3D&T - A Simplicidade em Prol da Jogabilidade

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3D&T – A simplicidade em prol da jogabilidade Michelle Campos Sesterrem Feevale – RS Resumo O RPG, ou Role Playing Game, é um dos jogos mais diversificados em termos de linguagens, técnicas e narrativas, onde o objetivo principal é o entretenimento. Neste cenário surgiu em 1998 o sistema 3D&T – Defensores de Tóquio 3ª Edição, através do qual se fará uma análise comparativa da mecânica de jogo em relação a outros sistemas de RPG, como D&D – Dungeons e Dragons, por exemplo. A partir daí é possível evidenciar, ou não, a simplicidade do sistema como fator que colabora para uma jogabilidade mais descontraída e contribui para um ritmo de eventos mais acelerado, ou seja, com uma sistemática mais simples é possível aos jogadores focarem em outros aspectos como interpretação e ações – interatividade, cumprindo sua missão de entreter com maior eficácia.

Uma metodologia de games A cada ano os games adquirem, dentro da indústria do entretenimento, uma relevância impossível de ser ignorada. Somente o segmento de jogos eletrônicos mundial ultrapassou o faturamento do cinema em 2003 e tem previsão de crescimento de 20% ao ano. Diante deste cenário estabeleceu-se a necessidade de uma metodologia de análise dos games para as pesquisas de comunicação. Embora a proposta de Callois (Agon, Ilinx, Mimicry e Alea) em Os Jogos e os Homens seja muito benéfica para se entender a natureza dos jogos, ela se


torna genérica em demasia, deixando a desejar do ponto de vista da comunicação. No artigo Uma Tipologia dos Games o Grupo de Comunicação e Cultura da Feevale / RS a partir da pesquisa “Games: mercado da comunicação?”, propõe esta análise baseada em três dimensões: narrativa, interface e tecnologia.

“Tais dimensões dão conta dos discursos dos games no que diz respeito aos seus aspectos narrativos. [...] Da mesma forma, é através desse equilíbrio que podemos ver as diferenças e semelhanças que se apresentam entre seus próprios produtos e que são a base dos esforços para obtenção de uma tipologia dos games.”

A metodologia de análise aqui utilizada também trás a vantagem de articular narratologia e ludologia (apontadas de certa forma por Callois nos conceitos de paidia e ludus), trazendo riqueza às discussões sobre games.

Defensores de Tóquio e a Tormenta 3D&T, ou Defensores de Tóquio, é um sistema simples de RPG (role playing games) que satiriza os animes, mangas e séries japonesas. Foi criado em 1998 por Marcelo Cassaro, antigo editor executivo da revista Dragão Brasil, com o objetivo de apresentar o RPG para iniciantes ou para pessoas que não podem gastar muito (como exemplo o Manual do Jogador de Dungeons & Dragons custa R$82,00, enquanto o Manual do Aventureiro de 3D&T custa R$11,90).


O jogador tem 12 pontos e com eles define as características de seu personagem, além de comprar vantagens e perícias. A facilidade para criação de personagem e o preço acessível fez desse um jogo popular no Brasil. Atualmente é possível observar adeptos ao 3D&T que abandonam outros sistemas mais complexos, como D&D (Dungeons & Dragons), Vampiro e Trevas para se dedicar exclusivamente aos Defensores de Tóquio. Outros começam a jogar RPG com o 3D&T e depois migram para diferentes sistemas, o que traz o jogo para as duas pontas: iniciantes e avançados. Tormenta é o nome de um cenário do jogo publicado pela Editora Jambô. A Tormenta é um fenômeno que consiste em uma tempestade de nuvens rubras, trazendo chuvas de sangue ácido e dispersando gases sufocantes, que chegam repentinamente e causam danos irreversíveis. A vida dentro de uma área de Tormenta é praticamente inexistente, exceto pelos estranhos monstros chamados “demônios da Tormenta” que lá vivem. Assola pontos específicos do mundo de Arton.

Narrativa Um RPG, ou Role Playing Game (Jogo de Interpretação de Papéis), que é o caso de 3D&T, é um jogo de estratégia e imaginação, em que os jogadores interpretam diferentes personagens em diferentes mundos - vivendo aventuras e superando desafios. O mestre, também chamado de Narrador, descreve a atmosfera da aventura aos jogadores, que interagem conforme seu personagem. Antes de começar a jogar com um grupo (primeira sessão) é necessário que o jogador crie a história do seu personagem: onde ele nasceu, qual a sua


raça, em quê ele é bom, quem são seus pais, que quais duas crenças, quem são seus aliados e porque, quem são seus inimigos e porque. É necessário criar a narrativa do personagem que irá iniciar no jogo para que os outros personagens saibam quem ele é, como agir com ele, se é confiável, ou seja, como interagir no decorrer da história. Essa é uma regra de ouro para todos os RPGs, também chamada de background do personagem. Defensores de Tóquio possui um mundo medieval peculiar: Arton. O Nada e o Vazio se uniram para gerar Arton e os vinte deuses maiores que forma o chamado Panteão. Cada deus possui uma característica marcante, que faz com que os habitantes de Arton sigam determinado deus. Alguns exemplos são: Allihanna a deusa da natureza, dos animais, dos druidas e dos povos bárbaros, Keenn o deus da guerra e da destruição, Khalmyr o deus da justiça, da ordem, dos anões, dos paladinos e dos cavaleiros, Lena a deusa da vida, Marah a deusa da paz, Valkaria a deusa da ambição, das aventuras e dos humanos.

O Reinado é o conjunto geopolítico de 27 reinos de Arton, governado pelo Rei Thormy, cuja capital é Valkaria e a moeda oficial é o Tibar. Assim como os deuses, cada reino características, como por exemplo Lomatubar, “o reino da Praga Coral”, Tapista, “o reino dos minotauros” ou Salistick, o “reino sem deuses”. Enquanto em Defensores de Tóquio se passa em Arton, um mundo politeísta onde existem inúmeras raças e classes, Trevas é ambientado na realidade do nosso mundo atual misturando fatos históricos com ficção, onde duas raças (mundanos e místicos) e inúmeras classes travam uma luta entre a


luz e as trevas. Já Dungeons & Dragons é um jogo cuja temática gira em torno da fantasia medieval em cenários como como Dragonlance, Forgotten Realms, Mystara, Ravenloft, Dark Sun, Greyhawk, Luminair, entre outros. Todas essa caracterização dos universos de 3D&T, Trevas e Dungeons & Dragons diz respeito a dimensão da narrativa, porém a narrativa de um jogo deste sistema é muito maior. Estão apresentados aqui os paradigmas que dão base para a história de Defensores de Tóquio, mas a narrativa depende da interatividade do mestre e dos jogadores. O mestre dá os cursos da narrativa baseados nos paradigmas e os jogadores possuem livre arbítrio. Podem ir para onde quiserem, quando quiserem e fazer qualquer coisa, até mesmo tomar uma decisão tola como matar um amigo do próprio grupo. Todos sabem quais são seus objetivos principais, porém existe um longo caminho para chegar ao almejado.

“Mas esses objetivos principais raramente são o ponto de foco central do jogado, porque a maior parte do jogo é consumida ao solucionar problemas menores que estão no caminho para se alcançar uma das metas primordiais.” (Johnson, p.41, 2005)

A história em Defensores de Tóquio não tem fim. O jogo é dividido em sessões que duram algumas horas. Dentro das sessões acontecem as aventuras e as campanhas (uma campanha de RPG é formada por diversas aventuras interligadas), que podem durar várias sessões. Existem também os eventos chamados de crossover, onde o mestre que narra para vários grupos diferentes faz uma grande sessão com todos os grupos, ou seja, antes do evento ele precisa direcionar a história de todos os grupos para um mesmo norte e quando o crossover acontece todas as histórias


precisam ter um gancho pronto para ligar os grupos e juntar a narrativa numa mesma história. Após o evento os grupos voltam a se separar e a seguir suas próprias “vidas”. Não há limites na narrativa de 3D&T.

Interface

O essencial é ter uma ou mais pessoas para jogar sendo uma delas o mestre. Para montar um personagem você precisa de uma ficha. Tem-se 12 pontos para “comprar” os atributos, as vantagens, desvantagens e perícias. As características são os números que dizem como é seu personagem, elas variam de 0 a 5, quanto maior melhor. São divididas em: Força, Habilidade, Resistência, Armadura e Poder de Fogo, e aparecem abreviadas (F, H, R, A e PdF, respectivamente). Todos os personagens também possuem vantagens, desvantagens, perícias. Para se definir os valores das habilidades em Dungeons & Dragons, que são força, destreza, constituição, inteligência, sabedoria e carisma, é preciso jogar quatro dados de seis faces, desprezar o menos resultado e somar os outros três. Isso vai gerar um valor entre três e dezoito.

“Faça essa jogada seis vezes, anotando os resultados em um pedaço de papel. Quando tiver seis valores, distribua-os entre as habilidades. Nesse momento, você deve imaginar que tipo de pessoa seu personagem será, incluindo a raça e classe, definindo assim a melhor forma para distribuir esses valores. Lembre-se que qualquer raça diferente de humano ou meio-elfo altera alguns valores (veja Tabela 2-1: Ajustes das Habilidades por Raça” (Cook, p.7, 2001)


Existem apenas sete raças em Dungeons & Dragons (humano, anão, elfo, gnomo, meio-elfo, meio-orc e halfling), das quais cinco precisarão ser reajustadas pela Tabela 2-1: Ajustes das Habilidades por Raça após realizar todo o ritual acima citado. Em Trevas existirem apenas duas raças (mundanos e místicos), apesar de haverem cerca de 60 classes principais, em D&D as sete raças podem ser utilizadas em 11 classes ou em um personagem multiclasse. 3D&T tem a vantagem de ter muitas raças, como em D&D (porém em número muito maior) e a vantagem de ter muitas classes como em Trevas (também em número maior). Defensores de Tóquio tem um leque de opções muito amplo, enriquecendo tanto para interface, quanto para a narrativa. Se o RPG escolhido for Trevas os atributos serão divididos em dois grupos, os atributos físicos: constituição, força, destreza, agilidade; e os atributos mentais: inteligência, força de vontade, carisma e percepção, ou seja, em 3D&T são cinco, em D&D são seis e em Trevas são oito. A pontuação a ser distribuída para os atributos de Trevas varia de acordo com o tipo de campanha. Tendo a campanha escolhida basta fazer um cálculo:

“Os Atributos e Perícias seguem uma curva exponencial de fórumla Y=Kx2^(Atributo/6) onde K é o fator de conversão do Atributo e Y sua capacidade de realização. Isto significa, na prática, que os valores de Atributo DOBRAM a cada seis unidades (1D). Um Personagem que possua FR 17 tem o dobro da Força que um Personagem que possua FR 11 e assim por diante.” (Debbio, p.37, 2001)

Enquanto em Defensores de Tóquio as características sempre serão doze pontos divididos livremente, em D&D e Trevas é preciso fazer cálculos e consultar tabelas, o que torna o jogo mais demorado e complexo.


Os pontos de vida são a energia vital de seu personagem, ela é determinada pela sua Resistência, cada ponto de resistência equivale a 1D6 PVs, mas se preferir pode ser que cada ponto de Resistência seja 5 PVs, quando você chega a 0 (zero) Pontos de Vida você esta inconsciente ou desmaiado, qualquer dano contra você será mortal. Em 3D&T é difícil morrer e caso isso aconteça você ainda tem a chance de ser ressuscitado. Em RPGs, há regras que formam o sistema, podem ser poucas ou muitas depende do mestre e dos jogadores. Em 3D&T, existem poucas regras, mas o mestre tem a liberdade de inventar novas dependendo da necessidade do grupo. Jogos de RPG, quase sempre usam dados especiais multifacetados (com 4, 6, 8, 10, 12 ou 20 lados), mas em 3D&T usa-se apenas o dado de seis faces. Só é necessário um tipo de dado, porém dependendo do tipo de ataque ou defesa do seu personagem pode-se usar ao mesmo tempo vários D6 somados uns aos outros e muitas vezes com uma pontuação extra (bônus) ou a menos (penalização). Em certas situações, quando o jogador diz que vai fazer algo ele precisa fazer um teste lançando o dado e comparando o resultado com o atributo que o mestre achou melhor para fazer este teste, se sair um resultado menor ou igual você passou. O sistema de batalha é bem simples. Divide-se em sete etapas: iniciativa, ataque, dano, defesa, avaliação de dano, pontos de vida e retaliação. Também existem algumas regras opcionais de combate para situações de fuga, ataque combinado (combo), esquiva, múltiplos alvos e combate gigante


(quando lutam personagens do mesmo tamanho nada muda, mas quando um gigante luta contra uma pessoa normal algumas regras mudam).

Estatuto tecnológico

Para jogar 3D&T, é necessário ter de dois a seis dados de seis lados e dos livros: Manual 3d&t Turbinado, Manual dos Monstros, onde estão as características dos monstros e de suas respectivas fichas. Estes são os livros básicos, os jogadores podem ainda adquirir outros livros que não são essenciais, mas enriquecem a experiência do jogo. Como exemplos desses livros opcionais têm os livros O Reinado; que são os três livros que descrevem as localizações, história e costumes das cidades de Arton, ou o Manual do Aventureiro, que descreve centenas de arquétipos de personagens para os jogadores. Às vezes, algumas miniaturas são usadas no lugar dos personagens quando for representar algum evento aonde a localização de cada um é importante. Tanto Dungeons & Dragons quanto Trevas se utilizam da mesma tecnologia que 3D&T. O sistema de RPG Defensores de Tóquio é dotado de mecanismos de jogo de tecnologia baseada em ferramentas extremamente simples: livros, fichas e dados. Independe de computadores, realidade virtual ou qualquer máquina. Os conhecimentos são baseados em literatura e vivência, o que não o torna menos rico ou detalhista.


Considerações finais

O RPG é um jogo pouco convencional. Em um teatro, os atores recebem seu script, o conjunto de suas ações, gestos e falas, com tudo o que seus personagem devem saber. Você interpreta um personagem de ficção, seguindo o enredo definido em um roteiro. Num jogo de estratégia, por outro lado, você está seguindo um conjunto de regras aonde, para vencer, você precisa vencer desafios impostos por seus adversários. Cada partida é única, já que é impossível prever seus movimentos durante o jogo. No RPG, esses dois universos se unem através de sistemas de tecnologia simples firmada basicamente em livros, papel e caneta. Existem muitos tipos diferentes de RPGs, e cada um possui as suas próprias regras, como evidenciado nos jogos aqui analisados: 3D&T, Trevas e Dungeons & Dragons. Essas regras demonstram a indissolubilidade das dimensões tecnologia, interface e narrativa. Neste caso a tecnologia simplista dá espaço para o desenvolvimento amplo da narrativa e interface, em especial para a narrativa, com o principal objetivo no entretenimento, como em todos os games. A interface apresentada nos três jogos demonstra regras mais simples e claras em Defensores de Tóquio do que em D&D e Trevas, evitando cálculos, tabelas e exceções. O fato dessa interface mais simplificada acaba dando mais liberdade na narrativa, mesmo havendo paradigmas de mundos, deuses, raças,


classes, etc. Esses paradigmas se mostram necessários para dar um rumo inicial à história e parametrizar a narrativa, afim de ampliar o entretenimento. A jogabilidade aumenta com uma interface mais simples, dando mais espaço para a narrativa se desenvolver pela imaginação e criatividade do jogador. Mesmo com uma tecnologia simples é possível obter divertimento através da narrativa e interface. O entretenimento, a diversão do jogador se dá pelo poder que os jogos têm de cativar explorando o conjunto de circuito de recompensa natural do cérebro, que gira em torno da dopamina, ou seja, quanto mais simples o sistema de regras do RPG, menos tempo o jogador precisa dedicar a consultas de tabelas e livros, mais ações ele consegue realizar. O jogo flui, as aventuras têm mais ações, e o jogador chega a suas recompensas mais vezes e mais rápido, seja levar uma poção mágica conhecida como cura única para uma praga que assola um reino inteiro, seja vencer um torneio de gladiadores e tornar-se conhecido e respeitado por todo o continente, seja matar um ogro que atacou o acampamento do grupo.


Bibliografia: ALVES, Lyyn Rosalina Gama. Game over: jogos eletrônicos e violência. São Paulo: Futura, 2005. CAILLOIS, Roger. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia, 1990. COOK, Monte. Dungeons & Dragons: Livro do Jogador. / Monte Cook, Jonathan Tweet, Skip Willians; Tradução: Fabiano Castro e Castro – São Paulo: Devir, 2001. DEBBIO, Marcelo Del. Trevas. São Paulo: Daemon Editora, 2001. JOHNSON, Steven. Surpreendente!: a televisão e o videogame nos tornam mais inteligentes. / Steven Johnson; tradução Lucya Hellena Duarte. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. LUYTEN, Sonia M. Bibe. Cultura pop Japonesa. São Paulo: Hedra, 2005. A Segunda Guerra Mundial nos Games O Colosso é Enorme: A Imagem na Narrativa dos Games Uma Tipologia dos Games Entre Combos e Enigmas Manual do Aventureiro Tormenta Plano Diretor da Promoção da Indústria de Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos no Brasil


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