O PEREGRINO - L. P. LEAVELL 1940

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TRADUÇÃO DE

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do Coligia

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Batista Mineira e Faculdade de Minas Gergis

de Comércio

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J. A. HARRINGTON

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ÇASA

1 940 PUIILICI\DORA Caixa 320 --

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BATISTA Ria de Janeiro



PALAVRAS J:?EAPRESENTAÇÃO A mais alta qualidade de cultura é a da alma humana.

"O Peregrino", depois da Bíblia, tem, mais do que qualquer outro livro, contribuido para a cultura da alma. Cada tradução desta história, a maior alegoria do mundo, estende e perpetua a sua utilidade. A presente tradução para a língua portuguesa enriquecerá as vidas de multidões que a lerem. Durante catorze anos João Bunyan esteve na prisão de Bediord . A causa do seu aprisionamento foram as suas convicções. Da mesma forma em qualquer tempo ou em qualquer lugar em que forem cerceadas as convicções cristãs, veremos, como resultado, surgir uma obra como "O Peregrino", .oti outra semelhante manifestação de poder espiritual. Possa a leitura dessa velha história, (nova entretanto, para muitos) por intermédio desta


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PEREGRINO

tradução, resultar em novas e duráveis convicções a respeito do incomparável plano da sal. vação pelo qual }esús Cristo morreu e em relação à qual escreveu o imortal João Bunyan . Gratidão

aOs

tradutores

(a) FRANK Secretário

desta edição.

H. LEAVELL.

da União dos Estudantes

(*) Batistas.

Nashville, Tenn, U.S.A. Escrito no Brasil em ahril de 1939.

(*) Dr. Frank H. LeaveU, autor da carta supra, é irmão do saudoso L.. P. Leavell, já falecido e autor do presente livro.

(Nota dos rradurores.)


PREÂMBULO Há muito que se sente que "O Peregrino" deveria fazer parte do Curso de Estudos da Mocidade. Inegavelmente, nenhum moço batista deve desconhecer a maior de tôdas as alegorias espirituais. Êsses quadros maravilhosos de palavras prendem a imaginação, inspiram a alma, e, ao mesmo tempo, ensinam as doutrinas [usulamentais da graça, as quais os.batistas teem. como preciosidade. Depois da Bíblia, possivelmente, nenhum outro livro merece lugar mais distinto num curso de preparação para moços cristãos do que "O Peregrino" . Nas livrarias se encontram várias edições desta obra, preparadas para os leitores jovens, omitindo-se certos trechos longos e cansativos por processos de simplificação da linguagem. V ârias dessas edições teem sido usadas como guias no preparo do texto dêste livro. -


o PEREGRINO

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Inspirémo-nos

nas edições Altemus,

Revell,

Reid e HurIbut, e, por nos ajudarem na interpretação de certos caracteres e alusões da história, somos reconhecidos aos Snrs .. Peloubet, Reid e

Kelman . A distribuição da história em capítulos com perguntas para recapitulação e exame está .de acõrdo com o plano de todos os compêndios de. nosso Curso da M oeidade . Possa o estudo dêste livro fortalecer a

e

zêlo dos nossos jovens batistas e ajudá-Ios a realizar em sua vida a seguinte verdade : "é agradável andar no caminho desta peregrinação." L.

P.

LEAVELL.


INTRODUÇÃO _ O Pregador que escreveu "O Peregrino". .

.

O povo sempre gosta de uma hoa história.

Até

O

ano de 1700, porém, o mundo de então que

falava inglês não conhecia, puhlicada, nenhuma história longa de ficção ou de caracteres imaginários. "Robinson Crusoé" foi publicado em 1719 e foi a primeira das longas histórias modernas. . Era o escritor de "Robínson Crusoé" ainda rapaz de dezessete anos, e já se encontrava na cadeia de Bedford, na Inglaterra, um. rústico, po:

rém grande pregador batista, ocupado em escrever uma história maior. Êsse pregador era João Bunyan e estava escrevendo "A Marcha do Peregrino Dêste Mundo Para o Mundo Que Há de Vir. " Essa história foi amplamente lida, quando Bunyan morreu em 16ª-8, e é lida hoje em mais de oitenta línguas. Infância de Bunyan. Que espécie de homem era Bunyan? Julgando-se pelos seus belos escritos pensaremos que era um homem preparado, com tempo disponí-


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vel e cultura. Mas, é o contrário: era filho de pais pobres e êle também nunca enriqueceu. O pai era Iatoeiro e Bunyan mais tarde seguiu o mesmo ofício, por isso era, multas vêzes, apelidado '~o latoeiro de Bedford ," Teve pouco tempo de escola, 'porém conseguiu aprender a ler e escrever. tle nos conta que, quando moço, era rebelde e desleixado e tinha prazer em xingar e profanar o Dia do Senhor. Havia pouca influência religiosa em seu lar. Aos nove anos interessouse pela religião, e converteu-se quando tinha vinte e quatro anos, quinze anos mais tarde, pois.

Mocidade de Bunyan. Com dezessete anos mais ou menos passou um ano no exército. Durante uma batalha, um companheiro que o substituira foi morto. Êle nunca se esqueceu dêsse fato, e eertamente Deus poupára- sua vida para aplicá-Ia em um fim especial. Aos vinte anos mais ou menos caeou-se com uma jovem que era tão pohre quanto êle, masde pais piedosos. Ela possuía -dois Iivres dos quais Bunyan disse: "Seu único dote foram dois volumes que seu pai .lhe dera." Os livros eram: "O Caminho do Homem Simples" e "A Prática da Piedade". "De quando em quando eu lia. de-


o les um trecho veis , "

PEREGRINO ou outro

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que me eram agradá-

Assim Bunyan revelou gôsto pela boa literatura. mas nem siquer sonhava que êle mesmo contribuiria valiosamente para a melhor literatura do mundo. "tBunyan torna-se "Peregrino". Após o casamento, Bunyan abandonou muito de sua maldade, assistiu aos cultos na igreja, leu a Bíblia e saturou a mente de pensamentos que lhe mostraram

sua condição de perdido.

A

espôsa animava-o a ler. Êsse período de leitura e meditação, possivelmente, fez que surgissem em seu cérebro muitas idéias acêrca das quais êle, mais tarde, escreveu de maneira tão bela. "Deixou a dança e o desrespeito pelo domingo e deixou a Cidade .de Destruição para seguir às Mansões Celestiais. Um dia, enquanto estava andando no campo, pensando e orando, lembrouse dêste verso: "Êlt? trouxe paz pelo sangue na cruz." E disse: "Eu vi que a justiça de Deus e minha alma pecaminosa não poderiam abraçarse mutuamente. " Logo tudo ficou claro e êle fez profissão de fé, depois da qual começou a pregar a outros acêrca do Salvador que êle tinha encontrado.

"


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Aprisionado por ter pregado o Evangelho Bunyan reuniu-se à Igreja Batista em Bedlord e dois anos depois tornou-se o pastor. Grandes multidões vinham ouví-lo. As pregações, porém, foram suspensas por ordem do rei CarIos n, que ocupou o trono da Inglaterra em 1660 e ordenou que todos os pregadores que não pertencessem à Igreja da Inglaterra (Episcopal) fôssem aprisionados ou exilados. Bunyan foi um deles e foi lançado na prisão pelo simples fato de pregar o Evangelho segundo as suas convicções. Doze anos passou êle como prisioneiro. Não ficou, porém, inativo. Escreveu muitos tratados religiosos e sermões. Um deles tinha como títu10: "Graça abundante para o principal dos pecadores. " Ainda hoje no gênero é considerado como a obra prima. Assim a seu longo aprisionamento êle deve uma dívida de gratidão pela sua fama literária. Tinha quietude e tempo disponível para pensar. "Êlenos faz lembrar o apóstolo , Paulo, que, enquanto prisioneiro em Roma, escreveu cartas as quais ainda trazem bênçãos ao mundo. Ganha fama na prisão de Bedford Em 1672 Bunyan foi posto em liberdade. Três anos depois, porém, foi encerrado nova-


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mente na prisão quando começou sua grande obra "O Peregrino". Foi uma nova espécie de literatura na qual trabalhou até 1677, quando o livro foi publicado. Nesse Interim foi sõlto n~yamente . Três edições no primeiro ano provaram a popularidade e aceitação de "O Peregrino" e também, .elevaram Bunyan ao lugar de escritor e pregador favorito da Inglaterra. Durante o resto de seus dezesseis anos de vida ninguém desejou lançâ-Io de novo na pzisão .

Os últimos

anos de Bunyan

Os últimos quinze anos de Bunyan foram gastos em serviços frutíferos para seu Mestre; Seu único pensamento era pregar. e escrever sôo bre o caminho da Salvação. Tornou-se pregador popular até em Londres, onde, anualmente, ia visitar as igrejas batistas. Diz-se que se sua visita fôsse avisada eom um dia de antecedência, a igreja ficava transbordante de ouvintes. . Conservou-se ativo até sua última 'doença contraída quando regressava a casa vindo de Reading zrurn dia frio e de chuva torrencial, depois de reconciliar um pai com um Iilho pródigo. Morreu a 12 de agôsto de 1688, com 61 anos de idade em casa de um merceeiro em Snow Hill (A Colina de Neve) ao "Sinal da Estrêla", Suas


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últimas palavras foram: "Meus dias de lutas estão findos. Vou ver a cabeça que foi coroada com espinhos e a face cuspida por mim. Até

aqui viví pela fé e por ouvir dizer; agora, porém. vou para onde viverei contemplando-Ü face a face, onde estarei com Êle em cuja companhia

me deleitarei.

Recebe-me, pois venho a ti. "

Assim, com gôzo inefável entrou na Cidade Celestíal , Os inimigos que o tinham lançado na prisão, . nem siquer imaginavam que Deus iria aniquilar sua crueldade e dela tirar os meios de espalhar pelo mundo inteiro o nome e história de Bu.nyan e tôdas as nações, através de tôdas as gerações, até a segunda vinda do Senhor. Bunyan foi enterrado no cemitério de BunhiIl Fields, não muito longe de Londres. Nesse mesmo cemitério estão enterrados Daniel DeFoe, que escreveu Rohinson Crusoé., e Isaae Watt, o grande hinógrafo, e Suzana Wesley, mãe de João e Carlos Wesley. Essas quatro pessoas influenciaram o mundo como- poucas o teem feito.


APOLOGIA I PARTE Será possível escrever em tal estilo E em tal método sem 'errar meu alvo E sem errat teu bem? Tudo é possível. Pois, quando as nuvens claras não trazem 'chuva, Ás nuvens escuras são delas portadoras. Sim, . escuras ou claras pouco importa, SfI as gotas prateadas descem à terra e ajudam a ceifa, Não te queixes delas, louva a ambas e ajunta os frutos. Penoso é para a pena que escreve aos homens coisas divinas. Leis evangélicas, as leis divinas em tempos antigos ventiladas Por tipos, sombras e metáforas não lóram apresentadas? Homem nenhum sóbrio e sábio poderá achar falta, ou acusar A sabedoria mais' alta, sabedoria do céu. Para apresentar a verdade 'de Cristo, o Senhor, usaram 05 profetas, de metáforas profundas, Também nas obras dos apóstolos eis a mesma verdade. E Palavras sensatas Timóteo foi aconselhad~ a usar. Assim como recusaF as fábulas. Mas Paulo em nenhum Iugar Proibe o uso de parábolas, nas quais se escondem O ouro, as preciosas pedras e pérolas' que minerar Valem pena e .d~m cuidado. â

Ás Escrituras em muitos lugares tem semelhança nos métodos. Posso nsá-Ios sem esconder os áureos raios da verdade, Tão claros eome a luz do dia.


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PEREGRINO 11 PARTE

Antes de assentar minha pena, Vou mostrar-te meu livro, que derruba os fortes R os fracos ficam de' pé.

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livro traça o homem que procura o prêmio eterno E seu destino: donde vem e para onde vai: O que faz e o que deixa de fazê-Io. Como corre, Corre até a porta da Glória vindoura e· eterna, :&stelivro te fará um viajante, Se pelo seu conselho fores orientado, Dirigir-te-á à Terra Santa, Se tu compreenderes suas direções. Sim, fará dos preguiçosos, ativos. Os cegos verão deleitaveis coisas. Com êste livro, escrito em tal linguagem, Os homens indiferentes atrair posso?

Parece novidade e nada contém, A não ser expressão honesta e pura do Evangelho. Queres curar-te da melancolia atroz? Queres ser afável e livre de tolices? Queres ler enigmas. e suas eXplicações? Queres conhecer o teu próprio ser, Conhecendo tôdas as bênçãos 'e tôdas as maldições? Então lê êste livro, pondo-o em teu cérebro, Pondo-o em teu coração. JOÃO .BUNYAN.


CAPfTULO Enquanto andava pelo deserto dêste mundo, cheguei a um lugar onde havia uma caverna, na qual me deitei para dormir. Dormi e sonhei: Vi um homem vestido de farrapos, parado, de costas para sua própria casa, com um livro na mão e grande fardo nas costas. Eu o vi ahrir o livro e ler e, enquanto lia" chorou convulsivamente e exclamou: "Que farei eu?"

o fardo do pecado Por fim foi para casa, e escondeu seu sofrimento tanto tempo quanto pôde. Não pôde, contudo, permanecer em silêncio por muito tempo, pois as dificuldades aumentavam. Então disse êle: "O' querida espôsa e queridos fi. lhos, estou preocupado por causa de um fardo que me esmaga e, mais ainda, fui cientificado de que nossa cidade será queimada com fogo vindo dos céus, e, se isso acontecer, tanto eu como vós, minha espôsa e vós, queridos filhos, seremos mio seravelmente destruidos, se não encontrarmos um meio de escapar." Com isso, os de sua família ficaram admirados; contudo duvidaram da veracidade de suas


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palavras; mas pensaram que estivesse sofrendo das faculdades mentais; por isso, esperando que o sono da noite ilucidasse-1he as idéias, logo o levaram para cama. De noite, porém, êle permaneceu tão perturbado como durante o dia, pois em vez de dormir, passou a noite em soluços e lágrimas. Assim, quando amanheceu, perguntaramlhe como estava. Êle lhes respondeu: "Cada vez pior. " Procurou conversar com os seus, mas res-

pondiam-lhe asperamente, oferecendo-lhe remédio para curá-Io, Isso fê-lo pior, pois o fardo do pecado em suas costas tornava-se mais pesado; portanto, ora passava todo o tempo no quarto, triste por causa de sua situação penosa, ora andava pelos _campos, ora lia; às vezes orava; e assim procedeu

por algum tempo.

Uma vez, quando andava no campo, lendo o livro, grandemente perturbado, bradou como havia feito antes: "Que farei para me salvar?" Evangelista encontra Cristão Vi também que êle olhava para um lado e para outro como se quisesse correr, mas continuou parado por não saber que direção tomar. Então vi um homem chamado Evangelista aproxrmar-se dele e perguntar-lhe: "Por que choras?"


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Êle lhe respondeu: Senhor, li neste livra, que tenho à mão, que estou condenado a morrer e depois disso virá o Dia de Juízo . Não desejo morrer nem estõu preparado para o JuÍzo . Então Evangelista disse: "Por que não desejas morrer, sabendo que a vida é perturbada por tantos males?"

O homem respondeu: "Porque temo que êste fardo em minhas costas me abata e me afunde mais do que o sepulcro e cairei no inferno e o pensar nessas coisas faz-me chorar." Então continuou Evangelista: "Se essa é a tua condição, por que ficas parado?" tle respondeu: "Porque não sei para onde ir. " Então êle lhe deu um rôlo de pergaminho no qual estava escrito: "Foge da ira vindoura. "

O homem então leu e perguntou a Evange. lista: "Para onde devo fugir?" Evangelista disse, apontando com o dedo para um extenso campo: "Vês além uma pequena porta?"

O homem disse: "Não."

Então disse o outro: "Não vês além uma luz brilhando?" Êle disse: "Penso que sim." Evangelista continuou: "Não percas de vista aquela luz e vai diretamente a ela. Assim verás a pequena porta na

qual quando bateres alguém te dirá o que deves fazer. "


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Assim vi em meu sonho que o homem começou a correr .Êle não havia corrido muito e estava à pouca distância de casa quando a espôsa e filhos o perceberam e começaram a chamá10 para que voltasse. Mas o homem tapou os ouvidos com os dedos e continuou acorrer, gritando: "Vida~ Vida. Vida Eterna!" Assim Cristão, pois êste era seu nome, não olhou para trás, e correu pela planície.

Vacilante e Obstinado encontram Cristão Os vizinhos também saíram de suas casas para. vê-lo correndo, e enquanto corria, uns sorriam, outros chamavam-no para que voltasse. Dois deles resolveram fazê-lo 'Voltar. O nome de um era Obstinado, e do outro, Vacilante. Eles logo chegaram junto dele e procuraram persuadí-lo a voltar para casa. tle, porém, disse: "Não é possível, de maneira nenhuma; morais na Cio dade de Destruição, a qual em hreve será destruida pelo fogo. Ficai alegres, meus bons vizinhos, e vinde comigo." Ohstinado:

Que?! Deixarmos os amigos e

o confôrto? Cristão: Sim. porque tudo quanto abandonardes não será nada comparado com um pouco daquilo que estou procurando gozar. Acompanhai-me e provai minhas palavras.


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Ohstiaado: Quais as coisas que procuras a ponto de deixares tudo dêste mundo? , Cristão: Procuro um lugar que nunca possa ser destruido, um que é puro, e que não perece, que está posto no céu, e é seguro, e sel'á dado em tempo determinado aos que o procuram de todo coração. Se quiserdes, lêde isso no meu livro. Ohstinado: oonosco ou não?

Abaixo o teu livro!

Voltarás

Cristão: Não, eu não farei isso; tenho posto a mão ao arado e não voltarei atrás. Obstinado: Vem então, v.izinho Vacilante; voltemos para casa sem êle , Há muites como Cristão, que teem uma .noção idiota e se julgam mais sábios do que sete homens que podem dar

uma decisão racional. Vacilante: Se é verdade o que o bom Cristão diz, as coisas que êle procura são melhores que as nossas; meu coração está inclinado a seguí-lo . Obstinado: Que?! Mais outro doido?! Ouve-me e volta, quem sabe aonde êsse eompanlieiro desequilibrado vai levar-te? Cristão: Não faças isso, Vacilante, vem comigo; tais coisas existem paTa ser possui das como eu falei e muitas outras glérias, Se não acreditas em mim, lê o que está escrito neste livro.


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Vacilante segue Cristão

Vacilante: Bem, vizinho Obstinado, estou resolvido a ir com êste bom homem e tentar minha sorte com êle; porém, meu bom Cristão, sabes o caminho para êsse lugar desejado? Cristão: Fui instruido por um homem chamado Evangelísta para me dirigir à pequena porta além em nossa frente onde receberemos instruções a respeito do caminho . Vacilante: "Bem, então, bom vizinho, vamos. " E ambos foram juntos. Vi em meu sonho, que, quando Obstinado voltou, Cristão e Vacilante sairam conversando e assim começaram: Cristão: Bem, vizinho Vacilante, estou alegre porque vais comigo. Ah! Se Obstinado tivesse sentido o que sinto não nos teria tão levianamente abandonado. Vacilante: Bem, vizinho Cristão, vendo que não há ninguém aquí, exceto nós dois, dizeme: quais as coisas e como poderão ser gozadas no lugar para onde nós nos estamos dirigindo? E pensas que as palavras de teu livro são verdadeiras? Cristão: Sim, verdadeiras, pois o livro foi feito por Aquele que não pode mentir. Vacilante: Muito bem, quais são as coisas?


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Cristão: Há um reino eterno para ser gozado e vida eterna para nos ser dada. Vacilante: Muito bem, e que mais? Cristão: Há coroas de g16rias para nos serem oferecidas e vestiduras que nos farão heilhar como o sol. ' Vacilante: Isso é muito agradável; e que mais? Cristão: Não haverá mais nem lágrimas nem tristezas, porque Aquele que é o dono daquele lugar enxugará tôda a lágrima dos nossos olhos. Vacilante: ~ que companhia teremos lá? Cristão: Estaremos com os anjos, encontraremos miríades que teem ido adiante de nós par~ aquele lugar; nenhum deles é ofensivo, mas todos são amorosos e santos, andando cada um à vista de Deus, e por ~le aceito eternamente. Aí iremos ver os anciâos com suas coroas de ouro, e as santas mulheres com harpas de ouro. Iremos ver os homens que por êste mundo foram" despedaçados, queimados em fogueiras e afogados nos mares pelo amor que tiveram ao Senhor dêsse lugar. Vacil~nte: Isso é bastante para deleitar o coração de alguém. Como poderemos tomar parte nesses prazeres?


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Cristão: Do Senhor, o Governador do país, isso está escrito neste Iivro r. " ••• a substância do que é, se verdadeiramente desejamos possuí-lo , Êle nô-Io dará livremente." Vacilante: Bem, meu hom companheiro, estou alegre por ouvir essas coisas, vamos, apres- semo-nos , Cristão: Não posso ir tão depressa como desejaria por causa dêsse fardo que está nas minhas costas.

o Pântano

do Desânimo

Vi, então, no sonho, que, justamente quando terminaram esta conversa, chegaram perto a um pântano pegajoso, ou lamaçal, que estava no meio da planície, e a:mí)Osindo descuidados, r-epentinamente cairam dentro dele. O nome do pântano era Desânimo. lquí, portanto, ,lutaram por algum tempo e ficaram completamente sujos, e Cristão por causa do fardo, que estava em suas costas, começou a se afundar na lama. Vacilante: agora?

Oh! Vizinho Cristão, onde estás

Cristão: Para falar a verdade, não sei. Com isso Vacilante começou a ofendê-Io e com ódio disse a Cristão: "Isso é a felicidade da qual me falas? Se passamos tão mal no princípio, que poderemos esperar até o final da jor-


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nada? Se eu sair daqui com vida, podes possuir sozinho todo-" aquele país." E com um ou dois ar.rancos, conseguiu sair do lamaçal pelo lado que estava próximo de sua casa, e foi-se embora e Cristão nunca mais o viu.

Cristão luta para' atravessar o pântano e AUX11iO lhe dá a mão. . Assim Cristão foi deixado lutando sozinho no Pântano do. Desânimo. Ainda continuou a lutar para alcançar o lado que estava mais afastado de sua própria casa e. mais próximo à pequena porta. Mas não podia sair por causa do fardo que estava nas costas. Então, vi em meu sonho, que veio a êle um ho:tne:tn cujo no:tne era Auxilio

e perguntou-lhe

o que estava fazendo alí. Cristão: Senhor, fui orientado por um homem chamado Evangelista e me dirijo àquela pequena porta para poder escapar da ira vindoura e ia para lá ~ando caí aquí. Auxílio: Porque não olhaste aqueles degraus? Cristão: Estava com tanto mêdo que fugí do outro caminho e caí aquí. Auxílio então disse: "Dá-me tua mão." Deu-lhe a mão e êle o tirou, e o pôs em terra firme, e mandou-o seguir seu caminho.


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Cristão encontra o Sr. Sâhio-Segundo-oMundo Enquanto Cristão estava seguindo sozinho, viu alguém distante que vinha atravessando a planície para encontrar-se com êle e aconteceu que se encontraram na encruzilhada do caminho. O homem que o encontrou era Sábio-Segundo~o-Mundo, que morava na grande cidade de ,Orientação Carnal, perto daquela onde Cristão morava. tsse homem, então, encontrando-se com Cristão, Iembrou-se de ter ouvido falar nele. Por alí falava-se hastante da resolução de Cris· tão sair da .Cidade de Destruição. O Sr. SábioSegundo-o-Mundo então, reparando os suspiros e gemidos, começou 'a falar com Cristão da se. guinte maneira: Sábio-Segundo-o-Mundo: Como é agora bom companheiro? Para onde vais com um fardo tão pesado? Cristão: Um fardo pesado, verdadeiramente, tão pesado como nenhuma pobre criatura jamais teve. Como me pergunta para onde me dirijo eu lhe direi; senhor, vou para aquela peque. na porta além, porque lá, conforme estou informado, ser-me-à dito como ficarei livre de meu pesado fardo.


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Sábia: Tens espôsa e filhos? Cristão: SiIU; porém estou tão carregado que não posso ter prazer neles como dantes. Muitas vêzes me sinto como se não tivesse família. Sábio: Escutar-me-ás se eu te der conselhos? Cristão: Se forem bons, aceitarei;

porque

estou precisando de bons conselhos. Sábio: Eu te aconselharia então, que te libertasses dêsse fardo mais depressa possível, porque nunca ficarás despreocupado antes de fazê-Io ; nem podes gozar das bênçãos que Deus te tem concedido até então. Cristão: Isto é que estou procurando; desejo, justamente, ficar livre dêste fardo pesado, rnas para tirá-Io não posso consegufr por mim mesmo, nem há nenhum homem em nosso país que possa tirá-Io de sôbre meus ombros; portanto estou seguindo êste caminho, como eu lhe disse, para que me possa libertar dele. Sábio: Quem te disse que seguindo êste caminho ficarás livre de teu fardo? Cristão: Alguém que me parecia ser um grande homem e pessoa honrada; seu nome é Evangelista . /


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Sâbío-Segundo-o-Mundo

condena

Evangelista

Sábio: Eu o maldigo pelos seus conselhos! Não há um caminho mais difícil e perigoso no mundo que aquele para o qual êle te tem dirigido . Certamente já passaste por alguma experiência dolorosa, pois vejo tuas vestes sujas da lama do Pântano do Desânimo; mas o Pântano é o princípio da tristeza para quem acompanha aqueles que seguem êste caminho. Escuta-me: És capaz de encontrar, no caminho que vais seguindo, fome, perigos, nudez, espada, leões, dragões, trevas e até a morte. Essas coisas são certamente verdadeiras e· já teem sido provadas por muitas pessoas. E por que displicentemente te destróis a tí mesmo, seguindo o conselho ~e um estranho? Cristão: Oh, senhor, êste fardo em minhas costas é mais terrível para mim que tôdas as coisas mencionadas pelo senhor, não me importa o que possa encontrar pelo caminho, se eu puder ficar livre de meu fardo. . Sábio: Como ficaste com êsse fardo no princípio? Cristão: Ao ler êste livro que está em mio nhas mãos.

Sâbio-Segundo-o-êlundo condena a Bíblia Sábio: Julguei isso mesmo, És como os homens fracos que pensam em coisas demasiado


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elevadas e inacessíveis. Estás-te arriscando demais para alcançar alguma coisa que nem tu mesmo sabes o que é. Cristão: Sei o 'que quero obter: é descanso de meu fardo pesado. Sábio: Por que procuras descanso dessa maneira, vendo que tanto perigo te acompanha? Eu poderia dirigir-te sem perigo, ao que procuras alcançar e além disso, em vez dêsses perigos, 'encontrarás segurança, amizade e contentamento. Cristão: Rogo que me reveles êste segrêdo.

Sábti<>rSegundo-o-Mundo sugere Moralidade Sáhio: Oh, naquela cidade chamada Moralidade, vive um senhor cujo nome é Legalista, homem muito sábio que tem capacidade para ajudar o homem a tirar tais fardos como o teu. Eu sei que êle tem feito muito hem desta maneira, e além disso êle é capaz de curar aqueles que são doentes mentais, moléstias ocasionadas por tais fardos. Sua casa fica a menos de dois quilômetros daqui, e se não estiver em casa, êle tem um filho chamadoCivilista, que pode fazer tão bem quanto o velho homem. Lá, digo, podes ser libertado do teu fardo. Poderias mandar tua mulher e filhos morar com êles lá, e viverias de maneira confortável e com pouca des-


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pesa e, certamente, habitarias perto de vizinhos honestos e de b?a aparência. Cristão caiu na armadilha por Sábio-Segundoo-Mundo.

Cristão num momento concluiu: Se é verdade o que êsse senhor disse, minha mais sábia deliberação é seguir seu conselho; e com isso Cristão continuou a dizer: Senhor, qual é o caminho para casa dêsse homem honesto? Sábio: Estás v-endo aquele monte além? Cristão: Estou. Sábio: E' preciso passar perto daquele monte e a primeira casa é a dele. Assim Cristão se desviou do caminho que ia seguindo, para ir a casa do snr. Legalista pedir auxílio. Chegando, porém, ao monte, eis que êste lhe pareceu tão alto e inclinado para o caminho, que Cristão ficou com mêdo de que desabasse sôbre êle; e parou, não sabendo o que fazer. Também o fardo se lhe afigurava agora mais pesado que quando estava no caminho, anteriormente trilhado. Também saíam do monte chamas que amedrontavam Cristão. Êle se arrependeu de ter aceito o conselho de Sábio-Segundo-o-Mundo.


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Então êle viu Evangelista vindo e ficou corado de vergonha. Evangelista com severidade lhe falou da maneira seguinte: Evangelista: "Que fazes aqrri, Cristão?" A essas palavras Cristão não sabia como responder. Então Evangelista continuou: "Não és o homem que achei chorando fora das muralhas da Cidade de Destruição ?" Cristão: Sim, meu caro senhor, sou eu. Evangelista: Não te apontei o caminho que vai àquela porta estreita? Como te desviaste tão cedo, do caminho? Agora estás fora do verdadeíro trilho. Cristão: Eu me encontrei com um senhor, logo depois de atravessar o Pântano do Desânimo, o qual me convenceu de que nesta cidade

podia encontrar um homem capaz de me tirar o fardo.

Evangelista: Como era êle? Cristão: Parecia um cavalheiro e dizendome muita coisa, conseguiu afinal convencer-me , Evangelista: Que te disse o homem? Cristão: Oh, perguntou-me aonde ia e eu lhe disse. Além disso falei-lhe do fardo que tinha às costas.

Evangelistà: E que disse êle então? Cristão: Aconselhou-me a me libertar dêste fardo o mais depressa poseível i e mostrou-me


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um caminho melhor e mais curto e não tão difícil como o caminho indicado pelo senhor. Êle me indicou a casa de um senhor que é capaz de tirar fardos iguais a êste. Portanto eu acreditei e desviei-me do outro caminho para seguir êste , Quando cheguei a êste lugar e vi estas coisas pa-

rei com mêdo. Agora não sei o que fazer. Evangelista mostra a Cristão o seu êrro Então disse .Evangelista: Espera um pouco,. vou mostrar-te as palavras de Deus. (Cristão. ficou tremendo) Evangelista disse: -Deus diz em seu livro: "Vêde que não rejeiteis ao que fala; porque, se não escaparam aqueles que rejeitaram o que na terra os advertia, muito menos nós, se nos desviarmos daquele que é dos céus.,,. Ê':Ie assim fez aplicação dessas palavras. "E's um homem que estás correndo e caindo na miséria, tens começado a rejeitar o conselho do Ala

tíssimo . " Cristão caiu aos pés de Evangelista como se estivesse morto, clamando : "Ai de mim, estou perdido!" Evangelista tomou-o pela mão direita, dizendo: "Não sejas incrédulo e sim crente I"

c!e

Nisto Cristão recuperou ânimo e ficou pé tremendo, como dantes, diânte de Evangelista.


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PEREGRINO

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Evangelista descreve Sãbio-Segund().()oMundo Então Evangelista disse: Mostrar-te-ei quem te desviou e também a quem êle te enviou. Aquele homem que encontraste é um tal SábioSegundo-o-Mundo; e seu nome está de acôrdo, pois, em parte, o que êle procura são somente as coisas dêste mundo, (portanto êle sempre vai a essa cidade de Moralidade para assistir aos cultos) e em parte porque êle ama mais aquele caminho, porque o desviou da cruz. Aquele a quem foste enviado para teres alívio e que se chama Legalista não tem poder para te libertar do fardo. Nenhum homem jamais se l~bertou de seu fardo por .intermédio dele e não é possível qué o seja no futuro. Não podes ser orientado direito por um inimigo, e ar. Legalista é um fraudulento, e seu filho Civilista, apesar de sua boa aparência, não é outra coisa senão um embusteiro e não te pode ajudar. Acredita-me, não há nada de proveito em todo êsse aranzel que tens ouvido dêsses homens perversos senão o desígnio de te 'roubar a salvação, desviando-te do caminho no qual eu te coloquei. Depois disso, Evangelista clamou alto aos céus para provar o que êle havia dito; e sairam palavras e fogo do monte ao pé do qual estava Cristão. As palavras foram as seguintes: "Todos quantos estão nas ohras da lei estão sob a maldição. "


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Agora Cristão não esperava outra coisa senão a morte. Começou a clamar; chamando a si mesmo "tolo, sou muito tolo, excessivamente tolo", pelo fato deter escutado Sábie-Segundoo-Mundo. Então Cristão pergunta a Evangelista: "Senhor, que pensa? há qualquer esperança para mim? Posso voltar agora e ir até a porta estreita? Estou arrependido porque ouví e conselho dêsse homem, mas podem ser os meus pecados perdoados?" Evangelista: Teu pecado é muito grande, pois tens cometido dois males: abandonaste e caminho que é bom, para trilhares caminhos proibidos. Ainda o homem à porta te receberá porque êle tem boa vontade para com os homens, Somente tem cuidado para não te desviares outra vez. senão perecerás. Então Cristão voltou para o caminho certo e Evangelista, depois de abraçâ-Io, sorriu para êle e disse: "Deus te guie." Portanto êle partiu apressadamente, não falando com pessoa alguma no caminho. Andava como alguém que estivesse pisando terra proibida, e não poderia de maneira alguma considerar-se seguro até que estivesse novamente no caminho que havia deixado para seguir o conselho do Sr. Sábio-Segundo-o-Mundo.


CAPíTULO

II

Peregrino chega à Porta Estreita

Depois de algum tempo, Cristão chegou à Porta Estreita e sôbre ela estava escrito: "Batei e abrir-se-vos-â ;"

Portanto êle bateu, por mais de uma vez, dizendo: Posso eu entrar aquí? Abrirá êle a porta Ao pobre pecador, rebelde e sem mérito? E eu cantarei, sempre cantarei, em seu louvor.

Eterno e nas alturas. Por fim chegou à portá uma pessoa circunspecta, chamada Boa-Vontade e perguntou quem batia, donde vinha e o que desejava. Cristão: Sou um pobre pecador oprimidopor um fardo. Venho da Cidade de Destruição, e estou indo para o Monte de Sião , Desejaria, portanto, saber se o senhor permite que eu entre. Boa-Vontade: "Permito de todo meu coração. " E assim abriu a porta. Dêsse modo quando Cristão transpôs a porta, alguém o puxou com fôrça para dentro. Então disse Cristão:


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"Q ue srgm iznifiICaISSO, , ?" O outro lh e d'rsse e "A pequena distância daquí existe.um forte castelo do qual Belzebú, o Malvado, é o capitão, de onde êle e os que com êle estão atiram setas naqueles que vêm a esta porta, com o intuito de matá-los antes de entrarem aquí ." Então disse Cristão: "Sinto um misto de alegria e tremor;" Cristão entra e fala com Boa-Vontade Quando êle entrou, o homem da porta. lhe perguntou quem o dirigira para lá. Cristão: Evangelista me enviou para cá e disse que batesse à porta, como eu o fiz; êle me disse que o senhor me diria o que preciso fazer, Boa-Vontade: Uma porta aberta está posta diante do senhor e ninguém poderá fechá-Ia. Cristão: Agora começo a usufruir o bene.fício das dificuldades pelo esfôrço que fiz, Boa-Vontade: Porque veio só enão acompanhado? Cristão: Porque nenhum de meus vizinhos encarou o perigo como eu. Boa~Vontade: Nenhum deles sabia que osenhor vinha? Cristão: Sim, minha espôsa e filhos viramme no princípio e chamaram para que voltasse; tamhém alguns dos meus vizinhos ficaram cho-


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, rando e chamaram-me para voltar; mas eu tapei os ouvidos com os dedos e assim continuei o caminho. Ohstinado e Vacilante correram atrás de mim para ver 'se -eonseguiam minha volta, mas vendo que não 'podiam convencer-me, Obstinado voltou injuriando-me e Vacilante acompanhou-me até certo ponto. Boa-Vontade: Porque não chegou até .aquí? Cristão: De verdade chegámos juntos até o Pântano do Desânimo no qual caimos inesperadamente. Então Vacilante ficou desanimado e não quís aventurar-se a mais. Portanto, saindo do pântano no lado próximo de sua casa, seguiu seu caminho e eu o meu. Mas eu me desviei para o caminho de Morte, sendo persuadido a assim fazer por um tal sr i Sábio-Segundo-oMundo. Boa-Vontade: Êle se lançou sôbre o senhor? Êle o aconselhou a procurar aliviar-se com o sr , Legalista? Ambos são defraudadores. E o senhor aceitou o seu conselho. Cristão: Sim, tanto quanto a coragem me permitiu. Fui à procura do sr. Legalista, e até pensei que o monte que fica perto da casa dele ia cair sôhremim. Então parei. E não sei o que me aconteceria lá se, para felicidade minha. Evangelista não viesse em meu auxílio .. Foi pela misericórdia de Deus que êle mais uma vez veio


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em meu auxílio ; se assim não Iêsse, eu nunca teria chegado até aqui. Mas agora estou aqui. Tal qual estou, mas na verdade merecia- mais morrer sob o monte do que gozar êste momento falando com o senhor. Porém, -oh! que bênção para mim, poder ainda entrar aqui. Boa-Vontade: Nós não nos opomos a nina

guém.

Não importa

o que tenham feito antes

que cheguem aqui e de maneira nenhuma são lançados fora. Portanto, hom Cristão, acompanhe-me um pouco e vou ensinar-lhe a respeito do caminho que deve seguir. Olhe para a frente. Está vendo aquele caminho estreito? E' o caminho que precisa seguir. Foi preparado pelos homens da antiguidade, profetas, Cristo e seus apóstolos, e é tão reto como se traçado por

uma régua. Cristão: Mas não há curvas, sinuosidades pelas quais um desconhecido possa perder-se? Boa-Vontade: Sim, há muitos caminhos divergindo dêstee são tortos e largos, mas assim pode distinguir o certo dos que não o são. O certo é reto e estreito. Então vi no meu sonho que Cristão continuou perguntando, se êle não poderia ajudar a ti. rar o fardo que estava em suas costas; p@isainda êle não estava livre disso, nem. podia de outro modo tirâ-Io sem auxílio.


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Boa-Vontade lhe disse; Fique contente por

carregá-lo até chegar a um lugar onde êle cairá por si mesmo.

Cristão na casa de Intérprete Então Cristão começou a cingir os lombos para reinicíar a sua jornada. Boa-Vontade lhe disse que um pouco distante da porta chegaria a casa de Intérprete, em cuja porta deveria bater , Dentro seriam apresentadas coisas excelentes. _Então Cristão disse adeus à Boa-Vontade o qual desejou que Deus o acompanhasse. Continuou êle até que chegou a casa de Intérprete onde bateu várias vêzes. Por fim alguém veio à porta e perguntou quem era. Cristão: Senhor, eis aquí um caminheiro que foi mandado por um amigo do bom chefe desta casa para fazer-lhe uma vísíta ,: Portanto desejo falar com o dono da casa. Então chamaram o chefe da casa o qual pouco tempo depois, veio falar com Cristão e perguntou-lhe o que desejava. Cristão: Senhor, venho da Cidade de Destruição e me dirijo ao Monte Sião; fui informado pelo homem que ficá à porta no comêço dêste caminho que se eu parasse aquí o senhor me mostraria coisas excelentes, as quais me auxiliariam em minha jornada.


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Quadros vistos em casa de Intérprete Intérprete: Entre. que seja de proveito. PRIMEIRO

Mostrar-lhe-ei aquilo

QUADRO

Intérprete ordenou a seu servo que acendesse uma vela e pediu que Cristão o seguisse. t:le o levou a um quarto reservado e Cristão viu pendurado na parede o retrato de uma pessoa círcunspecta com os olhos levantados para 08 céus. Com o melhor dos livros nas mãos; a Lei da Verdade estava escrita em seus lábios, o mundo estava atrás e êle estava como se fizesse um apêlo aos homens, e tinha uma coroa de ouro na cabeça. Cristão: Que significa isso? . Intérprete: Êste retrato é para mostrar-lhe que o trabalho dêste homem é conhecer as coisas obscuras e explicá-Ias aos pecadores. O senhor pode vê-lo de pé como se estivesse fazendo um apêlo aos homens. Pode ver que o mundo ficou atrás dele e que tem a coroa na cabeça. Aquilo é para mostrar que êle não dá valor a êsse mundo presente, êle ama apenas o serviço de seu Mestre; está convicto de que no mundo vindouro receberá glória como galardão. "Agora", disse Intérprete, "tenho mostrado êste primeiro quadro porque o homem que


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êste retrato representa é o único a quem o Dono do lugar para onde o senhor se dirige tem escolhido para seu guia em todos os lugares perigosos que o senhor possa encontrar". SEGUNDO Q!:!ADRO Então tomou-o pela mão e guiou-o para uma vasta sala que estava cheia de poeira, pois nunca fôra varrida. Intérprete chamou um servo para varrê-Ia. Quando. começou a varrer, a poeira começou a voar em tôrno de Cristão e êle estava quasi sufocado. Então disse Intérprete a um moço que estava perto: "Traga água aquíe espalhe na sala." Quando êle assim fez, varreu-se e limpou-se facilmente a sala. Cristão: Que ~ignifica isso? Intérprete: Esta sala é o coração de um homem que nunca foi purificado pela dulcíssima graça do Evangelho. A .poeira é o seu pecado original e maldades internas que contaminam o homem totalmente. Aquele que começou a varrer no princípio é a Lei; porém o que trouxe água e borrifou a salá é o Evangelho. . Quando o primeiro começou a varrer o se· nhor estava quasi sufocado, isso é para mostrar que a Lei, em vez de limpar o coração, aumenta o pecado na alma. Outra vez o senhor viu o moço que burrifou água e isto é para mostrar que quando o Evangelho entra com seu dulcís-


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simo e grandioso poder no coração humano, o pecado é expulso e vencido e a alma purificada pela fé e consequentemente, preparada para o Rei da Glória nela habitar. TERCEIRO QUADRO Então vi Intérprete tomar Cristão pela mão e guiâ-Io para dentro de um pequeno quarto onde estavam sentadas duas crianças, cada uma em sua própria cadeira; a mais velha chamavas'e Paixão e a outra' Paciência. Paixão parecia muito descontente, mas Paciência estava muito quieta. Então Cristão perguntou: "Qual a razã~ do descontentamento de Paixão?" Intérprete respondeu: "O Mestre quer que ela espere as coisas melhores até o princípio do próximo ano, mas ela quer tudo agora. Paciência está pronta a esperar." Então vi alguém que veio à Paixão e trouxe-lhe um saco de riquezas que despejou aos seus pés. Ela apanhou as riquezas e regozijando-se, escarneceu de Paciência. Porém logo gastou tudo e nada lhe restou a não ser farrapos. Cristão: Explique-me êsse caso mais minuciosamente. Intérprete: Essas duas ceianças são símbolos: Paixão é o símbolo .dos homens dêste mundo; e Paciência é o símbolo dos homens do mundo vindouro. Como o senhor viu, Paixão quer


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tudo agora, êste ano, quer dizer, neste mundo;

assim sã-o os homens dêste mundo, querem ter tôdas as coisas boas agora; não podem esperar até o mundo vindouro para receber a porção do Bem, porém como o senhor viu, aquilo qú:e ela possuía gastou-se momentaneamente e não sohrou senão farrapos; assim será com todos os tais homens no fim do munde .

Então Cristão disse: Agora vejo que Paciência é mais sábia, pois o que ela espera são coisas melhores e por isso também terá o galardão, ao passo que Paixão terá somente farrapos. \ Intérprete:

Pode acrescentar que a glória

do mundo vindouro nunca se extinguirá.

Mas

as glórias dêste mundo desaparecerão. Portanto Paixão não tinha tanta razão para rir-se de

Paciência porque ela recebeu os seus bens prt-. meiro, como Pariência terá de rir-se dela porque esta terá seu belo galardâo por fim. Cristão: Então vi que não convém cobiçar as coisas atuais e sim esperar as que hão de vir. Intérprete: O senhor diz a verdade, porque as coisas que se vêe~ logo perecerão, porém as que se não vêem duram eternamente.

QUARTO QUADRO Então vi Intérprete

tomando Cristão pela

mão e cendusindo-o a um lugar onde um fogo estava em atividade junto a um muro e uma pes-


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soa perto dele, sempre jogando muita água para

apagá-lo, mas o fogo ardia cada vez com maior intensidade, Cristão: Que significa isso? Intérprete: Êste fogo é a obra da graça de Deus operando no coração. Aquele que joga água para apagá-Io é o diabo, mas verá porque apesar da água, ainda o fogo permanece. Então êle o levou ao outro lado do muro, onde Cristão viu UlU homem que com um vaso de óleo na mão, lançava-o contínua e secretamente no fogo. Cristão: Que significa isso? Intérprete: Isso simboliza a Cristo, que, continuamente com o óleo de sua graça, mantém a obra já iniciada no coração. Portanto, apesar do muito que o diabo possa fazer, a graça nunca morre no coração. O homem que atrás do muro mantém o fogo, ensina-lhe que é difícil para o tentado compreender como essa obra de graça é mantida viva na alma.

QillNifO

QUADRO

Então Intérprete tomou-o pela mão e o conduziu a um lugar agradável onde estava edificado um belo edifício de aspecto magnífico e no terraço êle viu algumas pessoas andando, as quais estavam com vestimentas de ouro. Cristão perguntou: "Podemos entrar aqui?"


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Intérprete dirigiu-se com êle para a porta do Palácio, e eis' que à porta estavam muitos homens, ansiosos para entrar, porém, todos estavam com mêdo. Estava também sentado um homem a pouca distância da ~rta, junto a uma mesa com um livro e um tinteiro diante de si, para tomar' o nome de quem entrasse.' Tamhém à entrada da porta estavam muitos homens fardados, isto é, armados como guerreiros. Se alguém tentasse entrar êles o maltratariam de' todo o modo possível. Cristão ficou surpreendido e admirado por tudo isso. Por fim quando todos se afastaram por causa dos guardas, Cristão viu um homem muito corajoso chegar ao que estava sentado à mesa e dizer-lhe: "Escreva meu nome, senhor." Então êsse homem desembainhou a .espada e avançou sôbre os guardas, abrindo caminho entre êles, recebendo e caueando muitos ferimentos. ~le avançou fazendo pressão até dentro do palácio. Ouviram-se vozes agradáveis e aqueles que andavam no terraço do palácio disseram: "Entre, entre e ganhará a glória eterna." Êle entrou e vestiu-se como os outros; então Cristão sorriu e disse: "Penso que sei a siginificaç-ão disso." "Agora", disse Cristão, "deixe-me ir embora". Mas Intérprete disse: "Não. Espere até que lhe tenha mostrado mais alguma coisa."


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SEXTO

QUADRO

Assim êle o conduziu para dentro de um quarto escuro onde um homem estava sentado dentro de. uma jaula de ferro. O homem parecia muito triste. Estava sentado olhando para o chão, e com os dedos entrelaçados, suspirava como se estivesse com o coração quehrantado. Cristão disse: Que quer dizer isso? Intérprete mem.

aconselhou-o a perguntar

ao ho-

Cristão perguntou ao homem: "Quem é o senhor?" O homem respondeu, "Eu não sou o que era antes." Cristão: ,Como era o senhor antes? O homem: Era um cristão de hoa aparência e próspero tanto a08 meus ,próprios olhos, como aos olhos dos outros. Cristão: Bem, e agora que

é?

O homem: Sou agora um homem desesper~n9ado .' Estou agarrado à desesperança como nesta jaula, não podendo sair nem me lihertar. Cristão: como chegou a essa condição? O homem: Esquecí-me de vigiar e de ser sóhrio. Dei rédeas ao pecado. Pequei contra a Luz da Palavra e hondade de Deus; ofendí ao Espírito e 'Êle se afastou, tentei o diabo e êle


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veio a mim. Endureci tanto meu coração qu não posso voltar. Então perguntou Cristão a Intérprete: "Não há esperança' para êste homem?" "Pergunte a tIe", disse Intérprete. Disse Cristão: Não há outra esperança de o senhor deixar esta jaula de ferro e de desespêro? O homem: N:ão, nenhuma. Cristão: Por que? O Filho de Deus é muito misericordioso. O homem: Eu o crucifiquei novamente quanto a minha salvação. Tenho desrespeitado a sua pessoa, tenho contado o seu sangue no número de coisas ímpias, e tenho desprezado o Espírito de Misericórdia, portanto tenho-me apartado de tôdas as promessas de Deus, e agora para mim nada resta a não ser o julgamento certo e a ira violenta que me aniquilarão como a um inimigo. Cristão: Por que razão o senhor mesmo se arrastou a essa condição? O homem: Por prazeres e lucros dêste mundo com cujos gôzos me deleitei muito, mas agora cada uma destas coisas me caustica como lagarta de fogo. " Disse Intérprete a Cristão: "Que a miséria dêste homem seja uma advertência .perpétua

para o senhor."


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Cristão: Bem, isso é terrível! Deus que me ajude para que eu seja sóbrio, e ore bastante afim de que possa evitar a causa da rniaér ia que ocasionou a queda dêste homelll. Senhor, não é tempo de seguir meu caminho? Intérprete: Espere' para eu lhe mostrar mais uma coisa e depois pode seguir seu caminho. SÉTIMO QUADRO Então tomou Cristão outra vez e. o conduziu a um quarto onde uma pessoa estava levantando-se da cama, e, enquanto se vestia, agitouse e tremeu. Cristão perguntou: me dessa maneira?

Porque êsse homem tre-

Intérprete pediu-lhe que contasse a razão disso. tle disse: "Esta noite, enquanto dormia, sonhei o seguinte: Vi o céu se escurecer em excesso, ouví trovão e vi relâmpagos de um modo tremendo que me puseram em agonia, e, no meu sonho, olhei para cirna e vi as nuvens movimentando-se com uma velocidade espantosa. Depois ouví um grande som de trombeta e vi também um Homem sentado sôbre umas nuvens acompanhado por milhares de sêres celestiais, todos com resplendores de fogo e os céus também estavalll em chamas. Ouvi, então, uma grande voz dizendo: "Levantai-vos, mortos, e vinde ao juí-


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zo" e com isso as rochas fenderam-se,' os sepulcros abriram-se, e _os mortos que neles estavam sairam. Alguns deles' estavam muito alegres, e olhavam para cima e outros desejavam esconder. se sob as montanhas. Então vi o Homem que estava sentado sôhre as nuvens abrir o livro e" chamar o mundo para se aproximar. :Êle chamou aqueles que estavam ao redor dele: "Ajuntai o joio, o restolho e lançai-os no lago do fogo." Com isto o abismo hiante abriu-se justamente bem perto do lugar onde eu estava. Foi dito também às mesmas pessoas: "Ajuntai o meu trigo e recolhei-o ao celeiro." l\;fuitos foram arrehatados par~ as nuvens, mas eu fiquei, ou melhor, fui deixado . Procurei esconder-me mas não podia porque o Homem que estava sentado sôhre a nuvem continuou olhando-me e meus pecados também avolumaram-se em meu íntimo e minha conciência me "acusou sobremaneira e assim acordei. Cristão: Por que o senhor teve tanto mêdo dessa visão?

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homem: Ora essa! Pensei que o Dia de Juízo houvesse chegado e eu não estava prepa· rado , Também o que me espantou mais foi que os anjos, que ajuntaram os outros, deixaram-me atrás e o abismo abriu a bôca justamente bem próximo ao lugar onde eu estava.


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Disse Intérprete a Cristão: Guarde todos êsses fatos na mente e que êles possam impelí. 10 no caminho' que vai trilhar. Cristão começou a se pre.parar para a jornada. Intérprete disse-lhe: . () Consolador seja com o senhor, hom Cristão, para guiâ-lo no caminho que vai à Cidade. Cristão seguiu seu caminho.


CAPíTULO

IJ I

Vi em meu sonho a estrada real, pela qual Cristão seguia e. ladeando-a. havia um muro, cujo nome era Salva!;ão. Subindo êsse caminho, Cristão corria com grande dificuldade por causa do fardo que levava ás costas.

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fardo de Cristão rolou.

Cristão correu até chegar a uma colina onde havia uma cruz e pouco ahaixo um túmulo. Então vi no sonho que no momento em que Cristão chegou à cruz, seu fardo desligou-selhe dos ombros, e caiu-lhe das costas, e começou a rolar e continuou rolando até chegar á hôca do túmulo onde caiu. E eu não o vi mais. Disse Cristão com o coração alegre: "Êle metem dado descanso pelo seu sofrer, e vida pela sua morte." :ítleparou por algum tempo para olhar e meditar; porque para êle foi grande surpresa que o contemplar a cruz pudesse aliviâ-Io do fardo. Então olhou e tornou a olhar. até que as 'lágrimas correram-lhe copiosamente pelas faces. Enquanto êle ficou olhando e chorando, eis que três seres resplandecentes chegaram a êle,


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saudando: "Paz seja contigo." Então o primeiro disse: "Os teus pecados sejam perdoados." O segundo, tirou-lhe os farrapos e vestiu-o com roupas novas, e o terceiro colocou um sinal em " sua fronte e deu-lhe um rôlo selado, (o qual êle devia olhar durante sua jornada e devia apresentar à Porta Celestial) e depois disso partiram: Então Cristão deu três pulos de alegria e continuou cantando: Será êste o alIa de minha felicidade? Carregado de meus pecados até aquí cheguei, Sem nada aliviar meu sofrimento atroz.

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fardo cairá aquí neste lugar?

E as cordas que o seguralll cairão também?

Que cruz abençoada, que abençoado sepulcro! Abençoado e não envergonhado deve ser quem Por mim na cruz envergonhado fôra .

Simplório, Preguiçoso e Presunçoso Vi então em meu sonho que êle continuou cantando até que chegou a uma várzea onde viu a pouca distância três homens dorrnirido, com correntes nos tornozelos. Seus nomes eram: Simplório, Preguiçoso e Presunçoso. Cristão, vendo-os deitados neste estado. aproximou-se deles para ver se poderia acordá10s, e gritou: "OSI senhores estão como aqueles


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que dormem nos mastros dos navios, tendo por baixo o mar incomensurável, um' verdadeiro abismo; acordem, portanto, e venham embora; tenham coragem e eu os ajudarei a quehrar essas cadeias." Disse-lhes também: "Se aquele que anda em redor como leão rugindo passar por aqui, os senhores certamente transformarse-ão em prêsas para suas garras e dentes." Com isso olharam para êle e começaram a responder desta maneira: Simplório disse: "Não vejo perigo algum." Preguiçoso disse: "Durmamos mais um pouco." Presunçoso disse: "Cada qual cuide de si." E portanto todos se deitaram novamente para dormir e Cristão seguiu o seu caminho. Todavia êle se preocupava ao pensar que aqueles homens, expostos a um tal perigo, tivessem feito tão pouco caso da bondade de quem lhes oferecera seus préstimos, tanto por acordáIos, como por avisâ-Ios e por prontificar-se a quebrar-lhes as -eadeias ,

F ormalista e Hipócrita Enquanto êle estava pensando dois homens escalaram o muro do lado esquerdo do ca- . minho estreito, e chegaram junto dele. Um era Formalista e o outro Hipócrita. Cristão: Senhores, de onde veem, e para onde se dirigem?


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Formalista e Hipócrita: Somos naturais da terra de Vanglória e vamos ao Monte de Sião em procura de louros. Cristão: Porque não entraram pela porta que está no comêço da estrada? Não sabem que está escrito: "Aquele que não entrar pela Porta, mas entrar por outro meio é ladrão e salteador"? . Formalista e Hipócrita: Nós e os nossos patrícios consideramos demasiado longa a distância até a porta de entrada; portanto, nosso costume é .encurtar o trajeto, escalando o muro. , , Cristão: Mas não será considerado invasão pelo Chefe da Cidade para a qual nós' nos dirigimos e uma desobediência a sua vontade? Então êles (Formalista e Hipócrita) disseram a Cristão que não se preocupasse com isso? pois tinham como abono dêsse ato, Q costume dos antepassados o que poderiam provar citando exemplos de outros que assim fizeram durante mais de mil anos. Cristão: .Eu ando segundo a ordem de meu Mestre; I)S senhores andam segundo os rudes ditames de sua imaginação. Os senhores já são classificados como ladrões pelo Dono desta estrada. Os senhores entraram por deliberação própria sem ordem dEle e sairão por si mesmos sem a misericórdia dEle. , •Cristão lhesdisse mais que o Chefe da Cidade o conheceria pela roupa que êle estaéa


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usando, roupa oferecida pelos Sêres Resplandecentes e conheceria ainda pelo sinal que estava em sua fronte e pelo rôlo de pergaminho em sua mão. A essas coisas êles não lhe deram respostas, somente olharam um para o outro e riram-se. Então eu os vi continuar a jornada, tendo-se Cristão afastado deles, seguindo um pouco à frente; também lia muita vêzes o rôlo que um dos Sêres Resplandecentes lhe dera o qual era um refrigério para sua alma. A Colina da Dificuldade . Então os vi continuar até que chegaram à Colina da Dificuldade em cujo sopé havia um manancial. Havia também no mesmo lugar dois outros caminhos além daquele que vinha diretamente da porta; um se dirigia para a esquerda e o outro para a direita ao sopé da colina; porém o caminho estreito seguia diretamente para o tôpo da colina cujo nome era Dificuldade. . Cristão parou junto à fonte e heheti para reconfortar-se e começou a subir o caminho est;reito e os .dois outros companheiros também chegaram à base da colina. Viram porém que a colina era íngreme e alta, e havia dois outros caminhos, ambos volteando a colina e resolveram seguir por êles. O nome de um dos cami-


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nhos era Perigo e o do outro Destruição. Por. tanto um seguiu o caminho chamado Perigo que o conduziu a uma grande floresta, e o outro seguiu imediatamente o caminho da Destruição, o qual o levou a um campo espaçoso cheio de montanhas escuras, onde tropeçou e caiu e nunca mais se levantou. Olhei e vi Cristão correndo, depois caiu, e continuou a subir de gatinhas porque o caminho era difícil.

Cristão perde o rôlo Mais ou menos na metade do caminho ha>via um agradável caramanchel feito pelo Dono da ladeira para descanso dos caminheiros cansados. Ali portanto Cristão chegou e assentouse para descansar. Tirou do seio o rôlo, e leu um pouco pllra seu confôrto. Começou também a olhar outra vez a vestimenta que lhe fôra dada quando estava ao pé da cruz. Deleitando-se assim, adormeceu, e dormiu até quasi à noite, e quando dormia o rõlo caiu-lhe da mão •. Alguém veio e o acordou dizendo: "Lembra-te da formiga, preguiçoso, observa seu caminho e sê sâbio ." Com isso Cristão de repente se levantou e apressou sua marcha até chegar ao cume da colina.

Tímido e Desconfiado Do tôpo da colina dois homens vinham cor-


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rendo. Tímido era o nome de um e Desconfia. do o nome do outro, aos quais disse Cristãoe ·'Que aconteceu? Os senhores estão correndo em sentido contrário!" Tímido respondeu que estavam dirigindo-se para a Cidade de Siãoe que tinham subido a êsse lugar difícil, porém, disse êle: "Quanto mais avançámos, mais perigos encontrámos, portanto .voltâmos," "Sim", disse Desconfiado, "porque logo um pouco adiante de nós estão deitados dois leões no caminho; se estão dormindo ou acordados não sabemos e pensamos que se chegássemos ao aícance deles seríamos despedaçados." Cristão: Os senhores me amedrontam, mas para onde posso fugir para ficar garantido? Se eu voltar para rrrirrha própria terra, que será

destruída pelo fogo e enxofre; eu, certamente, perecerei lá; se eu puder chegar à Cidade Celestial, estarei garantido. Se voltar, não terei outro galardão senão morrer; se avançar, passarei pelo mêdo da morte, mas terei vida além dela. Prosseguirei. Portanto Desconfiado e Tímido continuaram descendo a ladeira correndo e Cristão se~ guiu seu caminho. Mas pensando outra vez no que os homens disseram pôs a mão no seio para tirar o rôlo e não o encontrou. Ficou rnrrito aflito e não sabia o que 'fazer, porque queriaorôle para com êle confortar-se e também era o salvo.


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conduto parca entrar na Cidade Celestial. Por fim se Iembrou do caramanchel ao lado da colina onde havia dormido, e, ajoelhando-se pediu perdão a Deus pelo ato tolo que praticara e voltou para procurá-Io . - Durante tôda a caminhada de volta o seu cor-ação estava cheio de tristeza e sentia-se culpado porque dormira naquele lugar como um tolo. Aquele caramanchel fôra edificado somente para um curto descanso e não para alguém dormir , Cristão seguiu lamentando o sono de ~eca· do e dizendo: "Infeliz, que eu sou, porque dOFmí de dia, porque-dormí entre tantas dificuldades! Poderia estar muito mais .longe . . P're~iso percorrer êsse caminho três vêzes, quando uma só vez seria preciso fazê-lo ; também agora a noite vai alcançar-me, porque o dia está se extinguindo. Oxalá que não houvesse dormido!" Cristão reconquista

o rôlo.

Pouco depois chegou de novo ao earamanchão, onde esteve por algum tempo sentado a chorar. Finalmente, olhando debaixo do assento viu o rôlo, e tremendo de alegria pegou-o e o pôs de novo no seio. Deu graças a Deus por dirigir o olhar ao lugar onde o rôlo estava e com gôzo e Iágzimas seguiu outra vez a sua jornada. Mas, oh, com quanta agilidade êle subiu o resto da colina!


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Mas antes de chegar 'ao tôpo, o sol se escondeu no ocaso e o fez lembrar outra vez da tolice de haver dormido. Lembrou-se então da história que Desconfiado e Tímido lhe contaram eJembrou-se de como êles estavam amedrontados à vista dos leões; e disse Cristão consigo mesmo: "Essas feras andam á noite procurando suas prêsas, e se elas se encontrarem comigo na escuridão, como poderei escapar? Talvez seja dilacerado por elas _" Enquanto assim pensavasôbre seu infeliz descuido, levantou os olhos e eis que um palácio magnífico estava à sua frente, cujo nome era Belo e ficava junto ao caminho.

Vigia, o Porteiro Vi no meu sonho que Cristão se apressava, e avançava para ver se era possível arranjar pousada no Palácio Belo. Mas antes de dar muitos passos entrou em uma passagem muito estreita. que ficava mais ou .menos a duzentos metros da casa do Yigia, e olhando com cuidado para a frente viu dois leões no caminho. "Agora", pensou êle, "vejo os perigos pelos quais desconfiado e tímido foram impelidos a voltar." (Os leões estavam acorrentados, mas êle não vi~- as correntes. ) Então ficou com mêdo e pensou em voltar pelo mesmo caminho, seguindo Des-


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confiado e Tímido por julgar que a morte estivesse diante dele. Mas quando o porteiro, cujo nome era Vigia. viu que Cristão hesitava, e ia voltar, chamou-o dizendo: "E' tão pequena sua coragem? Não tenha mêdo dos leões, porque estão acorrentados e colocados aí para provar a fé daqueles que a possuem e descobrir aqueles que não teem e no meio do caminho nenhum mal assaltará ao senhor." Então vi Cristão seguir com mêdo dos leões, mas, animou-se com as palavras do porteiro. Os leões rugiram, mas não lhe fizeram mal. . Então hateupalmas diante da porta onde estava o porteiro. Aí disse Cristão ao Vigia: "Que casá é ,esta? Posso passar aquí esta noite?" O porteiro lhe respondeu: "Esta casa foi construida pelo Dono da colina e Êle a edificou pil'l"3 descanso e segurança dos peregrinos." O porteiro também perguntou de onde vinha e para onde ia. , Cristão: Venho da Cidade de Destruição e vou para o Monte de Sião, mas porque o sol já se pôs, desejo, se for possível, hospedar-me aquí esta noite. Porteiro: Como aconteceu que chegou tão tarde? O sol já se pôs. Cristão: Teria chegado mais cedo, mas dorntí no caramanchão que fica no meio da colina.


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E apesar disso, teria chegado mais cedo se não tivesse perdido meu rõlo, e cheguei sem êle..até o cume da colina, então, sentindo-lhe a falta, fui obrigado a voltar até onde havia dormido, onde O achei. Porteiro: Bem, chamarei algumas das senhoras desta casa, as quais se gostarem de sua p~osa, leva-Io-ão à presença do resto da família de acôrdo com a nossa praxe. Então Vigia, o porteiro, tocou a campanhia, a cujo som acorreu uma jovem bonita e serra chamada Discreção, e perguntou-lhe se alguém a havia chamado. Porteiro disse: Êste homem está fazendo uma viagem da Cidade de Destruição ao Monte de Sião, mas estando cansado e na escuridade, perguntou-me se poderia hospedar-se aquí esta noite; então eu lhe disse que iria chamá-ta, e a senhora resolveria de acôrdo com o costume da casa, após conversarem. Então ela lhe perguntou de onde era e para onde ia, .e êle lhe contou. Ela -perguntou também como êle conseguiu palmilhar o caminho, e êle lho disse. Então lhe perguntou o que havia encontrado no caminho e êle lhe contou. Finalmente, ela lhe perguntou o nome, ao que êle' respondeu: "Cristão. Tenho ainda mais desejo de hospedar-me aquí esta noite porque pelo que eu percebo êsse lugar foi edificado pelo


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Dono da colina para descanso e segurança dos peregrinos."

Ela sorriu, porém algumas lágri-

mas estavam em seus olhos, e, depois de uma pequena pausa, disse: "Challlarei dois ou três membros de minha família."

Então correu à porta e chamou Prudência, Piedade e Caridade, as quais, depois de conversarem mais um pouco, o levaram à presença da família. Muitos da família, encontrando-o à porta da casa e disseram-lhe: "Entre, abençoado do Senhor. Esta casa foi edificada de propósito pelo Dono da colina para hospedar tais peregrinos" .

Piedade, Prudência e Caridade Então abaixou a cabeça e dentro de casa. Quando estava lhe algumas coisas para heher preparava o jantar, escolheram dência e Caridade para falarem começaram:

as seguiu para sentado, derame enquanto se Piedade, Prucom êle e assim

Piedade: Que o moveu a encetar a vida de peregzino? Cristão: Fui expulso de minha terra natal porque uma destruição infalível e inevitável me esperava se eu permanecesse lá. ~ão sahia para onde ir, mas por acaso, veio a mim um homem, cujo nome era Evangelista, e me dil'igiu à porIa Estreita, pois de outro modo nunca teria acha-


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do, e assim êle me pôs neste caminho que me tem conduzido diretamente a esta casa. Piedade: Mas o senhor não chegou a casa de Intérprete? Cristão: Sim, e vi coisas que ficarão indelevelmente gravadas em minha mente, especialmente três delas: Primeiro como Cristo mantém a sua obra de graça no coração, independente do que Satanás, o Malvado, possa fazer; segundo - como o homem pecou até ficar sem esperança da misericórdia de Deus; e terceiro - o sonho que teve um homem e pensou ,que o Dia de Juizo havia chegado. Tamhém Intérprete me -mostrou um palácio suntuoso, e como o povo estava vestido de ouro e como chegou UIll hOlllelll corajoso, abrindo passagem entre os guardas armados, que estavam à porta para proibir sua entrada, e como foi orientado a entrar e guardar a glória eterna.

Cristão recorda suas aventuras Piedade: E que mais viu no caminho? Cristão: Depois seguí um pouco mais- e vi um Ser pendurado num madeiro, esvaindo-se em sangue e somente à vista dEle caiu repentinamente o fardo de minhas costas, porque gemia sob um fardo muito pesado. _ Enquanto olhava para cima (porque eu não podia encará10) três Sêres Resplandecentes chegaram a mim.


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Um deles me disse que meus pecados estavam perdoados; C? outro me tirou os farrapos e substituiu-os por esta vestimenta bordada, e o terceiro pôs êste sinal que a senhora vê em minha fronte, e me deu êste pergaminho selado .

.Então Prudência fez algumas perguntas Prudência: Pensa o senhor em sua terra natal às vêzes? .Cristão: Sim, mas com muita vergonha, e agora desejo um país melhor, isto é, um celestial. Prudência: E por que o senhor tem tanto desejo de ir ao Monte de Sião? Cristão: Oh! Porque lá espero ver vivo Aquele que estava pendurado na cruz, e lá espero libertar-me de tôdás' essas coisas que estão em mim e que me perturbam. Lá, dizem, não há morte, e estarei com tal companhia que eu amo. Para dizer a verdade, eu O amo porque fui aliviado de meu fardo por tle e estou cansado de minha doença interna. Gostaria de estar onde nunca mais morrerei e· com aquela companhia que está dizendo continuamente, "Santo, Santo, Santo" . Caridade: O senhor é casado? Cristão: Tenho espõsa e quatro filhos menores. Caridade: Por que não os trouxe?


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Então Cristão chorou e disse: Oh, com tanta alegria o teria feito! Mas, foram contra a minha peregrinação. Eu lhes disse o que Deus me havia revelado a respeito da destruição de nossa cidade, mas pareceu-lhes uma tolice tal coisa. Caridade: Pediu o senhor que Deus abençoasse as suas palavras a êles dirigidas? Cristão: Sim, e isso com muita afeição e

interêsse porque minha espôsa e pobres filhos me são muito queridos. Caridade: Mas que disseram êles para justificar-se e por que não desej-aramvir? Cristão: Minha espôsa estava com mêdo de perder êste mundo, e meus filhos se entregaram aos prazeres da mocidade e assim me deixaram viajar sozinho e desta maneira. Vi no sonho que se sentaram e conversaram até ficar pronto o jantar. A mesa estava bem posta, e tôda a conversa à mesa foi a respeito do Dono da colina. O que :Êle tinha feito, e porque tinha construido aquela casa, e pelo que êles disseram percebi que :Êle tinha sido um grande guerreiro e havia lutado e matado Aquele que tinha o poder da morte, porém, não sem grande perigo de si mesmo, o que me fez amá10 ainda mais. De fato, como êles disseram, ~le o conseguiu com a perda de muito sangue. Mas aquele


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que' põe a glória da graça em tudo que fez, o fez por amor puro para com o seu povo e país. Disseram ainda mais que j:;le-havia transformado em príncipes muitos -peregrínos, apesar de serem êles por natureza mendigos.

Assim conversaram juntos até tarde da noite e depois se entregaram ao seu Senhor e Protetor e foram dormir. A Peregrino deram-lhe um quarto grande no segundo pavimento, cujas janelas abriam-se para o levante. O nome do quarto era Paz, onde dormiu até o romper do dia e quando acordou cantou: Onde estou? E' êsse o amor, é êsse o cuidado de Jesús Para me perdoar e hahitar perto do Céu?

De manhã todos se levantaram e, depois de reunidos conversaram um pouco, e disseram-lhe que não poderia sair senão depois de lhe serem mostradas as maravilhas daquele lugar. Levaram-no primeiro ao eseritôrio, onde lhe mostraram documentos das eras mais importantes, mostraram-lhe primeiro a, história do Senhor .da colina, e os atos 'que havia praticado" e os nomes de centenas que foram. admitidos no seu serviço, e como j:;lelhes pôs em tais habitações, que nem o tempo, nem as intempéries da natureza poderiam destruir.


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As VIrgens leemjsara Cristão Então

elas leram

para êle atos valorosos

que alguns dos servos tinha realizado, tais como aqueles que conquistaram reinos, taparam as bôcas dos leões, apagaram a violência do. fogo, escaparam ao fio da espada e puseram em fuga os ~xércitos inimigos. Leram também onde estava revelado como o Senhor tinha boa vontade em receber como amigo qualquer pessoa ainda que em tempos passados houvesse praticado grandes males à sua pessoa e ao seu Reino. Várias outras histórias foram lidas e muitas coisas famosas foram contadas, unidas às profecias de coisas que viriam para mêdo e admiração dos inimigos e confõrto e felicidade dos _peregrinos.

No dia seguinte o conduziram ao quarto de armas onde lhe mostraram tôda espécie de armas as quais eram para uso dos peregrinos. Ha:' via espadas, escudos, capacetes, couraças e .sapa~ 'tos que podiam ser usados eternamente. Havia' hast~nte arma para equipamento de tantos homens a serviço do Dono, como estrêlas nos céus. Mostraram-lhe . ainda algumas' das coisas' históricas, conquistadas por muitos dos servos que tinham praticado coisas maravilhosas. Mostraram-lhe a vara de Moisés; o rnar-te'lo e pre~o

com que

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mateu Sízera; vasos, tromhetas, ar-


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chotes com que Gideáo pôs em fuga os exércitos dos medianistas , Mostraram·lhe Q ferrão como qual Shangar matou seiscentos' homens e a queixada com que Sansão tantas proesas realizou. Mostraram-lhe, a funda e o seixo com que Davi matou Golias em Gaza e a espada também com a: qual o seu Mestre matará o Homem do Pecado, naquele dia em que Êle se levantará a hatalhar . . Vista da Terra de .Emanuel Então vi em meu sonho que no dia seguinte Cristão se levantou para prosseguir viagem. Porém elas desejaram que êle ficasse até o dia seguinte. Então disseram elas: "Mostrar-lheemos, se o dia estiver claro, as Montanhas Delei» táveís ." As montanhas de que elas falaram serviriam para aumentar o seu confôrto. Portanto êle consentiu em ficar. De manhã elas o conduziram ao terraço e mandaram que olhasse para O sul. A uma grande distância viu um país montanhoso de aparência muito agradável com lindas florestas, vinhedos? frutos de tôdas as espécies, flores, mananciais e fontes, muito agradáveis à vista. Cristão perguntou o nome do país. Elas disseram que era Terra de Emanuel e continuaram: " Tudo é de graça paJ:a todos os peregrinos e, quando lá chegar, poderá ver a


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porta da Cidade Celestial, moram lá lhe mostrarão. "

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pois os pastores que

Cristão veste a annadura Agora queria seguir e todos 'e estavam de acôrdo que devia fazê-Io . "Mas a~tes", disseram elas, "vamos à casa das armas." Assim fizeram. Elas o equiparam da cabeça aos pés com armadura para que, se por acaso êle se encontrasse com assaltantes no caminho, pudesse defender-se. Estando êle, portanto, assim armado, saiu com seus amigos até ao portão. Aí perguntou ao 'porteiro se tinha visto qualquer per~grlllo passar. Então respondeu o porteiro que sim. Cristão: Por obséquio, o senhor o conhe-

/ 'ceu?

Porteiro: . que era Fiel.

Perguntei-lhe

o nome e disse-me

Cristão: Oh, eu o conheço, é meu conter-râneo e vizinho. A que distância o senhor pensa que êle está? Porteiro:

Deve ter chegado ao sopé da co-

lina. Cristão: Bem, 10m porteiro, o Senhor que o proteja, e aumente as suas bênçãos pela bondade que o senhor me demonstrou.


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Discreção, Piedade, Caridade e Prudência foram com êle até a base da colina. E Cristão disse: "A suhida foi difícil e a descida parece perigosa." "Sim", disse Prudência, "é, porque é coisa difícil descer no vare da Humilhação sem cair." .

Então Cristão começou a descer, mas com muito cuidado, mesmo assim deslizou uma ou duas vêzes. Então vi em meu sonho que as hoas companheiras, quando Cristão chegou à base da colina, deram-lhe UI!1_ pão, uma garrafa de mel e um cacho de passas, eêle seguiu seu caminho.


CAPíTULO

IV

No Vale da Humilhação o pobre Cristão encontrou dificuldade, porque ainda não tinha ido muito longe quando viu um indivíduo malvado e imundo atravessando o campo para encontrá10. Seu nome era Apolião. Então Cristão começou a temer, e ficou pensando se deveria voltar ou permanecer parado. Mas lembrou-se de que não tinha armadura nas costas, e assim pensou que se voltasse poderia oferecer a Apolião mais oportunidade para fincar seus dardos e aSSImresolveu aventurar-se e ficou parado e firme.

A luta com Ápolião. Então seguiu, e Apolião encontrou-se com êle. O monstro tinha um aspecto horrível, estava coberto de escamas como um peixe,. as quais constituíam seu orgulho e tinha asas como dragão e pés como urso e dele saia fogo e fumaça e tinha hôca de leão. Quando chegou junto a Cristão, êle o olhou com. desprêzo e escárneo e iniciou uma série de perguntas: Apolião; Quem és e para onde vais? Cristão: Era habitante da Cidade de Deg

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o

72 truíção,

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mas agora estou de caminho para a Ci-

dade de Sião. Apolião: Por isso percebo que és um subalterno, pois tôda aque1a cidade me pertence e eu sou o príncipe dela. Como é então que fugiste de teu superior? Se não estivesse certo que irias ser-vir-me mais, eu te derrubaria com um golpe. Cristão: De verdade nasci em seu reinado, mas seu serviço era pesado e o orden-ado era tal que um homem não podia sustentar-se com êle, pois "o sálário do pecado" é a morte", portanto quando atingí a maioridade, fiz como outras pessoas equilibradas e sábias, pensei se não se· ria possível melhorar minha situação. Apolião: Não há outro príncipe que tão Ia-

cílmente perca um seu subalterno,

nem eu o

perderia tão pouco; porém, vendo que te queixas do ordenado, volta e o que eu puder fazer em teu benefício estou pronto a prometer.

Cristão: Mas já me empreguei com outro, com o Rei dos príncipes, e como posso com lealdade voltar com o senhor? Ap~lião: Quanto a isso ~ão é preciso porque tu "mudaste de ruim para pior". E' comum para aqueles que teem sido chamados seus servos depois de algum tempo fugir de lá e voltar de novo para mim. Faze assim e tudo irá bem .. Ci:itStão: Dei minha 'palavra, e jurei traba-

,


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lhar para Êle. Como então posso desrespeitar isso sem ser enforcado como traidor? Apolião: Fizeste a mesma coisa comigo, e ainda estou pronto a esquecer tudo, se voltares agora. Cristão: O Príncipe, sob cuja bandeira eu me acho, tem o poder de libertar-me e perdoarme do tempo que gastei trabalhando em seu benefício. E além disso, ó Apolião, destruidor, para falar a verdade, gosto mais do serviço do atual Senhor, do ordenado, dos companheiros, de seu govêrno, de sua companhia e país do que os seus; não me persuada mais. Sou servo dEle e hei de seguí-Io .

Apolião: Sabes que os servos dEle, em sua maioria chegaram a um fim mau, por que êles são desobedientes a mim e às minhas deliberações. Quantos deles teem sido levados à morte vergonhosa! Êle nunca veio. ainda do lugar onde está para salvar qualquer que o serve.' Mas quanto a mim, quantas vêzes, como todo o mundo bem sabe, tenho libertado dEle ou pelo poder ou pela fraude àqueles que me teem servido fielmente e assim hei de livrar-te também. Cristão: A Sua demora temporária em livrá-los,· tem por fim experimentar o amor de seus servos para ver se êles Lhe serão fiéis até a morte. Quanto à libertação, êles pouca esperança teem de qu~ possam fruí-la 'no presente;


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mas aguardam a Sua glória e esta hão de alcançar quando o Príncipe vier em Sua glória e na dos anjos. Apolião: Já lhe foste desleal e agora pensa em receber salário dEle? Cristão: Em que, ó Apolião, tenho sido desleal a ~le? Apolião: Já foste desleal a me. Eu o vejo, pela lama que está em tua roupa que quasi te afogaste no Pântano do Desânimo. Experimentaste livrar-te do fardo por meios ilícitos. Dormiste e perdeste o rôlo. Quasi voltaste à vista dos leões. E quando falas a respeito dos dias da mocidade o que viste e ouviste gostas de receber louvor. Cristão; Tudo isso é verdade e ainda xnuito

mais coisas o senhor omitiu; mas o Príncipe a quem eu sirvo e honro é misericordioso e pronto a perdoar; apesar disso essas coisas me dominaram quando estava em seu país. Sofrí muito lá, tenho-me entristecido muito, mas obtive perdão por parte de meu Príncipe e Senhor. Então Apolião explodiu raivoso, dizendo: "Sou inimigo dêsse Príncipe, odeio a sua pessoa, suas leis e seu povo, venho propositada- . mente ao teu encontro para matar-te." Cristão: Apolião, tome cuidado com o que faz, pois estou trilhando a estrada real dêsse Rei,


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o caminho da santidade, portanto contenha a sua ira. Então Ápolião, com as pernas, interceptou completamente o caminho e disse: "Não tenho mêdo disso e prepara-te para morrer, pois juro por meu covil infernal, que não darás mais nem um passo à frente; aquí mesmo derramarei o teu sangue." , Assim dizendo, jogou um dardo inflamado contra o peito de Cristão, mas êste com o escudo desviou o dardo. Cristão desembainhou a espada, porque viu que precisava ser ligeiro para salvar-se e Apolião avançou sôbre êle jogando dardos tão numerosos como granizo, com os quais, apesar de tudo que Cristão pôde fazer para evitá-Io, Apolião o feriu na cabeça, na mão e nos pés. Isso fez Cristão recuar um pouco. Apolião continuou avançando, mas Cristão tomou coragem de novo e resistiu com tôtia varonilidade que lhe foi possível. tsse sério combate durou mais de meio dia, até que Cristão qiiasi ficou exausto. Deve-sesaber que Cristão por causa dos ferimentos ficou cada vez mais fraco. Então Apolião, vendo que havia chegado a oportunidade, começou a chegar bem perto de Cristão e lutando com êle deu-lhe uma queda terrível e a espada caiu da mão de Cristão. Disse Apolião: "Agora, não me escapas".


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E assim dizendo, quasi O matou esmagado, de maneira que Cristão começou a perder a esperança de viver. Mas, como Deus queria, antes que Apolião pudesse dar em Cristão o golpe mortal, êste com rapidez estendeu a mão e pegou a espada, dizendo: "Não se regozige de mim, 'ó inimigo, quando eu cair Ievantar-me-ei'", e assim dizendo, apunhalou-o, ferindo-o mortalmente com um golpe que fez Apolião retirar-se. Percehendo Cristão aquilo, avançou sôhre êle outra vez dizendo: "Pois, em tôdas as coisas somos mais que vencedores, por causa daquele que nos ama." E, com isso, Apolião estendeu suas asas de dragão e desapareceu voando, e Cristão por algum tempo não o viu mais. Cristão dá' graças a Deus pela vitória Nesse combate nenhum homem pode imaginar, a não ser que tivesse visto e ouvido, como eu que assisti, que gmtaria e rugidos infernais que Apolião soltava durante todo o combate, Explodia como um dragão, enquanto que de outro lado, como contraste, apenas suspiros e gemidos saiam do peito de Cristão. Durante todo o tempo Cristão não mostrou .uma expressão de gôzo, até perceber que tinha ferido Apolião com a espada de dois gumes; então, de verdade, êle sorriu e olhou para cima, mas com o olhar mais terrível que jamais vi.


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Então, quando o combate terminou, Cristão disse: "Aquí darei graças ao Senhor que me libertou da bôca do leão; a Êle que me ajudou contra Apolião ." E assim êle fez dizendo: O grande capitão dêste demônio, Satanás, Minha ruína planejou e com raiva infernal Lutou comigo. Mas anjôs abençoados me ajudaram E com espada o obriguei a fugir. Louvores eternos a Deus sejam dados ,E para sempre seu nome abençoado. Suas feridas são saradas Então chegou uma mão com algumas das folhas da Árvore da Vida, as quais Cristão tomou e pô-Ias sôbre as feridas que recebera no combate, e foram, imediatamente saradas. Êle também se assentou naquele lugar para comer pão e para beber do conteúdo da garrafa que lhe deram pouco antes, e reanimando-se, continuou a jornada com a espada na mão. "Porque" disse êle, "não sei se algum inimigo se aproximará". De Apolião não recebeu mais ne.nhum .dano através do vale.

o vale da sombra da morte hávia outro chamado Vale da Sombra da Morte, e ,Cristão precisava No outro lado do vale

O

-

~

"


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atravessâ-lo, porque o caminho para a Cidade Celestial atravessava-o. :ítsse vale era um lugar muito solitário; o profeta Jeremias assim o descreveu: "Um lugar desolado, um deserto 'e fossos, terra de sêcas e da sombra da morte, terra onde nenhum homem," a não ser um Cristão, "poderá passar e onde nenhum homem habita. " Aquí Cristão foi provado ainda mais severamente do que em sua luta com Apolião como esta história nô-Io revelará. Vi então em meu sonho que quando Cristão chegou às fronteiras do Vale da Sombra da Morte, encontrou-se com dois homens, que voltavam apressados, aos 'quais Cristão disse: "Para onde vão?" ,

Os homens: Para trás! para trás! e desejaríamos que o senhor fizesse a mesma coisa também, se o senhor tem a vida e a paz como preCIosas. Cristão: Que! Que há? Os homens: Que há? Estavamos seguindo naquele caminho como o. senhor está indo e avançamos tanto quanto à coragem nos permitiu e, de fato, estavamos quasi na impossibilidade de voltar, porque se tivéssemos ido um pouco mais não estaríamos aquípara dar-lhe essas notícias •.


o Cristão:

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Mas que encontraram

79 os senho-

res? Os homens: Estavamos quasi no Vale da Sombra da Morte, mas por felicidade olhámos para a frente antes de chegar a êle. Cristão: Mas que viram? Os homens: Que vimos? O vale mesmo, é negro como azeviche. Vimos também, Iohishomens, sacís, dragões do abismo, ouvimos também no vale uivos e gritos contínuos, como se o povo estivesse sob uma miséria indizível, sob ferros e aflição e sôbre o vale pairavam as nuvens des~nimadoras da confusão, a Morte também estendeu as suas asas sôbre o vale. Em resumo é de tôda maneira horrível, estando completamente em confusão. Cristão:

Ma~ êsse é o catnÍnho para a Cida-

de Celestial. Os homens: Pode ser, mas nós não vamos escolhê-Io como sendo o nosso caminho. Foram embora e Cristão seguiu o caminho, porém com a espada na mão com mêdo de ser atacado. Então vi em seu sonho até onde êsse vale se estendia. Havia no lado direito uma trincheira, e era um fôsso para o qual os cegos durante todos os tempos 'teem guiado outros cegos e lá teem perecido

miseravelmente.

Ao lado esquerdo,

ha-

via um pântano muito perigoso no qual, se mes-


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mo um homem válido caisse, não encontraria resistência para firmar os- pés. Naquele pântano O rei Davi caiu uma vez e teria sido afogado, se não fôsse Aquele que é capaz e que o tirou. A vereda é também muito estreita, portanto O bom Cristão tinha ainda mais dificuldade, porque quando êle procurava na escuridão evitar a cova de um lado, estava prestes a cair no lamaçal do outro. Também quando êle procurava escapar de um perigo, estava pronto para cair noutro. Assim continuou e eu o ouví suspirar amargamente, porque além do perigo supramencionado, a vereda estava tão escura que muitas vêzes, quando êle levantava o pé para continuar não sabia sôhre o que iria pousâ-lo ,

Cercado por Demônios Então no meio do va"le, junto ao caminho, vi a 'porta do inferno. As chamas e a fumaça saiam com tanta abundância com faíscas e barulhos infernais, coisas que não temiam a espada de Cristão como antes temera Apolião, que êle foi -obrigado a embainhar a espada e tomar outra ar-ma chamada "tôda oração". :íl:le chamou de maneira que eu pude escutar: "O' Deus, eu te imploro, liberta minha alma." Assim continuou com as chamas vindo ao seu encontro, tambérn ouviu vozes tristes, e alguma coisa avançando e recuando, num vai e vem, de maneira que


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às vêzes pensou que ia ser despedaçado, ou pisa. do como lama na rua. Por fim, pensou escutar uma horda de demônios avançar para êle; parou e começou a pensar o que faria. Às vêzes estava inclinado a voltar, mas depois pensou que poderia estar na metade do vale. Lembrou-se também de como vencera muitos perigos e que o de voltar poderia ser muito maior do que o de prosseguir. Portanto resolveu seguir, mas ainda os demônios pareciam chegar cada vez mais perto. Quando o estavam quasi atingindo, êle gritou: "Andarei no poder do Senhor Deus." Então êles recuaram e não avançaram mais. Enquanto Cristão avançava no caminho pelo vale pensou que ouviu a voz de um homem indo adiante dele, dizendo: "Ainda que eu andasse pelo Vale da Sombra da Morte, não temeria mal algum porque Tu estás comigo." Então ficou alegre pelas seguintes razões: Primeiro: Porque sabia que outros que temiam a Deus estavam nesse vale. Segundo: Porque sabia que Deus estava com êles apesar daquele estado escuro e somhrio. "E porventura não estará comigo também?" Terceiro: Porque esperava alcançâ-Ios e, finalmente, tê-Ios por companheiros. Assim seguiu, e chamou quem estava adiante, porém não.


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-obteve resposta. Depois de algum. ternpo rompeu a aurora. Então disse Cristão: "tle transformou a sombra da morte em madrugada". Agora, tendo o dia chegado, olhou para trás, não porque desejasse voltar, mas para ver à luz do dia, os perigos pelos quais havia passado durante a noite. Então viu mais claramente, a cova que estava num lado e o lamaçal que estava no outro; também quão estreito era o caminho, que passava entre os dois abismos. Viu ainda os lobishomens, os sacís e dragões, os sêres exóticos e amedrontadóres do abismo, mas todos muito distantes, porque depois do aparecer da aurora, êles não chegam perto. Mais ou menos nessa hora o sol se erguia c isto era ma'is 11.II1aprova

de JTIiseriçórdi~ para

com Cri~tão. Pois deve reparar que apesar da primeira parte do Vale da Sombra da Morte ser perigosa, essa segunda parte que estava em sua frente,

era talvez

rmrito

ma'is perie;osa.

Porélll

como tenho dito, o sol estava seguindo sua rota. Então êle disse: " Sua candeia . resplandece sôbre minha cabeça ·e pela sua luz vou' passar pelas trevas." . . Papa e Pagão

Com essa luz, portanto, êle chegou à outra extremidade do vale. Agora vi em meu sonho, que na extremidade do vale havia sangue, 08-


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sos, .cínsas e corpos dilacerados de homens, mesmo de peregrinos que já haviam seguidoêsse caminho e, enquanto estava meditando sôbre li razão disso, vi um pouco adiante de mim uma caverna, onde dois gigantes, Papa e Pagão, moravam antigamente e os ossos, sangue, cinzas, ele. que estavam alí, eram o resultado do po'der e tirania deles, pois foram cruelmentepostos alí para morrer. Cristão, porém, passou por êsse lugar, sem perigo fato êsse que me surpreendeu; mas eu soube depois, que Pagão morrera havia muito tempo; e, a respeito do outro, ainda que esteja vivo, por causa da idade e por ter sofrido muitas acusações, tinha-se tornado tão tôlo e tinhamse enrijecido tanto as juntas, que quasi nada podia fazer a não ser assentar-se na abertura da sua caverna, mordendo as unhas COIp. um sorriso de lunático para os peregrinos por não poder interceptar-lhes a marcha. Então vi CJ;istão seguir o seu caminho cantando: Ó mnndo de bênçãos, ó mundo de maravilhas, Qne me 'tem preservado da tristeza! Bendita seja a mão que dela me libertou! .Enquanto. neste vale, trevas me cercaram E diabos e pecados a mim me rodearam. .

~

Armadilhas

~

e covas, ciladas e rêdes no caDlinho .

encontrei.

Prêso e embaraçado e derrubado fui E estando vivo, minha coroa )'esús queira aceitar.


CAPíTULO

V

Cristão encontra-se com Fiel Quando cristão seguiu seu caminho, veio à colina, a qual foi feita de propósito para que os peregrinos pudessem avistar o caminho que tinham diante de si. Cristão subiu; e olhando

para frente, viu Fiel diante dele seguindo a jornada.

Então disse Cristão em voz alta: "Alô, alô, pare! e seremos companheiros." Com isso Fiel olhou para trás e Cristão chamou-o novamente: "Pare, pare, até que eu me ajunte com você." Mas Fiel respondeu: "Não. Estou fugindo do vingador sanguinário para salvar minha vida." Com isso Cristão ficou algo impressionado; e aplicando tôda sua energia seguiu para fren·

te, e depressa alcançou Fiel, 'e o passou; o último tornou-se o primeiro. Então Cristão orgll. lhosamente sorriu porque passara seu irmão, IDaS não olhando bem seus passos de repente tropeçou' e caiu e não se pôde levantar até Fiel vir ajudá-Io ,

'

Então eu vi em meu sonho, seguindo juntos com camaradagem e falando de tôdas as coisas


r I'

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que lhes tinham acontecido durante a peregrinação, e assim Cristão. começou: Cristã~: Estou alegre por-lhe ter alcançado, e por Deus ter de tal maneira acrisolado os nossos espíritos qúepodemos andar agora como companheiros neste agradável caminho. Fiel: Pensei, caro amigo, poder gozar da sua companhia desde a nossa cidade; mas você saiu antes- de mim, portanto, fui obrigado a viajar sozinho,; Cristão: Quanto tempo ficou na Cidade de Destruição, antes de você me seguir em sua jornada? Fiel: Até não ser possível ficar mais, pois houve muito comentário, depois que você saiu; dizia-se que a cidade seria destruída pelo fogo. Cristão: Como? Seus vizinhos comentaram isso? Fiel: Sim, era o que cada pessoa falava. Cristão: Será? E ninguém senão você saiu para escapar do perigo? Fiel: Apesar de haver muito comentário, ainda penso que êles realmente não acreditam. Porque eu vi alguns zombando de você e de sua viagem acidentada, a que chamaram de peregrinação. Mas eu creio que o fim de nossa cidade

será com fogo e enxofre vindo de cima, por isso procurei escapar.

(


o

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P E R RG R I N O-

Discutem sôbre Vacilante Cristão: Você ouviu alguém falar em Vaei. Iante? Fiel: Sim, Cristão, soube que êle o.seguiu até chegar ao Pântano do Desânimo, onde caiu, conforme alguns disseram. Cristão.: E que disseram dele os vizinhos?

Fiel: Alguns faziam mofa e desprezavamno. e quasi ninguém lhe dá trabalho. ele agora é sete vêzes pior do que se_nunca tivesse saído da çidade . Cristão.: Mas por que estão contra êle, se não. gostam do caminho que seguiu? Fiel: Oh, dizem que êle deveria ser enforcado.

tle é vira-casaca. Não foi fiel a sua con-

vicção. Creio. que Deus tem impelido. até seus inimigos para vaiâ-lo e rir-se dele, porque abandonou o caminho. Cristão: Conversou com êle antes de sair? . Fiel: Encontrei-o uma vez na rua, mas êle saiu de esguelha, como que envergonhado do que havia feito, por isso não falei com êle. Cristão: Bem, no princípio da jornada, tive esperança naquele homem, mas agora tenho. mêdo de que êle pereça na destruição da cidade. Fiel: Essa é também minha preocupação, mas quem poderá evitar que isso aconteça? Cristão: .Bem, vizinho Fiel, vamos deixá. lGs· e falar de coisas que nos interessem mais


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de. perto. Diga-me agora com -O que você se encontrou no caminho; porque suponho que V9Cf?: se encontrou com muitas coisas, umas boas, ou. iras difíceis de suportar.

As experiências de Fiel Fiel: Escapei do pântano no qual você caiu

e cheguei até a porta sem aquele perigo, mas eu me encontrei com uma criatura cujo nome era Libertina que me atrapalhou bastante. Cristão: Foi hom você escapar de suas tramas: José foi tentado por ela e escapou como você, mas isso quasi lhe custou a vida. Nã-o sofreu outros assaltos? Fiel: Quando cheguei à colina, chamada Dificuldade, encontrei um homem muito iaoso que disse ser o seu nome Primeiro Adão e hahi-

tava na Cidade- da Decepção. Então lhe perguntei a respeito de seu trahalho e qual o salário que pagava. Êle me disse que o seu, trabalho eram prazeres e por ordenado finalmente eu seria seu herdeiro ,_. Perguntei. lhe mais qual a casa que êle mantiriha quais os outros servos que possuía. Ao que me respondeu 'que sua casa estava cheia de -coisas raras e deleitosas de todo o mundo e que seus servos eram seus próprios filhos, Perguntei-lhe então quantos filhos tinha. Disse-me que só tinha três filhas: Cobiça Carnal, Cobiça dos Olhos e Vaidade da Vida e

e


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que eu poderia casar-me com elas se quisesse. Perguntei-lhe então quanto tempo desejava que eu morasse com êle, Ele me disse que enquanto êle vivesse. Cristão: Bem, e qual a conclusão a que amo bos chegaram? Fiel: No princípio estava inclinado a segui10 porque achei que êle falou muito hem,· mas olhando sua fronte enquanto com êle falava, vi escrito: "Dispa-se do homem velho e de sua obra." Cristão: Então que fez? Fiel: Então aquilo chegou caustieando minha mente, e o que êle disse apesar da lisonja, deu-me a impressão de que quando êle chegasse a sua casa me venderia como escravo. Portanto eu lhe disse que não iria a sua casa. Amaldiçoou-me e disse que faria o caminho amargo para minha alma. Prossegui no caminho subindo a colina. Quando cheguei à metade da subida, olhei atrás de mim e vi alguém seguindome veloz como o vento, e me alcançou perto do lugar onde ficava o caramanchel. Cristão: Justamente onde me sentei para descansar; mas estando com sono perdi o rôlo que estava no meu seio. Fiel: Mas hom irmão, escute-me até o fim. Logo que o homem chegou junto a mim, êle me deu um golpe mortífero no peito, e espancou-me


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até lançar-me po.r terra e fiquei a seus pés como m~rto.. Quando. voltei a mim, perguntei-lhe porque me tratava dessa maneira. ~le me respo.ndeu, porque quasi cornhiriara com o. Pcimciro Adão. . . Clamei, pedindo. rnisezicéedia, mas êle disse: "Não. sei corno mostrar misericórdia", e .assim dizendo. derrubou-me novamente, Sem dúvida, ter-me-ia exterminado, mas uma pesso.a veio. e ordenou que parasse. Cristão: Quem o. mandou parar? Fiel: Não. o. conheci a princípio, mas, enquanto. estava passando. percebi as chagas em suas mãos e em seu lado, e conclui que era Nosso Senhor , Então. subi a colina.

com

Cristão: Mas diga-me, você não. se encontrou ninguém no. Vale da Humilhação?

Fiel: Sim, encontrei-me com Descontente, que me queria persuadir a voltar com êle; seu argrrmerrto era, que o. vale era compfetamente

ígnõ-

hil. ~le me disse ainda que seguir o. caminho. era o. mesmo. que desagradar a todos QS meus amigos tais como Orgulho, Arrogância, Egoísmo, e Glória Mundana, e outros que ficariam muito. ofendidos se eu fôsse tão. tô]o para atravessar o. vale. Cristão: Bem, e como você lhe respondeu? Fiel: Eu lhe disse que êle representara mal a coisa, po.rque antes da honra vem a humildade e um "espírito. altivo. precede a que-


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da". "Portanto", disse eu, "preferiria atravessar êste vale porque o fazê-lo é considerado a coisa mais sábia possível por quantos já o experimentaram" . Cristão: E não se encontrou com outra coisa naquele vale? Fiel: Sim, encontrei-me com Vergonha mas de todos os homens que encontrei na minha viagem, êle, penso, -é o que tem o nome errado. Os outros aceitavam "Não", por resposta, pela menos depois de algumas palavras negativas; mas êste Vergonha, com aspecto audaz, nunca desistia, sempre insistia.

Vergonha é vilão audaz Cristão: Porque? Que lhe disse êle? Fiel: Porque? Êle se opôs à religião. Disse que era negócio falível, vil, uma covardia mesmo o homem pensar em religião. E uma conciência sensível era coisa pueril e que para um homem cuidar de suas palavras e caminhos de maneira a roubar-lhe aquela liberdade a que os espíritos br iosos desta época se acostumam, faria dele um ridículo para as pessoas de nosso -tempo. Disse ainclaque a religião torna o homem esquisito aos olhos dos grandes que praticam.in-

diferentemente alguns vícios (os quais nomeou em têrmos mais elevados)

e também porque a


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religião obriga o mesmo religioso a reconhecer e respeitar entre os próprios correligionários, os de caráter vil e baixo; "e não é isso" dizia êle, "uma vergonha?" Cristão: E que lhe respondeu? Fiel: Responder? A princípio não soube o que dizer, também êle me aborreceu tanto que meu sangue afluiu ao rosto. Mas por fim pensei que Vergonha me dizia o que os homens são, porém êle não se referiu nem uma só vez a Deus, . nem à Sua Palavra. Eu então pensei: o que Deus diz é melhor do que todos os ensinamentos dos homens. Vendo que Deus prefere Sua própria religião, vendo que prefere a conciência sensível, vendo que' muitos .tôlos dêste mundo são sábios para com Deus e o homem pobre que ama a Cristo é mais rico que o maior homem do mundo que O odeia, eu disse: "Vergonha, retira-te, és um inimigo da minha salvação". Ver-. gonha, porém, era um vilão ousado, quasi não pude afastá-Io de mim e ficar livre dele, porquf" me seguia e segredava ao meu ouvido alguns dos fracassos daqueles que dizem ter religião. Finalmente, disse-lhe que estava perdendo o tempo em me seguir, pois o que êle desprezava era no que eu encontrava a maior glória e confôrto; e assim êle foi ficando atrás de mim e se distanciou. E comecei a cantar;


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Às provas que veem aos homens, Homens obedientes à chamada celestial, São muitas, são enormes, e constantemente veem , Pois agora, ou no futuro, talvez, vencer-nos possam. Deixai os peregrinos, deixai os peregrinos

Ser vigilantes e portarem-se como homens. Cristão encontra-se com Tagarela. Vi em meu sonho que, enquanto estavam prosseguindo viagem, Fiel, por acaso, olhou para um lado e viu um homem, cujo nome era Tagarela, ao seu lado, pois a estrada era larga. Era homem alto e de aparência agradável, isto é, quando distante. A êle, Fiel disse: "Anti-

go, O senhor vai ao Pai Celestial?" Tagarela: Estou indo, exatamente, para aquele lugar. Fiel: Está bem, espero que possamos tê-lo como nosso bom companheiro. _ . Tagarela: Cóm muito prazer serei seu companheiro. Fiel: Então aproveitemos nosso tempo conversando sôbre coisas proveitosas. Tagarela: Para falar de coisas boas e aceitáveis muito me contenta e também por encontrar-me com pessoas inclinadas a isso. De fat-o


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são poucos os que querem assim gastar seu tempo, pois a maioria gasta o tempo em coisas que não edificam. Fiel: Isto é de fato, uma tristeza, pois que coisas são mais edificantes do que as do Deus Celestial? Tagarela: Gosto muito do senhor porque . suas palavras são cheias de verdade e, que coisa mais agradável e proveitosa que falar das coisas de Deus? Isto é, se um homem tem qualquer prazer em coisas que são maravilhosas. Por exemplo, se um homem tem prazer em falar da ·história, ou o mistério das coisas, ou em milagres, ou sinais, ou maravilhas, onde achará eoisas escritas tão agradáveis como nas Escriturás Sagradas?

Fiel; Isso é verdade; porém o tirar provei. to de tais coisas em nossa conversa, deve ser o nosso alvo. Tagarela: Isto é o que eu disse: porque o conversar sôhre elas é muito edificante, pois, assim fazendo, o homem pode ganhar conhecimento de muitas coisas; como por exemplo, a loucura de coisas terrenas dum Iado e do outro a 5ahedoria das coisas celestiais . Além disso, o homem pode aprender o que é ahandonar o pecado, crer, orar, sofrer, etc ,; e também aprender quais são as grandes promessas e o confôrto do Evangelho para seu próprio gôzo. Ainda mais,


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pode aprender a rebater opiniões falsas, provar a verdade e ensinar aos ignorantes. Fiel: Tudo isso é verdade, estou contente em ouvir essas coisas do senhor. Tagarela; Oh! a falta disso é a razão por que tão poucos reconhecem a necessidade de fé e graça tem seus Corações para

,obter

a

vida

eterna. Fiel: Mas o conhecer estas coisas é dom de Deus. Ninguém pode compreendê-Ias ~ó por falar delas. Tagarela: Tudo isso eu conheço 'muito bem, 'porque O homem não pode receber nada se do céu não lhe fôr dado. Eu poderia apresentar centenas de trechos das Escrituras para prová-Io , Fiel; Bem, então, qual a coisa sõbre o que vamos falar agora?

Tagarela decepciona-se Tagarela: O que o senhor desejar. Falarei de coisas celestes ou coisas terrestres; coisas profanas ou coisas do Evangelho; coisas sagradas ou coisas mundanas'; coisas do passado ou coisas futuras; coisas indígenas ou alienígenas; contamo que sejam coisas que nos edifiquem. . Fiel começou a pensar e chegando perto de

Cristão (pois êste estava andando todo êsse tempo sozinho) disse baixinho: "Que companheiro


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corajoso temos! Certamente êste homem se tornará um hom crente e companheiro." Com isso Cristão sorriu modestamente e disse: "Êsse homem com quem você está bem imo pressionado enganará com sua língua. dezenas que não o conhecem. " Fiel: Você o conhece, então? Cristão: Se o conheço? Sim, e muito mais do que êle próprio . . Fiel: Diga-me quem é êle? Cristão: Seu nome é Tagarela, êle mora em nossa cidade. Estou admirado de você não o . conhecer. Fiel: De quem êle é filho? e onde mora? Cristão: ítle é filho de Fala-Bem. Mora na Rua do Palrador, e é conhecido por todos os seus conterrâneos pelo nome de Tagarela da Rua do Palrador; e apesar de falar bem, êle é um indivíduo sem cotação, sem valor. Fiel: Bem, parece ser um bom homem. Fui

enganado por êle. Cristão: Enganado? Pode estar certo. Recordo o provérbio: "ítles falam, mas não praticam e não fazem, mas o Reino de Deus não é de palavras :e sim de poder". Sua casa é tão vazia de religião como a clara de ovo é despida de gôsto. Não ,há nem oração, nem sinal evidente de êle se afastar do pecado. Êle é a mancha, a reprovação, vergonha da reli-


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gião para todos que o conhecem; e por causa dele a religião quasi não pode ter cotação em todo o bairro onde êle mora. Quanto a mim, sou de opinião, que êle tem, por sua vida pecaminosa, levado muitos a. tropeçar e cair e será, se Deus não impedir, a ruina de muitos outros.

Fiel; Bem, vejo que dizer e observar são duas coisas diferentes e daquí em diante vigiarei a diferença entre fazer e dizer. Cristão: São duas coisas, de fato, e são tão diferentes como a alma e o corpo. Isso Tagarela não sabe, mas pensa que ouvir e falar podem fazer um bom cristão e assim êle engana sua própria alma. Ouvir é como semear a semente e falar não é bastante para provar que o fruto está de verdade no coração e na vida. Deixai-nos . assegurar que no JuÍzo Final, os homens serão julgados conforme seus frutos.

Fiel disputa com Tagarela Fiel; Belll, a princípio não gostei tanto de sua companhia, mas agora já estou enjoado. Que faremos para ficar livres dele? Cristão: Como?! ir a êle, e conversa séria sôbre o poder da guntar-lhe diretamente, quando sua conversa, certamente o fará) no coração e no lar.

entaholar uma religião e perêle aceder (a se êleo segue


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Então chegou Fiel junto de Tagarela e lhe disse: Bem, que há e como está agora? Tagarela: Muito bem, obrigado. Creio que poderemos aproveitar todo êsse tempo em conversação proveitosa. Fiel dirigiu a Tagarela mu'itas perguntas para que este revelasse seus pensamentos, Ou opiniões; e a si mesmo se revelasse. Pouco tempo depois estava convicto de que êle era um homem que falava somente e que não tinha uma fé profunda no coração para ímpeli-lo a agir. Por fim Fiel lhe disse: Tem sentido os seus próprios pecados, e os tem abandonado e sua vida e conduta revelam isso? Ou é a sua religião de palavras e de língua, e não de atos e de verdade?

A

princípio o sangue começou a afluir ao rosto de Tagarela mas, recuperando o controle, respondeu: "ítsse tipo de discurso não esperava; também não estou disposto a dar respostas a tais perguntas, porque não sou obrigado a fazê-Io . Pode explicar-me por que interroga as. ?" SIm.

Fiel: Porque eu vi que o senhor estava com muita vontade de 'falar e receava que tivesse somente idéias sem nenhum resultado prático. AléIll disso, para dizer-lhe a verdade tenho ouvido do senhor que. é um homem cuja religião está


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no falar e que a sua vida. nega a profissão de sua bôca. Tagarela: Vendo que o senhor está pronto a aceitar boatos e julgar tão precipitadamente, preciso tirar a conclusão que o senhor é um homem nervoso e irritado, que não está em condições de manter uma conversação com pessoa alguma. Até logo, passe bem. Então chegou Cristão e disse a Fiel; Eu lhe disse como iria acontecer, suas palavras e seu coração não podiam harmonizar-se. Êle preferiu deixar sua companhia e reformar sua vida. Com palavras melífluas surge Tagarela, Que com ardor e coragem procura convencer, Na batalha da vida, todos que veem lutar. Mas Fiel se levanta, com fé no Criador E coisas do .íntimo fala, enquanto, como a lua" Esvaindo-se vai o loquaz Tagarela. E assim serão todos que no coração Não teem o Cristo, O Salvador Jesús. Assim êles seguiram falando que tinham visto no caminho e isso tornou a viagem mais agradável, a qual de outra forma, sem dúvida, teria sido cheia de tédio, porque agora atraves.savam o de~erto.


CAPíTULO

VI

Quando estava quasi transposto o deserto, Fiel, por acaso, olhou para trás e viu uma pessoa vindo à sua retaguarda e o conheceu. Evangelista junta-se a êles' LLOh, disse Fiel, "Quem vem lá?" Então Cristão olhou e disse : "E' o meu bom amigo Evangelista ;" "Sim, é meu bom amigo também," disse Fiel, "porque foi êle quem me encaminhou em direção à porta." Agora Evangelista tinha cheÕado

junto a

eles e os cumpri.

mentou. Evangelista: Paz seja conVOSC6,bem amados. , Cristão: Seja berrvindo," bom Evangelista. Ao vê-lo surgem à minha lembrança os benefícios anteriores e traha1ho incessante para meu hem eterno. . , Fiel: Mil vêzes benvinda, a sua companhia, ó Evangelista; como é agradável a nós, pobres peregrinos! Evangelista: Como te em passado meus 'amigos, desde nosso último encontro? Contem-me


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algo de suas experiências e como puderam suportá-Ias. Então Cristão e Fiel lhe contaram tôdas as coisas que havia acontecido no caminho, e como e com que dificuldade tinham chegado àquele lugar. Evangelista: Estou bastante alegre, não porque hajam encontrado dificuldade mas por ferem sido vitoriosos e terem continuado no caminho até o dia de hoje. Espera-os uma coroa que é incorruptível; corram pois para que possam alcançá-Ia. Alguns há que iniciaraIll êsse esfôrço e depois de terem avançado hastante em sua busca, um outro vem, e a toma deles. "Guardem o que teem, para que ninguém lhes tome a coroa." Agora, como veem, já venceram quasi êste deserto. Daquí a pouco chegarão a uma vila onde serão cercados por inimigos, os quais empregarão todos os meios para os matar; ou um ou, quem sabe" ambos, selarão a verdade com sangue. Mas sejam fiéis até a morte e o Rei lhes dará a coroa da vida. Os peregrinos na Feira da Vaidade Então vi no meu. sonho, que, quando haviam saído do deserto, logo viram trma vila diante deles, cujo zrorrie era Vaidade, e nela havia uma feira, chamada Feira da Vaidade. Era man-


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tida durante todo o -ano Tem o nome de Feira da Vaidade porque a vila onde está localizada, é o extremo de vaidade, e porque tudo que aí se negocia e tudo que fica em exposição é vaidade; como diz o sábio: "Tudo que vem é vaidade o

o

Isso não é coisa recente, mas antiga mostrar-Ihes a origem de tal coisa o,

o

"

Vou

_ Há quasi mil anos, houve peregrinos que se dirigiam à Cidade Celestial, como estas duas pessoas estão fazendo, e Belzehú, Apolião e Legião com os seus companheiros, vendo que o caminho dos peregrinos atravessava a Vila da Vaidade, organizaram uma feira, onde poderiam ver tôda espécie de vaidade e era uma feira permanente, portanto, nela eram vendidas coisas tais como casas, terrenos, ofícios, colocações, honras, pre. ferências, títulos, países, reinos, cuhiças, prazeres, deleites de tôda espécie, como espôsas, maridos, filhos, donos, servos, vidas. sangue, corpos, almas, prata, ouro, pérolas, pedras preciosas e muitas outras coisas Nessa feira sempre se viam, jogos, engaíiÓs, esportes, hrinquedos, tolos, gorilas, sicários e crí. ruinosos de tôda espécie Também havia avenidas e ruas com seus nomes adequados onde tais coisas eram vendidas, eomo : Avenida Britânica, Avenida Francesa, Avenida -Italiana, Avenida Espanhola, Avenida Germânica; onde diversas espécies _de vaidades o

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eram vendidas. Também os produtos de Roma eram grandemente expostos nessa feira. Agora, como disse, o caminho para a Cidade Celestial atravessa essa vila onde a feira mundana funciona. Até o Príncipe dos príncipes mesmo, quando aquí passou por essa vila indo para seu próprio país, e isso num dia de. feira, Belzehú, o chefe dessa feira, O convidou para comprar das suas vaidades. Belzebú ter-lhe-ia feito senhor da feira se Êle apenas o adorasse. Porque Êle era uma pessoa de tanta honra que Belzebú O levou de rua em rua, e mostrou-lhe todos os reinos do mundo em pouco tempo, para ver se era possível; induzí-lo a comprar algumas das suas vaidades; porém :Ê:lenão ligou importância a essas mercadorias. Agora, Cristão e Fiel, como eu disse, precisavam passar por essa feira e assim fizeram; mas enquanto êles estavam alí todo o povo se movimentou assim como tôda vila? numa confusão em tôrno deles; e isso por várias razões: porque os seus vestidos eram muito diferentes dos vendidos na feira; sua fala também era muito es· tranha, vendo que falavam a língua de Canaã, e, além disso, os peregrinos não se interessavam pelas mercadorias expostas a venda. Nem siquer olhavam para elas e quando eram chamados para comprar tapavam os ouvidos com os dedos e exclamavam : "Livra meus olhos de en-


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xergar vaidades" e olhando para cima, davam a entender que o seu ofício e negócios estavam no céu. Um negociante, zombando, disse-lhes: "Que querem comprar?" Êles porém, olhando seriamente para o mterlocutor, disseram: "Compra. mos a verdade"; com isso os peregrinos foram ridicularizados e zombados e alguns até ameaçaram espancá-Ios , Por fim, as coisas chegaram a tal confusão, que não houve mais ordem. Foi comunicado ao chefe da feira, o qual apareceu imediatamente e ordenou a seus amigos mais fiéis que Ievassem êsses homens para interrogatório, porque a feira estava quasi em polvorosa.

Os Peregrinos são interrogados Assim foram levados à delegacia, onde foram interrogados a respeito de sua procedência e destino e por que estavam alí vestidos daquela maneira. Os homens lhes responderam que eram peregrinos e se dirigiam para seu país, que era a Jerusalém Celestial , Que êles não tinham feito coisa alguma contra os habitantes da vila, nem aos negociantes, para êles molestá-los e impedí-los de seguir a jornada a não .ser que quando alguém lhes perguntou o que desejavam comprar, responderam que comprariam a verdade. Aqueles porém que 08 interrogavam creram


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que fôssem pessoas doidas e desequilibradas, ou que fõssem pessoas que vieram à feira para tudo pôr em confusão. Portanto êles os espancaram, sujando-os com lama, e os prenderam numa [aúIa, para que servissem de espetáculo a tôdas as pessoas da feira. Nessa jaula ficaram deitados por algum tempo, servindo como objeto de esporte, malícia, vingança, escârneo e zombaria, e o chefe da feira achou graça de tudo quanto lhes aconteceu. Mas os peregrinos eram pacientes e retribuiam sempre com boas palavras às más que recebiam, até que alguns homens daquela feira que eram mais tolerantes do que o resto, começaram a condenar os mais cruéis por continuarem a maltratar os peregrinos. E assim, depois de algumas palavras coléricas entre êsses dois grupos (os peregrinos comportaram-se todo êsse tempo com prudência e sabedoria diante deles) foram às vias de fato e feriram-se mutuamente.

Os peregrinos em troncos . Os peregrinos foram levados aos interrogatórios novamente e acusados de serem os causadores da nova confusão na feira. Então foram espancados impiedosamente e puseram-Ihes grilhões e algemas nos braços e pés, e conduziramnos acorrentados pelo meio da feira, para servirem de exemplo amedrontador .para os outros,


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afim de que ninguém ousasse falar a seu favor ou reunir-se a êles. Mas Cristão e Fiel comportaram-se com mais prudência e receberam êsse vexame e vergonha com tanta humildade e paciência que conquistaram para sua causa muitos homens da feira (poucos em verdade em comparação com o restante). Os contrários enraivecerara-se mais e resolveram matar os dois. Colocaram-nos na jaula outra vez e prenderam seus pés nos troncos. Os peregrinos se lembraram das palavras de seu amigo e confortaram-se mutuamente, entregando-se nas mãos de Aquele que reina sôhre tôdas as coisas. Com muito contentamento continuaram nessa situação até que fôsse decididasua sorte.

Fiel encara a morte Depois de algum tempo foram levados diante de seus inimigos e postos ante o tribnnal , O nome do juiz era Sr. Odiador do Bem. As acusações contra ambos foram as mesmas em essência conquanto diferentes na forma. O conteúdo era o .seguinte: s: Que êles eram perturbadores do comércio e haviam causado grandes distúrbios, desordem e discussões entre o povo; haviam formado um partido com opiniões perigosas à sooieda- . de local, desrespeitando dêsse modo as leis do príncipe daquele lugar.


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A essas interpretações Fiel respondeu que só se opuseram àqueles que estavam contra Aquele que era superior aos grandes dêste mundo . «Quanto aos distúrbios não ocasionámos nenhum, pois somos adeptos da Paz; quanto às pessoas que ficaram ao nosso lado foram conquistadas pela verdade que estava em nós e por nossa inocência ; quanto ao príncipe sôhre o qual os senhores falaram, sabemos que é Belzebú, inimigo de nosso Mestre e Senhor, e nós o desafiamos e a todos os seus seguidores." Então foi ordenado que todos que tivessem qualquer coisa a dizer em abono de seu senhor e contra os peregrinos comparecessem à barra do Tribunal e depusesse. Então chegaram três testemunhas: Invejoso, Supersticioso e Bajulador. Foi-lhes perguntado se conheciam os acusados e o que tinha a dizer em favor do seu senhor e contra êles. Então se apresentou Invejoso e disse: "Meu senhor, conheço êste homem há muito tempo e, apesar do seu nome Fiel, êle é um dos mais vis de nossa terra. .Não respeita nem o príncipe, nem o POVQ, nem a lei, nem costumes, mas, faz tudo para ganhar homens para' seguirem suas idéias desleais, as quais êle chama príncipios de fé e santidade. E eu o ouvi dizer uma vez que o Cristianismo e os costumes de nossa Cidade da Vaidade eram opostos e não poderia haver re-


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conciliação entre êles , Por tal conversa, meu senhor, êle numa vez condena não somente tôdas as nossas obras louváveis como também a nós por fazer tais coisas. Então chamaram Supersticioso e perguntaram-lhe o que tinha a dizer em favor do príncipe e contra os prisioneiros. Então êle começou: Supersticioso: Meu senhor, não tenho muito conhecimento dêsse homem, nem desejo ter. Contudo, sei que é um homem perigoso. Eu o ouví dizer que a nossa religião era tal que de maneira nenhuma podia .agradar a Deus. Assim dizendo, meu senhor, quer dizer que adoramos em vão e por fim seremos condenados. Então Bajulador foi mandado a dizer o que sabia a respeito do prisioneiro que estava à barra do trihunal ; Bajulador: Meu senhor, êste homem conheço há muito tempo e o tenho ouvido atacar nosso nobre príncipe _Belzebú e falar desrespeitosamente dos seus amigos augustos e dignos, cujos nomes são: Sua Excelência Velho-Homem, Sua Excelência Deleites-Carnais, Sua Excelência Luxurioso, Sua Excelência Desejo de Vanglória, meu '. patrão Sua Excelência Cobiçoso, Sua Senhoria Avarento, como todos os demais da nossa nobreza. Além disso não tiveram mêdo de acatar mesmo ao juíz que preside esta reunião, chamando-


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o PEREGRINO

o de vilão ímpio, sivas.

com muitas

expressões abu-

Quando Hajulador terminou seu relato o J uíz disse ao prisioneiro à barra do Tribunal: "Renegado, herege e traidor! Ouviu o que êsses honrados senhores disseram?" Fiel: Posso eu falar algumas palavras em minha defesa? Juiz: rém deve que todos tade para gabundo.

O senhor não merece viver mais, poser morto imediatamente; mas para os homens possam ver nossa boa voncom o senhor; vamos ouví-lo, vil va-

Fiel: Eu digo, então, em resposta ao que o Sr. Invejoso disse, somente isto: que qualquer regra, ou leis ou costumes, ou povos que estão contra a Palavra de Deus, estão contra o Cristianismo. Se eu estou errado nisto, convença-me do meu êrro e estou pronto a repudiar minhas palavras. A respeito do Sr. Superticioso e sua acusação contra mim, respondo somente isto: que na adoração de Deus requer-se a fé verdadeira. Esta, porém, não pode haver sem conhecimento da vontade de Deus. Portanto, qualquer coisa interposta na adoração de Deus que não esteja de' acôrdo com a sua Palavra, não pode resultar em vida eterna.


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A respeito do Sr. Bajulador, respondo, que o príncipe desta cidade e todos os seus vassalos por êsses cavalheiros mencionados, são mais dignos do inferno do que desta cidade e dêste país. Portanto o meu Senhor tem misericórdia de mim. Então o juiz disse ao juri, que durante todo êsse tempo estava perto para ouvir e observar: "Senhores do Conselho de Sentença, vêde êste homem acêrca do qual êste grande processo foi instaurado; tendes ouvido o que êsses dignos cavalheiros teem testemunhado contra êle, tendo ouvido também sua réplica e confissão. Agora está em vossas mãos: deveis enforcâ-lo ou salvarlhe a vida, porém preciso instruir-vos em nossa lei. Houve um ato de legislação praticado nos dias de Faraó, o grande servo de nosso príncipe, que para impedir que aqueles de uma religião contrária crescessem mais do que êle, os seus filhos fôssem jogados no rio. Houve também outro episódio nos dias de Nahucodonozor, outro servo de nosso príncipe, que qualquer que não se prostrasse e adorasse sua imagem de ouro, seria lançado na fornalha ardente. Houve também outro feito no tempo de Dario, que qualquer que durante certo tempo orasse a qualquer deus a não ser -a êle mesmo, seria Iançado nas covas dos leões. Agora, a substância da tese


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destas leis, êste rebelde tem transgredido, não somente em pensamento, mas também em palavras e atos, e por tê-Io confessado, deve ser condenado à morte. Então saíram os jurados, cujos nomes eram: Sr. Cego, Sr. Imprestável, Sr. Malicioso, Sr. Ama-cobiça, Sr. Vida-ilegal, Sr. Sabe-tudo, Sr. Altaneiro, Sr.. Inimigo, Sr. Mentiroso, Sr. Cruel, Sr. Odiador da Luz, Sr. Implacável: e conluiram-se contra o réu, e depois unanimemente concordaram em trazer a sentença: Culpado diante do juiz.

Fiel morre na fogueira E assim fizeram. Portanto foi imediatamente condenado à morte mais cruel que se pudesse inventar. Êles o tiraram, para fazer de acôrdo com a lei, primeiro o açoitaram, então o apedrejaram e laceraram com espadas, e por fim queimaram-no amarrado a um poste. Assim Fiel chegou ao fim. Agora vi que estava atrás da multidão um carro com cavalos atrelados, esperando Fiel, que morto por seus inimigos foi levado ao carro e arrebatado pelas nuvens ao som de trombetas à Porta Celestial , Concernente a Cristão descansou um pouco e foi mandado novamente à prisão , Deus, que

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domina tôdas as coisas, tendo o poder de controlar até a ira dos homens em suas mãos, controlou a coisa de tal maneira que Cristão escapou das mãos dos malfeitores e seguiu seu caminho, cantando: Canta, Fiel, professado tens teu Senhor. Serás abençoado por teu Mestre, Quando os infiéis, com seus prazeres vãos, Clamarem sob castigos infernais. Canta, Fiel, teu nome viverá. Mataram-te? Que importa? Tu sempre verás.

, •

VI-


CAPíTULO

VII

Vi em sonho que Cristão não seguiu sozi.. nho, porque havia um homem cujo nome era Esperançoso (tornando-se assim por observar Cristão e Fiel conforme suas palavras e notando seu comportamento na feira) que se unia a êle , Assim um morreu para mostrar fidelidade à verdade e um outro se levantou de suas cinzas para ser companheiro de Cristão em sua peregrinação. Êsse Esperançoso também disse a Cristão que havia muitos outros homens na feira que depois de algum tempo o seguiram.

Interêsse-Próprio da cidad'e de Boa Conversa Então eu vi que, logo ao sairem da feira, encontraram alguém _que ia à sua frente cujo nome era Interêsse-Próprio, ao qual perguntaram: "De onde é o senhor? E até onde irá por êsse caminho?" Êle lhes disse que viera da Cidade de Boa Conversa e se dirigia à Cidade Celestial, mas não lhes disse seu nome. Cristão: De Boa Conversa? Mora lá alguma pessoa boa? "Sim", disse Interêsse Próprio, "creio que sim. "


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Cristão: Diga, senhor, por favor, por que n0l!le eu posso ehamá-lo , Interêsse: .Sou um estranho para o senhor e o senhor para mim. Se o senhor está inda nesta direção ficarei muito contente com a sua compa. nhia, senão, fico contente da mesma forma. Cristão: Tenho ouvido falar dessa Cidade de Boa Conversa que é um lugar muito rico. Iuterêsse: Sim, posso garantir-lhe que é e tenho muitos parentes ricos lá. Cristão: Por favor, diga-me, quem são os seus parentes lá? Se não é indiscreção de minha parte. Interêsse: Quasi a cidade tôda, mas especial. mente Sua Excelência Viravolta, Sua Excelência Serve-Tempo, Sua Excelência Boa-Conversa, de cujo antepassàdo aquela cidade primeiramente tomou o nome, também, o Sr . Jeitoso, Sr. Chico Vintém, Sr. Qualquer-Coisa, e nosso ministro Lingua-Dúpliee. Cristão: O senhor é casado? Interêsse: Sim e minha espôsa é filha da Excelêntíssima Sra. Impostora, portanto ela descende de uma família muito honrada. E' verdade que diferenciamos alguma coisa em religião daqueles que são mais exigentes, mas somente em dois insignificantes pontos. Primeiro, nunca vamos de encontro ao vento ou maré; segundo: somos sempre mais zelosos quando a Religião é


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o PEREGRINO

bem vestida e calçada de prata i nós gostamos muito de andar com ela na rua se. o sol está brio lhando e Q P9vO está elogiando. Então' Cristão aproximou-se de. seu arrrigo Esperançoso, dizendo-lhe: "Estou desconfiado que êle seja Interêsse-Próprio da Cidade de Boa Conversa; se é êle, temos em nossa companhia um grande velhaco; tão grande quanto há em tôdas estas partes. V 9u perguntar-lhe. Então Cristão se aproximou e disse: "Senhor, o seu nome não é Snr. Interêsse-Próprio de' Boa Conversa?" Interêsse já um tanto contrafeito: Êste não é o meu nome, 'mas uni apelido dado por alguns que não gostam de mim. Cristão: Mas e senhor nunca deu razão a êsses homens para. êles o chamarem por êsse

nome? Interêsse: . Nunca,' nunca! O pior que fiz para que êles tivessem razão de assim chamar foi que eu sempre tive boa sorte para virar ligeiramente com a maré e adaptar-me às circunstâncias e com isso lucrar. Cristâo : Pensei, de fato, que o senhor era o homem de quem tenho ouvido; agora se o senhor continuar conosco precisa lutar contra o vento e contra a maré ; o senhor precisa tamhém aceitar Religião com seus' farrapos tanto como em seus calçados de prata e ficar com ela,


o também, quando

PEREGRINO em ferros ou quando

115 estiver

andando com aplausos. Interêsse: O senhor não me pode impor a sua fé; deixe a minha liberdade e permita-me ir. com os senhores.' ". Cristão: Não dê nem mais um passo se não estiver disposto a fazer o que dissemos .. Então disse Interêsse: Nunca abandonarei meus princípios antigos, vendo que são inofensivos e lucrativos. Se eu não posso acompanhá10s fa~ei como fazia antes de me. encontrar com os senhores: seguirei sozinho até encontrar, al- " guém que' tenha prazer em minha companhia.

o.s amigos ,do 'sr. Interêsse-Prõprie Vi em meu sonho que Cristão e' Esperançoso Q abandonaram e seguiram seu caminho. Um deles porém olhou para trás e viu três homens seguindo-os acompanhados por InterêssePróprio. Seus nomes eram.: Sr. Segura-o-Mundo, Sr. Amor.ao-Dinheiro, Sr. Segura-Tudo; homens que, quando meninos, tinham sido colegas de escola e companheiros de Interêsee-Prõprio , Êles foram ensinados pelo Sr.~ Cobiçoso, o pro. fessor da escola de Amor-ao-Lucro, que é uma cidade comercial ao norte do município Avareza, Êsse mestre-escola ensinou-os a adquirir as coisas pela violência, pela fraude, adulação, menti. ra, ou com aparência religiosa.


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Sr. Amor-ao-Dinheiro perguntou ao Sr. Interêsse-Próprio: Quem são aqueles quê vão à nossa frente? (Pois Czistão e Esperançoso estavamao alcance da vista. ) Interêsse-Próprio: São dois cidadãos de um país distante que vão em peregrinação. Amor-ao-Dinheiro: Oh, por que êles não nos esperam para que tenhamos sua hoa companhia? Inter~sse: Êsses homens são tão rigorosos e amam tanto as suas próprias convicções e ligam tão pouco às opiniões dos outros, que repelem e' não aceitam por companheiro a qualquer que esteja em désacôrdo com êles, ainda que êste seja o homem mais piedoso do mundo. Segura-Tudo: Isso é mau sinal; porém temos lido de alguns que são hons demais. Mas em que opi~iões êles diferem do senhor? Interêsser Ora essa! Êles acham que teem de caminhar mesmo a despeito das intempéries; eu espero sempre o bom vento e a maré boa. Arriscam tudo pelo Senhor em qualquer tempo, e 'eu estou pronto para aproveitar as oportunidades e segurar minha vida e propriedade. Querem manter suas convicções, ainda que todos os outros homens estejam contra êles ; porém eu estarei ao lado da Religião nas ocasiões em que me sinta seguro. Êles estão ao lado da Religião ainda que ela esteja em farrapos e des-


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prezada; mas eu só estou ao lado dela quando está calçada com sapatos de prata, brilhando ao <sole ganhando aplausos ~ Segura-o-Mundo: De minha 'parte julgo tolo aquele que tendo a liberdade de guard~r o que tem, é tão desajuizado que vem a perdê-Io , Sejamos tão prudentes como as serpentes e n'ão--deixemos para amanhã o que podemos fazer hoje. "'Mais vale um pássaro na mijo que dois voan-

do. " Veja a abelha como fica parada todo o ín'verno e só se agita quando pode tirar lucro e prazer. Deus manda ora a chuva, ora o sol; se -são tão tolos para viajar pa chuva, contentemonos viajando apenas quando faz bom tempo. Ahraão e Salomão enriqueceram sendo relogiosos e Jó disse que um homem deve ajun'tar 0111'0 tanto como poeira; mas isso difere da-queles homens que vão à nossa frente, se são como o senhor os descreveu. Segura-Tudo: Creio que estamos de acôrdo ..que é sábio e bom plano tornar-se religioso de maneira que se tire o melhor partido de tudo. E então êsses quatro homens, Sr. Interêsse'Próprjo, Sr. Amor-ao-Dinheiro, Sr. Segura-Tu110 e o velho Sr. Segura-o-Mundo, seguiram jun1:osenquanto Cristão e Esperançoso estavam muito além. EstavaI;lltão convencidos de que tinham ra-


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zão nessa disputa, que chamaram Cristão e Esperançoso para fazer-Ihes uma pergunta. Assim êles pararam e quando êsses quatro, homens chegaram junto a êlee, Sr. Segura-oMundo perguntou a Cristão e Esperançoso acêrca .do que estavam discutindo. Cristão: Sua pergunta ~ tão fácil e simples que até um crente novo e inexperiente poderia responder. A- religião' não é' para ganhar, nem ~ozar êste mundo. Uma pessoa nãe precisa tornar-se religiosa para fazer isso. Nenhum crente verdadeiro segue a Cristo visando os pães e peixes; somente os pagãos, hipócritas, demônios e feiticeiros, são dessa, opinião.'

A religião de Judas era dessa qualidade. Ele segurou a bolsa para que pudesse reter o que ela continha, pois era ladrão. Mas perdeu-se, f(!)i expulso,' ahandonado e tornou-se um filho' da perdição. . Com essa. resposta êles ficaram boquiabertos, olhando um para o outro, e não sabiam o que dizer , Esperançoso achou que Cristão tinha rasão . Houve um silêncio prolongado. Então Cristão e Esperançoso seguiram e Cristão 'disse: "Se êsses homens não podem resistir à palavra de homens como nós, que farão quando estiverem à barra do tribunal diviDo diante de Deus,

Todo Pode~oso?" En.tão Cristão' e Esperançoso seguiram até


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chegarem" a uma planície suave chamada: Descanso, onde êles continuaram com muita .alegria, pois essa "planície era tão pequena qu~ a transpuzeram rapidamente. Do outro lado da planície havia uma pequena colina, chamada Lucro, e nela havia uma mina de prata. Alguns daqueles que· tinham passado por aquele lugar anteriormente, porque era uma coisa muito rara, tinhamse desviado do caminho para vê-Ia, mas chegando perto de mais à beira do abismo, o chão cedia e caiam mortos, outros também tinha ficado aleijados naquele lugar e nunea vmats cficarara

.hons , Cristão encontra Demas

Vi em meu sonho que um pouco afastado do caminho estava Demas, cavalheirescamente, chamando os viajantes para que se aproximassem e vissem a rrrirra . :ftle disse a Cristão e seu companheiro: "Olá! venham cá; e eu Ihesmostrarei uma coisa." Cristão: .Qu~ coisa tão Impertante ~ essa que mereça que nos afastemos do caminho? Demas: Isto aqui é uma mina de prata que algumas pessoas estão cavando. Se os senhores quiserem vir, com pouco trahalho poderão ficar ricos. Então disse Esperançoso : Vamos ver. Cristão; Eu não. Tenho ouvido "falar dêste lugar há muito tempo e sei que "muitos teem mor-


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rido aqui e, além disso, êsse tesouro é uma cilada para os que o procuram. Cristão perguntou a Demas: "Êsse lugar não é perigoso? Não tem atrapalhado muitos pe.resrinos ?" Demas: Não é muito perigoso a não ser para aqueles que se. descuidam. (Mas o sangue afluia às suas faces enquanto falava) Cristão disse a Esperançoso: Não vamos dar nem um só passo para lá. Então Demas chamou-os outra vez: Os senhores não querem chegar aquí para ver? Cristão respondeu, francamente, da seguinte maneira: "Demas, o senhor é contra os retos caminhos do Senhor e já foi condenado por se ter desviado deles. Por que quer-nos conduzir

para a mesma condenação?

.

Demas clamou de novo que êle também era peregrino e que se esperassem um pouco seguiria com êles , Cristão: Seu nome não é Demas? Demas: Perfeitamente, êste é meu nome, sou um filho de Abraão. . Cristão: Eu o conheço. Geazi era bisavô e Judas era seu pai e o senhor segue os seus passos, suas pegadas. E' somente uma burla do diabo o que o. senhor está usando. Seu pai enforcou-se por ser traidor e o senhor não merece melhor recompensa.


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Então seguiram seu -caminho. O fim do Sr. Interêsse-Prõprio Agora, o Sr , Interêsse-Próprio e seus companheiros chegaram ao alcance da vista outra vez e êles ao primeiro chamado foram a Demas. Se êles cairam no abismo por chegar à beira dele ou se desceram para minerar, ou se asfixiaram pelo gás no fundo da mina; dessas coisas não tenho certeza, mas observei que êles nunca mais foram vistos. Então Cristão cantou: Demas e sua prata e Interêsse-Prõprio entraram em concílio ... Um chamou, outro atendeu e ambos se uniram Na partilha do lucro dêste mundo, E a jornada não seguiram.

O Rio da Água da Vida Vi então que seguiram seu caminho até um rio bonito, o qual o rei Daví chamou "O Rio de Deus" e João "O Rio da Água da Vida". Agora o seu caminho estendia-se -pela beira do rio, aí Cristão e seu companheiro andavam .alegremente; também beberam da água do rio a qual era agradável, reanimando o espírito atribulado. À beira dêste rio de cada lado havia árvores verdejantes, que davam tõdas as espécies de frutos e êles comiam algumas folhas para evitar as doenças que são peculiares aos peregrinos. Em


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cada margem do rio havia um prado, impressionantemente bonito e verde e com lírios. Nesse prado se deitaram e dormiram, pois alí poderiam sem perigo dormir. Quando acordaramcolheram novamente as frutas das árvores e beberam outra vez da água do rio e deitaram-se e dormiram outra vez , Isto fizeram vários dias e noites. Entãô cantaram: Rios cristalinos, que deslizam no caminho Para confôrto dos peregrinos, dos viandantes, - O verde prado com perfume e fragrância, Os frutos apetitosos, (coisas maravilhosas!) Quem não os obteria ainda que pelo máximo preço! Assim quando estavam dispostos a seguir (porque não tinham chegado ao fim da jornada) comeram, beberam e sairam.

Prado do Desvio Agora vi em meu sonho que êles ainda não haviam andado muito, quando o rio e o caminho se separaram, o que muito os entristeceu, porque o caminho a partir do rio era áspero e feria os pés. Quanto mais andavam, mais desejavam um caminho suave. Um pouco adiante havia- à esquerda do cami:nho um prado, com acesso por meio de uma escada sôbre a cêrca; o mesmo era chamado "Prado do Desvio:" Então disse C~istão ao com-


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panheiro: "Se êsse prado se estende ao longo de nosso caminho vamos passar para lá". Então êle foi até a escada para ver, e verificou que o desvio acompanhava o caminho mas no outro lado da eêrca , "Está de acôrdo com o meu deseio", disse Cristão, "aqui é mais fácil de andar. Venha meu hom Esperançoso, vamos passar para lá". Esperançoso: Mas se êsse desvio nos afastar de nosso caminho? Cristão: Isso não é provável. Olhe, não está acompanhando o "lado do caminho? Confiante-Vão

Esperançoso, sendo persuadido por Cristão, o seguiu, passando pela escada. Quando estavam do outro lado e no desvio, descobriram que era muito agrridável-' para seus pés. Olhando para adiante deles viram: um homem andando como êles, e seu nome era Confiante-Vão, então o chamaram e perguntaram para onde aquele desvio conduzia, e êle disse: "Para a Porta Ce· lestial. ,; "Olhe", disse Cristão, "não lhe disse? Por isso você pode ver que estamos certos." Portanto seguiram e Confiante-Vão foi adiante deles. Veio, porém, a noite e ficou muito escuro de maneira que aqueles que estavam atrás perde . . ram de vista o que estava na frente. Confiante-


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Vão, que fôra adiante, não vendo o caminho na frente, caiu numa cova, a qual foi feita pelo príncipe dêsses terrenos de propósito para pegar todos os descuidosos; e êle foi feito em pedaços na queda. Cristão e o amigo o ouviram cair; chamaram-no para saber o que havia acontecido, po· rém não houve resposta e somente escutaram um gemido. Então disse Esperançoso: "Onde estamos agora?" Cristão ficou em silêncio, sahendo que se tinha desviado do caminho certo. Então começou a chover e trovejar e relampejar de maneira que amedrontava e a água começou a suhir. Então Esperançoso gemeu dizendo: Oh, antes eu tivesse ficado no meu caminho!

Cristão: Quem teria pensado que êsse caminho nos desviaria do caminho real? Esperançoso: Tive mêdo logo no inicio; tanto assim que lhe fiz uma breve advertência. Teria falado com mais franqueza, mas você é mais velho do ~e eu. Cristão: BQm irmão, não fique ofendido , Estou muito arrependido por tê-Io posto em tão grande perigo; perdoe-me; eu não o fiz mal in. tencionado. ' Esperançoso;

Esteja

descansado,

meu ir.


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mão, pois eu o perdôo, e creio também que isso tenha sido para o nosso bem, Cristão: Estou alegre, pois tenho comigo um irmão misericordioso, porém não devemos ficar parados; voltemos. Esperançoso: me ir à frente.

Agora; bom irmão, permita-

Cristão: Não, permita-me a mim, pois se houver qualquer perigo poderei enfrentar primeiro, porque por minha causa nós perdemos o caminho. Esperançoso: Não, você não irá na frente, porque sua mente estando preocupada pode des-. viâ-Io outra vez. Então para seu encorajamento ouviram a voz de uma pessoa dizendo: "Dirige o teu coração à estrada; pelo caminho por que tu foste, volta." . 'Agora as águas tinham subido muito e o caminho para a volta era perigosíssimo; é sempre mais fácil nos desviarmos do caminho, quan. do estamos nele, do que voltar quando estamos fora dele. Mas assim mesmo êles procuraram voltar, porém era tão escuro', e as águas' tão altas que quasi se afogaram umas nove ou dez vêzes , Nem podiam, com, tôda dextreza voltar àquela escada nessa noite. Afinal, achando um,


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pequeno abrigo, sentaram alí para esperar o. romper do dia; mas estando cansados, dormiram .

. O Castelo da Dúvida Havia, não muito afastado dêsse lugar, um castelo chamado "Castelo da Dúvida", e o dono dele era Gigante.Desespêro, e foi nos seus terrenos que êles dormiram. Na manhã seguinte, enquanto passeav~ muito cedo em seus terrenos, o gigante surpr'eendeu Cristão e Esperançoso que ainda dormiam. Então com voz hrutal e rústica, êle os despertou, e perguntou-lhes de onde eram e o que estavam fazendo em seus terrenos. Êles lhe disseram que eram peregrinos e que haviam perdido o caminho. . Então disse Gigante: "Invadiram esta noites os meus domínios, é portanto, terão que me acompanhar." E foram obrigados a ir, porque era mais forte do que êles.: Tinham pouco a dizer, porque reconheceram o seu êrro. O gigante os conduziu na vanguarda e os prendeu no castelo dentro de uma cela escura, imunda e que cheirava mal. Alí ficaram desde a manhã de quarta-feira até sábado à noite, sem um pedaço de pão ou uma gota de água para beber, sem luz, ou quàlquer pessoa que por êles

se interessasse.

Estavam portanto em uma cír-

eunstâneia precária.

Cristão estava duplamen-


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te triste, porque era por sua pressa 'impensada que êles chegaram a essa condição desastrosa. Gigante-Desespêro tinha uma espôsa cujo nome era Indiferença. Assim quando êles estavam na cama, êle contou à espôsa tudo o que havia feito; isto é, que tinha prendido dois homens e tinha-os lançado na cela por terem invadido seus domínios. Então perguntou-Ihes o que devia fazer mais- com êles , Ela aconselhou que na manhã seguinte deveria açoitâ-los sem misericórdia . Portanto, quando êle se levantou, tomou um rehenque e desceu para sua cela. Primeiro, êle começou a maltratâ-los como se fôssem cachorros apesar de nunca terem êles falado asperamente com êle. O gigante bateulhes terrivelmente até não poderem defender-se nem virar-se no chão. Depois disso, deixou-os ali, para que se entristecessem com êsse sofrimento e lamentassem sua angústia. Então todo aquele dia gastaram o tempo somente em suspiro e amarga tristeza. Na noite seguinte ela falou com seu marido- a respeito deles, avisando que os aconselhasse a suicidarem-se. Na manhã seguinte, foi a êles com sua maneira grosseira e lhes disse que, vendo não ser provável que jamais saíssem daquele lugar, o único recurso era suicidarem-se ou a faca ou a fôrca, ou a veneno: "Pois por qu~ razão deveriam desejar a vida, vendo que estão com tanta


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amargura?" tles, porém, lhe pediram que os soltassem. Avançou para êles e sem _dúvida os exterminaria, porém, .teve um ataque (pois às vêzes, em tempo de- muito sol, caia com ataques) e por algum tempo ficou com as mãos paralisadas. As-

sim êle os deixou na mesma situação para considerarem o que haviam de fazer ; então os prisioneiros consultaram-se se não seria melhor seguirem o seu conselho, e assim falàram: ~ Cristão: Irmão, que faremos? A vida que estamos vivendo é vida penosa. De minha parte,

não. sei qual seja, melhor, viver assim, ou praticar o auto-extermínio. Minha alma preferiria a estrangulação a viver desta forma, e o túmulo me é mais agradável do que esta cela. Seremos dominados por êsse gigante? Esperançoso: Na verdade; a nossa condição presente é terrível e a morte seria preferível a viver aquí • Porém, vamos pensar : o Senhor do país ao qual estamos indo tem dito: "Não matarás." Se não devemos matar outrem, muito menos podemos aceitar seu conselho de matarmo-nos a nós mesmos. E a respeito do descanso do túmulo, tem-se esquecido do inferno? Pois para onde de certo irão os homicidas? Nenhum deles terá a vida eterna. Qúem sabe se aquele' Deus, que fez I,) mundo, não pode causar a morte ao Gigante-Deses-


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pêro? Ou que, mais cedo ou mais tarde, êle poderá esquecer de nos trancafiar, ou pode em pouco tempo ter outro ataque diante de nós e pode ser que perca os movimentos dos membros superiores e inferiores. Estou resolvido a portar-me como um homem e esforçar-me o mais possível e libertar-me de seu domíníc , Sejamos pacientes e suportemos um pouco mais; a ocasião de nossa liberdade pode chegar; mas não morramos por nossas próprias mãos.

r )

Com essas palavras, Esperançoso acalmou, no momento a mente de seu irmão; então êles continuaram juntos nas trevas aquele dia em sua condição triste e dolorosa. À tarde o gigante foi .à cela novamente, para ver se os seus prisioneiros haviam aceitado seu parecer. Porém, quando chegou lá êle os encontrou vivos; e de fato, apenas 'vivos, pois agora, por necessidade de pão e água e por causa dos ferimentos que receberam, quando foram açoitados, êles quasi não podiam respirar. Ainda assim êle se enraiveceu e lhes disse que, visto terem desobedecido o seu conselho, seria melhor nunca haverem nascido, a sofrer o castigo com que seriam punidos. Com isso ficaram aterrorizados. Eu creio que Cristão desmaiou; voltando, porém, a si, reencetaram conversa sêbre o parecer do gigante e se ainda era melhor seguir o conselho. Agora


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Cristão pareceu outra vez que ia seguí-Io, porém Esperançoso deu a sua segunda resposta assim: Esperançoso: Meu irmão, lemb:re-seque tão corajoso tem sido que nem Apolião pôde esmagâ-lo, nem tão pouco todos os terrores do Vale-da-Sornbra-da-Morte. Lembre-se como se mostrou homem na Feira da Vaidade não temendo as cadeias, nem a jaula, nem também a morte sangrenta. Para evitar a vergonha que não convém a um cristão, suportemos com tanta paciência quanto nos for possível. Aquela noite o velho gigante e sua espôsa renovaram a conversa a respeito dos prisioneiros; o velho gigante admirou-se de que não tivesse podido nem por violência, nem por conselhos, Indusf-Ios a matarem-se. E com isso, sua espôsa respondeu: "Eu tenho mêdo que êles vivam na esperança de que alguém venha libertálos; ou que possuam chaves falsas com as quais esperam escapar." "E dizes tudo isso, minha querida? Portanto amanhã darei uma busca", disse o gigante . Àquela noite, mais ou menos à meia noite, os peregrinos começaram a orar e continuaram a oração até quasi ao romper do dia; então um pouco antes de amanhecer, o bom Cristão disse: "Que tolo eu sou, ficar deitado nesta cela, Inhõspita, quando eu poderia andar em liberdade. Tenho uma chave no meu seio, chamada Pro-


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messa, que abrirá, tenho certeza, qualquer fechadura do Castelo da Dúvida '! Então disse Esperançoso: "Esta é uma boa nova, meu irmão, tire-a do seio e experimente."

Usando a Chave da Promessa Então Cristão tirou-a do seio e começou a experimentá-Ia à porta da cela, cuja fechadura cedeu e a porta abriu-lhe facilmente, e Cristão e Esperançoso sairam. Cristão foi à porta exterior que dava para o jardim do castelo, e com a sua chave abriu àquela porta também. Depois disso foi ao portão de ferro, pois precisava ahrí10; aquela fechadura, apesar de ser excessivamente complicada, abriu-se finalmente e êles cscancararam de par em par o portão para fugir com presteza; mas o portão fez tanto ruído; que acordou G Gigante-Desespêro e êste levantandose, apressadamente, para prender os prisioneiros sentiu os seus membros falharem; um ataque o acometeu novamente de maneira que não pôde seguí-Ios . Prosseguindo, chegaram à estrada real outra vez e assim escaparam livres do domínio do Gigante-Desespêro. Quando transpuseram a cêrca, combinaram construir naquele lugar um monumento talhanda num lado da pedra esta frase: "Além desta cêrca fica o caminho do Castelo-da-Dúvida, o qual pertence ao Gigante-Desespêro, que despre-


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zouo Rei do País Celestial, e, procura destruir seus santos peregrinos." Muitos peregrinos depois leram esta inscrição e escaparam do perigo. Seguindo o caminho, os peregrinos cantaram o seguinte: .Ao afastarmo-nos do caminho, descobrimos, O que significa pisar terra proibida. Deixai aqueles que veem atrás ter cuidado, Para que os descuidosos não venham a sofrer como nós.

E não se venham tornar prisioneiros daquele de quem

E' o .Castelo da Dúvida 'e cujo nome é Desespêro.


CAPíTULO VIII r

Então continuaram até chegarem às Montanhas Deleitâveís. Essas montanhas pertencem ao Senhor daquela colina da qual já falámos. Assim subiram as montanhas para contemplar os Jardins, pomares, vinhedos, e fontes de. ~guas . AIí beberam e descansaram, e comeram à vontade, dos vinhedos. As 'Montanhas

Deleitáveis

No tôpo dessas montanhas havia pastores apascentando rebanhos,· e êles ficavam à beira do caminho. Os peregrinos, portanto, foram aêles, apoiando-se nos seus cajados, (como é costume dos' peregrinos cansados, quando param para falar com qualquer pessoa no caminho) então perguntaram: "De quem são estas montanhas que deleitam e" de quem são essas ovelhas que aí pastam?" . . O pastor: A~ montanhas são a Terra d~. Emanuel e estão ao alcance da vista de Sua cidade; e as ovelhas são dEle também; tle deu a Sua vida por elas. Cristão: E' êste o caminho para a Cidade Celestial? .


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Pastor: Estão certos no seu caminho. Cristão: Qual a distância até lá? Pastor: Longe de mais para qualquer um a não ser para aqueles que de verdade vão chegar. Cristão: E' seguro ou perigoso o caminho? Pastor: Seguro para os salvos, porém os pecadores nele cairão. Cristão: Há neste lugar qualquer alívio para os peregrinos que estão cansados e fracos da viagem? Pastor: O Senhor destas montanhas nos tem dado ordem "Não esquecer de cuidar dos estranhos". Portanto o bem do lugl\r está diante do senhor. Vi também no sonho que quando os pastores perceberam que êles eram viajantes perguntaram-lhes (a cujas perguntas êles responderam como tinha feito antes) tais como: "De onde veem" e "Como chegaram a acertar o caminho?" Quando os pastores ouviram a resposta, estando satisfeito com elas, olharam para êles com muita afeição e disseram: "Benvindos sejam às Montanhas Deleitáveis". Os pastores, eujos nomes eram: Conhecimento, Experiência, Vigilante e Sincero, tomaram-nos pela mão e os conduziram a seus pousos e comeram com bastante apetite. Êles disseram também: '~Desejamos que fiquem aquí algum


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tempo para nos conhecerem e também para se alegrarem com o que há de bom nessas Montanhas Deleitáveis". Então, os peregrinos disseram que tinham muito prazer em ficar; e deitaram-se para descansar aquela noite pois já era muito tarde.

Os pastores os conduzem Então vi em meu sonho que na manhã seguinte os pastores chamaram Cristão e Esperançoso para passearem com êles nas montanhas. Sairam com êles e andaram por algum tempo, descortinando panoramas agradávéis em tôdas as direções "Mostraremos a êsses peregrinos algumas maravilhas?" perguntaram os pastores entre si. Tendo concordado em fazer, conduziramnos primeiro ao cume da Colina chamada Êrro, muito íngreme do lado oposto, e mandou-os olhar até à base. Viram no sopé diversos homens despedaçados por terem caido do cume. Então Cristão perguntou: "Que significa isso ?~' Os pastores resporideram: "Não teem ouvido daqueles que eram induzidos a errar por escutarem a Himineu e Filetos, a respeito da ressurreição dos mortos?" "Sim", responderam êles. Então, disseram os pastores: Aqueles que veem ao sopé desta montanha, são êles; até hoje

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não foram enterrados, como podem ver, para exemplo dos outros que poderiam encontrar a mesma sorte. Vista distante do Castelo da Dúvida Então os conduziram a outra montanha chamada Cuidado e os mandaram olhar a distância; êles viram diversos homens andando entre os sepulcros que havia alí; e perceberam que êles eram cegos, porque tropeçaram e não podiam sair dentre os sepulcros. Então disse Cristão: Que quer dizer isso? Pastor; Enxergaram um pouco abaixo dessa montanha uma escada que dá passagem ao prado na Iado esquerdo do caminho? :Êles responderam "Si'lll"_ Pastor: Naquela escada está o caminho que dá para o Castelo da Dúvida, que está guardado pelo Cigante-Desespêro, e aqueles homens (apontando-os entre os sepulcros) seguiram uma vez na peregrinação até chegarem àquela escada. E porque o caminho verdadeiro era áspero desviaram-se dele e entraram naquele prado Alí ficaram presos pelo Gigante-Desespêro e foram lançados 'no Castelo da Dúvida; depois de estarem por algum tempo na escura cela, êle fIU·OU seus olhos e os conduziu a êsses sepuicrosonde os deixouperamhulando . Então Cristão e Esperançoso olharam-se


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mutuamente com lágrimas nos olhos, porém não disseram nada aos pastores. Vi em meu sonho que os pastores os conduziram a outro lugar numa várzea, onde havia uma porta ao lado da montanha, e êles abriram a porta e pediram que olhassem para dentro. Olharam e viram que lá dentro estava muito escuro, cheio d~ fumaça. Julgaram ouvir um fragor como de um grande incêndio e gritos de alguns atormentados e sentiram cheiro de enxofre. Então disse Cristão: Que quer dizer isso?

A sorte dos hipócritas Os pastores contaram-lhes: "Êste é o atalho vara o inferno, o caminho por que os hipócritas entram, quer dizer, tais como vender sua primogenitura, como Isaú ; vender seus mestres, como Judas; blasfemar O Evangelho, como Alexandre, e os que. mentem e enganam como Ananias e sua espôsa Safira. Então disseram os peregrinos mutuamente: "Precisamos clamar ao Forte pedindo fôrças. " Pastor: Sim, terão necessidade de usá-Ias quando receberem . . Por êsse tempo os peregrinos desejaram seguir viagem ao que os pastores aquiesceram, conduzindo-os até o fim das montanhas.


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Porta da Cidade Celestíal Disseram 06 pastores: "Mostraremos aos pe. regrinos a porta da Cidade Celestíal se êles puderem olhar pelos nossos binóculos". Os peregrinos aceitaram a proposta; portanto 08 conduziram à montanha chamada Claridade e deu-Ihes o binóculo para olharem. Então procutaram olhar, porém a lemhrança da última coisa que os pastores lhes mostraram fez com que suas mãos tremessem, e não podiam olhar com firmeza pelo binóculo; julgaram ver alguma coisa como uma porta e também' algo da glória daquele lugar. Assim voltaram e entoaram êste cântico:

.

Segredos escondidos, coisas misteriosas, Os pastores as revelam ao pobre peregrino. Vinde e vêde coisas profundas, coisas maravilhosas No reino eterno, nesse reino divino. E eu dormí e sonhei outra vez, e vi os mesmos dois peregrinos descendo as montanhas ao longo da estrada real em direção à cidade.

A história da Pequena-Fé Então Cristão disse a Esperançoso:

Eu. me

recordo agora da História de Pequena-Fé, que morava na cidade da Sinceridade. A história


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é assim: Na entrada dessa passagem vem descendo do portão do Caminho-Largo uma vereda chamada Vereda-dos-Homens-Mortos, assim chamada por causa dos assassínios que são frequentes nessa região; e Pequena-Fé, seguindo em peregrinação como nós agora, por acaso assentou-se naquele lugar e dormiu. Aconteceu naquela ocasião que desceram daquela vereda do Portão-do-Caminho-Largo três indivíduos perversos chamados: Coração-Débil, Desconfiado e Culpado. Três irmãos; e êles, espiando Pequena-Fé, chegaram correndo e com ameaças mandaram-na levantar e entregar a bolsa. Contudo não se apressou a fazê-Io, (porque não desejava perder o dinheiro). Desconfiado avançou para ela, e tomou-lhe uma sacola de prata. Então gritou: "Ladrões! Ladrões!" Assim fazendo, Culpado, armado de um grande pau, bateu na cabeça de Pequena-Fé e deitou-a em terra, onde ficou esvaindo-se em sangue como quem ia morrer. Enquanto isto, ficaram observando. Ouvindo, porém, chegar alguém pelo caminho, e com mêdo de que fôsse Graça-Abundante, que mora na cidad-e de Boa-Confiança, fugiram, e deixaram essa boa senhora cuidar de Pequena-Fé. Agora, depois de algum tempo, Pe.quena-Fé voltou a si, e levantando-se, apressouse em seguir caminho. Foi assim a história.


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Esperançoso: Tiraram dela tudo que possuia? Cristão: Não, o lugar onde tinha as joias nunca descobriram, por isso ficaram com ela. Entretanto quasi não possuia dinheiro bastante para levá-Ia ao fim da jornada. Foi forçada' a mendigar enquanto viajava, para manter a vida; pois não se atreveria a desfazer-se de suas joias porque se já não as possuísse ao chegar à Porta da Cidade Celestíal, seria inhihida de uma herança lá. Esperançoso: E' de admirar que não lhe te· nham tirado o passaporte, com o qual ia ser admitida à Porta Celestial! Cristão: E' de admirar, e foi mais por uma providência do que por seu próprio esfôrço, que não tirara:m. essa boa coisa. -

Então Cristão cantou: Pequena-Fé, foste roubada,

assaltaram-te, feriram-te? Lembra-te disso: Quem crer e adquirir fé maior, Será vitorioso sôhre miríades, Sem isso, porém, baqueará ante a ameaça de três. Assim seguiram. Por fim 'chegaram a um lugar onde um outro caminho se lhe apresentou e que parecia seguir tão diretamente como aquele em que estavam. Não sabiam pois qual dos


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dois deviam seguir, porque ambos par-eciarn retos diante deles. E, enquanto estavam pensando a respeito do caminho, surge um homem de côr preta, porém coberto com uma túnica muito branca que se. chegou a êles e lhes perguntou porque estavam parados alí. Então responderam que iam à Cidade eeIestial, mas não sabiam qual o caminho a seguir. "Siga-me", disse o homem, "é para lá que eu me dirijo." . Os peregrinos seguem Adulador Seguiram no caminho que tinham atravessado, o qual gradualmente desviava e virava de maneira que em pouco os seus rostos estavam virados, em direção oposta à Cidade; assim mesmo seguiram. Mas pouco depois, antes que o percebessem, êle os conduziu para dentro das malhas de uma rede, na qual os dois ficaram tão embaraçados que não sabiam o que fazer; e com isso, a túnica branca caiu das costas do homelll preto. Então viram onde estavam. Deitaram-se e choraram por algum tempo, porque não po. {liam libertar-se. Disse Cristão a Esperançoso: Agora percebo o meu êrro , Não nos aconselharam os pastores que tivéssemos cuidado com os aduladores? Esperançoso: Também nos indicaram oca· minho, porém esquecemos de ler, e não nos temos precavido da vereda do Destruidor.


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Apareee um ser celestial

Enquanto assim estavam deitados, gemendo na rêde, viram um Ser Resplandecente encaminhando-se para êles com um látego na mão. Quando chegou onde estavam, perguntou-lhes de onde vieram e que estavam fazendo alí. ítIes lhe responderam que eram pobres peregrinos em direitura de Sião, porém tinham sido desviados do caminho por um homem escuro vestido de hranco. "Que nos mandou" disseram êles, "segní-lo, porque estava indo também para lá . ., Então aquele que tinha o látego: ":Ê:le Adulador, um falso profeta, que se tem disfarçado em anjo de luz. " Portanto êle rasgou a rede e deixou os homens sair. Disse-lhes: "Sigam-me, que eu posso pê-los de novo no caminho." Recondusiu-os ao caminho, que haviam deixado para seguir Adulador. Perguntou-lhes: "Onde pousaram esta noite?" Responderam:_"Com os pastores nas Montanhas Deleitáveis. " Perguntou-lhes ainda, se os pastores não lhes avisaram contra Adulador. Responderam: "Sim, porém nós não imaginávamos que êsse homem que falava com tanta afabilidade fôsse êle . " Então eu vi no sonho que o Ser mandou que se deitassem o que fizeram; êle os açoitou severamente, para ensinar-lhes o bom caminho á


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no qual devem andar e enquanto os castigava disse; "Eu repreendo e castigo a todos quantos amo: sêdé pois zelosos, e arrependei-vos ." O Ser Resplandecente mandou-lhes que seguissem caminho e tivessem muito cuidado em outras direções, dadas pelos pastores. Agrade. ceram-lhe por sua bondade e seguiram humildemente o caminho certo cantando; Vínde, vós que andais ao longo do caminho, Vêde o castigo dos que se desviam dele: Embaraçados estão nas rêdes. Esqueceram-se dos conselhos e da verdade, Eram livres, libertos estavam e agora açoitados são. Que isso vos sirva de exemplo e de aviso.

Encontraram Ateu Depois Je algum teplpo viram, de longe, alguém solitário chegar devagarinho pelo caminho para os encontrar , Então disse Cristão a Esperançoso: "Eis um homem com as costas para Sião e êle vem ao nosso encontro , " Esperançoso: Eu o vejo, vamos ter cuidado que não seja um outro adulador tamhém. Assim êle chegou mais e mais perto e, finalmente, aproximou-se deles. Seu nome era Ateu, e perguntou-lhes para onde iam. Cristão: Vamos ao Monte de Sião. Então Ateu deu uma grande gargalhada.


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Cristão: Que significa essa grande gargalhada?

Ateu; Estou rindo por ver quão ignorantes os senhores são por seguirem uma jornada tão difícil e por fim não receberem coisa alguma pelo seu esfôrço. . Cristão: Que é isso, homem, o senhor pensa que não seremos recebidos? Ateu: Recebidos l Não há tal lugar em todo o mundo, como os senhores sonh~m. Cristão: Há porém, no mundo vindouro. Ateu: Quando eu estava crn casa ouvi falar

nessa cidade e estou procurando há mais de vinte anos, porém não encontrei mais dela do que sei -desde o primeiro dia que saí de casa. Cristão: Acreditamos que haja tal lugar a ser encontrado. Ateu: Se houvesse tal lugar eu o teria achado, porque tenho viajado mais do que o senhor. Estou voltando e vou refrescar-me com as coisas que gozava dantes. Então disse Cristão a Esperançoso: "E' verdade o que êste homem diz?" Esperançoso: itle é um daqueles aduladores. Que? Não há Monte Sião? Não_vimos nós nas Montanhas Deleitáveis a Porta da Cidade? Também não é para nós andarmos aogorana fé? Sigamospara que o homem que tem o látego não chegue junto a nós outra vez.


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Portanto, viraram as costas para o homem e êle, rindo deles, seguiu caminho.

Chegam à Terra Encantada Então vi em meu sonho que êles seguiram até que· chegaram a um certo país, onde o ar naturalmente fazia sono nos estrangeiros. E alí Esperançoso começou a ficar com muito sono; então disse êle a Cristão: "Estou ficando com tanto sono que quasi não posso ficar com os olhos abertos . Vamo-nos deitar aquí e dormitar. " Cristão: .De maneira alguma, pois se dormirmos quem sabe, talvez nunca mais acordemos. Esperançoso: .Ora, ~eu irxnão, o sono é tão

agradável para o homem trabalhador; podemos ser reanimados se dormirmos um pouco. Cristão: Não se lembra de que' um dos pastores nos mandou que tivéssemos cuidado com K_ - Terra Encantada,? tles queriam dizer. que devíamos ter cuidado para não dormirmos. Não vamos dormir como os outros teem feito, porém vamos vigiar e ser atentos. Esperançoso: Confesso meu êrro; e se estio vesse sozinho, teria, pelo desejo do sono, estado em perigo de morte. Vejo que é a verdade que :/ "Duas cabeças pensam melhor do que uma';


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Cristão: Agora, portanto, para evitar sonolência, vamos falar de alguma coisa de proveito. Esperançoso: Com muito prazer. Cristão: Onde vamos começar? Esperançoso:

Onde Deus começou

COllOSCO,

porém você, faça o favor de começar. . Cristão: Primeiro entoar-lhe-ei êste cântico: Deixai vir os santos sonolentos; Para escutarem êsses peregrinos. Acordados. verão em santa comunidade Apesar das lágrimas- e coisas infernais. Cristão: Vou perguntar-lhe uma coisa: Como você no princípio pensou em fazer o que está fazendo agora? Esperançoso : Você me pergunta, como foi que no princípio comecei a tratar do bem da minha alma? Cristão: Sim, isso mesmo. Esperançoso: Eúcontinuei muito tempo no prazer daquelas coisas que eram vistas e vendidas em nossa feira, coisas que acredito agora, se eu tivesse até agora continuado nelas, ter-me-iam afogado em ruínas; tais como: orgias, bebedices, injúrias, profanação do domingo e outras coisas mais'. Aprendi com você e também com o nosso querido Fiel que o fim dessas coisas é a morte, é que a ira de Deus vem sôhre aqueles que O desóbedecem.


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Então êle contou como Fiel lhe ensinara o meio de ser salvo, a saber, confiando em Jesús ; ·e como êle se opusera, pensando que Jesús não queria salvá-Io, Fiel lhe disse: "Vá a ~le e veja, 'pois você é convidado." E Esperançoso disse mais: Eu comecei a orar por causa dos meus pecados e como não -estava esperando outra coisa a não ser o inferno e a perdição' eterna da minha alma, de repente, enquanto estava meditando, vi o Senhor Jeaús olhando dos céus para mim e dizendo: "Crê no Senhor Jesús e serás salvo." Porém repliquei: "Senhor, sou um grande, um muito gran-

de pecador." E Ele me respondeu: "Minha gra'ça te basta;" Então eu disse: "Mas Senhor, que .é crêr?" E então compreendi o que isso significava, "Aquele que vem a mim nunca terá fome, 'e .aqucle que crer em mim, nunca terá sêde ," Crer e vir eram uma só coisa e aquele que vem, isto é, que deseja com seu coração e salvação por Cristo, êle de verdade crê em -Cristõ. E agora meu coração estava cheio de alegria, meus olhos' cheios de lágrimas, minha afeição transbordan-do com amor pelo nome, povo, e os caminhos de Jesús Cristo. Cristão: Isto foi uma revelação de Cristo para sua alma. Diga-me mais precisamente qual o resultado disso no seu espírito.


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Esperançoso: Fez-me amar uma vida pura, e desejar fazer algo pela honra e glória do nome do Senhor J esús , Sim, pensei que se tivesse agora milhares de litros de sangue em meu corpo, eu poderia oferecer todo pelo meu Senhor Jesús,


CAPíTULO

IX

Agora vi em sonho que quando os peregrinos tinham transposto a Terra Encantada, penetrando no País de Beula, onde o ar era muito agradável e ameno e o caminho ia diretamente através dele; estacionando alí, deleitaram-se por algum tempo. Sim, aí êles continuamente ouViam os cânticos dos pássaros e viam diariamente as flores desahrocharem da terra, e ouviam o arrulho da pomba-rôla .

A Terra de Beula Nesse país o sol hrilhava noite e dia, pois estava localizado longe do Vale-da-Sombra-daMorte, e também fora dos domínios do GiganteDesespêro; nem poderiam êles, dêsse lugar, enxergar o Castelo da Dúvida. Aí êles tinham a Cidade à vista, também encontraram alguns habitantes, pois nessa terra os Sêres Celestiais coso tumavam andar, pois estava na divisa do céu. Aí. não lhes faltava coisa alguma, porque nesse lugar encontravam abundância do que procuravam durante tôda a peregrinação. Escuta~ram vozes que partiam da Cidade; vozes altas dizendo: "Digaà filha de Sião, eis que vem sua


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salvação. Eis, seu galardão está com Êle ;" Todos os habitantes Ihes chamaram de "o povosanto e remido do Senhor", "Conquistados"; etc , A proporção que se aproximavam da Cidade, tinham dela uma vista cada vez mais nítida. Era construida de pérolas e pedras preciosas" também as ruas eram calçadas de ouro. Caminhando, aproximavam-se dela, onde havia pomares, vinhase jardins, e seus portões davam para o caminho. Enquanto se aproximavam dêsses lugares, o jardineiro apareceu ~o caminho a quem os peregrinos perguntaram: "De quem são êsses lindos vinhedos e d~ quem êsses jardins ?'" :Êle lhes respondeu: "São do Rei e foram plantados aquí para seu próprio deleite e tamhém .para confôrto dos peregrinos." Então o jardineiro conduziu-os-pelos vinhedos e pediu-Ihes que se refizessem com iguarias. Aí demoraram e dormiram. Vi quando acordaram q~e procuravam subir' à Cidade. O reflexo dó sol sôbre a Cidade (pois ela era de ouro puro) era tão glorioso que êles não podiam, ainda encará-Ia, senão' por um binóculo feito para êsse fim.. Vi que enquanto. seguiam, encontraram-se com dois homens com vestidos que brilhavam como ouro e com o~ rostos brilhantes como a luz. Êsses homens perguntaram aos peregrmos


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de onde vinham e êstes lho disseram. Perguntaram-Ihe também onde se tinham hospedado; quais as dificuldades e perigos, quais os_confortos e prazeres que encontraram no caminho e êles lhes responderam tudo. Então disseram os homens aos peregrinos: "Teem agora somente mais {luas dificuldades a encontrar, depois estarão dentro da Cidade. . Cristão e Esperançoso pediram que os homens os acompanhassem e êles aceitaram. "Porém", disseram êles, "precisam conseguir pela própria fé." Então vi em meu sonho que seguiram juntos até chegarem a avistar a Porta da Cidade.

Um Rio Intervem Agora eu vi mais -que entre êles e a porta estava um rio; porém não havia uma ponte para passar e o rio éra mundo fundo. À Vista dêsse rio os peregrinos ficaram atordoados. Mas os homens que os acompanhavam disseram: "Precisam atravessar ou não poderão chegar à porta:" Os peregrinos então começaram a indaga!' se não havia outro caminho para a porta; ao que êles responderam: "Sim, porém só a Enoc e Elias foi permitido o palmilhar nesse caminho, desde a fundação do mundo,e a mais ninguém será permitido até a última trombeta soar.'.' Ambos, porém, especialmente Cristão, co-


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meçaram a ficar ansiosos e olhar para todos os lados, mas nenhum caminho se Ihes apresentava pelo qual pudessem evitar o rio. Perguntaram aos homens se as águas eram profundas em tôda parte do rio. Disseram.-lhes:"Não; acharão mais fundo ou mais raso de acôrdo com a fé que tiveram no Rei do lugar. " . Então entraram na água e, Cristão começou a afundar-se e gritou para seu bom amigo Esperançoso: "Estou afundando em águas profundas. As vagas passaram sôbre minha cabeça; tôdas as ondas dEle me cobriram." ' Disse Esperançoso: Tenha bom ânimo, meu irmão, estou pisando o leito do rio e é bom. Cristão: Oh, meu amigo, as tristezas da morte me rodeiam, não verei "a terra que mana leite e mel", e com isso uma escuridão pesada e horrível assaltou Cristão, de maneira que êle não podia ver o que havia diante de si. Esperançoso, portanto, tinha muito que fazer, para manter a cabeça de Cristão fora da água; às vêzes, êle afundava completamente e às vêzes levantava-se meio morto. Esperançoso também procurava confortâ-Io, dizendo: "Irmão, eu vejo a porta e homens que ali nos esperam. " Cristão respondeu: E' a você, a você que êles esperam; você tem sido sempre esperançoso.


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Disse Esperançoso: Meu Irmão, essas dificuldades e apreensões pelas quais você está passando nessas águas não são sinais que Deus o tem abandonado; porém são mandadas para prová10 e ver se você se lembra da bondade dEle e vive confiando nEle em tôdas as suas aflições, Continuei a ver em meu sonho que Cristão ficou quieto por algum tempo e Esperançoso proferiu estas palavras: "Tenha bom ânimo, e Jesús Cristo o -justificará." Com isso Cristão disse em voz alta: "Oh, vejo-O outra vez, e tle me diz, 'Quando passares pelas águas estarei contigo, é quando pelos rios, êles não te submergi. rão," Então os dois criaram coragem; o inimigo ficou daí em diante tão quieto como uma .pedra, até chegarem à margem oposta. Cristão nesse momento alcançou terra onde pisar; e daí em diante o rio tornou-se raso. Assim, conseguiram atravessâ-Io , Dois homens celestiais Na margem do rio, do outro lado, viram dois Seres Celestiais, outra vez, que os esperavam. Quando os peregrinos sairam do rio êles os cumprimentaram dizendo: "Somos espíritos celestiais, mandados para ministrar àqueles que serão herdeiros da salvação." Então seguiram para a porta. Agora, caro


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leitor, precisa notar que a Cidade ficava sôbre uma grande colina, porém os peregrinos subiram aquela ladeira facilmente porque tinham êsses dois homens para conduzí-Ios . Também deixaram essas vestes' mortais no rio, pois apesar de entrarem com elas sairam sem as mesmas. Subiram portanto, com muita rapidez, apesar de os alicerces, sõbre o~ quaís a Cidade estava comtruida, serem mais altos que as nuvens. Subiram pelo ar em doce conversa, sentindo-se confortados, por tere~ atravessado o rio, e por terem tão excelentes companheiros para dizigí-los , A conversa que êles entaholaram com os Seres Celestiais era a respeito da glória do lugar; disseram que a sua beleza era tanta que não podia ser descrita. "Alí", disseram êles, "está o Monte Sião, a Jerusalém Celestial, e companhias incontáveis de anjos e os espíritos de- homens justos e aperfeiçoados. Estão indo agora", disseram êles, "para o Paraíso de Deus, onde verão a árvore da vida e comerão os frutos vivazes dela. Ser-lhe-âo dadas vestes brancas e andarão e falarão todos os dias com o Rei, mesmo durante tôda a eternidade. Os galardões celestiais

Perguntaram: "Que precisamos fazer no lu. gar santo?" Ao que responderam:

"Precisam alí


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receber confõrto de todo seu trabalho e gôso por tôdas as tristezas; precisam colher o que teem semeado, mesmo o fruto de tôdas as suas oraçêes e lágrimas e sofrimentos pelo Rei durante o caminho. Naquele lugar terão coroas de ouro e gozarão visões perpétuas dAquele que é Santo; pois alí O verão corno Êle é. Ali também O servirão continuamente com louvor e graças a quem desejavam servir no mundo; porém com muita dificuldade por causa da fraqueza de seus cor-poso "Quando ~le vier com o som da trombeta nas nuven$,virão com Êle; e. quando Êle se assentar no trono do juizo, assentar-se-ão com. Êle e quando Êle sentenciar sõbre todos os obreiros do mal, também' poderão opinar naquele julgamento, porque

eram inimigos dEle, como seus

também. Quando ile voltar novamente à Cidade, voltarão também com o som da trombeta e estarão eternamente com me. Os benvindos celestiais

Enquanto se estavam aproximando da Porta, eis que urna multidão celestial veio encontrá108; à qual 0:8 dois Sêres Celestiais disseram: "Ésses são· os homens que amaram nosso. Senhor, quando no mundo, e tudo abandonaram por seu nome santo; e Êle nos mandou huscâ-los e aqui os trazemos na jornada desejada p.ara que pos-


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sam entrar e olhar com alegria, o rosto de seu Redentor. " Então essas hostes celestiais deram gritos de alegria, dizendo: "Benditos são aqueles que são chamados à ceia do casamento do Cordeiro. " Saiu a encontrâ-Ios também nesse mesmo tempo, uma hoste de trombeteiros do Rei, com vestes hrancas e luminosas que, com sons melodiosos e altos, fizeram ecoar os céus com a música. tsses trombeteiros cumprimentaram Cristão e Esperançoso com miríades henvindos; e assim fizeram com exclamações de alegria e sons de trombeta. Isso feito, êles os cercaram completamente; alguns adiante, outros atrás, outros à direita e outros à esquerda, (como se fôsse para protegê109 através das alturas) todos cantavam melodio. samente enquanto atravessavam as alturas; de modo que a cena era para aqueles que podiam apreciâ-la como se os céus mesmos tivessem descido ao seu encontro. Assim foram juntos e enquanto estavam andando, de quando em quando êsses trombeteiros com sons jubilosos, que, com misto de música, olhares e gestos, simbolizam a Cristão e Esperançoso como eram henvindos e com que alegria êles haviam saido para encontrá-los. Agora parecia a êsses dois homens que estavam no céu


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antes de penetrarem nele, sendo absorvidos pela vista dos anjos e ouvindo suas notas melodiosas. A Cidade Celestial Aquí também podiam ver a Cidade e julga. ram ouvir todos os sinos repicando em sinal de benvindos. Mas cem suas almas reinava o peno samento do prazer que em tal companhia haviam de fruir eternamente naquela morada, Oh! que língua ou pena seria capaz de descrever tão glo-

riosoprazer! E assim chegaram à Porta. Quando chegaram a esta, viram escrito em

letras de ouro por cima dela: ·"BEM·AVENTURADOS AQUELES QUE OBEDECEM SEUS MANDAMENTOS, PARA QUE TENHAM DI· REITO A ÁRVORE -DA VIDA, E POSSAM EN-

TRAR NA CIDADE PELAS PORTAS." Então vi em meu sonho que os Sêres Celestiais, pedíram-Ihes que batessem à Porta; quando assim fizeram, alguns que estavam no alto olharam por cima dela tais como Enoc, Moisés, Elias e outros, aos quais foi dito:

"~6ses pere-

grinos estão vindo da Cidade de Destruição, pelo amor que teem ao Rei dêste lugar. " Então os peregrinos deram-Ihes o passaporte que tinham recebido no princípio; o qual foi levado ao Rei; quando Jl;le leu disse: "Onde estão os homens?" -


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Ao que responderam: -"Estão lá fora." O Rei então mandou abrir a Porta, "Para que a nação justa" disse tle, "que guarda a ver-

dade, possa entrar. "

o vestido

e corôa reais

- Então os peregrinos _entraram pela porta e eis que enquanto entravam, sua aparência foi mudada de tal modo que os seus rostos ficaram luminosos, e vestiram-se com vestes que hrilhavam como ouro; Foram-lhos entregues harpas e coroas; harpas para entoar louvor e as coroas como símbolo de honra. Ouvi então .em meu sonho que todos os si· nos da Cidade repicaram novamente em sinal de alegria, e que lhes foi dito: "Entrem no gôzo de seu Senhor", também escutei os peregrinos mesmos cantarem com alta voz: "Ao que está assentado sôbre o trono e ao Cordeiro, sejam dadas. ações de graças, e honra, é glória, e poder para todo o sempre." Logo que as portas se abriram para deixar os homens entrar, olhei para dentro e acompanhei-os com um olhar e eis que a Cidade brilhava como o sol, e as ruas calçadas com ouro e nelas andavam muitos homens com coroas na caheça, folhas de palmeiras nas mãos harpas dé ouro para cantar louvores.


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o cântico dos serafins Havia alguns deles que tinham asas e chamavam em antífona aos outros dizendo: "Santo, Santo Santo é o Senhor", Depois disso fecharam as portas. E quan-do eu vi isto desejei -estar com êles. Ignorante falha 'na entrada Enquanto estava contemplando tôdas essas coisas, virei .minha cabeça para olhar para trás e vi Ignorante chegar à beira dó rio e passar Iigeiramente e isso sem a metade da dificuldade com que os outros dois homens encontraram, porque aconteceu que havia naquele lugar um tal Espera-em-vão, um' halseiro, que com balsa, o ajudou a atravessar; assim êle como os demais que vi, subiu a montanha para chegar à Porta, porém veio sozinho, e nenhum homem foi encontrá-Io com o mínimo encorajamento . Quando chegou à Porta olhou para cima e viu O letreiro que alí estava, então começou a bater supondo que a entrada lhe fôsse rapidamente facilitada, porém foi inquirido pelos homens que olharam por cima da porta: "De onde vem e que quer?" Respondeu: "Tenho comido -e bebido na presença do Rei e 1l:letem ensinado em nossa cidade. " Então êles lhe pediram o passaporte, para que êles pudessem apresentar o


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mesmo ao Rei. Nervosamente, e com aflição procurou em seu seio um passaporte e não achou, e perguntaram-lhe: "Não o tem?" O homem, porém, não respondeu uma só palavra.

Contaram ao Rei; mas Êle não desceu para vê-Io, porém mandou os dois Sêres Celestiais que conduziram Cristão e Esperançoso à Cidade, para sairem e tomarem Ignorante, e amarrâ-Io pelas mãos e pés e lançá-los longe. Então tomaram e carregaram pelo ar até a porta que vi ao lado da montanha e o lançaram alí , Então vi que havia um caminho para o inferno partindo mesmo das portas do céu, da mesma maneira como há um que parte da Cidade-da-Destruição. Então acordei e eis que fôra um sonho.


Conclusão Agora leitores, vê de se podeis interpretar rne'u sonho, pois já vos tenho contado. Interpretai para vós mesmos, ou para vosso vizinho. Tende cuida-do, porém, para não ínterpretá-Io erradamente, Pois se assim fizerdes, prejudicar-vos-eis a vôs mesmos, E resultados funestos produzir-se-ão. Ao extremo não vades, tende cuidado. Não examineis minuciosamente o exterior Do sonho, nem permitais que minhas figuras E parábolas vos levem ao exagêro do riso, Nem da raiva. Deixai Isso. para os puerís; Vêde, porém, a substância e o teor da obra. Afastai as cortinas, olhai além do véu. Examinai as metáforas e não falheis. Ver tais coisas é de proveito para as mentes Honestas e sinceras. O que de hôrra encontrardes neste trabalho, Tende a coragem para jogá-Ia fora. Preservaí, porém, a outra parte. Que importa que o ouro esteja envolto em minério? Ninguém come a casca e joga a banana fora. Se jogardes tudo fora como imprestável, Talvez sejais forçados a sonhar novamente.



N

o TAS

E X P L IC A AT I V A 5

o

Peregrino é uma alegoria. Uma alegoria é definida como 'Uma expressão simbólica. Como uma parábola, é "uma história terrestre com sentido celestial", Cristo usou pal'ábolas, os homens usam alegorias. O Peregrino é considerado por todos a maior das alegorias. A descrição literária moderna de "0- Peregrino" é a seguinte: "O :Peregrino" fôra escrito por Bunyan na forma de um sonho para apresentar em forma alegórica a vida de um cristão, da sua conversão até a morte. Sua conversão é uma fuga da Cidade de Destruição para a Cidade Celestial; seu ministro, ou ajudador é Evangelista; sua norma é a Bíblia; seus pecados são um fardo sôbre os ombros; suas dúvidas -sâo gigantes; sua luta' com os pecados que o assaltam constantemente, uma hatalha com Apolião; sua morte uma passagem Iahoriosa através de um rio profundo que corre entre êle e os céus. Interpretando a história. Para tentar inter-pretar literalmente todos os pontos de uma alegoria ou de uma parábola, é roubá-Ia de sua beleza e < aumentar talvez pouco ou nada, para o entendimento de alguém, para compreensão. O

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coração do leitor ajudado pela imaginação e emoções, precisa ser o intérprete ou então pouco proveito será ohtido de sua leitura. Para isso é preciso que o coração seja convertido, pois só assim poderá compreender direito uma grande alegoria como "O Peregrino". Para proveito de crentes novos e da mocidade, os quais estudarão o livro, êste capítulo oferece algumas breves sugestões a respeito da gênese escritural de certos pontos da história, com algumas referências a grandes hinos, sugeridos por certos incidentes e uma interpretação onde parece possível ajudar o leitor. Muitos leitores verão sentidos diferentes conforme o seu conhecimento e experiências em coisas espirituais. Assim é como deve ser. Como já foi dito, a experiência cristã própria precisa interpretar a história. O professor dêsse livro deve estimular os membros da classe para dar a interpretação que se Ihes apresentar mais familiar;

CAPíTULO I. Deserto do Pecado. Êste mundo é chamado, muitas vêzes, um deserto de pecado e tristeza. A Bíblia nos representa como habitando em tahemáculos, ou habitações provisórias enquanto viajando por êste mundo: vêde Provérbios 4:11 e IICor. 5:1.


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Peregrino. A respeito do. Peregrino, Kelman diz: "Os fatos principais a respeito. dele são. (1) que êle era um homem com um fardo e (2) um homem com um Iivro , O problema cristão. pode ser resumido em: um homem, um fardo, um Iivro . " Os [arrapos do. Peregrino. eram as suas boas obras ; vêde Isáias 64 :6. O fardo. de sua,s costas era o. pêso do. cora~ão Po.r causa dos pecado.s; vêde SalIno. 39:4. "Que farei eu?" é clamor de cada pecador convicto ; vêde Ato.S 16:30. Na segunda parte desta história (A Peregrina) Bunyan conta um sonho. posterior no. qual êle viu Cristã, a espôsa de Cristão, principiar sua viagem com seus quatro filhos, Tiago, Mateus, José e Samuel, como peregrinos indo para a Cidade Celestial. Cristã diz que não po-dia esquecer os gemidos aflitivos e as lágrimas de seu espôso, nem também o. clamor dele -dizendo : "Que farei eu para me salvar?" Evangelista encontrá Cristão. O Peregrino. nesse tempo precisava de Evangelista como um pregador para ajudá-Io ; vêde Homanos 10:14. Notai que Evangelista diz somente o que é neceesário para apontar a Cristão. o. caminho. verdadeiro ; muita coisa é dita aos pecadores que êles não podem compreender ; a êles precisa ser apontado Czisto , Cristão. está com muito. mêdo


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da morte, e Evangelista aponta-lhe o caminha da vida. O rôlo de pergaminho era uma certa passagem da Bíblia; vêde Mateus 3:7 e Lucas 3:7. A porta estreita, ou porta- de madeira, era Cristo que é a porta do aprisco; vêde João 10: 7-9 . A respeito da porta estreita Kelman diz que foi sugeri da pela velha porta da igreja de Bunyan.

Nesta história Bunyan coloca a porta

hem visível mesmo atravessando o caminho para delimitar a fronteira, "Ela representa uma escolha decisiva separando o curso _da jornada em duas secções, uma antes e outra além dela."

A luz. Cristão não era capaz de ver a porta estreita, porém viu a luz. Pode ser que tenha sido o resultado do que Evangelísta lhe falou. E pode ser que fôsse a luz de seu dever para fugir da Cidade de Destruição ou a luz da es-

perança pela qual êle poderia achar a vida eterna.

Seja como fôr, era bastante clara para orientá-lo em sua direção e Cristão correu para ela com tôda energia e presteza. Essa é a razão principal. QuandQ um pecador começa a ir para Cristo, a luz começa a brilhar no seu caminho; Vêde Efésios 5:14. Vacilante e Obstinado. Vacilante pode ser influenciado pela razão e Obstinado é o contrário. Notai o esfôrço feito pela alma de Obstinado. Êle pensa que sabe tudo, porém perde sua


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alma . Vacilante gosta da descrição dos céus, porém falta-lhe a convicção do pecado, portanto não quer abandonar tudo para seguir a Cristo. O Pântano de Desânimo. Esta é uma' das figuras mais famosas de Bunyan e representa uma experiência que muitos, especialmente adultos, teem quando começam a procurar Cristo. Buyan fala que a experiência de Cristão é o resultado de "dúvidas e temores". Convencido do pecado e procurando um Salvador, o Peregrino defende-se de Satanás que procura arrastâ-Io para trás e para a degradação. Nesta história Cristão lutou com O lamaçal e, finalmente, colocou os pés em terra firme, as promessas de Deus,

as quais são para a pedra fundamental de nossa fé,

J esús Cristo . Vacilante saiu do lado mais pró ..

xímo de sua casa e despediu-se raivoso do Cristão, culpando-o pela dificuldade na qual havia caido. Lemhrai-vos do hino que diz: "Nossa morada na rocha está." Auxílio dá a mão. Cristo começa a procurar o pecador logo que o pecador começa a procurar Cristo. Deus manda Auxílio àqueles que procuram salvação. Lembrai-vos como Deus mandou Filipe auxiliar o eunuco em Atos 8; também como Deus mandou Pedro auxiliar Cornélio em Atos 10. Cada crente deve desempenhar o papel de Auxílio. Sábio-Segundo~o-Mundo.

Êle é chamado ho-


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mem moralizado, mas é um apelido falso; êle crê que há um caminho mais fácil para o céu tIo que o caminho que passa pela porta estreita e a cruz. E' um homem ruim de coração apesar de ter uma boa aparência. Não há tal coisa, não há uma vida verdadeiramente moral sem Cristo. Cristão caiu na armadilha de Sábio-Segundo-o-Mundo: Cristão tem mêdo logo que se desvia do caminho certo para seguir Sr. Sábio-Segundo-o-Mundo. Também o fardo em suas coso tas fica cada vez mais pesado. A conciência o avisa. Acêrca de "chamas do monte" vêde Deuteronômio 5 :22. Para ver a descrição de Evangelista conforme Sábio-Segundo-o-Mundo. vêde Joãa 4:5. Evangelista . oriento-o novamente . Para aquele que se tem desviado para o caminho do êrro não há satisfação em qualquer conselho fora do Evangelho; Portanto Evangelista encontra-se com Cristão, prega-lhe o Evangelho e o persuade a voltar para o caminho que o conduz a Cristo. O Evangelho, verdadeiramente, são "'As Boas Novas", tôdas as outras novas são desanimadaras para aquele que 'precisa de Cristo. CAPíTULO

11.

A Porta Estreita. Essa é outra das. grandes figuras da história de Bunyan. 'A porta estreita representa Cristo a quem Bunyan cham-ou de


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Boa-Vontade . Isto é "a hoa vontade de Deus em Cristo." ítle é a porta do aprtsco ; vêde João 10:7·10. Aquela porta abre a oração; vêde Mateus 7 :14. Boa-Vontade ouve o bater do pecador; abre a porta e puxa-o para dentro para que as setas de Satanás não o alcancem. O fardo do pecado não impediu que Cristão chegasse a Cristo; Jesús se aproxima do pecador que O procura, pois Cristo "veio buscar e salvar O que se havia perdído .": Vêde Mateus 9:12. Boa-Vontade aponta a Cristão a cruz onde êle achará descanso de seu fardo. Êle ensina a Cristão algumas coisas que precisa saber: "a verdade vos libertará. " Boa-Vontade envia Cristão a Intérprete, o qual é o Espírito Santo, o Espírito de Verdade;

vêde João 14:17.

Êle nos guiará para tôda a

verdade; João 16:13. Cristo por meio do Espírito Santo nos ajuda a descobrir a verdade a respeito dEle mesmo, portanto a Cristão são ensinadas muitas verdades úteis em casa de Intérprete.

Primeiro Quadro. Intérprete conduz Cristão e lhe faia suavemente conforme sua capaeidade . Êle precisa de tempo para compreender a verdade a' qual lhe está sendo ensinada. A vela acesa representa a Bíhlia lançando um halo de luz. O primeiro quadro é o de um ministro fiel de J esús Cristo o qual interpreta a Bíblia aos pecadores.


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Segundo Quadro. tste mostra a necessidade de nossos corações serem varridos e limpos. A Lei não pode limpar o pecado do coração; Romanos 7:9 em diante. O Evangelho, porém, limpa-o de todo o pecado; João 15:3 e I João 1:7. Terceiro Quadro. Êste quadro responde à pergunta milenar: Por que os pecadores possuern tanto dos bens dêste mundo? .Paíxão apresenta a resposta: êles teem as coisas boas agora, mas nada há para êles além-túmulo , Vêde Salmo 73, que relata como Deus ensinou esta verdade a seu servo Daví. Quarto Quadro. :Êste ensina que uma vez na graça sempre na graça: "Minha graça te basta." Êle proverá graça suficiente para cada necessidade. Pode um pecador convertido prevalecer até o final? :Êste quadro dá a resposta verdadeira. Cristo manterá acesa a pira do amor. Satanás pode atacar o lado de fora porém Cristo dá fõrça de dentro de nosso coração. Quinto Quadro.

tste representa a mesma verdade de uma outra maneira, isto é, a certeza da vitória do soldado de Jesús Cristo. Temos certeza da vitória pela fé, "Fé é a vitória"; I João 5:4.

Sexto Quadro. ~ste quadro mostra a sorte daquele que repetidamente rejeita a Cristo. O Espírito de Deus cessa de agir com êle . "Êle


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tem entristecido tanto o Espírito a ponto dêste o abandonar. " Efésios 4 :30. Sétimo Quadro. tste mostra a agonia daqueles que não estão preparados para se encontrarcom Deus no Juízo. Há alguns que gostariam de acabar com o Juízo e negar a sua existência. Se a nossa fé está em Cristo não temos mêdo dele.

CAPíTULO

nr

A respeito "dos muros da salvação" vêde Isaías 26:1. -Essa história sugere-nos o hino 396 . do "Cantor Cristão". O côro começa: "Foi na Cruz, foi na Cruz, onde um dia eu vi ... " A respeito da mudança de vestes vêde Zacarias 12: 10. Os três Sêres Resplandecentes podem representar o Pai, o Filho e o Espírito Santo; o Pai perdoa os pecados, o Filho veste o convertido com as roupas de sua própria justiça, Isaías 61:10; e o Espírito Santo dá certeza de "que somos filhos de Deus", Romanos 8:16. Simplório, Preguiçoso e Presunçoso. Êstes homens consideravam-se salvos e não atenderam a qualquer aviso. Na "Peregrina" aprendemos que mais tarde foram enforcados pelas correntes que os seguraram. Supuseram-se salvos e não se interessaram para ter certeza e perderam a vida. Formalista e Hipócrita. Êstes eram escala-

dores de muros, portanto com caracteres maus. João 14d2.


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A Ladeira de Dificuldade. Em tôdas as atividades da vida onde se consegue sucesso, as dificuldades precisam ser venci das; em matéria religiosa principalmente, pois a religião é de mais valor. Como Cristo põe o óleo da graça continuamente assim aquí Deus torna a Ladeira de Dificuldade tão fácil como possível, provendo fontes que nos reanimam antes do início da subida. Vêde Isaías 49:10, e no meio da subida um agradável caramanchel. Leões no Caminho. Deus sempre sustém o leão: a cova dos leões, a fornalha ardente, o Mar

Vermelho, o J ordão transbordante e o Anjo da morte. Os filhos de Deus estão seguros, quando estão soh a proteção do sangue . Nossos irmão a de terras pagãs sabem melhor que nós o que é enfrentar os leões para entrar no Palácio Belo.

Vigia, o Porteiro. Com o auxílio do Porteiro, Cristão passou pelos leões com segurança. O Palácio Belo pode representar a igreja e Porteiro pode ser um membro que é um ganhador de almas, auxiliando

outros a achar o Caminho ,

Cristão entra à igreja depois de perder o seu fardo ao pé da cruz e não antes. Êle portanto está preparado de coração para as amizades e comunhão que encontrou no Palácio, e a respeito da ceia para a qual êles o convidaram, pode representar a Ceia do Senhor.

A Vista da Terra de Emanuel era uma


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amostra rápida das gló:rias do Céu. Os cristãos experimentam tais antegozos aquí no mundo, quando grandes bênçâos veem sônre a igreja como resultado de oração e trabalho fiéis. A respeito da armadura de Cristão vêde Efésios 6:13·18. Notai que não há proteção para as costas do soldado. :Êle preeisa lutar avançando. Recordação: Ajuntar rapidamente as sete partes do quadro estudado: (1) os leões no caminho; (2) Vigia, o porteiro, dando benvindos aos peregrinos no portão; (3) o exame feito por Piedade, Prudência e Caridade, e o discurso durante a ceia; (4) o sono reparador no quarto da Paz; (5) o estudo do histórico do Palácio ; (6) a visão das Montanhas Deleitáveis; (7) vestindo Cristão com a armadura para a guerra futura. De tôda a literatura fora da Bíblia, êsse quadro é, sem dúvida, o mais perfeito da igreja, suas ordenanças e bênçãos por meio desta conferídas aos seus membros. CAPíTULO

Apolião é, nàturalmente,

IV

o diabo o inimigo de nossas almas. Notai seus métodos; primeiro êle experimenta persuadir; faz as seguintes promessas a Cristão: bom ordenado, perdoar o passado, lihertá-Io das dificuldades. Argumenta que não devemos sofrer pelos nossos pecados e que seu -r


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serviço é leve, enquanto o de Cristo é pesado.' Cristão, porém, sabe que Apolião é mentiroso e luta contra êle , Vence-o pelo uso da Espada do Espírito e oração. Vêde o hino 365 do Cantor Cri;tão. Comparai a vitória de Cristo sõbre Satanás na tentação no deserto.

Vêde talllbém

Efésios 6: 11 em diante. Em tôda literatura o dragão é o tipo do dia. bo e sernpr'e procura destruir.

Os ferimentos sarados. A respeito das "folhas para a saúde das nações" vêde Apocalípse

22:2. O Vale da Sombra da Morte. Para descrição dêste vale vêde Jeremias 2:6 e Salmo 44:18, 19. A respeito da "arma .chamada Tôda-oração vêde Efésiós 6:18. Terrível como foi o vale, Cristão o atraves-

de Deus. Assim cada cristão passará por tôdas as dificuldades, e dificuldades virão a todos os crentes. Bunyan tinha passado por perseguições sem auxílio de qualquer pessoa a não ser de Deus. sou com segurança com o auxílio

CAPíTULO V. Cristão encontra-se com Fiel. Isso é um belo e novo aspecto da história que nos faz·lemo' brar da ocasião em que Cristo enviou seus discípulos dois a dois. Os cristãos almejam camara-


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dagem. Cristão cai por causa do orgulho, porque orgulho antecede a queda." ,

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Enquanto Iedes a respeito de sua doce camaradagem recordai O hino, "Benditos Laços" e a estrofe, "E' mútuo o gôzo ou' a aflição dos nossos corações." "Eles falam a respeito de V ccilante, Hecordai a história de Vacilante que iniciou a jornada com Cristão e caiu com êIe no Pântano-de-Desânimo. Monle compara Vacilante aos ouvintes semelhantes às 'terras pedregosas da parábola do

Semeador. Êle diz: "Vacilante não tinha raiz em si. Durou somente pouco tempo. Cristão tinha raizes. Cristão estava convicto do pecado, sua perseverança era questão de vida ou morte. Vacilante não mostrou nem siquer sinal de convicção de pecado. Estava agradavelmente atraido pela esperança de um futuro hrilhante e gostou de ter a companhia de um viajante que iniciou a jornada com grande fÔrça de vontade. Não tinha, porém, raizes em si." As experiências de Fiel. Bunyan, evidentemente, nesse passo tinha em mente a história de José. Lêde a respeito da vitória: de José sôbre a tentação que enfrentou na casa de Potifar. "A luta de José para a pureza social é uma das batalhas decisivas do mundo", diz Clifford. Do tempo de José até o de Bunyan e de Bunyan até nós essa luta não tem tido fim. Os jovens po-


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dem alcançar a vitória pela graça de Deus e devem combater a tentação como combateriam uma praga terrível. Para entregar-se significa escorregar ou deslizar. no desfiladeiro do diabo que conduz ao abismo. Vergonha. um vilão ousado. Fiel disse que Vergonha falou de tal modo que fez "meu sangue afluir ao rosto. " Em outras palavras, ficou com o rosto vermelho de raiva, e ficou a ponto de brigar com êle. Assim deve fazer todo Cristão na presença daqueles que querem desprezar a religião. Vergonha falou falsamente como todos que falam mal das coisas santas de Deus. Tagarela desmoralizado. Tagarela não sabia o trecho. das Escrituras: "Sêde cumpridores da palavra e não somente ouvintes;" nem o texto: "A fé sem obra é morta." Quando Fiel lhe perguntou: "Já se convenceu de seus pecados e es abandonou?" êle envergonhou-se e se afastou dele. O zombador e o homem que gosta de diseutir- religião pouco teem que responder à tal pergunta.

CAPíTULO VI. Eoangelista reune-se a êles , O fim dêsse encontro foi para encorajar Cristão e Fiel, recordando suas vitórias no passado e também auxiliar preparando-os para as provas que estão prestes a vir.


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Na Feira da Vaidade. Essa figura da Feira da Vaidade é uma das melhores de Bunyan. Somente um gênio poderia apresentá-la . O nome em si mesmo é a prova ou símbolo de gênio. Bunyan usou a Feira da Vaidade para simbolizar uma coleção das tentações mais sedutoras dêste mundo . Na Bíblia, vai,dade e vaidades são usadas para representar os ídolos dos. pagãos. Vêde Jeremias 14:22, 18:15-17; também Deuteronômio 32:21 e I Reis 16:13·26. Sôbre a Feira da Vaidade Dr. S. J. Reid diz: "Essa é a mais maravilhosa figura do muno do; é escrita por um gênio. A Feira da Vaidade é o mundo no sentido em que aquela expressão é usada referindo-se ao poder que odeia o peregrino e seu Senhor. Para o povo da Feira da Vaidade, mercadoria para vender representava tudo. Seus lemas eram "Comamos e bebamos, pois amanhã morreremos." Cada cristão precisa passar pela Feira da Vaidade ou sair dêste mundo porém enquanto estivermos na Feira da Vaidade não precis~mos fazer parte dela. " A Feira da Vaidade era dominada pela trindade maldita, o mundo a carne e o diaho .. Os Peregrinos Diante do Tribunal. Notai a semelhança entre os processos dos peregrinos e o de Jesús - nenhuma lei desrespeitada, acusações falsas, testemunhos falsos, o [uíz tornandose testemunha contra êles pronuncia uma sen-


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tença antes de entregar o caso ao juri e instruo o juri para eondenâ-Ios, ete,

Morte de Fiel. Bunyan viveu nos dias dos mártires, portanto era um quadro muito vívido em sua mente. Ainda bem recente na mente dos protestantes era o reinado de Maria, sanguinária, e os trezentos que ela queimou amarrados aos postes sôbre fogueiras de Smithfield. Estamos recordando as mortes de Rogers, Hooper, Ridley, Latimer e Cramner. Êsses não tinham cometido crime algum anão ser crer em J esús e discordar das católicos romanos. A morte dêsses trezentos mártires trouxe uma reação contra Roma como nenhuma outra coisa poderia ter feito. Assim "o sangue dos mártires é a semente da igreja."

A perseguição é, exatamente, oposta .ao espírito do Cristianismo. O Cristianismo ama; a perseguição odeia. O Cristianismo alivia os fardos; a perseguição aumenta-os. Do tempo de Paulo até agora, a perseguição aos cristãos tem espalhado o Cristianismo. Os Cristãos teem-se multiplicado na China desde o massacre de Boxer em 1900. Os turcos mataram 40.000 cristãos na Armênia em 1894-1895, porém o .heroismo dêstes implantou o respeito para o Cristianismo nas mentes até dos turcos. -O heroismo dos missionários, como os dos apóstolos da antigui-


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dade, tem elevado o padrão de missões em tôda parte do mundo . "Por que o Senhor nos deteve, para o vestir com roupas melhores?" perguntaram os boxers a um cristão, o qual êles iam matar. "Por. que", respondeu êle, "penso que os senhores me estão conduzindo ao palácio de meu Rei. " Vale a pena morrer por nosso Cristo; vale mais a pena viver para tle. Na Peregrina, Bunyan apresenta a vinda de Cristã com um grupo à Feira da Vaidade, são hospedados na casa de Mnason, "um velho discípulo". Vêde Atos 21:16. Êle lhes diz que o povo da Feira da Vaidade é mais moderado do que antigamente; o sangue de Fiel pesou como fardo sôbre êles e ficaram envergonhados de queimar outras pessoas: também o nome de Cristão era odiado e agora é honrado. CAPíTULO VII. Mais uma hela pincelada no quadro que Bunyan nos dá aquí, quando Esperançoso se torna companheiro de Cristão para ocupar o lugar do nobre Fiel. Como a glória da morte de Estevão resultou, cremos, na conversão do grande apóstolo Paulo, assim o heroismo do martírio de Fiel ganhou Esperançoso e outros. Recordai o hino, "Pode o mundo ver Cristo em mim?" Sr. Cobiçoso de Fala-bem.· O Sr. Cobiço-


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difere em caráter do Sr. Tagarela em que aquele ama o dinheiro acima de tudo. A mina de prata foi a sua condenação. Êle vendeu a vida pela prata.

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O nome Cobiçoso. sugere que ele é essencialmente avaro, um enganador pronto a empre-

gar qualquer espécie de meios ilícitos para os fins almejados. Reparai que êle "nunca luta contra o vento ou maré" porém como um peixe morto desce o rio boiando, e gosta de sua religião "calçada com prata e andando em ruas planas ao brilho do sol. " Nem uma sugestão para lutar como um soldado da cruz. Êle é uma "cama de flores" tipo de fingido. Não iria a uma reunião de oração em uma noite chuvosa, nem faria parte de uma pequena igreja em dificuldades que precisasse de dinheiro e muito trabalho, para

tornar-se forte. Aprendemos em Peregrina que êle chegou a um mau fim com sua cobiça, também nenhum dos seus filhos chegou a ser estimado por qualquer que verdadeiramente temesse a Deus.

Demas. Vêde 11 Timóteo 4:10. Demas abandonou Paulo e o trabalho do Senhor pelo presente mundo , Assim êle se torna bom agente para a mina de prata. Êle é o filho de Judas e neto de Geazi! Para a história de Geazi e a sua cobiça vêde II Reis 5 :20-27 . A história de -Midas 'por Hawthorne,

chamada'

"Toque

Áu-


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reo", é uma boa ilustração da natureza mortífera da cobiça. O remédio é dar a tôda boa causa de coração e alegremente. Tal dinheiro como Judas e Geazi receberam -torna-se a lepra pela qual nenhum talento de prata ou mudança de

roupa podem expiar, diz Farrar, O Rio da Água da Vida. Pelas escrituras que ilustram êsses pensamentos vêde Salmo 65: 9, Ezequiel 47:1, 9; e Apoc. 22:1. Ali êles poderiam dormir com segurança; vêde Salmo 23: 2, e Isaías 14:30.

O Prado do Desvio. Depois do sono reparador e frutos agradáveis que acharam perto do Rio da Vida, os peregrinos .encontram um caminho áspero. Isto ensina que a vida e até a vida cristã não é tôda de confôrto e gôzo. Lembraivos que a vida é uma luta e o cristão é um soldado e precisa suportar dificuldades. Hã muitas ocasiões e tempos de gozos, porém logo depois dêsses pode seguir um caminho áspero que fira nossos pés. Em tais tempos ou ocasiões Satanás nos tenta e nos quer levar para o Prado do Desvio, que parece mais agradável do que o caminho estreito e certo, de Deus.

Confiante-Vão.

Como é natural,

os pere-

grinos encontraram dificuldade no Prado do Desvio. Confiante-Vão prova ser um guia falso e cai na cova; vêde Isaías 9:16. A noite vem e êles estão perdidos e a água começa a subir.


O PEREGRINO

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Castelo da Dúvida. Bunyan nos dá um quadro muito real das experiências na vida cristã. Depois de desviar-se do caminho verdadeiro um cristão entra em dificuldades maiores, porque um pecado traz outro até "a água começa a suhir" e êle começa a duvidar de sua salvação. tle dorme o sono das trevas espir-ituais, esquecendo-se de confessar seus pecados procurar perdão, e entrar no caminho reto novamente. Gigante.Desespêro o prende e êle acaba no Castelo da Dúvida. Mas há úm meio de escapar e Cristão o achou: as promessa de Deus ~ Elas nunca falham, abrem as portas mais fortes da prisão es-

piritual.

João Batista quando em dúvida mau-

dou falar a Jesús. Quando em dúvida vamos a Ele , Como passaram Judas e o rei Saul no Castelo da Dúvida? Como passaram Daví, Pedro, e Tomé? CAPíTULO

VIII

Cristão tinha visto do Palácio Belo as Montanhas Deleitâveis na Terra de Emanuel, agora

estão gozando a paz, a abundância

e descanso

tanto como a beleza delas. A Cidade Celestial está ao alcance da vista, porém ainda muito distante. Dr. S. J. Reid diz dessas montanhas o se· guinte ; "Apresentam aqueles momentos calmos


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e felizes para a alma experimentada quando não há nuvem entre ela e Deus, e sente-se como é

real e verdadeira aquela confiança em Cristo que pode trazer tanto. confôrto ao eeração . " Nesse lugar de segurança e na companhia dos bondosos pastores, os quais são pastores- dos rebanhos de Deus, é interessante olhar com êles a Colina de Êrro, o. Castelo. de Dúvida, etc., a

distância, e ouvir a história dos pastores a respeito deles.

'

A História de Pequena Fé. Essa história é contada por Cristão enquanto. êle e Esperançese estão. descendo as Montanhas Deleitáveis. Pequena Fé representa o crente em Cristo que só tem fé suficiente para conseguir andar como um crente, porém não. bastante para ser animado, nem forte. Cada inimigo o maltrata. tte nada acumula, somente consegue guardar sua fé, "a joía" que o admite ao céu .

.4. Rêde de Adulado.r. A hist6ria revela o. segrêdo 'dessa queda. Cristão diz que os pastores os preveniram de aduladores e Esperançoso diz que êles se esqueceram de ler as indicações da viagem - a Bíblia. O Ser Resplandec~nte o~ castiga. "O Senho.r castiga aquele que ama. " Cristo perdoa a culpa dos pecades come" tidos pelos seus filho~ que se arrependem, mas o. sofrimento e cicatrizes precisaru ser suportados.


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Ateu. Êsse homem teria as costas vj}ltadas para Sião, ainda que o tivesse rocurado durante vinte anos. "O pior cego é aquele que não quer ver." Vê de $almo 14:1. CAPíTULO

IX.

A Terra de Beul«, Beula é um nome Bíblico e quer dizer casado, aplicado a Israel sugerindo o casamento dele com Jeová. Isaías 62 :4. No Novo Testamento temos o casamento de Jesús, o Cordeiro, com sua noiva a Igreja. Portanto o nome leva consigo o pensamento de felicidade, pureza e amor ahsoluto e sem mescla. Bunyan considera a Terra de Beula como sendo a terra de onde os-peregrinos saem para a Ci~ade . CelestiaI.

O Cér.t fica imediatamente além do rio da Terra de Beula e a glória do Céu a ilumina. Notai que "nessa terra os Sêres Celestiais costumam andar porque está nas fronteiras do Céu." Recordai O hino "Ao Lar Celestial". Um RiQ intercepta. Era o Rio da Morte. Somente Enoc e Elias escaparam dele. Aquí Esperançoso foi um grande auxílio para Cristão, segundo a maneira pór que Bunyan descreve a morte de Cristão. Esperançoso o animou com palavras de confôrto, passagens das Escrituras € admoestações para que êle guardasse a fé firma-


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da em Cristo. Conforme a fé do crente o rio torna-se fundo ou raso. "Êles logo encontraram terra firme onde puderam firmar 4:) pé, e o resto

do rio era raso. " Na outra margem os Sêres CeIestiais os estavam esperando, também as glórias da Cidade Celestial com a vestimenta e as coroas. leso foi possível porque ao pé da cruz, o tardo do pecado fôra tirado pela mão amorosa

do Senhor.


188

O

PEREGRINO Capítulo H.

1. Dar a significação da Porta Estreita e de BoaVontade .. 2. Que perigo ameaçou Cristão enquanto estava entrando na Porta Estreita? 3. Dar uma breve descrição dos quadros na casa de Intérprete, Capítulo

111.

1. Onde Cristão perdeu o fardo?

Como? Que

, neontoeou Mm ofardo? 2. Como Cristão será reconhecido pelo Senhor da Cidade?

3. Que aconteceu a Cristão na Ladeira de Dificuldade?· 4. Como Cristão conseguiu passar pelos leões? 5. Que aconteceu a Cristão no Palácio Belo?

Que significa tudo isso? .

6. Nomear as partes da armadura

de Cristão,

conforme a descrição em Efésios 16:13-18. Capítulo

IV.

1. Descrever Apolião. Quem êle representa? 2. Descrever a luta entre Cristão e Apolião. 3. Como foram sarados os ferirnentos de Cristão? 4. Que se diz a respeito de Papa e Pagão? Capítulo

V.

1. Descrever o encontro de Cristão com Fiel.

2. Como eram Cristão é Fiel semelhantes no princípio das suas peregrinações?


PERGUNTAS PARA RECORDACÁO

E

EXAME

o professor da classe deve dar COlllO exame pelo menos dez das seguintes perguntas, dando pelo menos uma de cada capítulo. As perguntas podem ser respondidas escrita ou oralmente. INTRODUÇÃO 1. 2. 3. 4.

Que espécie de homem era Bunyan? Que o induziu à conversão? Como foi que Bunyan permaneceu na prisão '? Corno a prisão de Bunyan contribuiu para sua fama? 5. Fale sôbre os últimos anos de Bunyan. Capítulo

I

1. Que impeliu Cristão a abandonar o lar e se tornar um peregrino" 2. Que deu Evangelista a Cristão? Para onde o dirigiu'{ Que significa isto? 3. Por que Vacilante seguiu Cristão, e Obstinado, - não? 4. Fale sôbre o Pântano de Desânimo. Que significa isso? 5. Quais as duas coisas condenadas por SábioSegundo-o-Mundo? Por que? 6. Que contou Evangelista a Cristão a respeito de Sábio-Segundo-o-Mundo?



o

189

3. Como foi recebido Vacilante qu~do chegou a casa? 4. Como o Primeiro Adão tratou Fiel? Quem o libertou? Citar I Cor. 10;13. 5. Que disse Vergonhoso a respeito de Religião? Qual foi a resposta de Fiel? 6. Como Crdstão descreveu a religião de TagareIa? Como ficaram livres dele? Capítulo VI. 1. Para que fim Evangelísta se reuniu aos peregrinos? 2. De que a Feira da Vaidade é simbolo? 3. Por que os peregrinos foram levados diante do tribunal? 4:. Que falou cada testemunha a respeito de Fiel? 5. Como morreu Fiel? Como foi levado ~o céu? Capt 10 VII. 1. Quem se tornou companheiro de Cristão em

lugar de Fiel?'" eomo aconteceu isso? 2. Citar a principal diferença entre Tagarela e

Cobiçoso. 3. Qual o característico principal de Demas? Citar seus antepassados. Em que êle se parecia com êles? .(. Que era o Prado do Desvio e como-foi que Peregrino entrou nêle e que aconteceu? 5. Falar à respeito do Castelo da Dúvida. Quem era o seu proprietário? Como passaram os peregrinos aí? Como conseguiram sair?



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