ACHEGAS PARA O PATRIMÔNIO CULTURAL:
uma viagem pela história de Planaltina
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O Patrimônio Cultural é uma excelente fonte de deleite, fruição, apreciação, encanto e criatividade. Assim, nada mais interessante do que conhecer os bens que são referências culturais de sua cidade, região e país. A cartilha “Achegas para o Patrimônio Cultural: uma viagem pela história de Planaltina” surgiu com este objetivo: divulgar o Patrimônio Cultural da centenária cidade.
É fruto do trabalho da Associação dos Amigos do Centro Histórico de Planaltina-DFAACHP , fundada em 2006 com a finalidade de preservar o Patrimônio Cultural de Planaltina, que desde o começo notou a ausência de informações que pudessem fazer com que, através da Educação Patrimonial, a comunidade se apropriasse desse patrimônio, pensando em, desde os momentos escolares, já se iniciasse a importância da preservação.
Traçando um panorama histórico da cidade, desde o Arraial de São Sebastião de Mestre D’Armas que a deu vida até o desenvolvimento da estrutura urbanizada, é apresentado também uma visão geral dos bens que compõem a centenária tradição cultural da região, além de convidar o leitor a desenvolver seu papel de ator do processo de preservação.
Assim, venha fazer parte da história da cidade. Chegue, reflita e viaje por este relevante material, que é um ponto de partida para o maravilhoso universo da cultura.
Aproveite!
A construção da Capital Federal, concluída em 1960, representou um marco na história moderna da nação. Contudo, ao considerarmos todas as cidades do Distrito Federal, encontramos lugares com histórias riquíssimas e anteriores a este fato. Planaltina é exemplo disso. Trata-se da Região Administrativa mais antiga do Distrito Federal. Dito isso, vamos viajar pelas veredas da história desta cidade. O desenvolvimento da maioria das cidades no interior do Brasil está relacionado diretamente às viagens exploratórias dos Bandeirantes, à busca por ouro, e por consequência há o surgimento dos vilarejos e fazendas, que na região de “Goiaz” ocorreu a partir de fins do século XVII e início do século XVIII. Mas antes disso, o interior do Brasil tinha como habitantes diversos povos indígenas dos grupos Macro-Jê, além das tribos dos Caiapós, Carajás, Goiá, Xacriabás, Xavantes, Xerentes.
Para as explorações dos Bandeirantes e escoamento dos produtos da mineração, diversas estradas foram sendo construídas. E era nas proximidades de uma dessas estradas,
de Janeiro, a capital do Brasil, e passava pelo Arraial dos Couros (Formosa), onde encontravase a região de Mestre d’Armas.
A tradição oral da cidade remete a origem do nome a um profissional que trabalhava com ferro e outros metais, um Mestre das Armas que provavelmente era dono de algum terreno nestas proximidades. Outra referência à região é feita em mapa de época a uma corrente de água: o “Ribeirão do Mestre d’Armas”.
Mas a primeira menção documental ao “Mestre d’Armas encontra-se na Carta do Ouvidor Geral de Goiás, Antônio Sotomaior ao Rei de Portugal, D. José, de 30 de abril de 1758. Esta referia-se a um sítio chamado Mestre de Armas. Confira o trecho do texto no original:
Assim, podemos identificar as raízes míticas do nome Mestre d’Armas tendo como base a localidade do ferreiro; o ribeirão e ou o sítio, não tendo necessidade de determinar a “correta” origem, uma vez que o mais interessante são as possibilidades e a riqueza de histórias e origens diferentes relacionados ao nome e que, por extensão, passou a nomear a região como um todo. Já a semente da futura cidade de Planaltina
pode ser encontrada no desenvolvimento do Arraial de Mestre d’armas.
Segundo historiadores, a região Mestre d’Armas era ocupada por diversas fazendas originárias das sesmarias1 , onde a população produzia alimentos para o próprio sustento, além da criação de gado e aves. Por volta de 1810-11, os habitantes desse território sofreram com uma grave epidemia. Foi então que resolveram fazer uma promessa a São Sebastião, caso a comunidade se visse livre da doença, doariam ao santo uma porção territorial para construção de uma capela em sua devoção. Assim, em 20 de janeiro de 1811, os moradores celebram a missa de ação de graças e cumprem a promessa doando-se o terreno.
Depois de construída, a Capela de São Sebastião tornou-se um espaço de agregação dos habitantes das fazendas, que se localizavam distantes umas das outras. Eram nas festas, sacramentos e enterros onde os moradores se reuniam. O que passou a determinar, com o decorrer do tempo, a necessidade de construção de ambientes para acolher as pessoas que frequentavam tais celebrações. Tem-se assim o embrião do Arraial de São Sebastião de Mestre d’Armas, futura cidade de Planaltina.
Com o desenvolvimento desse núcleo populacional, em 19 de agosto de 1859 é criado o Distrito de Paz de Mestre d’Armas pertencente ao município de Formosa da Imperatriz. Já em 19 de março de 1891 o Distrito
1 Sesmarias
Porções de terras doadas aos agricultores e mineradores, visando o desenvolvimento de povoamentos e uso da terra por donos de capitanias ou autoridades da Coroa Portuguesa.
de Mestre d’Armas torna-se um município. São construídas as primeiras escolas, o chamado espaço para “Aula de Primeiras Letras”, a Cadeia Pública e os espaços administrativos do novo município, os Cartórios Imobiliários e de Órfãos, de Registro Civil de Nascimento e Óbitos.
Em 1892, a cidade recebe a Comissão Exploradora do Planalto Central, a Missão Cruls, encarregada de demarcar o quadrilátero de 14.400m² onde seria instalada a futura Capital do Brasil. Bem como, em 1946, recebe o segundo grupo de estudiosos, a conhecida Comissão Poli Coelho, que ratifica o espaço demarcado pela comissão anterior.
No período de fins do século XIX e início do século XX, a cidade vai adquirindo características mais urbanas. São construídas pontes, estruturas para canalização de água. A partir de 1920, a Vila recebe energia elétrica e são realizadas obras de infraestrutura, como a construção de estradas, ruas e praças.
Finalmente, em 1938, a Vila de Mestre d’Armas é elevada à categoria de cidade. E, posteriormente, com a inauguração da nova Capital, Planaltina passa a fazer parte do território do Distrito Federal, recebendo assim, modificações e alterações estruturais, culminando hoje na existência de diversos bairros, que formam a cidade.
Diante das veredas da história da cidade já vista, a construção da capela de São Sebastião, as primeiras casas em adobe, as praças, além dos festejos e celebrações que estão presentes desde a origem do Arraial
Mestre d’Armas revelam a importância da preservação desse Patrimônio Cultural, testemunho da história, dos que já passaram
pela cidade, enfim, elementos que ainda hoje são locais de convívio, de contemplação, de saber e dinamicidade.
Inauguração do trecho da BR 44 entre Sobradinho e Planaltina
Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL
Obras de pavimentação em Planaltina-DF
Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL
Museu Historico Planaltina-DF em 1987
Foto: Rodolfo Stuckert
Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL
30 DE ABRIL DE 1758
Data da carta contendo a mais antiga referência a “Mestre d’Armas”
20 DE JANEIRO DE 1811
Missa de ação de graças e entrega das terras prometidas ao vigário de Santa Luzia, a semente do futuro
Arraial de Mestre d’Armas
19 DE AGOSTO DE 1859
Criação do Distrito de Paz de Mestre d’Armas – Data
Oficial de criação da cidade
19 DE MARÇO DE 1891
O Distrito de Paz de Mestre d’Armas
torna-se município –A Vila Mestre d’Armas
1892
Nomeada a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil –Missão Cruls
1910
A Vila Mestre d’Armas tem seu nome alterado para Vila de Alta-Mir
1917
A Vila de Alta-Mir
torna-se Vila de Panaltina
1922
Lançamento da Pedra Fundamental da Capital do Brasil
1938
A Vila de Planaltina é elevada a Cidade Planaltina
1946
Nomeada a Comissão de Estudos para Localização da Nova Capital do Brasil – Comissão Poli Coelho
21 DE ABRIL DE 1960
Inauguração da Capital Federal: Brasília e Planaltina passa a fazer parte oficial-mente do Distrito Federal
Antes de conhecermos as manifestações culturais mais importantes de Planaltina, vejamos algumas ideias relevantes em relação ao que seja o Patrimônio Cultural.
A Constituição Federal de 1988 nos apresenta um conceito bastante interessante de Patrimônio Cultural.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticoculturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Assim, podemos identificar o Patrimônio Cultural de determinada comunidade não só por meio de suas manifestações materiais, como as Igrejas, museus, monumentos, mas também, através das tradições que se apresentam de maneira intangível, nos modos de ser, fazer, celebrar de determinado local.
Dito isso, vamos conhecer o Patrimônio da cidade mais antiga do Distrito Federal?!
Registrada como Patrimônio Cultural Imaterial do Distrito Federal em 2013, a Festa do Divido Espirito Santo é comemorada desde meados do século XIX. Seus cantos, folias, rezas e danças foram trazidos pelos bandeirantes para o centro do país e há registros em Portugal de sua comemoração desde o século XIV. Além disso, a Festa reúne os moradores nas praças da cidade, onde ocorrem brincadeiras, apresentações musicais, danças e comida tradicionais.
Realizada na Semana Santa, a Via Sacra, que apresenta a morte e ressurreição de Jesus Cristo, é encenada no Morro da Capelinha. Esta ocorre desde 1973 e recebe um público de milhares de pessoas. Em 2008, por meio do Decreto nº 28.870, a Via Sacra foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial do Distrito Federal.
Determinada pela Constituição da República, a transferência da Capital Federal para o interior do Brasil foi concluída em 1960. Antes disso, dentre as celebrações do Centenário da Independência do Brasil em 7 de setembro de 1922, houve o lançamento da Pedra Fundamental da futura Capital, um obelisco com base piramidal e 3,75 metros de altura. Esta foi instalada, por ordem do então Presidente Epitácio Pessoa no Morro do Centenário. Em 1982, a Pedra Fundamental foi tombada por meio do Decreto 7.010.
Localizada na Praça São Sebastião, a primeira Igreja da cidade foi principal lugar de formação e construção que culminou com o desenvolvimento da cidade de Planaltina. Construída em adobe, a construção de pé direito duplo possui um pavimento complementado por um mezanino, além de duas entradas. A “Igrejinha” foi sede Paroquial até a construção da nova Igreja Matriz. Suas estruturas já passaram por diversos processos de restauração. Foi tombada pelo Decreto nº 6.940 de 19 de fevereiro de 1982.
O Vale do Amanhecer é sede da Ordem Espiritualista Cristã. Criada em 1964 por Neiva Telaya – a Tia Neiva e Mário Sassi, a Ordem tem como objetivo a prática do espiritismo cristão, com elementos sincréticos de origem afro-brasileira e o kardecismo.
Mais conhecida pelos moradores como “Praça do Museu”, a Praça Salviano Monteiro é ponto de encontro de moradores de todas as idades, recebe diversos eventos culturais e abriga o Museu Histórico e Artístico de Planaltina, o Casarão Azul, o Hotel Casarão, o Casarão da Dona Morena - Casa dos Idosos, o Casarão da Dona Nilda, o antigo Colégio Franciscano Irmã Maria Assunta, bem como alguns bares e restaurantes. Além disso, o espaço da pracinha é considerado área de tutela do bem tombado que é o Museu, devendo portanto ser preservado.
Construído em estilo colonial rústico em 1905, o edifício que abriga o Museus Histórico e Artístico de Planaltina foi em princípio residência de Afonso Coelho Silva Campos. Seu acervo é composto de mobiliário de época e em suas dependências são realizadas diversas atividades culturais, como exposições artísticas, saraus, teatro, sessões de cinema. O tombamento do edifício foi firmado pelo Decreto nº 6939 de 19 de agosto de 1982.
FOTO FESTA DO DIVINO
FOTO VIA SACRA
Arquivo Público do Distrito Federal
FOTO PEDRA FUNDAMENTAL
Thiado de Toledo
FOTO IGREJA SÃO SEBASTIÃO
Thiado de Toledo
FOTO VALE DO AMANHECER
Arquivo Público do Distrito Federal
FOTO MUSEU HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PLANALTINA
Thiado de Toledo
O Patrimônio Cultural está diretamente relacionado aos habitantes de determinada localidade. Ele faz referência à memória, história e identidade dos diversos grupos sociais que passaram, vivem ou habitaram a cidade, o estado ou país. Trata-se de bens materiais ou imateriais que interligam gerações, possibilitam a fruição, contemplação, mistério, curiosidade, sentimentos. Daí a relevância de trabalhar por sua preservação.
Atualmente existem vários instrumentos oficiais de preservação/ salvaguarda do Patrimônio Cultural instituídos pelo Estado brasileiro, dentre eles o tombamento 2 e o registro 3 . Mas sabemos que os governantes por si só não podem fazer tudo. Portanto, vamos fazer nossa parte!
2 Tombamento Instituído, em âmbito federal, pelo Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937, trata-se de um instrumento de reconhecimento e proteção do patrimônio cultural, principalmente bens móveis e imóveis que possuam vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, ou detenham excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
3 Registro
Instrumento de preservação, reconhecimento e valorização do patrimônio cultural imaterial brasileiro aplicado às categorias de patrimônio tais como celebrações, lugares, formas de expressão e saberes. Instituído pelo Decreto nº 3.551 de 2000.
Segundo a Constituição Federal no artigo 216:
§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
Assim, como determina a nossa Carta Magna, cabe a todo cidadão zelar pela preservação do Patrimônio Cultural ao qual está envolvido. Você já conheceu a história da cidade, bem como as várias faces do Patrimônio Planaltinense.
Então, vamos colaborar com a sua manutenção para as futuras gerações?
Formas de contribuição cidadã:
• Fiscalizando as ações ou a inatividade governamental e denunciando os descaso e vandalismos relacionados aos patrimônios da comunidade;
• Conscientizando familiares e amigos sobre a necessidade de preservação do patrimônio;
• Valorizando e participando dos eventos relacionados ao patrimônio, oportunizando sua continuidade e dinamicidade.
OLIVEIRA, Ederson Gomes de. Patrimônio Histórico e Cultural de Planaltina (DF): memória e identidade social. Jundiaí, Paco Editorial: 2015.
GDF. Patrimônio nas ruas. Brasília: Secretaria de Estado de Cultura do Distrito Federal, Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico, 2002.
SILVA, Elias Monoel. De Mestre d’Armas a Planaltina: reflexão histórico-crítica sobre a fundação da cidade.
REALIZAÇÃO
Associação dos Amigos do Centro
Histórico de Planaltina
TEXTO
Raniel Fernandes
DESIGN GRÁFICO
Michele Braga
COLABORADORES
Leonio Matos
Simone dos Santos Macedo
AGRADECIMENTO
Arquivo Público do Distrito Federal