços do outro rapaz – Bom, pelo menos estamos livres!!! – e gargalhando, foi abraçar o filho! Airilyn urrava presa ao chão enquanto perdia as forças. Ela começava a devanear. E em meio ao devaneio, se deparou com uma coisa. Ficou cara a cara com tudo aquilo que menosprezava nos outros: o amor verdadeiro. Pessoas pobres, humildes, sem nada, sem riquezas, sem poderes, que só tinham umas às outras, e agora, possuíam uma coisa que nem ela possuía, a liberdade...


CAPÍTULO 13 – O CERTO – PARTE 03 Lips caminhava pelo caminho de Hikariomotsu. Ela andava serenamente com uma determinação penetrante no olhar. Não tardou para encontrar o pelotão que estava sobre o comando de Garvin. Logo, o grande e loiro general a viu e abriu seu sorriso irônico. Era chegada a hora do combate! - Olha só quem ressurgiu das cinzas! – disse Garvin se virando e caminhando em direção à Lips. A garota nada respondeu, apenas parando. Garvin continuou caminhando. - Sabe, eu achei tão desnecessário usarem do Giga Canhão contra vocês. Vocês não representam uma ameaça tão grande assim... – continuou ele sem receber nenhuma resposta. Lips apenas se posicionou elegantemente e ergueu seu arco. Garvin parou sério diante da ameaça. Lips colocou a flecha e a apontou para o adversário. Ela não dizia uma só palavra e seus olhos o fitavam de uma forma amedrontadora. - Vejo que se esqueceu do que aconteceu da última vez não é mesmo?! - replicou o general, tratando de expandir seus chicotes dourados e girá-los em seu redor. Lips nada dizia. Ela olhava veemente. Garvin avançava confiante rodando suas armas, crente que jamais seria vencido enquanto mantivesse a defensiva. Todo seu exército gargalhava confiante da sua vitória. Pobres coitados, não imaginavam o quanto Lips havia estudado aqueles movimentos circulares. Ela disparou uma flecha certeira que transpassou a defesa circular de Garvin por uma brecha em um milésimo de segundo, ficando em seu ombro esquerdo e destruindo sua armadura! Todo o exército se calou diante do grito de dor do general! - Como?! Vo... Você me atingiu?! – gritou ele transtornado! Mas em resposta, Lips disparou outra flecha! Ele bem que tentou mover o outro braço em defesa, mas a flecha foi mais rápida e transpassou seu ombro direito, jogandoo ao chão, chorando de dor! - Com os dois braços inutilizados sua técnica será inútil... – explicou Lips seriamente enquanto punha mais algumas flechas no arco e as apontava para o restante do exército – E então, mais algum de vocês ousará me enfrentar?! Como cães amedrontados, todos fugiram, deixando Garvin caído ao chão chorando como uma criancinha. Não podia acreditar que fora abandonado. Tentava se


levantar, mas seus braços feridos não o ajudavam. Lips então apontou uma flecha para sua cabeça! Ele ficou sem palavras! Sua vida dependia daquela menina! - Eu poderia disparar agora... E você teria um fim imediato... E isso saciaria minha sede de vingança... – dissertou Lips – Mas não seria o correto para você, para seu aprendizado. Não devo me tornar algo pior do que você! Você deve viver para aprender com seus erros e para isso, lhe contarei tudo sobre a verdade por trás de sua província. Espero que preste bastante atenção! Garvin finalmente mostrou uma expressão séria. Não sabia que o que estava para ouvir mudaria toda a sua concepção de vida. Kogeta corria pelo caminho que escolhera. Na sua mente só conseguia imaginar a face de seu tão desejado adversário! Até que finalmente o alcançou... Edwen estava sentado sobre uma velha carruagem, como que o esperasse! Sua expressão era séria, e não parecia nada satisfeito. - Então, você finalmente chegou até aqui... – disse o general. - Edwen, prepare-se! Irei lhe derrotar! – brandiu Kogeta com coragem! - Me derrotar?! – indagou o outro – Você realmente acha que será capaz de derrotar a mim, o príncipe herdeiro de Hikariomotsu? Que insolência! Mas sabe o que mais me incomoda? - O que?! - Não é sua petulância achando que terá algum resultado contra mim, mas a atitude de seus companheiros que foram capazes de derrotar Sarames, Garvin e Airilyn! - O que?! Meus amigos conseguiram vencê-los?! Ainda bem... – suspirou aliviado – Como sabe disso? - Tenho olhos por toda a província. Meus informantes me contaram o papelão que os outros generais fizeram... Patético... Agora, terei mais trabalho a fazer depois que derrotá-lo... Terei que ir atrás de seus companheiros! - Mas nem pense nisso! – gritou Kogeta sacando sua katana – O seu adversário sou eu! - Então me mostre se aprendeu alguma coisa nesse tempo ou se continua o mesmo perdedor miserável de antes! – e sacou sua grande espada também!


Logo os dois partiram para o combate! Kogeta aparentava ter dificuldades e recebia vários cortes de Edwen, que parecia estar brincando em combate! Edwen já enchia o peito de ego acreditando que Kogeta não melhorara em nada suas habilidades! Foi quando o general derrubou Kogeta ao chão com um poderoso murro e partiu para cima, pronto para cravar sua espada! Mas era exatamente esse o plano de Kogeta, que até agora escondera sua melhora de habilidades! Ele rodopiou no chão, aplicando uma rasteira certeira em Edwen, que tombou para trás perdendo o controle! Kogeta partiu para cima dele deixando a espada de lado e os dois rolaram pela lama! Socos, chutes, murros, até mordidas eles se davam! No meio da confusão caíram por uma ladeira até bater em algumas carruagens ali paradas, assustando os cavalos! Edwen se ergueu completamente sujo e transtornado ao ver todo seu orgulho jogado literalmente na lama! Não, aquilo era imperdoável! Arrancou uma estaca de madeira das carruagens e a brandiu como uma lança! Kogeta desviou do ataque e se jogou para próximo a alguns materiais, pegando uma pesada corrente para usar como arma! Eles partiram para cima um do outro como duas feras! Edwen avançava com golpes da estaca enquanto Kogeta tentava se defender com a corrente e atacar ao mesmo, mas sem muito resultado. Foi quando por um infortúnio do destino, Kogeta escorregou na lama da calçada e caiu ao chão desiquilibrado! Era tudo o que Edwen precisava e saltando como um animal preparou-se para cravar a estaca certeiramente! Mas nesse momento, uma katana cruzou o ar e desarmou o general, que recuou assustado! Kogeta se virou e viu Erie chegando correndo! - Kogeta, você está bem?! – gritou ela. - Não se aproxime!!! – gritou o jovem tentando evitar que ela se machucasse no combate... Mas era tarde de mais... Edwen arremessou sua enorme estaca de madeira perfurando certeiramente a lateral do estômago de Erie, que tombou ao chão gritando de dor! Kogeta não conseguia ouvir mais nada e assistia tudo àquilo como que em câmera lenta! Via aquela jovem sangrando caída e finalmente se deu conta de quem era à pessoa mais importante da sua vida! Sentiu a dor e a revolta subirem de sua barriga para seu peito como um calor destrutivo! Virou-se a tempo de ver a expressão risonha de Edwen que tinha acertado seu alvo. Kogeta perdeu o controle. Varando a pesada corrente contra Edwen, Kogeta o derrubou brutalmente no chão com um violento golpe! A porrada foi tão forte que abriu a testa de Edwen e o desnorteou! Kogeta não queria saber! Continuou com as agressões!!! Edwen mal conseguia se levantar, rastejava-se de quatro enquanto tinha as costelas quebradas pelos bárbaros golpes da corrente de Kogeta! O jovem urrava como um animal enquanto descontava sua raiva no inimigo! Edwen tentava em vão fugir, mas Kogeta o puxava pelos pés enquanto pisava em suas pernas e lhe dava mais golpes nas costas! O general chorava como uma criança! Kogeta preparou-se para o golpe final! Mirou na cabeça e varejou a corrente!


Teve seu braço impedido! Erie, mesmo sangrando e ferida, segurou o braço de Kogeta e o impediu de matar Edwen! - Pare agora Kogeta!!! – disse ela com esforço, chamando a atenção do garoto, que a olhou com lágrimas nos olhos – Você não deve se tornar pior do que ele! - Mas... Mas... Ele feriu você... – respondeu Kogeta, compreendo plenamente o que sentia por Erie naquele momento e deixando a corrente pender ao chão. - Sim... Ele me feriu... – respondeu ela sabiamente – Mas isso foi só a atitude dele... Não a sua... Você não pode se tornar igual àqueles que condenamos... Se o matar, se tornará alguém pior do que ele! Kogeta sentia ainda a raiva o fazer tremer por dentro. A vontade de destruir aquele homem caído e amedrontado à sua frente. Edwen se encolhia e tremia como um cão com frio. Kogeta olhou para o estômago de Erie sangrando e olhou para seu rosto, e viu que mesmo com dor, sua expressão era serena. Possuía paz em seu semblante. Kogeta a abraçou e tombou de joelhos ao chão chorando. - Eu realmente não sabia de nada... – concluiu o jovem lembrando-se de sua aventura espiritual. - O que vocês vão fazer comigo?! Eu sou o príncipe herdeiro de Hikariomotsu! insistiu Edwen. Erie olhou-o de cima para baixo, e ele nunca se sentiu tão humilhado na vida inteira. - O que faremos com você? – respondeu ela – Faremos você pagar pelos seus crimes, junto dos demais generais. Mas pagará vivo! E, além disso, assim como nós, você pode se achar um sabichão, mas nem imagina a verdade por trás disso tudo! Vocês tem muito que escutar... Não tardou muito para que os quatro generais estivessem amarrados e cercados por toda a população de prisioneiros juntos de nossos heróis. - Agora serei eu que falarei a você, Edwen! – disse Kogeta, olhando-o diretamente nos olhos – Lhe contarei toda a história por trás da província de Hikariomotsu! Após contar tudo, um momento de silêncio se passou. Os generais pareciam refletir sobre suas condutas até o momento. Eles não se sentiam bem, isso era fato. Foi então que Garvin, surpreendendo a todos com seu momento de maturidade, disse:


- Fomos manipulados pela criação que tivemos, e nunca tivemos a capacidade de pensar por nós mesmos... Aceito o julgamento que considerarem necessário... - GARVIN!!! – gritaram os demais generais! - Mesmo que tenhamos sido “vítimas” de uma criação egoísta, foi a nossa criação! – respondeu Sarames – Não podemos simplesmente jogá-la fora!!! - A resistência à mudança, chama-se sofrimento... – respondeu Suichõ sabiamente. - Aff, como se eu ligasse... – respondeu com desprezo Airilyn. - Deveria filhote de cruz credo! – respondeu Kon’nan com deboche – Tudo o que vocês acreditavam está para mudar! Lips nada falava, apenas mantinha seu arco apontado para eles em caso de desobediência. - Com quem vocês acham que estão falando?! – indagou Edwen, rindo tremulamente, como se estivesse enlouquecendo – Somos os quatro generais de Hikariomotsu e logo o restante de nossas tropas chegará aqui e nos resgatará! Além disso, nossos pais também chegarão e mandarão cortar suas cabeças!!! - Edwen, calado! – interrompeu uma grossa voz, chamando a atenção de todos! Todos se viraram e viram um grande pelotão de soltados de Hikariomotsu escoltando o rei e a rainha da província, Azufre e Lariel, respectivamente! - Pai?! Mãe?! – perguntou Edwen, assustado. Os heróis sacaram suas armas! Provavelmente enfrentariam mais adversários. Mas não! De trás dos reis, surgiram Baikal e Huran, que os tinham feito de “reféns”. - Baikal?! Huran?! – indagou Lips, finalmente falando algo. - Nos espelhamos em sua bravura, e resolvemos atacar a província da luz, coincidentemente no momento em que o Rei e a Rainha voltavam às suas terras! Felizmente eles são muito diplomáticos, e concordaram em nos seguir desde que explicássemos do que se tratava. - Todos nós... – interrompeu Azufre – Todos fomos vítimas de uma situação peculiar ocorrida há anos! E isso formou nosso caráter de uma forma tão cega, tão


horrível, que não percebíamos que algo estava errado! Que não percebíamos que não estávamos mais conseguindo pensar por nós mesmos! Apenas repetimos seus erros... - O que está querendo dizer papai?! – perguntou Edwen. - “Papai”? Engraçado quando se está na pior, lembra-se de chamar o “velho” de “papai” né... – Comentou Sarames. - O que quero dizer – continuou Azufre – é que devido à desilusão de meu pai, Andrus, fomos criados acreditando em uma realidade que nunca foi a verdadeira. Fomos educados a sentir ódio e desprezo por todas as demais províncias. Fomos ensinados que aqueles diferentes de nós eram errados e que deveriam ser submetidos à nossa autoridade, caso contrário pagariam com a vida. Agora, após ouvir da boca de Baikal toda a verdadeira história, eu compreendo que isso não passou de bobagem. - Mas pai! Está dizendo que toda a sua criação foi uma bobagem?! – indagou Edwen, que encarava o pai com espanto junto dos demais generais – Mas o senhor também nos ensinou a expandir o território de nossa província! - Exatamente! O coração ferido de Andrus gerou muito ódio e rancor, e isso se tornou a base com a qual nos estruturamos. Admito que perpetuei sua sina, mas jamais poderão me acusar de ter ordenado que tirassem a vida de alguém! Toda essa raiva e crueldade também nasceram em parte de seus corações! E em parte foi minha responsabilidade! E como último ato mantendo nossa honra, aceitaremos o castigo que nos for imposto! Talvez a honra tenha sido a única coisa boa que vivenciamos em nossa província, então, que possamos mantê-la viva em nossos atos e corações... Todos os quatro generais abaixaram suas cabeças. Aceitaram a derrota. Todos os libertos olhavam para eles com sede de vingança, mas nossos jovens heróis não permitiram ato algum de violência. Eles também não falavam muito, apenas olhavam com pena aqueles pobres espíritos a sua frente, que apesar de terem vivido uma vida cheia de pompa, possuíam caráteres tão debilmente formados. Não, definitivamente a morte não os ensinaria. Eles precisavam aprender.


CAPÍTULO 14 – A UNIÃO DAS QUATRO NAÇÕES Muitos anos se passam. No grande palácio outrora governado pela província da luz, os novos quatro líderes se reuniam. Cada um deles se aproximava por um canto da sala, encontrando-se simultaneamente em uma grande mesa redonda. Frakes passou a ser conhecido como Governante das Chamas Serenas, e ria de sua longa veste vermelha. Aral mantinha seu orgulho e pompa com suas novas vestes azuis escuras e saboreava o atual título de Governante das Águas Profundas. Noto trajava roupas brancas, e mantinha sua expressão serena enquanto refletia sobre o título de Governante dos Ventos Indomáveis. Garnet não estava nem aí para suas novas roupas verdes, apenas estava preocupado em servir seu maravilhoso chá! Ah, e seu título? Passou a ser conhecido como Governante da Casa de Chá! Brincadeira! Governante das Rochas Inabaláveis! Os quatro riam e sentaram-se como amigos! Hikariomotsu e Yamiomotteiru tiveram seus nomes apagados da história, e a província central passou a ser governada pelos quatro Governantes juntos, chamando-se finalmente de Reino das Quatro Nações! Afinal, a luz e a treva caminham lado a lado dentro de cada um de nós, e somente unindo todas as nossas forças, é que conseguimos encontrar o equilíbrio entre as duas. Após anos de prisão, os generais e seus pais foram libertados. Pode não parecer verdade, mas eles conseguiram se redimir! Azufre e Lariel passaram a servir no palácio dos atuais Governantes! Sarames virou coronel das forças de batalha, e treinava inúmeros soldados por dia. Edwen conseguiu um emprego bem simples em uma fazenda de Alexandrita, e começou a entender que a felicidade está nas pequenas coisas ao se apaixonar por uma pobre camponesa que ia todos os dias buscar lenha próximo do seu trabalho. Airilyn foi a mais difícil de redimir, e após sair da prisão cometeu alguns roubos e se envolveu em brigas! Acabou voltando para a cadeira! Após algumas idas e vindas, acabou morando nas ruas, e teve que pedir abrigo para Edwen, já casado, que a acolheu, e a convivência familiar lhe fez mudar de perspectiva. Por falar em Alexandrita! Lá estava a nossa velha e conhecida casa de chá, mas agora muito reformada! Com vários ambientes e muitos funcionários! Suichõ a herdou de seu pai, se tornando responsável pela mais famosa casa de chá da história! Ah, se ele e Kon’nan deram certo? Claro que deram! Os dois permanecem casados, felizes, e adotaram uma linda garotinha, que enche seu lar de alegria e sorrisos todos os dias! Lips retornou para Coromuel, onde se tornou uma grande professora de Arco! Claro, ela contou com ajuda de seu namorado, Garvin! E de volta a Kantaburica, encontramos Kogeta e Erie, casados e com um filhinho lindo! Do alto da grande residência onde moram, Kogeta observava o pôr do sol laranja no horizonte, e ouvia os risos de sua mãe e sua sogra brincando com as crianças no pátio. - Hum... Meu reino por esses pensamentos... – interrompeu Erie, chegando devagarinho por trás e o abraçando!


- Tava aqui só me divertindo olhando nossas mães aprontando! É incrível como a idade vai tornando-as crianças novamente! – e riu, virando-se e dando um beijo em Erie. Eles se abraçaram e continuaram olhando o pôr do sol. Erie encostou sua cabeça no peito de Kogeta e perguntou. - Amor, posso lhe fazer uma pergunta? - Já fez... - É sério! – e riu – Sabe, já estamos juntos há muito tempo, e você até hoje nunca se abriu com relação aos seus sentimentos. Não que eu duvide deles, mas você sempre evita falar nisso. Quase como que não quisesse retirar a máscara de machão. Sabe, quando foi que você percebeu que me amava? Quando decidiu ficar comigo? - É claro que eu não fico falando de sentimentos! Você já viu as nossas finanças?! – debochou Kogeta – Isso tudo me deixa muito ocupado. Erie olhou friamente para ele! O típico olhar da mulher que mais tarde se vingaria com uma pequena “abstinência” que o faria subir pelas paredes! Ele riu e encostou-se ao guarda-corpo. - Você quer mesmo saber? – e se olharam profundamente nos olhos – Lembra-se da batalha que travamos contra Hikariomotsu? - Como esquecer? - Naquela época éramos todos muito imaturos... Nossa, eu era um babaca! - Verdade! - Eu tinha dúvidas com relação aos meus sentimentos por você e por Lips. Mas no momento que confrontei Edwen e ele lhe feriu, senti como se meu mundo fosse acabar caso lhe perdesse. E foi ali, naquele momento, que eu entendi que você é o meu mundo! Foi ali que percebi que você é a mulher que eu amo! Erie correu ao encontro dele, jogando-se em seus braços e abraçando forte! A cena era muito bonita de se ver. Os raios dourados do sol davam um tom nostálgico e aquecido à cena, mas não tão quente quando o calor daqueles braços que se amavam. - Obrigado... – disse Erie – Obrigado por ter feito a minha vida tão feliz! Obrigado por ser o homem que é! E agora eu posso realmente chamar de “homem”! O homem que eu amo!


Eles se beijaram intensamente. - Sabe Erie... – continuou Kogeta – Você só fez meu mundo aumentar em amor e alegria! Não só por passar cada dia da sua vida comigo, mas por ter me dado o filho mais lindo que eu poderia ter! - Eh... Sobre isso... – interrompeu Erie com um risinho de canto de boca – Acho que seu mundo está para aumentar de novo! – e acariciou a barriga! Os olhos de Kogeta se arregalaram de emoção e espanto, e ele só conseguiu expressar o que sentia com um reverberante grito! - AI MINHAS FINANÇAS!!! FIM



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