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NAÇÃO SUSTENTABILIDADE
Como Sustentar a Sustentabilidade?
O mês de Novembro foi marcado pela 27ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, COP27, em busca de uma reacção internacional urgente contra as mudanças climáticas. Com o tema da sustentabilidade em cima da mesa, a reunião, que juntou representantes de cerca de 200 países em Sharm El-Sheik, no Egipto, despertou-nos a ideia de olharmos para nós mesmos neste capítulo. Estaremos a traçar o nosso percurso no caminho certo?
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Asustentabilidade enquadra-se em todos os domínios da vida da sociedade. Parece não ter limites. Talvez não os tenha, de facto. Mas com a ajuda de um especialista da área pudemos delimitá-la ao essencial.
De acordo com Vicente Bento, partner & operations manager da Insite, e fundador da Green Stays (um operador turístico que proporciona viagens ecológicas para Portugal de forma sustentável), a sustentabilidade assenta sobre três pilares: o ambiental, o económico e o social. Conhecidos pela sigla ESG (Environmental, Social and Corporate Governance), todos estes pilares devem ser vistos de forma integrada e sugerem uma actuação harmonizada entre as empresas, sociedade e Governo na busca do desenvolvimento sustentável, quer através de uma intervenção ao nível macro (do País no seu todo), quer ao nível micro (individual, da vida das empresas e da sociedade). Mas a complexidade da sustentabilidade desdobra-se ainda mais.
Cada um dos seus elementos abarca uma lista interminável de aspectos como as boas práticas ambientais, que incluem a adopção das energias renováveis, o respeito pelas comunidades e até questões que parecem estranhas a esta causa como a adopção de políticas anti-suborno, anti-corrupção, etc.
“Por exemplo, uma empresa que se diz sustentável tem de cumprir não só com a parte ambiental, mas contemplar todos os outros pilares da sustentabilidade. Mesmo do ponto de vista dos investidores, nota-se cada vez mais uma tendência de que os que querem apostar nas empresas seleccionam as que cumprem os padrões de sustentabilidade. Portanto, nos dias que correm, a sustentabilidade tornou-se num imperativo para a capacidade de captação de investimentos e para o bom desempenho empresarial”, esclareceu o especialista.
E a questão é: teremos, enquanto País, condições de sustentar a sustentabilidade? O que devemos (ou deveríamos) fazer para assegurar o almejado desenvolvimento sustentável?
Comecemos pela COP27
À semelhança do que sucedeu nas anteriores grandes reuniões do clima, na COP27 o mundo esteve focado na busca do tão difícil consenso global sobre a redução das emissões de poluentes que causam o aquecimento global. O assunto parece meramente de cariz ambiental, mas acaba por ter ligação com todos os outros pilares (económico e social),
O mundo reconhece a necessidade de reduzir as emissões de CO2, mas falta atitude
mesmo porque, naquele encontro, foi igualmente centro das atenções a busca pelo cumprimento das compensações financeiras que os países ricos devem disponibilizar a favor dos países em desenvolvimento para ajudá-los a mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
É que os países desenvolvidos não cumpriram a promessa de mobilizar 100 mil milhões de dólares por ano até 2020, o que abriu uma brecha de desconfiança em relação às novas promessas. E uma das constatações feitas pelos cientistas na COP27 incidiu na circunstância de quanto mais crescerem as necessidades das nações mais pobres, mais alta terá de ser a meta a definir a partir de 2025. Moçambique está entre os países que mais precisam do apoio das nações ricas, visto que é dos mais afectados pelas mudanças climáticas nos últimos anos, apesar de ser um dos que menos emitem poluentes para o meio ambiente.
E foi exactamente este o ponto apresentado pelo Presidente da República, Filipe Nyusi, nesta reunião: “estamos prontos para dar o nosso contributo, mas… financiamento é preciso. Pode ser por investimentos ou através de doações no âmbito da redução da poluição ao nível mundial, mas é preciso financiar.”
Entretanto, cá por dentro, longe da esfera global, o tema da sustentabilidade vem sendo levantado há vários anos, quer do ponto de vista das metas preconizadas nos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (OSD) das Nações Unidas para 2030, quer do ponto de vis-
O TRIPÉ DA SUSTENTABILIDADE
Tão vasto que é, o conceito de sustentabilidade encontra suporte em três princípios: o social, o ambiental e o económico, também conhecidos pela sigla ESG (Environmental, Social and Corporate Governance). Todos precisam de
Social
Engloba as pessoas e as suas condições de vida, como educação, saúde, violência, lazer, entre outros aspectos. A sustentabilidade social sugere a igualdade dos indivíduos baseada no bem-estar da população. Para isso, é necessária a participação da população no fortalecimento das propostas de desenvolvimento social.
Refere-se aos recursos naturais do planeta e à forma como são utilizados pela sociedade ou empresas. O objectivo é que os interesses das gerações futuras não sejam comprometidos pela satisfação das necessidades da geração actual. Todos devem estar em harmonia com o ambiente por uma melhor qualidade de vida.
Está relacionado com a produção, distribuição e consumo de bens e serviços. A sustentabilidade económica é fundamentada num modelo de gestão sustentável. Isso implica uma gestão adequada dos recursos naturais, que objectivam o crescimento económico, o desenvolvimento social e a melhoria da distribuição de renda.
Ambiental Económica
ta de uma cada vez maior exigência de as empresas e corporações privadas estarem alinhadas com as boas práticas que melhor respondem aos desafios do desenvolvimento sustentável (o que procura suprir as necessidades da geração actual sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações, isto é, um desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro).
Atraso evidenciado pela pobreza
A precariedade demonstrada nos indicadores económicos e sociais é sinónimo de um acentuado atraso no alcance da sustentabilidade, pelo menos ao nível macro, no cumprimento dos ODS. Segundo Heidi Barend – especialista sul-africana que lidera uma equipa que desempenha um papel importante na canalização de financiamentos para soluções que apoiam o crescimento inclusivo e a protecção ambiental em todo o continente africano –, será difícil cumprir os 17 ODS porque prevalecem vários desafios básicos, como o acesso aos serviços de saúde e educação de qualidade.
Heidi Barend, que é também responsável pela sustentabilidade financeira da Banca Corporativa e de Investimentos do Grupo Absa, destaca que, em Moçambique, basta olhar para as longas filas nos atendimentos dos hospitais e para a fraca disponibilidade de infra-estruturas de ensino básico, para ver o quanto o País está longe das metas das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. As desigualdades sociais não ficam para trás, sendo consideradas, pela especialista, como um factor que propicia convulsões sociais de diversa ordem, com potencial para desencadear instabilidade ao nível da estrutura de governação como os golpes de Estado.
Heidi Barends recordou ainda que mais de metade da população moçambicana vive abaixo do limiar da pobreza e o País debate-se com uma das mais elevadas taxas de seroprevalência (actualmente na casa dos 14,7% de acordo com o Instituto Nacional de Saúde).
Não vamos a tempo de cumprir os ODS até 2030
O que desde cedo pareceu, para muitos, uma utopia, agora, a sete anos da
Moçambique está entre os que menos poluem e os que mais sofrem das mudanças climáticas
meta, está mais evidente. A possibilidade de remover os 17 obstáculos ao desenvolvimento sustentável (assumidos em 2015) até 2030 é remota, embora o Governo continue firme, prevendo gastar mais de 400 mil milhões de meticais em 2023, que correspondem a 6% da despesa total prevista para o apoio a esta causa.
Mas o que alimentou o optimismo quanto ao alcance de tal ambição?
Jaime Comiche, quadro moçambicano que trabalha como secretário da UNIDO – órgão das Nações Unidas focado no desenvolvimento sustentável para a actividade industrial –, explica que desde a Revolução Industrial o mundo assistiu a um excessivo consumo de matérias-primas e de energia. anos por causa da grandiosidade dos desafios”, admite Jaime Comiche.
Sector privado tem de ser mais activo
O responsável também chama a atenção para o facto de que esta tarefa não deve ser relegada apenas para as Nações Unidas, mas ser abraçada também pelo sector privado de forma mais incisiva, já que com o novo secretário-geral da ONU, António Guterres, aquele organismo deixou de ser “a instituição de ajuda ao desenvolvimento” e passou a ser “parceiro de desenvolvimento”, o que impõe o envolvimento de outros intervenientes na luta pelo desenvolvimento sustentável.
Comiche reconhece, entretanto, que hoje existem diversas ferramentas de intervenção, incluindo as de âmbito tecnológico. Mas defende que a melhor forma de traduzir a acção do sector privado em benefícios é a criação de oportunidades de emprego. “Se tivermos de fazer uma escolha entre uma solução tecnológica que não dá emprego e uma que dê emprego, devemos sempre optar pela que dê emprego”, referiu, elucidando a
Recentemente, perante a ameaça global ocasionada pelas mudanças climáticas, começou-se a buscar soluções para racionalizar o consumo e aumentar a eficiência energética. Cientistas e decisores vão chamando a atenção sobre os riscos que não são levados em conta pela sociedade. Não se está a verificar uma efectiva mudança de atitude em relação aos hábitos ambientalmente nocivos. Foi este o princípio que norteou a agenda das Nações Unidas em 2015 para o estabelecimento das metas dos ODM para 2030. “No início, esperava-se que em 15 anos a situação mudaria porque a sociedade já tinha a consciência do que estava a acontecer, mas agora fica cada vez mais claro que não será possível atingir as metas dos ODM nos restantes sete
ECONOMIA CIRCULAR: O QUE DE BOM SE FAZ NO MERCADO?
Fora do âmbito macro, o que até num passado recente era uma luta isolada dos ambientalistas está a generalizar-se e a fazer parte da estratégia de actuação de um número cada vez maior de empresas
COCA-COLA
Promove a recolha de cerca de 8000 garrafas pet por ano desde 2018, beneficiando directamente 6600 mulheres e jovens, com impacto na renda de cerca de 40 mil famílias. Com o preço de reciclagem de cada garrafa a ter variado de sete meticais para os actuais 17 meticais, o rendimento dos praticantes desta actividade conheceu um crescimento assinalável. O compromisso que a empresa agora assume é que, até 2025, 100% das garrafas pet serão recicladas.
HCB
A sustentabilidade está presente a partir de experiências negativas como quando ocorre a escassez de água no caudal do rio Zambeze. Em 2017, por exemplo, este problema chegou a reduzir em 20% a capacidade de geração de energia. Segundo o seu representante, Hortêncio Maholela, a empresa começou a tomar todo o tipo de medidas que hoje confere cerificações a diversos níveis: ambiental, de saúde e segurança no trabalho, de qualidade, etc.
CARLOS SERRA JÚNIOR
É um inquestionável activista da sustentabilidade. Defensor da protecção da biodiversidade, Carlos Serra promove campanhas de recolha de resíduos nas praias, educa as crianças nas escolas primárias sobre preservação do meio ambiente e investe na transformação de resíduos em utilidades. Um dos exemplos é a casa de vidro que construiu nas imediações do Macaneta Beach Resort, no distrito de Marracuene.
TOPACK
Uma indústria que transforma materiais de plástico em diversos utensílios de uso doméstico e industrial, certificada a todos os níveis, a Topack possui uma equipa de pessoal especializado na área de transformação de plásticos bem como na sua oficina de moldes. De acordo com o respectivo director-geral, Jaime Lima, a empresa aposta na mão-de-obra local como forma de valorizar e desenvolver técnicos moçambicanos.
TOTALENERGIES
Apesar da interrupção das actividades devido à insegurança, está a desenvolver uma iniciativa de restauração do mangal nos distritos de Palma e Mocímboa da Praia, onde foram já plantados 330 hectares, criando vários postos de trabalho. Laila Chilemba, vice-presidente do Desenvolvimento Social e Económico, refere que empresa criou igualmente a plataforma “Juntos Somos Capazes”, que aglutina as entidades interessadas no desenvolvimento sustentável.
GREENLIGHT (RENOVÁVEIS)
Há muitas iniciativas a serem desenvolvidas no País para possibilitar a meta do acesso universal à energia até 2030. A Greenlight, uma empresa que opera nos sectores de energia e meio ambiente desde 2010, fez uma avaliação do potencial de expansão das renováveis e concluiu que o FUNAE lançou um portefólio de 675 sites mini-redes e realizou estudos em várias comunidades fora da rede para atrair o sector privado. No que diz respeito à expansão, prevê-se que, até 2030, 31% da população tenha acesso à energia por meio de sistemas solares domésticos. importância do pilar da sustentabilidade económica.
Sem capital humano… oportunidades perdidas
Em Março deste ano, a consultora internacional de recursos humanos Michael Page apresentou um relatório sobre talento e sustentabilidade que demonstra esta última como uma das prioridades das organizações com importância estratégica para o desenvolvimento dos seus negócios. Ou seja, há uma tendência significativa de aumento da procura de profissionais, principalmente de perfis especializados, para funções de direcção, apesar de ser uma área recente. No âmbito da gestão da sustentabilidade corporativa, destacam-se os perfis de head of ESG, sustainable development manager ou head of diversity & inclusion, nas quais as remunerações oscilam entre 70 mil euros e 100 mil euros em empresas com facturação entre 20 milhões de euros e 250 milhões de euros.
Em Moçambique não há formação específica nesta área. Tudo funciona com base, digamos, no improviso. Os profissionais que têm formação básica em algumas áreas como economia, direito e engenharias procuram por algumas noções sobre sustentabilidade e passam a desempenhar a função de gestor de sustentabilidade nas empresas.
Para o representante da UNIDO, Jaime Comiche, a carência de liderança e de quadros qualificados nesta questão é que faz com que, muitas vezes, soluções simples não sejam materializadas por falta de capacidade institucional caracterizada por inúmeras barreiras, incluindo as fiscais. Assim, na óptica do responsável, é preciso mostrar ao Governo todas as barreiras que se colocam ao nível da ESG em Moçambique e estimular as entidades que têm a possibilidade de assegurar a sustentabilidade, como as startup.
Em relação às PME, o facto de parte significativa delas serem informais coloca-as numa situação “muito precária” na busca da sustentabilidade, pelo que “os bancos têm de ajudá-las a desenvolver a massa crítica no que diz respeito a esta questão”, sugeriu.
Mercado do trabalho: a necessidade é mais forte do que a disponibilidade
Mesmo com carências ao nível da formação, na linha do que acontece à escala global, o mercado de trabalho em Moçambique já começou a orientar as regras de contratação de profissionais baseadas nas competências em susten-
Assegurar qualidade na Educação é uma das premissas da sustentabilidade
tabilidade. Sónia Silva, administradora da Contact, uma das mais importantes empresas de recrutamento do mercado, revela que “em 2014, seleccionámos muitos técnicos de sustentabilidade para as áreas ambiental e ecológica em várias províncias, por causa de um grande projecto da área florestal. Em 2019 foi o nosso pico: 20% das nossas vagas de emprego foram para essas áreas e eram muito ligadas ao ambiente e à responsabilidade social, sendo que a maior parte foi preenchida no ramo do oil & gas e algumas ONG”, explicou.
Entretanto, a pandemia do covid-19 veio quebrar o ritmo de procura por profissionais da área da sustentabilidade, pelo que, este ano, as vagas para esta área representam apenas entre 8% e 10% das vagas de emprego disponibilizadas.
“A tendência para vagas em sustentabilidade tem crescido muito, ligadas às áreas da indústria e das energias renováveis, sustentabilidade corporativa, etc. Os candidatos procuram emprego em empresas que são socialmente sustentáveis”, explicou Sónia Silva. O contributo da Contact na sustentabilidade (neste caso, no pilar social) começa com a preocupação em apoiar jovens a desenvolverem uma postura que os coloque em vantagem na procura de vagas de emprego, como a elaboração de currículos profissionais.
Outro projecto da Contact é o designado “vaga não se compra”, que visa educar e orientar as pessoas evitando a ocorrência de fraudes. “Na minha opinião, os profissionais com conhecimentos de sustentabilidade têm tantas possibilidades de singrar no mercado de trabalho quanto os da saúde e das tecnologias”, defende a responsável.
Finanças verdes. Qual é a postura do sector financeiro?
O mundo também está a atacar a questão da sustentabilidade através das finanças, no sentido de começar a priorizar pedidos de financiamento que terão reflexos positivos em qualquer dos seus três pilares (social, económico e ambiental) – as chamadas finanças verdes.
No dia 15 de Novembro, durante o ESG Business Breakfast realizado em Maputo pelo banco Absa sob o lema “Uma conversa em torno da sustentabilidade do contexto pan africano”, Martha Humbane, directora de negócios pa-
Durante o business breakfastz do Absa, Jaime Comiche, da UNIDO, admitiu que o País não vai a tempo de cumprir os ODS até 2030
ra a Banca Corporativa e de Investimentos do banco, revelou que esta instituição é signatária do Pacto Global das Nações Unidas desde 2021 e está comprometida no apoio ao desenvolvimento de uma economia com índices sólidos de sustentabilidade.
De acordo com a responsável, neste quadro, o banco actua de diversas formas, sendo de destacar a avaliação do crédito em que privilegia a concessão a favor de projectos ambiental, económica e socialmente viáveis como, por exemplo, entidades (individuais ou colectivas) que procuram financiamento para desenvolverem qualquer iniciativa que implique a redução do consumo de energia ou de água, a construção de casas ecológicas, etc.
O mundo também está a atacar a questão da sustentabilidade através das finanças, no sentido de priorizar pedidos de financiamento que tenham reflexos positivos neste contexto
Heidi Barends, com uma licenciatura em engenharia industrial pela Universidade de Pretória e um mestrado em Engenharia para o desenvolvimento sustentável pela Universidade de Cambridge, revelou que África está a registar uma explosão de financiamento sustentável, que tende a considerar os projectos que tragam vantagens para o planeta.
O financiamento sustentável, de acordo com esta especialista, tem crescido muito em países como a África do Sul, Namíbia, Egipto, Quénia, Gana e Nigéria. Em Moçambique, a questão das finanças verdes não está muito desenvolvida. As regras desta componente não existem sequer, e o Banco Central está ciente disso. Numa reunião realizada em Dezembro de 2020 entre o Banco de Moçambique (BdM) e a Aliança para a Inclusão Financeira para falar sobre
OS 17 ODS E O ESFORÇO DO GOVERNO PARA OS CUMPRIR
Quase ninguém acredita que é possível cumprir as metas dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável nos próximos sete anos. Mas o Governo vai continuar a fazer a sua parte. No próximo ano prevê gastar mais de 400 mil milhões de meticais nesta causa
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ERRADICAÇÃO DA POBREZA
FOME ZERO E AGRICULTURA SUSTENTÁVEL
SAÚDE E BEM-ESTAR
EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
IGUALDADE DE GÉNERO
ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO
ENERGIA LIMPA E ACESSÍVEL
TRABALHO DECENTE E CRESCIMENTO ECONÓMICO INDÚSTRIA, INOVAÇÃO E INFRA-ESTRUTURAS REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES
CIDADES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS CONSUMO E PRODUÇÃO RESPONSÁVEIS ACÇÃO CONTRA A MUDANÇA GLOBAL DO CLIMA
VIDA NA ÁGUA
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VIDA TERRESTRE
PAZ, JUSTIÇA E INSTITUIÇÕES EFICAZES PARCERIAS E MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO Alocação orçamental 2023
(mil milhões Mt)
% da despesa total
FONTE PESOE 2023
as finanças verdes, o governador Rogério Zandamela assumiu que o País precisa de apressar a incorporação da sustentabilidade e resiliência no quadro de políticas internas o mais urgentemente possível. Isto porque “estamos na fase inicial em matéria de finanças verdes inclusivas”, as experiências recentes mostram que Moçambique tem várias vulnerabilidades a desastres naturais.
Banco Mundial defende um novo modelo de desenvolvimento sustentável
Uma das instituições multilaterais que mais apoiam o desenvolvimento sustentável e inclusivo de Moçambique, o Banco Mundial, publicou, em Junho deste ano, um estudo que revela o caminho que deve ser seguido para o alcance da sustentabilidade, mas com foco nos objectivos macroeconómicos.
A partir de uma análise do trajecto da economia moçambicana ao longo do tempo (desde a prosperidade iniciada em 1993, alimentada pela indústria extractiva, até à instabilidade iniciada em 2016 com a descoberta das dívidas não declaradas, a que se seguiu uma série de fenómenos como ciclones e a pandemia do covid-19), conclui que a estratégia em vigor para o crescimento sustentável tem tido uma capacidade limitada de gerar empregos produtivos e apoiar uma redução acelerada da pobreza.
Refere ainda que, a recente descoberta de algumas das maiores reservas de gás natural (GNL) do mundo podia representar uma oportunidade única de um crescimento sustentado e inclusivo para Moçambique. No entanto, para se tirar maior proveito dos recursos esperados do GNL e fazer chegar aos mais pobres, será necessário um novo e ambicioso modelo de crescimento que vá além das indústrias extractivas.
Para isso, Moçambique terá de adoptar um quadro político e institucional adequado antes das receitas do GNL. Um quadro orçamental que funcione correctamente (incluindo regras e objectivos orçamentais claros) para uma gestão bem-sucedida destas receitas voláteis no futuro. Para o Banco Mundial, um fundo soberano bem gerido pode ajudar a alcançar a estabilização a curto prazo e poupanças de longo prazo para as gerações futuras.
Uma gestão macroeconómica prudente envolveria também um aumento gradual do investimento, que tenha em consideração a limitada capacidade de absorção, e melhore simultaneamente a
“Além de se maximizar a receita do GNL, é essencial incentivar o crescimento em sectores não extractivos para um crescimento económico de base alargada..."
qualidade dos investimentos públicos. “Além de se maximizar a receita do GNL, é essencial incentivar o crescimento em sectores não extractivos como a agricultura e os serviços, para promover um crescimento económico de base alargada. Numa primeira fase, as políticas deverão ser orientadas para a maximização dos benefícios do crescimento movido pelos recursos”, recomenda a instituição.
Na COP27, a UE anunciou que suportaria a criação de um fundo de apoio aos países pobres, desde que países emergentes com altas emissões de carbono, como a China, também ajudassem...
Pelo mundo… o mesmo problema
Engana-se quem pensa que a sustentabilidade é problema apenas nos países africanos ou dos mais pobres. Em Portugal, por exemplo, o relatório do Observatório dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, publicado em Outubro pela Católica Lisbon School of Business & Economics, conclui que a maioria das empresas portuguesas desconhece como implementar os ODS, embora estejam cada vez mais alinhadas com a sustentabilidade.
Os sectores dos media, dos químicos e das tecnologias são os mais atrasados. Segundo o relatório, 95% das grandes empresas e 77,7% das PME vêem a sustentabilidade como uma oportunidade estratégica, mas para ambos os universos a falta de conhecimento de como operacionalizar é a principal barreira para a adopção dos objectivos da Agenda 2030 das Nações Unidas. Porém, tal é mais expressivo nas PME (49,4%) do que para a grandes empresas (21,7%) que, por motivos de cumprimento de legislação e concorrência, já estão, na prática, a implementar alguns ODS. "A principal dificuldade que as empresas têm na implementação dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável é perceber como é que podem operacionalizar esta agenda, porque é muito vasta, são muitos objectivos e, por vezes, não é a linguagem que as empresas estão habituadas a usar.
Esta barreira é comum às pequenas e médias empresas e também às grandes", explicou Filipa Pires de Almeida, responsável pelo relatório e sub-directora do Center for Responsible Business and Leadership da Católica Lisbon School of Business & Economics, que realizou o estudo em parceria com a Fundação BPI "la Caixa" e a Fundação Francisco Manuel dos Santos. Muitas situações como esta acontecem um pouco por todos os países.
COP27: mais uma tentativa de compensar países pobres
Até um dia depois do fim da COP27, havia apenas um rascunho dos resultados práticos que se pretendiam com a reunião, e a versão do rascunho da declaração final trazia a possibilidade de criação de um fundo para compensar os países em desenvolvimento mais afectados pelas mudanças climáticas, entre os quais Moçambique.
A proposta – que ainda precisava de ser aprovada – seguia a linha das "perdas e danos", segundo a qual países desenvolvidos, que historicamente são os grandes responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa, devem reparar os prejuízos causados às demais nações em resultado do aquecimento global.
De acordo com a Reuters, a UE anunciou, um dia antes do fim da reunião (17 de Novembro), que apoiaria a criação de um fundo desde que países emergentes com altas emissões de carbono, como a China, também ajudassem a custear a nova iniciativa — e não só os países desenvolvidos considerados emissores históricos, como os integrantes do bloco e os EUA.
Este ponto já foi levantado nas anteriores conferências, mas os resultados das promessas feitas nunca foram efectivos. Pelo menos até agora.
Cláudio Pondja • Head Of Wealth Management do Banco Big Moçambique
O Papel do Fundo Soberano no Desenvolvimento Industrial do País
De acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Economia e Finanças, perspectiva-se que a taxa de crescimento real do PIB atinja 5% em 2023 com uma forte contribuição da indústria extractiva, onde o projecto Coral Sul da Área 4 da bacia do Rovuma começa a ganhar alguma preponderância depois do início das exportações no passado dia 13 de Novembro.
Mas não é apenas a indústria extractiva que o MEF espera que contribua para o crescimento do PIB. Os desenvolvimentos de outras indústrias serão também fundamentais para diversificar as fontes de crescimento económico de Moçambique.
Para ajudar a criar novos motores de crescimento, o Governo pretende que o Fundo Soberano tenha um papel importante ao assumir grande parte dos investimentos estruturais que o País necessita.
A criação do Fundo Soberano permitirá que algumas despesas do Estado sejam cobertas pelos fundos arrecadados do negócio do gás, pois em cada ano fiscal irá ocorrer uma transferência de fundos do Fundo Soberano de Moçambique (FSM) para a Conta Única do Fundo (CUF), depois da publicação da Lei Orçamental, onde estará descrito o montante da dotação aprovada nesse ano.
Na proposta de criação do Fundo Soberano é sugerido ainda que, nos primeiros 15 anos de operacionalização do mesmo, as receitas projectadas sejam repartidas entre 40% para a conta única do fundo e 60% para o Orçamento do Estado, garantindo que uma parte substancial daquelas sejam investidas no desenvolvimento do tecido industrial nacional e nas infra-estruturas necessárias ao seu crescimento.
Esta garantia de investimento é animadora, pois os fundos obtidos na indústria de hidrocarbonetos serão alocados aos sectores produtivos prioritários e estratégicos, que serão fortes motores de crescimento e dinamização da economia moçambicana no futuro.
O Fundo Soberano terá então um papel fundamental para inverter a situação actual, em que os indicadores apontam para uma redução da rubrica de investimento em 2023, como se pode ver no gráfico abaixo
Será necessário usar o Fundo Soberano para diversificar a economia e, desta forma, evitar a “doença holandesa”
Se esta redução do investimento não for invertida, podemos correr o risco de verificar um forte crescimento da exportação de recursos naturais, como carvão mineral, energia eléctrica, alumínio, areias pesadas e gás natural, e um contínuo declínio das exportações do tabaco, do açúcar, da amêndoa e da castanha de caju, como se tem assistido nos últimos anos por falta de investimento necessário na cadeia de valor. A produção de produtos tradicionais, como os rubis, o algodão, os legumes e as hortícolas, tem seguido uma tendência diferente aumentando as suas receitas e, consequentemente, as suas exportações.
Abaixo a evolução da conta corrente na qual se observam melhorias muito marginais nos difíceis anos 2020 a 2021:
Por estes motivos, é prioritário que haja um esforço de canalização de fundos de investimento para a chamada indústria tradicional e novas indústrias prioritárias, para que o desenvolvimento económico e social de Moçambique seja inclusivo e diversificado, permitindo uma partilha da riqueza mais equitativa.
Com este crescimento mais diversificado, poderemos dotar a economia moçambicana de uma maior solidez, que ajudará a evitar efeitos nefastos como a conhecida “doença holandesa” (deutch desease), com a qual o aumento das exportações dos hidrocarbonetos pode gerar uma valorização pronunciada do metical e com isto prejudicar as exportações dos restantes produtos provenientes das indústrias tradicionais.
Vicente Bento, especialista na implantação de sistemas de gestão da qualidade, saúde, segurança e meio ambiente, e igualmente partner & operations manager da Insite – uma firma que presta apoio empresarial em todas as vertentes da sustentabilidade, fala do défice de capital humano como um dos maiores obstáculos.
Texto Celso Chambisso • Fotografia Mariano Silva
AInsite contribuiu para o desenvolvimento da política ambiental do MOZPARKS no Parque Industrial de Beluluane, província de Maputo, com a criação de um conjunto de directivas e requisitos de nível ambiental que as empresas do parque devem respeitar.
Presta também assistência a empresas que implementam sistemas de gestão ambiental, permitindo a poupança de recursos humanos e financeiros através da aquisição da eficiência na utilização de energia, água e outros recursos.
Nas suas diversas frentes de intervenção, a Insite dá o seu contributo na persecução da meta do Governo em assegurar o acesso universal à energia até 2030, através da implementação de sistemas de gestão de energia e na formação de quadros técnicos da área das energias renováveis que possam apoiar a construção dos parques de produção energética e de técnicos da área do oil & gas, capazes de dar resposta às necessidades que vão existir no futuro.
A certificação dos seus clientes nas diferentes esferas da actividade empresarial é a principal ferramenta que mostra o quanto as organizações estão comprometidas com a causa ambiental. E, segundo Vicente Bento, há um número cada vez maior de entidades nacionais, colectivas e individuais, que começam a perceber o grau de importância que devem atribuir às questões da sustentabilidade.
A Insite é uma das poucas organizações que trabalham na área da sustentabilidade. Dentro da sua própria história, como é que começa a ser construída a ligação com esta área?
A Insite foi formada em 2010 e durante esse tempo a sustentabilidade sempre fez parte da empresa, desde os primeiros projectos inseridos na área da nutrição, onde entra a parte da sustentabilidade no seu lado social.
Ao longo do percurso da empresa, fomos avançando para outros aspectos, como a qualidade, que se foca na organização dos processos das empresas, melhoria contínua, etc., e fomos percebendo a necessidade das empresas implementarem outro tipo de normas além da da qualidade, principalmente a parte ambiental – ISO 1400 –, e a parte da saúde e segurança no trabalho – ISO 45001.
Estas são as normas mais implementadas não só em Moçambique, mas a nível mundial. Apoiamos clientes que tenham interesse em implementar este ti-
“Ao longo do tempo vemos, claramente, melhorias nas empresas que implementam os programas de sustentabilidade”, Vicente Bento, partner & operations manager da Insite
po de sistemas de gestão e até de virem a certificar-se, sendo que temos outras normas relacionadas com a área da gestão e de energia (ISO 50001) e responsabilidade social (ISO 26001). Temos um conjunto de consultores que trabalham em cada uma destas áreas dando apoio às solicitações das empresas.
Qual é o nível de conhecimento que as organizações em Moçambique têm sobre a importância de investir na sustentabilidade?
Sustentabilidade é um conceito que já não é novo. Vem desde 1987, quando se falou, pela primeira vez, numa das conferências das Nações Unidas sobre o desenvolvimento sustentável, e que significa garantir a qualidade de vida das pessoas sem comprometer as gerações futuras.
É um caminho que se trilha a nível mundial. No caso das empresas moçambicanas, é um processo que está agora
a afirmar-se como uma tendência. Isto porque uma empresa sustentável é também saudável economicamente, respeita os seus trabalhadores, o meio ambiente e a comunidade onde se insere. Diria que há cada vez mais uma maior preocupação das empresas moçambicanas em se orientarem por estes padrões sabendo da importância que a sustentabilidade tem nas suas empresas.
É possível traçar um perfil, em termos financeiros e por área de actividade, das empresas e organizações nacionais que têm uma melhor noção da importância de investir na sustentabilidade e que buscam a assistência da Insite neste domínio?
Ao nível de sectores, é transversal. Podemos falar de empresas no sector industrial, construção, banca, seguradoras. Acredito que é uma preocupação transversal a vários sectores ou em todos. Mas tudo depende da gestão de topo das empresas e das suas políticas. Muitas políticas de sustentabilidade de empresas internacionais trazem conceitos dos seus países de origem, as boas práticas, mas não só. Temos muitos e bons exemplos de empresas moçambicanas que adoptam e implementam estes conceitos e práticas.
Obviamente que há sectores cujos impactos são maiores não só no meio ambiente como nas comunidades em que se inserem, e em que a preocupação deve ser maior. Por exemplo, há uma grande diferença do impacto e dimensão das responsabilidades numa mineradora ou empresa de oil & gas ou numa pequena e média empresa moçambicana..
Como é que a Insite actua em cada um dos três domínios da sustentabilidade, nomeadamente o económico, o social e o ambiental, e quais são os grandes projectos em que está envolvida?
A Insite vê sempre os três pilares de uma forma integrada. Um dos serviços que oferecemos tem que ver com o ESG, cuja implementação nas empresas tem diferentes vertentes. Por exemplo, quando falamos da parte económica de governance referimo-nos a questões como a segurança de informação, continuidade do negócio, políticas anti-corrupção e anti-fraude.
O pilar “social”, além da ISO 45001, trata de questões como direitos laborais, salários justos, proibição de mão-de-obra infantil e promoção do envolvimento da comunidade local. Já a parte ambiental tem que ver com os impactos ambientais que as empresas podem provocar, sendo as alterações climáticas a maior preocupação da actualidade, segundo o que se discutiu na COP27.
Mas os eventos ambientais, depois, trazem repercussões económicas e sociais, por isso é crucial as empresas baixarem as emissões de CO2 e estarem atentas à necessidade de mudar para os
Saúde e segurança no trabalho são parte importante no garante da sustentabilidade
combustíveis amigos do ambiente no quadro da transição energética. Em relação à parte “ambiental”, temos a norma ISO 14001, que ajuda as empresas a minimizarem os seus impactos ambientais, nomeadamente a poluição sonora, das águas, produção de resíduos, etc.
Além disso, existe a norma ISO 50001 através da qual uma empresa consumidora intensiva de energia pode, através de vários programas, ir monitorizando o seu consumo, adoptar um plano de racionalização e assim reduzir a emissão de CO2. Quando falamos de sustentabilidade não devemos dissociar nenhum dos pilares. Isto é, a empresa pode ter as melhores práticas ambientais e sociais, mas se não for financeiramente viável, não é sustentável.
Também pode ter muitos lucros, mas se não os distribui ou paga salários baixos, ou não cumpre com a legislação ambiental, não é sustentável. Há sempre uma integração entre os três pilares (económico, social e ambiental), embora haja normas específicas para cada um deles e a Insite opera em todas estas vertentes.
Qual é a resposta, em termos de transformação, que obtiveram as organizações que investiram na sustentabilidade através da Insite? Que exemplos pode citar?
Quando as empresas enveredam por implementar este tipo de programas, uma das ferramentas que logo à partida adquirem é a monitorização dos indicadores que tentam estabelecer, quer do lado económico, do social ou do ambiental. Medir os indicadores estratégicos das empresas parece simples, mas não é.
Quando iniciamos a consultoria, notamos que muitas empresas fazem isso de uma forma muito empírica e não concreta. O nosso trabalho, no fundo, é tentar estabelecer os seus objectivos estratégicos nas três vertentes (económica, social e ambiental) para que depois consigam monitorizar e atingir os resultados que pretendem.
Ao longo do tempo vemos, claramente, melhorias nas empresas que implementam os programas de sustentabilidade. O impacto é igualmente comprovado através de artigos científicos. Por exemplo, uma empresa que trate bem os seus colaboradores, que proporcione um bom ambiente de trabalho, sem acidentes, é mais produtiva do que uma empresa sem este tipo de programas.
Enquanto especialista em sustentabilidade, que noção tem sobre o nível de formação de moçambicanos nesta área? Temos instituições de formação preocupadas com esta questão ou estamos diante de um problema por resolver?
Uma das grandes dificuldades é a falta de quadros com as competências necessárias para gerir as áreas da sustentabilidade. Em algumas empresas conseguimos identificar a figura do gestor de sustentabilidade ou gestor do sistema da qualidade, ambiente e segurança.
A estas figuras atribui-se a tarefa de ter uma visão holística da empresa, mas ainda há falta de quadros nestas áreas, e este é um desafio para as empresas, para as instituições e para o País.
É necessário formar pessoas porque este é um tipo de trabalho do futuro, numa altura em que os chamados green jobs estão a surgir. Hoje em dia, pede-se aos profissionais que têm formação básica em engenharia, economia, direito, etc., que tenham conhecimentos de sustentabilidade.
Como e onde são treinados os gestores de sustentabilidade que existem em Moçambique?
Acaba por haver muitas vertentes que o gestor de sustentabilidade tem de abraçar para adquirir conhecimento.
A Insite dá o seu contributo na área da formação no que diz respeito aos vários referenciais normativos, em que uma pessoa que conheça os conceitos do ambiente, segurança, qualidade, entre outros, pode caminhar para, no futuro, poder ser um gestor na área da sustentabilidade. Por todo o mundo, há instituições que oferecem graus de pós-graduação nesta área.
A avaliar pelo estágio actual, como olha para o nível de desenvolvimento sustentável em Moçambique até 2030, limite para o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), quer ao nível macro, quer ao nível das organizações individualmente?
Os ODS foram estabelecidos em 2015 e já nesse ano, quer a nível mundial, nacional ou das organizações, todos sabíamos que seria um grande desafio cumprir com essa meta. Mesmo na comunidade científica, muitos especialistas das áreas das alterações climáticas não concordam com esse prazo porque é muito ambicioso.
Provavelmente isso não irá acontecer porque o tempo é muito curto e as pessoas não estão sensibilizadas para esta problemática. Temos o prazo de 2030 para os ODS como um guia para que todos dêem um contributo no sentido de que, mesmo que não seja em 2030, essas metas sejam alcançadas em 2040 ou 2050. O importante é ir caminhando nesse sentido.
Esta COP27 é importante porque um dos temas centrais tem que ver com a compensação ao continente africano por ser o que menos contribui para as alterações climáticas (cerca de 4% das emissões de CO2 ao nível mundial), e um dos que mais sofrem com o fenómeno.
Os ciclones Idai, Kenneth e outros são exemplo disso e são fenómenos que poderão acontecer com mais frequência. Por isso, as organizações devem adoptar estratégias para serem mais resilientes e estarem preparadas para estas mudanças climáticas. Há que encontrar mecanismos para que países, organizações e indivíduos sejam cada vez mais resilientes.
Susana Cravo • Consultora & Fundadora da
Kutsaca e da Plataforma Reflorestar.org
Éa partir do meu “Lugar de Aprendiz” que aceitei este convite. Desconfio cada vez mais das opiniões fortes e certezas sólidas, e inspiram-me as pessoas com a capacidade de fazer as perguntas certas, que são poucas.
Partimos da pergunta de Daniel Wahl: Porque é que a sustentabilidade não chega?
É na segunda metade do século XX que a sustentabilidade ganha maior visibilidade, em particular com o conhecido relatório de Bruntland, publicado em 1987, que amplia a definição do conceito “Desenvolvimento Sustentável”, trazendo três questões essenciais: 1 - Dar resposta às necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de poderem satisfazer as suas; 2 – Adoptar um modelo de desenvolvimento económico, sem a degradação e exaustão dos recursos naturais; 3 – Garantir a equidade na distribuição de recursos.
Desde então aquilo a que temos assistido, não obstante algumas boas intenções, concretizações e mérito, é ao desgaste, inadequabilidade e até à falta de ética na utilização do termo.
Não é que a sustentabilidade tenha deixado de ser importante, ela é simplesmente um passo para o caminho para aquilo que Daniel Wahl chama de “culturas regenerativas”.
Neste sentido, vale a pena distinguir os patamares fundamentais que este autor nos traz, com muita sustentação teórica, científica e prática que nos ajudam a perceber porque é que a sustentabilidade não chega e devemos caminhar para a cultura regenerativa (Design de Culturas Regenerativas, Daniel Wahl, pág. 57), aqui sintetizados com outras perspectivas e naturalmente imbuídos da minha percepção.
Business as usual – É de onde estamos a tentar sair, é o lugar em que as orter Pauli, o conhecido homem da economia azul.
Sustentabilidade – O ponto neutro, aquele em que tentamos não prejudicar mais os ecossistemas. E aqui incluem-se comunidades, organizações, biodiversidade, economias, culturas, planeta. Sistemas. Adoptar decisões, medidas, políticas, programas, que não causem mais dano aos ecossistemas.
Na prática, os Objectivos de Desenvolvimento sustentável (ODS) estão muito centrados neste patamar e no paradigma de “parar a desordem/extracção” e/ ou “fazer o bem”, embora algumas medidas e programas toquem o patamar restaurativo, reconciliatório e, muito pouco ainda, o regenerativo.
Restaurativo – Visa contribuir para a restauração e auto-regulação saudável dos ecossistemas. Embora seja mais um passo, ainda nos vê como separados da natureza e por isso manifesta-se muito como “seres humanos a fazer coisas pela natureza.” É naturalmente importante, mas está aquém de gerar sistemas vivos.
Reconciliatório – Reintegrar o ser humano como parte da natureza. Neste patamar, há já um passo muito importante: perceber a importância da humanidade sair do paradigma antropocêntrico (em que se coloca no topo da pirâmide com autoridade para dispor da biodiversidade e do planeta como meros recursos ao seu serviço), e de começar a participar na vida, a partir de um lugar mais equilibrado e consciente.
Regenerativo – “Cria culturas capazes de contínuas aprendizagens e transformações em resposta e antecipação à mudança inevitável. Culturas regenerativas salvaguardam e aumentam a abundância biocultural para as futuras gerações da humanidade e para a vida como um todo”. (Daniel Wahl)
Sustentabilidade – Um Passo a Caminho das Culturas Regenerativas
ganizações continuam a fazer os seus negócios de sempre, cumprindo apenas as obrigações legais e, como bem sabemos, principalmente em países onde grande parte da economia é informal e a regulação/fiscalização ainda é muito deficiente. Muitas vezes nem isso.
Achille Mbembe diz-nos, na sua última obra Brutalismo, que “mais do que nunca, a função do poder é tornar possível a extracção. Isto exige intensificar a repressão utilizando a lei para multiplicar os estados de excepção e desmantelar a resistência.”
Os (falsos) verdes – São aqueles que muitas vezes estão a fazer praticamente o mesmo que o Business as usual, mas acrescentam algo que vai um pouco além das obrigações legais e constroem uma boa campanha de marketing com isso.
O chamado greenwashing é aquele com que somos normalmente bombardeados, e não descurando o valor desses contributos, que podem ser importantes, “enquanto continuarmos a celebrar os less bad como heróis, não vamos a lado nenhum” como nos diz Gun-
Pensar e co-criar em conjunto sistemas vivos, que aumentem a vitalidade sistémica, e que contribuam para a
Conservar a biodiversidade é um imperativo para a sustentabilidade ambiental e para a vida
prosperidade de todos – Humanidade e Seres Vivos.
É um mito continuarmos a achar que os problemas que vivemos em todo o mundo estão separados. Pelo contrário, estão todos ligados e nenhum deles pode ser gerido de forma isolada. Relações, padrões, conexões e contexto são palavras-chave a considerar para formular as nossas melhores perguntas-guia.
Aquilo que é vulgarmente conhecido como “Green transition” é, na maior parte das vezes, o Less Bad. Pode ser um passo para sair da extracção – das pessoas, dos sistemas, do planeta –, mas não é aquilo de que nos tentam convencer, e até pode ser um Business as usual disfarçado e oportunista, acompanhado de programas bilionários. Há poucas semanas, um responsável do EBI - European Investment Bank alertava para este risco. Parar a desordem e extracção em que se encontram os ODS é muito importante face ao cenário que vivemos, mas é lamentavelmente o espelho da sociedade infantil actual, em que os pais/figuras de autoridade têm de castigar as crianças que se portam mal.
Já “fazer o bem”, em que também se encontram os ODS, pode ser importante e necessário, sobretudo em situações de crise, que infelizmente Moçambique bem conhece, mas está longe de nos preparar para a robustez e vitalidade de um sistema vivo.
Mas, então, como operam os sistemas vivos? Evoluindo a sua capacidade para a auto-expressão e evolução em direcção ao seu melhor potencial. Tudo, absolutamente tudo o que existe, tem um papel no sistema de que faz parte. Ouvir as suas vozes, prestar atenção à forma como interagem e respeitar a sua essência já são grandes passos para activar essa inteligência colectiva e vitalidade sistémica.
Isto é extremamente difícil numa cultura rígida, guiada por um pensamento dual e reducionista, pelo já mencionado paradigma antropocêntrico, e pela obsessão pelo controlo e por resolver problemas, em vez de manter e desenvolver as condições e relações que garantam o equilíbrio e vida naturalmente existentes.
Coisa que os ancestrais e indígenas sempre souberam fazer. Não é por acaso que 80% da biodiversidade do planeta (ainda preservada) é cuidada por povos indígenas, famílias, pequenos proprietários e comunidades locais, que entendem e respeitam os ciclos da vida. (ONU - Agricultura e Alimentação).
Moçambique está cheio de sabedoria local, natural e rural. Vejo, contudo, com frequência que as decisões (unilaterais) vêm das secretárias da cidade, e por vezes até de cidades de fora do País, que não conhecem, de todo, a realidade local.
A cultura cresce a partir da base, de forma orgânica. A regeneração acontece a partir do e com o lugar. Cada lugar tem os seus próprios Mestres e a sua sabedoria. Importar programas e best practices são modas que não se coadunam com a bio-inteligência dos lugares. Geram frustração para todos: implementadores e “recebedores passivos” que, ainda por cima, se pretendem activos, motivados e agradecidos. E isto é válido para o mundo rural e urbano. Para a machamba e para a organização. Para os corpos e para os solos. Para os buscadores de soluções definitivas, que não conseguem conviver com a incerteza e complexidade, ou seja, com o ciclo natural da vida de entropia e sintropia. Para os globalizadores que ditam as regras e para os globalizados que, no fundo, como nos diz Achille Mbembe, “querem pertencer”.
É preciso desconstruir esta narrativa de que as sociedades industrializadas, baseadas na extracção/produção/consumo, são o que traz prosperidade e felicidade. Este paradigma de acção, competição, conquista, crescimento, só funciona para muito poucos, e à custa de muitos.
Qualquer monocultura rígida, “limpinha” e em permanente produtividade, esteja ela no agro-negócio, na empresa, na cultura, no corpo, não leva à regeneração. Leva, mais tarde ou mais cedo, à esterilidade e/ou à degeneração. Porque desvirtuar o ciclo natural da vida é castrar o potencial único do lugar.
E a única forma de dar voz ao lugar/ sistema é descentralizar o poder e ouvir todas as vozes. Não são precisos programas bilionários nem importar práticas e programas. São precisos espaços seguros, com significado para quem os habita, fortemente baseados em cooperação (e não competição), onde a sabedoria que já existe possa ser profundamente escutada, expressada e potenciada.
Passa muito por nos abrirmos a novas possibilidades, buscar as perguntas certas (e não as respostas), re-imaginar e co-criar futuros juntos. E, para isso, a memória não nos serve de muito. Criatividade, disrupção e capacidade de fazer conexões, de gerar mais recursos e abundância com o que está localmente disponível, isso, sim, é importante.
É a partir deste lugar de pertença, conexão e sentimento de contribuição que se activa a inteligência colectiva e se caminha em direcção a sistemas vivos. E isto acontece devagar, não dá notícia. É subtil, mas fértil, orgânico, vivo.
O assunto é sério, mas como disse Mia Couto, numa entrevista recente, “é vital darmos as notícias boas, que criam esperança e vontade de fazer coisas (...) Se actuarmos pela via do medo e teimarmos em encenar o apocalipse, a resposta só poderá vir dos que se apresentam como messias.”