Um Celeiro e Dois Discursos: Estratégias Compartilhadas de Barnyard Guilherme Thewes Fernandes
Michelle Campos Sesterrem
Centro Universitário Feevale, Curso Superior de Tecnologia em Jogos Digitais, Brasil
Figura 1: Capa do filme Barnyard: The Original Party Animals e capa do jogo Barnyard para o console Wii.
Resumo A adaptação do cinema para os games tem contribuído para a análise do diálogo entre mídias. Neste artigo pretende-se evidenciar, dentro do jogo Barnyard do console Wii, o uso de similares estratégias discursivas do cinema. Analisa como essas estratégias operam dentro da narrativa e como compõem uma tendência emergente da produção cinematográfica atual. A conexão entre a indústria dos jogos digitais e cinema nasceu na década de 70, junto com a invenção do videogame, possibilitando a utilização do cinema como fonte de inspiração para a criação de novos jogos. Atualmente, esta parceria continua cada vez mais forte, principalmente no que diz respeito às adaptações desenvolvidas do cinema para os jogos digitais, não somente como inspiração, mas como estratégia mercadológica. É neste cenário que o uso de estratégias em comum configura um discurso estabelecido sobre contínua conexão com outras mídias.
Abstract The movie adaptation for the games has contributed to the analysis of the dialogue between media. This article wants show, in the game Barnyard of Wii console, the use of similar strategies discursive movie. It examines how these strategies operate within the narrative and how to compose an emerging trend of film production today. The connection between the industry of games and digital cinema was born in the 70, along with the invention of the videogame, enabling the use of cinema as a source of inspiration for the creation of new games. Currently, this partnership continues growing stronger, particularly with regard to movie adaptations developed for digital games, not only as inspiration, but as a market strategy. It is this scenario that use
same strategies established a dialogue on continuous connection to other media. Palavras-chave: jogos digitais, estratégia discursiva, Barnyard
games,
cinema,
Contato dos autores: {guilherme,michella}@feevale.br
1. Introdução Sempre que uma nova mídia nasce, reacende o velho rumor do fim de sua antecessora. Apesar de nenhuma dessas mídias ‘condenadas’ ter morrido o debate é inevitável. O que sempre acontece de fato é a remediação 1 . “O videogame é comparado em diversos estudos com a literatura, o cinema, os quadrinhos, a internet. Isso não quer dizer que ele não tenha se apropriado de outras gramáticas para se estabelecer, mas no seu estágio de desenvolvimento já aparecem sentenças próprias que podem ser reconhecidas.” [PINHEIRO, 2007] Os videogames, alvo dessa polêmica desde seu surgimento (e em constante mutação até hoje) parecem estar começando a encontrar seu próprio caminho ao se aproximar do cinema, talvez por esta mídia também possuir uma trajetória de forte remediação. Embora, antes mesmo do videogame ser inventado, MacLuhan já tivesse anunciado o erro de julgamento de novos meios através da comparação com meios 1
A remediação acontece sempre que uma mídia é incorporada ou representada em outra. Esta é a lógica pela qual as novas mídias remoldam as anteriores.
anteriores por tender a negar o novo, ainda hoje, quase meio século depois, existem muitas pessoas que cometem esta falha na avaliação. Talvez pelo medo instintivo que o ser humano nutre do novo e a tendência a aceitar somente o conhecido e confortável. Mas o mercado mostra que já é hora de sair da caverna e enfrentar a Matrix. O fato é que hoje a rentabilidade da indústria dos jogos eletrônicos está superando até mesmo a indústria do cinema, como mostram os números de venda de Grand Theft Auto IV, que arrecadou 500 milhões de dólares 2 em sua primeira semana de vendas e superou Halo 3 que vendeu 300 milhões 3 e era dono do título entre os games. Em relação ao cinema, GTA4 também excedeu a bilheteria da semana de estréia de SpiderMan 3, que faturou cerca de 335 milhões 4 . Uma indústria que, de acordo com a Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos, tem previsão de crescimento de 20% ao ano e supera um blockbuster 5 não deve ser ignorada, mas sim se tornar uma aliada. A parceria com os games tem sido vista com bons olhos pelo cinema americano já há alguns anos, quando grandes empresas começaram a planejar lançamentos simultâneos, ou próximos, de filme e jogo adaptado. Talvez essa seja uma contribuição dos super-heróis americanos, que já possuem jogos baseados em suas histórias em quadrinhos desde os anos 70 com, por exemplo, Superman e Batman. Porém, somente nos últimos anos, após o boom causado pelo primeiro filme do Spider-Man é que essa estratégia comunicativa tenha se fortalecido e destacado. “Assim, os grandes estúdios cinematográficos como a Universal, Warner Bros, Paramount, entre outros, procuram desenvolver os filmes em conjunto com os jogos, pois isto resulta numa facilidade enorme em utilizar atores, diretores, produtores, coreógrafos e cenários para a conversão do entretenimento eletrônico.” (GOTTARDI, 2006) Essa tática já é utilizada há muito tempo pelos japoneses que lançam sistematicamente mangás, animes, games, filmes, brinquedos, entre outros produtos, baseados no mesmo argumento original 2
De acordo com o site www.ign.com, consultado em 16 de junho de 2008. 3 De acordo com o site www.wikipedia.org, consultado em 16 de junho de 2008. 4 De acordo com o site www.rottentomatoes.com, consultado em 16 de junho de 2008. 5 O lançamento de um blockbuster, ou filme de grande orçamento e proporcional expectativa de público, traz consigo um sem número de matérias em jornais e revistas especializadas. E se o lançamento tem como protagonista um personagem do universo dos quadrinhos, sua receptividade por parte da mídia parece ainda maior. Isto se dá provavelmente pela importância da Cultura Pop na sociedade atual.
como, por exemplo, o mundialmente conhecido Naruto. Muitas vezes o público, e mesmo sites especializados como Gamespot ou Roten Tomatoes questionam, por exemplo, porque determinado personagem do filme não aparece no jogo, ou porque uma fase interessante do jogo não foi explorada no filme. Embora se possa cogitar ou imaginar o motivo de certas situações, tanto no filme quanto no jogo, nunca se terá certeza se elas são propositais ou apenas coincidências, a menos que a empresa declare abertamente. Uma empresa com condições de realizar um lançamento mundial de jogo e filme não o fará sem articular inúmeros detalhes. Questões como: em que países serão lançados? Em que data? Com esse prazo o jogo ficará pronto a tempo de ser lançado junto com o filme? Em quantos idiomas o jogo será traduzido? Em quantos idiomas o filme será traduzido? É necessário lançar o jogo junto com o filme? Como será o jogo? Quem será o público-alvo? Pontos importantes como estes são decididos na esfera da estratégia, pois são baseados em dados e fatos e não em mero “feeling”. Essas estratégias se dividem em comunicativas (que conduzem o produto midiático da indústria para o mercado e visam a sustentabilidade) e discursivas (que se baseiam nas estratégias comunicativas e, como o nome diz, formatam o discurso). Nesse panorama de mercado, remediação e estratégias, se insere o produto midiático objeto de estudo deste artigo: Barnyard 6 , o qual se fará uma análise das estratégias discursivas compartilhadas do filme com o jogo, lançado para o console Wii 7 , com o intuito de demonstrar o diálogo entre essas mídias.
2. Barnyard: O Filme Barnyard é um filme da Paramout Pictures, em associação com a Nickelodeon Movies e O Entertainment. Foi escrito e dirigido por Steve Oedekerk, produzido por Steve Oedekerk e Paul Marshal. A história de Barnyard, se passa numa fazenda onde o touro Ben (Sam Elliot no original e Luiz Carlos Persy na versão brasileira) é o líder dos animais, que 6
No Brasil o filme foi lançado com o nome de “O Segredo dos Animais: Venha Para a Festa” e nos Estados Unidos como “Barnyard: The Original Party Animals”, porém como o jogo não foi lançado no país, o filme é originalmente americano e o nome do jogo é somente “Barnyard”, optou-se por usar o título do jogo neste artigo. 7 Wii é o quinto console da Nintendo, lançado em 19 de novembro de 2006 nos Estados Unidos, 2 de dezembro de 2006 no Japão e em 8 de dezembro de 2006 na Europa.
resolve os problemas, divide as tarefas e protege os animais contra os ataques dos coiotes. Quando Ben morre seu filho adotivo, Otis (Kevin James/Guilherme Briggs) é obrigado a abandonar a vida desregrada para aprender a lidar com sua primeira responsabilidade séria: ocupar o lugar deixado por seu pai.
Figura 2: Otis triste e em conflito após a morte de Ben. Junto de Otis estão sempre o rato Pip (Jeffrey Garcia/Manolo Rey), o galo Peck (Rob Paulsen/Paulo Vignolo), o furão Freddy (Cam Clarke/Clécio Souto) e o porco Pig (Tino Insana/Mauro Ramos). E uma vaca nova na fazenda: Deisy (Courteney Cox/Sylvia Salustti).
missões e comprando itens para completar a festa do celeiro. A esfera da narrativa do jogo apresenta a rotina de animais que agem como humanos na ausência dos mesmos. As tarefas do jogo incluem andar de bicicleta, de carro, jogar golfe, cozinhar, entre outras. Assim como uma sociedade humana, a comunidade de animais da fazenda é organizada hierarquicamente, com regras que visam o bem-estar de todos e cada um possui tarefas que contribuem com a harmonia, como cuidar para que guaxinins não roubem alimentos da horta, coletar mel e cuidar dos pintinhos. A história do jogo está situada em um momento anterior aos acontecimentos do filme, pois Ben ainda está vivo e lidera todos os animais. Quando o jogador inicia o jogo tem a opção de escolher se quer uma vaca ou boi e a raça, ou seja, diferente de muitos jogos adaptados em que o protagonista do filme também é do jogo, em Barnyard o jogador é um bovino qualquer e que no filme poderia ser tranquilamente um figurante. Essa decisão contribui tanto com a narrativa do jogo quanto com a interface, pois se na narrativa incentiva a liberdade de ir e vir sem se preocupar com o roteiro do filme, na interface permite montar o personagem, além de dar o nome que quiser.
“A idéia de “Barnyard” nasceu aproximadamente duas décadas atrás, (...) “Eu estava na casa de um amigo e seu cachorro ficava olhando para mim” lembra ele. “E todo lugar que eu ia ele continuava olhando pra mim. Desde então eu guardo uma imagem na minha cabeça, de mim deixando a sala e o cachorro ficando em pé e dizendo “Cara, já tava na hora dele ir embora.” Ele se vira para o gato e os dois voltam a jogar pôquer.” 8 [OEDEKERK, 2006] O filme chegou aos cinemas americanos no dia 4 de agosto de 2006, e no Brasil teve sua estréia no dia 27 de outubro do mesmo ano. Barnyard arrecadou nos Estados Unidos 73 milhões de dólares e 108 milhões ao redor do mundo, e foi orçado em 51 milhões.
3. Barnyard: O Jogo No jogo Barnyard o objetivo é ser o número um da festa competindo em mini-games, completando 8
Tradução dos autores desse trabalho: The idea for “Barnyard” was born two decades ago, (…) “I was at a friend’s house and his dog was looking at me” he remembers. “And everywhere I went, it just kept looking at me. Since I am overtly visual I had this image of me leaving the room and the dog standing up on two legs and saying, “Man, it’s about time that dude left”. And he strolls over to the cat and they go back to playing poker. Disponível no site oficial: www.barnyardmovie.com acessado em 17 de junho de 2008.
Figura 3: Corrida de Bicicleta.
Uma forte característica da interface é o universo aberto. Conforme a narrativa se desenvolve e as missões são completadas o jogador recebe as chaves para abrir novos locais, mas em nenhum momento ele é obrigado a fazer algo, tendo a opção, por exemplo, de passar dias e noites seguidos apenas jogando os minigames. Dois dispositivos são fundamentais na fluidez do jogo para essa característica de universo aberto: a bicicleta e o mapa, os quais mostram sua importância a medida que os locais são destravados e as missões se tornam mais distantes. O inventário do jogo também mostra sua importância. É nele que se encontra o mapa, que auxilia para se guiar nesse universo aberto, o celular, que serve para que os outros animais do celeiro mandem mensagens para novas missões e o óculos escuro, marca registrada do jogador quando faz
missões que envolvem competição direta com Otis, tiro ao alvo, treinamento e pode ser usado em qualquer momento do jogo. Além desses elementos, é no inventário (de espaço ilimitado) que ficam todos os itens recolhidos no cenário, como as maçãs, que podem ser vendidas para arrecadar mais dinheiro e assim comprar os itens necessários para a festa. O cenário de Barnyard tem muitos elementos, que o jogador pode interagir, como caixas, latas ou feno, dos quais podem surgir moedas. Outros objetos também podem ser guardados no inventário, como as flores ou o leite, para serem vendidos posteriormente. No cenário também existe um tronco de árvore, que dependendo do turno (dia ou noite), pode ou não ser interativo (ele estará brilhando nos momentos em que pode ser acessado), onde se coloca uma moeda especial (Gold Rush Token) e aparece um caminho de moedas para ser seguido. Esse dispositivo se parece muito com um caça níquel, a diferença é que não há como perder. A medida que o jogo corre e o jogador vai completando as missões, alguns mini-games, são disponibilizados, permitindo que o jogador tente concluir uma tarefa novamente. Estas tarefas, quando completas podem lhe dar estrelas (posto mais alto no ranking daquele mini-game), que servem para contabilizar o quão bem o jogador completou certas tarefas, e assim competir com Otis, para ser o melhor do celeiro. Quando se consegue uma estrela o minigame fica marcado com um círculo em volta da estrela amarela que marca o local do mini-game, caso o jogador não tenha obtido nenhuma estrela o local fica marcado apenas com uma estrela cinza. As missões, tanto as que geram mini-games, quanto as que não geram, são passadas pelos outros animais. Elas podem se caracterizar como competição contra eles ou como uma tarefa como, por exemplo, correr de carro pela cidade, ou coletar peças mecânicas para Miles (a mula) montar uma arma que atira tomates nas doninhas que tentam roubar as verduras da horta, ou mesmo ajudar Otis de se aproximar da vaca Deisy.
vasilhas que estão dentro do celeiro ele pode chacoalhar o controle para transformar o leite em creme e, se quiser, pode chacoalhar mais ainda e transformar o creme em manteiga. Quando está dançando em duas patas pelas costas do carteiro, se este ameaçar se virar para trás o jogador deve abaixar o controle para que o personagem fique de quatro patas. Esses exemplos e tantos outros que podem ser encontrados no jogo demonstram a forma como a equipe de desenvolvimento do jogo explorou de forma eficiente a interatividade desta interface gerada da tecnologia do controle Wii Remote 9 . A tecnologia utilizada no jogo Barnyard é o 3D 10 . É importante ressaltar que de forma geral a qualidade gráfica dos jogos que utilizam 3D possuem uma quantidade de polígonos específico por personagem e cenário que depende do console a ser trabalhado por exemplo, o PS3 11 permite gráficos mais realistas do que o Wii por uma questão de capacidade de processamento diferenciada. Essa adequação tecnológica foi aplicada em Barnyard para que o jogo não ficasse lento, obrigando a diminuir a quantidade de polígonos do jogo.
4. Estratégias Discursivas Compartilhadas em Barnyard Primeiramente é importante destacar a estratégia comunicativa referente ao público-alvo de Barnyard, tanto para o filme quanto para o jogo. O filme possui classificação livre no mundo todo, o que não acontece no jogo, pois, por exemplo, nos Estados Unidos o jogo é classificado para maiores de 10 anos enquanto na Inglaterra crianças com mais de 3 anos estão autorizadas a jogar. Esse público-alvo, no caso as crianças, influenciou em outra estratégia comunicativa, que é a decisão de quais consoles receberiam o jogo, o que se aplicou ao Wii.
9
Figura 4: Mini-game
Outro fato importante na questão de interface, neste caso, é o console utilizado. O controle do Wii confere aos mini-games de tiro a sensação de manusear a mira de forma mais realista, pois exige mobilidade por parte do jogador. Quando o jogador coleta seu leite nas
Outrora chamado apenas como "freehand", o Wii Remote (também chamado de Wiimote) é um controle que capta os movimentos que o jogador faz ao movêlo, funcionando como uma espécie de "mouse aéreo". Além disso, ele conta com sistema de vibração (rumble) e um pequeno alto-falante que emite sons mais simples e próximos como o bater da espada ou o som de um tiro, que quando acertam seus alvos têm os sons emitidos pela TV, dando a impressão do movimento da bala/flecha no ambiente. 10 O termo “3D” é utilizado no presente artigo para caracterizar Modelagem em 3D, de cenas estáticas (renderização) e imagem em movimento (animação). 11 PS3 ou Playstation 3 é o terceiro videogame caseiro produzido pela Sony Computer Entertainment e sucessor do PlayStation 2 como parte da série PlayStation. O PlayStation 3 compete contra o Xbox 360 da Microsoft e o Wii da Nintendo como parte da sétima geração de consoles de videogame.
A escolha do Wii como um dos consoles a receber o jogo de Barnyard , teve como fator de decisivo o público-alvo do próprio console, que possui em sua lista de jogos muitos com o público-alvo infantil. A forma de jogar Wii também privilegia as crianças, que possuem mais facilidade na interação com o console do que os adultos, estes que também preferem jogos com gráficos mais detalhistas, como os do PS3. Tomadas essas decisões estratégicas a equipe de desenvolvimento do jogo criou suas estratégias discursivas relativas a forma de utilizar os controles do Wii dentro do jogo Barnyard e é nesse âmbito que a interface foi desenvolvida. A tecnologia utilizada no jogo Barnyard é muito parecida com a usada no filme. Ambos foram desenvolvidos em 3D e há fortes indícios de que os personagens do filme tenham sido fornecidos para a equipe que produziu o jogo (ou vice-verso), pois são todos idênticos nas duas mídias. A diferença pode ser notada nos cenários, uma vez que o console Wii não possua capacidade para processar o mesmo número de polígonos utilizados no filme. Nessa questão foi dada preferência para que se mantivesse o número de polígonos mais aproximado do filme no jogo para os personagens enquanto o cenário se adapte com um número menor por essa questão tecnológica que não suportaria todos os cenários em alta qualidade, considerando o tamanho do universo do jogo. Essa comparação pode ser confirmada na observação da Figura 5.
o que também pode ser notado na Figura 5, que demonstra a forma que as duas mídias formataram a animação no jogo de golfe. A esfera da narrativa do jogo apresenta uma história de Barnyard em um momento anterior ao filme. O roteiro foi elaborado de forma a mostrar a rotina dos animais da fazenda, com algumas tarefas que aparecem como missões para o jogador e as brincadeiras de Otis e seus amigos, que se tornaram mini-games como, por exemplo, fazer danças e caretas pelas costas do carteiro. Essas brincadeiras que aparecem em apenas alguns segundos do filme, mas são valorizadas no jogo como momento de descontração e treinamento para evoluir o personagem. Apesar de jogo e filme se passarem em momentos distintos, a narrativa do jogo segue a mesma linha de raciocínio do filme: a evolução do personagem segue a evolução de Otis, pois a certa altura do jogo você deve dar uma lição nos meninos que perturbam as vacas, a batalha com os coiotes acontece na parte final do jogo e o fazendeiro nunca vê os animais agindo como humanos, pois isso só acontece no filme e, como o jogo se passa num período anterior, quebraria a sintonia. A personalidade dos animais também é a mesma no filme e no jogo, o que se evidencia até mesmo nos diálogos com chavões, como o “Sweet!” repetido por Pig tanto no filme quanto no jogo para expressar o quanto aquele momento é legal para ele. A tentação de comer as galinhas que o furão Freddy demonstra durante o filme e que no jogo aparece sempre que se chega perto do galinheiro durante o dia e se vê Freddy embaixo da rampa da porta. O bom humor de Pip também se repete nas duas mídias, assim como seu chavão de comprimento “Hey!” ou “dude”, dito sempre que ele se despede do jogador. Toda a trilha sonora 12 do jogo é a mesma do filme. A dublagem dos personagens foi feita pelos mesmos profissionais, as músicas são as mesmas, assim como os barulhos em geral. É impossível definir se a trilha sonora foi criada para o jogo e utilizada no filme, mas há fortes indícios dessa estratégia, pois a complexidade de criar um clima apropriado para determinados momentos do jogo é maior do que para o filme. O que não se pode negar é que, no mínimo, a trilha sonora foi desenvolvida em parceria entre os produtores das duas mídias. Mais do que uma simples repetição de imagens, sons e atitudes, o fato dos personagens terem a mesma essência demonstra a preocupação do compartilhamento de uma estratégia discursiva entre as duas mídias.
Figura 5: Comparação entre o filme (cima) e o jogo (baixo).
Outra questão tecnológica que fica clara são os movimentos do jogador idênticos aos de Otis no filme,
12
O termo “efeito sonoro” é utilizado no presente artigo para caracterizar todos os sons produzidos.
HUIZINGA, J. 1971. Homo Ludens: o Jogo Como Elemento da Cultura. São Paulo: Perspectiva.
5. Considerações Finais Durante a análise desenvolvida, estabeleceram-se estratégias discursivas comuns entre o cinema e os games. Ressaltaram-se quais movimentos, na ordem do discurso, são compartilhados pelas narrativas de cinema e jogos digitais. Definiram-se estratégias discursivas dentro da linguagem do cinema, cujos modos de operação foram identificados e descritos no âmbito do cinema e dos games. Pretende-se ter justificado, através da interpretação da obra escolhida como corpus da pesquisa, o filme adaptado para o jogo digital, Barnyard, que as estratégias descritas puderam ser resgatadas, e seu modo de operar, descrito. É de suma importância a busca do entendimento da função dos games como mídia e como elemento da indústria do entretenimento, já que eles representam o maior faturamento dessa indústria e chegam a ter títulos com vendas na casa dos milhões e arrecadação na casa dos bilhões de dólares ao ano. Espera-se que a desmistificação da adaptação do cinema para os jogos digitais, no caso deste trabalho através de Barnyard, tenha servido como fator de elucidação de questões como a remediação e a forma como ela acontece neste caso, evidenciando o diálogo entre essas mídias de forma harmônica no mercado do entretenimento. Dessa forma, é possível afirmar que as estratégias discursivas compartilhadas estão criando uma nova forma de adaptar um filme para um game.
MCLUHAN, M. 1996. Os Meios de Comunicação Como Extensões do Homem. 8. ed. São Paulo, SP: Cultrix. 407 p. MURRAY, J., H. 2003. Hamlet no Holodeck: o Futuro da Narrativa no Ciberespaço. São Paulo: Itaú Cultural: Unesp. PINHEIRO, C., M., BRANCO, M., Á., A. 2005. Entre Combos e Enigmas. Trabalho apresentado no GT de Tecnologia, no Seminário Internacional de Comunicação PUCRS-2005. Publicado in: Sessões do Imaginário, Porto Alegre: PUCRS. [online] Disponível na Internet em http://revistaseletronicas.pucrs.br, consultado em 17 de junho de 2008. PINHEIRO, C., M., BRANCO, M., Á., A. 2006. Uma Tipologia dos Games. Trabalho apresentado no GT de Tecnologia, no ALAIC 2006 (Unisinos). 201 Publicado in: Sessões do Imaginário, Porto Alegre: PUCRS. [online] Disponível em http://revistaseletronicas.pucrs.br, consultado em 17 de junho de 2008. PINHEIRO, C., M. 2007 Videogames: Do Entretenimento à Comunicação. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “História da Mídia Digital”, do V Congresso Nacional da História da Mídia, na Faculdade Casper Líbero, em São Paulo, SP, em junho de 2007. [online] Disponível na Internet em http://www.redealcar.jornalismo.ufsc.br, consultado em 17 de junho de 2008. SEGREDO dos Animais, O. United States Of America: 2007. Paramount Pictures, Manaus, AM: Vídeolar. 1 DVD (89min).
Agradecimentos A Walt Disney pela brilhante idéia de dar voz aos animais. Aos animais do celeiro por divertirem o público.
Referências BARNYARD United States Of America: 2006. THQ, Blue Tongue. BOLTER, J.D., GRUSIN, R., 1998. Massachusetts. London: Mit Press.
LEMOS, A. 1999. Cibercultura. Técnica, Sociabilidade e Civilização do Virtual. In: Pretto, N. (org). Globalização e Educação. Ijuí: Editora Ijuí.
Remediation.
BRANCO, M., Á., A. 2005. Quadrinhos.exe. São Leopoldo. 146f. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação. CAILLOIS, R. 1990. Os jogos e os homens. Lisboa: Cotovia. GOTTARDI, A., M. (org). A retórica das mídias e suas implicações ideológicas. São Paulo: Arte & Ciência, 2006, 230 p. [online] Disponível na Internet em http:// www.unimar.br, consultado em 17 de junho de 2008.
SESTERREM, M., C. 2007. Cinema com Cara de Quadrinhos: Sin City e 300. 2007. 73 f Monografia (Conclusão do Curso de Comunicação Social Habilitação em Jornalismo) - Feevale, Novo Hamburgo RS.