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Malcata
sob a égide do lince A Reserva Natural da Serra da Malcata abrange os concelhos de Penamacor e de Sabugal ao longo de uma área de 16348 hectares: em maio veste-se de carqueja em flor e liga a cor amarela às corolas arroxeadas do rosmaninho e das urzes – com outra flora selvagem são almofadas de biodiversidade na área protegida que evoca o lince-ibérico
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Malcata Nature Reserve
The Reserve is located on the border of Portugal with Spain, near the villages of Sabugal and Penamacor. Its altitude varies between 425 m and 1,078 m. The climate is ‘transitional’ between the climatic effects of the Atlantic, Continental and the Mediterranean. This results in vegetation rich in Holly Oak, Strawberry trees and Pyrenean Oak. The fauna is equally diverse. The Malcata has been much publicized recently in the media due to the continuing effort to protect its Lynx population, a feline considered to be in danger of extinction. This Reserve was created in 1981.
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A
sas estendidas, plana o tartaranhão a dois metros do matagal que veste a encosta. Leva a calmaria de quem deita o olho a alimento vivo. A cor acastanhada das penas não deixa dúvidas nesta época do ano sobre o sexo: é uma fêmea. De envergadura parecida com a da águiade-asa-redonda, esta ave de rapina terá chegado de África nesta primavera para fazer por ali ninho no solo. A poucos palmos do chão, entre caules e raízes, há um submundo assaz diferente. É o patamar dos pequenos mamíferos, répteis e anfíbios que vivem nestes meandros sombrios, onde o vento rasteiro, se se atrever, pede licença para entrar. Corços, javalis, lobos e outros animais de maior porte que ali passem não partilham tão apertado horizonte. A voz de Francisco Campos, vigilante da natureza ao serviço do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas que nos acompanha, lança outro assunto: «Trabalho na Reserva desde 1988!», diz com orgulho, enquanto o jipe calcorreia o piso de terra batida, de substrato xistoso. De quando em quando, a suspensão da viatura não consegue calar todas as agruras do piso, o que não é de admirar. Pelo caminho já vimos giestais de flor branca coroados por bosquetes de carvalho-negral que só agora, em altitude, deita folhas juvenis. «Esta é a parte Norte da Reserva Natural. Na parte Sul, mais mediterrânica, as giestas já são de flor amarela», anota. Aqui e ali o azul forte da erva-das-setesangrias em flor distingue-se no trilho: «Chamamos-lhes aqui chupa-meis. Tira-se a florinha, chupa-se, e aquilo é doce!». O relevo da serra condiz, «é bastante atraente – não são aqueles montes em bico, como no Gerês. Dizemos que a serra da Malcata é mais feminina, mais redondinha…», atira Francisco Campos com um sorriso malandro. O Alto da Machoca é o ponto mais elevado da serra, com 1078 metros de altitude, e constitui a zona de divisão das vertentes Norte e Sul. Na Reserva Natural há três grandes linhas de água, com acento pluralista: o rio Côa, que vai para o Douro, ali ao pé, a norte; o rio Bazágueda, que vai diretamente ao Tejo; e a ribeira da Meimoa que vai para o Zêzere. Está sol aberto e o pólen das flores
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Centro de Educação Ambiental da Sr.ª da Graça: Zerynthia rumina
selvagens esparge aromas no ar: «Por cá há alguma exploração de mel, de qualidade, mas podia haver mais…». Nalgumas áreas neva no inverno, quase todos os anos. Alterna com verões que costumam ser muito quentes. Nem por isso os rios secam completamente, à boa maneira mediterrânica. Ficam no leito dos rios poços cheios de água com peixe, enquanto não chega a chuva onde as lontras até nessa época conseguem alimento. Estes cursos de água são habitat do mexilhão-de-rio, Unio crassus, que nesta época está em plena reprodução. As suas larvas parasitam algumas espécies de peixe durante poucos anos, podendo ter uma vida adulta de cerca de meio século.
Nevoeiro «Vinha de lá para cá no estradão» de terra batida, lembra Francisco Campos. «Em 1989, no dia das eleições para o Parlamento Europeu, vi um lince a atravessar. Estava um dia de nevoeiro». À direita veem-se hoje pinheiros-negros, exóticos e altos, plantados para pasta de papel antes de 1981, ano em que por força de lei surge esta Reserva Natural. Nessa altura as árvores eram pequeninas:
«Isso fazia com que houvesse pasto para coelho-bravo», explica. «Lembro-me perfeitamente desse dia». Depois, «em 1991, capturou-se um lince um pouco mais a sul da reserva, uma fêmea». Mesmo assim, na verdade «não se pode dizer com rigor que agora não há lince na Malcata», diz. «Os animais selvagens não têm fronteiras». Se há habitat as espécies tendem a aparecer. Para leste, no lado espanhol da fronteira, está a serra da Gata, uma antiga e provável alusão ao lince. Furtivo, anda ali também o gato-bravo, outro felino ameaçado de extinção: «Nos anos 90 capturava-se com alguma facilidade» em
Os insetos polinizadores, como este abelhão, prestam serviço de elevada valia em matéria de produção de sementes férteis
Colmeias: as abelhas têm muita variedade de flores silvestres à sua disposição na Malcata para produzirem um mel de qualidade Libellula quadrimaculata
Endemismo ibérico: Lycaena bleusei
armadilhagem de mamíferos para estudos de fauna. O guia que ilustra esta visita explica que o lince não era um animal de montanha, «vivia antigamente nas planícies», o que ajudava a que se visse com mais facilidade. Com a instalação da agricultura em séculos anteriores, este raro felino refugiou-se onde o homem pressionava menos. Na verdade, «o lince sempre foi um animal esquivo, de difícil observação, não é por exemplo como o javali». Depois passou-se o inverso: disparou a emigração e houve o abandono dos campos dedicados à agricultura, fontes do pasto a favor dos coelhos-bravos de que se alimentavam os linces, ainda «antes das doenças surgirem». Resultado: «Agora passou-se a ter muita área de refúgio para o lince, mas poucas áreas de alimentação face à escassez de coelho-bravo». Rosto sério, Francisco assevera: «As populações de coelho-bravo nunca mais se puseram de pé depois das doenças». Refere-se à mixomatose, uma moléstia epidémica que não se conteve nas regras de laboratório e atingiu a natureza na década de 50. Como se não bastasse, passados 30
anos ataca a doença hemorrágica viral, mais grave. Hoje, «as zonas que antigamente tinham coelhos continuam a tê-los, embora em quantidade reduzida», conclui. «As reintroduções não resultaram muito bem», mas «temos alguns núcleos que estamos a tentar que se mantenham e aumentem sem intervir muito. Isto é complicado». É preferível, «em vez de chegar ao núcleo e intervir, melhorar a pastagem ao lado», completa. Para proteger e ajudar a que a população de coelho-bravo se consolide e aumente – condição essencial para restaurar a população do lince-ibérico – ao avançar para sul veem-se na paisagem mediterrânica pequenos altos entre o matagal em que domina a esteva, por fim em flor. Jara pringosa, chamam-lhes no país vizinho, nome aprimorado para uma planta designada por botânicos como Cistus ladanifer, própria de solos pobres, que não agrada nem a agricultores nem a pastores. Como ecos de uma época antiga, «nas aldeias ainda há pessoas que têm pele de lince». «Nos anos 70 apareciam alguns mortos nas
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Um dos locais emblemáticos na serra da Malcata é o miradouro dos sete concelhos: vê-se ao longe num alto a aldeia histórica de Monsanto
estradas», eventualmente estando em causa a intervenção de máquinas de grande porte no território, eles também se desorientavam e de noite eram atropelados numa ou noutra estrada.
Marca de lince Esta «é uma das maiores áreas do país que não tem qualquer população residente, está toda localizada na periferia da serra da Malcata», assinala Francisco Campos. «Dantes haveria umas 300 pessoas dentro da serra», que cultivavam as suas hortas e criavam maior variedade de habitats. Os planos de ordenamento das áreas protegidas criam restrições compreensíveis e as populações locais não apreciam o vínculo, mas com o turismo de natureza a emergir, tendem depois a utilizar o símbolo ex-líbris para configurar marcas registadas. Ao passar na aldeia da Malcata, há de saltar-lhe à vista a placa do café Lince, que apanhou o vínculo local. Marcada pela emigração, apesar de algum ruído arquitetónico, a aldeia retorma o bom gosto do traço típico das aldeias do xisto. Aqui, por cima das portas e janelas, em vez de barras de madeira como noutros sítios, usam-se traves de granito. A criação da Reserva «foi uma das
No site do ICNF encontra sugestões para os percursos
maiores lutas cívicas do país» – ela estava a ser destruída a um ritmo rápido com substituição da vegetação natural por pinheiros exóticos e eucaliptos. A Liga para a Proteção da Natureza lançou a célebre campanha Salvemos o Lince e a Serra da Malcata: «A área não foi criada com toda a dimensão que os biólogos
Ribeira da Meimoa
consideravam que seria necessária para viabilizar populações de lince». Nas vertentes viradas mais a sul aparecem medronheiros e azinheiras, sobreiros e rosmaninho, plantas do género Lavandula. Uma das aves mais coloridas da fauna ibérica é o abelharuco, que também já chegou à região para nidificar vindo de África. A caminho da Malcata viram-se meia dúzia, mas nesta Reserva Natural «ocorrem sobretudo quando há um incêndio – os insetos sobem, e eles aparecem numa algazarra enorme para se alimentarem deles».
Ilha atlântica Ao longo de Portugal há várias ilhas atlânticas. Existem em algumas zonas em direção a sul graças aos microclimas instalados e são reminiscências das glaciações de há uma dúzia de milhares de anos, quando as regiões Centro e Sul do país eram mais frias. Esses núcleos de diversidade da vida, justificam uma população de fauna inabitual por ali e naturalmente enquadrada mais para norte. É o caso dos endemismos peninsulares da rã-ibérica e do lagarto-de-água, Lacerta schreiberi, tendo este último, por exemplo, por volta de 2006 justificado atividade
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Mergulhão-de-crista a nidificar
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As práticas agrícolas tradicionais são úteis ao aumento da biodiversidade
no local de uma equipa de cientistas portugueses e estrangeiros. Este réptil de cabeça azulada e restante corpo verde existe, nessa zona, em apenas 20 quilómetros da fronteira de Portugal com Espanha. Não se vê senão uma parte do património que existe, e que cativa apreciar. Pelos caminhos, as azinheiras estão esfusiantes com flores a brotar em catadupa. A ribeira da Meimoa corre entre margens enriquecidas por amieiro e freixos. Na albufeira, próximo de Meimão, nesta época é fácil ver o mergulhão-de-crista a nidificar, situação que se repete ano após ano. Junta uma série de fragmentos de plantas em plena água a alguns metros da margem e é o suficiente para, com dedicação, criar a prole. A tímida cegonha-negra estará para fazer o mesmo em local mais elevado nas redondezas, assim como aves necrófagas, grifos e abutre-negro, na serra. Estas e algumas outras aves selvagens eram mais habituais no tempo em que as rotas da transumância deslocavam grandes
Amontoados de pedra e ramos aumentam o número de tocas, denominados marouços, para a reprodução do coelho-bravo num terreno xistoso
rebanhos de gado por vales e serras, de sul para norte nesta época e depois de norte para sul, quando o clima manda arrefecer a partir da altitude. Durante as deslocações, gado acidentado ou doente ficava para trás e os lobos faziam o seu papel, deixando restos para os abutres que, não predando, assim encontravam alimento para si e para as crias. Com vista a apoiar grifos e abutre-preto, a gestão da Reserva Natural da Serra da Malcata mantém um alimentador em
devidas condições sanitárias e vedado, ali colocando alimento. «Os grifos, fora da época de nidificação, formam bandos grandes», diz Francisco Campos. Numa visita rápida, ao chegarmos ao alimentador, já subiam no céu estas aves aproveitando colunas de ar quente. Pelo meio um ou outro corvo espreitava alguma oportunidade imprevista. Na memória de tempos idos, como em todas as zonas fronteiriças, há aventuras de contrabando. Com base numa agricultura de subsistência, um difícil jogo do gato e do rato decorria ali. Para o contrabandista, o que fazia não tinha ilegalidade; para o guarda-fiscal era ilegal, sim, sem dúvida possível. Apesar do risco iminente, os contrabandistas pulavam a cerca de muitas maneiras, com chuva, neve ou bom tempo, traçando rotas e rotinas de prudência, a rogar aos santos que afastassem a Guarda Fiscal dos seus passos. Com muito mais para ver, ao seu ritmo e na cadência das diversas estações do ano, esta Reserva Natural abre-lhe a porta a uma visita. Quem sabe se não acaba mesmo por reaparecer o lince, reintroduzido a partir do programa ibérico de reprodução ou até por processo espontâneo, e não lhe calha a si a sorte de o ver? Texto Jorge Gomes Foto João Luís Teixeira
Reserva Natural da Serra da Malcata Rua Dr. António Ribeiro Sanches, 60 Apartado 38 • 6090-587 Penamacor
Telefone (351) 277 394 467 rnsm@icnf.pt
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