Mar de Caymmi

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E S T U D O S

P A R A

MARdeCAYMMI


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E S T U D O S

P A R A

MARdeCAYMMI

MENOTE

CORDEIRO



LÁ LONGE É AZUL Menote Cordeiro entrou no mundo das cores com a prudência de quem desvenda matas e montanhas. Em suas telas, vermelhos, pretos, verdes, amarelos e brancos nasciam em todas as nuances. Mas havia uma resistência de azul. E de tal forma que ele precisou pedir ajuda. Um dia, na beira do mar, teve uma conversa séria com Iemanjá e fez com ela um trato: se conseguisse finalmente pintar em azul, ele daria 10 gravuras a 10 mães, como prova de reconhecimento pela graça recebida. Iemanjá apidou-se do artista e, em pouco tempo, os azuis invadiram suas telas. Com a promessa cumprida e as mães presenteadas, Menote foi de azul em azul construindo um mar de telas em seu caminho. E um novo horizonte surgiu, não mais margeado pela sinuosa linha dos montes, mas pela extensa reta infinita. O azul é o mar, é o céu, é Iemanjá. E também Caymmi.



COR QUE VEM DO SOM O caminho para chegar ao Mar de Caymmi passa por imagens que lembram o imaginário do compositor e poeta: o espelho de Iemanjá, as ondas e areias, os chãos de igreja, os peixes e pescadores, as rosas brancas, a estrela do marStela Maris. O mais foi música. Menote deixou que a música de Caymmi entrasse como o vento. A melodia acordou sentimentos e desejos que foram virando cores e invadiram a tela. Da trilha de sons nasceu a paleta de cores. Instalouse o mistério e a criação.


CAMINHOS DO MAR O canto vinha de longe De la do meio do mar Não era canto de gente Bonito de admirar O corpo todo estremece Muda cor do céu do luar Um dia ela ainda aparece É a rainha do mar Quem ouve desde menino Aprende a acreditar Que o vento sopra o destino Pelos caminhos do mar O pescador que conhece as historias do lugar morre de medo e vontade de encontrar Yemanja Odoiá Odoiá Rainha do mar Yemanja Odoiá Odoiá Rainha do mar



O MAR O mar quando quebra na praia É bonito, é bonito O mar... pescador quando sai Nunca sabe se volta, nem sabe se fica Quanta gente perdeu seus maridos, seus filhos nas ondas do mar. O mar quando quebra na praia É bonito, é bonito Pedro vivia da pesca, saia no barco Seis horas da tarde Só vinha na hora do sol raiá Todos gostavam de Pedro E mais do que todas Rosinha de Chica, a mais bonitinha E mais bem feitinha De todas as mocinha lá do arraiá Pedro saiu no seu barco Seis horas da tarde, passou toda a noite, não veio na hora do sol raiá Deram com o corpo de Pedro Jogado na praia, roído de peixe Sem barco sem nada Num canto bem longe lá do arraiá Pobre Rosinha de Chica que era bonita, agora parece que endoideceu. Vive na beira da praia olhando pras ondas, andando rondando Dizendo baixinho Morreu, morreu, morreu, oh...



PROMESSA DE PESCADOR Alodé Iemanjá odoiá! Alodé Iemanjá odoiá! Senhora que é das águas Tome conta de meu filho Que eu também já fui do mar Hoje tou velho acabado Nem no remo sei pegar... Tome conta de meu filho Que eu também já fui do mar Alodé Iemanjá odoiá! Alodé Iemanjá odoiá! Quando chegar o seu dia Pescador véio promete Pescador vai lhe levar Um presente bem bonito Para dona Iemanjá... Filho seu é quem carrega Desde terra inté o mar Alodé Iemanjá odoiá! Alodé Iemanjá odoiá!



É DOCE MORRER NO MAR É doce morrer no mar Nas ondas verdes do mar É doce morrer no mar Nas ondas verdes do mar A noite que ele não veio foi Foi de tristeza prá mim Saveiro voltou sozinho Triste noite foi prá mim É doce morrer... (2x) Saveiro partiu de noite foi Madrugada não voltou O marinheiro bonito Sereia do mar levou É doce morrer... (2x) Nas ondas verdes do mar meu bem Ele se foi afogar Fez sua cama de noivo No colo de Iemanjá É doce morrer... (2x)



O BEM DO MAR O pescador tem dois amor Um bem na terra, um bem no mar O bem de terra é aquela que fica Na beira da praia quando a gente sai O bem de terra é aquela que chora Mas faz que não chora quando a gente sai O bem do mar é o mar, é o mar Que carrega com a gente Pra gente pescar



CANOEIRO Louvado seja Deus ó meu Pai Louvado seja Deus ó meu Pai Ô canoeiro bota a rede Bota a rede no mar Ô canoeiro bota a rede no mar Cerca o peixe Bate o remo Puxa a corda Colhe a rede Ô canoeiro puxa a rede do mar Vai ter presente pra Chiquinha Vai ter presente pra Yayá Canoeiro puxa a rede do mar Yayá me dá teu remo Teu remo pra mim remar O remo caiu quebrou-se mana Lá em alto mar



QUEM VEM PRA BEIRA DO MAR Quem vem pra beira do mar, ai Nunca mais quer voltar, ai Quem vem pra beira do mar, ai Nunca mais quer voltar Andei por andar, andei E todo caminho deu no mar Andei pelo mar, andei Nas águas de Dona Janaína A onda do mar leva A onda do mar traz Quem vem pra beira da praia, meu bem Não volta nunca mais



SUÍTE DO PESCADOR Minha jangada vai sair pro mar Vou trabalhar, meu bem querer Se Deus quiser quando eu voltar do mar Um peixe bom eu vou trazer Meus companheiros também vão voltar E a Deus do céu vamos agradecer Adeus, adeus Pescador não se esqueça de mim Vou rezar pra ter bom tempo, meu bem Pra não ter tempo ruim Vou fazer sua caminha macia Perfumada com alecrim



O VENTO Vamos chamar o vento Vamos chamar o vento Vento que dá na vela Vela que leva o barco Barco que leva a gente Gente que leva o peixe Peixe que dá dinheiro, Curimã Curimã Curimã Curimã Curimã Curimã Curimã

ê, Curimã lambaio ê, Curimã lambaio ê, Curimã lambaio ê, Curimã lambaio

Vamos chamar o vento Vamos chamar o vento Vento que dá na vela Vento que vira o barco Barco que leva a gente Gente que leva o peixe Peixe que dá dinheiro, Curimã Vamos chamar o vento Vamos chamar o vento



DOIS DE FEVEREIRO Dia dois de fevereiro Dia de festa no mar Eu quero ser o primeiro A saudar Iemanjá Dia dois de fevereiro Dia de festa no mar Eu quero ser o primeiro A saudar Iemanjá Escrevi um bilhete a ela Pedindo pra ela me ajudar Ela então me respondeu Que eu tivesse paciência de esperar O presente que eu mandei pra ela De cravos e rosas vingou Chegou, chegou, chegou Afinal que o dia dela chegou Chegou, chegou, chegou Afinal que o dia dela chegou














... Quem ouve desde menino Aprende a acreditar Que o vento sopra o destino Pelos caminhos do mar ...



DO RIO PARA O MAR MENINO DAS ÁGUAS, MENINO DAS TINTAS Menote Cordeiro foi um daqueles meninos banhados de rio. Na cidade onde nasceu, Janaúba, norte de Minas, passava o Rio Gorutuba, subafluente do São Francisco. Ali parecia que a infância era também feita das pedrinhas do rio e dos peixes - piabas -, que Menote nunca conseguiu pegar. Talvez nem quisesse: só olhar o brilho deles furando as águas já era tão bom, eram pincéis se movendo e despertando no menino o fascínio das cores multiplicadas pela luminescência das águas. É verdade, os peixes não foram pescados, mas hoje habitam inúmeros quadros do artista, saídos do mais fundo de sua história. O menino Menote originou um adolescente que passava horas dos seus dias colorindo com lápis de cor. Do papel para a tela foi um pulo, e Menote desvendou por seu próprio esforço e curiosidade os segredos da tinta a óleo. Foi assim que, aos 18 anos, montou sua primeira exposição, composta de 10 quadros óleo sobre tela. Mas a história continua. Sem renunciar à sua paixão pelo óleo, descobriu na aquarela o surpreendente domínio do tempo da água. Um tempo em que mergulhou na criação de identidades visuais para vários projetos culturais, já trabalhando em Belo Horizonte. Novas influências, múltiplas referências e outras linguagens vieram desaguar nas mãos do artista. Um grande parceiro surgiu: o computador. Mesmo encantado pela precisão dessa novidade, Menote nunca abandonou o instinto que rege o desenho à mão livre. Agora, é com uma caneta óptica que o artista desenha, pinta, colore, executa sua arte e expressa seu fascínio pelos peixes, rios, árvores, mar e música, sempre aberto à busca e descoberta de novas linguagens, materiais e técnicas.



DIVINAMENTOS, PEIXES E CALENDAS Arte e espiritualidade caminham juntas na obra de vários artistas desde o começo dos tempos. E com Menote Cordeiro não é diferente. A primeira referência da fé de Menote foi o chão da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Janaúba. Ele diz que não entendia o que o padre falava e preferia se deleitar com o desenho dos azulejos do piso. Filho de mãe católica, Menote sempre reconheceu nas imagens dos santos e santas um canal de elevação. Em sua trajetória artística, figuram como primeiras epifanias a série "Imaculado Coração de Nossa Senhora de Janaúba", "Nossa Senhora das Boas Lembranças" e "Nossa Senhora do Rosário e eu". É o divinamento da imagem da mãe de família mesclada com a própria terra natal - Janaúba. Por outro lado, o tempo também se configura como um tema recorrente. Para Menote Cordeiro, tentar capturar a alma dos dias é uma forma de peregrinar pelo calendário com olhar novo, de novo, celebrando assim, de alguma maneira, a fugacidade do tempo: se o tempo passa, vamos celebrá-lo com imagens que o eternizam - calendas do nunca mais. Da mesma forma, o peixe é um tema sempre renovado nos quadros de Menote. É a água onipresente, pois peixe e água se misturam, inseparáveis. O rio volta a correr, as águas viram mar: e lá estão os peixes outra vez, como se passassem de um quadro para o outro, nadando em um curso líquido ininterrupto - o inconsciente. É desse inconsciente que surge também o tema das árvores. Como Menote costuma dizer, "as árvores e seu incansável desejo de estabelecer contatos". É o silêncio das raízes debaixo da terra, evocando nossa ligação com um tempo de memória e, por outro lado, são os galhos voltados para o alto buscando o sempre novo, a eternidade.


MENOTE CORDEIRO


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